Confraria Chesterton Pernambuco

Fundada em 29 de maio de 2019

magnanimidade e humanidade. É mais

Moralidade rápido listar as coisas proibidas do que
as coisas permitidas porque, afinal, a
Positiva e maior parte delas é permitida, e apenas
algumas são proibidas. Se algum
Moralidade otimista fosse sustentar a ideia de uma
moralidade puramente positiva, teria
Negativa de começar por dizer a um homem
qualquer que, primeiro, ele pode
G. K. Chesterton
colher flores no campo, e só depois de
Do Illustrated London News (ILN), 3 de janeiro vários meses diria ao homem que ele
de 1920, Collected Works, Volume XXXII. também pode tacar pedrinhas no mar.
Comparados à moralidade positiva, os
“A salvação não é negativa, ela é
Dez Mandamentos são um exemplo
imensamente positiva.”
brilhante daquela concisão que é a
É muito comum ouvir-se uma grande alma da sabedoria.
quantidade de besteiras ditas contra o
Mas, claro, a falácia na verdade é ainda
que é negativo ou destrutivo. O tipo
mais fundamental. A moralidade
mais besta de progressista gosta de se
negativa é a própria moralidade
queixar da moralidade negativa e
positiva, só que dita de uma forma
compará-la, em desabono, à
mais simples e, portanto, mais positiva.
moralidade positiva. O tipo mais besta
Se me dizem que não devo matar o Sr.
de conservador gosta de falar mal das
Robinson, se alguém me detém no
reformas destrutivas e compará-las, em
meio do ato mesmo de matar o Sr.
desabono, às reformas construtivas.
Robinson, é evidente que o Sr.
Ambos, progressista e conservador,
Robinson não foi apenas salvo, mas foi
deixaram de lado o significado das
também de certa forma renovado, e
palavras “sim” e “não”. Responder
até mesmo criado. E aqueles que
“sim” a uma pergunta implica
gostam do Sr. Robinson (aqui o meu
responder “não” a outra. Desejar a
romantismo reacionário sugeriria a Sra.
construção de algo é também desejar
Robinson) perceberão, sem dúvida,
destruir aquilo que interdite essa
que recuperaram uma unidade vital e
construção. Um exemplo claro disso é
complexa. Da mesma forma, aqueles
o falatório a respeito da moralidade
que gostam da civilização europeia, e
“negativa” dos Dez Mandamentos. A
do código comum outrora chamado de
verdade é que a concisão dos
Cristandade, perceberão que a
Mandamentos é uma prova, não de
salvação não é negativa, mas
supostos horizontes limitados e
imensamente positiva, e até mesmo
taciturnos da religião, mas de sua
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muito complexa. Ficarão alegres com
seu escape muito antes de terem tido
tempo para examiná-la. Mas, mesmo
sem esse exame, ainda assim
perceberão que havia muito a ser
examinado, e que há muito a merecer
exame. Nada é negativo exceto o nada.
O nosso resgate não foi negativo,
apenas o nada e a aniquilação dos
quais fomos resgatados o são.
Do outro lado, há a mesma falácia
quanto à reforma destrutiva. Poderia
ser dito o mesmo quanto às guerras de
pura destruição. Em ambos os casos, a
destruição pode ser necessária para
que se evite mais destruição, e
também necessária a uma
possibilidade de construção futura. Os
homens não destroem um navio para
obter um naufrágio, mas podem
destruir uma árvore para obter um
navio. Reclamar de que passamos os
quatro anos da Grande Guerra
praticando a pura destruição é também
reclamar de que passamos esses anos
fugindo da nossa própria destruição. E
isso é, de novo, esquecer que a falha
do assassino significa a vida de um Sr.
Robinson que é ente positivo, não
negativo. Se tomarmos esse imaginário
Sr. Robinson como um exemplo do
homem moderno médio na Europa
Ocidental, e o estudarmos de cima a
baixo, encontraremos nele tanto
méritos quanto defeitos. E, nessa
civilização inteira que nós salvamos,
encontraremos também defeitos,
defeitos que chegam a equivaler a
doenças. Seus pés, embora não sejam
de barro, certamente estão enfiados
nele, presos à lama materialista do
desespero e da indigência industriais.
Dizer que a salvação do Sr. Robinson
do estrangulamento foi um bem
positivo, uma glória, é perder de vista o
sentido total da vida humana. É
esquecer cada bem tão logo o
tenhamos salvado; isto é, perdê-lo tão
logo o tenhamos obtido. O progresso
desse tipo é uma esperança inimiga da
fé, uma fé inimiga da caridade.
Quando as nossas esperanças pelos
tempos vindouros são perturbadas por
dúvidas e ansiedades, quando a paz
nos parece caótica, lembremo-nos de
que a nossa decepção é em verdade
uma ilusão. O nosso resgate é que é
uma realidade. Os motivos que temos
para sentir gratidão estão sempre
acima das forças de que dispomos para
agradecermos. As coisas novas são
feitas num sopro de humildade elevada
à nobreza, até mesmo de um temor
que é também nobre. Nós enchemos
as coisas de adornos nos momentos
em que mais as amamos. E nós as
amamos mais quanto mais as
tenhamos quase perdido.