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Política, espaço e cultura: as ligações entre poder e religião

Politique, espace et culture: les relations entre pouvoir et religion

Paul Claval

https://doi.org/10.4000/confins.7115

Os fatos políticos e religiosos

Na aproximação cultural dos fatos sociais, é importante partir dos processos que  os geram.
No campo político, falar de poder é falar da possibilidade que têm alguns de mandar fazer
coisas por outros. O poder tem diversas formas ou componentes: (1) a força física, a coação
que ela introduz e o medo que suscita seu uso eventual; (2) a autoridade legitima, que faz
aceitar as decisões e ordens de alguém como normais e conduz a seu cumprimento; (3) a
dominação econômica, que constrange esses que não possuem terras ou ferramentas de
produção, ou não têm acesso aos meios de transporte e comunicação, a trabalhar por um
salário por demais baixo; (4) a influência, que conduz alguém a convencer outros de agir para
ele.

A vida religiosa tem duas dimensões fundamentais: (1) ela tem por base crenças sobre o
bem, o mal, a justiça, a felicidade terrestre e celeste, o futuro, a salvação da alma, etc. Essas
crenças dão um sentido à vida presente ou futura de cada um e da comunidade, e propõem
regras para agir. (2) A vida religiosa dispõe também sobre práticas e rituais individuais e
coletivos. Elas regulam a existência de cada um, o obrigam a orar para Deus, a meditar
sozinho, e a participar em ações coletivas que criam o sentido de integração numa
comunidade.

Quais são as dimensões espaciais destes processos?

As dimensões espaciais do poder

As várias componentes do poder não têm as mesmas características e dimensões espaciais.

1- O poder que resulta do uso da força (ou poder puro) é ligado à presença ou à proximidade
da força física, da força armada. Não se interioriza os mandamentos do poder, não se
obedece voluntariamente a eles. Só se executa as ordens quando o dono (ou seus agentes)
estão próximos e podem fiscalizá-las. O poder puro não necessita de divulgação preliminar –
e sempre custosa - de conhecimentos e regras, mas seu custo de funcionamento instantâneo
é muito alto em termos de informação e de fiscalização. Para reduzir este custo, são
poucas as soluções: generalizar a delação, criar um clima de terror.   

2- O poder legítimo (ou a autoridade) tem características espaciais muito diversas. Cada um
interioriza os mandamentos do governo por que este é legítimo. A execução não depende da
proximidade da sede do poder ou da presença de seus agentes. A distância entre o que
manda e o que obedece cessa de aparecer como um obstáculo na dinâmica política. Quando
a autoridade do Rei, do Imperador ou do Presidente é aceita, nada limita o alcance de seu
poder e o tamanho de seu território – salvo a necessidade de fiscalizar uma minoria que por
ventura não tenha o governo como legitimo.

Se o funcionamento de um sistema político baseado sobre a autoridade é eficiente e barato, a


que ele implica é longa e custosa a construir: tem-se de aceitar os mesmos valores que o
soberano, de crer a mesma fé; a palavra dele tem de aparecer como credível e sincera.

Um sistema político não pode funcionar numa área extensa sem dar um papel central à
autoridade: a força e o poder puros são demais custosos. O resultado é que, a longo prazo,
os problemas de confiança sempre têm um papel considerável no palco político.

3- O domínio econômico sempre supõe uma distribuição desigual dos recursos e dos fatores
e ferramentas de produção. Ele repousa também sobre um acesso desigual às informações: o
agricultor que mora perto duma cidade onde ele vende diretamente sua produção no mercado
tem a possibilidade de permanecer como produtor independente. Se ele mora longe dos
mercados, não tem a possibilidade de conhecer os preços: os negociantes e intermediários o
exploram; ele perde rapidamente sua independência.

Com a evolução capitalista, o número de trabalhadores capazes de comprar as ferramentas


das quais precisam diminui: a exploração econômica torna-se um problema geral.

4- É claro que o domínio econômico é ligado ao acesso à informação. Mas as desigualdades


provêm mais da aptidão para apresentar uma argumentação, para construir uma
demonstração convincente, que do simples controle dos meios de divulgação das
informações. A influência tem um papel importante na construção do poder.

O que exerce uma influência o faz a partir de sua posição ou localização numa cadeia de
transmissão ou de produção de conhecimento, como mostrado por Max Weber: (i) Nas
sociedades do passado, a verdade vinha do passado: os anciões do grupo tinham o
monopólio de acesso à tradição. (ii) Nas sociedades modernas, a verdade resulta do uso da
razão e tem uma forma científica: os que falam no nome da razão tornam-se os donos de
influência. (iii) Em todas as sociedades, existem indivíduos excepcionais que têm acesso
direto e pessoal à verdade: eles tornam-se chefes carismáticos.

Nas sociedades contemporâneas, a estrutura hierárquica das redes de comunicação - edição,


imprensa escrita, radio, televisão - dá uma influência muita importante aos donos das mídias e
aos autores, jornalistas e realizadores. É uma influência que vem do centro dessas
sociedades.

A tela tem um papel diverso: ela permite relações simétricas, nas quais o jogo da influência
tem orientações diversas.

Numa sociedade, o sistema político sempre combina em proporções variáveis o uso da força,
da autoridade, do domínio econômico e da influência ideológica.
As consequências sobre as religiões de seu papel político

O uso da autoridade de origem religiosa para construir sistemas políticos eficientes teve
consequências importantes na vida religiosa e na organização das igrejas.

A dimensão ritual das religiões foi consolidada: participar em cerimônias religiosas públicas foi
um meio para sublinhar a solidariedade entre os sujeitos, e também entre eles e o soberano.

As igrejas mudaram também profundamente. Graças a sua associação com o poder político,
elas tiraram partido do exercício da força para a conversão dos infiéis – sob a forma
do djihad muçulmano e da cruzada cristã. No caso da Inquisição, elas tiraram partido também
da associação de seus tribunais com a força pública.

A influência das formas políticas sobre a organização religiosa foi peculiarmente forte no caso
do Cristianismo. A Igreja católica calcou sua organização territorial sobre aquela do Império
romano, com a diocese – e mais tarde, a paróquia - como unidade fundamental, e uma
hierarquia de bispos e arcebispos obediente ao papa.

No tempo da Reforma, os luteranos e os anglicanos guardaram a estrutura territorial e


hierárquica do catolicismo; só os calvinistas repudiaram a estrutura hierárquica, mesmo se
eles permaneciam fieis à estrutura territorial de paróquias. Daí a tendência ao pluralismo, à
desconcentração da autoridade e ao federalismo das sociedades influenciadas pelo
calvinismo – Suíça, Holanda, Estados Unidos.

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