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PROF.

FABRÍZIO RUBINSTEIN
DIREITO PENAL II

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

1. Conceito

Punibilidade é a conseqüência jurídica do crime. Extinção da punibilidade é a perda


do direito de punir.

Damásio de Jesus entende que "quando o sujeito pratica um crime, surge a


relação jurídico-punitiva; de um lado aparece o Estado com o jus puniendi; de outro, o réu,
com a obrigação de não obstaculizar o direito do Estado impor a sanção penal. Com a
prática do crime, o direito de punir do Estado, que era abstrato, torna-se concreto,
surgindo a punibilidade, que é a possibilidade jurídica do Estado impor a sanção".

É o poder que o Estado tem de aplicar a sanção penal a uma determinada pessoa
que tenha praticado um fato definido como crime, poder este que se manifesta através do
direito de ação e conseqüentemente do regular desenvolvimento do processo. A
punibilidade não é um elemento integrante do conceito de crime. É exógena a este
conceito. Em todos os casos é fator condicionante para a aplicação da pena, porém não
faz parte da estrutura do conceito de crime.

Temos três autores (Basileu Garcia, Mezger e Francisco Muñoz Conde) que
afirmam que a culpabilidade seria o quarto elemento do conceito analítico do crime. Para
essa posição, se não houver a punibilidade, estando presente qualquer causa de
exclusão da culpabilidade, isso faria o delito desaparecer.

Tal posição, entretanto, não deve ser seguida, por uma razão muito simples: você
pode ter crime sem punibilidade e a maior prova disso é o código trazer as causas de
extinção da punibilidade, isto é, o crime não deixou de existir. O crime continua existindo,
pois eu pratiquei um fato típico e antijurídico, culpável, mas tenho a culpabilidade extinta.
Um homicídio praticado há 30 anos atrás ao prescrever provoca a extinção da
punibilidade, mas o crime não deixa de existir.

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Na realidade, a punibilidade funciona como uma conseqüência do crime, isto é, se


praticarmos um fato típico e ilícito, sendo culpável, o jus puniendi abstrato do Estado vai
se concretizar e o Estado nos punirão.

Mas, jamais o Estado poderá exercer o jus puniendi sem haver a prática de um
delito. Então, pode muito bem ocorrer a prática de um injusto, culpável, e não haver
punibilidade, por haver, por exemplo, prescrição.

O caminho natural, no caso de uma prática de fato típico, antijurídico e culpável,


seria a aplicação de uma sanção penal, que pode ser uma pena privativa de liberdade,
uma restritiva de direitos etc. Mas, existem algumas hipóteses nas quais o Estado abre
mão de exercer o jus puniendi, por razoes de política criminal.

Portanto, a punibilidade não é exatamente elemento integrante do crime, mas é a


possibilidade jurídica de imposição da sanção penal. É aquilo que se busca através do
processo – a punição de alguém que tenha praticado um fato típico, um fato jurídico, que
seja culpável. É a possibilidade de impor a sanção penal.

2. Causas Extintivas da Punibilidade (art. 107, CP)

O rol não é taxativo, é meramente exemplificativo. A doutrina entende que o artigo


107, CP não esgota todas as hipóteses de extinção da punibilidade, pois existem outras
causas fora do citado artigo.

Exemplo: morte do ofendido nos crimes do artigo 236 do CP; cumprimento do


sursis (art. 89, § 5º da Lei 9.099/95) e do livramento condicional; reparação do dano no
crime culposo; pagamento do tributo nos crimes contra a ordem tributária; etc.

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Mirabete: "originado o jus puniendi, concretizado com a prática do crime, podem


ocorrer causas que obstem a aplicação das sanções penais pela renúncia do Estado em
punir o autor do delito, falando-se, então, em causas de extinção da punibilidade".

No caso de concurso de pessoas, as causas extintivas podem ser comunicáveis e


incomunicáveis. As comunicáveis são as seguintes: abolitio criminis; perempção;
renúncia; perdão. Já as incomunicáveis são: morte do agente; graça; indulto; perdão
judicial. A anistia e a prescrição, em regra, também são comunicáveis.

As escusas absolutórias têm o mesmo efeito de uma causa extintiva da


punibilidade. Nesse caso, a conduta é típica, ilícita e culpável, porém a lei, por questões
de política criminal, entende que não deve ser aplicada a pena. Exemplo: artigos 181 e
348, §2°, CP.

Em regra, as causas extintivas da punibilidade podem ocorrer antes da sentença


final ou depois da sentença condenatória definitiva. Trata-se de questão importante na
análise da reincidência e outros efeitos da sentença condenatória definitiva. Verificando-
se a causa extintiva da punibilidade antes da sentença final não haverá reincidência. Ao
revés, será o agente considerado reincidente, salvo nas hipóteses de abolitio criminis e
anistia.

Para se chegar à punibilidade, primeiro se afere o fato típico: há uma conduta


dolosa, culposa, há uma via causal, resultado, etc?

Depois, vai-se para a antijuridicidade: o sujeito matou, o sujeito furtou,


constrangeu?

Ultrapassados esses três pontos, vai-se para a punibilidade, que é aquilo que se
busca com o processo, não mais com o direito penal: possibilidade de punição do agente.

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Pode acontecer que o sujeito tenha praticado fato típico antijurídico, seja culpado,
havendo tudo pronto para condená-lo. No momento em que o juiz vai prolatar a sentença
condenatória, vem aos autos a certidão de óbito do sujeito. Extingue-se, então, a
punibilidade.

Pode ocorrer que o sujeito, por uma imperícia, no momento de manipular um


produto químico, tenha provocado uma explosão, e causado lesões em terceiros. Mas,
quem sofre as maiores lesões é o próprio sujeito, e o juiz, neste caso, aplica a extinção da
punibilidade, e o perdão judicial, pois o sujeito foi o mais atingido por sua própria conduta
imperita. Embora o fato típico aponte como culpado o sujeito, há aí uma causa extintiva
da punibilidade.

Embora, em regra, as causas extintivas da punibilidade estejam elencadas no


artigo 107 CP, como vimos, esse rol não é taxativo, está em várias partes do Código
Penal, e, principalmente, na legislação extravagante.

O importante é lembrar que só se pode punir se o agente for culpável e que a


extinção da punibilidade não exclui a culpabilidade.

Diante do exposto, podemos então concluir que o instituto da punibilidade é


diferente de imputabilidade.

A punibilidade é a possibilidade jurídica de impor a sanção penal, ou seja, só se


pode punir se o sujeito for culpado.

Na imputabilidade, embora seja o sujeito culpado, pode ocorrer um fato ou outro


que impeça de acionar a punição. Ele é culpado, é imputável, tem a consciência da
ilicitude, não lhe é exigida outra conduta senão aquela que ele tomou; no entanto,
ocorreu, por exemplo, a prescrição.

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Ex.: se um sujeito pratica um homicídio em 1980. A polícia, investigando desde


esta data, em 2003, descobre o Autor. Porém, entre o fato e o momento da descoberta,
há um período superior a vinte anos, e prescreveu.

Então, o fato é típico, antijurídico e o agente é culpável, porém, não pode ser
punido. Daí, a conclusão: é preciso que juridicamente possa-se impor a sanção.

2.1. Morte do Agente

Agente é o sujeito ativo em qualquer momento da persecutio criminis (indiciado,


réu, sentenciado, detento ou beneficiário). A morte pode ocorrer em qualquer fase: antes
do inquérito, durante a ação penal ou durante o cumprimento da pena.

A prova da morte é feita por certidão de óbito e é causa personalíssima que não se
comunica aos co-autores ou partícipes.

Art. 61, CPP. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade,
deverá declará-lo de ofício.

Art. 62, CPP. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito,
e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.

Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.

Por que somente se prova por via documental? A regra vem do direito civil e foi
transferida para a legislação processual penal. E a declaração de ausência? Vale como

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morte? Prevalece na doutrina que não. A declaração de ausência não se equipara,


embora Heleno Fragoso admitisse esta possibilidade.

Se após o trânsito em julgado da decisão que extinguiu a punibilidade do agente


pela morte, baseada numa certidão de óbito falsa, for descoberto que o agente está vivo,
predomina na doutrina (Heleno Fragoso, Luiz Regis Prado, Fernando Capez) a opinião de
que nada mais poderá ser feito, sem prejuízo da apuração do delito de falsidade
documental, não cabendo revisão criminal em favor da sociedade.

Porém, já existe entendimento diverso no STF e no STJ

“Aquela decisão, como se baseou em um fato inexistente, não faz coisa julgada
material, pois trata-se de ato inexistente, não tendo conseqüência jurídica. Portanto,
poderia ser revista pelo juiz: “o desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a
morte do agente, declarou extinta a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada.
Habeas corpus indeferido” (HC 60095-6/RJ – Rel. Rafael Mayer).”

A Turma, entre outras questões, entendeu que pode ser revogada a decisão que,
com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do ora paciente, uma vez
que não gera coisa julgada em sentido estrito. A formalidade não pode ser levada a ponto
de tornar imutável uma decisão lastreada em uma falsidade. O agente não pode ser
beneficiado por sua própria torpeza. Precedente citado do STF: HC 84.525-8-MG, DJ
3/12/2004. HC 143.474-SP, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-
SP), julgado em 6/5/2010.

O art. 61 do CPP prevê o dever de declarar de ofício a extinção da punibilidade


durante o processo. Na fase de Inquérito Policial, o correto e mais técnico é promover o
arquivamento do procedimento investigatório e não requerer a extinção da punibilidade.

A decisão de arquivamento do inquérito não faz coisa julgada material. Logo,


incabível a discussão anteriormente abordada a respeito da utilização de uma certidão de
óbito falsa no curso da investigação, que importa no arquivamento da mesma.

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Embora tenha a sua natureza, hoje, equiparada a dívida de valor (art. 51, CP), a
multa criminal não paga passou a ser tratada como dívida ativa. Apesar desse tratamento,
a multa continua tendo a natureza jurídica de pena. E, assim, aplica-se a ela o princípio
da intranscendência (não pode ultrapassar da pessoa do apenado). Assim, com a morte
do condenado, a pena não mais poderá ser cobrada. Ressalte-se, entretanto, que os
efeitos civis decorrentes da condenação criminal não fica extinta com a morte do
condenado. A obrigação de reparar o dano transmite-se aos sucessores, nos limites da
herança.

2.2. Anistia, Graça e Indulto

Têm origem no direito medieval, na chamada Indulgência do Príncipe, Clemência


do Soberano. Acarretam um perdão ao agente que cometeu o fato criminoso. Diferem-se,
inicialmente, por quem tem competência para emiti-los.

2.2.1. Anistia

A anistia, que tem efeitos mais amplos, etimologicamente significa esquecimento


(“passar uma esponja no passado”). É o ato do poder soberano que releva infrações
criminais praticadas, impedindo ou extinguindo processos instaurados, ou tornando sem
efeito condenações impostas.

Trata-se de instituto jurídico que, basicamente, tem aplicação para crimes políticos,
militares ou eleitorais. Mas pode ser aplicada a outros crimes? Duas correntes disputam
esse tema:

Para a primeira corrente, defendida por Cezar Bitencourt, não pode ser aplicada a
anistia a um delito que não tenha natureza de crime político, sob pena de violação da

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mens legislatoris, isto é, aplicar um instituto a um delito para o qual ele não foi criado.
Seria um desvio de finalidade.

Em sentido oposto, Rogério Greco afirma ser possível que a anistia seja aplicada
aos crimes comuns, isto é, que não sejam políticos sob o fundamento de uma ausência
de vedação legal.

Acrescente-se outro fundamento para abraçar esta segunda corrente: a Lei de


Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), no art. 2o, I, proíbe a anistia, a graça e o indulto aos
crimes hediondos e equiparados. Ou seja, se a Lei de Crimes Hediondos veda a
aplicação da anistia aos crimes comuns, é porque deve ser aplicado a outros crimes
comuns que não são hediondos (art. 5º, XLIII, CF).

A anistia opera ex tunc rumo ao passado; concedida, cessam todos os efeitos


penais e retorna à primariedade, embora subsistam os efeitos civis do delito.

A concessão da anistia é da competência da União, através do Congresso


Nacional, com a sanção do Presidente da República (art. 21, XVII, CF c.c art. 48, VIII,
CF).

Importante saber que enquanto a anistia apaga o fato, a abolitio criminis revoga a
norma.

2.2.2. Graça (Indulto Individual) e Indulto (Coletivo)

São clemências do Poder Executivo, que antecipa ao condenado os efeitos


liberatórios, que somente adviriam com o cumprimento da pena. Corresponde a uma
verdadeira liberação, desoneração, relativamente ao tempo restante de pena a cumprir.

"A graça, forma de clemência soberana, destina-se a pessoa determinada e não a


fato, sendo semelhante ao indulto individual. A Constituição Federal vigente, porém, não

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se refere mais à graça, mas apenas ao indulto (art. 84, XII). Por essa razão a Lei de
Execução Penal passou a tratá-la como indulto individual, o que não ocorreu na reforma
da Parte Geral do Código Penal.

Para Mirabete, o indulto coletivo abrange sempre um grupo de sentenciados e


normalmente inclui os beneficiários tendo em vista a duração das penas que lhe foram
aplicadas, embora se exijam certos requisitos subjetivos (primariedade, etc.) e objetivos
(cumprimento de parte da pena, exclusão dos autores da prática de algumas espécies de
crimes etc.). Ex.: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Decreto/D7046.htm.

Assim, a graça e indulto (art. 107, II, CP) constituem uma espécie de indulgência
do Estado e, em regra, são concedidos após o trânsito em julgado da condenação,
através de decreto do Presidente da República, que considera a pena cumprida antes de
seu final.

A diferença entre eles, então, é que a graça é individual (art. 188, LEP) e, em
regra, solicitada pelo agente, enquanto que o indulto é coletivo e espontâneo.

A Constituição Federal dispõe que crimes hediondos e equiparados a hediondos


não podem admitir anistia e graça. A Lei 8.072/90 adicionou a proibição de indulto, e, por
essa razão, alguns autores (Francisco de Assis Toledo, Alberto Silva Franco e Antonio
Scarance Fernandes) consideram tal inclusão como inconstitucional, pois não poderia o
legislador infraconstitucional ter feito uma restrição que não existe na lei maior.

Mas há uma segunda corrente, adotada pelas jurisprudências do STJ e do STF


(Informativo 486), onde se diz que a lei ordinária que veda o indulto é perfeitamente
possível. Isto é, a vedação do indulto pela lei de crimes hediondos é constitucional
porque a Constituição vedou a graça e a graça e o indulto são institutos muito
semelhantes.

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São tão semelhantes que ambos possuem a mesma natureza jurídica de causas
de extinção da punibilidade e ambos são concedidos pela mesma pessoa, ou seja, pelo
presidente da República. Logo, em razão da enorme semelhança, quando a Constituição
vedou a graça estaria implícita nessa vedação também a vedação do indulto.

No mesmo sentido, entendem Luís Regis Prado, Damásio de Jesus, Mirabete e


Luiz Vicente Cernicchiaro de que não há essa inconstitucionalidade, pois a matéria em
questão é totalmente infraconstitucional, não sendo vedado ao legislador ordinário
discipliná-la ao seu critério. Ademais, não teria sentido se proibir a clemência presidencial
individualmente e permiti-la coletivamente.

Na doutrina, predomina a opinião de que a comutação de pena é, na verdade, uma


modalidade de indulto parcial, e, em conseqüência, não pode ser admitida em relação a
crimes hediondos e assemelhados. É a posição dominante no STJ. Existe opinião, no
entanto, de que comutação e indulto são institutos diversos, logo, admissíveis em relação
a crimes hediondos e equiparados a hediondos.

Sobre os crimes de tortura, também se questiona se os condenados por crimes


praticados nessa lei podem ser beneficiados pelo indulto.

Art. 1º, § 6º, Lei 9.455/97. O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou
anistia.

A primeira corrente defende que é possível a concessão de indulto nos crimes de


tortura, tendo como fundamento o argumento de que a Lei de Tortura, que é específica,
não veda.

Em sentido oposto, afirma-se que não é possível a concessão de indulto, pois a Lei
de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) veda e o crime de tortura é equiparado a hediondo.

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2.3. Abolitio Criminis

A abolitio criminis (art. 107, III, CP) já foi analisada no estudo da lei penal no tempo
(art. 2º, CP).

Ocorre quando a lei penal retroage, atingindo fatos ocorridos antes de sua
entrada em vigor, sempre que beneficiar o agente de qualquer modo (artigo 5.º,
inciso XL, da Constituição Federal).

Se a lei posterior deixa de considerar o fato como criminoso, isto é, se a lei


posterior extingue o tipo penal, retroage e torna extinta a punibilidade de todos os
autores da conduta antes tida por delituosa.

Assim, como conseqüência da abolitio criminis temos que não subsistem os


efeitos penais, como a reincidência, maus antecedentes e o lançamento do réu no rol dos
culpados. Mas, permanecem vivos os efeitos civil, por exemplo, perda do cargo público,
obrigação de reparar o dano etc.

Ex.: A Lei 11.106/05, em relação ao adultério. Foi uma lei nova descriminalizadora.

2.4. Prescrição, Decadência ou Perempção (art. 107, IV, CP)

2.4.1. Prescrição

É a perda da pretensão de punir do Estado, ou de executar a punição imposta, face


à sua inércia em satisfazê-la dentro dos prazos legais.

Tem como fundamentos o combate à desídia do Estado, a inconveniência de se


punir o infrator muito tempo depois do crime.

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Com relação à natureza jurídica, entende-se que é um instituto de Direito Penal,


pois é uma causa de extinção da punibilidade.

Em regra, alcança todas as infrações penais; porém, a Constituição Federal traz


duas infrações imprescritíveis: crimes de racismo (artigo 5.º, inciso XLII) e os crimes
referentes a ações de grupos armados, civis ou militares, contra ordem constitucional e o
Estado democrático, como por exemplo, ações de terrorismo (artigo 5.º, inciso XLIV). Já o
crime de tortura prescreve.

Há duas espécies de prescrição: prescrição da pretensão punitiva e a prescrição


da pretensão executória que serão estudadas oportunamente.

2.4.2. Decadência

A decadência é a perda do direito de ação em virtude do tempo, diante do que o


Estado perde o jus puniendi. É quando a vítima ou quem tenha qualidade para
representá-la (representante legal ou sucessor processual), perde o seu direito de
oferecer Queixa-Crime ou de Representação, em virtude do decurso de tempo que,
ultrapassado, torna sem efeito tais medidas.

Em regra (art. 103, CP), o prazo é de 6 meses e começa a correr da data em que a
vítima toma conhecimento da autoria (art. 798, CPP) ou, no caso de ação penal privada
subsidiária da pública, do dia em que o Ministério Público passou a estar inerte (16º dia –
indiciado solto; 6º dia – indiciado preso).

Alguns autores defendem que, nesse último caso, porém, o decurso do prazo
decadencial não provocaria a extinção da punibilidade, pois o Ministério Público poderia
oferecer a denúncia enquanto não ocorresse a prescrição.

Mas, há exceções expresssas: art. 41, §1º da Lei 5.250/67 e art. 236, CP. Difere-se
do prazo prescricional porque não se interrompe ou suspende.

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Nos crimes habituais, predomina o entendimento de que o prazo de decadência


começa a correr do momento em que cessa a habitualidade.

Nos crimes permanentes, há controvérsia. Para alguns, inicia-se a partir do


momento em que cessa a permanência, enquanto que, para outros, a partir da data em
que se toma conhecimento da autoria.

Súmula 594, STF: Havendo dupla titularidade, o prazo decadencial é contado


separadamente.

Exemplo: fulano de tal estava preso e quando foi solto voltou para casa. Lá
chegando, encontrou a mulher com outro homem. Chateado com isso tentou entrar na
casa e a mulher não deixou. Com raiva, o fulano pegou alguns papéis e colocou fogo na
casa, respondendo por incêndio culposo. Ontem, passaram-se seis meses da descoberta
da autoria do fato.

Tese da defesa: o agente não quis causar um comportamento que violasse a


incolumidade pública, porque a casa ficava num lugar ermo, logo, não houve perigo para
a coletividade. O que houve nesse caso foi um crime de perigo concreto contra a esposa
e a pessoa que estava lá dentro. E esse crime de perigo concreto seria o crime de dano, e
o crime de dano é de ação penal privada. Sendo assim a defesa estava requerendo a
extinção da punibilidade pela decadência. E o magistrado concordou com essa idéia.

2.4.3. Perempção

É uma causa de extinção da punibilidade que só se cogita em sede de ação penal


privada, correspondendo a uma verdadeira sanção processual pela inércia ou desídia do
querelante (ou seus sucessores – art. 31, CPP).

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Significa a “morte” da ação penal privada em razão da negligência do querelante.


São hipóteses de perempção (artigo 60, CPP):

a) quando o querelante deixa de promover o andamento do processo por 30 dias


seguidos, a perempção é automática;

b) quando morre o querelante ou torna-se incapaz e nenhum sucessor aparece para dar
prosseguimento à ação, em 60 dias;

c) quando o querelante deixa de comparecer a ato em que deveria pessoalmente estar


presente;

d) quando o querelante deixa de pedir a condenação do querelado nas alegações finais;

e) quando o querelante é pessoa jurídica que se extingue sem deixar sucessor;

f) quando morre o querelante na ação penal privada personalíssima.

2.5. Renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação
privada

2.5.1. Renúncia do direito de queixa na ação penal privada (art. 104, CP)

É a abdicação do direito de oferecer queixa ou representação, que caracteriza a


extinção da punibilidade (art. 107, V, CP). Só é possível renunciar à uma ação penal
privada ou a uma ação penal pública condicionada, tendo em vista que o Ministério
Público jamais pode renunciar a qualquer ação pública.

A renúncia é unilateral, ou seja, não depende da aceitação do agente, sendo causa


extintiva da punibilidade. A renúncia, no entanto, é extraprocessual, só poderá existir
antes da propositura da ação.

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Existem duas formas de renúncia:

a) Expressa: quando houver uma declaração assinada pela vítima, ou seja, é aquela onde
o ofendido declara que não pretende exercer o direito de queixa.

b) Tácita: quando o ofendido pratica ato incompatível com a vontade de processar, de


oferecer a ação penal. Ex.: O caluniador é chamado para ser padrinho de casamento do
caluniado; a vítima convida o autor para a posse no cargo público ou para constituir uma
sociedade.

Em decorrência do Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal, a renúncia


concedida a um réu estende-se a todos, ou seja, quando houver vários réus, a renúncia
com relação a um deles implica, obrigatoriamente, a renúncia a todos.

No caso de dupla titularidade para propositura da ação, a renúncia de um titular


não impede a propositura da ação pelo outro.

De forma minoritária, é admitido na doutrina e jusrisprudência que o Ministerio


Público poderia aditar a queixa para incluir o co-autor.

Não se deve confundir renúncia com desistência, tendo em vista que aquela ocorre
antes da propositura da ação e esta depois da propositura da ação. A única situação de
desistência da ação está prevista no artigo 522, CPP.

Pergunta: A aceitação por parte da vítima da indenização civil gera renúncia?

Resposta: Não, por expressa previsão do artigo 104, parágrafo único, CP. No caso de
infração penal de menor potencial ofensivo, contudo, a homologação judicial do acordo
civil, realizada na audiência preliminar, implica renúncia ao direito de queixa ou
representação (artigo 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95).

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2.5.2. Perdão aceito nos crimes de ação privada (arts. 105 e 106, CP)

É possível somente na ação penal privada, tendo em vista que o Ministério Público
não pode perdoar o ofendido. O perdão aceito obsta o prosseguimento da ação,
causando a extinção da punibilidade (art. 107, V, CP). Em decorrência do Princípio da
Disponibilidade, verifica-se o perdão após o início da ação, pois, tecnicamente, o perdão
antes da ação configura renúncia.

Apesar de pressupor ação penal privada em curso, pode ser feito dentro do
processo ou fora dele e é admitido até o trânsito em julgado.

Existem duas formas de perdão:

a) Expresso: quando houver uma declaração assinada pelo querelante;

b) Tácito: quando o querelante praticar ato incompatível com a vontade de processar.

O perdão é bilateral, depende sempre da aceitação do querelado. Caso não haja


aceitação, o processo prosseguirá. A lei assegura ao querelado o direito de provar sua
inocência.

A aceitação do querelado poderá ser:

a) Expressa: quando houver uma declaração assinada;

b) Tácita: se não se manifestar em três dias.

O perdão concedido a um co-réu estende-se a todos, entretanto, se algum dos co-


réus não o aceitar, o processo seguirá somente para ele. Não gera violação ao Princípio
da Indivisibilidade, uma vez que é opção dos réus permanecer com a ação e obterem
uma prestação jurisdicional favorável à sua tese de defesa.

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Se a vítima for maior de 18 e menor de 21 anos (caso em que há dupla


titularidade), o perdão concedido por um titular, havendo oposição do outro, não produzirá
efeitos e o processo prosseguirá. Assim, prevalece a vontade de quem não quer perdoar
(artigo 52, CPP).

A doutrina entende que é possível o perdão parcial, como, por exemplo, perdoar
por um crime e não perdoar por outro, embora a lei seja omissa a esse respeito.

No caso de o querelado ser menor de 21 anos, a aceitação só produz efeitos se


houver concordância do seu representante legal (artigo 54, CPP). Assim, prevalece a
vontade de quem não quer aceitar.

2.6. Retratação do agente, nos casos em que a lei admite (art.107, VI, CP)

Ocorre quando a pessoa que praticou um fato criminoso, geralmente através de


palavras ou escritos, retifica a sua afirmação anterior, ou seja, reconsidera o que havia
dito anteriormente. E assim, impede que se produza um dano ao bem jurídico tutelado
pelo direito penal pertencente ao ofendido.

Ex.: art. 143 do CP e art. 342, §2º do CP.

No caso da calúnia e difamação (artigo 143, CP): poderemos ter a retratação do


agente até a sentença de 1º grau. Extingue-se a punibilidade somente de quem se
retratou, ou seja, a retratação não se comunica aos demais ofensores.

Quando crime for de falso testemunho (artigo 342, § 2.º, do Código Penal):
poderemos ter a retratação do agente até a sentença de 1.ª grau do processo em que
ocorreu o falso testemunho. A retratação nesse caso comunica-se aos partícipes, pois o
artigo diz que “o fato deixa de ser punível”. Lembre-se que o crime de falso testemunho
não admite co-autoria, pois se trata de crime de mão-própria.

60104787.doc 17
PROF. FABRÍZIO RUBINSTEIN
DIREITO PENAL II

2.7. Casamento do agente com a vítima, nos crimes dos arts. 213 a 220 do CP (art.
107, VII, CP)

Este inciso foi revogado pela Lei 11.106/05.

O casamento do agente com a vítima nos crimes contra os costumes (art. 107, VII,
CP) extinguia a punibilidade desde que não houvesse resultado de tais crimes lesão
corporal grave, incluindo-se o estupro e o atentado violento ao pudor.

O casamento podia se dar antes ou durante o processo, ou ainda depois do


trânsito em julgado da sentença. Nesse último caso permaneciam intactos os efeitos
penais secundários da sentença (reincidência e etc.). Era uma causa extintiva que se
estendia aos demais autores do delito.

2.8. Casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no item anterior, se
cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não
requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60
dias a contar da celebração.

Este inciso também foi revogado pela Lei 11.106/05.

O casamento da vítima com terceiro (art. 107, VIII, CP) era outra causa de extinção
da punibilidade, mas dependia da inexistência de violência ou grave ameaça, o que
excluía, portanto, o estupro e o atentado violento ao pudor, a não ser nos casos de
violência presumida.

Só poderia ocorrer enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória,


dependendo, ainda, da inércia da ofendida.

60104787.doc 18
PROF. FABRÍZIO RUBINSTEIN
DIREITO PENAL II

2.9. Perdão Judicial

Diferentemente do perdão do ofendido, o perdão judicial é ato do juiz, quando o réu


já sofreu tanto com o processo e o próprio fato que seria desnecessário impor-lhe a
sentença.

Para Damásio de Jesus, "é a faculdade concedida ao juiz de, comprovada a prática
de uma infração penal, deixar de aplicar a pena imposta pela lei, em face de justificadas
circunstâncias excepcionais”.

Bastante controvertida é a natureza jurídica da sentença que concede o perdão


judicial. Muitos entendem que ela é condenatória imprópria (Damásio de Jesus, Mirabete,
Hungria, Magalhães Noronha, STF), gerando todos os efeitos, menos a imposição da
pena e a reincidência, esta última por disposição expressa do art. 120. Basileu Garcia
entende ser ela uma sentença absolutória.

Sobre o assunto manifestou-se o STJ ao editar a Súmula 18, cujo enunciado é o


seguinte: "A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção da
punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório". Delmanto comunga de igual
entendimento.

Hipóteses Legais

2.9.1. Homicídio culposo, se as conseqüências da infração tornarem


desnecessária a aplicação da pena (artigo 121, § 5.º, do Código Penal); Ex.:
Caso da morte da mulher do Herbert Vianna; pai que esqueceu o bebê no carro
e que acabou falecendo;
2.9.2. Lesão corporal culposa, se as conseqüências da infração tornarem
desnecessária a aplicação da pena (artigo 129, § 8.º, do Código Penal);

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DIREITO PENAL II

2.9.3. No crime de injúria, quando o ofendido, de forma reprovável, provocou


diretamente a injúria, ou no caso de retorsão imediata que consista em outra
injúria (art. 140, § 1º, CP);
2.9.4. No crime de apropriação indébita previdenciária, se o agente for
primário e com bons antecedentes (artigo 168-A, § 3º, do Código Penal);
2.9.5. Art. 176, parágrafo único, do Código Penal;
2.9.6. Receptação culposa, dependendo das circunstâncias (artigo 180, §
5.º, do Código Penal);
2.9.7. Alteração de registro civil, se realizada por motivo de reconhecida
nobreza (adoção à brasileira) (artigo 242, parágrafo único, do Código Penal);
2.9.8. Subtração de incapazes, no caso de restituição do menor ou do
interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de
aplicar pena (artigo 249, § 2.º, do Código Penal);
2.9.9. Crime falimentar (fatos: inexistência dos livros obrigatórios ou sua
escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa; falta de apresentação
do balanço dentro de 60 dias após a data fixada para o seu encerramento, a
rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu estabelecimento principal), se o
comerciante tem pouca instrução e explora comércio exíguo (artigo 186,
parágrafo único, do Decreto-lei 7.661/45);
2.9.10. Erro de direito na Lei das Contravenções Penais (artigo 8º, Decreto-lei
3.688/41);
2.9.11. Art. 39, § 2º da Lei das Contravenções Penais;
2.9.12. Art. 29, §2o da Lei 9.605/98;
2.9.13. Lei 9.807/99 (proteção da testemunha): réu colaborador e primário
poderá se valer do perdão judicial, desde que tenha possibilitado a recuperação
do produto do crime, localização da vítima ou dos demais comparsas. Discute-
se se tais requisitos seriam alternativos ou cumulativos. Se os requisitos forem
cumulativos, somente o crime de extorsão mediante seqüestro daria direito ao
perdão. Mesmo assim, o juiz pode deixar de aplicar o perdão;

60104787.doc 20
PROF. FABRÍZIO RUBINSTEIN
DIREITO PENAL II

Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97)

No Código de Trânsito Brasileiro, o artigo que previa o perdão foi vetado pelo
Presidente da República.

Para Rui Stoco, o perdão judicial não pode ser aplicado ao Código de Trânsito
Brasileiro, por ausência de previsão legal, uma vez que o artigo desta lei foi vetado.

Mas as razões do veto indicam em sentido contrário, pois o motivo foi a existência
de hipótese mais ampla no Código Penal. Luiz Flávio Gomes, Rogério Greco e Damásio
de Jesus e o STJ entendem que é possível a aplicação do perdão judicial nesses crimes,
pois, muito embora o art. 300 tenha sido vetado, a intenção do Presidente da República
foi aplicar o perdão judicial, ao fundamento de o instituto já estar previsto na Parte Geral
do CP, podendo ser aplicado pela norma contida no art. 291 do próprio CTB. Esta é a
posição amplamente majoritária.

Além disso, o homicídio culposo e as lesões corporais culposas são tipos penais
remetidos, o que faz com que sua definição típica esteja no próprio Código Penal, que, ao
definir tais crimes, permite o perdão judicial.

60104787.doc 21

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