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Quando soube que seria pai, suspirava.

Piscava voluntariamente, como se


estivesse saindo de um sonho. Já não respirava, embolava o ar e tragava a
vida plena, realizado. A vida era terminantemente maior do que eu. Bem
maior... Não sabia o que dizer nem por onde começar. Pensava: serei pai,
serei pai. Não era comum, embalava um som diferente a cada
pensamento repetido. Era uma emoção contagiante. Confesso que este
fato ainda não convencia, mas instigava-me a ideia de que em breve, teria
uma criança em meus braços. Somente quem é pai entende este
momento, nos sentimos fracos e ao mesmo tempo fortes como gigantes,
ficamos desfalcados e ainda assim somos completos. Acabara de chegar
do trabalho e recebi a notícia. Fiquei ali, parado. Não era o susto do
resultado, era o susto de viver. Foi uma profusão de sentidos. Uma
vontade de contar para o mundo inteiro a novidade que não podia se
expressar em palavras. Fiquei sentado ali por alguns minutos, não queria
perder aquele momento nem substituí-lo por outro. Ouvia nitidamente o
silêncio dos pés descalços, do arremesso de pedras no jardim. Nesta hora,
olhei como nunca olhei as copas das árvores com suas folhas recortando o
céu num fim de tarde. Olhei como nunca olhei a mim mesmo. A partir daí
poderia carregar a realidade sobre os ombros, costurar as horas com a
linha do horizonte e aguardar com paciência o nascimento de alguém.
Logo para um cara que não esperava o futuro da vida com medo de
perder-se no passado das coisas. Mudei o critério. Hoje vivo a vida e amo
provocá-la. É uma maravilha conter-se na espera. Prever o giro dos
ponteiros e juntar as orelhas do livro da existência. Sinto-me renascido.
Meus quarenta anos trazem Raul e Renato a tiracolo, sobrevivo e fico
rindo adoidado. Ser pai é sentir compaixão por aquilo que deixamos de
ser. Uma rua entre dois caminhos, o amor e a serenidade. Hoje sei onde
os caminhos se encontram de verdade.

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