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Introdução
No momento em que produzimos este texto, o Brasil registra mais de 130 mil mortes por Covid-
19, um vírus invisível que avança a passos largos diante de um cenário governamental
necropolítico, marcado ainda pela ausência de um titular do Ministério da Saúde por mais de 130
dias.
2020, o retorno das aulas presenciais por meio da Resolução SEDUC 61. Em seu artigo 9º, fala-se
de “ouvir a comunidade escolar”, porém não lhes são dadas condições nem autonomia para todos os
Saúde (OMS), diante da ausência de uma vacina, recomenda o isolamento físico como uma
Na referida Resolução, a responsabilidade do retorno é deslocada para os pais dos estudantes, que
em condições materiais desfavoráveis tendem a optar pelo retorno das aulas presenciais;
diferentemente das famílias mais favorecidas que ainda mantém condições de trabalho em casa e
que conseguem manter os filhos em estudo remoto - preocupados com a contaminação. A decisão
que deveria ser da Saúde fica em segundo plano. A preocupação maior parece ser com a
recuperação das grandes empresas, que lucram oportunamente com toda a situação pandêmica.
Para que de fato essa formação aconteça é necessário abrir-se para o diálogo. Neste período
da pandemia, houve a necessidade das escolas organizarem essa abertura para que este encontro de
palavras, esta formação e também esta escuta continuassem a acontecer, alargando assim as
que temos observado é que muitas vezes a formação pela palavra dá lugar ao treinamento, à
Neste cenário pandêmico ainda desponta sobre a educação pública brasileira o chamado
capitalismo de vigilância, no qual mais de 70% das escolas e universidades públicas estão expostas
de dados de usuários para obtenção de previsões de comportamentos éticos e estéticos para com
isso gerar a oferta de serviços e produtos por meio da internet. Empresas intituladas como GAFAM
- acrônimo utilizado para designar grandes empresas como Google, Apple, Facebook, Amazon e
questão da segurança, privacidade e vigilância dos usuários, estudantes, educadores e gestores por
meio a oferta gratuita de serviços educacionais para aulas remotas, videoconferências, troca de
instâncias é fundamental para superar a atual situação que está posta, em que é preciso deslocar o
centro de valor que o Estado impõe por meio do estabelecimento desses acordos que não são
responsáveis. Participar, identificar, apontar e intervir com nossa palavra possibilita escapar dessa
crise e assumir uma obrigação. Nesses espaços, podemos enunciar nossas palavras com nossas
desejos, dando nosso passo para alargar nossas consciências. Traremos, portanto, algumas
iniciativas nesse sentido que alargam alguns limites, que nos permitem pensar uma educação
responsiva, com múltiplas vozes, onde a centralidade está no outro, na vida. Mais adiante será
abordada a experiência singular de educadores marilienses que não tiveram escolha a não ser
assumir uma obrigação de não estarem indiferentes ao que foi apresentado: que realizaram a
resistência ao que parecia impenetrável e conflitante, por meio de seu lugar único e singular no
existir. Poderemos investigar brevemente como não renunciaram à sua liberdade e nem deixaram ao
Estado a decisão sobre como seria o caminho a ser trilhado em contradição com o posicionamento
oficial. Não tiveram escapatória. Esses novos posicionamentos e novos modos de se colocarem
A educação mercantilizada
historicamente, ou seja, nos perguntar quando ela passa a ser um direito de todos os cidadãos, de
Portanto, neste tópico faremos uma brevíssima revisão histórica da educação no Brasil, para pensar
em como ela se deu e como isto reflete a mercantilização dos tempos de hoje.
Segundo Souza (2018), a educação brasileira se iniciou em nosso país em 1549, com a
Companhia de Jesus, um braço da igreja católica criado em resposta ao protestantismo, tendo como
objetivo educar e catequizar os povos indígenas, tornando estes mais dóceis para serem mão de
obra dos portugueses. Apesar de sua missão inicial ser catequizar os índios, aos poucos também foi
assumindo a missão de educar os filhos dos senhores de engenho, criando uma rede de ensino
excludente, onde quem não era indígena ou filho dos senhores de engenho estava excluído. Logo,
podemos concluir que a educação em nosso território já começa como mercadoria (para os filhos
A educação feita pelos jesuítas durou até 1759, quando houve a expulsão dos jesuítas pelo
Marquês de Pombal. Souza (2018) explica que tal se deu em virtude dos jesuítas se oporem ao
controle português e, com isto, houve o rompimento com uma rede de educação que estava
implantada e consolidada. No lugar desta rede, se desenvolveu a Reforma Pombalina onde, pela
primeira vez, o estado assumiu o papel de fornecer educação pública, porém, sem haver melhoras,
visto que os novos professores eram aqueles que tinham se formado com o ensino jesuítico.
Segundo Seco e Amaral (2006), as reformas pombalinas vieram com o objetivo de estruturar
Inglaterra a partir do século XVII já estava à frente das demais potências européias com seu
desenvolvimento econômico com uma elite que se preocupava somente em exportar mercadorias e
escravos para viver no luxo. Com isto, o rei de Portugal nomeia o Marquês de Pombal com o
objetivo de modernizar a cultura e a economia portuguesa, e, para isto, taxou importações, reformou
o exército português, fundou companhias para gerenciar as produções nas colônias, expulsou os
jesuítas, extinguiu a escravidão indígena, isto tudo com o intuito tanto de aumentar a população (o
objetivo dele era que os indígenas miscigenassem com a população portuguesa) quanto controlar as
fronteiras (que estavam sob o controle dos jesuítas). Com a expulsão dos portugueses, o Brasil
sofria sua primeira e desastrosa reforma do ensino criando as aulas régias, ou seja, aulas ministradas
por professores autônomos, com disciplinas como latim, que não se conectam com as outras
disciplinas. Claro que isto não impediu de outras escolas religiosas (por exemplo, os franciscanos)
ministrarem aulas, porém no lugar do sistema de ensino centralizado que antes vigorava, agora
De acordo com Souza (2018), a educação brasileira só viria a mudar com a chegada da
família real portuguesa ao Brasil, porém, sua preocupação foi quase que exclusiva com o ensino
superior, ficando a classe pobre relegada ao segundo plano. Neste período, o ensino era para a
formação das classes dirigentes. Apesar de haver algumas tentativas de aumentar o ensino público,
como a implementação do método Lancaster (onde um aluno - decurião - seria treinado para ensinar
outros 10 alunos - decúrias) e legislação em 1824, que promulgava o ensino público primário e
gratuito a todos os cidadãos, além de lei em 1827 para a criação de escolas primárias em todas as
cidades, estas não foram, de fato, implementadas. Há ainda a descentralização do ensino em 1891,
mas, não foram criadas condições para as províncias conseguirem implementar tais mudanças
educacionais, o que contribuiu para que ela ficasse nas mãos da iniciativa privada, gerando um
ensino dual: privada, destinada às elites, para adentrar o ensino superior, e a outra, pública,
para os pobres e outra privada e com qualidade para as elites vem desde o Brasil colonial, e o
período republicano também traz essa herança. Segundo Souza (2018), apesar das inúmeras
reformas e leis que surgem durante o período republicano, a situação dual irá continuar e, de um
ponto de vista federal, se prioriza a educação secundária e superior - que eram responsabilidade da
União - em detrimento à expansão do ensino primário, o que lega grande parte da população ao
analfabetismo.
Um fato que tem de ser lembrado é que o voto, segundo Wetin (2016), durante o período
colonial, era praticado por quem tinha uma renda líquida de mais de 100 mil réis por ano, e isso se
dava pois 90% da população era analfabeta, logo, até mesmo integrantes da elite eram iletrados.
Porém, em 1881, houve a promulgação da “Lei Saraiva”, que proibia os analfabetos de votarem. Tal
lei foi redigida por Ruy Barbosa, e tinha por objetivo não permitir que as classes mais pobres
pudessem, de alguma forma, atingir os objetivos das classes dominantes, pois, segundo pensava, o
analfabetismo não poderia ser premiado, ao contrário, teria de ser guiado pelos poucos que tinha
“ilustração”. Esta situação de exclusão duraria até 1985, quando uma emenda à Constituição
permitiu que os analfabetos votassem, porém, é inegável que a divisão da educação entre aquela que
é privada, cuja qualidade é destinada apenas à elite, e a educação pública e precária, que legou a
urbanização no Brasil, principalmente em estados como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São
Paulo. Com isto, mudanças na educação, até então descentralizada, começaram a ser feitas pelos
estados, visto que a formação de mão de obra qualificada se fez necessária nesse momento onde as
oligarquias cafeeiras começam a perder seu poder e há uma transferência de capital para o setor
industrial. Também há, nesse momento, uma ruptura política, com novos grupos disputando o
Associação Brasileira de Educação, onde haverá uma disputa sobre os moldes da educação com a
igreja católica, que busca se afirmar como promotora de educação privada, citando que o ensino
religioso era uma alternativa ao “ensino doutrinário”, e, doutro lado, os nacionalistas, pensando a
inseridos na educação com o objetivo de preparar e adaptar o indivíduo à nova sociedade industrial
que vem surgindo. Estes ideais darão o Manifesto dos pioneiros da Educação Nova, lançados em
1932, num contexto de mudança, com a subida de Vargas no poder, o que leva, segundo conta
Calçade (2018), há uma construção de um sistema de ensino, com centralização da educação a nível
federal. Aqui são definidos currículo, conteúdo de livros escolares, bem como orçamento a ser
investido tanto pela União quanto pelos estados. Também é feita a decisão de manter-se o ensino
religioso numa esfera privada e ofertar um ensino público e laico para a população em geral.
Segundo Assis (2012), entre 1948 e 1961 houve a discussão de uma nova Lei de Diretrizes
Bases da Educação, e aqui podemos apontar que houve retrocessos, no caso, artigos que retiravam
do Estado o dever, de forma prática, de que todos os jovens tinham de ser escolarizados. Segundo a
lei, os que tinham pais muito pobres, a ausência de escolas, fim do período de matrículas e doenças
graves ou congênitas desobrigam o cidadão de ser educado. Na LDB de 1961 houve a proposição
de que 100% das crianças e adolescentes estivessem alfabetizados mas, como conta a autora,
mesmo que exitosa em cumprir que boa parcela que estava matriculada conseguisse estar
com a promulgação da LDB, que definia como seria o ensino de primeiro e segundo grau, bem
como a expansão do sistema, visto que, como conta Assis (2012), há uma mudança econômica e
social profunda, com o êxodo rural e um aumento no emprego disponível (graças ao crescimento
da indústria base), porém, estes novos postos requerem mão de obra especializada, logo, a única
opção para ter acesso a eles era a educação. É, neste momento, que ocorre uma expansão do ensino
claramente a iniciativa privada. Houve, inclusive, o repasse de verba do estado para instituições
privadas, com o pagamento de bolsas, o que aumentou o custo da União com a educação, o que era
garantido por lei. Das esferas de poder, somente a educação municipal tinha um limite mínimo para
investimentos, mas, nem sempre cumprido. A partir de 1972 a educação se torna obrigatória durante
os 8 primeiros anos, e, com o êxodo rural, aumento de número de matrículas e pouco investimento
dos governos, os professores pagaram o preço, tendo de fazer dupla e até tripla jornada de trabalho
Também é importante citar aqui a reforma que aconteceu em 1972, a chamada Reforma
Passarinho, que, além de obrigar o ensino fundamental, alterou o ensino médio para ter uma
formação técnica ao jovem. Os governos estaduais, após o aluno concluir o ensino médio, deveriam
emitir um certificado técnico para o aluno, com o objetivo destes assumirem os postos de trabalho
existentes na época. Ou seja, se adotava, cada vez mais, um ensino técnico, com o intuito de a
iniciativa privada. Tais mudanças tiveram um impacto negativo na rede, afinal, num curto espaço de
tempo se mudara as formas de ensino, não dispondo as escolas de recursos e capital humano para se
adequarem. Segundo Demerval Saviani, em entrevista para o site do governo Agência Senado
(BELTRÃO, 2017), o próprio empresariado preferia uma formação mais geral, logo, havia uma
falsa percepção dos governantes para com os desejos do empresariado, da necessidade de mão de
obra especializada, e, claro, do como fazer isto, afinal, na matéria de Beltrão (2017), há a denúncia
de situações de falta de materiais técnicos, com cursos de datilografia que não tinham máquinas de
escrever, mas, folhas com o teclado desenhado, logo, essa formação de mão de obra era ineficaz.
deixou consequências, pois, segundo matéria de Beltrão (2017), os jovens ficaram com enormes
redes privadas de cursinhos (que ainda hoje existem, em maior número, diga-se) para os jovens
Após o período da ditadura militar, iniciou-se os trabalhos de uma nova constituição, e, a
educação também estava sendo pensada para os novos tempos de democracia. Segundo Ferreira
(2013), o direito à educação foi ampliado, garantindo o direito mesmo para quem, por ventura,
tivesse sido excluído, independente da idade. Houve o consenso de que deveria se criar mais
escolas, incentivar a formação de professores. Em 1996 foi promulgada a nova LDB, e, com ela, o
reforço da idéia de que a escola, além de uma formação cidadã, também deveria estar formando o
jovem para o mercado de trabalho, porém, na época, não com um entendimento de formação
técnica, mas, com o domínio de habilidades para poderem se inserir no mundo do trabalho. Também
cabe destacar que, entre 2000 e 2015, durante as gestões do Partido dos Trabalhadores, diversas
medidas foram tomadas para expandir e melhorar a educação, como medidas de repasse de renda
que tinham, como requisito, que crianças estivessem na escola (por exemplo, Bolsa Família),
(Fies), onde o aluno pode financiar sua formação universitária, o que claramente favorece o setor
privado da educação superior. Estes programas ainda continuam a existir, porém, com outras
professores.
Porém, após o golpe de 2016, quando Michel Temer assina, sob forma de medida provisória
número no 746/2016 (Lei nº 13.415/2017), a chamada reforma do ensino médio, uma medida que,
segundo Kuenzer (2017), bem como Motta e Frigotto (2017), calam os debates públicos sobre
educação que vinham ocorrendo até o momento, e implementam uma série de mudanças como o
instituição de percursos formativos, o que permite que o aluno escolha um entre os cinco possíveis
profissional). Kuenzer (2017) denúncia que tal medida estava de acordo com as propostas dos
Nacional de Secretários da Educação. Estes grupos tendem a lucrar pois, os percursos, segundo a
medida provisória, independente do qual seja escolhido, habilitam o estudante a prestar o ensino
superior, porém, haverá uma maior fragmentação no saber destes, logo, a busca por escolas
Kuenzer (2017) cita, também, a formação profissional (que traz a lembrança da Reforma
Passarinho), que abre, de acordo com a medida provisória, a possibilidade de parcerias do setor
público com o privado, para cursar disciplinas fora da escola, seja presencialmente ou à distância, e
que estas seriam validadas. Segundo a autora, tal quadro se insere na imposição da chamada
tecnológico, onde ela atua em grupos, comunidades de alunos, em forma de redes, onde, no seu uso
mais comum, profissionais trocam conteúdos de interesse mútuo para a solução de problemas.
Kuenzer problematiza que o aluno passa de espectador para sujeito de sua formação, que tem de
escolher seus caminhos, fazer sua própria rotina de estudo. O conteúdo é deslocado do professor
para o grupo, e o professor vira propositor de cursos e tutor, perdendo sua função, e, ao que parece,
autonomia.
Já Motta e Frigotto (2017) citam o caráter econômico de tais mudanças, com os percursos
educação brasileira, e, nesta revisão histórica vimos como tal é pensado na década de 1920 com as
mudanças econômicas e, ainda, na ditadura militar, onde se pensa a formação dos jovens para o
mercado de trabalho com o ensino técnico. No entanto, conforme Motta e Frigotto nos conta, os
pouca especialização. Na base estão empregados, em sua grande maioria, no setor terciário, com
serviços e comércios simples, com baixa remuneração, o que não leva, de fato, com a necessidade
de capital humano tal como proferido/planejado, e há, ainda, cortes em programas e verbas para o
desenvolvimento da ciência, o que poderia alavancar, em um prazo mais longo, para criação de
inovações e mercadorias de maior valor agregado. Assim, Motta e Frigotto denunciam para o que
entendem como verdadeiro objetivo da reforma do ensino médio é o estímulo da iniciativa privada
com cursos técnicos de curta duração, sendo o sistema S (Sesi, Senai, Sesc, Senat, Sebrae) os
principais beneficiários, bem como fundações que oferecem soluções do tipo (Instituto Ayrton
Motta e Frigotto evidenciam que o motivo de tais ações, além de fortalecer o sistema
privado com as parcerias público-privado, é, também, controlar a questão social, ou seja, seguir as
recomendações do Banco Mundial para diminuir a desigualdade econômica e social, visto que, de
acordo com o Banco Mundial, há um desperdício produtivo dos pobres, o que pode gerar conflitos
sociais. Ou seja, pobres podem ser usados para produzir riqueza, e, de quebra, evita conflitos com o
humanista, para conformar o público estudantil para a atual ideologia e impedir de questionar, e,
assim denunciam Motta e Frigotto, Marx e Paulo Freire são atacados, bem como movimentos
Buscando fazer uma síntese desta revisão bibliográfica, vemos que a educação brasileira é
marcada por servir à classes dominantes de várias formas, seja educando seus filhos, seja formando
os trabalhadores para seus projetos. Até o século 19, ela era mercantilizada, isto é, vendida para as
do século 19 e século 20, há um crescimento lento, onde, aos poucos, se oferta a educação ao
público, isto sem afetar os poderes da classe dominante, visto que a obrigatoriedade do ensino só
veio com a Constituição de 1988, que assegura, inclusive, a modalidade Educação Para Jovens e
Adultos (EJA).
Brasil Colônia, mas, com a ditadura militar de 1964, ela cresce com investimentos do próprio
estado, tanto com escolas para os que tinham um poder aquisitivo maior quanto pelo surgimento de
legislação, principalmente com a Base Comum Nacional Curricular e a reforma do ensino médio, se
garante mais meios para a manutenção de parcerias público-privada que tomam de assalto a
educação, com uma proposta que lega ao aluno o poder de escolher seu roteiro formativo, porém,
traz uma fragmentação que alimentará ainda mais os cursinhos de vestibulares.
Relativo à pergunta no início deste tópico, no caso, de quando a educação passa a ser um
direito de todo o público, de forma gratuita, bom, podemos considerar que é recente, tendo um
crescimento de público durante todo o século 20, porém, a obrigação do estado em fornecer remete
à Constituição de 1988, que buscou garantir em suas linhas o direito à educação tanto às novas
Quando pensamos na educação vigiada, estamos pensando num dos desdobramentos do
capitalismo de vigilância, que é, de acordo com Shoshana Zuboff, uma nova modalidade do capital,
onde se comercializa dados obtidos por mecanismos de vigilância, e, tais podem ser usados pelos
Para saber como tais dados são obtidos, talvez seja interessante olhar o último grande escândalo
público utilizando dados de uso público e privado, que foi com o Facebook e a Cambridge
Analytica. O Facebook é uma rede social que tem como objetivo declarado gerar lucro através de
anúncios e postagens de maior alcance pagas, porém, com o escândalo do vazamento de dados
ficou evidente que, com o uso de softwares de inteligência artificial, pode se traçar padrões de
político de dados que derrubou valor do Facebook e o colocou na mira de autoridades” (2018) é
explicado o como a Cambridge Analytica consegue tais dados do Facebook e, aplicando um teste
psicológico sobre personalidade (bem como se aproveitando que os usuários não liam as cláusulas
do teste, só marcando “next”), conseguiram obter dados sensíveis. Porém, esta não é a única forma
de empresas obterem dados. A própria interação dentro do Facebook pode gerar dados que podem
ser lidos por programas (bots) que acumulam uma grande quantidade de dados indexados (seja de
textos, fotos ou vídeos, visto que já temos programas que conseguem reconhecer imagens e padrões
de rosto), de onde podem se aferir padrões e correlações. O grande acúmulo de dados pode ser
analisado com os programas de mineração de dados e big data, o que pode fornecer padrões,
de comportamento.
Neste momento, as grandes empresas do ramo de tecnologia, conhecidas como GAFAM (Google,
Apple, Facebook, Amazon e Microsoft), bem como outras de menor expressão, ofertam “soluções”
tecnológicas para a educação brasileira em diversos graus, desde o ensino fundamental, médio e, até
mesmo, superior. Uma rápida pesquisa aponta como a Microsoft tem firmado parceria com a
ESTADO DE SÃO PAULO, 2013), ofertando cópias gratuitas de sua suíte Office aos estudantes.
Também ocorre o mesmo com o Google, que, desde 2013, oferta, junto da Microsoft suas soluções
de office, email e armazenamento online. Com a atual pandemia de Covid19, houve uma mudança
anos, serviu - no seu todo - ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário
(UFMG), com base em dados levantados no IBGE e DATASUS, recentemente, desenvolveram uma
ferramenta que mostra que o fato do Brasil ser um dos países com maior desigualdade social
implica em um maior número de óbitos, dificultando ainda mais a saída da pandemia por COVID-
19. A pesquisa ainda demonstra que na Europa, o aumento das mortes se dão devido ao elevado
Essas desigualdades sociais também refletem e refratam outras situações como o racismo, o
ecocídio, o etnocídio, o terricídio, os corpos e os território das mulheres etc, ou seja, o uso da
palavra “novo normal” não traz nada de normal; apenas escancara feridas já anteriores, agora mais
grande desafio também no campo da educação em tempos de pandemia. Segundo Natália Flores:
ensino começaram a pensar novos modos de dar continuidade às aulas. Termos desse campo
semântico como aulas remotas, aulas à distância, aulas online, entre outros foram cada vez mais
utilizados. Colado aos termos avançaram grandes corporações tecnológicas ofertando planos de
aula de Língua Portuguesa, do segundo ano do Ensino Fundamental, da rede pública estadual
paulista, transmitida pelo aplicativo CMSP, dessa secretaria estadual, a cantiga popular Teresinha
de Jesus foi intencionalmente modificada na sua ortografia para que os estudantes durante a aula
Esse estudo trazido numa aula gravada possibilita algumas reflexões, tanto sobre o ensino da
Língua Portuguesa, quanto à plataforma utilizada como suporte para a formação do estudante.
exemplos explorados na canção, trazendo enunciados da oralidade para que fossem, sem qualquer
contextualização, “consertados”, entendidos como “errados”, uma vez que fazem parte do universo
oral utilizados com frequência no interior do Brasil e entre as camadas mais populares. Não iremos
nos deter sobre esse fato neste momento. Quanto ao uso da plataforma, as palavras dos estudantes
que dialogavam no chat não eram escutadas e a prática educativa deixava de lado a o estudo da
estética e da ética, sem trazer novos sentidos a partir da leitura da canção, utilizando uma visão da
consciências por meio de formação continuada, debates, momentos de estudo e troca de saberes.
Uma vez que as aulas oferecidas neste aplicativo não passem por estes eventos semanais ou mesmo
por quaisquer outros encontros de palavras, discutir por exemplo o uso da linguagem em situações
reais de interação ou o aprofundamento das suas dimensões éticas e estéticas não permite esse
alargamento e a possibilidade de repensar a própria prática, dentre outros novos olhares para a vida.
Em relação ao uso do aplicativo, nota-se que o fato da aula ser dada por um professor
desconhecido para o estudante e não pelo próprio professor que já os acompanhava, implica em um
O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a
relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como
inconclusão em permanente movimento na história (FREIRE, p. 133, 2018)
Aqui, vale destacar as características do aplicativo utilizado pela secretaria estadual, que
recentemente foi analisada pelos jornalistas do jornal The Intercept Brasil, onde foi destacado que
7,1 milhões de alunos e professores utilizam o aplicativo chamado Centro de Mídias (CMSP),
entregando aos proprietários dessa empresa todos os dados desses usuários. A reportagem apurou
que os estudantes estão expostos à invasão de privacidade devido aos termos de uso apresentarem
A grande mídia corporativa, grandes empresários da educação, grandes Fundações, políticas
públicas e outros grupos interessados em extrair lucro com a educação, ao longo dos últimos anos
vêm pautando as narrativas dentro das redes sociais e outros espaços da internet. Com o advento do
isolamento físico, educadores têm cada vez mais ocupado também esses espaços, trazendo suas
realidade. Esses novos modos de compor esse cenário entram em contradição, trazem novos valores
por meio do encontro de palavras que chegam para resistir ao acabado, ao posto, ao discurso
estudantes e educadores
Os processos históricos expostos até o presente momento, são trazidos para que possamos
conglomerados educacionais que veem na educação uma valiosa mercadoria a ser capitalizada.
Enquanto educadores, nos deparamos frente a esse contexto, com novas tecnologias educacionais
que são apresentadas como uma alternativa única, diante da necessidade de se promover a
recebidas pelos educadores não se diferem em grande medida daquilo que as Secretarias da
Educação direcionam ao ensino regular, ou seja, daquilo que é oferecido aos alunos que cursam a
série/ano de acordo com a idade ‘apropriada’. A falta de orientações que se dirijam e que respeitem
a especificidade da EJA na educação básica, acabou deixando a cargo de cada escola, junto a sua
comunidade docente, orientar e definir as medidas que seriam implementadas para promover o
Os educandos da EJA, são pessoas que não dispuseram durante um longo período do acesso
à educação, e isso representa durante toda a vida um divisor de águas entre os cidadãos. Vislumbrar
uma ruptura com a exclusão de inúmeros jovens, adultos e idosos, que hoje representam mais de
50% da população brasileira que foi marginalizada e não concluíram a educação básica, segundo os
dados divulgados pelo IBGE em pesquisas recentes (2019), é ter em vista a importância das
políticas públicas que visam a universalização do ensino e atuar como educadores ativos,
reparadora, como forma de resgatar um direito negado, o que apenas se realiza através da promoção
se esforçado para que a EJA seja colocada na agenda do dia no que se refere à educação, no entanto,
a preocupação com a garantia dos direitos sociais, entre eles, a educação ao longo da vida, têm sido
PIERRO; HADDAD. 2015, p. 99). Hoje, com o cenário neoliberalista que se configurou no Brasil,
as políticas para a EJA são cada vez mais esvaziadas, o escamoteamento desse direito é ainda mais
Afirmamos que a desescolarização da EJA está posta na ordem do dia. Isso fica claro
quando analisamos o contexto que a pandemia escancara: que a educação não é mais algo para
todos. Esse novo projeto de educação, que rompe com as noções de universalidade, têm sido um
projeto posto em curso no Brasil desde o golpe de 2016. Muitos são os novos projetos e as novas
reforma do Ensino Médio, o avanço da EAD, a falta de políticas públicas que garantem o direito ao
indígenas, são processos que nos deixam em alerta frente à novas legislações que representam
desde 2017 verdadeiros esforços para pôr em curso novas formas de exclusão.
organizaram junto ao capital educacional para promover o ensino remoto, devemos enquanto
educadores questionar esses movimentos que promovem a venda da educação, para traçar novos
caminhos alternativos frente a ruptura que o ensino remoto promove com o direito fundamental da
EJA, qual seja, o de garantir a experiência educacional e o ensino-aprendizagem para todos. Vemos
experiência do ensino remoto, e como educadores, buscamos formas de constituir a nossa prática
econômicos e privatistas, é essencial para traçarmos ações que fortaleçam a formação integral dos
sujeitos e a articulação com a realidade por eles experienciadas, para que os educandos sejam
conduzidos para uma formação não instrumental, que não se limite a experiência do trabalho (DI
livres se mostrou um grande aliado à esse processo, pois defendemos a importância de nos
dados. Todos os dias, desde a hora que acordamos, todas as atividades que desenvolvemos junto aos
equipamentos tecnológicos como computador, celular, tablet, que necessitam ou não do uso da
internet, coletam a todo instante nossos rastros informacionais, que descrevem e caracterizam o
Essas informações, são de alto valor para as grandes empresas, e hoje são também
valiosíssimas para os grandes conglomerados educacionais, que investem milhões para a obtenção
desses dados, cuja finalidade é obter lucros gigantescos ao conhecer de antemão o seu perfil de
um grande aliado à nossa prática de ensino a comunicação via Telegram, que é um software livre e
extremamente seguro, o que o configura como uma excelente ferramenta para uso pedagógico.
Entre as suas funcionalidades podemos destacar o fato de possuir criptografia de alto padrão,
telefone, são características que aumentam a privacidade dos educadores e dos educandos, que
quando comparadas a outros softwares desenvolvidos para esse fim, garantem a superioridade
técnica do Telegram.
Na experiência do uso pedagógico, destacamos que esse software atendeu muito bem a
diversos formatos, sem que a privacidade de algum participante ficasse exposta ou ameaçada. Os
alunos recebem as orientações para realizarem o download do software e entram na sala das
disciplinas no Telegram por meio dos links enviados via e-mail, sendo encaminhado diretamente
para dentro do grupo. Com isso, eles têm acesso aos professores e aos seus pares, podem receber e
enviar mensagens, textos, links, áudio, vídeos, imagens, e compartilhar arquivos em PDFs,
planilhas, docs, podcasts, entre outros. Os educadores, realizam o acolhimento dos alunos, explicam
como está sendo a organização das atividades e oferecem uma série de materiais de estudos e
particularidades de cada aluno, e até mesmo as suas limitações, pois muitos não possuem as
ferramentas necessárias para realizar certas atividades que necessitam de muitos recursos, devido ao
plataformas gratuitas são buscados para auxiliar a compreensão dos alunos, quando realizadas
remotamente, essas atividades são pensadas de uma maneira que possam ser acompanhadas e
produzam significados pelos educandos, são ofertadas junto a materiais de estudos com dicas,
curiosidades, de maneira que incentivem a sua participação como sujeitos desse aprendizado.
Notamos que a mediação dos educadores e a intencionalidade com a qual a prática pedagógica é
orientada faz toda a diferença nos processos de ensino-aprendizagem que visam a formação humana
e a emancipação dos sujeitos, pois mesmo em um contexto tão excludente como o que vivenciamos
hoje, cabe ao professor e a comunidade escolar buscar ferramentas e caminhos alternativos frente
educandos datam de um longo período, o que nos permitiu desenvolver aulas, oficinas, rodas de
conversa e espaços que visam incluir e promover também a alfabetização digital. Isso é realizado
principalmente juntos aos educadores e projetos que desenvolvemos na sala de leitura, onde pessoas
que nunca tiveram a oportunidade de aprender a usar um computador e a internet são estimulados a
desenvolver essa formação. Grande parte das atividades de apoio pedagógico a alunos com grandes
dificuldades de aprendizagem são realizados em nossa escola tendo a tecnológica como uma
ferramenta aliada, pois compreendemos que a alfabetização não se realiza apenas no sentido de ler e
escrever, é preciso que os educandos desenvolvam a capacidade de ler e compreender o seu mundo
Em uma sociedade cada vez mais permeada pelo uso das tecnologias, sabemos o quanto a
falta dessa formação compactua com os processos de exclusão e marginalização, pois a sua ausência
manipulado pelas fake news. Adotamos desde 2012 o uso do blog escolar em uma plataforma de
sistema livre e aberto, em que efetuamos a gestão dos conteúdos pedagógicos da escola para acesso
dos alunos na internet. A facilidade do uso do blog e a sua versatilidade, permitiram a sua
configuração como um ambiente virtual de aprendizagem livre e comunitária, onde os alunos são
estimulados desde o ensino presencial a escrever sobre suas experiências, sobre a sua formação e
sobre temas de seus interesses. O blog reúne diversas postagens com contribuições de toda a
comunidade escolar, compreendemos que a responsabilidade pela formação humana é uma tarefa de
todos, e todos possuem a capacidade de contribuir para isso. No blog abordamos temas que se
relacionam com a experiência e com as histórias de vida dos educandos, trazemos a voz de pessoas
que resistem e buscam ferramentas para enfrentar diferentes contextos de luta, como o desemprego,
realidade, transformaram o nosso blog em um local de aprendizagem e formação humana, onde por
meio de atividades desenvolvidas a partir das postagens, mostramos ser possível promover a
inclusão escolar e tecnológica. Com coragem, fazemos desse pequeno espaço um local de
transpassam barreiras físicas. Defendemos que não adianta ofertar diversas possibilidades de
aprendizagem aos educandos se o sujeito da escolha não se torna no processo educativo cada vez
mais livre, se ele é permeado por tecnologias que assumem uma natureza excludente.
para lidar com tantas inovações, mas esse processo se torna prazeroso quando a troca de
interdisciplinar, para formar sujeitos capazes de transitar na sociedade, o que exige a compreensão
daquilo que é produzido e circula socialmente. Fazer da prática docente uma práxis libertadora, é
substituir as visões monoculturais do saber, que visam orientar a educação para o trabalho. No lugar
dessa perspectiva, devemos fomentar aquilo que Santos (2007) chama de uma ‘ecologia dos
saberes’, para promover o diálogo entre o conhecimento científico e os diferentes saberes que os
educandos da EJA trazem para a formação escolar. A mediação com o uso das tecnologias, deve sim
ser empregada, mas ela não é a única alternativa possível. Nesse contexto de aulas remotas, não
deve-se se perder de vista a quem a educação à distância serve, quem são os maiores interessados
em sua capitalização, porque diante desse contexto de pandemia ela é a única alternativa que nos foi
apresentada. Na experiência como educador da EJA, torna-se evidente que a busca por diferentes
saberes, a troca de experiência e vivências, é o que existe de mais subversivo na EJA, pois se a
criança pode ser estimulada a conhecer e a ser curioso sobre o mundo, imagine o quanto o
A ruptura com processos lineares que visam colonizar as nossas mentes, demonstram a
singularidade e o significado do fazer-se docente em relação recíproca com o educando. É certo que
as inovações, modificaram os lugares dos saberes, mas enquanto educadores, permanecemos ativos
diante da certeza que podemos fomentar a educação e a formação humana em diferentes espaços,
pois ao contrário das concepções finalistas que escutamos por todos os cantos, que reproduzem uma
visão ideológica da educação, baseadas em uma concepção elitista que afirma que nos dias de hoje
caminhos de resistências para além das dimensões individuais, pois essa formação depende da
ruptura com dimensões excludentes pelas quais os homens objetivam hoje a sua existência.
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