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Aceleração: reflexões sobre o tempo

na cultura digital
Acceleration: reflexions on time and digital culture
Aceleración: reflexiones sobre el tiempo en la cultura digital

Resumo A obra de Harmut Rosa apresenta um conjunto de concei-


tos que permitem analisar as formas sociais de organização tempo-
ral. No centro desse arcabouço conceitual, encontra-se a ideia de
aceleração. Ao colocar a aceleração no cerne da discussão a respei-
to da temporalidade na sociedade contemporânea, Rosa deslinda
uma série de processos sociais importantes para uma crítica radical
da sociedade atual, trazendo para o primeiro plano contradições e
dessincronizações que resultam de imperativos temporais sistêmi- Ari Fernando MaiaI
cos pouco discutidos e conceituados. Seu diagnóstico aponta para
I
Universidade Estadual
Paulista (UNESP),
a existência de um déficit ético e político em cujo âmago se en-
Bauru/SP – Brasil.
contram imperativos temporais que impossibilitam tanto o debate
político como a formação de uma experiência ética do sujeito so-
bre si mesmo e sobre a sociedade. A partir dos conceitos de Rosa,
procuramos discutir temas como: a afirmação falaciosa de que a
cultura digital é um meio propício à emancipação dos sujeitos que
dela se valem, as dificuldades de promover um debate ético e po-
lítico atualmente e a necessidade de trazer a dimensão temporal
para a linha de frente da discussão acadêmica, procurando atuali-
zar temas caros à Teoria Crítica da Sociedade.
Palavras-chave: Aceleração. Temporalidade. Teoria Crítica da
Sociedade. Cultura Digital.

Abstract Harmut Rosa’s work presents a set of concepts that dis-


cusses the social forms of temporal organization. At the core of
this conceptual framework is the concept of ​​acceleration. By put-
ting acceleration at the center of the discussion of temporality in
contemporary society, Rosa delivers a series of important social
processes to a radical critique of present-day society, showing its
contradictions and desynchronizations that result from systemic
time imperatives that are less discussed and conceptualized. His
diagnosis points to the existence of an ethical and political deficit
that came from temporal imperatives that make impossible both
the political debate and the formation of an ethical experience
of the subject about himself and society. From the concepts of
Rosa, we seek to discuss themes such as: the fallacious assertion
that digital culture is a means conducive to the emancipation of
the subjects who use it, the difficulties of promoting an ethical
and political debate today and the need to bring the temporal di-
mension To the front line of the academic discussion, seeking to
update expensive topics to the Critical Theory o papel da cultura digital: como ideologia que
of Society. reproduz as relações de produção ou como
Key-words: Acceleration. Temporality. Crit- meio que facilita a organização de novos
ical Theory of Society. Digital Culture. movimentos sociais e de resistência ao capi-
talismo globalizado; c) acerca da natureza do
Resumen El trabajo de Hartmut Rosa presenta tempo, da história e de categorias do âmbito
un conjunto de conceptos que analizan las for- subjetivo como memória, atenção, pensa-
mas sociales de organización temporal. En el mento, experiência etc., no contexto de uma
centro de este marco conceptual esta la idea avalanche de estímulos produzidos em escala
de aceleración. Mediante la colocación de la industrial global e que chegam ininterrupta-
aceleración en el centro del debate sobre la mente aos sujeitos.
temporalidad en la sociedad contemporánea,
Ao lado desse amplo leque de questões,
Rosa revela una serie de procesos sociales im-
é possível identificar uma grande dispersão
portantes para una crítica radical de la socie-
conceitual, o que revela a dificuldade – apa-
dad actual, sus contradicciones principales y
dessincronizaciones que resultan de los impe- rentemente relacionada às características da
rativos sistémicos temporales que son poco própria organização social em sua configura-
discutidas y conceptualizadas. El diagnóstico ção atual – em elaborar uma teoria crítica que
que hace es de la existencia de un déficit éti- seja suficientemente abrangente para dar
co y político en cuyo corazón se encuentran conta das características mais importantes da
las limitaciones de tiempo que impiden el de- sociedade. Nesse sentido, a obra de Harmut
bate político y la formación de una experien- Rosa2 é singularmente importante, pois pro-
cia ética del sujeto sobre sí mismo y sobre la cura compreender as características da socie-
sociedad. A partir de los conceptos de Rosa, dade atual, colocando justamente a dinâmica
buscamos discutir temas como la afirmación temporal no cerne da discussão, discernindo
falaz de que la cultura digital es un medio uma categoria fundamental: a aceleração.
propicio para la emancipación de los sujetos,
las dificultades de promover un debate ético Uma teoria social do tempo
y político actual y la necesidad de acercar la A primeira justificativa para a escolha da
dimensión temporal a la vanguardia de la dis- aceleração como elemento que melhor define
cusión académica, buscando actualizar temas a configuração atual da temporalidade é que
caros a la Teoría crítica de la Sociedad. ela parece o traço mais notório e importan-
Palavras clave: Aceleración. Temporali- te da sociedade contemporânea, sendo uma
dad. Teoría Crítica de la Sociedad. Cultura característica presente desde o início da mo-
Digital.
dernidade. A segunda é que, ao contrário de
outros conceitos que procuram caracterizar a
Introdução

O
modernidade como individualização, raciona-
tempo social tem ocupado vários lização, diferenciação e dominação, a acelera-
pensadores que se preocupam em ção tem sido, até o momento, negligenciada.
decifrar as características fundamen- As teorias que a colocam em destaque não
tais da sociedade contemporânea, debatendo elaboraram teorias sobre a temporalidade
questões: a) a respeito da forma como deve abrangentes e suficientemente explicativas.
ser identificada a atual época, abrangendo O pressuposto fundamental é que a tempo-
conceitos como: modernidade tardia, pós- ralidade é uma característica pervasiva da
-modernidade, modernidade singular, moder- ordem social, e que as estruturas temporais
nidade líquida, hipermodernidade etc.;1 b) so- subjazem e dão sentido a uma experiência
bre como se deve interpretar e compreender histórica, à configuração da subjetividade, à
política e à vida cotidiana de um modo predo-
Refiro-me, por exemplo, a HARVEY (2004); JAMESON
1

(2005); BECK (2003); POSTONE (2014), entre outros. 2


ROSA (2003; 2015; 2010).

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minantemente inconsciente, não problemati- de comunicação é duvidoso que seja possível
zado, não imediatamente visível. comunicar infinitamente mais informações às
Rosa nos apresenta a seguinte tese: pessoas; uma percepção de constante mu-
“não podemos entender adequadamente a dança social pode ocorrer em meio à perma-
natureza e o caráter da modernidade e a lógi- nência de estruturas essenciais da sociedade,
ca de seu desenvolvimento estrutural e cultu- entre outros exemplos possíveis.
ral a menos que se acrescente a perspectiva Assim, para explicitar o conceito de ace-
temporal na análise”.3 Faltaria à modernidade leração, Rosa5 elabora três categorias em que
uma teoria sistemática da aceleração social, os vários âmbitos são especificados, e são
apesar do problema da mudança social estar identificados os seus elementos paradoxais:
presente em praticamente todos os clássicos aceleração tecnológica, aceleração da mu-
da literatura sociológica e filosófica.4 Não é dança social e aceleração dos ritmos de vida.
difícil constatar que a temporalidade é um tra- A primeira identifica a aceleração dos proces-
ço pervasivo que medeia as grandes dimen- sos técnicos dirigidos a fins específicos, que
sões materiais da sociedade: sua estrutura, produzem efeitos notórios e importantes,
seus traços culturais, a relação dos homens como a inversão da relação espaço-tempo
com a natureza e a formação da personalida- (priorizando o segundo). Trata-se da forma
de e do caráter. A pretensão de Rosa é dialo- mais facilmente identificável da aceleração,
gar tanto com os autores clássicos da teoria a mais notória e passível de quantificação. A
social como com os autores contemporâneos segunda categoria identifica mudanças em
da Teoria Crítica, tratando seus problemas atitudes, valores, modos e estilos de vida, re-
centrais a partir de uma dimensão temporal, lações sociais, hábitos, linguagens etc. Rosa6
e dessa forma elaborar um diagnóstico da so- (2010) aponta que a medição da aceleração da
ciedade contemporânea que acabe desvelan- mudança social é desafiadora, já que envolve
do seus traços essenciais e construindo uma sempre questões filosóficas sobre a estrutu-
teoria unificada, que permita também uma ra mais profunda da sociedade, mas apela ao
crítica radical e uma ação política eficaz. conceito de “contração do presente” para es-
A primeira questão problematizada em clarecer esse ponto, definindo-o como o hori-
sua avaliação da modernidade é o significado zonte de coincidência entre a experiência de
do conceito de aceleração, já que o tempo físi- vivenciar certos hábitos e valores como váli-
co não se altera pela ação humana. Sua análise dos e a expectativa de sua validade futura. Ou
se inicia pela constatação de que são âmbitos seja, há aceleração da mudança social quando
singulares no campo social que aceleram, mas declina a expectativa de que os hábitos, mo-
isso não pode ser caracterizado como um dos de vida, linguagens etc., que determinado
processo universal e único; há processos que sujeito conhece, venham a ser válidos em um
desaceleram ou resistem à aceleração. Além tempo próximo. Historicamente, não é difícil
disso e, principalmente, nos processos em notar, ainda segundo Rosa,7 que o ritmo da
que evidentemente há aceleração, como nos aceleração nesse âmbito sofreu mudanças
esportes, nos fast-foods, nos computadores, significativas: de um ritmo intergeracional, no
nos transportes e meios de comunicação, há início da modernidade, passa a geracional, na
também contrapartidas paradoxais: apesar modernidade clássica, e a intrageracional na
da maior velocidade dos automóveis atuais modernidade tardia.
o transporte nas cidades acaba por se tornar Finalmente, a terceira categoria: a acele-
mais lento em virtude dos engarrafamentos; ração do ritmo de vida, diz respeito à crescen-
não obstante a maior velocidade dos meios te sensação de “falta de tempo”. Refere-se,

ROSA (2003). Op cit., p. 4.


3 5
ROSA (2005). Op. cit.
Rosa cita: Marx, Weber, Simmel, Durkheim e também
4 6
ROSA (2010). Op. cit.
autores das várias “gerações” da Teoria Crítica. 7
IBID.

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portanto, à compressão das ações e experiên- do Rosa: “aplica-se o conceito de sociedade
cias do cotidiano, e tem como contrapartida em aceleração a uma sociedade se, e somen-
subjetiva uma sensação de “fome temporal”, te se, a aceleração tecnológica e a crescente
ou seja, uma sensação de ânsia ou necessida- falta de tempo ocorrem simultaneamente”.10
de de ter mais tempo e o desejo de produzir Assim, não se pode considerar que o
mais experiências por unidade de tempo. A motor da aceleração social é derivado essen-
categoria temporal em tela indica que têm au- cial ou principalmente do desenvolvimento
mentado sistematicamente o número de atos de novas tecnologias mais velozes. Inega-
ou ações praticadas por unidade de tempo, velmente, as três esferas se retroalimentam,
assim como a tendência a fazer mais coisas em uma espiral viciosa: a intensificação da
ao mesmo tempo e reduzir as pausas e inter- exploração do trabalhador se faz por meio de
valos entre as tarefas realizadas. O problema mudanças tecnológicas, que levam a mudan-
central aqui é que as relações entre a acelera- ças em práticas sociais, que resultam em uma
ção dos ritmos de vida e as formas anteriores contração do presente e ao abandono de mo-
(tecnológica e da mudança social) é relativa- dos de vida consolidados, que despolitizam e
mente independente e, eventualmente, pa- isolam o trabalhador e facilitam sua explora-
radoxal, ou seja, não há implicação lógica ou ção, que resultam em “fome temporal” e em
causal entre elas. tentativas de desaceleração funcional, e as-
Na verdade, a aceleração tecnológica sim por diante. Assim se cria uma espécie de
deveria produzir mais tempo livre, já que o círculo vicioso de aceleração, em que as três
tempo necessário para escrever dez cartas esferas se alimentam mutuamente e impulsio-
é muito maior que o tempo necessário para nam uma crescente celeridade nas mudanças
escrever dez mensagens eletrônicas, ou o técnicas, sociais e nos modos de vida.
tempo necessário para um deslocamento Mas, claramente, não precisa necessa-
caminhando é muito maior do que num au- riamente ser assim; mudanças técnicas que
tomóvel. Rosa aponta, portanto, que a ace- tornam as atividades mais velozes poderiam
leração técnica deveria produzir mais tempo produzir abundância de tempo, e aí se coloca
livre, e numa sociedade altamente desenvol- a questão das possibilidades de ação políti-
vida e mediada tecnicamente, ele deveria ser ca voltadas para o tempo, que retomaremos
abundante, já que a tecnologia permite que adiante. Um elemento importante, seguindo
as tarefas necessárias sejam realizadas em os argumentos de Rosa, é que a crescente
menos tempo. Esse descompasso demanda sensação de falta de tempo precisa ser com-
uma explicação sociológica, e dele deriva uma preendida como função de forças sociais que
compreensão conceitual da aceleração. Para não estão identificadas imediatamente com o
Rosa,8 esse paradoxo indica que a quantidade desenvolvimento tecnológico, ou seja, a tec-
de atividades (ações, operações, tarefas) cres- nologia ocupa uma função ambígua em rela-
ce mais rapidamente que a taxa de aceleração ção ao tempo.
tecnológica, ou seja, o desenvolvimento de Se a aceleração não resulta imediata-
novas tecnologias é visto como uma resposta mente de desenvolvimentos tecnológicos que
ao desafio da falta de tempo que emerge no “economizam” tempo e que subvertem a rela-
campo da atividade humana.9 Daí que, segun-
com Rosa. Quem o faz em um sentido mais radical é
8
IBID. POSTONE (2014), cujo conceito de “tempo abstrato”,
9
Em relação ao que impulsiona a aceleração social advindo da crítica da economia política, permite
seria fundamental remetê-la, também, à dimensão da compreender de forma mais essencial a necessidade
“economia política”, ou seja, explicar a necessidade constante de aceleração social e seu paradoxo. Essa
de aumento crescente da quantidade de atividade fonte da necessidade de aceleração, contudo, não é
numa sociedade de produção de mercadorias, o que desconsiderada por Rosa, mas ele não a considera a
não está no escopo deste artigo e, segundo a nossa única, nem talvez a mais fundamental.
análise, não é o único motor da aceleração de acordo 10
ROSA (2003), p. 10. Op cit.

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ção entre tempo e espaço, que fatores teriam Nesse âmbito também ocorrem paradoxos,
impulsionado esse fenômeno temporal típico porque, de um lado, o progresso produz enor-
da modernidade? Segundo Rosa,11 há três fa- mes destruições, e de outro o mundo sempre
tores fundamentais que impulsionariam a ace- oferece mais oportunidades do que é possível
leração: o econômico, o cultural – estrutural e vivenciar em uma vida, o que produz uma di-
o “circuito da aceleração”. O primeiro aponta vergência entre o tempo do mundo (Weltzeit)
para a competição entre sujeitos e empresas e o tempo da vida (Lebenzeit).
na sociedade capitalista como um fator funda- No plano pessoal, a aceleração no rit-
mental da aceleração: o tempo da circulação mo de vida aparece aos sujeitos como uma
do capital é um fator crucial, de modo que o resposta à percepção de que não se está vi-
circuito de produção, distribuição e consumo vendo o suficiente, de que eles se encontram
constantemente acelera.12 Reduzir o tempo em déficit em relação às possibilidades de
da produção cria vantagens concorrenciais e, produzir novas experiências. Isso decorre de
além disso, o capital financeiro busca retorno o uma “promessa hedonística” que substituiu
mais rapidamente possível; finalmente, estar à na modernidade a promessa religiosa da vida
frente da concorrência numa perspectiva tem- eterna, uma espécie de resposta moderna ao
poral é um fator essencial à sobrevivência de problema da finitude. Efetivamente, é impos-
empresas e sujeitos. sível realizá-la porque a taxa de potenciais
Entretanto, Rosa chama a atenção para experiências que se perde aumenta exponen-
o fato de que o princípio da competição ex- cialmente.14 Em outras palavras, a sociedade
cede a esfera econômica: ele é o modo domi- secularizada é orientada para a vida material,
nante da “distribuição” em todas as esferas com os sujeitos visando sempre uma maior ri-
da vida social na modernidade, e estabelece queza e profundidade nas suas experiências.
como critério de sucesso a realização de de- Nesse sentido, uma vida é considerada boa
terminado trabalho em tempo menor. Os quando nela se realizam mais coisas e se de-
concorrentes devem sempre investir mais senvolvem mais capacidades. A aspiração do
energia para seguir competindo, abreviando homem passa a ser “aproveitar a vida” ao má-
ao máximo o tempo necessário para realizar ximo, o que leva ao desejo de acelerar para
suas atividades, como para fazer chegar ao poder viver mais, mas evidentemente essa ex-
consumidor a mercadoria desejada. pectativa conduz inevitavelmente a um gran-
A segunda força a produzir a aceleração de nível de frustração.
seria, ainda, segundo Rosa,13 estrutural e cul- Finalmente, Rosa chama a atenção para
tural. Ela indica a existência de uma conexão o que chama “circuito da aceleração” como
entre a aceleração e os ideais dominantes da uma força que impulsiona o aumento da velo-
modernidade, entre eles o do progresso ma- cidade das mudanças sentido pelos sujeitos.
terial contínuo e o do usufruto da vida coin- Como as sociedades modernas têm um alto
cidindo com um número maior de vivências. grau de diferenciação funcional, isso, primei-
ramente, permite, depois impõe, velocidades
11
IBID.
12
Sobre essa questão há análises mais aprofundadas Há consequências interessantes a se retirar dessa
14

em Harvey (2004) e Postone (2014), embora existam premissa – a substituição da promessa religiosa
divergências importantes entre esses autores, pela promessa hedonística – para o campo da crítica
principalmente em relação à leitura que fazem do à publicidade. O contínuo desejo de obter mais e
conceito de valor e da circulação em Marx. A discussão viver mais intensamente estaria inserido na essência
dessa questão, que extrapola o âmbito analítico, da vivência temporal da modernidade, já que o
primordialmente sociológico, e que acolhe também tempo não mais se desdobra em um agora terreno
contribuições de Weber e da sociologia da cultura, e um depois celeste, justificando uma perspectiva
de Rosa, merece uma análise mais aprofundada, em hedonista pragmática. Isso permite identificar no
especial considerando suas consequências para as plano temporal, histórico-social, algo que comumente
políticas de resistência. se atribui aos desejos insaciáveis do sujeito, ou aos
13
IBID. poderes manipulatórios da publicidade.

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dos arranjos sociais cada vez maiores, até o lho desgastante) e ideológicas (movimentos
ponto em que “a aceleração social se torna sociais que propõem a desaceleração).
um sistema que se move a si mesmo”.15 Os sis- Mais fundamentalmente, Rosa17 chama
temas sociais funcionais (leis, ciência, política, também a atenção para a possibilidade de que
arte etc.) tornam-se cada vez mais complexos talvez a aceleração só seja possível na medida
e diferenciados, e disso resulta uma maior em que exista uma orientação cultural está-
contingência que, por sua vez, impõe uma ex- vel ou, ainda mais essencialmente, talvez as
periência do tempo como perpétua mudança mudanças só sejam possíveis na proporção
e aceleração. em que permanece uma base social estável.
Em suma, nos três níveis citados: no pla- Essa base é identificada tanto à manutenção
no da concorrência econômica, da promessa de uma lógica industrial de produção como à
hedonística e da progressiva diferenciação permanência de instituições como a família e
funcional, Rosa detecta um circuito de contí- regimes democráticos de governo e adminis-
nua aceleração, de uma fuga para a frente de- tração centralizada. Isso não significa que o
senfreada, com não poucos riscos já coloca- autor corrobore análises que apontam o “fim
dos no horizonte visível, mas aparentemente, da história”, mas que ele apresenta uma com-
a possibilidade de ação política que freie essa preensão de que os processos de aceleração
tendência está fora do âmbito da ação polí- são complementares a formas de permanên-
tica e da compreensão crítica. Essa aparên- cia e de estabilidade, talvez tão fundamentais
cia de que a aceleração ocorre de forma não como as que se apresentam como aumento
problemática é desfeita pela consideração de da velocidade, uma vez que a existência de in-
processos correlatos paradoxais, de desacele- vestimentos de longo prazo – ou seja, de ace-
ração e, em certo sentido, de permanência e leração a longo prazo – dependem de alguma
resistência. estabilidade.
Ou seja, ao focar a teoria crítica na ques- O paradoxo da aceleração, então, se co-
tão da temporalidade e ao apontar a acele- loca também para a questão da reprodução so-
ração como um processo social abrangente cial: uma ampliação desmedida da flexibilidade
que a define, Rosa16 não deixa de chamar a em grande escala, aparentemente um efeito
atenção para a relevância de processos con- notório da aceleração da mudança social, só é
tíguos de desaceleração, de permanência ou possível sobre o fundamento de certas institui-
de resistência à aceleração, que existem pa- ções permanentes. Se tomarmos a aceleração
ralelamente ao aumento da velocidade. Isso é temporal, em suas várias dimensões parado-
fundamental para compreender a aceleração xais, como uma modalidade de ideologia pró-
como um conjunto de processos paradoxais, pria do mundo contemporâneo, uma discussão
em que tanto ocorrem mudanças cada vez se destaca: a aparência de um turbilhão de mu-
mais rápidas como permanecem estruturas danças cada vez mais aceleradas opera sobre
mais amplas. Tais processos estariam rela- uma “infraestrutura” de instituições e formas
cionados a limites de velocidade naturais ou de ratio que tendem a se perenizar justamente
humanos, relacionados a processos fisioló- na medida em que se produz a aceleração e a
gicos (o tempo da gravidez, por exemplo), submissão da totalidade social ao tempo abs-
a nichos culturais que resistem à aceleração trato, isto é, às formas sociais de sujeição da
(os Amish), a processos de diminuição da ve- vida ao modo de valorização tipicamente capi-
locidade como contrapartida da aceleração talista. O oximoro que revelava a situação cul-
(engarrafamentos, desemprego, depressão tural como ocupação da esfera da cultura pela
econômica) etc. Há também desacelerações ratio: indústria cultural, vista a situação sob a
funcionais (fazer ioga para aguentar o traba- perspectiva temporal, poderia ser considerado
uma imobilização acelerada.
ROSA (2010), p. 40. Op. cit.
15

IBID.
16 17
ROSA (2005). Op. cit.

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Além disso, aquilo que se experiencia, temporal e o eterno é conforme ao primado
no plano pessoal, dos grupos e coletividades, do universal na filosofia da história”.19 Torna-
resulta uma aparência de fragmentação, flexi- -se fundamental preservar a perspectiva
bilidade, velocidade e rupturas temporais que epistemológica da dialética negativa para dar
cresce exponencialmente e, segundo seus de- conta de identificar o mais arcaico no mais
fensores, abre um leque de total contingên- moderno, o que há de permanência nas rup-
cia, total possibilidade de escolha e abertura turas, o que há de semelhança nas diferenças.
ilimitada do devir. Na realidade, entretanto, a Evidentemente, essa questão mereceria uma
ocorrência de mudanças notórias é também análise à parte; retomaremos esse tema em
acompanhada de permanências, tornando a nossas considerações finais, mas antes, para
tarefa de análise, discussão e compreensão seguir com Rosa, faremos um deslocamento
da realidade social, nesse nível, extremamen- para a dimensão política.
te difícil, principalmente sem uma teoria uni- No âmago da análise da aceleração,
ficadora. Despido de perspectivas temporais encontra-se um problema ético-político: a
mais alargadas, sem uma tradição a que possa capacidade humana de estabelecer para a sua
se referir, preso a um tempo presente abar- vida, com liberdade e deliberação, a natureza
rotado de choques sensoriais que sobrecarre- e os fins de sua atividade. Que relação tem a
gam a consciência ao mesmo tempo em que dimensão temporal com a questão ética? Nes-
bloqueiam a possibilidade de construir uma se ponto vale a pena retomar uma tese funda-
experiência sobre o que é vivido, os sujeitos mental de Rosa, de modo a retirar dela suas
se encontram em uma armadilha temporal: o consequências mais fundamentais.
incremento da celeridade resulta na paralisia
das forças críticas, da autonomia, da esfera Uma das maneiras de examinar
pública, da consciência. a estrutura e a qualidade de nos-
Ao que parece, oferecer uma teoria que sas vidas é se concentrar em seus
nos esclarece sobre esse momento do desen- motivos temporais. Não se trata
volvimento das forças culturais é o maior mé- somente de que todos os aspec-
rito de Rosa,18 uma vez que os temas, objetos tos da vida podem ser abordados
e circunstâncias a que se dedica sua análise de modo esclarecedor de uma
parecem inapreensíveis, fugidios e impalpá- perspectiva temporal, mas que as
veis apenas quando abstraída a dimensão estruturas temporais se ligam aos
temporal. Assim, talvez uma teoria temporal níveis microscópicos e macroscópi-
abrangente seja essencial para superar a apa- cos da sociedade, ou seja, nossas
rência tanto de total aceleração sem freios ações e orientações são coorde-
como de imobilidade e fim da história, não nadas e permanecem compatíveis
porque elas sejam simplesmente falsas, pois com os ‘imperativos sistêmicos’
a falsidade de conceitos ideológicos coincide das sociedades capitalistas moder-
com a sua pretensão de identidade à totali- nas através de normas, contratos
dade, mas porque são justamente as articula- e regulações temporais. As socie-
ções entre o que foge e o que permanece que dades modernas são, a meu ver, re-
precisam ser compreendidas nesse momento guladas, coordenadas e dominadas
de grande perigo. por um regime temporal rigoroso e
Desse modo, é necessário tomar a rela- estrito, que não se articula em ter-
ção entre passado e presente, ou entre ima- mos éticos. Os sujeitos modernos
nência e transcendência histórica e temporal, podem, então, ser descritos como
de modo dialético, ou seja, considerar o avi- não restringidos por sanções éticas,
so de Adorno: “a dicotomia simplista entre o consequentemente sendo ‘livres’,

18
IBID. 19 ADORNO (2009), p. 274.

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mas sendo regidos, dominados e autônomo. Isso se expressa em mudanças nas
reprimidos por um regime temporal formas de dizer a própria condição que evitam
em grande parte invisível, despoliti- predicados identitários: deixa-se de ser católi-
zado, indiscutido, não teorizado e co, por exemplo, para ir à igreja católica; deixa-
inarticulado. Esse regime temporal -se de ser casado para estar com Maria.
pode de fato ser analisado graças a No limite, a vida organiza-se de forma
um conceito unificador: a lógica da “destemporalizada”, ou radicalmente “pre-
aceleração social.20 sentificada”, impossibilitando traçar planos de
longo prazo e acentuando a sensação de pre-
Ou seja, o valor crítico e heurístico do cariedade e insegurança.22 Ao lado disso, há a
conceito de aceleração é que ele procura necessidade de constantemente ajustar-se a
trazer à tona todo um conjunto de “impera- novas demandas, sejam tecnológicas ou orga-
tivos sistêmicos” temporais que operam de nizacionais, abandonando formas conhecidas
forma não teorizada, inarticulada, invisível, e eficazes, no plano pessoal e institucional, de
produzindo formas de dominação que os su- funcionamento. Os níveis de insegurança e de
jeitos não costumam questionar justamente risco tornam-se cada vez mais palpáveis, e as
porque tais imperativos não somente não são consequências pessoais costumam ser adoeci-
compreendidos e articulados num nível ético- mento, depressão e isolamento. Desenvolvem-
político, mas também há entre a vivência -se uma série de patologias temporais,23 assim
cotidiana e a possibilidade de articulação como várias tentativas terapêuticas que tentam
política um fenômeno de dessincronização. acomodar funcionalmente o sujeito num am-
Em suma: os imperativos da aceleração são biente de incerteza e insegurança profundas.
inerentemente imposições sociais que ope- No cerne da dificuldade relacionada
ram no campo ético e político, mas não são ao declínio radical do indivíduo autônomo
percebidos como tais! Compreender e concei- encontra-se a aceleração e sua consequên-
tuar a dimensão temporal da vida na socieda- cia menos palpável: a perda da possibilidade
de contemporânea é, segundo as reflexões de fazer experiências em relação ao mundo
de Rosa, uma forma de perceber o caráter ne- no plano ético e político.24 Como seria possí-
cessário, inflexível, abrangente e simultanea-
mente arbitrário da temporalidade, o modo
22
Situação analisada em detalhe por SENNETT (2009),
que ressalta as inúmeras consequências maléficas,
como, por meio de imperativos sistêmicos no plano pessoal, do trabalho na forma atual do
temporais, se impõe aos sujeitos, demandas capitalismo, e por Kehl (2015), que analisa a depressão
políticas e formas de vida alienadas. como sintoma social em uma sociedade acelerada.
As implicações ético-políticas da acele-
23
Destacam-se as reflexões de TÜRCKE (2012) e de
BYUNG-CHUL HAN (2015), mas seria possível remeter
ração são grandes e abrangem uma série de a forma como atualmente se utilizam substâncias,
problemas institucionais e pessoais. Nesse lícitas ou ilícitas, à dimensão temporal, de modo
plano, a aceleração resulta na impossibilidade a abranger um leque enorme de patologias e do
de constituição do sujeito em seu sentido tra- sofrimento psíquico em geral.
24
O aforismo 19 da Minima Moralia ADORNO
dicional, moderno, como indivíduo autônomo, (2008) oferece um excelente exemplo de como a
e isso abrange até mesmo as relações entre a dimensão temporal afeta a possibilidade de produzir
consciência e o inconsciente. A aceleração dos experiências. Nele se lê: “Entre os culpados pela morte
ritmos de vida resulta em uma configuração da experiência encontra-se a circunstância de que,
segundo a lei de sua pura eficácia, as coisas assumem
de identidade situacional,21 entendida como uma forma que restringe a lida com elas à mera
processo de desconstrução dos parâmetros manipulação, sem um excedente seja de liberdade
temporais que permitiam articular passado, de conduta seja de tolerância pela independência da
presente e futuro, e assim constituir um sujeito coisa, que sobreviva como germe de experiência por
não ter sido consumido pelo instante da ação” (p.
36). Uma vida constituída de instantes comprimidos e
20 ROSA, 2010, p. 8. Tradução do autor deste ensaio. sobrepostos não permite o desdobramento temporal
21 ROSA, 2003. Op. cit. necessário à realização de experiências.

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vel a autonomia se, de um lado, o “nomos”, por grandes corporações recobrem totalmen-
a “lei” entendida como expressão formal de te a esfera pública, não somente todos os de-
determinada ordem social – e o seu constan- bates e temas são pautados por elas, mas a
te questionamento na esfera pública, como celeridade das notícias as desqualifica como
imaginou Kant – já não é mais palpável por se elementos úteis ao debate ético e político.
mover constantemente, por ser velozmente Entre outros motivos, isso ocorre porque os
alterada em seu sentido. Além disso, produzir níveis de fragmentação, a intensidade e a
alguma experiência intelectual significativa imediata substituição de conteúdos uns pelos
sobre qualquer aspecto da realidade social outros tornam impossível manter a atenção
demanda um processo de reflexão que só se direcionada a determinado objeto e produzir
realiza no tempo, com permanência, visitan- em relação a ele uma experiência, ou ao me-
do constantemente o objeto em pauta; se os nos, uma análise crítica.
objetos sociais são aceleradamente transfor- Evidentemente, nesse sentido, pode
mados parece que o pensamento crítico per- haver uma dessincronização desejável, na
de os seus alvos. medida em que o sujeito possa criar tempos
Por sua vez, se demanda do sujeito que alternativos, desenvolver atividades que se-
se adapte, que ajuste sua conduta e seus va- jam portadoras de outras formas de tempo-
lores, suas ideias e seus hábitos, a uma reali- ralidade em relação às demandas da cultura
dade institucional em constante mudança. Os digital. A última reflexão nos chama a atenção
parâmetros identificadores externos deixam para a importância que tem, em determina-
de existir e, sem eles, a própria identidade das instituições como as escolas, a manuten-
se vê sem substância. A única saída para o ção de espaços e períodos de temporalidade
isolamento, a organização política dos traba- alternativa,26 não somente desacelerando
lhadores, se vê desprestigiada e acusada de em relação ao mundo da cultura digital, mas
não estar em sincronia com as novas formas também articulando temporalidades outras,
de produção, comunicação e circulação de recolocando no presente elementos do
saberes e modelos organizacionais. A mu- passado e apontando para os efeitos futuros
dança acelerada, por fim, torna as formas de- das escolhas que são feitas no presente.
mocráticas de organização e decisão dessin- Em suma, o que resulta da aceleração
cronizadas com relação às instituições onde da mudança social no plano institucional, se-
deveriam operar. A ação ético-política se vê gundo Rosa,27 é um conjunto de paradoxos.
bloqueada por sua natureza lenta, por estar Uma vivência destemporalizada e a contração
dessincronizada com uma sociedade que só do presente são expressões deste problema:
valoriza o que é veloz. a uma aceleração dos eventos corresponde
Compreendemos, assim, que a dessin- uma desaceleração da capacidade humana
cronização é um dos problemas centrais, no de atribuir sentidos e atuar politicamente. Os
plano ético-político, de uma sociedade em imperativos sistêmicos no âmbito temporal
constante aceleração. Observando o que se revelam mais um exemplo – ou uma nova
ocorre no plano da cultura, ela produz uma dimensão – da ordem social autonomizada
supressão daquilo que Habermas denominou em relação aos homens, ou seja, do que Marx
“esfera pública” na medida em que a acele- denominou “o capital” – uma forma de so-
ração abrange também, em certo nível, os ciabilidade humana que se torna alienada em
meios de comunicação de massas estrutura- relação aos homens. A aceleração seria, en-
dos digitalmente. Já Debord25 tinha chamado tão, uma atualização do diagnóstico do estra-
a atenção para a espetacularização de todos nhamento (entfremdung) descrito por Marx,
os níveis na cultura, mas no momento em que
meios de comunicação de massas dominados 26
Tal como, em certo sentido, propõe TÜRCKE (2016)
com sua disciplina de estudos rituais.
25
DEBORD (1997). 27
ROSA (2003). Op. cit.

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e seu desvelamento apontaria para a nova provém da configuração temporal em que
modalidade específica da ideologia, ou seja, estamos imersos, que recusa uma definição
de justificativa para as atuais formas de domi- abrangente a partir de aspectos específicos,
nação. Se os sujeitos não podem mais refletir uma vez que “tudo o que é sólido se desman-
a respeito do seu trabalho, sobre a origem e cha no ar”, como pontuavam Marx e Engels no
a finalidade da sociedade, perdemos a nossa Manifesto Comunista. Mas, ao colocar em pau-
liberdade, embora as expectativas hedonistas ta a temporalidade, a forma específica de cons-
cresçam em relação direta com a maior oferta trução social do tempo, Rosa nos apresenta o
de mercadorias espetaculares. cerne do problema: a forma temporal contem-
porânea é essencialmente paradoxal, de modo
Considerações finais que sua melhor expressão é a aceleração, mas
A existência humana é um processo ela mesma é uma espécie de paralisia e de re-
temporal, em qualquer forma de ordem so- corrência de formas sociais alienadas.
cial, mas os imperativos sistêmicos relaciona- Evidentemente, o que as reflexões atu-
dos à aceleração produzem formas de des- ais que dialogam com a tradição da Teoria
sincronização e contração do presente, que Crítica apontam é que essa configuração tem-
geram uma série de problemas: as fronteiras poral acelerada tem configuração específica
temporais entre trabalho e lazer, público e na chamada cultura digital, influenciando a
privado, passado e futuro se veem perigo- formação da subjetividade e a esfera pública.
samente negadas, com um enorme prejuízo Vivemos em um constante déficit ético e po-
para a possibilidade de fazer operar de forma lítico por motivos que abrangem tanto a se-
democrática a chamada “esfera pública”; as miformação socializada e as patologias tem-
novas tecnologias de comunicação alcançam porais que se manifestam no plano subjetivo,
os sujeitos em qualquer lugar e a qualquer como pela ocupação sistemática e ubíqua da
hora, intensificando o trabalho e soterrando esfera pública pela lógica do espetáculo.
a consciência sob uma avalanche de estímu- Mas o aspecto mais interessante dos con-
los de enorme intensidade, que bloqueiam ceitos temporais elaborados por Rosa é que
a possibilidade de produzir experiências, ou eles levam ao reconhecimento do caráter am-
seja, tornando a vida desarticulada temporal- bíguo, paradoxal, da temporalidade alienada
mente, com consequências drásticas, tanto contemporânea e de suas inúmeras fissuras. As
no plano pessoal como social; ideais sociais formas de dessincronização que acompanham
alienados, como a “fome temporal” e os ide- os processos de aceleração, por exemplo, nos
ais hedonísticos, instigam o sujeito a acelerar chamam a atenção também para as possibili-
suas ações, a produzir mais e até mesmo a dades de resistência e mudança relacionadas à
expor – num ambiente concorrencial – sua criação de momentos não alinhados aos impe-
“personalidade” como mais um atributo que rativos da aceleração. Só para indicarmos uma
o valoriza, rompendo a delicada articulação possibilidade banal, quem se dedica à leitura
entre o mundo interno e externo, entre espa- de um romance coloca-se em um mundo tem-
ços privados e a vida pública, culminando na poral paralelo, relativamente distanciado das
supressão da individualidade justamente pela demandas temporais aceleradas, e tem a chan-
aparência de sua entronização. Finalmente, ce de se colocar em uma posição crítica com
sem parâmetros históricos, preso a um pre- relação ao tempo alienado.
sente contínuo e contraído, o sujeito se vê Além disso, é cada vez mais notório que
isolado e incapaz de questionar os rumos que o processo social de aceleração gera proble-
toma a sociedade. mas estruturais gravíssimos, atingindo limi-
Assim, compreende-se a dispersão teóri- tes naturais que ameaçam o meio ambiente,
ca sobre como conceituar a era contemporâ- a saúde e o bem-estar dos seres humanos e
nea; a dificuldade, ao menos em um sentido, o mero bom senso. Apesar do debate demo-

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crático estar “dessincronizado” com os im- tal, passível de ser alterada. O reconheci-
perativos temporais da sociedade acelerada, mento dos imperativos temporais sistêmicos
é sempre importante lembrar que a socie- em seus vários âmbitos é importante para
dade é uma organização humana, temporal, nos tornarmos mais capazes de nos organi-
isto é, aberta a outras possibilidades e como zar e resistir.

Referências
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SENNETT, R. A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo.
Rio de Janeiro: Ed. Record, 2009.
TÜRCKE, C. Sociedade Excitada: filosofia da sensação. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.
TÜRCKE, C. Hiperativos: abaixo a cultura do déficit de atenção. São Paulo: Paz e Terra, 2016.

Dados do autor
Ari Fernando Maia
Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de Psico-
logia da Faculdade de Ciências, Unesp - Bauru e do Programa de Pós Graduação em Educação
Escolar da FCLar, Unesp - Araraquara. Bauru/SP – Brasil. arimaia@fc.unesp.br

Submetido em: 10-4-2017


Aceito em: 21-6-2017

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