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O UNIVERSO E A ILUSÃO DO TEMPO

Na visão geral que se tem das concepções tradicionais africanas, segundo teóricos que
sobre elas escreveram, o Universo visível é a camada externa e concreta de um
Universo invisível e vivo, constituído por forças em perpétuo movimento. No interior
dessa vasta unidade cósmica, tudo está ligado, tudo é solidário; e o comportamento do
ser humano em relação a si mesmo e ao mundo que o cerca é objeto de regras
extremamente precisas. A violação dessas regras pode romper o equilíbrio das forças do
Universo; e esse desequilíbrio vai se manifestar por meio de diversos tipos de
distúrbios. A restauração do equilíbrio só se dará mediante a conveniente e correta
manipulação das forças. Somente assim será possível restabelecer a harmonia, da qual o
ser humano é o guardião, por designação do Ser Supremo. Segundo o pensamento
ancestral africano, no Universo não existe “grande” nem “pequeno” e, sim, a harmonia
entre coisas de tamanhos diferentes. As relações de grandeza não têm nenhum sentido
porque não acrescentam nem diminuem nada. O ser humano não é absolutamente forte,
porque, apesar de todas as suas máquinas, não pode impedir a terra de tremer e engolir
milhares de pessoas; e jamais poderá impedir o Sol de atingir a Terra e comê-la, se um
leve desequilíbrio se produzir no espaço. O tempo, na concepção africana tradicional, é
um fenômeno que se realiza em duas dimensões. A primeira é a dimensão que
compreende todos os fatos que estão prestes a ocorrer, que estão ocorrendo ou acabam
de ocorrer. A segunda é a dimensão que engloba todos os acontecimentos passados, que
ligam o início das coisas ao presente desdobramento dos eventos no Universo. De
acordo com esta ideia ancestral, o tempo ui mais pela opção existencial do ser humano
do que por outros fatores. Assim, é preciso acreditar na existência simultânea do
passado, do presente e do futuro; e orientar o tempo dentro da harmonia dessas três
variantes. Porque o tempo linear, com horas, dias, meses e anos é também uma ilusão.1
Portanto, o ser humano vive em três mundos concomitantes e diferentes: o da realidade
concreta, o dos valores sociais e o da autoconsciência, que não se pode exprimir. O
primeiro é o mundo dos seres vivos, da natureza cósmica e

dos fenômenos naturais. O segundo é o mundo dos valores que regem os processos
espirituais e mentais dos humanos e suas comunidades. O terceiro é o das forças
incorpóreas, inatingíveis e inexprimíveis.2 Uma história famosa ilustra essa interação
entre passado, presente e futuro. Em determinada ocasião, Kanku Mussá, imperador do
Mali entre 1312 e 1332, enviou uma embaixada ao rei do Yatenga, clamando pela
conversão do soberano ao islamismo. O rei respondeu que qualquer decisão neste
sentido só seria tomada após consulta aos seus ancestrais, para saber o que uma possível
conversão geraria futuramente para o reino. Temos aí um pequeno exemplo sobre como
passado, presente e futuro, misturados em uma visão de mundo em que a ancestralidade
é o elo dinamizador, não são estanques ou lineares na concepção africana do tempo.

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