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Diego Degrazia

da Silveira
Graduado em Jornalismo. Professor em cursos
para concursos. Atualmente é Auditor-Fiscal da
Receita Estadual/RS (“ICMS-RS”), aprovado em
24º lugar no concurso de 2009. Exerceu o cargo
de Assistente Técnico Administrativo (Ministé-
rio da Fazenda). Aprovado em 1º lugar no con-
curso de Analista de Orçamentos do Ministério
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Público da União.

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E ra um domingo de abril luminosamente ensolarado e,
ainda assim, de um frio cortante que já prenunciava o
inverno rigoroso a rondar aquele ano de 2006.
O relógio redondo na parede da máquina de café, à
esquerda do caixa do restaurante, marcava já 15 horas e
30 minutos e eu havia recém-terminado de servir os 206
almoços daquele último dia do final de semana de um
abril inesquecível no Don Diego.
Com um bom movimento desses, um domingo frio-
rento de abril perto do brique da redenção tinha tudo
para me manter feliz e motivado com o meu “empreendi-
mento” familiar.
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Entretanto, naquele dia em especial isso não estava


rolando. Naquele dia especialíssimo de abril, eu estava
cansado, estressado, quase infeliz.
A rotina de um pequeno empreendedor pode ser
muito complicada no Brasil, mas geralmente eu era um
cara feliz. Já havia passado por muitas coisas boas e ruins
com o meu restaurante e sabia que existiam alguns “fato-
res críticos” de sucesso que sempre me levavam a crescer.
Eram três: a cozinheira-chefe, que estava na família
desde a minha infância e era como uma segunda mãe para
mim; o meu pai, que fazia as vezes de errepê de forma en-
cantadora; e – last but not least – a minha expertise na admi-
nistração, fluxos de caixa e controle de estoque faziam com
que o restaura do bomfa fosse um pequeno sucesso.
Nossa equipe era boa realmente, e isso havia gerado
um crescimento espetacular do Restaurante Almacén Don
Diego em apenas três anos de funcionamento.
Eu e meu pai havíamos comprado uma sorveteria
com faturamento baixíssimo e a transformado em um em-
preendimento com uma equipe média de funcionários e
com um faturamento interessante em tempo recorde.

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Três anos no Brasil para um negócio dar certo apenas trabalhan-


do com fluxo de caixa do próprio empreendimento é uma vitória e
tanto. Eu sabia muito bem disso. E o melhor de tudo: o Don me pro-
porcionou viver o dia a dia com meu pai.
Quando eu era ainda um moleque de Kichute, vivíamos no Rio
de Janeiro. Nessa época, meu pai se separou de minha mãe e voltou
para o Sul. Tive uma adolescência e um início de vida adulta alijado
de seu convívio, por isso o conviver no restaurante foi muito impor-
tante para mim. Meu pai, ainda que extemporaneamente, me ensinou
a viver a vida bem, a não gastar preocupações com problemas inexis-
tentes. E mais. Meu pai me ensinou uma grande máxima que carrego
até hoje: para a gente ser feliz sem trabalhar, o grande segredo é fazer
algo que dá prazer.
Até por isso, eu trabalhava sete dias por semana, cinco deles em
dois turnos no Don Diego. E sempre estava feliz, realizado. Até aque-
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le ano de 2006 chegar. Naquele ano eu passei a ver as coisas de forma


distinta.
Em 2006, o restaurante estagnou. Não havia mais como cres-
cermos, em face da nossa capacidade instalada. A única forma de
aumentarmos o fluxo era abrindo uma nova sede. E para isso eu
precisaria ter outra cozinheira-chefe quase mãe e outro pai para
fazer o errepê. Naquele ano de 2006, eu havia, pela primeira vez em
três anos, encontrado alguns limites mais pesados para continuar
crescendo.
Mais do que isso: em 2006 eu tive que trocar o meu maquinário
– freezers e máquinas da cozinha – e, para tanto, tive que despender
muito do que eu tinha de reservas, quase tudo, aliás.
Tudo isso junto-reunido-alinhavado ajudava a estragar aquele do-
mingo de quase inverno, que no mais das vezes tanto me justificava.
Pensando e repensando a situação, liguei a moagem, coloquei no
cachimbo a quantidade de pó necessária para um expresso duplo e
fiz a máquina do café funcionar apenas para a água fluir na bomba,
diminuindo o calor do bocal. Após evitar a queima do pó recém-
-moído com esse ato, coloquei o cachimbo na máquina e retirei um
expresso duplo, brilhante, cremoso.

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O odor inundou minhas narinas e me trouxe aquela sensação de


paz e de prosseguimento que só um bom café consegue trazer. Sen-
tei-me junto ao pai e desabafei:
– Cara, tô cansado. Preocupado com o nosso futuro...
Ele olhou para mim, soltou a tragada do Parliament, que pendia
entre seus dedos, e balbuciou:
– Vai jantar com a tua mulher, guri. O dia foi bom, faturamos
bem. Vai jantar com ela em um restaurante fino.
Dei uma risada escusa, quase uma tossida, e saí com aquele pe-
queno sorriso no canto da boca. Típico dele. Entender a vida pelo
presente. Meu pai, nesse contexto, era quase um Buda.
Enfim, resolvi acatar a sugestão e convidei a minha namorada
para um jantar tranquilo: afinal de contas era domingo e eu tinha
uma noite de folga.
Não sei como ela me aguentou no jantar. Passei duas horas recla-
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mando da vida, explicando por a mais b o quanto era difícil em-


preender, o quanto era instável a minha paz, o quanto eu estava me
tornando infeliz...
Entre uma lamúria e outra ela apenas dizia:
– Aham.
– Sei.
– Pois é.
E, assim mesmo, sem deixar de manter os olhos fixos no prato,
em um determinado momento, ela disparou:
– Olha, por que tu não faz um concurso público? Tu gosta tanto
de ler...
Nesse exato momento – lembro como se fosse hoje e sinto um
frio na barriga – o luminoso do restaurante da frente piscou e fez
aquele barulhinho de mosca quando morre eletrocutada no pegador
de luz negra.
Nesse momento, senhores, a Matrix se alterou na minha frente e
eu vislumbrei o código-fonte: um concurso público! Óbvio! Como eu
tinha sido tão cego até aquele momento da minha vida? Como não
havia pensado nisso?

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Uma mulher inteligente, pensei. É disso que um homem precisa!


Inteligente, parceira e visionária. Eu tinha uma à minha frente, com
um ar de interrogação.
– Que houve, amor? Tu ouviu o que eu disse?
– Claro. Estou pensando sobre isso... Acho que pode ser sim
uma opção. Realmente, tu tens toda a razão. É uma baita opção! Vou
começar a estudar para um concurso. Estabilidade, bom salário, fé-
rias, décimo terceiro...
Terminei meu filé com molho de nata com a sensação de que
uma nova etapa da minha vida havia iniciado e fui dormir com uma
leveza na alma que não sentia há muito tempo...
Na segunda-feira, acordei com uma disposição ana-maria-bra-
guense e fui direto ao jornal de domingo verificar quais os certames
com cursos abertos. Eu não sabia nada sobre o universo de concur-
sos, e, por isso, resolvi começar pelo básico: fazendo um curso pre-
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sencial.
Nem precisei procurar muito...
Estava lá, no canto superior esquerdo da ZH de domingo, em um
anúncio de três por duas colunas, verde e azul, com um G bem gran-
de e arredondado: Curso Greco, cursos para o concurso do AFTE.
REMUNERAÇÃO INICIAL R$ 5.602,50 + remuneração variável.
Nem preciso dizer que essa foi a única coisa que eu enxerguei,
né? Então era isso que eu iria ser. Isso o quê mesmo? Ah: Agente
Fiscal do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul. Ganhando isso
estava bom para mim.
Chamei meu pai em um canto e pedi uma força para ele. Nesse
momento seria importante que ele ficasse mais no restaurante, pois
durante a noite eu iria fazer um curso para concurso. Disse para ele
que precisava fazer esse curso, estudar um pouco, afinal, iria ser
Agente Fiscal do Tesouro Estadual e o concurso seria em breve. Ele,
espartanamente, respondeu:
– Tá.
Durante a tarde fui ao Curso Greco, que fica em um prédio famo-
so de Porto Alegre, com uma vista belíssima da cidade. Fiz a matrícu-
la, peguei o calendário e fui ler o cronograma de aulas. Não era nada

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do que eu achava que seria. Tinha muito direito, contabilidade, eco-


nomia, administração, matemática, português, estatística...
Mas eu tinha uma vantagem: o tempo. Afinal de contas, o edital
ainda não havia saído e a previsão era de aplicação de provas só em
julho ou agosto e nós ainda estávamos em abril.
Era muito tempo para estudar, mais de três meses...
Eu poderia, além das aulas, dar uma olhada na matéria pela ma-
nhã, antes de ir para o restaurante, enfim, tranquilaço.
Na primeira aula me deram uma Constituição. Rapaz... Não en-
tendi lhufas. Era um monte de artigos, com seus respectivos §, I, a,
tantos que cheguei a ficar tonto. Depois da primeira aula, que tratava
dos primeiros artigos da Constituição, achei que tinha começado a
entender parcialmente o tema.
Fui, então, resolver os exercícios e errei 8 dos 10 propostos.
Eram exercícios de “decoreba”, pura literalidade e eu não havia
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me ligado em decorar aqueles quatro primeiros artiguinhos da Cons-


tituição – não achava que as perguntas poderiam ser assim tão sim-
ples – e com isso afundei na média geral.
Claro, a minha média foi ridícula, mas nesse dia entendi uma
coisa crucial para concursos que carrego comigo até hoje: quem sabe
a literalidade da legislação acerta muitas questões. LITERALIDADE
É MUITO IMPORTANTE.
Saí da aula com a missão de DECORAR a Constituição e foi isso que
eu fiz nos 30 dias subsequentes. Me dediquei a ler, reler e copiar os ar-
tigos da Lei Maior. E pasmem. Quanto mais eu fazia isso, mais acertava
as questões. Questões de nível médio eu já estava acertando, em média,
quase 70% de todos os exercícios que fazia. Era como se eu tivesse des-
coberto a pólvora. E, além do mais, eu tinha me apaixonado pela leitu-
ra. Adorava saber um capítulo inteiro de cor, citar um parágrafo, en-
contrar um artigo perdido lá no meio da minha Constituição.
O interesse que eu tinha pela matéria ia aumentando conforme o
meu conhecimento dela também aumentava. Ocorre que, quando eu
estava quase começando a acreditar na minha aprovação, saiu o edi-
tal do concurso.
E foi um baque. Quando passei os olhos pelo conteúdo exigido
tive a certeza de que não conseguiria vencer 5% da matéria total.

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Todo o tempo que eu tinha gastado em Constitucional não dava


sequer para cobrir o conteúdo previsto para a disciplina. E – eu ria
com um certo desespero – ainda tinha que aprender contabilidade,
estatística, financeira, economia, legislação...
Passei da euforia para a prostração em 20 minutos de leitura do
edital e pensei em desistir.
Quando voltei para o restaurante tive uma conversa com o meu
pai, pois nos moldes em que estavam as coisas era melhor eu desistir
mesmo. Não havia como. Ele então falou pra mim o seguinte:
– Vamos fazer assim, foca nisso que eu seguro as pontas aqui.
Aquilo para mim foi uma luz, no final do túnel, claro, mas foi
uma luz. Eu poderia estudar durante o dia e fazer o curso à noite.
Minhas chances aumentavam muito com isso.
Fui pra casa e DEBULHEI o edital. Minha maior preocupação
era conseguir ao menos entender todas as disciplinas que eram exi-
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gidas. Para tanto, organizei, de uma forma empírica, as disciplinas


em dois grupos: as que eu precisava estudar muito e as que preci-
sava estudar.
O cenário que surgiu disso foi, no mínimo, desolador. Faltava
ainda um mês e pouco para a prova e eu apenas sabia alguma coisa de
Português, de Direito Constitucional e de Direito Tributário. O resto,
todas as outras NOVE disciplinas, eu teria que aprender do zero.
Eu acreditava seriamente que isso seria possível em 30 dias até
receber o material de legislação tributária no cursinho. Quando eu vi
pela primeira vez o regulamento do ICMS impresso cheguei à conclu-
são: não adiantava me iludir, seria impossível vencer a matéria.
Mesmo assim me dediquei integralmente a estudar, seguindo à
risca os temas dispostos no edital, ponto por ponto. Pegava o edital
na disciplina de contabilidade, por exemplo, e estudava apenas o
estritamente disposto no edital. Com isso, consegui um aproveita-
mento relativamente bom.
Eu começava a estudar pelas oito da manhã, parava ao meio-
-dia, almoçava e retomava os estudos até o final da tarde. Foi assim
que me familiarizei com as outras matérias que faltavam. Minha
meta era chegar ao dia da prova ao menos sabendo do que as ques-
tões tratavam.

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Quando veio a prova eu estava tranquilo, pois sabia que, mesmo


tendo dado o meu máximo, seria muito difícil a aprovação. Essa tran-
quilidade me fez ir ainda melhor do que eu esperava.
Fui eliminado, pois não atingi o percentual mínimo necessário.
Entretanto, me dei relativamente bem na prova, inclusive nas maté-
rias que eu havia estudado no último mês.
O que eu não tinha conseguido estudar, naturalmente tinha er-
rado. Mas, à época, essa era grande conclusão: se eu tivesse tempo
para me dedicar a todas as matérias, conseguiria a aprovação!
Estudando com o edital ao lado e com um material bom a apro-
vação era coisa CERTA!
Cheguei ao restaurante naquela terça-feira, chamei meu pai e
minha namorada e comuniquei: eu vou virar um concurseiro profis-
sional! Para a aprovação em concursos públicos a gente precisa mesmo
é de DEDICAÇÃO, disse a eles com uma certeza de quem recebe uma
informação divina.
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Quero vender o restaurante e me dedicar inteiramente aos estu-


dos. Com isso, tenho CERTEZA que muito em breve serei um servi-
dor público da área fiscal. Ganharei bem, terei estabilidade, férias,
décimo terceiro e serei FELIZ, completei.
Quando disse isso não tinha a menor ideia do que me esperava
pela frente. Achava que em seis meses, no máximo um ano, estaria
com tudo certo, titulando meu sonhado cargo público, ganhando
bem, sendo feliz, viajando nas férias. Era ainda outubro de 2006 e eu
esperava que em 2007 minha vida já fosse muito diferente.
Ledo engano.

1. Vida de concurseiro iniciante. Dedicação


Vender o restaurante foi um pouco complicado, mas acabou so-
brando uma graninha para um “planejamento de estudos”.
Saí do apartamento em que morava e fui “residir” com a minha
namorada Deise, aquela mesma, muito inteligente, que havia me su-
gerido começar a estudar.
Passei os primeiros dias me organizando, escolhendo qual seria
o meu foco concurseiro. Como eu era graduado em jornalismo, não
me restavam muitas opções.

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Os fóruns da internet, principalmente o www.forumconcursei-


ros.com, foram muito importantes nesse momento. Ali eu consegui
ter uma visão das diversas opções que se apresentavam, como remu-
neração, lotações, peculiaridades do trabalho, dicas de estudo e tudo
mais que a teoria pode nos brindar.
Feito isso, decidi que, por ser jornalista, o meu foco teria que ser
na área fiscal mesmo (sem querer eu havia acertado na escolha do
meu primeiro concurso). E mais. Havia me apaixonado pelo cargo,
pelas disciplinas, pelo simples fato de ser um Auditor Fiscal ou um
Agente Fiscal.
Nos primeiros meses dessa nova etapa de estudos eu entendi a
importância de uma CARREIRA DE ESTADO e mudei muito minha
percepção sobre o tema. A remuneração para mim passou a ser uma
consequência da grandeza da função, da atividade, tão importante
para a sociedade.
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Essa foi uma das primeiras reviravoltas promovidas pelo estudo


para concursos no meu ser: passei a ver que o cargo público era MUI-
TO mais do que a REMUNERAÇÃO. Que a remuneração era a conse-
quência da importância da função, das atribuições.
Dentro da área fiscal eu poderia enveredar para os Fiscos Esta-
duais, Municipais ou para a Receita Federal. E aí eu tomei uma outra
decisão muito importante: resolvi colocar meus esforços no concurso
da Receita Federal. É que, mesmo vindo de uma experiência de Fisco
Estadual, e tendo me apaixonado pelo cargo de AFTE, o concurso da
Receita Federal era mais certo, mais provável de acontecer. Aliás,
todo mundo falava pelos fóruns da vida que iria rolar ainda em mea-
dos de 2007...
Munido dessas informações, fiz a minha matrícula em um curso
extensivo para a RFB e organizei um ciclo de estudos tendo por base
o último edital do concurso. Estávamos no final de 2006 e eu teria
pelo menos uns seis meses de estudo pela frente. Era muito tempo...
Minha rotina básica era a seguinte: Acordava cedo, ia para o
curso, voltava ao meio-dia, almoçava, tirava um cochilo, voltava aos
estudos, fazia um intervalo para o café por volta das três da tarde,
voltava aos estudos, ia para a academia, voltava pra casa, esperava a
patroa no portão, assistia à novela das nove, dormia.

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Todo dia assim.


Nos primeiros tempos consegui manter uma regularidade, mas a
falta de notícias sobre o concurso me fez repensar as coisas. A grana
estava indo rápido e o meu acúmulo de conhecimento indo devagar...
Novamente, caí dentro dos fóruns e encontrei outra oportunida-
de: o concurso do Ministério Público da União que seria realizado no
início de 2007. O cargo pretendido? Analista de Orçamentos.
Mas por que isso? Simples: primeiro, aceitavam qualquer forma-
ção superior; segundo, havia previsão para o Rio Grande do Sul; ter-
ceiro, poderia treinar as matérias comuns para a área fiscal.
E lá fui eu descobrir as provas da Fundação Carlos Chagas, que,
para meu alívio, eram bem mais plausíveis que as provas da ESAF.
Baixei todas que encontrei lá do www.pciconcursos.com.br e
passei a resolvê-las como um louco-alucinado-insandecido. Era tanto
papel no meu quarto de estudos que vivia atacado de rinite...
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Mesmo tendo o concurso do MPU como foco, não descuidei dos


estudos para a RFB. Eu apenas inseri as matérias que não eram co-
muns no meu ciclo e passei a resolver questões da FCC. Com isso, não
perdia o meu objetivo: a RFB.
Lá em fevereiro de 2007 fui fazer a prova de Analista do MPU,
já com uma intranquilidade de quem está com mais de 30 anos, há
alguns meses sem trabalhar, com dinheiro escasso e apostando tudo
em um concurso.
Achei a prova acessível, pois pela primeira vez tinha conseguido
estudar toda a matéria. Inobstante isso, eu sabia que seria complicado
uma nomeação – os boatos dos fóruns ressaltavam que as vagas para
o cargo seriam poucas – e continuei minha preparação para a RFB.
Já em março de 2007 me sentia um pouco mais seguro fazendo as
provas da ESAF. É que eu havia modificado a estratégia de exercícios.
Eu não só fazia exercícios isolados sobre determinados conteúdos,
como também resolvia as provas inteiras, da seguinte forma: imprimia
as provas completas e tirava o dia para resolver e corrigir tudo.
Fiz as provas de Analista e de Auditor. Duas vezes. Fiz as provas
da PGFN, bem como as da STN e da CGU. Fiz prova para Auditor do
Trabalho. Enfim. Fiz TUDO que eu encontrei da ESAF na internet.

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Claro, meu foco eram as disciplinas que seriam cobradas na RFB.


Com esses resultados tabulados – sim, eu anotava em quais te-
mas eu ia mal –, reorganizava meu cronograma de estudos de forma
cíclica.
Entretanto, mesmo em face desse esforço maior e do ganho em
produtividade, sabia que andava progredindo pouco para uma pro-
va do nível da ESAF. Por isso o que mais pesava, além da falta de
grana, era a motivação.
Eu já estava com mais de 30 anos e só o que eu tinha na vida era
um futuro incerto. Ademais, tudo andava muito nebuloso com o con-
curso da RFB. Certa hora havia a notícia de que o edital iria sair na
próxima semana, em outro momento que o certame não aconteceria
em 2007.
A impressão que eu tinha era que NUNCA iria conseguir passar.
Ser nomeado então... era uma coisa longínqua, quase impossível,
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inalcançável.
Bem nesse momento complicado, a vó da Deise (a minha namo-
rada que já tinha virado companheira) começou a ter problemas de
saúde. Foi internada, voltou pra casa, foi internada de novo e fale-
ceu. Fora a dor que todos sentimos, ainda tive que reorganizar algu-
mas coisas práticas que interferiram na minha rotina de estudos.
Ocorre que a mãe da Deise tinha sofrido dois derrames cerebrais
ainda antes de nos conhecermos. A Ieda – a mãe da Deise – agora
estava bem, não tinha sequelas, era independente e tudo mais. Entre-
tanto, a vó que havia falecido morava junto com ela. A Laura (avó da
Deise) era uma senhora muito bem disposta, bem de vida, feliz, guer-
reira, enfim. A morte dela foi um baque principalmente para a mãe
da Deise, que possuía um histórico de saúde bem frágil.
Até por isso, tivemos que passar a tomar alguns cuidados extras
com a mãe da Deise, caso que, com a nossa grana milimetricamente
contada, acabou por encurtar ainda mais a minha previsão inicial de
tempo necessário à aprovação. E, ato contínuo, a pressão sobre a mi-
nha pessoa passou a tender ao infinito.
Foi nesse tempo que resolvemos dar um cachorrinho para a mãe
da Deise, um companheiro para ajudar no convívio e tal. Daí compra-
mos um maltês de três meses, que denominamos Guri.

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Em uma semana, o Guri fez a pressão da sogra ir às alturas e ela


quase teve um novo AVC. Tivemos que resgatar o cusco e eu me
comprometi a cuidar dele, contanto que não me atrapalhasse nos es-
tudos. A surpresa foi que ganhei um companheiro para as manhãs
geladas de labuta, que, ainda por cima, passou a ajudar no controle
do meu tempo de estudos.
Mesmo assim, o tempo só passava. E nada de concurso da RFB.
Pensei seriamente em largar tudo e voltar a trabalhar com algo
palpável, que me garantisse ao menos uma graninha para deixar de
me sentir um explorador de esposas, um filho ingrato, um desocupa-
do, um cara que não deu certo na vida, aquele que passeia com o
cachorrinho às três da tarde...
Nesse momento de quase desespero, saiu o resultado do MPU.
Lembro daquele dia como se fosse hoje, de tão nervoso que eu
estava. Procurava no Diário Oficial da União o meu nome e não en-
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contrava sequer a relação dos aprovados no cargo. Até que, após


muitas idas e vindas no PDF, encontrei a lista dos aprovados para o
Analista de Orçamentos – Unidade Rio Grande do Sul. E, pasmem,
meu nome não estava lá.
Eu tinha certeza que a prova tinha sido acessível e – pela minha
correção do gabarito – eu tinha ido bem, mas mesmo assim não acha-
va meu nome. Vasculhei a lista, de cabo a rabo, e não achei. Ia e
voltava, um tanto incrédulo. Tinha estudado muito, feito todas as
provas, ido bem na correção do gabarito, mas meu nome cismava em
não aparecer. Alguma coisa deve ter ocorrido na hora de passar para
a grade de respostas, pensei. Só poderia ser isso, essa era a única
resposta plausível!
Eu era mesmo um mané. Como eu tinha errado tanto ao passar
para a grade, meldels!!! Como???
Ainda desolado, fui comunicar à Deise:
– Mor, não fui nem classificado...
– Mas não pode! Tu foi bem, tu estudou... pela correção das
respostas tu deverias estar entre os primeiros, não pode ser!
– Mas é. Devo ter errado alguma coisa na grade.
– Deixa eu olhar a lista. Abre aí pra eu ver.

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E lá veio ela com aquele olhar obstinado de mulher, acreditando


piamente que eu havia deixado passar algum detalhe na lista.
Abri a lista do DOU e apareceu o último colocado. Comecei a
subir, rolar a tela para cima e ela disse:
– Não, começa de cima!!
E fui eu lá para o topo da lista. Comecei a rolar para baixo e nada
do meu nome...
– Mor, tu não viu?
– Não.
– Volta, volta, volta!!
E ela passou a mão no mouse gritando.
– É tu. É o primeiro lugar! O PRIMEIRO!! OLHA!!!
O meu nome saltava aos olhos, no primeiro lugar da fila, agora mar-
cado pelo cursor piscante do computador. Eu não conseguia acreditar.
PRIMEIRO LUGAR.
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Tive que ler três vezes, conferir se era mesmo verdade.


PRIMEIRO LUGAR.
Era. Eu estava dentro. Seria servidor do MPU, escolheria a mi-
nha lotação. A gente gritava junto bem alto, pulava, olhava a tela
novamente. Era uma emoção surreal, uma euforia indescritível. Esta-
va com a vida resolvida. Salário bom, estabilidade, enfim.
Liguei para meus pais e para meus amigos. Espalhei a boa nova.
Saí do nosso apartamento para ver o dia – nós morávamos em um
condomínio popular, no primeiro andar – e resolvi sentar em um dos
banquinhos de madeira verde que se sucediam pelos corredores da
área comum.
Ali sentado, pude ver que o dia brilhava de uma forma rara, que
os raios do sol refletiam nas flores como se a inclinação solar fosse de
outono e não de verão, como efetivamente era. Havia um vento não
muito quente, que refrescava levemente o corpo. Algumas crianças
brincavam ali perto e eu conseguia ouvir uma gargalhada infantil de
tempos em tempos.
Sentado ali sozinho, nesse momento em que me achava em um
estado sublime, sem peso, eu chorei. Copiosamente e só. Um choro
bom, de lavar a alma.

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Uma vizinha se aproximou, meio preocupada. Eu só pude dizer:


é de felicidade, vizinha, e ela se foi um tanto desconfiada.
Refeito, tirei o dia de folga dos estudos e passei a planejar como
seria a minha vida daqui pra frente.

2. Vida de concurseiro profissional. Fé


Acessei o Fórum concurseiros na parte do concurso do MPU e
fiquei sabendo que os boatos internos mencionavam duas vagas para
o meu cargo: DUAS. Naquela época, ainda em 2007, os tribunais su-
periores começaram a reconhecer o direito líquido e certo do aprova-
do em concursos públicos a ser nomeado dentro do número das va-
gas do edital. Isso fez com que diversos certames passassem a lançar
editais prevendo apenas vagas para “cadastro de reserva”. Esse era
caso do concurso do MPU, mas que agora estava sanado. Eu estava
duplamente tranquilo: com DUAS vagas, uma seria minha certamen-
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te. Até por isso, relaxei nos estudos.


Na semana seguinte, voltando para casa a bordo do nosso pos-
sante fusca 1964, escutamos a promoção de uma rádio aqui da capi-
tal: a melhor frase enviada pelos ouvintes sobre música seria contem-
plada com uma viagem para Buenos Aires, para assistir a um pocket
show de lançamento de uma nova Banda da EMI, com tudo pago. E
com direito a acompanhante.
A Deise me olhou e disse:
– Quem tira primeiro lugar em concurso, ganha concurso de fra-
se!
Cheguei em casa e enviei a minha ideia. E não é que ganhamos?
Um final de semana em Buenos Aires, com tudo pago! Mas, pensando
bem, por que não esticar as coisas e passarmos mais um tempinho lá?
Afinal de contas eu seria nomeado em breve, ganharia bem, tudo
estaria resolvido. Vamos aproveitar, ora bolas!!!
Claro, ainda não estávamos em condições de gastar esses valo-
res, e, por isso, pedimos emprestado algum para a minha mãe, colo-
camos o resto no cartão e fomos para a nossa temporada portenha.
Foi chique. De última. Melhor hotel, show particular, camarim,
Entrecot do Las Lilas. Voltamos revigorados.

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Quando cheguei em casa, corri para o computador para me atua-


lizar sobre a minha nomeação e... tum: me deparei com o abismo.
Fiquei sabendo em um post anônimo que havia rolado um con-
curso de remoção interna e as duas vagas aqui do sul tinham simples-
mente sido supridas por servidores de outros Estados.
Como assim?
Como assim?
Como assim?
O que isso queria dizer, “meldels”? Postei afobadamente.
Simples, me responderam de pronto: por enquanto não existem
mais vagas para o Estado do Rio Grande do Sul para o cargo de Ana-
lista de Orçamentos.
Mas eu tinha tirado primeiro lugar!
“Pois é. Só relaxa quando tomar posse, magrão.” Foi a resposta
de um outro colega que me deixou sem qualquer reação.
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Cara, como eu iria contar isso para a Deise? Como? Passei a noite
remoendo o assunto, pensando em estratégias, em ações judiciais, em
recursos administrativos, mas nada me acalmava...
Ainda sozinho com meus devaneios nessa madrugada insone –
nessa minha noite escura – a razão falou mais alto: iria voltar a traba-
lhar e largar essa vida de concurseiro.
Logo pela manhã, reparti as minhas conclusões com a Deise.
– Estou pensando em voltar a trabalhar, amor. As vagas do
concurso foram preenchidas em um concurso de remoção. Pode de-
morar para me chamarem. Pode até não rolar a nomeação. Não
aguento mais.
Ela respondeu com calma e com um olhar ordenador:
– Não. Agora que tu já veio até aqui tem que continuar! A gente
aperta daqui, aperta de lá, mas temos que continuar nesse caminho.
Eu tenho certeza que tu vais conseguir.
Ela falou isso com uma certeza, com uma força tal, que eu não
ousei duvidar. Aliás, me fez também crer. E eu andava um pouco
ausente desse tema na minha vida. Desse dia, desse momento especí-
fico da voz da Deise retumbando nos meus ouvidos, eu passei tam-
bém a CRER.

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Não falo necessariamente em Deus, Jeová, Alá, Oxum, Odin,


Crom, ou em qualquer entidade similar. Falo em fé como uma coisa
maior que a razão. Como uma certeza íntima de algo que não se pode
explicar. Foi essa certeza que se apoderou de mim naquele dia. E
nunca mais me deixou.
Voltei com força total aos estudos para a RFB. O concurso iria
sair em 2007 e eu precisava estar preparado. Daí em diante encaixei
nos meus estudos a noção de hora-líquida, roubada de um depoimen-
to do Demétrio Pepice, o MITO dos concursos públicos. Hora-líquida
é aquela que conta apenas o tempo EFETIVAMENTE estudado e não
o tempo total.
Para medir as horas líquidas, passei a estudar com um relógio
digital. Cada parada para ir ao banheiro, para tomar café, o cronome-
tro parava. Fazendo isso pude diagnosticar que meu tempo total de
estudos em um dia “normal” era de aproximadamente quatro horas
líquidas somente e o ideal seria ter ao menos seis horas líquidas du-
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rante a semana.
Passei a acordar mais cedo e a tomar café mais rápido. Deixei a
internet desligada, organizei as coisas para começar os estudos às 7
horas da manhã. Com isso consegui fazer até nove horas líquidas de
estudo em um dia, tendo uma média de 7 horas e 20 minutos de estu-
do no ano de 2007.
Claro, depois de todo esse esforço, só podia vir a aprovação.
Nessa época, entretanto, saiu a notícia que em 2007 não haveria o
certame para a Receita Federal. Nem em 2007, nem em 2008. A nova
previsão era pra 2009.
Como era de se imaginar, eu, literalmente, afundei. Minha grana
– que nunca tinha sido ao menos razoável – tinha acabado, minhas
esperanças estavam zeradas, minha autoestima batia no pé. Tinha só
uma fezinha no fundo do peito que insistia em não me deixar e que
me dizia: Para continuar tu terás que fazer um esforço ainda maior e
contar com o apoio de alguém.
Certo. Não havia como continuar sozinho. Eu não tinha dinheiro
para pegar um ônibus sequer.
Foi nesse momento que as duas mulheres da minha vida
me mantiveram no prumo. Minha mãe sentou comigo e me

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“disponibilizou” uma graninha mensal dos valores que ela recebia de


aluguel. Quando ela fez isso, eu me senti constrangido e, ao mesmo
tempo, muito motivado. Era um valor módico, que fazia diferença
para todo mundo...
Quando entendemos que as pessoas que nos amam estão também
apostando incondicionalmente na gente, que elas estão junto no bar-
co à deriva, a vontade que floresce é enorme, maior do que o mundo.
Com a Deise foi a mesmíssima coisa: ela assumiu todas as contas
da casa, da nossa vida. Era começo de 2008 e eu não tinha dez reais
de plástico no bolso, estava desempregado, sustentado pela mulher,
não tinha qualquer certame em vista para os próximos dois anos, ti-
nha mais de 32 anos e estava acabando por entender o Tabacaria do
Álvaro de Campos, heterônimo do Pessoa, em sua plenitude.

Não sou nada.


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Nunca serei nada.


Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Com o sonho a tiracolo, passei o ano de 2008 estudando muito.


Mas muito mesmo. Eu ia às livrarias e passava tardes lendo os gran-
des livros de doutrina e, em um caderninho Tilibra, copiava as novi-
dades. Também gravei a Constituição e o CTN em um player e escu-
tava em todo e qualquer momento que alguém não estivesse
conversando comigo.
Passei a correr e caminhar muito, pois assim economizava o di-
nheiro da condução e vi que isso aumentou meu rendimento nos es-
tudos.
Em 2008 fiz alguns certames de outras áreas – tribunais e TCU e
não consegui ser nomeado em nenhum deles, mas não me abati. Con-
tinuei com meu foco nos certames fiscais, pois sabia que 2009 estava
logo ali, chegando, e eu estaria na frente de todo mundo, pois conhe-
cia poucos concurseiros que estavam estudando há mais de dois anos
para um certame específico.
2008 passou rápido. Eu já estava ninja, já estava um águia con-
curseiro. Sabia tudo, de tudo. Todas as matérias eram minhas velhas

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conhecidas, até as exatas. Imaginem, um jornalistazinho entendendo


de estatística, de economia, de contabilidade, de direito tributário.
Esse era este que vos escreve após dois anos de estudos intensos.
Mais do que isso. Com o conhecimento da legislação e da rotina
de um Auditor Fiscal, tinha passado a respeitar MUITO a profissão,
tinha entendido a importância de ser servidor de uma Carreira de
Estado.
Ao fim e ao cabo, tinha compreendido o porquê do caminho tão
árduo: a batalha da aprovação é um meio de moldar espíritos. Nos
torna cientes da responsabilidade, orgulhosos da caminhada e do
cargo, da tarefa que iremos desempenhar. Nos ensina a ajudar o co-
lega de estudos, nos faz ver que o maior inimigo está dentro da gente,
nos ensina a crer, proporciona um acúmulo de conhecimento sem
igual, revela que nada é impossível para quem tem dedicação e fé.
É o caminho da aprovação que nos torna SERVIDORES PÚBLI-
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COS, assim com letra maiúscula mesmo.


Quando a gente toma ciência disso, podem ter certeza, estamos
muito perto da aprovação. Entrei 2009 já com isso muito amalgamado
em mim. E com outra certeza: em 2009 haveria o concurso da RFB.
Fiz então, para treinar, o concurso do Assistente Técnico Admi-
nistrativo do Ministério da Fazenda, o ATA-MF e fiquei MUITO bem
classificado: fui o 12º colocado aqui no RS.
Com essa classificação poderia até ficar lotado em Porto Alegre
em uma eventual nomeação, o que me animou deveras. A remunera-
ção não era muito alta, mas isso não era o importante. O importante
era ser nomeado.
Até por isso, em uma quinta-feira, dia 6 de agosto de 2009, eu es-
tava em Capão da Canoa, cedo da manhã, em uma lan-house no centro
da cidade, enlouquecidamente apertando o F5 à espera da publicação
do DOU. Todos os boatos indicavam que a nomeação sairia naquele dia
só que eu já estava escaldado com boatos sobre nomeações em concur-
sos. Queria estar ali acompanhando pari passu o meu destino.
Subitamente a tela apareceu, o PDF baixou e eu achei facilmente
o meu nome, designado para a Delegacia da Receita Federal de Porto
Alegre, para exercer o cargo de Assistente-Técnico Administrativo do
Ministério da Fazenda da União.

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Nesse dia eu não chorei, mas nunca o mar de Capão da Canoa


refletiu a cor verde de forma tão intensa, nunca.
Saí da loja sentindo uma paz enorme, comprei um sorvete com
os caraminguás que eu tinha no bolso e fui contar pra Deise a BOA
NOVA.
Pedi ela, naquele dia, em casamento. Se aceitasse, já poderia se
considerar a mulher de um SERVIDOR da Fazenda da União.
Eu prometia, além de lealdade e amor, que os problemas iriam
diminuir, que a nossa vida iria melhorar, enfim, que um pouco de
tudo que havíamos sonhado iria finalmente se consubstanciar na rea-
lidade. Até que enfim, um pouco de paz.

3. Realização plena. Perseverança


Minha posse como ATA-MF foi rápida e sem muitas solenida-
des, no gabinete da Substituta do Delegado da Receita Federal de
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Porto Alegre, no conhecido prédio do “Chocolatão”.


Saí dali para ter exercício em outro local, mais perto do centro,
ainda resquício da incorporação do pessoal do INSS, no edifício Cris-
taleira.
Meu trabalho ali foi muito bom mesmo. Principalmente por cau-
sa dos colegas. Fiz muitos amigos lá e, mais do que tudo, entendi que
não poderia parar de estudar. Seria muito cômodo e tranquilo perma-
necer como ATA. Eu gostava do trabalho, o ambiente era bem legal,
os colegas eram show de bola. A remuneração não era muito boa, mas
para mim isso já não era o crucial. Contava, mas não era o principal.
O que mais pegava dentro de mim mesmo eram as atribuições.
Eu analisava andamentos de processos administrativos fiscais,
conferia documentações, mas o que eu gostaria MESMO de fazer se-
ria o parecer. E isso era destinado apenas aos AFRFB. O concurso
continuava ali, presente, pulsando nas minhas mãos e na minha ca-
beça. Mas eu pensava: voltar à epopeia dos estudos agora? Quanto
tempo isso irá durar? Será que essa seria uma decisão correta? Eu
poderia aproveitar um pouco, relaxar, tentar no próximo...
Mas não. Resolvi não me entregar, resolvi continuar, resolvi
perseverar.

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Para continuar estudando, entretanto, teria que acordar de ma-


drugada, teria que abdicar dos horários de almoço, teria que abdicar
do cafezinho, dos finais de semana que agora tínhamos, enfim. Teria
que dar o sprint final da maratona que vinha correndo nos últimos
anos depois de já ter cruzado a linha de chegada.
Conversei com a Deise e, como sempre, só recebi motivação.
Quando estava decidido, veio a grande surpresa: um novo edital do
concurso do Agente Fiscal do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul
foi publicado, com mais de 50 vagas. E isso se tornou um problema...
No fundo, eu só havia focado na RFB por falta de qualquer indí-
cio de novos concursos do AFTE. Sempre que eu passava pela SE-
FAZ-RS, ao lado do Guaíba, pela Av. Mauá, eu olhava com uma nos-
talgia e pensava: por que eu não tinha começado a estudar antes de
2006? Eu poderia hoje ser um AFTE-RS...
Enfim, eu tinha focado todos esses anos no AFRFB só por causa
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da ausência do certame do AFTE e aí, justo no pior momento, me


surge esse edital? Pra matar...
Ademais, eu não poderia abrir mão do ATA, precisava demais
da grana. Fazer os dois seria suicídio (eu já estava suficientemente
escaldado para saber que nesse nível de prova o foco era essencial).
Eu teria que decidir em qual me atirar.
Discuti muito a questão com um colega ATA-MF que estava em
uma situação similar à minha, o Flávio. Ele também já estava estu-
dando há tempos para a RFB, tinha mais ou menos a minha idade e
também tinha assumido como ATA-MF. Tínhamos trajetórias co-
muns. Sabíamos que seria uma irresponsabilidade deixar o cargo
para apostar na aprovação, mas também sabíamos que as nossas
chances eram altas.
O Flávio também estava pensando em focar em outro concurso,
no certame do BACEN. Depois de muita conversa acabamos por nos
convencer de que as chances da RFB eram altas, mas, no nível em que
nos encontrávamos, os outros concursos também seriam grandes
oportunidades. Isso por um motivo óbvio: todos os grandes concor-
rentes iriam para a RFB.
No mundo dos concursos, a gente sabe, a concorrência é alta,
mas concentrada em 5 a 8% dos candidatos. Ela se mantém estável

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assim, pois após atingir um determinado nível de conhecimento o


candidato é aprovado e, digamos, “sai da concorrência”.
Fizemos as contas e conseguimos ver que os “feras” iriam mes-
mo FOCAR na RFB e, até por isso, fomos para os nossos respectivos
concursos, eu pro AFTE e ele pro BACEN.
Voltei a estudar legislação estadual como se nunca tivesse para-
do. As coisas simplesmente surgiam na minha cabeça, isenções, fatos
geradores, momento da ocorrência, alíquotas, operações interesta-
duais. Tudo muito claro.
Nos dois dias de prova abusei da minha experiência passada.
Assim como na prova de 2006, era necessário atingir no mínimo 50%
em cada matéria e 60% no conjunto das matérias.
No dia anterior à prova não estudei, no dia acordei cedo e fui
para o local da prova com muita antecedência. No primeiro dia foi
tudo menos complicado, pois eram “apenas” quatro disciplinas em
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um turno e eu estava afiado em todas elas. Consegui acabar a prova


em pouco mais de três horas, sem muitos percalços. Revisei bem e
passei as questões para a grade com calma.
Voei para casa e fui descansar.
O segundo dia já foi diferente. Seriam dois blocos de provas,
com quatro horas cada. E o último bloco era o que mais me demanda-
ria, pois estavam lá a maldita estatística e a matemática financeira.
Para piorar, português e informática estavam no mesmo bloco.
Seria uma maratona e não uma corrida de 100 metros como o
bloco um. Comecei a prova passando os olhos pelas questões, MUITO
preocupado com os mínimos. Resolvi as mais simples de financeira,
estatística e informática e garanti quase o percentual de 50% em cada
uma delas.
Feito isso, comecei a prova de português.
Eram vários textos distintos com questões enormes. Se eu não
tivesse cuidado antes das provas anteriores, tenho certeza que me
faltaria tempo para resolver tudo.
Matei 20 questões das 30 de português e voltei para as exatas.
Finalizei financeira e informática e emperrei em estatística. Fui nova-
mente para português e terminei as questões faltantes.

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Minha cabeça já estava doendo e meus olhos lacrimejavam um


pouco, mas eu sabia que ainda faltava ao menos uma hora para o tér-
mino do tempo de prova. Com o que tinha feito até agora, se tudo es-
tivesse bem, eu teria os mínimos garantidos, exceto em estatística.
Passei o gabarito para a grade de respostas e voltei às questões
faltantes da prova que poderiam me derrubar. Eram 14 questões e eu
tinha conseguido resolver cinco delas. Faltavam duas para o mínimo.
Eu poderia chutar tudo em uma das letras, mas resolvi tentar nova-
mente. Por causa do meu planejamento, havia tempo.
Selecionei quatro das nove que faltavam e resolvi “na marra”;
até regra de três eu usei. As restantes eu chutei na mesma letra “d”,
de DEISE, óbvio.
Terminei de passar para a grade de respostas quando o fiscal já
estava recolhendo as provas em uma sala cheia de gente. Quando me
dei conta que todos estavam lá ainda agradeci a Deus pela minha es-
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tratégia e pela minha experiência. Se tinha sido difícil para mim que
estava estudando há vários anos, tinha sido difícil para todo mundo.
Dois dias depois, já refeito da paulada, saiu o gabarito.
Acendi uma vela, fiz uma oração e corrigi tudo de uma vez só,
sem tempo para pensar. Terminei a correção e fui contar os acertos.
Eu tinha feito TODOS os mínimos individuais e mais de 70% da
prova, 74% para ser mais exato. Em estatística tinha feito sete ques-
tões, cravadas. Quase desmaiei. Pensei logo, mas e a grade? Será que eu
passei tudo corretamente? Suava frio, sozinho, na sala do nosso apê.
No outro dia requisitei uma cópia do meu cartão resposta e esta-
va tudo certinho, bonitinho, redondinho. As minhas chances eram
grandes, mas como eu estava escaldado, não contei pra ninguém e
nem comemorei nada.
No dia 15 de janeiro eu estava lá no chocolatão numerando as fo-
lhas de um processo quando o resultado final saiu publicado no DOE.
Eu estava na vigésima quarta posição, dentro do número de vagas.
Meu nome ali no DOE...
A sensação indescritível e surreal da aprovação para o cargo de
fiscal. Eu seria um AFTE. EU TINHA CONSEGUIDO REALIZAR O
MEU MAIOR SONHO.

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Fui até a CORAG e comprei um Diário Oficial pra ver se realmen-


te o meu nome estava lá, se não era um problema do PDF.
Estava.
Andei pela rua da praia com o DOE debaixo do braço me sentin-
do em um mundo paralelo, com uma vontade louca de gritar pra todo
mundo que toda essa caminhada tinha valido a pena. Que estudar era
a melhor coisa do mundo, que a felicidade era algo plenamente atin-
gível. Minha garganta estava engasgada... eu não sabia muito bem o
que fazer.
Entrei, como que por instinto, no Café à Brasileira, um local tra-
dicional do centro de Porto Alegre, onde havia parado diversas vezes
nos tempos loucos do estudo sem qualquer esperança de aprovação
para o alento de um bom café.
Pedi, como sempre, um espresso duplo. Precisava me acalmar,
assentar as ideias, avisar a Deise, a Mãe, o Pai, todos.
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Nesse momento, vi o barman moer o café e ligar a água para tirar


o excesso de calor do bocal. Atentei bem quando ele colocou o cachim-
bo com o pó levemente prensado e ligou a máquina. O café caía na xí-
cara com a mesma calma, fluidez e textura das minhas lágrimas no
balcão. Notei a Matrix novamente se realinhar na minha existência.
Liguei pra a Deise e ela sorriu um sorriso eletrônico no celular,
um sorriso de quem já sabia de tudo, de quem tinha a certeza de que
tudo daria certo. Uma mulher inteligente, parceira, visionária.
Falei para a minha mãe e ela se emocionou comigo, como toda
mãe que apoia o filho na dificuldade e vê esse filho vencer. Quem tem
mãe tem tudo. Depois disso, levei a vida com calma e tranquilidade.
Em março, tomei posse, com toda a pompa requerida para a oca-
sião, como Agente Fiscal do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul,
cargo que titulo até hoje1, com o maior orgulho que alguém pode ter
por uma profissão.
Não foi fácil, ainda bem.

1
Atualmente o Agente Fiscal do Tesouro do Estado é denominado Auditor Fiscal
da Receita Estadual, por força da publicação da Lei Orgânica da Administração
Tributária do Estado do Rio Grande do Sul, a Lei Complementar n. 13.452/2010.

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Diego Degrazia da Silveira 117

Esse caminho, tenho a mais absoluta certeza, foi o que me mol-


dou assim. Entendi que com dedicação, fé e perseverança o ser hu-
mano consegue tudo. Entendi que – ao superar intempéries – o ser
humano realiza o seu papel na existência de se aprimorar. Ali, todos
nós, de uma forma ou de outra, entramos em contato com o sublime.
Não é fácil, pessoal. Ainda bem.
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