Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DIFUSA:
A REALIDADE DAS FAVELAS E PERIFERIAS
1 2
Iasmin Caldas Lourido Santos , Prof. Me. Ícaro de Souza Duarte
1
Discente do curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, Centro de Ensino Superior, Ilhéus, Bahia. e-
mail: iasminlourido@outlook.com
2
Docente do curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, Centro de Ensino Superior, Ilhéus, Bahia. e-
mail: icaro_duarte@hotmail.com
RESUMO
ABSTRACT
The Unconstitutional State of Things and the widespread illegality that happens daily in the
favelas and suburbs is closely linked to the Allegation of Non-Compliance with a
Fundamental Precept (ADPF)-347, as well as the study of Constitutional Law and the
observation of the social ills that permeate these locations. In this sense, it was observed that
the Allegation of Non-compliance with Fundamental Precepts (ADPF)-347, which recognized
the Unconstitutional State of Things in Brazilian prisons, indicate structural flaws that
resemble the reality of places where the low-income population is concentrated. Thus, there
was a need to understand, legally, how social problems that negatively impact less favored
spaces can be repaired under a constitutional bias. The aim of this article is to analyze the
premises of Constitutional Law that underlie the conception, difference and applicability of
fundamental rights in favelas and periphery from what is understood by: Unconstitutional
State of Things and Diffuse Illegality. Still, the objective is to answer what are the main
fundamental rights violated in the favelas and suburbs? Why do fundamental rights violations
in favelas and suburbs constitute an Unconstitutional State of Things and diffuse illegality?
The State's involvement in solving this problem is undeniable, however, it is through this
article that we will observe how the State allowed the occurrence of the facts that mark these
disadvantaged places. The fundamental rights violations that occur in the favelas and suburbs
will be analyzed through two biases: the first is the Unconstitutional State of Things, which is
based on recurrent massive, generalized and violent practices by all state bodies in an
omissive sense and/or commission, against fundamental rights and the second bias is the
diffuse illegality that consists in the failure of the Law itself, that is, the exercise of the
applicability of the Law promotes failures within the law and this affects the entire State as an
effect waterfall. Thus, studying these two segments, it is possible to visualize the problems
that disrupt these places in a more specific way, thus envisioning the best form of redress. The
State's involvement in solving this problem is undeniable, however, it is through this article
that we will observe how the State allowed the occurrence of the facts that mark these
disadvantaged places.
1 INTRODUÇÃO
As maneiras como são apresentadas a realidade das favelas e periferias, como se
vê em jornais e filmes, podem ter estereotipado a omissão de direitos e práticas
inconstitucionais que ocorrem nesses locais. Por essa razão, parece ser comum, simplesmente
assistir esse caos social e atribuir a culpabilidade destes problemas à omissão do Estado e à
desigualdade social.
Nesses locais desfavorecidos onde estudar, brincar, trabalhar, ter acesso médico
são práticas desafiadoras, alguns tendem a se aliar ao crime como forma de tentar subverter de
forma rápida a dificuldade que lhe assiste, outros lutam de forma árdua e honesta para superar
esses desafios. Na verdade, todos eles vivem a margem da sociedade. O resultado da violação
desses direitos se reflete nos altos índices de criminalidade, na insatisfatória educação e nos
problemas de saúde dos brasileiros, a título de exemplo.
No que se refere à técnica, será utilizada a análise documental por meio da análise
de artigos científicos e de periódicos que elucidam a discussão da temática, bem como, a
revisão bibliográfica. Como dito no parágrafo anterior, para discorrer sobre o tema é
necessário analisar documentos dispostos em sites, revistas, jornais, livros, leis que
evidenciam a matéria da pesquisa. Ainda, a revisão bibliográfica se deu, predominantemente,
por meio do estudo dos conceitos trazidos por meio dos artigos científicos de Diego de Paiva
Vasconcelos e Raffaele Di Giorgi, estes que de maneira específica abordaram numa mesma
análise o Estado de Coisas Inconstitucional, a ilegalidade difusa e as favelas e periferias do
Brasil.
Este termo foi firmado pela Corte Constitucional Colombiana- CCC, por meio da
Sentencia de Unificacion (SU)- 559, de 1997, numa demanda que tratava de professores que
tiveram seus direitos previdenciários violados pelas autoridades. Nesse sentido, tem-se em
pauta a inobservância de direitos trabalhistas de educadores que acaba repercutindo no direito
das crianças à Educação, já que a paralisação/greves desses professores é sinônima de
ausência de aula para os menores. Observe que a violação de um direito fundamental incide
em agravo a outro direito fundamental, estruturalmente.
Para dirimir esse conflito, obviamente, a Corte Colombiana observou que a lide
em xeque evidenciava uma violação de cunho geral, que se estendia para além daqueles
professores que propuseram a ação. Ainda, examinou-se que a solução para o problema não
dependia da ação de um único órgão, mas na verdade, toda a aparelhagem estatal da educação
estava doente e essas falham estruturais resultavam em recorrentes violações de direitos
fundamentais.
Ainda,
Segundo.- ORDENAR que para los efectos del numeral primero se envíe copia de
esta sentencia al Ministro de Educación, al Ministro de Hacienda y Crédito Público,
al Director del Departamento Nacional de Planeación y a los demás miembros del
CONPES Social; a los Gobernadores y las Asambleas Departamentales; y a los
Alcaldes y los Concejos Municipales. (CORTE CONSTITUCIONAL
COLOMBIANA, 1997)
Ainda,
Esta realidade não há o caráter da necessidade, não é uma realidade objetiva, não é
estrutural no sentido que é uma realidade dada como natural, como se acreditava que
fosse a velha natureza das coisas. Ela é estrutural no sentido que interessa a estrutura
do direito, as suas organizações através das quais o direito entra em contato com seu
ambiente: o aparato judiciário, a administração pública, a organização da segurança
pública, a organização penitenciária. Mas aquela realidade é estrutural também no
sentido que interessa à forma da diferenciação social e, assim, à forma da inclusão e
exclusão. (DE GIORGI e VASCONCELOS, 2018, p. 497)
[...] Aquela decisão também é marcada por uma argumentação baseada sobre
análises estatísticas, sociológicas e históricas dirigidas a demonstração das causas
estruturais dessas mazelas. A Política é indicada como o locus da construção do
problema, como sua causa exclusiva. A impossibilidade de reflexão dentro da
Política estaria bloqueando as possibilidades de solução da crise carcerária e isso
atrairia o Supremo Tribunal Federal para o papel de coordenar a interação
interinstitucional necessária à correção das falhas estruturais que jamais teriam
decorrido de um único agente, órgão ou ente, mas de uma indeterminável
multiplicidade de atos externos ao sistema jurídico. [...]. (VASCONCELOS, 2017,
pp. 298-299)
Ora, tem-se claro que o Estado de Coisas Inconstitucional não reconhece a falha
no direito que está sendo violado, mas nos órgãos que devem aplicar esse direito, o Estado.
Para entender essas inconsistências acerca do ECI, deve se entender que declarado
o Estado de Coisas Inconstitucional tem-se o reconhecimento jurídico das violações
constitucionais e ainda a tomada de decisões judiciais para que os órgãos estatais promovam
as devidas mudanças. Então, é válido perquirir: Estariam resolvidas, de uma vez por todas, as
falhas estruturais do Estado com relação a demandas desta na natureza? Apenas o Estado e
seus órgãos, em seu aspecto político, devem se reestabelecer para evitar mais e mais violações
de garantias mínimas?
O que está tentando ser evidenciado aqui é que antes das violações recorrentes e
massivas de Direitos fundamentais serem frutos de falha estruturais do Estado, têm-se uma
falha na própria operação do Direito. E quem é o responsável por operar esse direito? O
Judiciário.
Para que o direito seja devidamente executado, ele deve ser devidamente
garantido, logo, devidamente aplicado. Quando o Estado não tem a efetiva adoção de medidas
jurídicas para garantir os direitos, como por meio da sanção devida no caso de infração, o
Estado vai se acomodar em suas falhas e isso irá repercutir em cascata. Depois disso não basta
que o judiciário reafirme os direitos que já se sabe que existem e ordene mudanças, mas sim
deve se observar qual o ponto cego no Direito que gera o descumprimento desses direitos.
Não é perceptível que se os direitos não são garantidos é por que a operação
destes mesmos direitos não está sendo devidamente eficiente, causando então falhas
estruturais no Estado?
Se sim, estamos diante de outra conjuntura, esta que não afasta o Estado de Coisas
Inconstitucional, mas a reafirma, evidenciando a raiz do problema, é o que se chama de
ilegalidade difusa, assim firmada por De Giorgi:
[...] Tratar o problema como histórico, no entanto, explica muito pouco. Trata-se, na
verdade, de uma interessante estratégia argumentativa para promover o
deslocamento da competência para o tratamento do problema, assim como indicar
uma omissão da Política para justificar sua solução pelo Direito. [...] O estado de
coisas apontado como inconstitucional trata-se, na verdade, de ilegalidade difusa,
conforme apontado por Raffaele De Giorgi em manuscrito ainda não publicado. Não
há que se falar em problema da Política ou no interior da política. [...]
[...] Então, o que faz a declaração de ECI quando aponta origem históricas e
estruturais ao problema? Desloca-o, argumentativamente, para o campo da Política e
se representa como intervenção do Direito na Política para, na verdade, promover a
auto isenção do Direito em relação ao conflito que é produzido em suas próprias
operações. [...]. (VASCONCELOS, 2017, p. 301)
As favelas e periferias têm a sua narrativa construída desde o início do século XX,
quando o Brasil passou a se reestruturar com a chegada da industrialização, explosão
demográfica, urbanização e outras transformações. Esses locais também são conhecidos como
cidade informal, observe:
Neste contexto socioeconômico surgiram as cidades atuais e pessoas que não tinham
renda suficiente para pagar o aluguel de imóveis do mercado formal – registrados e
licenciados – trataram de produzir para si mesmas a habitação de que necessitavam.
Construíram suas casas em loteamentos irregulares, comprando lotes sem registro de
grileiros, ou ocupando terrenos inadequados como planícies alagáveis e encostas
íngremes, principalmente nas periferias da cidade formal, em regiões desprovidas da
infraestrutura e dos serviços necessários para caracterizar uma cidade: ruas e
calçadas, energia elétrica, abastecimento de água, coleta de esgoto e de lixo,
varrição, policiamento, transporte público, equipamentos de educação, saúde e lazer.
(CASA VOGUE, 2018)
Com o passar dos anos o cenário das favelas e periferias teve sua melhora,
entretanto, ainda há muito que se alcançar. A bem da verdade, é que a realidade desses locais
ainda põe em xeque a violação massiva de garantias mínimas, basta que sejam observados os
noticiários, principalmente os de cunho policial. De maneira estampada observa-se que as
“cidades informais” são os grandes palcos da violência, da falta de saneamento básico, da
baixa escolaridade, da baixa renda, do tráfico de drogas, do reduzido acesso a saúde, dentro
diversos outros infortúnios.
Imperioso destacar que os direitos fundamentais que são violados nas favelas
custam vidas. A citar, tem-se a violação do Direito a segurança, este que tende a ser até
mesmo paradoxal por que ao tempo que se vê inúmeras mortes pela criminalidade nestes
locais, tem-se também inúmeras mortes causas pelo policiamento ostensivo e que não dá vez a
defesa. Os mais radicais questionam se a polícia deve entrar na favela com flores, obviamente
que não, mas deve cumprir o ofício de viabilizar de um lugar seguro e que por meio dessa
segurança haja condições de estudar, desenvolver um esporte, a cultura e o lazer.
Por outro lado, há que se falar que a proteção física dos indivíduos desses locais é
ameaçada diariamente pelas organizações criminosas que tomam conta, impondo regras e
gerando o medo por meio do grande porte de armas ilegalmente utilizadas como força
coercitiva. Outrossim, pode ser destacada a inobservância do direito a Igualdade, sim, este
direito está intimamente ligado ao direito a segurança, já que por ser morador de favela e
periferia e por ser sabido que neste local a marginalidade se destaca, costuma-se confundir
“favelado” ou “periférico” com meliante antes mesmo de saber sua história, ou seja, quando
se diz que vem da favela e periferia parece que o indivíduo fica invisível perante os direitos
fundamentais.
Se não há direito a Segurança, nem a igualdade, pode ser dito que os moradores
desses locais gozam plenamente do Direito a propriedade? Obviamente que não, já que eles
têm suas moradias invadidas quando há operações policiais e troca de tiros. Verifica-se deste
modo a vulnerabilidades destes que são hipossuficientes e a necessidade de urgência de
prestação estatal já que há grande índice de violência como citado e problemas também
relacionados à saúde. Não se pode perder de vista os recorrentes quadros de subnutrição desta
população, o alto número de gravidez na adolescência que consequentemente repercute no
direito a educação, causando a evasão escolar principalmente em períodos em que a
criminalidade está em alta, desmotivando professores e alunos.
Para que seja concebida a abordagem aqui trazida sobre as milhares de pessoas
que vivenciam essas desídias sociais que se caracterizam nas favelas e periferias, é
interessante que se traga a lume a “Tipologia Intraurbanas” (2017), um estudo do IBGE:
Não se trata de uma realidade a ser reconhecida, mas que já foi pauta de discussão
até mesmo na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso pode ser demonstrado após
uma sentença da referida corte que analisou casos de falhas em operações policiais em favelas
do Rio de Janeiro nos anos de 1994 e 1995 que dizimou 26 vidas. Assim, destacou-se a
importância do Brasil em realizar ações com vistas a estabelecer metas de políticas públicas
para diminuir aquelas mortes no Estado do Rio de Janeiro que são resultados da violência da
força policial. Observe parte do entendimento firmado pela corte:
Ainda assim, tal decisão não mudou muita coisa nos palcos das favelas e
periferias, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, sendo os negros os maiores números
de vítimas, sem falar nas crianças que também perdem suas vidas nessas comissões e
omissões do Estado em garantir a segurança pública dessas pessoas.
Para fortalecer tal estudo é imprescindível trazer em xeque a ADPF 635/RJ, esta
que ficou conhecida como a “ADPF das favelas”, que buscou junto ao STF arguir violações
de direitos fundamentais que ocorre dentro das favelas durante operações policiais e que ceifa
a vida de muitas crianças.
Com base no que se entende por Estado de Coisas Inconstitucional, é evidente que
o Estado, estruturalmente, tem responsabilidade e logo, o dever em reparar essa situação. As
falhas que residem nas instituições responsáveis por garantir a segurança pública das favelas e
periferias possuem vícios generalizados que repercutem na violação de mais garantias
mínimas e o impede o gozo de uma vida com o mínimo existencial.
Não se deve perder de vista o fim do Direito, qual seja, normatizar a vida em
sociedade para se alcançar o bem comum, ou seja, o Direito é a essência de um seio social
organizado e em estado de progressividade. Sendo assim, o vício na operacionalização do
direito adoece toda a estrutura social e a resposta para este problema pode e deve ser a
reestruturação das normas e adequação daqueles que tem o ofício de opera-las, para que trate
de forma efetiva as primordiais necessidades da sociedade, sendo uma destas a garantia dos
direitos fundamentais para uma vida digna.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente que as estruturas do Estado têm que melhorar e reparar os vícios que
jogam por terra os direitos mínimos de diversas de pessoas que vivem nas favelas e periferias.
É necessário um olhar mais cauteloso e personalizado para essas áreas de risco que todos os
dias perdem inocentes e escrevem de maneira triste a realidade das pessoas de baixa renda. A
legislação em muito se omite em matéria de segurança pública, a Carta do Povo garante
muitos direitos sociais, até mesmo garante o direito ao meio ambiente equilibrado, mas
quando se trata de segurança pública a legislação é escassa.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, Andrey Stephano Silva de. Estado de Coisas Inconstitucional: uma nova
fórmula de atuar do STF. 2016. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/estado-de-coisas-
inconstitucional-uma-nova-formula-de-atuar-do-stf/. Acesso em: 09 maio 2021.
ALMEIDA, Robledo Moraes Peres de; CUNHA, Felipe Lyra da. O estado de coisas
inconstitucional na segurança pública brasileira. 2019. Associação dos Magistrados
Piauienses. Disponível em: https://www.amapi.org.br/. Acesso em: 20 out. 2021.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020. 1761 p.
SILVA, Eliana Souza. O ponto que chegamos: política de segurança pública no estado é
pautada pela ideia de que vivemos uma guerra e, portanto, existe um exército inimigo:
moradores de favelas e periferias. O Globo. [s.i], p. 0-0. 09 fev. 2018. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-ponto-que-chegamos-22382088. Acesso em: 09 maio
2021.