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índice cozinha comum itinerante

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T3 117 T1
índice cozinha comum itinerante

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G
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glossário cozinha comum itinerante

As definições apresentadas a seguir


tratam-se de ideias em movimento,
experimentadas e repensadas du-
rante nossas práticas e discussões.
Com elas pretendemos introduzir ao
leitor o universo da Cozinha Comum
Itinerante a partir de duas catego-
rias: conceitos, em que cabem ques-
tões presentes no desenvolvimento
do trabalho, e territórios constando
nossa percepção dos locais pelos
quais a cozinha itinerante transitou,
pessoas e coletivos que fazem parte
da construção e desenvolvimento
do projeto. 5
glossário cozinha comum itinerante

­ ossa cidade
N alimentos processados. Pouco se sabe
Para que os mais de 4 milhões de sobre o local de onde vem as comidas,
habitantes de Belo Horizonte pos- como são preparadas, transportadas e
sam se alimentar cotidianamente a quem são as pessoas envolvidas nesses
cidade comporta em sua estrutura processos.
uma rede de transporte do que é
produzido no campo ou na região Espaço público
metropolitana aos centros de distri- Lugar que permite o encontro de di-
buição, e de lá para mercados locais, ferentes atores sociais, favorecendo a
de onde são comprados para serem criação e a articulação parcerias para a
então cozinhados, processados, produção e/ou manutenção do espaço
servidos e comidos. Uma complexa cotidiano. A aglomeração de sujeitos no
rede de relações sociais, trabalhistas espaço público através dos preparos
e estruturas espaciais são construí- coletivos possibilita uma outra relação
das e mobilizadas nesses processos. com o ambiente construído, reivindican-
Isso tudo diz respeito à forma de do o caráter coletivo e a apropriação
nossas cidades. Discutir alimentação subjetiva da cidade.
na cidade é pensar essas formas
de produção existentes, resisten- Estratégias de ação
tes e apagadas pelos processos de As estratégias de ação são desenvol-
urbanização. É também pensar na vidas pelo coletivo junto aos parceiros.
diversidade de culturas que habitam Partindo dos interesses em comum,
o ambiente urbano, que se expres- delimitamos as possibilidades de traba-
sam através de culinárias tradicionais lho em cada situação e a prática se dá
que guardam saberes complexos que sem projeto prévio, sendo construída
passam pela saúde, sabores, espiri- coletivamente através de um processo
tualidade e sociabilidade. compartilhado e adaptável aos contex-
tos e circunstâncias do projeto.
Cozinhar
Cozinhar é uma possibilidade de Provocação
intensa troca,onde conflitos se O convite a levar a atividade de cozi-
transformam em relações de apren- nhar para a rua junto a desconhecidos
dizado mútuo, reunindo forças que funciona como provocação à reflexão
ativam a cidade alimentando pes- acerca do cotidiano, enquanto cria
soas e relações. novas relações entre os participantes.
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Cozinhar nas cidades Saberes tradicionais


Nas cidades grandes a atividade Conhecimento rico e complexo, passado
de cozinhar ocorre geralmente em por gerações. Englobam receitas, usos
espaços privados. Muitas pessoas medicinais da comida, mandingas, usos
não cozinham em casa, mas se rituais dos alimentos, formas de pre-
alimentam em restaurantes ou de paro, artesanias e modos de produção
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próprios a uma cultura e tempo. Saberes trocas. Como também pode ser um
que são ameaçados pela forma aliena- ato de consumo alienado, no qual
da como consumimos alimentos como se omitem processos e massifica
produtos, sem saber do processo de uma cultura alimentar padronizada a
preparo, de como foi cultivado e como escala transnacional.
chegou em nossa mesa.
Trocas
A atuação do arquiteto A Cozinha Comum Itinerante possibi-
Partimos do incômodo de, na nossa for- litou diversos diálogos em cada con-
mação acadêmica, sermos provocados texto em que se deslocou. Na Escola
a imaginar, propor e atuar no território de Arquitetura uma nova aproxima-
de um Outro. Levamos a esses terceiros ção com a vizinhança. No período
nossos ideais de cidade: horta comuni- de ocupação da Escola uma possibi-
tária, rios limpos, praças vivas, ruas para lidade de uma interface política, de
lazer e outros cenários, enquanto nossa agregar e alimentar os ocupantes e
faculdade e vizinhança permanecem re- possibilitar diálogos com pessoas de
pletas de problemas, sobre os quais não
fora do movimento. No Morro das
refletimos criticamente e não agimos.
Pedras a criação de uma grande pro-
Acreditamos e buscamos praticar uma
ximidade com famílias tradicionais
atuação, enquanto cidadãos instrumen-
do local, de conhecer suas histórias
talizados com conhecimentos vindos da
área da arquitetura, mais próxima do co- através da alimentação e aprender
tidiano da cidade e da realidade de seus sobre as formas de vida que resistem
habitantes, partilhando nossas ações junto com comidas tradicionais, plan-
com outros cidadãos que conhecemos tio caseiro e uso de plantas nativas.
nessas práticas. Durante os mutirões da Horta Co-
munitária uma potência em agregar
Alimentação pessoas em uma construção comum.
Com alimento podemos nos referir a Na Urca e no ProJovem um poten-
tudo aquilo que ingerimos para saciar o cial pedagógico, de aprender junto e
corpo. Em nossas conversas entende- tomar consciência sobre a alimenta-
mos que há uma distinção entre aquilo ção. Em todos os casos a cozinha é
que se considera “alimento de verdade”, um espaço da troca intensa, criação
reconhecido como comida pelas pes- novos de vínculos entre as pessoas,
soas mais velhas, e o alimento processa- que a falta de espaços de sociabili-
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do, visto como produto nas prateleiras zação na cidade dificulta acontecer.
do mercado. Assim a alimentação pode A Cozinha Itinerante foi também em
ser um processo rico em histórias, todo processo um instrumento de
sabores, saberes e afetos, satisfazendo pesquisa partilhada, de se aprender
o corpo ao mesmo tempo em que move sobre o outro e falar sobre nós mes-
sentimentos e pensamentos, mobiliza mos através da comida.
pessoas e objetos, agencia conversas e
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Cozinha coletiva fortalece a compreensão do sentido de


Podemos estabelecer um paralelo sociedade e, através delas, parcerias
entre a cozinha coletiva e a oficina são articuladas provocando uma redes-
definida por Richard Sennett como coberta da potência das micro ações,
lugar onde o fazer aproxima as permitindo uma conscientização que
pessoas sem apagar suas individua- somos sujeitos ativos na transformação
lidades, permitindo trocas informais de nossos espaços.
que aprofundam os laços entre
os sujeitos. Evidencia-se o lugar Cozinha para todos
político da cozinha: lugar de reunião, Para que as atividades aconteçam
trocas e tomada de decisões em de maneira clara, tentamos criar uma
várias escalas. linguagem acessível, que não intimide
as pessoas a participar. A cozinha se
Trabalhar com o outro transforma então, em um mecanismo
Com cada uma das pessoas envol- de diálogo e a práxis se transforma em
vidas pudemos experimentar uma expressão.
construção coletiva, pensar juntos o
uso da cozinha enquanto dispositivo, Prática processual
exercitando suas potencialidades O tempo previsto para as ações mui-
e possibilidades. Foram realizados tas vezes é maior que o planejado, os
preparos coletivos, contações de desvios no planejamento são assimila-
história, banquetes, mutirões, cine- dos nos processos. Sendo assim, é de
mas, festas, exposições, publicações, extrema importância deixar claro aos
oficinas, troca de mudas e muitas parceiros que as atividades trabalhadas
outras situações que aparecem des- nem sempre terão um produto final
critas nesta publicação. como retorno. As estruturas de funcio-
namento propostas são trabalhadas
Territórios constantemente e, assim, consideramos
É importante ter o cuidado de conhe- os momentos em que o projeto perde a
cer o território a ser trabalhado, bus- força importantes para rever a prática,
car parceiros ou agentes culturais as estratégias utilizadas ou se houve
locais para fazer a interlocução entre uma mudança no foco de interesse.
a comunidade e o coletivo, abrindo
possibilidade de diálogos e criação Desdobramentos
conjunta de um modelo estrutural Os desdobramentos percebidos por
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para atuar como ativador do projeto vezes não serão acessíveis, pois são
em cada território. As metodologias subjetivos, acontecem na escala do
adotadas visam assegurar o contato corpo e da transformação do pensa-
na escala do corpo, 1:1, assumindo mento. Podemos, no entanto, obser-
as responsabilidades que surgem var, através das situações, que a ação
no contato direto. Acreditamos que exerceu alguma influência. No Morro
a criação de situações de diálogo das Pedras, por exemplo, adolescentes
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que se mostravam no início das ativi- Bairro Funcionários


dades pouco receptivos às atividades Um dos mais antigos bairros da
propostas, aos poucos começaram a cidade de Belo Horizonte, foi sempre
despertar a confiança e se tornaram sede de um poder administrativo e
ativos nos processos, quebrando centro comercial voltado às classes
barreiras e fazendo adaptações das de alta renda. Com o passar dos
receitas experimentadas. anos suas casas com quintais foram
sendo substituídas por prédios altos,
A presença do tempo restando algumas poucas hoje em
Cássio Eduardo Viana Hissa nos ensina dia. Nesse contexto se localiza a Es-
a ser através da presença do tempo: cola de Arquitetura e Urbanismo da
“antes de tudo, a arte de viver é a de UFMG, nosso ponto de partida para
absorver sabedorias, com a paciência transitar a Cozinha Comum Itineran-
do artesão, no tempo do cultivar, no te. Com o crescimento do bairro a
tempo lento do bordar compreensões, forte relação que a faculdade tinha
no tempo lento de quem espera e, com as pessoas da vizinhança foi
simultaneamente, na rotina de quem também se esvaziando. Escolhemos
fabrica a utopia da presença do mundo iniciar as ações da cozinha aqui,
em nós e de nós em cada um. É a arte entre a Escola e os Funcionários,
de cultivar o ser. É a arte de se abrir e de como uma proposta de provocação
se educar para as possibilidades, todas, para retomada desses fluxos entre a
de diálogo. É a arte de valorizar a vida a faculdade e a vizinhança
partir de valores que negam aqueles que
fazem com que a vida se esvaia”. Metodologia da cozinha no Funcio-
nários
Cozinha Comum A partir de nossas reflexões sobre a
A história da Cozinha Comum se iniciou Cozinha Comum e nossas vivências
em 2013 quando um grupo de alunos no bairro, propusemos um calendá-
da Escola de Arquitetura da UFMG fez rio com atividades que permitissem
uma cozinha coletiva na faculdade. A aproximar da vizinhança e estabe-
ideia nasceu da necessidade de autono- lecer diálogos específicos em torno
mia alimentar dos estudantes, limitados de temas que nos interessam como
pelos altos preços da região e dificulda- linhas de pesquisa no território:
de em se encontrar opções vegetaria- Cozinha na Hora; Troca de Mudas;
nas. Ao longo de 4 anos de existência, a Alimentos que Curam; Caminhada
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cozinha ganhou formas diversas tanto PANC e Memória Gustativa foram


no que diz respeito a sua estrutura es- essas linhas das quais partimos para
pacial quanto ao seu funcionamento, em provocar o território, os vizinhos,
experiências pontuais que permitiram alunos e funcionários, criar canais de
compreender a estrutura necessária troca e diálogo, vias de aproximação
para a atividade de cozinhar na rua e entre esses diversos atores locais.
sua potência enquanto prática urbana.
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Morro das Pedras história diariamente construída pelos


O desenho original da cidade de Belo moradores, tijolo a tijolo, sempre em
Horizonte foi feito a partir de uma processo, que estava ameaçada pelo
malha ortogonal delimitada por uma plano arbitrário do Estado. Atualmente,
avenida em seu contorno. Para fora passadas as demandas mais urgentes e
desse perímetro, zonas de chácaras havendo conquistado um espaço físico,
e, a oeste, uma das pedreiras utiliza- o grupo movimenta eventos e ações
das para retirada de matéria-prima dentro da favela, ligadas às memórias
para construção da cidade, onde e tradições dos moradores e a ação
hoje se encontra a Rua da Pedrei- direta no espaço público.
ra, uma das entradas do Morro das
Pedras. Famílias que se instalaram no Família Canuto
território por volta dos anos 40 ainda A família Canuto nos conta que che-
mantém vivas práticas tradicionais gou no Morro das Pedras quando ali
em seus quintais, repletos de alimen- era tudo mato. Haviam poucas casas
tos, plantas medicinais, frutíferas, espalhadas em uma vegetação densa.
galinhas, peixes. Esses modos de Eles contam que lá as pessoas sabiam
vida resistem às pressões de mer- viver do território: identificar plantas
cado que incidem sobre a favela, se comestíveis, cultivar hortas, criar gali-
adaptam e subvertem as recentes nhas. A matriarca relembra do tempo
intervenções normativas da prefeitu- em que descia até a atual Avenida Barão
ra. Foi nessa área que ficou sediada Homem de Melo para buscar água
a Cozinha Comum Itinerante por 3 para casa. Na época tudo precisava ser
meses, se deslocando por diversos aproveitado, a água da batata já servia
pontos do Morro. para esquentar o arroz e depois ia para
as plantas. Uma vez por semana levava
História em Construção todos filhos para o rio, para lavar roupas
Coletivo cultural formado em 2008 com outras mulheres.
por moradores do Morro das Pe-
dras para, através da arte e política, Metodologia da Cozinha no Morro das
questionar um processo de inter- Pedras
venção urbana na Vila Antena vincu- Experimentamos o uso da Cozinha
lado ao Programa de Aceleração do Itinerante em três eixos de ação simul-
Crescimento – PAC – urbanização tâneos. O primeiro consistiu em ações
de vilas e favelas. Através de ações semanais com a turma do ProJovem,
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na esfera do sensível e fortaleci- programa municipal de arte-educação


mento político da comunidade os para jovens de 13 a 17 anos. O segundo
moradores se informaram sobre eixo tratou de ações com famílias tra-
as intervenções propostas, seus dicionais. Conhecemos moradores que
direitos feridos por ela e negociaram residem no morro há muitos anos, dos
suas demandas. Segundo o orga- quais nos aproximamos pelo interesse
nizador do grupo o nome remete à na cozinha, construindo relações para
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além dela. O terceiro eixo diz sobre uma Antes de se institucionalizar como
atuação protagonizada pelos morado- Centro Cultural e receber o projeto
res do Morro, que se apropriaram da do espaço atual, a comunidade local
Cozinha Comum Itinerante para agregar utilizava da área para realizar even-
atividades a propostas da comunidade tos culturais do bairro, movimentan-
da Vila Antena. Durante o período sob do inúmeras pessoas para propostas
responsabilidade do História em Cons- coletivas e autogestionadas.
trução a cozinha foi utilizada no preparo
de alimentos dos primeiros mutirões de Memórias gustativas da Urca
plantio para uma horta comunitária que Uma das mulheres que se envolveu
construíam, na exibição de filmes no com a Cozinha Itinerante contou
“Cine-Parede” e também como espaço que seus avós foram das famílias
para troca de mudas e saberes em um pioneiras a ocupar a região. Quan-
evento no dia das mães. do ali se instalaram haviam 4 casas
na vizinhança. A alimentação nessa
Urca época era suprida por seus quintais
Os primeiros moradores da Urca se e, algumas vezes, se reuníam para
instalaram na região no fim dos anos 50, realizar preparos que demandavam
poucos anos depois da inauguração da ingredientes encontrados disper-
Pampulha, região administrativa pro- sos no terreno de cada família. Para
posta como expansão do vetor norte do enfrentar a situação de poucos
município de Belo Horizonte. A consoli- recursos a comida se tornava um
dação do conjunto cultural da Pampulha importante elo entre essas pessoas,
induziu o crescimento informal de loca- força social potente em reuní-las em
lidades em seu entorno, grande maioria uma confraternização e potenciali-
ocupada por moradores de baixa renda zar outras trocas. As histórias das
procurando novas oportunidades na ci- mulheres que se mudaram para a
dade. Dentre essas localidades se inclui região depois de sua consolidação
o bairro Urca. e formalização apontam para outras
referências culinárias, hibridizações
Centro Cultural Pampulha culturais das cidades e estados nos
Durante nosso diálogo prévio ao início quais já moraram, reformuladas pela
do projeto a equipe do Centro Cultural tradição familiar de cada uma.
demonstrou um grande interesse em
desenvolver atividades que agregas- Metodologia utilizada na Urca
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sem a vizinhança ao local, envolvessem A riqueza desta diversidade do


pessoas da comunidade como agentes grupo nos levou a propor encontros
ativos: artistas para expor seus traba- semanais para preparos coletivos,
lhos, oficinantes, contadores de história, pautados por temas que as pessoas
organizadores de eventos, músicos, demonstraram interesse em apren-
dançarinos e frequentadores. Este de- der e que identificamos que alguém
sejo remonta a própria história do lugar. poderia contribuir no ensino. Essa
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Cozinha na Hora
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Troca de Mudas
Alimentos que Curam
Cozinha da Ocupação
Passeio PANCs
Banquete “Memórias de Resistência”
Ocupar, cozinhar e resistir
Cozinha com Secundaristas
Cafezinho contra a PEC
Cartilha Cozinhar e Resistir
Zines e cartazes
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território 1 cozinha comum itinerante

Bairro Funcionários – escola de


arquitetura da ufmg. O coletivo
propôs um calendário de ações
que nos aproximaram da vizi-
nhança: cozinha na hora; troca de
mudas; alimentos que curam; ca-
minhada PANC e memória gusta-
tiva. A partir dessas ações, desen-
volvemos linhas de atuação para o
território, que envolveram os vizi-
nhos, alunos e funcionários. O uso
do calendário foi substituído por
atividades que deram apoio à ocu-
pação estudantil que aconteceu
durante os 2 meses finais de tra-
balho no bairro.
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Cozinha na Hora 14 de outubro de 2016

duração: 10h às 16h


local: feira semanal na região do bairro Funcionários
público estimado: 100 pessoas (feirantes, vizinhos, trabalha-
dores da região, alunos da Escola de Arquitetura da UFMG)
de onde vem: A escolha desse local se deu por ser uma
feira pequena, na escala da vizinhança, onde os feirantes e
clientes se conhecem e estabelecem trocas. Essa é uma das
feiras de alimentos que ainda resistem à uma tendência de
transição do consumo para supermercados e lojas de gran-
des redes que atualmente dominam o comércio nas cidades.
processo: Preparo de alimentos com ingredientes vindos da
feira, escolhidos na hora a partir do diálogo com os feirantes
e consumidores. As comidas foram oferecidas aos feirantes,
vizinhos e transeuntes como forma de convidá-los a trocar
receitas e saberes culinários. Na falta de ponto d’água foi
utilizada uma bacia para armazenamento e outra para limpe-
za dos utensílios. Distribuímos um calendário com as ações
planejadas para a permanência da cozinha no bairro.
efeito: Algumas pessoas se aproximaram para tomar um chá,
suco ou provar a comida. Experimentando os alimentos, es-
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tabeleceram diálogos. Alguns deixaram receitas ou contaram


histórias e ajudaram a conseguir um ponto de coleta de água
para os preparos.
cardápio: Suco de laranja, chá de casca de laranja com hor-
telã, tabule servido na casca de laranja

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Troca de Mudas 15 de outubro de 2016

duração: 10h às 16h


local: Praça externa da Escola de Arquitetura da UFMG
público estimado: 30 a 40 pessoas (vizinhança do bairro)
de onde vem: O coletivo se interessou por investigar o plantio
nas residências da região, caracterizada pelo alto número de
edifícios e poucos espaços verdes. O convite para trocar mudas
e receitas teve como intenção iniciar um diálogo com vizinhos
que possuem plantas em seus apartamentos e descobrir suas
estratégias de cultivo.
processo: Organizamos as mudas sobre as prateleiras da Cozi-
nha Itinerante e fizemos chás para receber os vizinhos que se
aproximavam. Pessoas que tinham visto a divulgação realizada
anteriormente no bairro apareceram, junto a transeuntes interes-
sados. Propusemos troca de receitas por mudas.
efeito: A pequena escala deste evento contribuiu na maior pro-
ximidade com os vizinhos. Pessoas se sentaram conosco, troca-
ram receitas e histórias. Criamos novas relações na vizinhança e
aprofundamos o contato com vizinhos que já conhecíamos. Uma
vizinha escolheu uma muda de malva, nos contou de uma receita
de pudim com essa planta e nos convidou para ir em sua casa
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provar o doce que tinha feito. Depois um amigo compartilhou sua


receita de moqueca capixaba de banana da terra e preparou o
prato na praça, servindo de almoço às pessoas presentes.
cardápio: Chás e moqueca capixaba de banana da terra
mudas trocadas: Tomilho, sálvia, alecrim, lavanda, alfazema,
guiné, malva, morango, peixinho, capuchinha, babosa, melissa,
hortelã, pimenta biquinho, alho poró e pimenta dedo de moça.

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Troca de Mudas 15 de outubro de 2016

Receita da Tônia
de pudim de malva:

4 ovos
1 lata de leite Receita do
condensado
1 lata de leite
Rafael Machado de
1 colher de maizena moqueca capixaba
folhas de malva de banana da terra:

Colocar o leite para ferver Colocar alho, sal e urucum


com as folhas de malva para fritar na panela. Adicionar
(ela usou 4 e achou pouco). uma cebola picada e deixar por
Coar o leite e esperar es- um tempo, depois acrescentar
friar, em seguida bater no quatro tomates, um molho de
liquidificador com os outros coentro, um molho de cebo-
ingredientes e assar em linha e meio pimentão, todos
forno médio até dourar. picados miúdos. A banana
da terra deve ser partida ao
meio e adicionada quando os
tempeiros já estiverem bem
cozidos.

Não mexer muito para não


desmanchar a banana
(usar colher de pau).
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Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

duração: Preparo: dia 17 de outubro (9 às 18h) / evento no


bairro Funcionários: dia 18 de outubro (16 às 19h) / evento no
Campus Pampulha da UFMG: dia 19 de outubro (16 às 19h)
local: Praça externa da Escola de Arquitetura da UFMG e
gramado da Escola de Música do Campus Pampulha da UFMG
parceiras: Zora Santos, Ana Cimbleris e Cozinha Comum
público estimado: Cerca de 200 pessoas
de onde vem: Ao receber um convite da Semana do Conhec-
imento da UFMG para trabalhar uma abordagem dos saberes
tradicionais ligados a saúde e bem-estar do corpo, construímos
a proposta de um preparo coletivo aberto e dois dias de com-
partilhamento das receitas e saberes.
processo: Iniciamos um diálogo com Zora Santos, cozinheira
e pesquisadora de receitas de tradição negra a partir das
memórias de sua família, e Ana Cimbleris, pesquisadora de
plantas medicinais no Vernalis. A partir da conversa com Zora
elaboramos o cardápio em torno de um único alimento, o cará,
devido à sua riqueza medicinal. Com Ana construímos jardinei-
ras temáticas, com espécies medicinais utilizadas no tratamento
de doenças comuns no nosso cotidiano. Com participantes da
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Cozinha Comum da escola de arquitetura, editamos um material


gráfico sobre as plantas medicinais, seus efeitos e usos.
efeito: O evento discutiu e coletou dicas e receitas para saúde
e bem estar, e distribuiu zines sobre as plantas medicinais.
cardápio: Pão de cará, geleia de maçã verde, pimenta e chuva
de ouro, geleia de hibisco, conserva gengibre, patê de cará,
chás de ervas medicinais.

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Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

Conserva de
gengibre
da Zora

“Tinha uma conserva que minha


mãe usava em sanduíches e saladas
que faço até hoje. Depois de des-
cascar o gengibre, ela o laminava de
forma a ficar transparente. Depois
levava ao fogo com água até levan-
tar fervura. Escorria e deixava es-
friar. Enquanto isso, fervia uma par-
te de vinagre branco, duas partes de
água, uma pitada de sal e uma parte
e meia de açúcar. Depois de frio,
misturava as duas partes deixando
o gengibre mergulhado na calda. Os
vidros eram esterilizados em uma
panela grande. A conserva coloca-
da cuidadosamente nos vidros que
eram fechados hermeticamente e
lacrados com cera de abelhas. De-
pois de abertos eram conservados
em geladeira”.
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Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

Pão de Cará

1 envelope ou 1 colher (sopa) de fermento biológico seco


4 colheres (sopa) de água
1 ovo
1,5 colher (chá) de sal
2 xícaras de cará cozido, espremido e frio
1 xícara de leite morno
150 g de farinha de trigo integral
500g de farinha de trigo branca
40 g de manteiga sem sal
leite para pincelar

Misture o fermento com a Se precisar, acrescente mais


água e deixe hidratar por uns farinha. Cubra com plástico
5 minutos. Coloque no liqui- e deixe a massa crescer até
dificador o ovo, o fermento, o dobrar de volume. Passe a
sal, o cará e o leite. Bata até massa para uma superfície
virar um creme grosso. Colo- enfarinhada e divida em três
que esta mistura numa ba- porções. Modele os pães e
cia e junte a farinha de trigo coloque em assadeira untada
integral. Vá juntando farinha e enfarinhada, deixando espa-
de trigo branca aos poucos, ço entre eles. Deixe crescer
mexendo sempre com uma novamente. Pincele leite, faça
colher de pau. Quando ficar cortes na superfície. Leve ao
difícil de mexer, comece a forno pré-aquecido à tempe-
sovar com as mãos, juntando ratura alta e deixe assar por
mais farinha até conseguir 10 minutos. Abaixe a tempe-
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uma massa lisa que não grude ratura e deixe assar por mais
mais nas mãos. Junte a man- 50 minutos ou até que fiquem
teiga em pedacinhos e sove dourados.
para homogeneizar a massa.

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Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

Patê de cará

Cará, azeite extra virgem,


sal, pimenta dedo de moça,
noz moscada. Geleia de Ipê Amarelo
com pimenta
Cozinhar o cará e depois ba-
ter no liquidificador com um 100g de flores de Ipê (usamos
pouco da água de seu cozi- chuva de ouro)
mento, até obter uma massa açúcar cristal
pastosa. Refogar o patê no 100g de pimenta dedo de moça
azeite, misturando os outros picada
tempeiros. 06 maçãs verdes

Ralar as maçãs e ir acrescen-


tando açúcar para não escu-
recer. Levar a maçã ao fogo,
junto dos outros ingredientes,
misturando, até obter o ponto
de geleia.

O ponto da geleia
Pegue um pouco do xarope
Geleia de Hibisco fino e levante a colher, a última
gota deve gelatinizar na borda
Flores de hibisco desidrata- da colher.
das e açúcar cristal

Hidratar o hibisco em água


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morna por uns 20 minutos.


Levar ao fogo o líquido do
hibisco com açúcar cristal
na mesma proporção, mexer
com uma colher de pau até
dar ponto.

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Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

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Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

Uma reflexão sobre plantas anônimas Muitas vezes as pessoas se esforçam


com utilidade alimentícia e medicinal, para cultivar as espécies convencio-
Ana Cimbleris nais, “da moda”, esquecendo-se de
aproveitar plantas espontâneas, que
Começamos essa reflexão por dois poderiam ser usadas medicinalmente
dizeres que você provavelmente já ou na culinária, sendo deliciosas e ricas
ouviu antes. O primeiro foi proferido em nutrientes. São cotidianamente
por Hipócrates: “que seu remédio arrancadas dos canteiros planejados
seja seu alimento, e que seu alimen- para couve e alface: molhos e molhos
to seja seu remédio”. Esse dizer, de caruru, beldroega, bertalha, dente-
revolucionário para o seu tempo, é de-leão, serralha, tanchagem.... Com o
agora objeto de pesquisa da área da processo da globalização, a biodiversi-
saúde em diversos campos, como dade dos diversos países muitas vezes
a medicina preventiva, a nutrição sumiu das mesas, e o Brasil não é
funcional e diversas outras. exceção nesse cenário. Muitas dessas
O segundo dizer é popular: “para espécies contam com indicação com-
quem não conhece, toda planta é provada cientificamente para diversos
mato”. A contrária é verdadeira: para problemas de saúde comuns, como
quem conhece, todo mato é planta. gripes, ansiedade, gastrite, inflamação,
Muitas são as plantas que crescem feridas, dentre diversas outras.
como “mato” e que podem ser usa- Um conceito que está sendo difundido
das na alimentação e na medicina. atualmente é “planta alimentícia não
As plantas espontâneas apresen- convencional” designada pela abrevia-
tam altíssimo valor nutricional, por ção “PANC”. Já ouviu falar? Elas não
retirar o melhor do solo, mesmo são consumidas pela grande maioria da
quando esse é pobre em nutrientes. população nos tempos modernos, por
Além do mais, podem ser gratuitas falta de costume ou de conhecimen-
e excelentes para a saúde, promo- to. Esse termo se refere a partes das
vendo segurança alimentar e nu- plantas (frutos, folhas, flores, rizomas,
tricional, além de uma gastronomia sementes, etc) que podem ser consu-
rica e surpreendente. Para obter midas pelo homem, cruas e/ou após
esse mato, não precisamos comprar preparo culinário. Além das ‘partes de
sementes, mudas, regar, adubar ou plantas não convencionais’, também
usar nenhum tipo de produto contra trata das ‘partes não convencionais de
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pragas. Até mesmo nas áreas urba- plantas comuns’, como por exemplos
nas, onde os caminhos geralmente o uso das folhas de batata-doce e do
são calçados ou pavimentados, elas mangará (coração) da bananeira na
podem ser observadas nos terrenos alimentação. As PANC têm potencial
baldios e rachaduras das constru- para complementação alimentar, diver-
ções. Surgem também nos quintais sificação do cardápio e dos nutrientes
não capinados e nas áreas abando- ingeridos. Também podem representar
nadas. uma diversificação das fontes de renda

T1
Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

familiar, através da venda de partes das


plantas ou de produtos processados
(geleias, pães, farinha etc), que pode
inclusive incrementar o turismo rural ou
gastronômico.
Muitas das PANC, assim como plantas
medicinais desconhecidas pela grande
população, são referenciadas como
mato ou plantas daninhas, por brotarem
espontaneamente entre as plantas cul-
tivadas ou em locais onde não “permi-
timos” que isso ocorra. Além disso, não
são difundidas pelos meios de informa-
ção, caindo muitas vezes em desuso.
Diversas espécies importantes do
ponto de vista medicinal e gastronô-
mico, hoje desconhecidas, tiveram um
papel importante no passado. Muitas
vezes, foram largamente utilizadas pela
população, e, por mudanças históricas,
passaram a ter expressão econômica
e social reduzida, perdendo espaço
e mercado para outras opções, como
alimentos e medicamentos industria-
lizados. Diversas espécies de plantas
úteis não estão organizadas enquanto
cadeia produtiva propriamente dita,
não despertando o interesse por parte
de empresas em geral.
lista de plantas
O resgate e a valorização das varieda- selecionadas pela
des tradicionais das espécies repre- Ana Cimbleris >
sentam ganhos importantes do ponto
de vista cultural, econômico, social,
23

nutricional e de saúde. O cultivo dessas


espécies é feito na sua grande parte
por populações tradicionais e agri-
cultores familiares que preservam o
conhecimento acerca de seu cultivo ou
extrativismo, e também do seu consu-
mo, passando-o de geração a geração.

T1
Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016
24

a. serralhinha g. cidreirinha (capim-carona)


b. mil folhas h. capuchinha
c. saião I. alfavaca-cravo
d. tanchagem j. capim cidreira
e. beijinho k. hibisco
f. melissa l. maria-gondó (capiçoba) T1
Alimentos que Curam 17, 18 e 19 de outubro de 2016

25

m. gengibre s. hortelã-pimenta
n. funcho t. jambú
o. cará u. centela
p. damiana
q. bel droega
r. coentro do pará T1
Cozinha da Ocupação 24 de outubro a 16 de dezembro de 2016

duração: 55 dias
local: Escola de Arquitetura da UFMG
público estimado: 40 cozinheiros, 400 estudantes e profes-
sores, centenas de transeuntes e visitantes.
de onde vem: A Escola de Arquitetura da UFMG foi ocupada
por seus estudantes em mobilização contra a PEC 241 (de-
pois PEC 55). Tomamos a decisão de flexibilizar a estratégia
de ação da cozinha no território e apoiar a causa estudantil.
processo: A ocupação se organizou através de Grupos de
Trabalho (GTs), dentre eles o GT Cozinha, responsável por
alimentar participantes e visitantes diariamente. Os pratos
eram desenvolvidos de acordo com as doações recebidas
pela ocupação, pensando sempre em elaborar uma alimenta-
ção inclusiva (vegetariana e que levava em consideração in-
tolerâncias alimentares dos participantes). A princípio foram
pensados alimentos para comer com as mãos, pela falta de
utensílios. Com a arrecadação de pratos e garfos a forma de
preparo foi também se alterando durante o período.
efeito: Cozinhando na praça chamamos atenção de passan-
tes que se surpreenderam ao ver em uma atividade política
26

dois dispositivos móveis de cozinha. Alguns se aproximaram


e, conversando sobre as comidas, passaram a se interes-
sar pelo movimento e apoiar a ação dos estudantes. Nesse
período, vizinhas conversaram, compartilharam receitas
pessoais, doaram alimentos ou dinheiro para a cozinha, e
chegaram até a participar dos preparos conosco.
cardápio: centenas de receitas foram desenvolvidas.

T1
Cozinha da Ocupação 24 de outubro s 16 de dezembro de 2016

27

T1
Cozinha da Ocupação 24 de outubro a 16 de dezembro de 2016

Receitas sem data farofa de banana com trouxinha de repolho


quibe legumes e ovo com legumes
guacamole maionese de ervas batata recheada
creme de abóbora farofa de banana com yakissoba vegano
ervas bolinho de chuva
semente de abóbora
assada batata rosti berinjela à parmegiana
berinjela refogada macarrão de abobri- pão chapati
nha
iogurte natural macarrão da alzira
falafel
feijão tropeiro com beringela à parme-
ora-pro-nóbis caldo de mandioca giana
com pimenta
capitão de feijão com crepe vegano
abóbora caldo de mandioca
salada de agrião com
com curry
capitão de feijão com manga
batata doce caldo de mandioca
capitão de feijão de
com canela
panqueca de banana corda
e laranja com recheio tabule servido na
torta de legumes
de geléia de damas- folha de alface
salada de frutas
cos molho de tomate com
ervilha e milho legumes no shoyu
jiló refogado
caldo de feijão com purê de batata com
cuscuz com queijo e
legumes beterraba
coco
bolinho de arroz couve refogada
cuscuz com goma de
tapioca e coco torta de legumes legumes cozidos
cuscuz com molho de crepe vegano bobó de mandioca no
tomate e espinafre tomate assado com
salada de batata
azeite e ervas
feijão de corda inglesa
arroz com açafrão
molho de berinjela patê de abobrinha
batatas chips
mandioca no azeite abobrinha grelhada
com alho frito e cebo- abóbora com pesto
tapioca com quiabo
linha frito no dendê risoto mexicano
28

espetinho de legumes tapioca com doce de salada de folhas e


com curry e ervas banana tomate
finas empadão vegetariano
patê de inhame com
farofa de banana com alho torrado carne de casca de
queijo e manteiga banana verde
mandioca cozida com
bolinho de arroz com manteiga creme de beterraba
molho verde
suflê de legumes macarrão com molho

T1
Cozinha da Ocupação 24 de outubro a 16 de dezembro de 2016

de legumes doce de casca de bolo de banana


salada de repolho com abacaxi bolo de limão
limão geléia de manga bolo de maçã e ba-
lasanha de berinjela e batata assada com nana
abobrinha alecrim bolo de bagaço de
arroz integral com chutney de jabuticaba milho
talos de hortaliças com pimenta bolo de banana cara-
maxixe recheado com geléia de pimenta melada
feijão de corda sorvete de banana bolo de cacau e be-
arroz com cenoura mingau de milho na terraba
arroz com passas casca de laranja com flocão de milho
arroz com legumes confit de limão bolo de chocolate
arroz com espinafre geléia de casca de vegano
maçã bolo de maçã e creme
banana verde frita
suco verde geléia de jabuticaba bolo de merengue
suco de laranja geléia de casca de invertido
beterraba bolo de mandioca
suco de limão
jambo cristalizado torta de maçã
suco de laranja com
chá de hibisco chutney de manga
suco de melão com pudim de leite con-
hibisco densado com malva
suco de laranja com salada de frutas
maracujá geléia de maracujá e
chás manga
café brigadeiro
águas aromatizadas geléia de goiaba
pão de abóbora pudim de abóbora e
coco com confit de
pão 10 dobras
limão
pão de batata
macarrão com molho
pão de café branco e espinafre
29

pão simples macarrão alho e óleo


pão de queijo bolo de chocolate
pão recheado bolo de maracujá
pão de cebola na bolo de fubá
frigideira
bolo de cenoura
pão de banana
bolo de maçã

T1
Cozinha da Ocupação 24 de outubro a 16 de dezembro de 2016

Cardápio de Quarta-feira, 26/out


uma semana
Café da Manhã: Pão de cebola,
Segunda-feira, 24/out pão simples com pesto, geleia
de goiaba, bolo de maçã e bolo
Não teve café da manhã. de cacau. Almoço: Omeletes
Almoço: Bolinho de arroz variados, abobrinha grelhada,
(com páprica picante), torta capitão de arroz e feijão vege-
de legumes. Jantar: Caldo tariano e vegano. Lanche da
de mandioca com pimen- tarde: Bolos maracujá, choco-
ta, caldo de mandioca com late e fubá. Jantar (102 pes-
curry, caldo de mandioca soas): Macarrão com tomates,
com canela, caldo de feijão e queijo e manjericão (receita
legumes da Alzira, vizinha), bolinho do
almoço grelhado, capitão de
Terça-feira, 25/out feijão com abóbora (vegeta-
riano), capitão de feijão com
Café da Manhã: Pão vegano,
batata doce (vegano), quibe de
bolo de cenoura, geleia de
abóbora japonesa com curry,
maçã e biscoito de aveia.
salada de alface.
Almoço: Crepe vegano com
patê de abobrinha crua, Quinta-feira, 27/out
tomate, cebola, cenoura,
pimentões (verde, verme- Café da Manhã: Geleia de ma-
lho, amarelo) picados, quibe racujá e manga, pão 10 dobras,
de berinjela, guacamole, bolo de chocolate, café e chás
pudim de leite condensado Almoço: Suflê de legumes, ta-
com malva (receita da Tônia, bule servido na folha de alface,
vizinha). Lanche da tarde: salada de batatinha inglesa
Crepes e salada de frutas.
30

cozida, panquecas, molho de


Jantar: Creme de abóbora, tomate com ervilha e milho.
semente de abóbora assada, Jantar: Panqueca com legumes
berinjela refogada, bolo de no shoyo, purê de batata com
banana. beterraba, arroz com legumes
no shoyo.

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Cozinha da Ocupação 24 de outubro s 16 de dezembro de 2016

Sexta-feira, 28/out azeite com alho frito e ce-


bolinha, jiló e batatas chips,
Café da Manhã: Doação de abóbora com pesto ao forno,
pães de sal da padaria, broa, salada de folhas com toma-
geleia de goiaba feita derre- tinho, suco de laranja com
tendo a goiabada recebida nas maracujá, geleia de casca
doações. Almoço: Arroz com de beterraba com opção de
cenoura, espetinho de legumes acréscimo de gengibre. Jan-
com curry e ervas finas, abo- tar: Risoto de arroz branco,
brinha recheada com tomate, abobrinha, cenoura, açafrão,
manjericão, alho e queijo e curry e um pouquinho de
3 farofas diferentes: uma de queijo minas, macarrão com
banana com queijo e manteiga, molho branco e espinafre
uma de banana com legumes e macarrão com molho de
e ovo e outra vegana de bana- tomates
na com ervas frescas. Jantar:
suco verde de laranja, bana- Domingo, 30/out
na, espinafre, maracujá (tinha Café da Manhã: Bolo de ba-
muita fruta madura) para en- nana invertido, pão de quei-
trada, torta de legumes, purê jo, patê de inhame com limão
de batatas, abobrinha refogada e cheiro verde, bolo de maçã
com alho poró, salada de toma- e café. Almoço: Yakisoba ve-
te com alho picado e manjeri- gano com brócolis, cenoura,
cão, cenoura ralada, salada de couve flor, ervilha, gengibre
alface e rúcula com molho de e shoyu. Lanche da Tarde:
limão Bolinho de chuva, bolo de
cenoura (para comemorar
Sábado, 29/out
uma semana de ocupação)
Café da Manhã: Broa de milho e brigadeiro de colher. Jan-
31

flocão, pão de cebola, bolo tar: Arroz, feijão, ovo cozido,


vegano de chocolate, café e farofa, salada
chá mate. Almoço: Cuscuz
com queijo e coco, cuscuz com
goma de mandioca e coco,
feijão de corda, mandioca no

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Passeio PANCs 27 e 28 de outubro de 2016

duração: Passeio e colheita: dia 27 de outubro (16 às 18h) /


preparo: dia 28 de outubro (10 às 18h)
local: Passeio: vizinhança do Funcionários / preparo: cozinha
da ocupação
parceiro: Lucas Mourão
público estimado: 30 pessoas
de onde vem: Interesse de investigar e identificar as Plantas
Comestíveis Não Convencionais que nascem nas ruas e can-
teiros da vizinhança do Funcionários.
processo: Foi realizada uma pesquisa prévia sobre a área,
uma caminhada pública para compartilhar as descobertas
com outros interessados e um preparo coletivo para expe-
rimentar as possibilidades de uso de plantas da região na
cozinha.
efeito: Descobrimos agentes que cultivam plantas alimentí-
cias entre jardins ornamentais, fundos de estacionamentos,
canteiros públicos e quintais do bairro. A maioria destes
sujeitos são trabalhadores da região, que usam de seu es-
paço e tempo de trabalho para se dedicar a essas plantas,
que são utilizadas em sua alimentação. Descobrimos junto
32

aos demais participantes da caminhada um outro formato


de relação com a cidade, o espaço público, o paisagismo e a
culinária que essas pessoas experimentam.
cardápio: Geleia floral de jasmim manga, chuva de ouro e
gardênia, chá de folha de goiabeira, doce em calda de jambo
amarelo, suco verde de maracujá com ora-pro-nóbis.

T1
Passeio PANCs 27 e 28 de outubro de 2016

Plantas identificadas
1. Jabuticaba 8. Quiabo (Abel- potencial uso como
(Plinia cauliflora): moschus esculen- corante
folhas, fruto, casca. tus): folhas, fruto, 18. Taioba (Xantho-
Uso medicinal. semente, rica em soma taioba): folha,
2. Sapucaia (Lecy- proteína, flor. rizoma. Ambos po-
this pisonis): fruto, 9. Hibiscus (Hibis- dem ser ingeridos
folhas. Importância cus rosa sinensis): após cozimento
ornamental. flores, folha tem 19. Trapoeraba (Tri-
3. Gardênia (Gar- uso similar à couve, pogandra diuretica):
denia jasminoides): pode ser refogada. folha, flor.
flores, frutos. Boa 10. Jasmim manga 20. Buva (Conyza
para fazer geleia. (Plumeria rubra): bonariensis): sua fo-
4. Bougainville flores. lha parece pimenta.
(Bougainvillea gla- 11. Chuva de ouro 21. Jambo amarelo
bra): flores, utiliza- (Cassia fistula): (Syzygium jambos):
ção como corante folhas jovens, flores fruto, flor.
alimentício, uso e frutos.
22. Amendoeira
moderado, 12. Serralha (Son- da praia (Termina-
5. Caruru (Amaran- chus oleraceus): lia catappa): fruto,
thus spp.): folhas, folhas, flores. semente, folha, uti-
talos e sementes. 13. Serralhinha lizada para envolver
Quanto mais forte a (Emilia sonchifolia): comidas.
cor do caule e pre- mesmos usos da 23. Maracujá (Pas-
sença de espinhos, serralha. siflora edulis): Pol-
maior o cuidado
14. Trapoeraba pa. Folhas têm uso
ao usar na comida,
zebra (Tradescan- medicinal, a parte
precisando ferver
tia zebrina): folhas, branca (mesocarpo)
mais.
flores. é rica em pectina,
6. Ora-pro-nóbis boa para fazer
15. Dinheiro em
(Pereskia aculea- geleias.
penca (Callisia re-
ta): folhas, frutos,
pens): folhas. 24. Goiaba (Psidium
flores, talos.
guajava): Fruto.
33

16. Árvore do
7. Melancia (Citrul- A folha tem uso
viajante (Ravenala
lus lanatus): folhas, medicinal contra
madagascariensis):
semente, casca diarreia e distúrbios
sementes, seiva do
interna do fruto. A gastrointestinais.
caule.
casca é boa para
17. Erva do carpin- 25. Tamareira anã
fazer geleias, pois é
teiro (Rivina humi- (Phoenix roebelenii):
rica em pectina.
lis): seus frutos têm frutos

T1
Passeio PANCs 27 e 28 de outubro de 2016

PANCs Brasileiras,
Lucas Mourão
O Brasil possui rica diversidade de
PANCs: muito comuns, entre elas
estão a jaca, o jatobá, pequi, picão,
serralha, taioba, capuchinha, jerivá,
azedinha…Todas aquelas plantas
que são pouco (ou nunca) cultiva-
das, frutos nativos pouco vistos no
mercado, plantas muito utilizadas
antigamente por nossos avós porém
hoje nem tanto, bem regionalizadas,
vistas como mato/erva daninha,
comuns em outras culturas mas não
na nossa, em resumo: todos aqueles
vegetais que não são utilizados no
cotidiano e com pouco valor comer-
cial (ainda...).

Por não serem cultivadas comercial-


mente, as PANCs têm maior teor de
nutrientes (principalmente micronu-
trientes) em relação aos seus pares
vendidos nos sacolões. Exemplo: o
feijão mangalô (Lablab purpureus)
tem maior teor de proteínas e ferro
que o feijão comum (Phaseolus vul-
garis). Uma outra grande vantagem
dessas plantas é que são pouco ou
nada atingidas por agrotóxicos e
adubos químicos, justamente pelo
fato de não serem oficialmente cul-
tivadas! Vemos muitas delas pelas
ruas das cidades, porém como orna-
34

mentais. Seguem seu tempo, slow,


espontâneas... Podem aparecer
em frestas de edifícios, rachaduras
de calçadas, onde menos se espe-
ra! Sua sazonalidade faz com que
aguardemos pacientemente pelo
momento de colher seus frutos...

T1
Banquete “Memórias de Resistência” 3 de novembro de 2016

duração: 24 horas de preparo e 1 hora de banquete


local: Escola de Arquitetura da UFMG
público estimado: 70 pessoas
de onde vem: O banquete foi pensado como momento de
reconhecimento da produção que vinha sendo desenvolvida
na cozinha ao longo de duas semanas.
processo: Os preparos se estruturaram em dois dias de
planejamento, com a intenção de colocar em discussão a
importância política de nossas escolhas alimentares. Elabo-
ramos um cardápio a partir de nossa atuação na cozinha, de
maneira cruzada com uma pesquisa de alimentação como
símbolo de resistência cultural.
efeito: O preparo do banquete permitiu ao GT Cozinha
compreender e expressar de forma sensível a produção de
conhecimento que se dava nos preparos.
cardápio: Tapioca com recheios de quiabo com dendê e doce
de banana, patê de inhame com alho torrado, mandioca co-
zida com manteiga e azeite, mingau de milho verde na casca
de laranja com confit de limão, banana verde frita, maxixe
recheado com feijão de corda, capitão de feijão de corda
35

com farinha de rosca, pudim de abóbora com coco e confit


de limão, pão de banana, bolo de milho, pão de milho, bolo de
mandioca, bobó de mandioca no tomate assado com ervas,
bolo de banana, geleia de manga, chutney de jabuticaba com
molho de pimenta, folhas de couve e hortaliças para servir,
suco de laranja com chá de hibisco, chá de hibisco com me-
lão, chás variados e águas aromatizadas.

T1
Banquete “Memórias de Resistência” 3 de novembro de 2016
36

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

Conversa realizada durante a Ocu- de cozinha. Para mim o que me fez


pação da Escola de Arquitetura e me envolver cada vez mais foi essa
Design da UFMG, entre membros do sensação completamente oposta
GT Cozinha Comum do que a que o GT de comunicação
tinha me proporcionado. A relação
T: A ideia de termos essa conversa é dentro da cozinha é calorosa, é pró-
poder fazer um registro do que está xima, o espaço é de descontração e
acontecendo na ocupação. Nós acre- afetividade, já que todo mundo está
ditamos que o registro mais potente tentando solucionar coletivamente o
disso tudo é a experiência de cada um, caos que é a alimentação de todos.
como estão entendendo essa expe- Essas relações foram sendo estabe-
riência e o que estamos aprendendo lecidas sem hierarquia, todo mundo
individualmente e coletivamente e a resolvendo junto, pensando no que
partir dessa vivência. cozinhar… isso criou outro tipo de
relação de trabalho, diferente da
C: É um momento da gente aqui na
comunicação que resolvia algo en-
cozinha também parar e pensar, já que
tre todos e depois disso cada um ia
tudo acontece tão rápido, é necessário
pro seu computador fazer e liberar
poder parar e refletir sobre o que está
arquivo.
acontecendo. Acho que isso é muito
importante para todo mundo e para a C: É uma gestão que estamos
Escola de Arquitetura. Essa ocupação aprendendo todos juntos. Cada dia
é um marco para a Escola, bem como a cozinha funciona de um jeito dife-
a presença da Cozinha Comum Itine- rente, dependendo das pessoas que
rante, e com certeza esse momento irá estão aqui, porque tem pessoas que
transformar as relações que existem já têm uma experiência, outras não,
aqui dentro. Queríamos primeiro enten- têm pessoas que já cozinharam para
der o que fez vocês se envolverem com muita gente...
a cozinha.
MB: Tem pessoas que tem uma
MB: Quando eu cheguei aqui eu não ti- postura de liderança mais clara, tem
nha contato direto com a Cozinha Dona pessoas que preferem ser conduzi-
Lourdes porque quando ela começou das, e a gente vai se configurando a
eu estava de intercâmbio e quando partir disso, de forma fluida.
eu voltei não tive tempo por causa de
CN: No primeiro dia eu nem sabia
estágio e aulas. No primeiro dia de
37

que estava acontecendo ocupação.


ocupação me colocaram no GT (Grupo
Mas eu cheguei e resolvi ficar, ver
de Trabalho) de comunicação, me en-
o que estava rolando. Daí o que
fiaram nele: “Você é do design? Então
estava precisando de fazer eu fazia.
vai pro GT de comunicação, fazer uns
Acho que isso é muito de cada
flyers”. Foi extremamente cansativo,
pessoa… Não tinha nenhum amigo
estressante e ruim. No outro dia que eu
meu envolvido na ocupação, eu não
vim dormir aqui, resolvemos ir pro GT
estava em nenhum GT oficialmente.

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

Todos: Tava sim! nós temos pessoas de diversos grupos


presentes na ocupação, criamos a par-
CN: Eu não estava na hora que
tir deles grupos novos, que configuram
foram divididos os GTs, mas foi onde
o uso dos espaços de uma forma muito
eu me encontrei mais. No primeiro
diferente.
dia eu vi o que estava rolando, daí
no segundo dia eu trouxe pão, e fui M: Com certeza.
entrando na cozinha pouco a pouco.
MB: Uma coisa legal que a P está
Nunca tinha entrado na Cozinha
falando é que com a ocupação e com
Dona Lourdes, eu sabia dela mas
a cozinha nós criamos relações com
não frequentava muito a faculdade,
pessoas que não esperávamos criar.
tinha visto algumas coisas só no
facebook. S: Mas acho que essa é uma caracterís-
tica da cozinha em todos os lugares em
S: Eu tive um contato muito peque-
que ela existe. Quando conhecemos
no com a cozinha antes da ocupa-
pessoas de fora de Minas Gerais a gen-
ção. Acho que umas duas ou três
te ouve que a festa da família mineira
vezes acompanhando o W, uma
acontece na cozinha e não na sala.
tarde que o amigo dele veio fazer
Você recebe as pessoas pela cozinha.
panquecas. Aí outro dia eu comprei
Acho que a cozinha por si só tem esse
um negócio que precisava de gela-
potencial agregador e estar na cozinha
deira, e eu já me senti melhor para
para mim foi isso… era o lugar no qual
entrar e usar a da Cozinha e tal…
me sentia mais segura para fazer as
Eu cheguei de intercâmbio recen-
coisas.
temente e antes disso, acho que
entrei no DA (diretório acadêmico) VA: Acho que isso também vem de um
uma ou duas vezes durante meus envolvimento anterior. Não com essa
quatro anos na Universidade. Era cozinha aqui, mas com cozinhar de
um espaço que eu não me sentia maneira mais geral. As pessoas trazem
bem vinda de maneira nenhuma, não a experiência pessoal delas e agregam
sentia uma abertura para conversar nesse espaço aqui.
com as pessoas, nem a vontade de
T: Quando nós trouxemos a cozinha
entrar. Com a ocupação todos os
para cá uma das primeiras coisas que
espaços da faculdade ficaram mais
aconteceu já no primeiro evento era
abertos. As pessoas também fica-
a galera se aproximar por sentir um
ram mais abertas, até eu mesma.
38

cheiro, um barulho diferente, algo


P: Durante a ocupação não tem que mexe muito com as sensações do
ninguém regulando em quais espa- corpo.
ços nós somos permitidos ou não.

No cotidiano da Escola isso é muito
mais complicado, têm áreas que não VB: Uma coisa que acho legal é que
podemos utilizar e a ocupação, de a cozinha nunca teve uma estrutura
certa forma, suspende isso. Como grande e rígida. Ela está aqui, se você

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

quiser vem e faz. É uma coisa natural. volve uma relação de valor muito
diferente com a comida, eu morro
AJ: A gente tem personalidade muito
se um bolo meu sola. Eu fico muito
forte também, isso às vezes é um pro-
tenso, muito chateado. Ao mesmo
blema, pois não parece muito convi-
tempo, tem gente que não entende
dativo para alguns. A gente não é tão
esse tipo de coisa.
convidativo quanto poderia ser.
VA: Eu tinha cozinhado uma vez
C: Mas é porque ficamos muito tensos
aqui, no dia que almocei aqui com
cozinhando também, porque apesar de
as intercambistas alemãs. Foi muito
tudo precisamos fazer aquela comida
engraçado porque eu não conhecia
sair.
ninguém além da Isabela, e nós co-
S: O grupo é grande, né, e a gente fica zinhamos todo mundo junto. E essa
numa angústia para fazer as coisas liberdade não é a de você ir e fazer
darem certo... igual os problemas que sozinho, mas é aquela liberdade
aconteceram com pimenta, às vezes a de você poder experimentar junto,
produção é tão grande que nem todos propor. Olhando pra ocupação, é o
sabem passar para os outros as in- GT que mais se permite errar, nesse
formações sobre tudo o que estamos sentido. Como alguém vir com a
fazendo, e acontece de algumas vezes ideia “Vamos fazer um caldo com
virem reclamar de alguma coisa da canela”, quem teve essa ideia idiota?
comida. Mas ficou tão bom. E a melhor parte
é que esses erros que acontecem
P: É que mesmo a cozinha se propondo
dentro do GT são aprendizados e
a funcionar de maneira autogestionada,
são fundamentais. E a gente caiu
em qualquer erro que cometemos as
no GT da cozinha eu, Matheus e
pessoas que estão de fora reclamam
Fernanda, mais ou menos do mes-
muito. Então além da responsabilida-
mo jeito. A gente estava no GT da
de de fazer a cozinha funcionar nessa
comunicação e foi muito estressan-
escala muito grande, a gente também
te. Lá na comunicação era cada um
não pode errar. As reações são muito
fazendo o seu, daí a gente tentava
desproporcionais à quantidade de erro,
criar uma integração mas acabava
que para mim mostram que muitas
em disputa, um tentando ser mais
vezes as pessoas têm uma relação um
crítico do que o outro…
pouco infantilizada com a cozinha, de
não querer participar mas de serem os S: Teve uma época que alguém falou
39

primeiros a apontar qualquer falha. de criar um GT para receber as no-


vas pessoas que iam chegando na
C: Não só infantilizada, mas também
ocupação. E a cozinha é um ótimo
enxergam a cozinha como prestação
lugar, porque sempre tem alguma
de serviço, pois estão acostumados a
coisa para fazer e se a pessoa se
receber a comida pronta.
identificar com outro grupo ela pode
AJ: Mas a gente que cozinha desen- mudar.

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

P: Eu estava pensando um pouco mação da cozinha. Teve a Ocupação e


sobre isso e acho que nossa ocupa- os Carrinhos, os dois chegaram meio
ção tem uma forma bastante pré- juntos e gerou uma grande transforma-
definida, os grupos foram divididos ção na história da cozinha.
durante o ato de ocupar e muitos
AJ: Sem querer ser prepotente, eu
dos GTs estão trabalhando de uma
acho que a cozinha é a base da ocu-
forma muito mecânica. Enquanto
pação. Se não fosse comida teria uma
isso, a cozinha é tanto uma espa-
zona, o povo ficaria desesperado por-
cialidade quanto uma proposta
que tem que fazer já muita coisa e ain-
muito diferente. A cozinha, esses
da parar para fazer comida ou cada um
carrinhos, essas coisas todas que
iria sair para comer. Iria ser uma disso-
surgiram enquanto a ocupação está
ciação muito grande. Sem falar que a
aqui não são coisas presentes em
cozinha não só está virando uma porta
todas ocupações. Não é algo que
de entrada para as pessoas conhe-
tem um molde de uso. E acaba que
cerem a ocupação mas também está
a gente consegue fazer as coisas
virando o marco dessa ocupação. As
de forma muito livre, ir experimen-
pessoas conhecem a gente por causa
tando e fazendo, mesmo em dias de
da cozinha, não porque temos a ação
demanda grande a gente consegue
X, Y ou Z. A ocupação da Escola de
ainda ter completa autonomia para
Arquitetura está sendo conhecida por
decidir o que a gente quer fazer. Ao
causa da nossa dinâmica na cozinha.
mesmo tempo não são coisas que te
vinculam para sempre. Os preparos M: Uma coisa que acho super legal é
duram cerca de duas horas, depois que a cozinha conseguiu criar dentro
disso, se quiser, você pode ir em- da ocupação uma dinâmica um pouco
bora, não precisa assumir tarefas divertida. Porque assim, uma coisa que
e ficar preso nelas a semana intei- percebo com as pessoas, é que já exis-
ra, com prazos… Isso é algo muito te uma curiosidade a respeito do que
potente. vamos preparar. Eu já vi várias pessoas
perguntando. Essa dinâmica do que

a cozinha está fazendo, de como isso
T: Acho que cabe pensar como a co- vai afetar a galera, do que que a gente
zinha se transformou na ocupação vai comer, da surpresa “nossa vocês
e como ela transforma a ocupação. fizeram bolo de manga, nossa, vocês
Acho que se transformar sempre foi conseguiram fazer chutney”. Essa in-
40

um jeito da cozinha se reerguer e ventividade da cozinha tem promovido


existir. Cada vez que mudamos ela uma curiosidade nas pessoas.
de lugar, ou inventamos um novo jei-
AJ: E acho legal que isso não é uma
to de usar ela, com almoço todo dia,
coisa que é falada, é experimentada.
oficinas, ela se atualiza e mobiliza
novas pessoas. Acho que a Ocupa- M: No dia que fizemos pão de feijão por
ção também é mais uma transfor- exemplo foi uma atração. A gente abria

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Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

Doações de alimentos arrecadadas no


período de 4 a 15 de novembro de 2016:

abacaxi 4 unidades; leite 32l; leite


abóbora 5 condensado 3 cx;
unidades; limão 15 kg;
abobrinha 28kg; maçã 8kg;
açúcar 17kg; macarrão 20kg;
alface 2kg; manga 12 kg;
alho 7kg; massa de bolo 8
arroz 20kg; pcts;
batata 26kg; melancia 3
bananas 27kg; unidades;
beterraba 2kg; molho de tomate
berinjela 15kg; 12l;
biscoito 12 mostarda (folha)
pacotes; cacau 2kg;
600g; café 25kg; óleo 26l;
caldo de galinha 1 ovos 12 dúzias;
pct; palmito 1kg;
cebola 19kg; panetone 3
cebolinha 7 maços; unidades;
cenoura 12 kg; pão 24 pcts;
coco 1kg; pepino 2kg;
couve 2kg; pimentão 3kg;
farinha 28kg; presunto 1kg;
feijão 10kg; queijo 3kg;
41

fermento químico 2; rabanete 1kg;


filtro de café 4 pcts; repoljo 8kg;
goiabada 4 pcts; sal 9kg;
hortelã 2 maços; salsicha 1kg;
jiló 2kg; suco 19l;
laranja 20kg; tomate 24kg.

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Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

o forno e chegava 5 pessoas para ção forte em torno da comida, do ali-


ver como estava. Aí passava mais mento, aqui. Acho que a gente tem que
um pouquinho vinha mais 5 pessoas aproveitar isso para na pós-ocupação,
“nossa, que pão enorme!”… começarmos a questionar a cantina. De
fato a comida não é boa, é caro, enfim…
C: As pessoas estão perdendo algu-
mas resistências alimentares tam- C: De fato uma das coisas que nos
bém, porquê elas têm necessidade motivou a querer ter uma cozinha na
de comer carne, elas não entendem escola é isso: não tem opção, o que
o que é uma comida vegetariana, e tem é caro, não atende, então a gente
acham que vegetarianos não têm poderia ter autonomia para preparar
opções comer. E o que a gente está nossas coisas.
fazendo mostra várias possibilida-
W: Isso é uma das coisas que mais me
des de se comer sem carne.
motiva para estar na cozinha. Pensar
W: Acho que é dessa forma que a que podemos ter outros alimentos que
cozinha extrapola a ocupação, na não aqueles congelados há 10 meses!
transformação dessas questões.
M: E também que a única opção vege-
LR: Ontem todo mundo comeu jiló! tariana é soja.
AJ: Eu odeio jiló! P: No contrato da cantina é colocado
que os alimentos servidos devem ser
W: Repensar os ingredientes, o
congelados, e não feitos aqui. Isso é
modo de trabalhar eles, entender
um requerimento da UFMG. Então re-
por exemplo que o arroz não é só
ver isso envolve algo muito maior.
branco. E isso é muito curioso por-
que a gente costuma passar pelos –
alimentos sem pensar a respeito
V: Essa questão da comida, justamen-
deles, sem crítica.
te por ser tão “vou ali e compro” e
VA: Acho que sim, afetou interna- poder ter essa relação muito menos
mente as pessoas da ocupação, mas afetiva com o alimento, acho que era
no começo a cozinha também atraía problemático para uma grande parte
muitas pessoas de fora. As pessoas das pessoas. Inclusive para mim, que
passavam, ficavam interessadas pensava que não ia ficar aqui cozinhan-
no que a gente estava fazendo e do porque tinha que ir para aula. Mas
sempre perguntavam, pediam pra daí com a ocupação a necessidade de
42

provar. Foi um jeito de aproximar fazer, de ter, de cozinhar trouxe uma


essas pessoas. Diminuiu um pouco energia. Porque a gente tem que fazer
isso agora, acho que é um problema a comida, ela tem que sair e as coisas
da ocupação mesmo, que deu uma têm que acontecer. Daí botamos a mão
estagnada como um todo. E uma na massa. E é legal que juntou um gru-
coisa que fiquei pensando é que a po de pessoas que está afim disso mas
gente já começou uma movimenta- não de fazer só um macarrão com mo-

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

lho de tomate, é uma galera que já tem coisas… 5 receitas dessa, 5 dessa, 4
o mínimo de interesse de experimentar daquela….”. A gente fez umas 20 re-
a cozinha e colocar isso em ação. E ceitas! Quando a gente ia fazer isso
acho que todo mundo aprendeu com na vida? Vira uma padaria né.
todo mundo aqui, outro dia fiz receitas
M: Foi sensacional! Nesse dia a
da ocupação lá em casa.
gente estava fazendo pão para o
M: Também queria reforçar essa ques- pessoal levar pra Brasília. Eram seis
tão de estarmos criando pessoas mais pessoas aqui na cozinha e a gente
conscientes em relação à alimentação. pensou que tínhamos que fazer pão
Eu mesmo passei a odiar margarina para todo mundo que estava indo
(requeijão também!). Além disso, desen- para durar 12 horas. Então saiu uma
volvemos uma consciência econômica. equipe para comprar o que estava
Outro dia foi levantado na assembleia faltando enquanto outra equipe
que a gente fica fazendo coisas que ficou aqui para começar. Quando
dão muito trabalho, tipo pão, e que a voltamos, quem ficou tinha orga-
gente poderia ir na padaria e comprar nizado a mesa para sovar o pão, a
o pão de sal. Mas a galera não pensa mesa para fazer cada receita, tudo
que o pão de sal é muito mais caro. E a organizadinho, os ovos e leites
gente faz porque a gente tem os ingre- separados, o que fez a produção ser
dientes disponíveis aqui, que chegam muito mais legal. Porque enquanto
de doação, é muito mais barato, muito um estava fazendo um pão o outro
mais saudável, agradável e vai alimen- estava fazendo outro e a gente co-
tar muito mais, e além de tudo a gente locava etiquetas falando que horas
gosta de cozinhar. tinha que tirar cada receita.
T: Normalmente nós temos uma rela- S: E eu acho muito bonito porque é
ção com a comida que é a relação de muito uma relação de afeto. A gente
produto né? Algo a ser consumido. E não vai dar umas bolachas de água
aqui a gente cria a relação do fazer, do e sal para o pessoal comer. E eu
processo, que é afetiva. lembro de ver o povo agradecendo
com as sacolinhas de comida, isso

foi muito emocionante.
C: E como é cozinhar para muita gen-
C: Acho que isso é uma caracte-
te? Como se organizar, como pensar as
rística de todo mundo que entrou
receitas?
43

na cozinha, de querer cuidar das


P: É legal porque tudo foi mudando né? pessoas, querer sempre o melhor.
Em um mês ficou tudo diferente. Por isso ficamos discutindo o que
fazer para o povo levar. Eu acho que
VA: Não é uma pitada de sal, é sempre
não é uma preocupação comum de
uma mão.
qualquer pessoa.
AJ: Eu lembro a gente fazendo pão
M: É, por exemplo, a gente trocou
e vendo “então a receita tem tantas

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Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

metade da receita de pão por fari- cia é o fato de estarmos na Savassi.


nha integral, para o pessoal ter fibra, Aqueles dois meninos que vieram de
ter o que alimentar. São Paulo falar aqui ocupam a fábrica
de cultura que fica no meio da favela
V: E eu lembro o pessoal achando
do Capão Redondo. E eles falaram que
muito chique quando fizemos o
comida é pra eles é muito complicado
pão na forminha de cupcake, como
porque o povo que mora no entorno
uma trouxinha com recheio. E isso
vai lá comer. Aqui na vizinhança vem
não é chique, é pão aberto. Mas é
poucas pessoas.
esse cuidado né? Não é só comer, é
comer com prazer, com o olhar, com P: Principalmente no início da ocupa-
as sensações. E era muito legal as ção vinha muita gente de fora para
pessoas colocando aquilo no prato almoçar. Isso foi variando com as
e era o que mais queriam comer. semanas, mas bem no início, quando
Falando como ficou bonitinho. montamos as estruturas, as pessoas
estranhavam, chegavam mais perto
C: O que acho mais legal é que todo
para ver como estava funcionando se
mundo fala que a comida é chique
surpreendiam com o fato de poder
mas a gente cozinha com o que
comer e contribuir com o tanto que
recebe de doação. Isso faz parte
pudessem. Isso atraiu muita gente até
também do cuidado com o que a
do nosso ciclo mesmo que vinham só
gente pede de doação, que coloca-
para o almoço. E além disso porque a
mos sempre coisas saudáveis nos
comida era ótima, hahaha.
preparos e isso influencia no que
recebemos. A: É, verdade, isso atraiu muita gente.
Ao ponto de chegarem desconhecidos
W: Também temos que pensar no
e até mesmo me xingarem quando a
lugar privilegiado na cidade em que
comida não estava pronta.
a gente está, né? O que facilita che-
gar certo tipo de doação. C: É, e isso levanta outra questão:
como é cozinhar na rua?
C: É mesmo, enquanto isso a galera
que está ocupando faculdades no A: Mas eu ainda acho que essa rua
Campus tem que pedir pras outras nossa é uma ideia de rua. Não acho
ocupações quando acaba algo que essa rua seja rua.
quando acaba a comida de lá.
C: Mas assim, cozinhar fora. Deslocar
44

M: Acho que isso tem a ver com a a cozinha para o lado de fora e o que
Escola de Arquitetura esta integra- isso provoca em nós que cozinhamos,
da na cidade, não é igual o Campus nas pessoas e na cidade. As relações
que está cercado, isolado e prote- que criamos com os vizinhos…
gido. Estamos perto de um sacolão,
M: Sábado mesmo duas senhorinhas
um supermercado.
estavam passando, viram a gente cozi-
AJ: Eu acho que o que mais influen- nhando e perguntaram se estávamos

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

precisando de alguma coisa. Daí fala- que as pessoas do Campus estão


ram da amiga que tem coisas orgânicas pedindo não tem legumes, eles não
e que poderia trazer para a ocupação. tentaram pedir isso. Tinha enlata-
Então ainda que existam pontos ruins dos, margarina, leite condensado...
de estarmos expostos, “vulneráveis” de Isso é uma opção. Se você pensar
certa forma, também tem outra situa- no poder aquisitivo, no Campus têm
ção que é do ambiente agregador. Que unidades onde estão pedindo carne,
é transpor essa cozinha, esse espaço e isso é bem mais caro do que pedir
familiar para o cotidiano urbano.. vegetais. Então é uma opção, mas
tem uma cultura por trás disso.
S: Eu acho que não dá para desconsi-
derar que é rua. Por menor que seja a AJ: Acho que é uma coisa de pre-
escala. Outro dia veio uma senhora e conceito, porque eu era desse jeito.
me contou que produz o sabão dela,
P: Mas não precisa ser necessaria-
ela indo embora eu lembrei dos óleos
mente um preconceito que a pessoa
que temos aqui, perguntei o que ela
nutre. Você não enxerga opções, e
usava e ela respondeu “óleo e gordura”.
a carne parece necessária, é o item
Ela foi para o trabalho, voltou na hora
básico presente na alimentação.
do almoço, trouxe uns galões com funil,
a gente pegou os óleos e entregamos C: Como se ela fosse todo o susten-
para ela. to da refeição.
W: Eu acho que o ponto que o André W: É essa coisa montada, como se
estava querendo levantar falando do a carne fosse a proteína, o feijão o
pessoal de Capão Redondo era de que ferro, o arroz carboidrato…
quando formos pensar nossa ocupa-
T: Hoje em dia existem até mesmo
ção, na cozinha lá fora, sempre ter em
pesquisas financiadas. Tem aquela
mente nossa situação e contexto social
história que a presença do leite em
na cidade.
nossa cultura se deu por conta de
A: Tem a questão da nossa estrutura, pesquisas financiadas e encomen-
temos cozinha, os carrinhos, ponto dadas por empresas de laticínio,
d’água. Além disso, a questão territo- para fazer as pessoas acreditarem
rial: estamos na Savassi, só tem gente que tinham que beber leite todo dia.
rica no entorno que não precisa de É uma questão cultural associada
comer aqui. também a uma questão de mercado,
45

uma cultura produzida e induzida


S: O fato da gente ter recebido doa-
por esse mercado.
ções de mais de 300 reais mais de uma
vez. Qual outra ocupação de BH já teve M: E é uma cultura criada no oci-
isso? O contexto é muito específico. dente. No oriente grande parte da
população não tem as enzimas ne-
C: Eu acho que muito da estratégia de
cessárias para digerir leite. Porque o
o que pedir tem que ser considerado.
desenvolvimento foi diferente.
Porque é uma opção. Na lista de coisas

T1
Ocupar, cozinhar e resistir 28 de novembro de 2016

P: Quando a gente foi para a aldeia um jeito e nós fomos ficando tão de-
Xacriabá a gente viu muito a ques- pendentes da carne que nosso corpo
tão da propaganda, e das pessoas parou de conseguir metabolizar elas
acreditarem que é muito bom para dos vegetais, mas ainda assim a vitami-
saúde por causa disso. Não tem um na está lá.
entendimento das propriedades,
W: A B12 em vegetais e legumes é
nutrientes e tal. E vem um discurso
encontrada no contato da casca do
de cima que convence todo mundo.
alimento com a terra.
T: Eles são muito reféns dessa
cultura produzida pela mídia e os
padrões estabelecidos a partir daí.
E acho que o Matheus está cer-
to quando diz que é uma cultura
ocidental, uma amiga indiana já me
falou que lá é comum comerem car-
ne uma vez por semana ou até uma
vez por mês.
MM: Um amigo meu me falou que
eles nem deixam de comer carne
de vaca por ser um animal sagra-
do, mas por pensarem que é muito
melhor ter ela para dar leite do que
comer a carne dela.
W: Sim, é muito mais inteligente
você ter o animal vivo e a partir
dele poder produzir outros tipos de
alimentos.
AJ: Lá em casa quando me pergun-
taram como está sendo na ocupa-
ção, o que a gente está comendo,
e eu falei que a gente não está
comendo carne, ficaram preocupa-
dos. Não existe esse pensamento de
46

“você está substituindo a proteína?”,


porque carne é carne.
S: Eu sempre fico vendo falando
sobre vegetarianismo e falando
sobre essa coisa da B12, e a B12 era
encontrada nos vegetais. Só que
as coisas foram desenvolvendo de

T1
Cozinha com Secundaristas 1 de dezembro de 2016

duração: 14h às 18h


local: IFMG – Instituto Federal de Minas Gerais, unidade
Santa Luzia
parceiras: Silvia Herval e Bruna Piantino
público estimado: 25 pessoas
de onde vem: A experiência de se pensar cozinha e políti-
ca de forma integrada tornou a produção de alimentos da
Ocupação da Escola de Arquitetura da UFMG uma referência
para outras escolas ocupadas. Além disso a cozinha como
local de inclusão, integração e expansão do movimento for-
taleceu o envolvimento interno dos alunos.
processo: Os cozinheiros iniciaram contatos com outras
cozinhas de ocupações secundaristas e universitárias, tro-
cando listas de doações, receitas, dicas de preparo, dentre
outros. Com esse reconhecimento de nossas atividades rea-
lizamos uma parceria com a ocupação estudantil do Instituto
Federal de Minas Gerais para cozinhar com eles um dia em
um momento de troca de experiências e receitas.
efeito: A cozinha para a ocupação visitada não era uma
questão relevante. Conversamos sobre seus hábitos alimen-
47

tares, o uso de alimentos industrializados e possibilidades


de autonomia e saúde alimentar utilizando das doações ou
ingredientes baratos.
cardápio: Hambúrguer de feijão, pão 10 dobras, guacamole,
maionese de ervas, geleia de hibisco, suco de inhame com
limão, focaccia de sal grosso e alecrim.

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Cozinha com Secundaristas 1 de dezembro de 2016

Bolinho de feijão
1 xícara de feijão preto cru
1 e ½ xícara de cebola picadinha
2 dentes de alho
1 colher de sopa de orégano
desidratado
2 colheres de sopa de azeite
½ ramo de salsinha picada
1 colher de sopa de suco de limão
sal e pimenta a gosto
½ xícara de aveia em flocos finos
½ xícara de farinha integral

Deixar o feijão preto Bater metade da quantidade


de molho por 12 horas de feijão no liquidificador
(economiza energia de e amassar a outra metade
cozimento e elimina com o garfo. Misturar com
toxinas na água). Escorrer, os temperos e ervas, depois
descartando a água. Lavar adicionar as farinhas e fazer
e cozinhar na panela de pequenos bolinhos. Fritar
pressão. ou assar. Hoje fizemos 10
receitas!
48

T1
Cozinha com Secundaristas 1 de dezembro de 2016

Pão de frigideira
Uma xícara e meia de farinha,
meia xícara de água morna,
salsinha e cebolinha picadas,
sal e azeite à gosto.

Misturar a farinha com a água


morna até chegar a um ponto
em que a massa não gruda
mais nas mãos. Adicionar os
tempeiros e fazer bolinhas
com a massa. Abrir no formato
de panqueca e colocar na
frigideira até chegar ao ponto.

Maionese de ervas
Meio litro de óleo, 1 litro
de leite integral, 1 ramo de
salsinha fresca, sal e pimenta
do reino.

Bater tudo no liquidificador,


adicionar o óleo para dar
consistência aos poucos.
49

T1
Cafezinho contra a PEC 08 de dezembro de 2016

duração: 16 às 19h
local: ponto de ônibus intermunicipal próximo à Escola de
Arquitetura da UFMG
público estimado: 40 pessoas
de onde vem: Observando a potência da Cozinha enquanto
dispositivo de diálogo, que convidava as pessoas a se apro-
ximarem e entenderem o movimento dentro da ocupação, o
Cafezinho contra a PEC foi desenvolvido, como intervenção
urbana.
processo: Levamos o dispositivo a pontos de ônibus inter-
municipais próximos à faculdade. Oferecemos café e convi-
damos as pessoas a ouvir alguns pontos de debate levan-
tados pela ocupação a respeito da PEC 55 e seus prováveis
efeitos para os próximos anos. Junto ao café foi distribuído
um material gráfico desenvolvido pelo GT de comunicação.
efeito: As pessoas foram surpreendidas ao receberem de
um movimento político um café e o convite para conversar,
procedimento que quebra com a lógica de panfletagem e as
acerca à discussão.
cardápio: Café e pipoca
50

registro: https://vimeo.com/194417839

T1

Cartilha “Cozinhar e Resistir”

de onde vem: Ao analisar a lista de pedidos de doações de


outras ocupações da cidade consideramos extremamente
preocupante o fato de tanto secundaristas quanto universitá-
rios pedirem por enlatados e condimentados. Conversando com
pessoas dos GTs de Cozinha de outros lugares pudemos obser-
var que para muitos a atividade de cozinhar era vista apenas
como subsistência e não de forma articulada a outras questões
de ordem política.
processo: Organizamos algumas dicas de cozinha que acre-
ditamos serem muito importantes para a manutenção de uma
ocupação, com um cardápio saudável e que forneça energia a
todos, além de aproximar as questões alimentares das discus-
sões centrais do movimento estudantil.
efeito: Essas dicas foram organizadas em formato digital, divul-
gadas pela página da Cozinha Dona Lourdes no facebook, e em
cartilha impressa, provocando novas trocas com grupos distan-
tes de nós. 51

T1

Zines e cartazes

data: Do início das atividades no território Funcionários até o


início da Ocupação da Escola de Arquitetura da UFMG
local: Funcionários
designer: Lucas Kröeff
público estimado: n/a
de onde vem: n/a
processo: Pensamos em ao organizar um calendário de even-
tos ligados a Cozinha Comum Itinerante no território e divul-
gar a programação de forma a engajar pessoas do bairro nas
vivências que propomos. Dessa forma confeccionamos um
calendário de ação com as atividades propostas e as infor-
mações do projeto, além de cartazes e flyers espalhados em
diferentes pontos do bairro para cada evento realizado.
efeito: n/a
52

T1

Zines e cartazes

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i n DA GONÇALVES DIAS r â

N
a
53

c s
Projeto

T1

Zines e cartazes

dia 18 : PRAÇA ESCOLA DE ARQUITETURA _ 16H


dia 19: CAMPUS UFMG - 16H

҈
54

Apoio Projeto Realização

T1

Zines e cartazes

55

Projeto

coletivo

T1
T2

Visitas a famílias tradicionais


Prova às Cegas – ProJovem
Bolo de chocolate vegano – ProJovem
Empanados na rua – ProJovem
CineParede
56

Passeio pelos quintais – ProJovem


Mutirões
Saberes culinários da família Canuto
Preparo de quibe – ProJovem
Festival da Quebrada
Troca de mudas no dia das mães
Outras conversas

T2
território 2 cozinha comum itinerante

Morro das Pedras - A Cozinha


Comum Itinerante foi experimen-
tada a partir de três eixos de ação
simultâneos: trabalho de cons-
cientização alimentar e reconhe-
cimento territorial com alunos do
ProJovem; pesquisa e ação de
alimentação tradicional, memó-
ria e novas práticas alimentares
com famílias pioneiras da Vila da
Antena; acompanhamento do uso
dos dispositivos, utilizados de
forma autônoma pelos morado-
res do Morro das Pedras, em um
período de 4 meses. 57

T2
Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

duração: n/a
local: Morro das Pedras
público estimado: n/a
de onde vem: Junto ao grupo História em Construção nos
propusemos a investigar práticas culinárias tradicionais da
comunidade conhecendo as famílias que vivem ali acompan-
hando a construção e transformações da vila.
processo: Os parceiros da comunidade nos apresentaram
algumas famílias. Aos poucos criamos vínculos e visitamos
quintais e cozinhas; propusemos pequenos preparos para
compartilharmos receitas, escutarmos histórias e trocarmos
experiências através de práticas culinárias.
efeito: Através dessas visitas criamos laços com diversos
moradores do Morro das Pedras. Nas conversas conhece-
mos receitas que pontuam e conduzem as histórias individu-
ais dos moradores, ao mesmo tempo que refletem a história
coletiva da comunidade. Saberes como modos de preparo
ligados a situações vividas pelos moradores, uso de recur-
sos locais, plantas nativas e manejo sustentável do território
foram compartilhados em preparos da Cozinha Comum
58

Itinerante na comunidade junto com as histórias nos quais


estão inseridos.

T2
Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

Em nossa visita à família Canuto tia que tinha a pele maravilhosa! Ela
aprendemos muito sobre a história morreu tão esticadinha tadinha, e foi
do Morro das Pedras. A conversa o inhame viu? Sabe por quê? Todo
apresentada aqui aconteceu durante santo dia ela comia inhame no café
um almoço na casa de dois membros da manhã.
da família.
C: Em pernambuco a gente tem
costume de comer inhame ou man-
M: Aqui como é só nos dois eu faço dioca no café da manhã. Ou na janta
arroz na panela de pedra. Socador eu também.
tinha o de alumínio, mudei pro de pedra.
Eu não soco não, só macero. Assim M: No café da manhã ela cozinhava o
eu como bem, estou mudando até os inhame e ao invés do pão comia um
utensílios de casa para comer melhor, inhame no café.
com o tempo vai ficar igual as cozinhas C: Inhame limpa o sangue né?
da TV. Essa aqui também eu ganhei, ela
é de barro, eu uso ela mais de enfeite, M: Limpa mesmo, essa minha tia é
acho que não tem como cozinhar com um exemplo, todo dia comia inhame
ela não. de manhã.

C: Tem sim, essa usam para fazer mo- C: E você tem algum segredo para
queca de banana, fica muito bom. Você descascar o inhame? Minha pele fica
come dendê, essas coisas? toda irritada.

M: Eu não sou muito chegada não. M: Tem dois tipos de inhame, né. O
Dendê e aquela folhinha, coentro. Eu inhame é grandão, o cará é pequini-
não gosto, não. Agora lá em casa eu ninho.
faço uma farofa de banana caturra com C: Sim. Mas tem uns que ficam meio
farinha de milho, né filho? Ele é viciado. aguados, né?
Mas é uma coisa assim, no dia que faço
nem faço arroz. Aqui em casa a gente M: Tem uns que ficam batumados.
não come muito arroz não. Mas acho que nem tem como você
saber se vai estar assim ou não. Acho
F: Ou é batata, batata doce, ou uma que é pela casca. Quando meu filho
abóbora. teve dengue eu fiz um suco de inha-
M: A gente faz também uma tortinha de me que fica parecido com um leite, é
batata, um bolinho de batata. Mas eu bem gostoso.
59

não frito, eu asso. Batata, duas colheres –


de farinha de trigo, queijo parmesão,
orégano, 2 ovos, um pouquinho de leite, M: Agora aqui em casa a gente com-
faço a massa, coloca um pouquinho só pra muito ovo. Nossa senhora, será
de fermento e leva ao forno. Aí a gente que é bom pra saúde comer tanto
não come arroz mas substitui. Inhame ovo assim? Porque usa de manhã no
também sou apaixonada. Eu tinha uma café da manhã...

T2
Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

T: Acho que para quem não come assim “ah eu vou parar de comer carne”
carne não é um problema. aí parava por um tempo e depois volta-
va. Ela me ensinou umas coisas, entre
P: Cada médico fala uma coisa né?
elas o arroz com gengibre. Acho que
Acho que cada pessoa tem que en-
agora ela tá comendo carne. Porque ela
tender o que é bom pro seu próprio
ficava um pouquinho mas não dava con-
corpo.
ta. Queria parar mas não conseguia.
T: Normalmente você cozinha só
C: Tem muita gente que tem muita difi-
para vocês dois?
culdade, porque a carne é muito arrai-
M: É. Só para nós dois aqui em casa, gada né?
toda semana eu invento alguma coi-
M: Igual lá em casa, com meus irmãos
sa. Todo dia. É mais difícil para quem
lá, minha mãe chega a fazer 3 frangos
não come carne ficar na mesma
num dia quando a família vai comer. E
rotina né?
antes do almoço sair ainda tem aqueles
T: Acho que quem não come carne aperitivos e coisas assim. O povo come
costuma se aventurar muito mais na muita carne, muita carne mesmo.
cozinha, ser mais inventivo.
C: E carne é caro, né? Com o dinheiro
M: Então, é o meu caso. Eu invento de um quilo de carne você compra mui-
muito mais coisa. Vou inventando to mais legumes e uma variedade bem
para não ficar naquela mesmice. Aqui maior também.
em casa meu filho já não faz muito.
T: E é caro o ano todo! Os legumes vão
Faz umas coisinhas que ele gosta.
mudando de valor de acordo com a épo-
Mas vir para cozinha para fazer mes-
ca de cada um, e isso ajuda também a
mo não. Aí isso aí já é comigo.
variar a alimentação, comer mais coisas
T: Onde você vai buscando receita? diferentes.
Você usa a internet?
M: É tudo questão de costume! Depois
M: Ah, aqui (mostra os livros de recei- que começa a fazer...
ta). Eu vou comprando livro, revista,

vou inventando moda. Você já comeu
gengibre no arroz? Se vocês come- C: Você ficou na ocupa do CRJ? Como
rem vocês vão pirar. Na hora que eu funcionava a cozinha lá?
estou torrando o arroz, na hora que
F: Então, como a maioria não comia car-
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você joga o alho você joga o gengi-


ne – tinha 6 pessoas que comiam – era
bre. Vocês não tem noção.
bem separado. Umas pessoas ficavam
C: Eu gosto de abóbora com gengi- por conta dos que comiam carne, outras
bre, você já comeu? dos vegetarianos e outras dos veganos.
E o legal da ocupação do CRJ é que ela
M: Aí, isso eu nunca comi. Agora
acolhia os moradores de rua da região,
o arroz… eu aprendi ele porque eu
que são muitos, né? Em troca todo
trabalhei para uma menina que ficava

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Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

mundo ajudava trabalhando, limpando Tudo quentinho.


os espaços e tal. Eram entre 200 e 300
M: A casa da minha mãe é casa de
pessoas. Eu ficava limpando a bibliote-
avó mesmo. Eu falo que lá tá preci-
ca. Só que no fim da ocupação galera
sando fazer mais uns quartos, sabe?
fez muita sujeira lá, ninguém sabe quem
Porque a gente vai pra lá e depois do
fez, acho que era gente infiltrada. E
almoço não tem quarto para dormir.
hoje lá tá com programação muito legal,
Só esse que é o problema. Aqui em
acho que foi importante ocupar até abrir
casa eu já acho a cozinha meio sem
mesmo! Depois que a ocupação acabou
jeito. A cozinha e o banheiro. Precisa-
foi muito tenso com os moradores de
mos fazer uma reforma mesmo.
rua, porque eles não sabiam mais para
onde ir. T: Há quanto tempo vocês moram
aqui?
M: Aqui na cozinha vou fazer uma
parede. Eu tenho um sobrinho que está M: Eu moro aqui há 9 anos.
estudando arquitetura, e ele gosta de
T: Eu não sabia que esses prédios
reforma. Aqui a gente pode fazer altera-
eram dessa data não. Eles têm cara
ção, só não pode quebrar parede. Mas
de novinhos. Você morava em casa
sabe aquele tijolinho furado? Com forma
antes de vir pra cá?
de flor? Eu quero colocar ele, porque
não dá sombra nem barra o vento. Eu M: Eu sempre morei em casa, sem-
quero dar uma cara de cozinha antiga. pre tive quintal, sempre tive horta.
Sabe aquela moda de a cozinha ter Tô olhando aqui, uma salsa custa
um cantinho só para o café? Eu achei R$1,99. Se você tiver uma plantação
um caixote, peguei ele e pensei “gente você economiza muito. Aqui é muito
esse caixote dá para fazer um armário regulado, a gente não tem espaço.
para colocar canequinha”. Levei no meu Agora lá no Cascalho tinha uma
irmão e pedi para ele fazer, ficou show vizinha minha que tinha uma horta
de bola. Vou colocar aqui na parede e que qualquer um podia ir lá e pegar.
ter meu cantinho do café. Eu pensei em O Cascalho é lá no Grajaú.
pintar de vermelho, mas teria que pintar –
a bancada também. Aí acho que vou
deixar a madeira crua mesmo. Agora M: Vocês colocam o quê no seu
tem isso, o cantinho do café. E como tabule?
aqui em casa nós somos viciados em P: Acho que cada um faz de um jeito
61

café… quando a gente está sozinho em né? A gente coloca tomate, cebola,
casa passa nessa aqui (coador indivi- hortelã, limão, pimenta e um pouco
dual) e quando estamos nós dois tem de azeite.
essa garrafinha que dá duas xícaras.
M: Às vezes coloca pepino. Mas cada
T: No dia que fomos na casa de sua semana eu faço de um jeito. Só para
mãe eu reparei, são 3 garrafas de café, não enjoar. Agora o tradicional mes-
o mais doce, o médio e o sem açúcar. mo é isso aí, o verdadeiro. Mas o meu

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Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017
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Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

eu coloco com milho, azeitona… Você sabe qual pimenta que ele fez?
Pegou a semente de mamão, deixou

secar e virou pimenta. O mesmo sa-
M: Quando a gente fala que não come bor, a mesma ardura. Ele deixa secar
carne p pessoal até acha ruim. no sol ou no forno. E vai moendo.
F: Um amigo meu parou de comer car- Você não tem noção do sabor. E ele
ne. A mãe dele tem experimentado cada inventou isso, ele viu em uma matéria
receita, outro dia teve um risoli muito algo sobre e resolveu testar. Porque
gostoso. a sementinha arde né?

T: E como foi para você parar de comer –


carne? M: Essa panelinha o bom é que
M: Como começou? Ah, eu comecei com quando você desliga ela, ainda fica
abstinência. Onde eu ia sentia cheiro quente. Preserva muito mais calor.
de carne. Mas depois eu acostumei. Eu Quando eu era mais nova a gente
cozinho carne lá no serviço, né? E tudo usava. Mamãe já tinha uma. O ruim é
fica uma delícia sem eu nem ter que que eu não paro aqui dia de semana,
provar. chego 18, 19 horas. No dia-à-dia a
gente faz só janta.
C: E por quê você decidiu parar?
T: Como era a cozinha na sua antiga
M: Porque a gente começou a ver uns casa?
vídeos sobre o assunto. O jeito como
mata frango, coelho, é muito cruel. M: Nossa, minha cozinha era enorme,
Quase como se fosse um assassinato. porque eu era salgadeira.
O cara metendo um martelo, gente! Isso P: E a cozinha da sua outra casa era
não existe mais não! perto da casa de sua mãe?
F: Vai fazer um ano agora em junho que M: Não. Eu morava lá no Grajaú. De-
a gente parou de comer carne. pois que eu separei que eu vim pra
M: Mas aí foi através dessas coisas. O cá. A cozinha de lá era enorme, tinha
que adianta você ter prazer de um lado, até televisão! Tinha freezer. Porque
comer bem, se dou outro o bichinho eu mexia com salgado, vendia conge-
está sofrendo? lado. A gente tinha uma lanchonete
ali na região.

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M: Pimenta eu compro em grão, para
moer na hora. M: Esse limãozinho veio lá de Itabi-
rito. Onde eu trabalho eles têm um
C: Eu amo pimenta. sítio. Por exemplo, milho lá eles não
M: Eu também! E meu irmão, ele não compram, traz do sítio e coloca num
pode comer pimenta. Não pode por- saquinho. Lá tudo é natural. É minha
que tem problema. Aí o que ele fez? cara, porque eu gosto desses trem.

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Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

Eu era diarista lá e ela me contratou. M: Vocês gostam de bolo de cenoura?


Já faz 8 anos que estou lá. Eu co- Eu queria comprar uma batedeira por-
zinho e ajeito. Fica no Gutierrez. Lá que gosto de bater o ovo. Mas faço no
no serviço eu aprendi a cozinhar na liquidificador mesmo. Eu bato os mo-
panela de pedra, lá eles usam tudo lhados: o óleo, a cenoura, o açúcar e os
assim. Eu coloco milho na omelete. ovos. Quatro ovos, uma xícara de açú-
Tem gente que não gosta né? Eu car, no máximo umas quatro cenouras
faço um risoli de milho... A massa leva e bato. Depois joga na batedeira e vai
leite, manteiga, farinha de trigo e colocando o seco: 2 xícaras de farinha
uns temperinhos. Temperinho que eu de trigo, meia de maizena. O fermento
digo é alho, qualquer tipo que vocês tem que ser o último né? Aí é só colocar
usarem. O milho bate com creme de no forno. Faço uma caldinha de chocola-
leite e faz um engrossadinho. Você te. A calda eu faço com leite.
abre a massa e coloca aquele recheio

dentro. Vocês não tem noção.
M: Vocês já comeram carne de coco? é
P: Lá na Ocupação da UFMG fizeram
o coco cru mesmo, você abre ele.
uma torta de legumes. Uma menina
puxou uma torta vegetariana, cheia F: Nossa, na casa de minha avó tem
de legumes e queijo, ficou uma muita conserva de coco . Vidros bem
delícia. Tipo uma torta de frango mas grandes de água salgada e coco la den-
sem frango. tro. Na Solange também tem conserva
de brócolis.
M: E é difícil comer sem carne né?
T: É legal que muita coisa tradicional
F: Gente, parece até religião. Nos
aqui é vegetariana né? Tipo o ora-pro-
lugares, mesmo se tiver pizza de alho
nóbis.
poró, ela tem frango. Tem sempre
que levar uma frutinha na bolsa. M: O ora-pro-nóbis, lá na mamãe tem.
Outro dia a gente tava lá, eu fiz ele pica-
M: O pessoal me fala assim “Deus
dinho refogado no azeite, faz rapidinho.
fez os bichos para comer mesmo”.
Eu respondo que eu sei, mas eu não T: E o povo ainda tem costume de co-
quero. mer?
F: Deus não criou nada para morrer M: Lá na casa da minha mãe tem um pé,
desse jeito não. na entrada.
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M: Não, do jeito que a gente tá fa- F: Ali descendo pra minha avó tem um
zendo, não. também.
C: É, outra coisa você comer um M: Aqui o pessoal ainda usa demais. Um
frango que foi criado em casa, você dia desses eu fiz mini-pizza de abobri-
mesma matou. Tem responsabilidade nha. Coloquei a abobrinha dentro do
sobre aquilo… forno e deixei ela dar uma murchada.
Daí coloquei tomatinho, mussarela,

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Visitas a famílias tradicionais entre janeiro e maio de 2017

orégano e bastante azeite. Nossa, você M: Você come ele cru, ele é molinho
não tem noção. Ela fica fininha, murcha tem uma carninha.
tanto que fica crocante.
F: E tem muita coisa que tem lá que
M: Existem quatro tipos de ora-pro- hoje em dia é desperdiçada, igual,
nóbis. Eu não sei o nome… mas eu sei por exemplo, a jaca da nossa vizinha.
que um é barquinho, outro é folhinha O pé da casa dela dá um tanto e per-
comum, tem até um sem espinho. Você deu tudo, ela não vende, ela não dá.
já ouviu falar de cansansão? Ele é assim,
M: Eu detesto desperdício. Nessa
se você encostar a perna, ele sapeca tu-
garrafa aqui de café cabem duas
dinho. Mas se você comer é uma delícia.
xícaras grandes e quatro pequenini-
Ele baba, e a folhinha é grossinha. Mas
nhas. Não fica café aí
se você encostar nele queima a largada.
P: E quando sobra café fica meio

ruim, né?
M: Lá na casa da minha mãe dois irmãos
M: Você sabe que quando sobra ele
cuidam da horta. E outro usa o fogão do
fica meio verde? Por exemplo, você
corredor o lado para cozinhar feijão.
fez café, tomou um pouco e deixou
P: Ele nos falou de quando foi matar o resto na garrafa. Aí no outro dia
um ganso e o bicho saiu correndo sem você vai fazer outro, aquele que você
cabeça. Das farofas de gato que eles jogou fora tá verdinho.
faziam quando eram pequenos...
P: Os melhores cafés produzidos no
M: Faziam mesmo. Não podia achar um Brasil são enviados pra exportação,
gato no meio da rua. Quantas vezes a né! A regulamentação para exporta-
gente já comeu coxinha de gato achan- ção é muito mais rígida do que a aqui
do que era de galinha. Agora não faz de dentro.
isso mais não, mas antigamente fazia.
F: A mãe de uma amiga comprou
P: É, ele falou que vocês pegavam as uma máquina para moer o café na
comidas todas do mato né? Iam achan- hora..
do as plantas e cozinhando…
M: Tem aquela cafeteira francesa que
M: Naquela época era muito diferente! tem que fazer com o café triturado,
Não tinha casa em volta, era só mato. porque não pode ser pó. Daí ela
Depois que abriu a rua, foi aparecendo prensa o grão triturado na hora de
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outros moradores. Mas cada esquina passar.


tinha um pé de trem… jambo, pau doce,
você já comeu pau doce? Lá tem um
pézão carregado. É um pauzinho, com
umas bolotinhas, e tem um gostinho
doce.
P: Mas o que você faz com ele?

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Prova às cegas – ProJovem 16 de março de 2017

duração: 3 horas
local: ProJovem Morro das Pedras
público estimado: 18 pessoas
de onde vem: Após uma conversa inicial sobre alimentação
com os adolescentes do ProJovem percebemos que o tema,
de pouco interesse, não está presente em suas discussões
cotidianas. Achamos que poderia ser interessante promover
uma atividade de sensibilização.
processo: Levamos dois alimentos para todos provarem de
olhos vendados e, pelo paladar, falar quais ingredientes es-
tavam presentes. Uma das meninas da turma fez anotações
sobre o que cada pessoa falava.
efeito: A atividade foi bem aceita para alguns da turma,
enquanto outros se mantiveram mais resistentes a comer o
que estávamos oferecendo. Percebemos que os alimentos
artificiais são muito presentes no repertório dos jovens, que
associaram sabores naturais a temperos artificiais. Os alunos
com experiência em cozinha se mostraram mais apurados na
identificação dos sabores e sua associação aos verdadeiros
ingredientes.
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cardápio: Goulash de beterraba e cacau torrado

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Bolo de chocolate vegano – ProJovem 23 de março de 2017

duração: 3 horas
local: Rua de acesso ao ProJovem
público estimado: 12 jovens e alguns funcionários da institui-
ção
de onde vem: Com parte da turma sensibilizada em relação à
alimentação, propusemos a realização de um preparo coletivo
na rua. Decidimos iniciar uma discussão sobre alimentação
vegana, trazer aos alunos alimentos que expandissem seus uni-
versos culinários e gustativos, para entenderem outras formas
de se fazer receitas convencionais.
processo: Levamos ingredientes para fazermos um bolo com
o cacau que havíamos experimentado na semana anterior, mas
sem ovos nem leite. Preparamos calda de beterraba e um doce
de caqui, por ser uma fruta da época, barata e que poucas
pessoas conhecem. A escolha dos sabores partiu da ideia de
continuarmos experimentando outras possibilidades de uso de
um mesmo ingrediente.
efeito: Durante o preparo alguns funcionários se envolveram.
Um grupo subiu com mulheres que trabalham na cozinha do
local para colher ervas na horta comunitária e preparar chás. Os
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alimentos foram muito bem recebidos pelos jovens, que qui-


seram bater outro bolo logo em seguida, dessa vez fazendo a
receita do jeito que se lembravam.
cardápio: Bolo vegano de cacau, calda de beterraba, doce de
caqui, chás de ervas.

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Bolo de chocolate vegano – ProJovem 23 de março de 2017
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Bolo de chocolate vegano – ProJovem 23 de março de 2017

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Empanados na Rua – ProJovem 30 de março de 2017

duração: 3 horas
local: Rua Central, Vila da Antena
público estimado: 18 pessoas e transeuntes da rua
de onde vem: Em uma de nossas visitas a uma família tradi-
cional do Morro das Pedras preparamos diversos aperitivos e
petiscos empanados. Decidimos compartilhar a história des-
sa família aos jovens e realizar preparo de legumes empana-
dos e molhos - pensando formas de tornar mais interessante
o consumo de legumes e vegetais para os jovens.
processo: Observamos nesse preparo como o coletivo se
comportava em relação às articulações necessárias com a
vizinhança para o preparo: conseguir ponto de água, trocar
o botijão de gás, visitar uma vizinha para usar o liquidificador
para o preparo da molho. O processo envolveu tanto jovens
quanto moradores mais velhos da rua.
efeito: O envolvimento de pessoas da vizinhança permitiu
uma troca de experiências e saberes através da cozinha.
Alguns jovens não estavam confortáveis em cozinhar na rua.
O preparo do peixinho, uma folha que ao ser empanada, tem
sabor de peixe frito, foi uma grande surpresa não apenas
70

para os jovens, mas também para outros moradores que nos


acompanhavam.
cardápio: Abobrinha empanada, peixinho empanado, couve
flor empanada, espeto vegetariano, maionese de ervas.

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Empanados na Rua – ProJovem 30 de março de 2017

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CineParede 1 de abril de 2017

duração: 5 horas
local: Praça atrás do centro cultural História em Construção
público estimado: 20 pessoas
de onde vem: CineParede é um cineclube de rua que o
grupo História em Construção realiza em fachadas cegas da
favela. Fomos convidados para levar algum preparo para a
cozinha durante uma sessão de cinema.
processo: Decidimos fazer algo simples para não interferir
muito na dinâmica do evento, que estava cheio de crianças.
Levamos alguns sacos de milho para estourar pipoca. O
dispositivo da cozinha despertou curiosidade nas crianças
presentes, que se organizaram para aprender a fazer e servir
a pipoca, arrecadar entre eles dinheiro para comprar mais
milho e suco em pó e negociaram com uma vizinha para pre-
pará-lo em sua casa. Quando acabou a pipoca improvisamos
com o que tínhamos de ingredientes e um copo de óleo cedi-
do por uma vizinha, com cebola, farinha de trigo e temperos
preparamos cebolas empanadas.
efeito: A forma como as crianças se organizaram foi uma
experiência onde aprenderam a cooperar para todos come-
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rem um pouco. Durante o processo vizinhas e transeuntes


também se envolveram e integraram o grupo para comparti-
lhar a pipoca.
cardápio: Pipoca, cebola empanada, sucos

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

duração: 03 horas
local: Quintais do Morro das Pedras
público estimado: Cerca de 12 jovens
de onde vem: Após alguns preparos coletivos propusemos
uma atividade para sensibilizar os jovens em relação à cultura
culinária local e às histórias e tradições que passam por elas.
Além disso, o passeio foi uma chance para muitos aprenderem
a reconhecer diversas plantas de uso cotidiano cultivadas pelos
moradores do morro.
processo: Realizamos uma caminhada guiada pelos próprios
conhecimentos territoriais do grupo, visitando as casas com
quintais que conheciam e desviando a rota quando olhares
atentos encontravam alguma planta que se avistasse da rua.
Durante as visitas fomos realizando fotos e breves conversas
com os moradores, perguntando sobre a história deles no Mor-
ro das Pedras e de seus quintais - como iniciaram o plantio, o
que escolheram plantar, os usos que fazem dos quintais.
efeito: As conversas foram sendo conduzidas de modo informal,
sem seguir um roteiro, estimulando nos jovens a curiosidade
de se aprender com os moradores mais velhos e frisando que
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todas pessoas são possíveis professores para nossa vida coti-


diana.

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

A primeira casa que visitamos tinha e quando o chuchu tá quase cozido eu


apenas uma moradora, que veio da jogo ele.
Bahia para Belo Horizonte há alguns
Nó: E o bolinho de feijão você bate
anos. Ela cultiva algumas plantas
também?
que caem para fora de seu muro.
V: O bolinho de feijão é o acarajé ne.
Bato no liquidificador com gengibre,
V: Esse se ora-pro-nóbis do muro eu
cebola. O segredo do acarajé é bater
mal uso, dou mais para o povo que
bem a massa dele. sabe como colher de
pede.
pau. Daí bater bem bem que na hora de
Nó: É mesmo? Você não gosta não? fritar ele incha. então o segredo é esse.
V: Na Bahia não faz muito disso não. A menina não sabia e fritou sem fazer
isso.
Nó: Ah, é verdade. Mas o chuchu
você usa né? Nó: Fica pesado né?

V: Eu uso. Mas é muito também né. V: É, eu falei que não, tem que bater
Olha ali o tanto pendurado. bem com a colher de pau. É o segredo.
Daí coloca a cebola e o gengibre na
Nó: é muito mesmo né. massa.
Nó: e você planta tempeiro, alguma Nó: Eu nunca tinha visto gengibre no
coisa assim? acarajé.
V: Não, não sou muito de plantar não V: É tem que colocar cebola e gengibre.
viu. porque aqui tem gato.
Nó: Mas você refoga o gengibre?
Nó: E o que vc gosta de fazer com o
chuchu? V: Não não. Você vai e descasca ele. E
quando vai passar o feijão do acarajé
V: Ah, ontem eu cozinhei um bocado. no moinho, daí vc coloca um pedaço do
A gente fez com camarão. gengibre. Não pode colocar muito, né! E
Nó: olha, que interessante, nunca vi! a cebola! Daí depois você passa no aca-
Ele refogadinho? rajé e coloca vinagrete, camarão, vatapá
e caruru. Sabe o que é caruru?
V: A gente bate o camarão no liquidi-
ficador e joga no chuchu quando ele Nó: Não.
tá quase cozidinho V: Caruru é quando pega o quiabo, cor-
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Nó: Na Bahia a senhora usava o chu- ta bem miudinho, pica bem picadinho,
chu também? daí depois você coloca camarão, cebola,
tomate, pimentão, coentro e todos os
V: Na peixada a gente usa muito tempeiros. Daí bate no liquidificador
chuchu. camarão e os tempeiros e coloca dentro
Nó: E como que era a do camarão? do caruru. Aí vai cozinhar o quiabo, né?
Depois você coloca azeite de dendê e o
V: Eu bato ele com outros temperos coco. Vatapá é a mesma coisa, você vai

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

fazer vatapá de pão, aí você coloca o


pão de molho, bate no liquidificador com
todos tempeiros, camarão, castanha,
amendoim, tudo! Depois vai mexer no
fogão.
Nó: Quanto tempo?
V: Ah, fica um tempo. Quando você vê
soltando da panela já, quase igual min-
gau de milho, dando aquelas bolhas, aí
já tá no ponto.
Nó: E na Bahia você tinha quintal tam-
bém? Plantava?
V: Não, não faz gosto não. Eu às
V: A minha mãe plantava. Plantava alfa-
vezes penso que vou mandar tirar
ce… minha família é do interior.
tudo. Porque você zela, você molha
Nó: De onde que é? e limpa a coisa toda. Daí vem um
V: Lá é um lugar chamado Tombador, caminhãozão pesado que tá fazendo
perto da Lagões. esse estrago. Isso aqui não é lugar
de passar caminhão não. É muito
Nó: Há quanto tempo a senhora está estreito.
morando aqui em Minas?
Nó: Qual caminhão é? Do lixo?
V: Já faz uns 15 anos que eu moro aqui.
V: Não é só caminhão do lixo não.
Nó: O ora-pro-nóbis aqui você que É caminhão de concreto, pessoal
plantou? que bate lage, essas coisas. Ó aí o
V: Eu que plantei. Aliás, não. Estou men- chuchuzinho. Esse é do verde, é uma
tindo. Eu cheguei e encontrei ja aqui. Só delícia.
que eu encontrei só aquele negocinho Nó: Sabia que esse chuchu, o talo
fiado, sabe? Aí comecei a zelar, a tocar quando tá novinho, dá para comer
minha mão. Porque minha mão é muito também?
boa para planta. Aí comecei a tocar nele
e ele começou a fazer isso aí. Só que V: O talo? Você come?
não dá gosto porque o caminhão vem e Nó: É, você branqueia ele, ferve na
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arregaça tudo. Caminhão vem e… Olha água quente, daí você pode comer
o chuchu aqui pendurado olha! Vem na salada.
até aqui. Às vezes o caminhão vem e eu
V: Olha só! Essa folha aqui mesmo eu
mando o pessoal pegar, mas o pessoal
não comia.
às vezes esquece de pegar e o cami-
nhão vem e leva com tudo. Nó: Ora-pro-nóbis? É mineiro. Tem
muita proteína.
Nó: Aí perde né.

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

V: E da uma flor tão bonita. Dá para zelar, a tocar minha mão. Porque mi-
comer, fazer doce. Eu vou tirar uma nha mão é muito boa para planta. Aí
muda para vocês plantarem, tá bem? comecei a tocar nele e ele começou
Vou levar um maracujá para vocês a fazer isso aí. Só que não dá gosto
também! porque o caminhão vem e arrega-
ça tudo. Caminhão vem e… Olha o
Nó: Obrigado, e desculpe o incômo-
chuchu aqui pendurado olha! Vem
do tá?
até aqui. Às vezes o caminhão vem
V: Ih! Que nada. e eu mando o pessoal pegar, mas o
coco. Vatapá é a mesma coisa, você pessoal às vezes esquece de pegar e
vai fazer vatapá de pão, aí você o caminhão vem e leva com tudo.
coloca o pão de molho, bate no Nó: Aí perde né.
liquidificador com todos tempeiros,
V: Não, não faz gosto não. Eu às ve-
camarão, castanha, amendoim, tudo!
zes penso que vou mandar tirar tudo.
Depois vai mexer no fogão.
Porque você zela, você molha e limpa
Nó: Quanto tempo? a coisa toda. Daí vem um caminhão-
V: Ah, fica um tempo. Quando você zão pesado que tá fazendo esse es-
vê soltando da panela já, quase igual trago. Isso aqui não é lugar de passar
mingau de milho, dando aquelas caminhão não. É muito estreito.
bolhas, aí já tá no ponto. Nó: Qual caminhão é? Do lixo?
Nó: E na Bahia você tinha quintal V: Não é só caminhão do lixo não.
também? Plantava? É caminhão de concreto, pessoal
V: A minha mãe plantava. Plantava que bate lage, essas coisas. Ó aí o
alface… minha família é do interior. chuchuzinho. Esse é do verde, é uma
delícia.
Nó: De onde que é?
Nó: Sabia que esse chuchu, o talo
V: Lá é um lugar chamado Tombador, quando tá novinho, dá para comer
perto da Lagões. também?
Nó: Há quanto tempo a senhora está V: O talo? Você come?
morando aqui em Minas?
Nó: É, você branqueia ele, ferve na
V: Já faz uns 15 anos que eu moro água quente, daí você pode comer
aqui.
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na salada.
Nó: O ora-pro-nóbis aqui você que V: Olha só! Essa folha aqui mesmo eu
plantou? não comia.
V: Eu que plantei. Aliás, não. Estou Nó: Ora-pro-nóbis? É mineiro. Tem
mentindo. Eu cheguei e encontrei ja muita proteína.
aqui. Só que eu encontrei só aquele
negocinho fiado, sabe? Aí comecei a V: E da uma flor tão bonita. Dá para
comer, fazer doce. Eu vou tirar uma

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

A dona da segunda casa foi uma das era meu sonho, porque quando eu
primeiras moradoras do Morro das era menina, o vovô tinha um sítio e
Pedras. Ela tem um pé de uva muito o sítio dele era assim. Era a entrada
grande, que distribui aos vizinhos. no fundo e na frente só laranja.
Nó: Onde era o sítio dele? Nova
Nó: A senhora sempre morou nessa
Lima?
casa?
P: Em Belo Horizonte. Onde é o
P: Eu vim pra cá há 50 anos. Eu sou de
Salgado Filho hoje.
Nova Lima, nascida lá. Só que acontece
que vim pra cá com 16 anos, para Belo Nó: E aqui era bem diferente tam-
Horizonte. Mas depois voltei para Nova bém quando a senhora chegou né?
lima, me casei em Nova Lima. Devia ser muito mais arborizado.
Nó: Aí você ficou lá mais um tempo? P: Nossa… eu não quero nem lem-
brar. Era ruim mesmo. Ruim mesmo.
P: Não, saí daqui, fui me casar lá e
Para começar fazia até medo. Ali
voltei.
tinha um pé de… pé de… umas plan-
Nó: A senhora sempre plantou aqui? tas muito grandes. E lá escondia uns
homens. A gente vivia com o portão
P: Aqui ó, essa laranja, tem 50 anos.
trancado.
Aliás, não. Mais que 51 anos!
Nó: E aí foi melhorando?
Nó: Ela veio pra cá com você então?
P: Sim. Hoje nós estamos no céu.
P: Não, ela veio na minha frente.
Né, Marcos?
Nó: Quando a senhora chegou já tinha
Nó: Quando a senhora chegou aqui
ela aqui?
tinha água na sua casa? Ou tinha
P: Não. Eu mandei ela vir na frente. que descer para buscar?
Aqui era a casa da minha sogra.
P: Não. Eu pagava para buscar. Por-
Nó: Como que foi? que eu não dava conta de buscar
P: Aqui era a casa da minha sogra né. também.
E isso tudo era dela. Então nós, depois Nó: E a senhora pagava quem?
de 3 anos de casados, viemos morar
P: Tinham aquelas pessoas que en-
aqui com ela porque ela já estava meio
chiam o tambor para gente e então
adoentada. Mas esse pé de laranja eu
77

a gente pagava. Era 1 real por lata.


mandei na frente, porque Geraldo mo-
rava com ela. Então plantei ali, porque Nó: E a senhora gastava mais ou
nossa entrada era ló. Só que só restou menos quanto de água?
isso.
P: Era um tambor por dia!
Nó: Era mais de um?
Nó: E tinha esse tanto de planta.
P: Eram muitos. E eram muitos porque Dava para regar elas todas?

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

P: Ué menina, você tá doida. Apro- ta, para você trocar muda com eles?
veitava a água.
P: Não. Eu sou muito grande né? Você
Nó: Onde a senhora mandava bus- está vendo meu tamanho (risos). Então
car? eu espero que a pessoa apanha e eu
fico com um pouco. Tem hora que eu
P: Ali em cima, onde tem aqueles…
não tenho quem panhar daí dou dinhei-
olha, no interior a gente fala é bul-
ro e o menino apanha. É, meu filho,
cera mas aqui já fala que é aparta-
você tem que se virar. Esse ano não
mento. Daí eu digo aqueles “aperta-
deu muita não, deu até pouca. Mas ano
mentos” ali… Ali em frente à padaria,
passado deu uva.
pois é.
Nó: Tá na época?
Nó: E como é que a senhora apro-
veitava a água? P: Já passou, agora só dezembro. Se
vocês estiverem aí pode pegar.
P: Uai, água que cozinhava arroz,
que cozinhava feijão, tudo você Nó: Ali na outra casa a menina falou
guardava. que passa o caminhão de lixo e ela fala
para eles pegarem o chuchu que dá
Nó: Hoje em dia a senhora ainda
no muro também… sempre teve esse
aproveita a água?
costume de passar o caminhão de lixo
P: Hoje não. Hoje é mais fácil. Não recolhendo as coisas?
estou falando que a gente está no
P: Não, eles não recolhem não. A gente
céu hoje?
chama. Eles param para recolher o lixo
Nó: E a senhora costuma cozinhar e a gente chama eles. Aí é ótimo, faz
com as coisas do quintal? amizade... Chama para um café. O que
P: Eu não tenho coisa para cozinhar vale é a amizade que a gente faz! E
assim não. graças a Deus, um dia a gente repassa
isso para frente.
Nó: É mais tempero, né?
Nó: E quando a senhora faz festa aqui
P: É, mas nem isso eu tenho. chama os vizinhos também ou só famí-
Nó: E por que a senhora planta? lia?

P: Porque eu gosto, eu gosto das P: Mais é família né? Porque graças à


coisinhas assim sabe. Aquela uva ali Deus minha família é grande um pou-
78

ó, casou com a outra e agora tá dan- quinho. A vizinha fala assim “a senhora
do essa preta. faz festa todo dia!” Mas é só a gente
mesmo. Agora aquele vizinho que che-
Nó: E a uva que dá aqui a senhora ga também pode vir.
faz o que? Você come, faz doce?
Nó: E tinha época que tinha festa na
P: Não, eu dou para os outros. rua também? Ou nunca teve isso de re-
Nó: Tem mais vizinho aqui que plan- unir a vizinhança e fazer festa na rua?

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

P: Nós já tivemos sim. Nós tínhamos “aqui a comida da senhora”. Gente eu


uma vizinha aqui que já morreu. Mas não morri ainda não!
ela era quem fazia a festa… como
Nó: É, mas eles cuidavam bem de você
chama? São Cosme e Damião.
né.
Nó: Legal. Vocês distribuíam os
P: Mas pois é, eles cuidavam tanto
doces?
que tinha que brigar com eles. Aí eu
P: Ela fazia festa lá em frente à casa vim embora antes da turma também.
dela, que é ali na frente da pracinha. Eles me levaram para Sete Lagoas, me
E nós tínhamos também muita festa colocaram dentro do ônibus. Meu Deus
na igreja, na quadra aqui em cima. do céu, gente fica parecendo que eu
Mas tá vendo, eu tô por fora. E aqui estou velha! Sou velha não, só tenho 47
na rua também tinha a vizinha ali anos (risos). Vocês estão achando que
na frente, queimava o judas ali, daí eu estou velha? Acham que eu estou
jogava bala para cima dos meninos... mentindo?
Nó: E a de Cosme e Damião era Nó: Os filhos da senhora moram onde?
como? Quem fazia esses doces?
P: Cada um para um canto. Ih, vai ca-
P: A dona ia e trazia do mercado. sando… mas no domingo, minha filha,
Porque o marido dela era fiscal lá no isso aqui enche.
mercado. Era muito legal, coisa boa
Nó: E como é que a senhora passa no
mesmo. Essa festa da igreja também
domingo?
era coisa muito boa. Porque a última
que fizeram aqui, menina mas que P: Eu sou a primeira a comer e falar
coisa linda, ficou na história mesmo. mas tá é boa! E depois eu chamo “tá
Deu meia noite quando acabou a pronto fulano” “tá pronto fulana” e
festa. Mas que coisa. Ih, tem quan- ninguém vem.
tos anos filha?
Nó: E o que eles gostam mais que a
M: Tem tantos anos mãe, eu estava senhora cozinha?
na adolescência. Foi em noventa e...
P: Minha feijoada é gostosa. Meu caldo.
dois?
Faz um tempero gostoso. Mas seu eu
Nó: E por que parou de ter essas estiver cansada ou com raiva eu não
festas? faço. Por que você vai fazer? Porque
cozinhar com amor é o principal.
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P: Para minha idade acho que tem


que deixar para os jovens. Mas eu Nó: A senhora já provou essa uva preta
gosto de jovens, gosto mesmo. Eu que nasceu misturada com a rosé?
participava do grupo ali da Igreja, eu
P: Ainda não, essa que veio para cá é
era a vovó dos jovens. Isso era gos-
a rosé e agora ela casou com a outra e
toso, porque a gente viajava... era
deu uva preta. Mas eu não queria essa
até ruim, toda hora vinham falando
não, queria era a rosé, que é diferente.
“a cama da senhora está pronta”, ou

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

A terceira casa que visitamos é de uma Nó: Ah sei, ali no norte. A senhora
família que planta há muitos anos. A plantava lá também?
senhora compartilha suas ervas com
A: Lá eu não mexia com planta não.
vizinhas, e seus netos cozinham para a
Trabalhava com lavoura… Não dava
família e para fora.
tempo não, mexer com horta.
A: Você veio buscar chá? Nó: Todos seus filhos moram aqui
Nó: O que é? em BH?
A: É poejo. Vai levar para ela. A: Nem todos.
Nó: É bom para que? Nó: Mas todos tem gosto para plan-
tar?
A: Para gripe né?
A: Eu planto para eles. Quando pre-
Nó: E você planta aqui? cisa eu dou.
A: Eu planto poejo, hortelã, cebolinha, Nó: Como você começou a plantar?
babosa.
A: Veio um amigo meu aqui e olhou
Nó: E você usa tudo? para minha horta e deu para mim
A: Uso. Agora esses dias não estou até uma semente…
muito bem, aí meu filho está cuidando. Nó: Como que é esse chá?
Nó: A gente está fazendo uma pesqui- A: Esse é pra saúde da criança. Esse
sa com os meninos do ProJovem para aqui é algodão, esse funcho, hor-
entender o que as pessoas plantam em telã. Esse aqui é o poejo. Esse aqui
suas casas. eu não sei o que que é., acho que é
A: Ora-pro-nóbis eu tenho na minha gengibre.
horta também. Nó: E como você aprendeu essas
Nó: Você é cozinheira né? receitas com chá?
A: Eu? Ninguém conta. A: Da cabeça, das ideias. Tá tudo
aqui. Eu não gosto de tomar remé-
Nó: Tem quanto tempo que a senho- dio, eu gosto de tomar chá.
ra planta aqui? Desde quando você
chegou? Nó: O remédio é uma indústria né?
Que quer te ver sempre dependen-
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A: É! Graças a Deus. te.


Nó: A senhora é de Belo Horizonte A: Nossa agora a um tempo atrás
mesmo? aqui tava cheio de almeirão e alfa-
A: Não, nós somos do interior. ce. Você precisava de ver o quanto
que tinha. Tinha muita mesmo.
Nó: De onde?
Nó: E quando tem muita assim você
A: De Governador Valadares.
distribui?

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017
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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

N: Distribui né? Ela não podia mexer ali na trincheira? Na contorno? Ela
porque estava com pé inchado... trabalhou numa casa ali de muitos
anos de cozinheira. Esse daí está
Nó: O pé você tratou com alguma plan-
fazendo curso de gastronomia.
ta ou tomou remédio?
Nó: E você gosta de cozinhar que
A: Quando eu vou no médico o único
tipo de coisa?
remédio que eu uso é o de pressão e
assim para dor… aí o resto eu prefiro P: Eu faço de tudo, desde o básico
tratar com chá. até elaborado, o que precisar de
fazer. Igual eu tinha que fazer um
N: Como você descobriu que eu estou
trabalho para escola, fiz um boli-
cozinhando?
nho de batata recheado de carne
H: O tropeiro que você vende, ue. Nós moída. Frito.
já comemos.
N: Deu trabalho para ele coitado.
Nó: Você faz em casa mesmo?
P: Eu falei: eu vou fazer com carne
N: A um tempo atrás eu estava fazen- e vou fazer assado. Coloquei carne,
do. Mas eu trabalho é com idoso, sou cebola, pus farinha de pão, passei
cuidadora. molho, empanei e ficou uma delícia.
Nó: Mas daí você faz em dia de evento? Nó: E por que você escolheu gastro-
N: Faço nomia?

Nó: Você vende onde? P: Porque sempre gostei de cozi-


nhar, e não tem nada melhor do
N: Em casa mesmo. que escutar uma pessoa que está
Nó: Aí quando você faz você avisa comendo elogiar o seu trabalho.
como que vai ter? Nó: Dá prazer né?
N: Quando tem meus meninos falam, P: Sim. Domingo mesmo veio meu
põe no facebook, daí eu faço. Mas falar colega aqui comer lasanha com
para vocês, tem um macarrão perfeito. molho branco.
Você pica o alho, depois pica o bacon,
aí frita. Depois vc pica cebolinha, cheiro N: A comida só tem uma coisa, você
verde e camarão. Cebola e tomate. Aí tem que fazer… igual meu filho fala,
você mistura ali com o que já ta frito a comida da minha mãe pode ser
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joga e da uma misturada. Daí você co- arroz com feijão mas é uma delí-
loca o verde; cebolinha salsinha, o que cia. Mas tem que fazer com amor.
você quiser… A minha mãe usava muito Entendeu? Se você faz com amor e
tempero mas tudo natural. Picava o carinho, aquilo que vcoê come vai
alho, a cebola. Nada de tempero indus- estar uma delícia. Tem aquelas pes-
trial. Mas ela fazia todo tipo de comida. soas que reclamam “que porcaria,
Quando a gente veio aqui para Belo só tem arroz e feijão” e não sentem
Horizonte ele tinha 12 anos. Daí sabe prazer em fazer.

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

P: Igual minha colega ela é mulher vem comida pronta geralmente são
e me pergunta “não sei onde você produtos que já estão vencendo, eles
tem tanta paciência para cozinhar. colocam um tanto de conservante e
Eu cozinho por causa do meu filho, vendem para o consumidor.
se não fosse por ele nem na cozinha
Nó: A comida que eles chamam de con-
eu entrava”.
gelada, aquilo não é bom não. É bom
N: Eu gosto de experimentar sabe? fazer na hora mesmo.
Pensei, sonhei e fiz. Eu invento e
P: Outro dia eu vi uma reportagem um
faço dar certo. Eu não anoto. Outro
senhor falando que nem chama isso de
dia meu filho falou, que ele é gar-
comida, chama de produto comestível.
çom, que eu nunca ia conseguir tra-
Porque comida mesmo é o que a gente
balhar com cardápio. Dá vontade de
colhe, cozinha né…
fazer mesmo um restaurante sabe?
N: É, igual o macarrão. Eu trabalhei
P: Ali também quem cozinha bem:
com uma senhora ela é italiana. Você
comida simples, caseira…
sabe um macarrão do tipo bico de
A: Eu não sou de misturar assim pato? Ele é um macarrão grosso, aí o
não.. feijão, arroz, angu, abóbora, que acontece. Ela picava presunto e
chuchu, tomate, pimentão. mussarela, deixava na água 15 minutos,
aí ela fazia o molho e punha camada
Nó: E tem alguma coisa muito dife-
por camada, camada por camada…. daí
rente que você aprendeu na escola
vinha com o molho diferente, daí outra
de gastronomia?
camada. Ele é tipo uma lasanha, só que
P: Eu estava na teórica. Hoje vai com o próprio macarrão, recheado em
começar a prática. cada camada.
Nó: Mas na teoria aprendeu algo Nó: É muito diferente de você comprar
novo? uma comida pronta né? Você não sabe
o que vem em uma comida pronta.
P: Nossa, praticamente tudo né.
Você sabe que está escrito um tanto
Porque igual acontece, é muita
de nome que a gente não entende. Mas
coisa que vc ve no supermercado e
não tem como garantir nada.
fala assim “a partir de hoje eu não
entro mais naquele supermercado, N: Exatamente. Então a comida con-
açougue”, a pessoa fica com todos gelada, ela não tem um sabor igual a
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sentidos mais aguçados em questão comida feita na hora.


de alimentação.
Nó: Igual esses molhos brancos, pode
Nó: Você fala do supermercado por ser farinhado que a gente nunca vai
causa dos produtos industrializa- saber. Sabe? Não tem como a gente
dos? saber.
P: Também. Igual meu professor P: Você só sente o gosto, mas não sabe
chegou e falou que essas latas que o que é.

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Passeio pelos quintais – ProJovem 6 de abril de 2017

Nó: E pode ser até um gosto gostoso,


mas ser tóxico para gente.
N: Igual você vê la. Eu inventei uma vez
lasanha de arroz. Sabe o que aconte-
ce? Vai fazer um prato só. A lasanha
de arroz é igual você faz a lasanha. Só
que você coloca uma camada de arroz
de molho… não sobra arroz? As vezes
muita gente joga ele fora. mas o que
acontece, você pica a cebolinha, tem-
pere, refoga ele. Aí você põe uma ca-
mada de arroz, uma de molho, presunto
e mussarela. Por último você pega um
pote de requeijão e põe por cima para
gratinar. Aí faz uma salada de alface e
não precisa de mais nada.
Nó: Você já tem todos nutrientes, né?
N: Exatamente. Mas essa lasanha de
arroz fui eu mesma que inventei.
Nó: É bom ser inventivo na cozinha né?
Porque sempre vira coisa nova, não fica
sempre a mesma coisa. E hoje na aula
prática vai ser o que, você sabe?
P: Vai ser degustação.
Nó: Há quanto tempo você está fazen-
do?
P: Há um mês. E dura dois anos e meio. 85

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Mutirões 08, 14, 21 e 28 de abril de 2017

duração: 09 às 19h
local: Morro Verde
público estimado: cerca de 30 pessoas por dia
de onde vem: As áreas abaixo da linha de transmissão de
energia que atravessam o Morro das Pedras foram removi-
das por obras públicas, que nunca foram concluídas. O His-
tória em Construção se articulou com um grupo de vizinhos
de uma dessas áreas de remoção para a construção de uma
horta comunitária, batizada de Morro Verde.
processo: O início dos mutirões para remoção dos entulhos
que estavam há mais de 5 anos no terreno se deu quando a
Cozinha Comum Itinerante estava em posse compartilhada
com o História em Construção. O grupo de moradores do
Morro das Pedras utilizou a cozinha para realizar preparo de
refeições para todos que trabalhavam no projeto.
efeito: A cozinha contribuiu para movimentar os mutirões,
pessoas se aproximavam, interessadas pelo equipamento e
pelo cheiro dos preparos. As refeições eram feitas por um
grupo de crianças e adultos, que as ensinavam como fazer
receitas, enquanto outro grupo trabalhava na horta. Crian-
86

ças que não tinham hábito de cozinhar em casa iam apren-


dendo com pessoas mais velhas a manusear utensílios e
fazer a comida.
cardápio: Arroz, feijão, arroz temperado com milho e oréga-
no, macarrão com legumes, saladas.

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Saberes culinários da família Canuto 15 de abril de 2017

duração: 8 às 20h
local: Beco dos Canutos
público estimado: 60 pessoas
de onde vem: Durante nossas visitas às famílias tradicionais
do Morro das Pedras construímos uma relação afetiva especial
com os Canutos. A família reside no lugar há cerca de 50 anos,
acompanhando muitas das transformações do território, algu-
mas vezes refletidas em sua alimentação. Com eles aprendemos
muito sobre receitas, histórias, lutas, cultura e modos de vida
consciente. Decidimos junto a alguns membros da família levar
a Cozinha Itinerante até o beco que leva o nome deles, para
realizar um evento de memória gustativa.
processo: Construímos junto com eles um cardápio. Uma das
irmãs, há mais de um ano vegetariana, incluiu receitas tradicio-
nais repensadas de forma a não usar carne. Durante o evento
a família se reuniu para cozinhar e fazer samba, movimentando
várias pessoas da vizinhança, num lugar de encontro, confrater-
nização e troca. Algumas pessoas levaram ingredientes de seus
quintais, como pau doce e folhas de louro.
efeito: Nas conversas durante o evento conhecemos muitas
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histórias sobre a comunidade, a família e o território. O momen-


to de confraternização na rua foi muito apreciado pela família e
vizinhança, valorizando a produção cultural e tradição presente
nas práticas da família Canuto.
cardápio: Feijoada, canjiquinha com suã, canjiquinha vegana
com ora-pro-nóbis, estrogonofe vegetariano de abobrinha, café,
caipirinha.

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Saberes culinários da família Canuto 15 de abril de 2017
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Saberes culinários da família Canuto 15 de abril de 2017

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Preparo de quibe – ProJovem 15 de abril de 2017

duração: 03 horas
local: História em Construção
público estimado: 12 pessoas
de onde vem: Para esta oficina a ideia foi apresentar uma
releitura de um prato que todos conhecem, o quibe, introdu-
zindo na receita a abóbora, ingrediente nutritivo e tradicional
da culinária mineira.
processo: Propusemos uma dinâmica na qual cada jovem
prepararia um quibe para dar de presente a outro; assim,
mais pessoas participariam do processo. Logo eles começa-
ram a se articular e a criar parcerias, combinando entre si as
trocas da comida e como iam querer o seu salgado.
efeito: Um vizinho participou ativamente do processo, além
de ensinar aos jovens algumas técnicas de cozinha, saiu,
comprou utensílios para o preparo de café e levou biscoito
para os alunos comerem. Uma das alunas nos contou que
não come quibe, mas que dessa maneira ela havia gostado
e que poderia ser vendido, ela levou parte da massa para
cozinhar para sua família.
cardápio: Quibe vegano de abóbora, biscoitos e café
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Festival da Quebrada 29 de abril de 2017

duração: 12 horas
local: Rua no Conjunto Santa Maria, localizado ao lado do Mor-
ro das Pedras
público estimado: 400 pessoas
de onde vem: O Festival da Quebrada é um acontecimento
cultural do Conjunto Santa Maria, organizado pelos próprios
moradores do local. Foi uma decisão dos realizadores utilizar
a verba que seria gasta para produção de comida de camarim
para fazer refeições para todo o público do festival e articular
essa produção com cozinheiras locais da comunidade. Fomos
convidados para sermos parceiros nesse preparo e utilizarmos
a Cozinha Comum Itinerante como estrutura para ele acontecer
na rua.
processo: Junto com as cozinheiras criamos um cardápio. Elas
trouxeram a preocupação de ser uma comida popular e bem
apresentada, para as pessoas do evento verem que o preparo
foi um processo cuidadoso. Cozinhamos o dia inteiro, alimen-
tando todos os presentes no almoço, fornecendo lanche para
as crianças e janta para os artistas.
efeito: Observamos que a cozinha na rua afetou de forma
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positiva a dinâmica do espaço, atraindo vizinhos ao preparo e


permitindo trocas e cooperações diversas. Conhecemos vá-
rios moradores que nos contaram da história do conjunto e da
comunidade. A cozinha coletiva despertou várias lembranças e
permitiu a partilha de muitas ideias.
cardápio: Macarrão com molho de carne, macarrão vegetariano,
salada, cachorro quente, pipoca.

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Troca de mudas no dia das mães 14 de maio de 2017

duração: 4 horas
local: Rua Principal
público estimado: 50 pessoas
de onde vem: Fomos convidados pelos moradores do Morro
das Pedras para participar do evento comunitário de cele-
bração do dia das mães. Como o evento esperava um públi-
co muito grande, decidimos não trabalhar com a produção
de comida mas realizar uma troca de mudas, receitas e pre-
paro de chás, aproveitando a oportunidade para apresentar
o Morro Verde a outros moradores do Morro.
processo: A escolha das mudas para o evento foi feita a
partir de nossa observação de plantas convencionais dos
quintais, que nos levaram a procurar mudas não tão comuns
na região e que poderiam despertar maior interesse dos mo-
radores. Nossa escolha também levou em conta as plantas
com propriedades medicinais, para provocar conversas a
respeito de seu uso, e plantas alimentícias não convencio-
nais que não havíamos encontrado por lá, para introduzir-
mos outros cultivos no cotidiano do local.
efeito: A proposta permitiu a coleta de receitas, dicas de cui-
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dado com plantas, visita a quintais e várias conversas com


os moradores.
cardápio: Chá de capim cidreira, chá de hortelã.
mudas: Carqueja, citronela, capuchinha, terramicina, alfa-
vaca, alfavaca cravo, nirá, guaco, peixinho, levante, guiné,
melissa, luzia, funcho, orégano, cânfora, alho social.

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Troca de mudas no dia das mães 14 de maio de 2017

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Outras conversas

Conversa com uma moradora da


Vila da Antena que cuida da horta
comunitária (Morro Verde). Nos
encontramos lá em um sábado e ela
nos convidou para conhecer sua
casa, seu quintal e sua horta.

C: Que horta linda! Podemos tirar


algumas fotos?
G: Claro, quase todo mundo que vem
aqui pede.
H: Isso aqui vai dar mamão demais
uai.
G: Ah, esse já é outro. Esse eu não sei
G: Vai dar muito não, porque o mamão te informar não. Só sei que esse é para
tá miudinho, então não vai dar muito aquelas pessoas que não gostam de
não. comer quiabo com semente.
T: Há quanto tempo você cultiva T: Ah, ele não tem semente?
aqui?
G: Ele tem semente, mas ela é mais fácil
G: Ó, tem sete anos que eu moro aqui, para tirar.
quando eu cheguei aqui esse barraco
P: Será que ele dá menos baba?
tava praticamente no chão.
G: Dá menos baba! Mas a baba do quia-
T: Mas não tinha nada plantado?
bo é muito fácil para tirar! É só pegar um
G: Só capim navalha. Daqueles capim tomate de vez e cortar no meio dele, na
navalha que passa na gente e corta hora que você por ele lá, já vai a baba
tudo. Isso aqui já deu mamão para toda.
mim dar, para mim vender… Olha os
P: Antes de cozinhar?
pés de quiabo, olha para você ver. E aí
eu deixei ele endurecer e aí ó (amassa G: Na hora que você acabar de refogar
o quiabo com uma mão) tá tudo duro, ele. Refogou ele, aí soltou a baba você
não presta mais. joga um tomate descascado de vez lá
que a baba dele vai embora na hora. Aqui
P: Isso é quiabo? Ele é diferente.
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ó o que eu vou te dar, está até seco aqui


T: Mas ele dá para comer quando ó.
chega nesse tamanho?
P: Quando ele tá seco assim dá para tirar
G: É, para comer. a semente?
T: Mas é da mesma espécie daquele G: Dá. Tá caindo já, se não pegar cai.
que encontramos no mercado? Esse aqui é chuchu, esse eu fiz um negó-
cio nele assim ó, aqui nesses canos. ele

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Outras conversas

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Outras conversas

vinha aqui e ia até lá no vizinho. Daí


o vizinho foi fazer o muro e derrubou
tudo para baixo, aí ficou assim. Aí eu
não tô com muito tempo não, e tem
isso para arrumar mas não tenho tem-
po não. (...) Agora ó. Esse pé aqui deu
mamão. Esse aqui também deu muito
mamão. Ele tá lá no alto.
P: Olha tem muito pé de cana!
G: Ah, você gosta de cana? Quer levar
uma?
P: Uai, quero!
assim em volta. Quando vai dando muito
G: Ultimamente graças a Deus quan-
assim eu tenho que tirar e jogar fora.
do alguém vem aqui tem sempre coisa
Não tem para quem dar.
para dar.

P: Aqui você está secando jiló né?
G: Aqui, o chuchu daqui é verdinho, olha.
G: Não, não é que eu tô secando jiló.
Verdinho, verdinho. Ali, atrás daquela fo-
O jiló era para estar seco. É que a
lha. Ali do lado também tem. Ele costuma
chuva veio e molhou ele.
crescer e cair aí para o chão.
T: Ele é para as galinhas ou para
T: Gente, quando você chegou aqui
comer?
então não tinha nada? Você plantou isso
G: Não, é para secar, para pegar a tudo?
semente para espalhar, né? Aí depois
G: Nada. Nada. Não tinha saúde não. Eu
eu venho aqui e pego ele.
comecei com couve. Aí depois eu plantei
T: As galinhas você cria onde? o chuchu. Aí depois eu busquei as taio-
G: Eu vou te mostrar. Temos que en- bas lá embaixo perto do posto de saúde.
trar lá dentro para te mostrar. T: Buscou onde lá?
G: Olha aqui para você ver como a G: Longe demais. Desce toda vida. O
couve é tão danada. Plantei essa moço falou assim ó, eu falei “ô moço, me
couve aqui a tanto tempo e ela está
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dá uma muda de taioba” ele respondeu


dando muda! Semente de couve! “oh moça, arranca tudo e leva aí para
C: Eu não sabia que couve tem se- mim por favor, é bom que você limpa
mente! aqui para nós”.

G: A gente compra semente de cou- T: Era no lote dele?


ve! Mas ela não sai a semente, já sai G: Sim, no lote dele. Ele falou “então
as sementeiras, aquele tanto de muda você limpa aqui para mim”, aí levamos

T2

Outras conversas

essas taiobas para limpar e comer. Mas está descuidado! (mostra uma praga
não tinha ferramenta não. Só que a taio- dando em algumas folhas)
ba é assim, a folha dela desenrolou tem
T: E como você cuida dessas pragas?
que tirar. Porque se deixar ela começa a
amarelar daí já perde. G: É com detergente de coco. Eu
tenho aqui e jogo a água com o de-
T: Senão ela fica grande também né.
tergente de coco bem forte. Aí depois
G: Não. Isso depende do tamanho da eu venho com outra água e enxáguo.
batata. Se for pequenininha a folha vai E as folhas que estão muito contami-
ser pequena. Se a batata for grande vai nadas eu tiro para não passar para as
dar folha grande! outras. É o único remédio que eu sei
para usar.
T: Quanto mais velha ela vai ficando as
folhas vão se tornando maiores? T: Coisa química você compra?
G: É, e se a gente não tirar a folha, aí dá G: Não não, porque é tudo natural
muda. E se a gente tirar aí não dá muda. né… Nem adubo a gente pode pôr
É muito legal mexer com planta, eu amo muito. Eu ponho muito adubo do
mexer. Isso daqui eu ganhei um galhinho galinheiro.
desse tamaninho assim...
P: Casca de banana também é muito
T: De quem? bom!
G: Dessa dona que mora aqui em cima. G: Todas as cascas são boas! Essa
Ela perguntou, “você quer um galhinho daqui, chama macaé. Ela é remédio
de elevante? Você anda tão nervosa…” para dor de barriga e gripe. Só que
Aí eu falei “eu quero um galhinho”, ela para dor de barriga a gente esfrega
tirou um bem pequeno e me deu. Levei ela em água fria. E para gripe a gente
e plantei ali naquele cantinho mas o ne- pega ela, ferve a água, joga e abafa
gócio ficou grande. Foi até ali na frente e daí a pouco toma ela quentinha e dor-
estava tomando conta. me que ela joga a friagem do corpo
toda para fora.
T: Mas é um tipo de hortelã?
C: Você conhece tanto da proprieda-
G: É, um tipo, da família do hortelã.
de das plantas. Você chega a tomar
T: Nossa, muito lindo isso tão pequeno remédio?
virar isso tudo. Foi muito tempo né?
G: Nada. Eu sou analfabeta.
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G: Muito tempo nada menino! À medida


C: Mas olha o tanto de coisa que já
que a gente vai jogando aí já vai virando
nos ensinou.
grande. Essa abóbora aí você acha que
eu plantei? Precisa plantar não, tudo T: E onde você foi aprendendo tudo
que eu jogo aqui já nasce! Você viu ali isso?
meu pé de couve como está cheinho de
G: Eu fui aprendendo comigo mesma,
muda? Aqui ó. Ó o que eu falei para você,
as galinhas também aprendi a cuidar

T2

Outras conversas

delas comigo mesma. Agora mesmo que é nossa! Vem cá para vocês verem
elas estão doentes, vou te mostrar os galos que eu tenho.
daqui à pouco.
(entramos pela casa dela)
T: E quando elas estão doentes o que
H: O que é que você faz com as cascas
você faz para tratar?
de ovo?
G: Ó, eu chego lá e vejo que a galinha
G: Olha, eu costumo fazer cálcio. Eu lavo
tá meio triste e não tá te escutando. O
bem lavadinho, deixo secar em cima da
moço fala para dar remédio para ela,
bancada, aí eu levo na panela, seca bem
aí eu penso, como vou dar remédio
sequinho. Vou torrando e vou quebrando,
para elas?
aquele restinho que sobra que ficou meio
– espedaçado eu levo no liquidifcador seco
sem água, bato, e aí eu ponho na comida.
G: Olha esse dedo de moça como tá
Aí ela fica assim esfarinhada tá vendo?
grande! Falam comigo para pegar um
Tem gente que torra no forno, eu prefiro
copo daqueles de cachaça, encher de
na panela porque vai misturando e já vai
água e por uma medidinha daquelas
quebrando. Você não pode bater tudo
e encher de dedo de moça. E tá tudo
de uma vez não. Você vai lá, bate, deixa
muito grande, temos que passar para
descansar, aí vai descer a poeira que é
horta. Ali, ó, as morangas. E pessoa
da casca do ovo. Aí depois você vai lá, dá
já veio aqui e já comprou umas 6
outra batida, é aos pouquinhos. Com ovo
morangas.
branco não é muito bom, tem que fazer
H: Você já tem moranga madura? mesmo com ovos de galinha capirira.
G: Tem uma quase madura ali. Mas as Eles têm mais cálcio porque as galinhas
pessoas sempre querem comer ela são mais alimentadas com mais verdura,
verde. Falam para antes de amadure- coisa diferente. Tem ração também, mas
cer eu dar. Porque é mais gostosa ela come muito brócolis… Quando eu parei
verde ne. Esse pessoal da roça mais de mexer com verdura elas sentiram um
antigo gosta de comer assim, porque pouco, a verdura delas caiu um cado.
já é acostumado. Então quem vem é Elas tavam acostumando um pouco com
só essas pessoas assim, comprar uma as folhas.
couve… aí eu tenho que cuidar. H: E os pintinhos?
H: Mas ela depois fica amarelinha, né? G: Os pintinhos já viraram galo, já foram
98

G: Agora ela tá com a cor meio des- para barriga…


botada. Precisa cuidar, é muita coisa, H: Outro dia vim aqui e estava muito
eu tenho que tirar para plantar em cheio!
um outro lugar porque a abóbora saiu
P: Nossa, que galinha gigante.
destruindo as plantas todas. Tem que
tirar com cuidado para levar para sua G: É gigante não, é sapateira. Elas co-
hortinha…. Nossa hortinha! Ele falou mem ração de cachorro, ração de cresci-

T2

Outras conversas

mento, milho, tá vendo?


P: E essa galinha deitada aqui, preguiço-
sa!
G: Ela tá chocando!
T: Fica quantos dias chocando?
G: É 22! Aqui ó, essas daqui tão fazendo
cocô branco. Tem que tomar remédio.
São poucas pessoas que mexem com
esse tipo de galinha, dá muito trabalho.
T: E esse poleiro, dormem todas aí?
G: Não, só as menorzinhas aqui. As gran-
des dormem lá. Essa aqui ó, ela teve uns não choca. Ela não aguenta chocar.
pintinhos, aí essa é criosa, gosta de colo –
e tudo. Agora ela tá meio fraquinha…
G: Você não come carne não? Ah, eu
P: Como que ela chama? não como é carne congelada. Ah aqui
G: É Criosa! Eu tinha Ana Paula, Vitória ó, todas eu que cuidei. Se chegar para
não sei o que lá, só que uma hora falei mim e perguntar quanto é a galinha
que ia parar de pôr nome. Agora só essa e depois vir dizendo “mas você limpa
que tem. E eu tenho que ficar procuran- ela para mim?”, eu limpo, mas daí tem
do quem vai querer esse tanto de ovos. que me pagar a limpeza da galinha
né? “Quanto você vai me cobrar?” “5
T: Quantos mais ou menos que dá? reais, para entregar ela morta e limpi-
G: Todo dia a galinha põe ovo, aqui está nha”. E pode ser uma que eu cuidava,
na faixa de 15. Um por galinha. quantos pintinhos não dormem do
lado da minha cama dentro da minha
T: E o pessoal compra na vizinhança? casa... Olha aqui para você ver quan-
G: Compra! do a galinha tá chocando. Quando
a galinha quer chocar, não tem jeito,
T: Mas como é que eles ficam sabendo? tem que deixar.
A senhora anuncia?
H: Você não tinha um pato também?
G: Eu quando vendo verdura saio fa-
99

lando que vendo galo caipira, a galinha G: Tinha, mas eu fiz uma burrada, por-
caipira, ovos… que eu estava precisando de dinheiro
para comprar um gás, aí eu peguei
T: Você vende galinha também? o meu galo bonito e dei para aquele
G: Vendo. A pessoa escolhe, aí eu vejo homem. Aí ele colocou naquele cai-
se tá com saúde. Você sabe que galinha xotinho lé em cima olha (aponta para
é mais cara que o galo né? Essa galinha um cercadinho na laje do vizinho). Eu
aqui tá na faixa de 35 reais, porque essa fiquei com dó, fui pegar o galo de vol-

T2

Outras conversas

ta. Ele falou que queria dois frangos


e o pato. E eu falei que ia dar só para
comer ele, porque não queria ver ele
sofrendo desse jeito não. Aí ele já es-
tragou o galo, porque galo não pode
dormir no chão. Se dormir no chão
perde peso e de repente já começa a
adoecer. Minhas galinhas gostam de
dormir no poleiro esparramada, não
gosta de poleiro fininho não. Por isso
que tem que por essas tábuas assim.
T: Os pintinhos pequenos assim dor-
mem no chão mesmo?
G: Tudo tudo! A menina que mora aqui
G: Não, os pequenininhos eu tenho
do lado é muito gente boa. Mas aí teve
mais cuidado com eles. Esses maiorzi-
briga porque a mulher queria pegar o
nhos aqui dormem aqui. Esses filhoti-
quintal todo aqui, pegar lá na frente
nhos são aqui nessas prateleiras com
tudo, e eu falei “ó, sua divisa é pra lá” e
cobertinha, eles mesmos entram.
peguei e arrumei tudo. Ela plantou um pé
T: Eles sentem muito frio? de ora-pro-nóbis ali, tá vendo?
G: Sente não, porque tem a pena né? T: Ah, isso que ia te perguntar, não tinha
Mas galinha é muito fraca, adoece visto ora-pro-nóbis aqui até agora, e
atoa. todo mundo tem.
T: E aqui venta muito né? Você criava G: Eu tenho também. Mas as galinhas
galinha antes de mudar pra cá? não deixam, elas vão comendo.
G: Tinha quando era criança, eu saí T: O espinho não machuca elas não?
daqui com 16 anos. Aí um cado de
G: Machuca se tiver velho. Se estiver
gente morou no barraco quando
novo não. Eu plantei um esses dias aqui
minha mãe deixou ele aí.
e aqui ó, elas já vieram aqui e já come-
T: E onde você prefere morar? ram. Mas o galho velho elas não comem.
Esse aqui fazia parte dessa casa aqui,
G: Eu prefiro aqui, lá onde eu morava
mas minha irmã já vendeu. Você sabe
tinha baile funk todo dia, muito ba-
100

que isso é remédio também né?


rulho e confusão. O cara que morava
do meu lado cheirava direto! Zeca T: É boldo? Nunca vi um desse tamanho!
Pagodinho e aquele outro zuando o
G: Aqui eu tenho uma mão. Não é só eu
ouvido. Eu pensei, “vou morrer aqui”,
não, Sidney também. A gente não precisa
e mudei.
plantar abóbora não. A gente joga.
T: Nossa. Mas você já construiu tanta
T: As galinhas não comem o boldo não?
coisa… a casa, toda essa plantação.

T2

Outras conversas

G: Comem, e é ótimo para elas. Mas é eu plantei. Eu tenho minhas plantas. A


muito pouco, só as folhinhas debaixo. samambaia, a orquídea, que está com
Elas não gostam muito não, porque flor. Eu gosto muito dessas coisinhas,
amarga demais. Agora as florzinhas elas toda vida eu gostei.
comem muito.

T: E é bom para elas?
G: Tá comendo pouco, querido. Na
G: Elas comem coisa que faz mal tam- sua casa só come rúcula e manga né?
bém. Joga arroz ali que elas veem (...) Eu sei mais ou menos o que de
correndo. Arroz mata elas, mesmo assim verdura eles gostam, porque compra-
elas estão doentes e comem arroz. vam muito da minha mão.
Porque o arroz não tem vitamina, e ainda
P: Mas essas coisas você já não tem
tem gordura e sal. O organismo delas
mais aqui não?
não acostuma.
G: Não! A rúcula eu buscava longe.
T: Você vê muita diferença aqui no morro
Rúcula, manga, almeirão. Eu buscava
de quando você era criança para cá?
lá em Neves ou lá em Contagem. Lá
Essas duas épocas diferentes em que
é horta mesmo, de madrugada eles
morou aqui.
estão ali. Eu gosto de trabalhar com
G: Oh eu vejo diferença… Eu cheguei coisa natural e lá eles não colocam
foi com 4 anos, depois eu sai com 16. E nada não.
voltei com 47. Agora eu estou com 53.
T: Você saía vendendo em carrinho?
P: Com quatro anos você veio então para
G: Eu tenho um balaio. Depois que eu
essa casa?
conheci esse rapaz daí ele começou a
G: Era um comodinho só. Um comodii- vender no carrinho. Eu já não estava
nho pequeninho e o quintal era grande. aguentando mais de dor e parei. Eu
A gente foi tirando barranco e usando o tinha dois cestos. Enchia um de alface
adobe para fazer casa. Que minha mãe e almeirão. Outro de couve, taioba e
estava sem meu pai. Depois ele des- alguma coisa. Cana eu pegava e cor-
cobriu que a gente estava aqui e veio tava uma bitelona punha nas costas.
ajudar a fazer o adobe, tem parede aí E começaram a comprar na minha
que é de adobe. mão. E vendia bem! A 8 ou 10 conto a
cana. A gente tem que saber se virar
T: Com a terra daqui mesmo?
na vida né? Eu se fosse vocês levava
101

G: Isso. Mas esse daqui não, essa parte um pedacinho para chupar em casa,
eu mesma que levantei! Eu pus os tijolos não vou vender para vocês. Eu levava
furados. Essa parte de adobo eu paguei lá. Agora não estou saindo mais para
para rebocar. vender, o povo não tá comprando
P: Você fez muita coisa aqui né? mais. Mas quando vem alguém eu
ranco e dou, não nego.
G: É, eu gosto muito de plantar. Toda vida

T2

Outras conversas

Durante um evento o Festival da falou isso! Ninguém nem vê mais cana


Quebrada cozinhamos com algumas plantada, né?
moradoras do Morro das Pedras. Uma
delas nos convidou para um café, uma H: Você tem que conhecer o quintal dela,
caipirinha e uma prosa em sua casa na tem umas canas enormes.
semana seguinte.
J: Eu queria ter um quintal assim, só para
ter essas coisas. Tudo saudável né. A
H: Sobrou muito trabalho aquele dia?
gente não aproveita o espaço.
J: No outro dia eu e minha filha arru-
T: Aqui no Conjunto Santa Maria as casas
mamos a casa, a louça…
já tiveram espaço para horta?
H: Vocês cozinharam aqui dentro?
J: Sempre teve, mas o pessoal vai cons-
J: Não, a gente trouxe aqueles carri- truindo e vai perdendo espaço. A família
nhos de cozinha e deixamos aqui fora. vai crescendo. Ali para baixo tinha uma
Todo mundo gostou demais né? Todo pessoa que plantava, mas agora não
mundo elogiou. O povo foi comendo… mais. O pessoal de hoje, menino não sabe
A gente ficou o dia servindo comida! nem o que é quintal. Quem gosta de plan-
Foram uns 40 pacotes de macarrão! tar é esse pessoal mais velho.
Eu pensei que ia sobrar, mas o pessoal
T: Na horta comunitária ali em cima é
comeu tudo. E todo mundo elogiou,
legal que as crianças estão tendo contato
porque normalmente quando você faz
com isso, aprendendo a colocar semente
um trem desses, pessoal acha o que
na terra.
reclamar.
J: Mas hoje o pessoal não pensa mais nis-
C: Mas acho que na cozinha é muito
so, “eu vou construir aqui mas vou deixar
difícil alguém implicar com alguma
um pedaço de terra para plantar um alfa-
coisa...
ce e outra coisa” não tem mais. Ninguém
J: Ah não, esse negócio de juntar mui- liga para isso. Também né…
ta gente as vezes dá bagunça. E não
T: Mas quando a gente planta a gente
é aquela bagunça sadia não. É aquela
sabe, de onde vem né!
coisa desorganizada. A coisa tem que
ser organizada, ficar bonitinho, se –
coloca muita gente não dá mais.
J: A gente está muito acostumado a ser
– servido. Mas a gente também vai que-
102

brando barreirinhas.Começamos a fazer a


P: A gente foi esses dias na casa de
coisa da maneira certa... A pessoa repara
uma moça e ficamos comendo cana
de que jeito foi feita aquela comida, de
um tempão.
onde que vem. Igual eu falei pra minha
J: Ah, eu estava pensando outro dia, menina, a touca é a muito importante,
porque ninguém fala que cana é fru- porque a primeira coisa que quem tá de
ta? É fruta, não é, gente? Eu acho que fora olha é se está sendo feito com higie-
a cana é fruta, não é? Ninguém nunca ne. Então põe a touquinha né! O negócio

T2

Outras conversas

é esse mesmo, no início pode estranhar o que acontece, você tem água, tem
mas depois entende que é importante. tudo bonitinho. E antigamente não, a
gente tinha que sair para poder bus-
H: Nesse sentido a coisa é muito pedagó-
car lenha, para poder buscar água, o
gica. Você consegue ver várias questões
chão a gente tinha que varrer mesmo
que a gente discute sobre educação, do
para ficar limpinho. Hoje em dia não. O
grupo, da gangue, de ser aceito… criar um
pessoal tem tudo com muita facilida-
preconceito antes de identificar a coisa,
de, porque a vida melhorou bastante.
e depois de identificar todos quererem
Temos acesso.
fazer parte. Ainda mais com criança!
C: A gente tem tanto acesso que já
J: As condições agora para estudar são
não nos deixa aprofundar nas coisas.
bem melhores do que as que a gente
tinha antes. Eu sou mais velha que você J: O seguinte, mesmo que a gente te-
né? Você tem a idade da minha filha. nha a facilidade, tenha muito acesso,
Eu tenho 53. Na minha época ainda era o pessoal não quer saber de nada. Eu
muito difícil. Hoje em dia é difícil mas ao sou um exemplo, na era que estamos
mesmo tempo é um pouco mais fácil. vivendo eu não me interesso por celu-
lar, por essas coisas. Aí com o tempo
C: Existem possibilidades de acesso, anti-
você tem tudo mas você chega aqui,
gamente era muito mais fechado.
não fala nem boa noite, bom dia. Não,
T: E tinham tudas as coisas que vocês passa direto assim, ó, nem olha para
precisavam que fazer além de estudar, sua cara. E a vida dos meus filhos é
né, coisas do dia-à-dia mesmo. Ir pegar muito diferente. Eu vou ser avó velha,
água, cuidar da família… já estou com quase 60 anos, com
idade de ser bisavó. E meu filho não
J: Sim, tinha tudo isso. E é uma geração
pensa nisso ainda. As coisas mudam
que eu falo que é super bem educada.
né. Eu estava falando um dia desses,
Porque a geração de hoje tem tudo; não
meu sobrinho chega aqui já olhando o
todos, claro. Mas o ser humano cres-
tablet. Eu pergunto “não tem caderno
ceu muito, a gente vive mais, tem mais
não? Livro?”.
possibilidade de viver melhor… A minha
casa não tinha cerâmica, a minha casa P: Mas nossa geração pegou essa
era só chão. Hoje em dia você até encera transição, na minha época de escola
a cerâmica se quiser. você ainda tinha que consultar as en-
ciclopédias. Quando eu entrei na quin-
C: Parece que hoje para essa geração é
103

ta série já começou a entrar a internet.


tudo como se fosse um caminho natural,
Então o pessoal um pouco mais novo
né, eles não conseguem entender o que
cresceu com tudo computadorizado.
tem por trás daquilo.
J: Antes você tinha que ir até a biblio-
J: Sim! E hoje a gente tem acesso às
teca. Hoje você para fazer pesquisa
coisas com muita facilidade. Né? E são
é só ir ali na máquina. É uma dife-
uma geração mal educada. São mal
rença muito grande. Mas o mundo
educados, são mal acostumados. Mas aí

T2

Outras conversas

vai mudando né. E o ser humano vai coisa muito parentesca ali que, bem, a
acompanhando essa mudança. Todo gente gosta de saber disso, conhecer
mundo vai mudando. Acho que no pessoas e ouvir suas histórias. Essa ga-
geral as pessoas vão ficando mais lera não, eles sabem fazer e não querem
individualistas. Tá mudando, mas no escutar. Não querem escutar quem já fez.
meu pensamento tá mudando muita Outro dia os meninos estavam falando
coisa para pior. de alguma música, falando que era das
antigas, mas era uma que tocava ano
C: Mas acho que ao mesmo tempo
passado. É das antiga por quê? Porque
tem uma tentativa de um grupo muito
produz muita coisa, é uma produção
pequeno aqui de criar uma resistência.
desenfreada. A referência de tempo e en-
Tentar resgatar um pouco as coisas. É
velhecimento é outra. Não é das antigas
o que eu percebo.
igual nós falamos, é o das antigas deles.
J: Mas isso porquê? Porque eu nunca
J: O lema nosso, da geração de 90 e
interessei na internet, não aprendi
anterior, era viver o momento. Hoje em
muita coisa porque não me interesso.
dia o lema é “tempo é dinheiro”. E fica
E isso influenciou meus filhos, ela
tudo completamente diferente, e reflete
mesma não se interessa muito por
em por exemplo não conseguir absorver
internet, ela lê muito.
a qualidade desse momento. Se chegar
H: Eu estava pensando nessa ques- uma pessoa mais nova aqui ele vai ficar
tão das transições, acho que é muito impaciente porque isso aqui para ele não
importante ter pessoas como você é viável. Para ele é viável mexer no novo
que relatam essa vivência, que traz jogo que lançou.
esse tempo para os meninos. E tem
P: Também tem uma coisa, se você não
essas duas coisas em contato, essa
estiver estimulando ele com a mesma
inovação tecnológica e esse tempo
intensidade não atrai ele, é outro tipo de
que eles não conhecem, esse tempo
fruição. Não tem nada a ver para alguém
do fazer, do processar, que são pro-
que está sendo estimulado o dia inteiro
cessos, são etapas. Muitos dos jovens
com outras coisas mais fortes.
hoje, até os perto da minha idade, dos
30, as gerações são muito líquidas. J: Mas a galera não é estimulada.
Porque de de 15 para 30 anos é muito

curto. De 7 para 14 é muito curto.
Então, por exemplo, vocês conseguem J: A minha menina falou que aquele dia
104

conversar com os jovens daqui de um estava todo mundo elogiando a comida,


lugar parecido. A transição de geração dizendo que foi feito com cuidado e esta-
está aqui. va gostosa.
J: Tem gente que não entra nessa T: Eu achei muito bonito aquele dia o
fase. quanto todo mundo se tratava com
cuidado. Quem estava servindo comida,
H: É, nós já temos o hábito de sentar e
quem estava recebendo. E quando falava
estabelecer essas trocas. Tem alguma

T2

Outras conversas

que não custava nada a pessoa ficava aqui ajudar em alguma coisa, nós te-
chocada de estar sendo tratada daquele mos por obrigação fazer com que ele
jeito sem ter que pagar nada. se sinta à vontade.
J: Acontece que hoje em dia o ser hu- T: Tem muito lugar, principalmen-
mano é tão interesseiro que ninguém faz te bairro de classe alta, em que as
nada em troca de nada. A maioria das pessoas não sabem receber bem.
pessoas quando faz alguma coisa é com Estão te olhando, vigiando, julgando
interesse em outra. Quando acontece o tempo todo. E para mim a cidade é
uma coisa dessas a pessoa não espera. É essa diversidade, esse tanto de gente
uma coisa que hoje em dia você não vê. diferente num mesmo lugar, e se você
Quer dizer, pode até ver, mas é difícil uma não souber conviver, ficar construindo
coisa organizada, bem feitinha. suas ilhas, você não vive a cidade.
T: E o legal é que é uma coisa da comu- J: Essa coisa de juntar é bom demais.
nidade para comunidade, que é muito O ser humano está precisando disso.
diferente quando vem alguém de fora e Então as vezes quando a gente faz
faz algo com cara de caridade. Vem da uma coisa assim e o pessoal participa,
própria comunidade e é para todo mun- respeita, é bom.
do, para acolher, integrar, conviver com
T: Hoje em dia você trabalha só de
quem é diferente.
casa?
J: É isso que estou falando, porque hoje
J: Agora vou ficar em casa, porque a
em dia ninguém tem esse contato de
firma que eu trabalhava praticamente
conversar um com o outro. A gente con-
faliu. Era uma fábrica de salgados. Aí
versa mas é aquela coisa, eu sei que todo
faliu vai fazer um ano. Um ano que es-
mundo tem sua vida, cada um tem seus
tou em casa e até agora não resolveu
compromissos, mas assim, cada um rece-
nada de acerto, e eu preciso receber
bendo cada um a coisa fica mais fácil.
porque com o dinheiro eu vou refor-
T: Eu fico feliz com um evento desses, mar aqui em casa, trocar essas telhas,
porque consegue despertar ainda que colocar uma mais bonitinha, trocar
minimamente outro sentimento nas esse piso e fazer uma lanchonetizinha
pessoas, a ideia de que a gente é melhor aqui nessa área da varanda. Aí tem
junto, respeitando, dialogando. que fazer uma coisa bonitinha.
J: A gente conviveu como se se conhe- T: Eu estava reparando que uma
105

cesse há tempos…. coisa muito positiva aqui é as casas


terem esse contato direto com a rua,
T: Sim. E eu acho legal como as pessoas
então muita gente tem seu pequeno
se envolvem, aquele moço que veio só
negócio em casa. Isso é muito bom.
fazer o carreto já chegou ajudando a
E hoje você pega esses conjuntos
picar a cebola.
Minha Casa Minha Vida, o lugar já é
J: É que tem lugares que as pessoas não super ilhado e é proibido comércio ali
sabem receber os outros. Se vem alguém dentro. Você poderia ter um comércio

T2

Outras conversas

pequeno para te dar uma autonomia, era cheia de pés de eucalipto, bem ve-
uma renda extra, mas não pode. O po- lhos, centenários. Então o trem cresceu e
der público tem que entender que as ficou grande lá, e ninguém sabia que os
pessoas precisam gerar essa renda. meninos fumavam maconha. E não tinha
esse negócio de vender não, eu lembro
J: Mas o poder público na verdade
que eles subiam ali em cima pelos pés de
quer ganhar o deles e acabar com as
eucalipto e pegavam. Teve um dia que um
favelas. Hoje em dia a gente fala co-
coronel foi fazer uma visita ali, e na hora
munidade, mas são as favelas antigas.
que ele desceu do carro e bateu o pé em
E eles querem acabar com isso, colo-
cima da lage ele reparou que tinha um
car cada um no seu lugar, e quando
trem esquisito ali. O policial respondeu
faz isso as pessoas ficam ainda mais
“sei lá, nasceu e cresceu aí, não sei de
fechadas. E aí a pessoa se subjuga
onde veio”, e esse moço pegou e subiu.
a um emprego ruim. O governo quer
Os meninos colocavam umas telhas e
acabar com isso, mas não acaba não,
tábuas lá para cima, mas ela foi crescen-
porque o Brasil tem favela demais.
do e deu para ver. Quando ele chegou lá
T: E comunidades fortes, né? Que sa- e viu tinha um pé de maconha enorme e
bem o que querem e o que precisam. cheio de folha seca. E o negócio come-
çou a circular “descobriram o pé de ma-
J: Eles querem acabar com o espaço
conha em cima da laje!”. Aí o coronel falou
da favela e colocar todo mundo em
que ia arrancar o pé. Os meninos subi-
prédio. Só que a convivência dentro
ram, invadiram a guarita, arrancaram o pé
desses prédios é precária. E acontece
de maconha e subiram a rua com ela. A
muito conflito. Colocam todo mundo
polícia atrás deles subindo o morro e as
um em cima do outro. Cada um com
folhas tudo caindo. Caia folha, a polícia
uma vida e sitaução diferente. Vira um
correndo e as galhas quebrando e eles
ambiente insuportável. E na maioria
pegando. A polícia não pegou, ninguém
das vezes o tráfico toma conta, está
viu e ninguém vê. Só sei que a semente
imperando nisso. O governo quer
dela rendeu foi maconha demais. Nin-
acabar com isso, colocar todo mundo
guém descobriu quem plantou, ninguém
ali, e quem for mais forte engole, né?
acusou ninguém, e os policiais que esta-
Eu fui criada lá em baixo no Morro
vam lá nem sabiam o que eram. Ninguém
das Pedras, ali no Cascalho. Eu conto
sabia onde fumavam, ninguém conhecia
um caso sempre, porque tinha uma
maconha. Só sei que ela rendeu muito pé
guarita ali em baixo, na Rua Bento,
de maconha, eles pegaram semente, pe-
106

no Nova Granada, do outro lado de


garam mudas… não conseguiram prender
onde é a Silva Lobo, uma das primei-
ninguém! E eu estava lá, isso é lendário,
ras guaritas que foi feita no Brasil. E
e aí que todo mundo foi descobrir o que
na época ninguém conhecia pé de
era maconha. Eles fecharam a guarita. Ela
maconha. Os meninos foram em cima
era um ponto de entrada e saída do mor-
da guarita e plantaram uma maconha,
ro, divisa da favela com os bairros. Nessa
e eles não fumavam perto dos outros
época não existiam muros. Antigamente
não, respeitavam demais. Aquela rua

T2

Outras conversas

as casas lá eram todas cercadas, essas mudam. Era aquele cigarro sem filtro.
de arame farpado. Não tinha muro. Tinha o de enrolar também. Muita
gente fumava cachimbo. E a gente ia
H: Eu lembro que o pessoal pegava
pro fogão de lenha, me pediam para
esses colchões quando ficavam velhos e
acender e chegava lá só com metade
usavam as molas para fazer grade, depois
do cigarro.
vinha e ia crescendo o ora-pro-nóbis.
Era muito prático! Imagina colocar um H: Eu sou de 1984. Eu tenho uma
colchão desses de mola e um pé para lembrança muito forte da mudança da
crescer. É arte contemporânea! casa da minha mãe e da minha avó. A
casa de lata. O chão batido. O chão
J: Eu estudava em uma escola modelo,
de piso queimado. Daí depois vem a
feita pela prefeitura. Eles davam do sa-
primeira parte de alvenaria. Eu lembro
pato ao uniforme. Depois veio o primeiro
demais. Lembro que quando chovia
colégio modelo. Eu lembro quando veio
naquela parede de lata… nossa mãe…
Tancredo Neves pra cá. Tinha o campo de
cheiro, cor, textura, tenho todas essas
São Jorge na época e eu lembro quando
lembranças.
ele veio para sua inauguração. Nós saí-
mos da escola com bandeirinha para re- J: O mato tinha um cheiro diferente.
ceber ele, cantando e tal. Ele chegou até Quando chovia, o cheiro da terra mo-
a guarita lá e falou alguma coisa. Era uma lhada era diferente.
farra, era uma festa. De vez em quando
H: As paredes da minha casa eram de
tinha banda ali na guarita, a gente saía da
lata, tipo um mosaico de lata. Abriam a
escola e ia atrás da banda. A guarita tinha
lata de óleo, abria ela assim e prega-
história viu! Mas depois que descobriu o
vam ela.
pé de maconha tiveram que fechar ela.
J: Ou aqueles tambores também.
T: Com qual idade você morou lá em
baixo? H: Até 1990 lá em casa acho que era
assim. Foi quando começou a tran-
J: Morei lá até casar! Eu casei com 22
sição. Lá em baixo ainda tinha muita
anos, então minha infância e adolescên-
casa que era assim. Na rua da pedrei-
cia foi toda lá. Eu nasci por lá mesmo.
ra, na boca do lixo. Eu lembro do fim
Mas na minha época não existia adoles-
da boca do lixo. Minha mãe conta mui-
cência não, isso eles inventaram é agora.
tas histórias Iá, nos shows do Roger.
Ficam criando nome para cada coisa. Aí
hoje você vê os meninos tudo fumando J: Gente aquilo era um espetáculo!
107

e bebendo. A gente via os pais da gente, Sua mãe deve ter a minha mesma
eles não bebiam cerveja não, era cachaça idade, 53. A gente ia no som do Roger.
mesmo, na época cerveja não tinha muito O pai dele era detetive da Civil. E ele
não. Eles tomavam as pinguinha deles, era um dos meninos, uma das primei-
fumavam o cigarrinho deles. Aprendi a ras pessoas que vi que estudou fora.
fumar de tanto acender cigarro no fogão Quando ele veio para cá era época do
de lenha. Para você ver como as coisas James Brown. James Brown já estava

T2

Outras conversas

fazendo sucesso lá, mas já tinha aque- minha mãe e as amigas dela.
la coisa da maconha, da droga, então
J: Mas na verdade hoje, o que a gente
ele vivia muito preso. Mas quando ele
fala de transexualidade como algo atual,
ia fazer os shows dele, lotava. Então
pessoal que faz cirurgia, isso já existia.
o Roger estudou lá fora, e quando ele
Pessoal já usava o famoso silicone. Todo
veio aí ele pediu o pai dele para fazer
mundo que ia para São Paulo fazia. Tinha
essa quadra, e o pai dele fez a quadra.
um pessoal que ganhava dinheiro e vinha
E ele falou para ele “só não quero
totalmente transformado, aqueles pernão,
droga”, não falava droga na época,
cintura, cabelo. Já vinham totalmente
era “entorpecente”, “tóxico” e a tal da
transformados. São Paulo é mais pra
maconha.
frente que Belo Horizonte, né? Porque
– mineiro é bem mais atrasado. Somos
muito preconceituosos.
J: Mas nessa época a gente que era
adolescente não usava droga né. A H: Até questão de informação, sô. Mar-
gente ia mesmo só para dançar. Então cela chegava lá na rua, colocava a rua de
eu lembro que começava umas 15h, cabeça para baixo. Fazia mil e uma coisas,
quando era 20h no máximo 21h, 22 queima de Judas, gincana, passeio, va-
horas tava acabando. Aí no sábado ia mos não sei o quê… era fantástico. Uma
até 23h ou meia noite. Então a gente de minhas maiores referências de agi-
dençava, mas a gente tinha hora para tadora cultural. Hoje o que me incentiva
estar em casa. 22 horas tinha que muito no rolê é a lembrança da Marcela.
estar em casa, a gente começava a
J: A Marcela quando chegava vinha com
entrar. E a gente namorava os meni-
a meia arrastão, aquela sainha, era show
nos mas os meninos não namoravam
de bola. Na minha família teve meu tio
a gente não. Então a gente dançava
Bá. Esses eventos, ele promovia tudo. Se
e 22 horas tinha que estar dentro de
falasse para ele “Bá, você enfeita o salão
casa.
para crianças?” na hora que você che-
H: Outra figurassa que tinha aqui no gasse ia estar lindo..
Morro da nossa época era a Marcela.

Que era travesti, andava com a Cida
Preta. J: E na verdade aquela rua ali, a da Gua-
rita, era das ruas mais conhecidas daqui.
J: Marcela? Ela não é viva mais não,
Tudo acontecia ali. Todos os viados se
é? A Marcela que conheci foi casada,
108

juntavam para sacudir a rua. Carnaval, o


teve dois filhos, depois foi para São
Bá era mestre, minha tia porta bandeira.
Paulo e voltou travesti.
A galera subia e atravessava. O carnaval
H: É essa mesma. Eu estou falando e a escola de samba são aqui. Depois
assim porque pela época eu lembro do ano novo, primeira segunda-feira, o
que era um rolê dela cabuloso. Era ensaio começa. A galera vinha toda. No
uma agitadora cultural muito foda. E dia de desfile ele mandava três ônibus lá
engraçado porque ela saía muito com para baixo. Porque lá em baixo tinha ala

T2

Outras conversas

de passista, tinha ala de tudo quanto é J: A gente juntava ali para separar.
jeito, colocava nos ônibus e ia embora. Todo mundo fazia junto.
H: Além disso minha mãe fala da época H: E dava para tudo mundo. Minha
que a galera veio para cá para sobreviver companheira fez uma pesquisa, as se-
do lixo. Aqui foi o primeiro aterro sanitá- nhoras contam que tinha a época de
rio de Belo Horizonte. Foi o período que peixe, como a semana santa, a época
Brasil estava passando o maior perren- de frango… aí todos os bares da favela
gue. Taxa de inflação alta, natalidade alta, tinham só peixe, ou só frango...
ditadura militar…
J: A gente comia tudo isso gente. A
J: O que o pessoal fala hoje de “reci- gente não tinha condição de comprar,
clagem”, “é reciclável”, isso para mim já ninguém comprava. Vinham os cami-
é antigo. Já fazia por necessidade. A nhoneiros e separavam. E tinha saco
gente sobrevivia do lixo. Hoje em dia não, misturava tudo lá no meio do
as pessoas ganham dinheiro. Também lixo. E eu acho que o lixo de antes era
ganhava, mas não tanto que nem hoje. bem pior do que é hoje. Porque hoje
Hoje em dia você cata uma lata, vende e você tem noção de algumas coisas.
ganha dinheiro. Mas a gente sobreviveu Antigamente não tinha essa cons-
mesmo, da comida até a roupa, o sapato. ciência. O poder de tudo é a higiene.
E tinham supermercados que coloca- Eu sou da época que tudo tinha que
vam as coisas na Kombi, tipo presunto, lavar mesmo, e até hoje eu uso muito
mussarela, ovo, legumes, carne, sabe? E vinagre. A higiene tem muito poder. A
iam para lá e distribuíam. Além dos caras gente pegava coisas do lixo, mas tinha
que distribuíam tinham os caminhões de que ter higiene para lavar. Tinha essas
lixo que também levavam muita coisa. O coisas. E hoje você tem noção, tem o
Brasil até hoje desperdiça muita comida, lixo separado, a latinha, a embalagem,
muita coisa. Então nós sobrevivemos tem tudo. Antes era tudo junto.
desse despedício.
P: E junta a isso uma tentativa de não
T: E como era essa distribuição? levar tanto lixo reciclável para o aterro.
J: No lixo cada um ia lá e pegava. Nas J: É, hoje a gente sabe que tem que
Kombis eles iam distribuindo, tipo cesta reciclar. É uma vida que vale a pena
básica. sustentar. O pessoal as vezes fala que
dá trabalho limpar mas ninguém tem
H: O pessoal conta que muitos caminho-
noção de como era. Hoje tem muita
109

neiros faziam sacanagem, mas tinham


embalagem. As meninas mesmo falam,
outros que eram gente boa, já separavam
eu como chocolate só de vez em
um pouco as coisas. As coisas que iam
quando, porque minha época não é
para o lixo era só o que tava ruim, eles
de comer doce. A gente tomava suco
jogavam em lugares diferentes o que
da fruta e o Kisuki de saquinho. Então
dava para comer. Mas tinha a galera que
a gente é dessa época que nossa co-
era sacana e misturava.
mida era do lixo mas era uma comida

T2

Outras conversas

mais saudável. ca vi país de primeiro mundo ter tanta


obesidade, ninguém merece a comida
P: Sabe uma coisa interessante? Lá
que eles comem, você ir num MCdonalds
em casa sempre teve comida, comi-
comprar aquela comida, fritura, massa,
da de casa, arroz feijão, uma salada.
gordura que já foi usada… Agora você faz
Desde criança era assim. E na época
em casa um arrozinho com feijão e uma
que meus pais foram ganhando mais
saladinha, é uma diferença muito grande.
dinheiro, o luxo era comer comida de
Aqui a gente ainda tem aquela coisa de
MCdonalds. Aquela comida horrorosa,
cozinhar. De fazer mesmo.
mas era porque era de outro país.
P: É um tipo de comida que tem muito
J: Mas isso é em todo lugar. Minha
açúcar, muito sal, muito óleo, então você
filha não é de comer essas coisas, já
come, fica muito cheio, mas em meia
meu filho adora essas porqueiras, vira
hora tá com fome de novo. Porque é um
e mexe ele fala “mãe vou ali comprar
tipo de energia que quebra muito rápi-
um sanduíche”, só que o sanduíche
do. Então você fica comendo comendo,
dele é batata frita, refrigerante…De
porque o preparo é rápido, mas é um tipo
vez em quando eu vou e faço um es-
de comida que você tem que comer mais
trogonofe, uma coisa gostosa assim,
vezes.
e ele fala que não tem jeito de fazer
dieta com eu cozinhando não. Aí eu –
falo que aqui não é todo dia, e é feito
J: Antigamente todo mundo tinha quintal.
em casa, você sabe o que tem. Agora
Abacate a gente não comprava no su-
esses sanduíches e batatas aí você
permercado, a gente plantava. Mamão?
nem sabe como foi feito. Que graça
Todo mundo tinha pé de mamão. Hoje
tem essas batatas congeladas?
em dia a gente compra porque não está
H: Lá em casa a gente tem maior cos- tendo mais onde plantar. A gente não
tume de comprar a batata, descascar, tem quintal mais. Mesmo assim a gente
picar, fritar. Aí é legal que mexe com olha muito alimentação, tem muita coisa
todo mundo. Sem conservante, mais que eu não como. Tipo queijo, que como
nada. Tem um tempo que esse rolê só um pedacinho assim. E vejo muita
da comida tem mudado bastante lá coisa que não tem necessidade de comer
em casa. Apesar de que nunca fomos com compulsão. Chocolate se deixar os
essa família de comprar frios e con- meninos todo dia comem, eles me dão
gelados. Primeiro porque é caro, mais chocolate e comem o deles. Tem gente,
110

caro que comprar as comidas frescas. por exemplo, que adora macarrão, eu se
comer um pouquinho já fico satisfeita.
J: Na verdade, as pessoas querem
só chegar em casa e ter uma comida T: Acho que tem muito a ver com essa
congelada, meter no microondas e co- palavra que você usou mesmo. É compul-
mer. E o Brasil está se não me engano sivo. Você nem pensa no que quer comer,
em 4º lugar no ranking da obesidade. se está realmente com fome. Pessoal
Estados Unidos é o primeiro né? Nun- come por ansiedade.

T2

Outras conversas

J: Tem muita gente que tem essa coisa de J: Eu vou começar no processo antes
não comer sem carne, tem que ter uma do lixão, vou pegar o início para você,
carne. Na nossa época a gente comia só eram duas pedreiras. Ali quando a
um arroz com feijão e estava tudo bem. gente desce, na entrada aqui, atrás da
EMATER. Na altura do Hospital Madre
H: Agora tem uma ideia de que a gente
Teresa você não desce para ir lá para
pode comprar né? Essa coisa, eu tenho
baixo? Naquela época só tinha o Ma-
memória das pessoas mais velhas falando
dre Teresa, que era o Sanatório. Atrás
sobre isso, então para mim a carne não
do Sanatório tinha uma rua, atrás
é tão importante. Mas eu também tenho
dela era a primeira pedreira. A Rua da
esse olhar do domingo comendo frango,
Pedreira. Divisa da Antena com São
o rango especial era no domingo.
Jorge, ali tudo era pedreira. Passava a
J: A gente tinha a roupa de domingo, dia pedreira, tinha uma ruazinha, poucas
de domingo todo mundo tinha que ficar casas ali… tem uma entradinha ali que
bonito para fazer nada! um cara até montou um salãozinho,
ali em cima daquela casa tem uma
P: Igual nos Canutos, domingo é o dia de
árvore grandona que os meninos
reunião da família.
ficam entrando, ali do lado era uma
J: Aqui a gente recebe os amigos, minha gruta. Essa gruta foi tampada. A gente
filha traz os dela e eu os meus, eu falo brincava ali dentro. Os caminhões de
que é bom a gente conviver com os lixo passavam ali por perto. Eu não sei
outros. A gente vai envelhecendo, co- se a gruta dava continuidade até o ou-
nhecendo gente e melhorando. A gente tro lado ou se morria ali, eu morria de
vai envelhecendo, você não pode ser medo. Mas os caminhões passavam
uma senhora gente boa não? Sem ficar ali e iam lá para o lixão. Onde virou o
fechando a cara para os outros? A gente lixão era a pedreira maior. A pedreira,
ainda tem essa coisa de família que todo aos pouquinhos ela saiu. Eram pedras
mundo vem e convive. Tem lugar que não para Belo Horizonte, paralelepípedos,
tem mais isso não. As famílias antigamen- areia… Eu era pequena mas lembro
te faziam muito hora dançante no domin- que tinha essa pedreira. Depois que
go, festa em casa, com música dos anos eles pararam de tirar as pedras, parou
70 ou 80, tipo quarteirão do soul. E hoje esse comércio de pedras, e aí surgiu o
o pessoal tá voltando a escutar essas aterro sanitário. Como não tinha muita
músicas, Nelson Gonçalves, sabe? Era casa nem muita coisa, tinha aquele
muito bom! espaço da pedreira ali, surgiu então
111

H: Eu lembro que em 92 eu tinha 7 anos, o aterro sanitário do nada. Os carros


ainda assim já tinha uma memória dessas começaram a aparecer e jogar o lixo
coisas. Foi quase a segunda remoção da lá, só que eles não faziam isso duran-
Boca do Lixo, né? Estava quase acaban- te o dia. Eles faziam mais à noite. Os
do. Aquilo tudo ali embaixo do pico era caminhões do lixo entravam e despe-
um lixão. javam tudo lá.
T: Não era um aterro oficial da prefei-

T2

Outras conversas

tura? muito alto. Então quer dizer... você tem


que trabalhar elas por elas. Daí você paga
J: Não. Não tinha ainda. Era um lixão a
o aluguel aqui, é mais de 2 mil reais. Você
céu aberto. Aterro Sanitário só vai vir
vai vender um almoço, coloca a 10 ou
depois.
12 reais, é barato. Você vai no sacolão e
H: E você lembra qual era o nome do está tudo caro, a carne caríssima. Tá claro
senhor que tirava gás lá de baixo? que arroz você compra saco grande sai
J: Não… Mas esse gás ali era metano barato, mas não é só arroz que o cara
mesmo. O pessoal cozinhava, fazia o come né.
fogãozinho, sabe? E puxava manguei- T: Você fazia prato feito?
ra. Até o momento que explodiu. Tem
J: Eu comecei com PF, depois passei para
uma matéria sobre isso aí. Explodiu
self-service. Quando eu fechei o restau-
tudo, desceu tudo. Era muito gás
rante eu continuei fazendo aqui em casa
metano que tinha ali. Muito metano.
para o pessoal que trabalha aqui perto.
Tinha gente que morava ali. E morreu
Recebia eles em casa, fazia marmita. De
muita gente. Aí eu venho com minhas
vez em quando no domingo de manhã
histórias, você com as suas. É por isso
ainda aparece alguém querendo comprar
que chama Rua da Pedreira. Quem
comida. Eu fazia um preço legal, então
trabalhava nela morava ali no entorno.
quando via já tinham mais de 10 pessoas.
E depois com o lixo, pessoal foi acu-
Muito peão, mas eles comem pra caram-
mulando, juntando latinhas, garrafas, e
ba, então imagina. O marmitex dá lucro.
cada um ia construindo alguma coisa,
No caso eu me responsabilizava pela
fazendo alguma coisa, e foi ficando e
minha comida, então qualquer coisa que
fazendo a vida. Até o dia que explodiu,
desse caía para mim. Mas como alguns
soterrou muita gente, soterrou casa.
fornecedores não tinham nota para emitir
Tentaram até acabar a ocupação, mas
para mim, então não pude continuar.
as pessoas voltaram e construíram
Peguei pra fazer um lanche lá, para levar
tudo de novo. De toda forma essa
salgado, bolo. Eu peguei um mês. Para
explosão já era prevista. A prefeitura
fazer salgado para lanche e tal, aí você
estava tentando tirar os moradores e
inventa né? Pão de queijo, bolo, qualquer
já não estava jogando mais lixo. Mas
coisa você leva. Eu lembro que foi a única
quando explodiu já estava mais con-
coisa que eu ganhei dinheiro. Eu peguei
trolado. Mas depois disso que passou
duas vezes. Eles vieram atrás e eu pe-
a não jogar mesmo. Mas assim, foi
guei. Depois eu não pude continuar com
112

depois de muitos anos, foi o primeiro


eles por causa de nota fiscal, emissão de
lixão a céu aberto de Minas Gerais.
nota. Porque senão eu estava com uma
Nossa, tem história demais gente!
super fábrica de salgado, bicho.

H: É igual aquele salgado do bairro Tupi
J: Agora não quero mais mexer com que uma época bombou, o Amandelli,
restaurante. Porque onde a gente bicho, todo mundo comprava naquele
mora você não pode colocar um preço lugar. É um lugar que vende salgado e

T2

Outras conversas

que foi crescendo. Aí tem que crescer quando me dá a doida eu faço san-
sem perder qualidade. Eu lembro que duíche em casa. Hambúrguer, Chee-
todo lugar que eu ia tinha uma caixinha seburguer, eu vendo tudo. Eu só parei
da Amandelli. Servia salgado, e eles de vender porque fiz uma cirurgia, e
começaram a fazer essa coisa do delivery, eu tenho que evitar muito movimen-
entregar o salgado pronto ou congelado, to por dois anos. Mas eu pretendo
e geral começou a encomendar. Outro trabalhar aqui na minha área. E o que
dia eu passei ali em frente ao EMATER, vou fazer? O salgado, a mão de obra
tinham umas 40 caixas. é minha, o sanduíche a mão de obra
é minha, a loja vai ser minha, o lucro
J: Eu aqui em casa pego encomenda de
vai ser meu. O lucro que eu vou ter dá
salgado. A última encomenda que peguei
para pagar uma pessoa para vir limpar
foi de 100 salgados. É uma coisa que
minha casa enquanto eu estou aqui.
dá muito trabalho. Você vai fazendo, vai
fazendo… Quando eu estava trabalhan- H: Eu acho muito louco como a gente
do pagando aluguel, eu nunca pegava não discute, por exemplo, o jeito que o
encomenda de salgado, porque o que pessoal aqui de dentro pode fortale-
eu ganhava não dava para eu comprar cer isso aqui. E pessoal não pensa em
o material para eu fazer salgado. Mas fortalecer o que é nosso ao invés de
trabalhando na minha casa não, o que eu encomendar salgado com alguém lá
quiser dá para pegar. Se eu quiser vender de fora!
comida coloco uma plaquinha ali “vende-
P: Querendo ou não, também tem
se marmitex”, agora minha plaquinha tá
essa visão, igual eu falei antes lá de
lá “vendo salgados, aceito encomendas”.
casa, que o que vem de fora é mais
Aí às vezes vem encomenda e eu faço.
legal do que o que é de dentro. Os
E esse trabalho que estou fazendo é
meninos do ProJovem falam que
um trabalho bem feito e num preço que
querem comer hambúrguer, não é
dá para praticar. É bem diferente de eu
o jiló frito da mãe não. Quer comer
alugar um espaço.
pizza, hambúrguer e batata frita. Refe-
P: Porque já tem a conta de casa, que rências culturais de outros lugares. E
você paga para morar, né. Não tem como é justamente por ser o que não é dis-
pagar a mais…. você paga um pouco mais ponível no seu dia a dia é muito mais
de gastos de água, gás, mas nem se com- valorizado do que o que temos para
para. E quem vai comprar é uma pessoa oferecer aqui. Sem entender que o
que provavelmente que já te conhece, fortalecimento mútuo pode ser muito
113

pessoa daqui, ela tá sustentando com o mais interessante, né!


dinheiro dela um comércio que também
é daqui de dentro, não está dando lucro
para empresa grande. Está ajudando
você a manter suas coisas aqui.
J: É! E por exemplo, eu tenho chapa,
tenho freezer, tenho tudo. De vez em

T2
T3

Conversas sobre alimentação


114

Oficina de higienização de alimentos


Salgados veganos
Memórias juninas
Saladas enriquecidas
Bobó de palmito e “arroz” de brócolis
Pães com patê
Tortas sem glúten
Confraternização

T3
território 3 cozinha comum itinerante

Urca – O coletivo trabalhou em


parceria com o Centro Cultural da
Pampulha, utilizando sua praça
externa para a realização de pre-
paros semanais com a vizinhan-
ça durante o período de 2 meses,
totalizando 8 encontros. A cada
semana um assunto relacionado a
saúde e alimentação foi abordado,
a partir de conversas prévias com
um grupo de mulheres participan-
tes da ação.

115

T3
Conversas sobre alimentação 17 de março e 20 de abril de 2017

duração: 2 horas
local: Centro Cultural da Pampulha
público estimado: 12 pessoas
de onde vem: Antes de levar a Cozinha Comum Itinerante
para o Centro Cultural Pampulha achamos necessário co-
nhecer as pessoas que o frequentavam e que teriam interes-
se em realizar as atividades da cozinha, iniciamos o diálogo
com as frequentadoras do centro cultural para definirmos
juntos nossa metodologia de ação no bairro.
processo: Nas conversas pedimos que cada pessoa nos
contasse sobre sua história com alimentação, os alimentos
que marcaram seu crescimento, o que gostariam de apren-
der e o que poderiam ensinar para as outras. Apresentamos
a Cozinha Comum Itinerante e introduzimos alguns temas
como possibilidade de trabalho.
efeito: Iniciamos a aproximação com algumas mulheres do
grupo, que gradualmente trouxeram outras pessoas para
a atividade. As anotações das conversas foram essenciais
para estruturarmos nossa metodologia de ação no território.
Decidimos por encontros semanais de preparo coletivo, nos
116

quais a cada dia seriam experimentadas receitas a partir de


um ou mais temas de interesse do grupo.

T3
Conversas sobre alimentação 17 de março e 20 de abril de 2017

Durante os encontros tomamos Quando ela se referiu à roça para falar


algumas notas das histórias e recei- sobre sua relação com comida per-
tas que as mulheres nos contavam. guntamos onde nasceu. Ela disse que
A partir delas pudemos entender as nasceu em BH mesmo, mas na época
particularidades na relação com a era uma grande roça. Morava na região
alimentação e o que esperavam de da Gameleira, em frente ao 5º batalhão,
nossos encontros no Centro Cultural. disse que lá eram fazendas na época.
Disse que tinham muitas árvores na
V quer aprender a cozinhar, ela vê a re- região, BH era uma cidade frutífera.
lação da alimentação com a saúde. Sua
mãe tem alzheimer e ela gostaria de Receita de fubá suado: molhar o fubá,
aprender como preparar alimentos mais refogar na banha de porco até soltar e
nutritivos. Para ela, aprender a fazer ficar levinho, depois colocar sal, açúcar,
pão é importante para ter autonomia linguiça, couve…
e conhecer o alimento que se come, já
F nos contou da feirinha que acontecia
que nos acostumamos a comprar tudo
na praça do Centro Cultural quando
pronto. Uma vez, V aprendeu com uma
ele abriu. Segundo ela, a feira ocorreu
vizinha do interior a preparar o melhor
toda semana por 4 meses e acontecia
pão de sal que comeu na vida, mas ela
também em outras áreas públicas do
já não se lembra mais a receita.
bairro. Disse que nas feirinhas havia
Quando perguntamos a R sobre horta, muito comércio de comida e que lá ela
ela falou que mora em apartamento e tinha uma barraca de salgados e tortas.
que o pessoal ainda não acostumou que F é paulista, mineira e carioca. Nasceu
o espaço pode ser usado para vida co- em Minas, mudou pro Rio, depois de
letiva: “acontece muito desrespeito com casada foi para São Paulo e finalmente
quem toma alguma iniciativa: se alguém voltou a Minas para morar em BH. Po-
planta alguma coisa, outra pessoa vai lá rém, disse que se considera fluminense,
e pega”. Ela pega o broto de bambu do pois foi em Niterói que viveu a parte de
bambuzal, pica miúdinho e refoga com sua vida em que há uma formação do
feijão. indivíduo, entre 4 e 20 anos.
R trabalha como cantineira em escola F disse que queria reaprender a recei-
a mais de 30 anos: sabe mexer com as ta de pastel de caruru de porco. Disse
panelonas. Quando começou a traba- que nem sua mãe deve lembrar, mas
lhar, nos anos 70, os meninos comiam ela queria resgatar a receita e ensinar
117

muita soja nas refeições oferecidas pela para o grupo. Perguntamos se o caruru
escola. Ela está acostumada a apro- era popular no Rio como é em Minas,
veitar para comer tudo o que tinha em ela disse que não, que sua mãe, de raiz
volta de si, nos contou sobre o preparo mineira, saía catando a planta nas ruas
do broto de bananeira, como conservar de sua vizinhança, e todos estranha-
carne na gordura e receitas de alto valor vam. Comentamos que o caruru, como
nutritivo, como o capitão de fubá suado. outras plantas, é convencional em

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Conversas sobre alimentação 17 de março e 20 de abril de 2017

Minas porque o território de nosso muito pouco, por vezes prepara a carne
estado era utilizado de forma pre- para seu marido e come seu prato sem.
datória para mineração, não haviam Ele faz muita questão de carne, ela
grandes cultivos, assim as mulheres disse.
na cozinha tinham que descobrir e Seu marido é peruano, ela vem apren-
inventar a comida com as plantas dendo receitas do país com a comu-
que nasciam aqui. nidade peruana de BH porque seu
Na época que F e sua mãe moravam marido não gosta da comida mineira,
em Niterói, tinham bananeiras no então é melhor fazer pratos típicos do
quintal. Na escassez de recursos Peru, que ela também gosta. A comu-
faziam tudo com banana: chips, nidade peruana se reúne com alguma
pastel, etc. Quando ela começou frequência, F nos contou que eles só
a trabalhar no shopping, todo dia passam uma nova receita quando ela
levava banana no almoço, os outros faz a anterior, como uma espécie de
perguntavam e ela falava que acha- prova.
va chique e só comia assim. Antes Sua mãe e seu filho são salgadeiros,
de ganhar seu primeiro salário, a cozinham para sobreviver: O filho cres-
mãe pediu um pacote de arroz para ceu tendo referências dentro da família
vizinha e disse que pagaria com o de pessoas que cozinhavam para se
dinheiro quando recebesse. Quando sustentar.
o dinheiro caiu ela fez uma compra
grande no mercado. No outro dia a
mãe esqueceu de colocar banana na
comida.
Em Mutum, cidade de Minas de
onde vem a família de F, quem não
tinha dinheiro para comprar pão
cozinhava banana verde com fubá.
As pessoas não tinham tempo de
esperar a banana amadurecer, por
isso comiam verde mesmo.
Para F, cada cozinheiro tem sua
digital na comida, você pode fazer
do mesmo jeitinho que o outro, mas
118

a comida nunca fica igual.


Ela contou que não gosta de comer
muita carne, desde pequena recu-
sava. Quando engravidou, o médico
disse que era importante ela comer,
então seguiu a recomendação para
evitar anemia. Mas hoje ela come

T3
Oficina de higienização de alimentos 13 de junho de 2017

duração: 03 horas
local: Praça externa do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 12 pessoas
de onde vem: Uma das frequentadoras do Centro Cultural
se prontificou a ensinar ao grupo técnicas de higienização de
alimentos que aprendeu em um curso. Disse que tem hábito de
higienizar muito bem as mãos, a casa e a comida por trabalhar
em um hospital. Propusemos que a primeira oficina da Cozinha
Comum Itinerante na Urca fosse ministrada por ela.
processo: A moradora do bairro Urca conduziu a oficina de
higienização de alimentos, ensinando técnicas simples para o
cuidado com a limpeza de frutas e legumes. Após a oficina o
coletivo preparou sucos e vitaminas funcionais, apresentando
uma alternativa de incrementar refeições com ingredientes
saudáveis.
efeito: Ao longo do preparo as mulheres que estavam sentadas
foram se levantando para entender os processos de higieniza-
ção ou trocar dicas sobre como elas fazem para limpar os ali-
mentos. Logo após preparamos os sucos funcionais, pensando
em misturas ricas em nutrientes e boas para o funcionamento
119

do corpo.
cardápio: Suco de abacaxi com pepino, suco roxo antioxidan-
te (beterraba, morango, açaí e mexerica), suco verde (laranja,
cenoura, maçã, hortelã e couve).

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Oficina de higienização de alimentos 13 de junho de 2017
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Oficina de higienização de alimentos 13 de junho de 2017

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Oficina de higienização de alimentos 13 de junho de 2017

Ministrada pela Elza,


vizinha e participante
das atividades do
Centro Cultural. Ela
trabalha em hospital e,
por isso, tem o hábito
de higienizar muito bem
as mãos, a casa e os Lavar legumes e frutas
alimentos.
Os legumes e as frutas podem
O primeiro passo é limpar ser lavados com bucha, água
os alimentos muito bem an- e sabão. Alguns deles, como
tes de guardá-los na gela- gengibre e pepino, podem ser
deira ou na despensa. Pode colocados na bacia junto com
ser lavando ou passando as verduras. Com as frutas e
um pano úmido. verduras que aprendemos a
Para cozinhar, é importan- limpar fizemos alguns sucos
te começar lavando bem funcionais.
as mãos com água e sabão,
chegando até o antebraço.
Também é necessário tirar Lavar verduras
anéis, pulseiras e em caso
de cozinhar para uma quan- Passar uma água em todas
tidade grande de pessoas, as folhas e depois colocar em
Elza aconselha não usar uma bacia. Para deixar de mo-
esmalte, pois pode ser que lho pode ser na água clorada
alguém tenha alergia. ou na água com vinagre.
Prender os cabelos ou usar O preparo da água clorada é
touca é uma forma de pre- feito misturando um litro de
122

venir cabelos nos alimen- água com uma colher de sopa


tos. de água sanitária.
Dica: depois de lavar as ver-
duras também é bom colocar
as buchas na bacia para de-
sinfetá-las.

T3
Oficina de higienização de alimentos 13 de junho de 2017

Suco verde

1 laranja descascada sem


caroço
½ cenoura
½ maçã
Hortelã
2 folhas de couve (podem ser
outras folhas verdes) Suco roxo antioxidante

Depois de limpar as folhas, 1 beterraba pequena


tirar os talos e bater no 4 morangos
liquidificador. Para duas 1 polpa de açaí
folhas bater 100ml de água, 1 copo de suco de laranja
pode colocar um pouco de ou mexerica
hortelã na hora de bater.
Bater tudo no liquidificador.
Dica: fazer cubos de gelo com
as folhas para ter sempre fácil
acesso, assim, podemos, uma
vez por semana, preparar gelo Suco de abacaxi com
para os sucos da semana. pepino

1 abacaxi
½ pepino
Gengibre a gosto
Hortelã

Bater no liquidificador.
123

T3
Salgados veganos 20 de junho de 2017

duração: 03 horas
local: Praça externa do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 16 pessoas
de onde vem: Em nossas conversas iniciais muitas mulheres se
mostraram interessadas em começar a entender a alimentação
vegana. Reduzir o consumo de carne se mostra um passo im-
portante, então decidimos realizar o preparo de alguns alimen-
tos cotidianos como salgados e molhos sem derivados animais.
processo: Escolhemos trabalhar com ingredientes tradicionais
e de fácil acesso, para desmistificar o imaginário que normal-
mente as pessoas têm sobre alimentação vegana. Utilizamos a
abóbora moranga na mistura para quibe. Para acompanhar o
salgado preparamos dois molhos, o chutney de manga, tempe-
rado com gengibre, açúcar e pimenta, e pate vegano de inhame
cozido, batido com salsa, cebolinha, limão e alho.
efeito: As mulheres ficaram mais à vontade com a cozinha,
assumindo funções no preparo e intervindo com ideias nas
receitas. Uma vez que a comida estava pronta, elas organizaram
a apresentação do prato, dizendo que a comida deve ser bonita
para os olhos também.
124

cardápio: Quibe vegano de abóbora, patê de inhame, chutney


de manga.

T3
Salgados veganos 20 de junho de 2017

Quibe de
abóbora japonesa
Utiliza ½ abóbora cozida. Tem- Dicas: para fritar, usar óleo
peramos com alho, sal, curry bem quente e não mexer.
e cozinhamos a abóbora em O quibe também pode ser
água sem óleo. Depois disso, assado, com ou sem o re-
escorremos a abóbora em cheio, e para assar não é
uma vasilha (a água do cozi- necessário acrescentar fari-
mento pode ser aproveitada nha de rosca. O purê pode
depois, para cozinhar ou aju- ser preparado com outros
dar a dar liga no quibe). legumes, como batata ba-
Fazer um purê com a abóbora roa, batata doce, cenoura,
e misturar no trigo para quibe a mistura de mais de um
seco. Deixar o quibe hidratar legume, etc.
no purê. Nesse momento você
já pode provar o tempero da
massa e ajustar de acordo
com a seu gosto. Testar a liga,
se ela estiver seca, colocar
a água do cozimento da abó-
bora, se estiver mole, usar
farinha de rosca. Fritamos
com recheio de queijo e sem
recheio. 125

T3
Salgados veganos 20 de junho de 2017
126

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Salgados veganos 20 de junho de 2017

127

T3
Salgados veganos 20 de junho de 2017

Maionese vegana de Molho de manga (chutney)


inhame
Para fazer o chutney de man-
6 inhames pequenos ga, descascar e picar mangas
1 molho de salsa bem maduras em cubos, picar
1 molho de cebolinha ou socar o alho e o gengibre.
1 limão As quantidades podem variar
3 dentes de alho conforme o gosto, para o pre-
Sal a gosto
paro da oficina utilizamos:
Azeite a gosto

Descascar o inhame e lavar 2 dentes de alho


em água corrente para tirar 3cm de gengibre
a terra, cozinhar o inhame 4 mangas palmer
até ficar em um ponto que 2 colheres de sopa de açúcar
possa ser amassado com 1 pitada de sal e pimenta do
um garfo. Bater o inhame
reino
cozido no liquidificador até
virar um creme homogêneo.
Se precisar, coloque um Refogamos o gengibre no
pouco da água do cozimen- azeite, depois colocamos o
to, mas cuidado para não alho até ficar moreno, depois
ficar aguado. Acrescentar a colocamos as mangas e os
cebolinha, sal, azeite, limão temperos e deixamos cozinhar
espremido, sal e bater no- até a maga dar uma derretida.
vamente no liquidificador. A Nilda, cozinheira que estava
O azeite ajuda a bater as
na oficina, falou que costuma
coisas mais consistentes.
Se agarrar, coloque mais. fazer essa receita queimando
Coloque o alho por 3 minu- primeiro o açúcar e depois
tos na água quente e acres- adicionando a manga sem o
cente ele na mistura, baten- alho.
128

do no liquidificador. Guarde
na geladeira que ficará mais
saboroso.

Dica: cozinhar no vapor


proporciona uma consistên-
cia final mais cremosa.
TT 33
Memórias juninas 25 de junho de 2017

data: 25 de junho de 2017


duração: 06 horas
local: Festa Junina do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 400 pessoas
de onde vem: Ao receber o convite do Centro Cultural para
realizarmos um preparo de comida na festa junina convida-
mos uma das professoras - que se envolveu com o projeto
da cozinha - para participar do preparo conosco. Ela trouxe
uma receita do seu pai, canjiquinha com suã. Lembrando do
preparo com a Família Canuto, no Morro das Pedras, também
propusemos uma versão vegetariana, com ora-pro-nóbis.
processo: A professora preparou a canjiquinha tradicional,
ensinando os segredos aprendidos na sua família. Prepara-
mos a receita da família Canuto, do Morro das Pedras, como
uma interlocução entre os dois territórios. Durante o evento
também foram preparadas duas receitas de quentão, tradi-
cional e sem álcool.
efeito: A comida foi muito bem recebida na festa. As pessoas
acharam muito interessante a opção de canjiquinha vegeta-
riana.
129

cardápio: Canjiquinha tradicional com suã, canjiquinha vege-


tariana, quentão.

T3
Memórias juninas 25 de junho de 2017

Canjiquinha com suã


do Seu Geraldo, Receita de quentão
pai da Márcia tradicional da Márcia

Usamos 2kg de suã, com A receita que a Márcia nos


aproximadamente 2 cabe- passou serve como base para
ças de alho e sal. Fritar ele todas as outras receitas que
no óleo até o fundo da pa- encontramos por aí. Usa-
nela ficar pretinho, depois mos três gengibres grandes,
colocá-lo na panela de pres- ralados com casca mesmo.
são para cozinhar os ossi- Primeiro fervemos eles com
nhos. A rapa de fritura do cerca de 2 litros de água,
suã recebe a água da canji- para dar um caldo bem forte.
quinha pra virar um caldo, Depois de bastante fervido,
e a receita do Seu Geraldo acrescentamos mais água e
não leva urucum, pois a cor açúcar até dar o ponto. Se-
vem do queimado do suã. gundo a Márcia, 1 litro de
Para a canjiquinha com cachaça dá para cerca de 10
ora-pro-nóbis, começamos litros de água. Nós servimos
fritando a água: refoga sal, com e sem cachaça, pois mui-
alho e óleo na panela e de- ta gente preferiu sem.
pois de quente joga a água
até ela ferver. Quando tiver
fervido coloca a canjiquinha
até cozinhar. Nós picamos o
ora-pro-nóbis e refogamos
com mais alho, sal e uru-
cum. Depois misturamos na
panela.
130

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Saladas enriquecidas 27 de junho de 2017

duração: 03 horas
local: Praça externa do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 18 pessoas
de onde vem: Algumas das mulheres que acompanhavam
os preparos semanais sugeriram de fazermos um dia de
preparo de saladas. Pensamos então em levar receitas que
procuram variar a salada de folhas, que costumamos comer
no dia-a-dia, para expandir o repertório do grupo.
processo: Realizamos o preparo de 3 saladas diferentes.
Salada de arroz 7 grãos, salada de trigo em grão com bana-
na, salada viva. Utilizamos nos preparos legumes comuns na
culinária mineira, que podem ser substituídos a gosto.
efeito: O grupo se interessou muito pela variedade de sabo-
res possíveis em uma salada, além do uso de ingredientes
pouco convencionais. Uma das mulheres rebatizou a salada
de 7 grãos de “salada seca barriga” por ter identificado nela
todos ingredientes que havia visto em uma lista de dicas de
uma revista. Sua riqueza em carboidratos complexos torna
sua digestão mais demorada, satisfazendo o corpo por mais
tempo.
131

cardápio: Salada de arroz 7 grãos (ou salada seca barriga),


salada de trigo em grãos, salada viva.

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Saladas enriquecidas 27 de junho de 2017
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Saladas enriquecidas 27 de junho de 2017

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Saladas enriquecidas 27 de junho de 2017

Salada de Salada de trigo


arroz 7 grãos com banana

Cozinhamos um pacote
Essa salada é muito sim-
de arroz 7 grãos de 500
ples; o mais difícil é encon-
gramas por cerca de 20
trar o trigo em grãos para
minutos, sem deixar ficar
comprar. Sugerimos os mer-
macio demais. Escorremos
cados – como o mercado
a água que sobrou e pas-
central ou mercado do cru-
samos água fria no arroz
zeiro. Cozinhamos um pa-
para ele parar de cozinhar.
cote de trigo em grãos por
Deixamos, enquanto o arroz
cerca de 20 minutos – para
cozinhava, os outros ingre-
ficar macio, mas não muito
dientes todos preparados:
cozido. Escorremos a água
picamos dois abacates bem
que sobrou e passamos o
maduros (tamanho médio
trigo em uma água fria para
para grande), um molho de
interromper o cozimento.
salsa, dois molhos de couve
Picamos banana prata bem
picada bem fininha, limão
madura e também algumas
espremido, algumas cas-
nozes e misturamos os três
tanhas (que são opcionais,
ingredientes em uma va-
colocamos pois já tinha
silha. É bom misturar com
como ingrediente da outra
um garfo e dar uma aperta-
salada). Para misturar, co-
da nas bananas, para eles
meça misturando um pouco
passarem mais gosto para o
do suco de limão com a cou-
trigo.
ve para ela curtir. Depois
mistura ela no arroz, junto Essa é uma salada mais
com o sal, azeite, salsa e doce, pois as bananas ma-
134

noz moscada. Acrescenta duras são bastante adoci-


o abacate picado, mistura cadas, recomendamos ela
de novo, acrescentando a para quem gosta de comi-
castanha, e até depende do das que misturam doce e
gosto de cada pessoa: acer- salgado.
tar o tempero.

T3
Saladas enriquecidas 27 de junho de 2017

Salada viva Molho de amendoim


com gengibre
Pensamos em fazer esta sa-
lada de legumes e brotos Bater no liquidificador 1 xí-
porque os brotos concentram cara de amendoim torrado,
propriedades nutricionais água pra dar consistência;
muito mais que as plantas já 1 dente de alho; 1 colher de
crescidas. É uma receita sim- chá de gengibre picado; 3
ples, rápida e muito nutritiva. colheres de sopa de azei-
Além dos brotos incluímos le- te (pode acrescentar mais,
gumes e vegetais utilizados na para dar o ponto ou facilitar
culinária tradicional mineira. pra bater); suco de 1 limão;
sal e pimenta a gosto. Se
1 pacote de broto de feijão (é você quiser pode acres-
necessário colocar o broto por centar cebolinha picada e
3 minutos em água fervente e pronto.
depois dar um choque térmico
em agua gelada, com gelo)
1 pacote de broto de alfafa
Cenoura
Pimenta biquinho
Ora pro nobis (o segredo para
o ora pro nobis cru não sol-
tar a baba é utilizar as folhas
inteiras)
Carambola
Cebola
Coentro
135

Alho poró

Dica: Legumes, frutas e ver-


duras, podem ser escolhi-
dos por seu gosto ou pelos
disponíveis na estação.
T3
Bobó de palmito e “arroz” de brócolis 4 de julho de 2017

duração: 03 horas
local: Praça externa e sala interna do Centro Cultural Pam-
pulha
público estimado: 15 pessoas
de onde vem: Nas conversas durante a oficina algumas
participantes mostraram interesse em aprender receitas
com baixo teor de carboidratos que pudessem introduzir na
alimentação cotidiana.
processo: Preparamos um “arroz” de brócolis para mostrar
para elas que alguns legumes processados podem substituir
o grão. O arroz comum é um alimento de rápida digestão
como qualquer outro carboidrato simples, sendo assim o
organismo rapidamente quebra os nutrientes gerando um
pico de açúcar no sangue. É interessante enriquecer o arroz
ou trocá-lo por outra fonte de carboidrato complexo. Como
acompanhamento fizemos um bobó de palmito.
efeito: As mulheres participaram de forma ativa do preparo
e gostaram muito de aprender ambas receitas. Algumas leva-
ram marmita ao encontro porque queriam levar o prato para
os familiares provarem. Nesse dia as mulheres se mostraram
136

mais abertas a compartilhar receitas pessoais entre o grupo.


cardápio: Arroz de brócolis, bobó de palmito.

T3
Bobó de palmito e “arroz” de brócolis 4 de julho de 2017

Arroz de brócolis Bobó de palmito

1 brócolis grande Ralar a mandioca no ralo


½ colher de cebola picada grosso, mais ou menos 1 kg.
3 dentes de alho ralados Refogar no azeite de dendê,
1 xicara de cenoura em cubos, cebola e tomate, juntar a
cozida mandioca e ir misturando,
½ xícara de milho verde acrescentando água quente
1 xícara de tomates em cubos e sal até estar cozida e com
2 colheres de sopa de gerge- o tempero no seu gosto.
lim (opcional) Misturar palmito picado em
1 colher de salsa desidratada rodelas (ou outro recheio
Sal e pimenta a gosto de sua preferência), coen-
tro e está pronto.
Triturar o brócolis em um
processador de alimentos até
alcançar o tamanho de arroz
ou picar bem pequenininho.
Dourar a cebola no azeite, jun-
tar o alho e dourar levemente.
Misture o brócolis, refogue
com sal e temperos. Adicione
a cenoura, o milho, tomate e
por último o gergelim (opcio- Dica: os legumes podem ser
nal). Misturar até aquecer. escolhidos pela sua prefe-
rência ou os disponíveis na
estação.
137

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Bobó de palmito e “arroz” de brócolis 4 de julho de 2017
138

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Bobó de palmito e “arroz” de brócolis 4 de julho de 2017

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Pães com patê 11 de julho de 2017

duração: 03 horas
local: Praça externa do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 16 pessoas
de onde vem: Decidimos por seguir trabalhando com o
grupo a questão do carboidrato. Mais uma vez optamos pelo
preparo de um alimento presente no cotidiano, o pão, que
elas já haviam demonstrado interesse em aprender em nos-
sas primeiras conversas.
processo: Decidimos preparar um pão integral enriquecido
com aveia, linhaça e sementes. O carboidrato complexo da
farinha integral demora mais tempo para ser processado
pelo organismo, saciando por mais tempo. Para acompanhar
o pão preparamos uma pasta de grão de bico com taioba.
O grão de bico tem zinco, que faz o corpo assimilar e ar-
mazenar a insulina, e por isso é bom no caso de diabetes.
Também ajuda a fortalecer o sistema imunológico. A taioba,
ingrediente muito comum na culinária mineira, é rica em vi-
taminas, ferro, cálcio e potássio, sendo ótima para ajudar em
doenças como a anemia. Também ajuda a digestão, e é boa
para o sistema imunológico e para a visão.
140

efeito: Durante a oficina as mulheres foram lembrando de


outras formas de se fazer pão, trocando receitas e proces-
sos de preparo. A taioba também remeteu à infância de
muitas delas, que se surpreenderam com a forma inusitada
de uso da folha.
cardápio: Pão multigrãos, pasta de grão de bico com taioba.

T3
Pães com patê 11 de julho de 2017

Pão integral multigrãos ativado. Acrescentar o res-


tante da água aos poucos,
20 g de fermento biológico a mistura vai dar liga e ficar
1 colher de açúcar soltando da mão. Deixe des-
500 g de farinha integral cansar em local quente por
400 g de farinha de trigo cerca de 1h (no sol, dentro
50 g de farinha de linhaça do forno, enrolado em um
50 g de aveia em flocos pano). A massa vai dobrar
de tamanho
Sementes à gosto: girassol,
gergelim, abóbora, linhaça,
Dica: misturar com uma
etc.
colher e na hora de testar a
1 colher de sal
liga usar a mão, sentindo o
650 ml de água morna ponto da massa.
1 ovo
50 ml de azeite Parte 3: enformar
Untar a fôrma com mantei-
Parte 1: ativar o fermento ga e farinha (a receita rende
Esquentar a água até chegar 2 formas retangulares)
ao ponto em que você conse- Sovar a massa novamente
gue colocar sua mão dentro e e colocar na fôrma. Dei-
deixar por 10s sem queimar. xar descansar em um local
Misturar em um recipiente: quente por cerca de 1 hora.
20g de fermento biológico; 1
colher de açúcar e parte da Parte 4: assar
água. Deixar crescendo por Coloque para assar em 230o
mais ou menos 15 minutos (irá por cerca de 30 minutos.
triplicar o volume) Para checar o ponto, dar
um tapa no pão, se estiver
141

Parte 2: preparação da massa oco, estará pronto.


Misturar em uma bacia todas
as farinhas, a aveia, as semen-
tes e o sal. Mexer até ficar
bem distribuído e acrescentar
o ovo, o azeite e o fermento

T3
Pães com patê 11 de julho de 2017

Pasta de grão de bico


com taioba

250g de grão de bico cozido Preparo: Refogar a taioba


(deixar de molho na água, com o alho e um pouco de sal.
de um dia para o outro, des- Reservamos a água que saiu
cartar essa água e cozinhar da taioba e utilizamos para
em uma nova água. No cozi- ajudar a bater a pasta. No li-
mento coloque um pouco de quidificador, colocar os ingre-
óleo para não soltar espuma dientes líquidos primeiro e ir
e sal, folha de louro, ou ou- acrescentando o grão de bico
tros tempeiros a gosto) aos poucos. Se estiver difícil
4 colheres de suco de limão de bater, colocar mais água ou
1 colher de chá de sal azeite.
1 colher de chá de cominho
(sementes torradas e tritu-
radas na hora, se possível)
4 dentes de alho torrado Ingredientes que podem ser
3 colheres de sopa de azei- adicionados para dar gosto:
te legumes cozidos, folhas ver-
des como couve, espinafre e
mostarda.
142

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Tortas sem glúten 18 de julho de 2017

duração: 03 horas
local: Praça externa do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 20 pessoas
de onde vem: As participantes dos preparos coletivos trouxe-
ram a ideia de prepararmos receitas sem glúten. Decidimos por
fazer tortinhas com massa sem farinha de trigo.
processo: Para fazer a massa da torta usamos grão de bico
cozido com farinha de linhaça dourada. A mistura forma uma
massa lisa, fácil de moldar nas formas de torta. Enquanto elas
foram ao forno fizemos um recheio salgado com legumes e um
recheio doce de frutas sem açúcar.
efeito: A massa foi muito apreciada pelas mulheres. A versatili-
dade da receita que pode levar diversos recheios ou até mesmo
ser usada para outros preparos foi de grande interesse. As par-
ticipantes ficaram até mesmo pensando outras possibilidades
de uso para a massa.
cardápio: Torta de grão de bico com recheio de legumes e
recheio de frutas.
143

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Tortas sem glúten 18 de julho de 2017

Massa da torta Recheio salgado


6 colheres de sopa de Fritar com um pouco de azeite
de grão de bico (cozido) de dendê e azeite comum uma
amassado – sempre lembrar cebola e dois tomates pica-
de deixar o grão de bico dos. Acrescentar os legumes
de molho por pelo menos 8 de acordo com o tempo de
horas antes de cozinhar. cozimento. Utilizamos, nes-
4 colheres de sopa de sa ordem: cenoura, vagem,
farinha de linhaça dourada batata, abobrinha e por último
2 colheres de sopa de colocamos um vidro de leite
azeite de coco.
1 colher de chá de sal
Dica: como é um recheio evite
Preparo: Misturar todos usar muita água no cozimento
os ingredientes até formar dos legumes.
uma massa de modelar lisa
e gostosa de trabalhar.
Molde em forminhas. Leve
ao forno por uns 20/25 Recheio doce
minutos a 200 graus em
forno pré-aquecido. Fizemos um doce de frutas
sem açúcar, esquentando na
panela abacaxi, hibiscos, suco
de laranja e gengibre. Pode
ser batido no liquidificador ou
não.
144

Dica: sempre que possível,


substituir o açúcar pelo uso
de frutas doces.

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Confraternização 25 de julho de 2017

duração: 03 horas
local: Salão do Centro Cultural Pampulha
público estimado: 10 pessoas
de onde vem: Durante nossos 2 meses de atuação na Urca
contamos com a presença de um grupo de mulheres que
acompanharam os preparos coletivos semanais. Como último
encontro no contexto do projeto propusemos uma confra-
ternização para que pudéssemos compartilhar receitas e
lanches, conversar sobre alimentação e ter um retorno sobre
o período que passamos lá.
processo: Convidamos as mulheres a levarem alguma co-
mida para compartilhar com o grupo. Fomos provando as
comidas e conversando um pouco sobre os pratos.
efeito: Nossa conversa trouxe muitas questões interessan-
tes sobre a riqueza de se compartilhar aquilo que antiga-
mente era o “segredo da receita”, sobre a experiência de
aprender novas coisas em um regime de troca e sobre as
histórias que são transmitidas junto às receitas. Anotamos
todas receitas que trouxeram e mais algumas faladas na hora
e expusemos elas em uma pequena instalação dentro da ga-
145

leria do Centro Cultural. Deixamos a instalação no local por 2


semanas, período durante o qual ela recebeu mais contribui-
ções da comunidade.
cardápio: Salada de abobrinha com limão e pimenta, bolo de
chocolate sem farinha, bolo de chocolate sem leite, bolo de
cenoura, kefir, pipoca, carambolas.

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Confraternização 25 de julho de 2017

Conversa entre as participantes pro horário de recreio das crianças.


das oficinas e o coletivo, junto ao E como você enfeita ele?
lanche que fizemos com comidas
levadas por todas. Eu fiz dois tabuleiros. Coloquei o
recheio de doce de leite. E passei
o doce de leite em volta, joguei o
Hoje vai ser nosso último dia de granulado e coloquei aquela bolinha
atividades aqui na Urca. A gente gelatinosa. E em cima eu coloquei
queria antes de tudo agradecer a papel de arroz. Ficou ótimo, ficou
todos esses encontros, que para chique. Em volta da bandeja eu
nós foram muito especiais. Adora- coloquei aquelas coisas próprias de
mos conhecer cada uma de vocês, colocar, ficou muito bonito.
tivemos muitas histórias legais e
trocas importantes. Foi uma alegria. Ai, eu faço muito. Porque eu tenho
E a gente espera que possamos muito sobrinho e um tanto de agre-
continuar se encontrando, trocando gado. E eu sempre faço os bolos.
receitas, mesmo depois do fim dessa Eu faço de pão de ló, com doce de
atividade com a Cozinha Itinerante... leite e abacaxi. E por cima coloco
glacê feito com leite condensado e
Isso! Então, pensamos em conversar manteiga. Aí eu coloco ou papel de
um pouquinho sobre o que cada arroz ou brigadeiro com granulado.
uma trouxe hoje para a confrater- Ou então coco. Cada ano eu fazia
nização. Esses pratos que estão na de um jeito. Aí teve um ano que eu
mesa, cada uma podia falar sobre a fiz com papel de arroz, nunca tinha
receita que escolheu para compar- usado, mas o trem é fácil de colar.
tilhar com o grupo, o por quê dessa Foi o aniversário do meu sobrinho
receita, a história dela, o que gosta de 10 anos e ele falou “tia, foi o me-
nela... Alguém quer falar primeiro? lhor aniversário que eu já tive”.
Eu! Esse bolo aqui que eu trouxe, eu Esse ano meu neto mais novo fez 11
gosto muito de bolo sem leite. Por- anos. Aí eu fiz a sacolinha, mandei
que acho que fica mais fofinho. En- fazer adesivo com nome dele, uma
tão ele tem chocolate, bicarbonato, chuteira e uma bola. Eu levei pra
pó royal e a farinha. E só dois ovos. festa, mas meu menino falou assim
Acho que é uma receita econômi- “ô mãe, o Miguel já tá grande”, en-
ca, não gasta muita coisa. Criança tão eu deixei a sacolinha de lado e
gosta muito. Se a gente fizer esse coloquei os pratinhos na mesa com
fofinho e enfeitar para aniversário os doces. Só que o recreio é muito
fica muito gostoso. Eu fiz há dois rápido né. Então o que acontece,
146

anos atrás no colégio e as crianças eles levaram as sacolinhas pra casa


amaram. E meu neto todo convenci- e o bolo comeram lá mesmo. E eu
do “gente esse bolo é artesanal, foi falei “bem feito para você. Eles qui-
minha avó que fez”. seram as guloseimas, levaram tudo!
Que ótimo! Tem que ter orgulho Criança é criança”.
mesmo do alimento que é feito com Gente, até adulto gosta. A gente
carinho e amor. briga para levar uma sacolinha. E na
Bolo grande assim é bom demais hora de liberar a mesa?

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Confraternização 25 de julho de 2017

Sábado eu fui num aniversário e a receita para pessoas de fora da


mulher fez umas coisas que achei família.
tão bonitas. Eram bonecas com
Aqui a receita do capuccino. Eu
bolinha branca e preta e com cabelo
não tenho livro não, mas eles vão
azul. Ela pegou latinha de leite em
andando, andando, andando e vai
pó e farinha lá no hospital, colocou
perdendo com o tempo, muita gente
um adesivo e fez essa boneca.
pega, mas a gente vai juntando.
Elza, e esse bolo de leite você já
E eu acho que hoje em dia existe
tentou usar algum outro ingredien-
uma tendência que é exatamente
te além do chocolate? Banana ou
o contrário. As pessoas querem
algum outro sabor?
mostrar o que elas sabem fazer,
Não. Eu já até pensei em colocar um aceitam sugestões para alterar um
pouco de aveia. Mas achei melhor pouco a receita, e a proposta de
não mexer não. vocês eu achei fantástica. De trazer
ingredientes – hoje está na moda
O interessante é ir testando essas
o uso de grãos, né, farinhas diver-
receitas em casa. Porque dá para
sificadas – que torna uma receita
começar a prestar atenção nos
mais saudável, mais nutritiva, mais
ingredientes que estamos comendo
completa e às vezes até mais fácil. E
né? Porque aí você fazer um bolo às
até mais econômica né.
vezes não precisa ter muito açúcar,
ou ovo, ou leite… Eu acho interessante que a gente
pode entender o preparo tradicional
Eu trouxe carambola para vocês.
das coisas e começar a pensar nelas
Direto do meu quintal. Essa não é a
de uma forma mais saudável, por-
doce, é a azeda. Lá em casa nin-
que com o tempo nós vamos tendo
guém gosta, então trouxe um mon-
muito mais informação sobre o que
te. Dava para trazer mais, mas para
a gente come. Aí dá para ter um
tirar do pé tem que pedir ajuda para
pensamento um pouco mais crítico,
subir. Se cair no chão elas quebram.
não sair comendo tudo que está em
Uma coisa que eu achei muito posi- oferta no supermercado achando
tiva e interessante no projeto é essa que é saudável. Então no preparo
releitura de receitas, porque eu sou de coisas que são até tradicionais,
da época em que as pessoas não só a gente vê que dá para atualizar
faziam as receitas de uma manei- as receitas. Manter ingredientes e
ra tradicionall como muitas vezes modos de fazer, mas também mudar
elas guardavam as receitas e não coisas que talvez para nosso dia-a-
compartilhavam. Outro dia mesmo a dia não são tão necessárias. Isso
147

minha mãe estava lembrando disso, não impede a gente de continuar


falando que uma vizinha não dava fazendo as coisas de forma tradicio-
receita de jeito nenhum. Era aquele nal. Mas uma alimentação que para
segredo de família. Receitas que o dia-a-dia seja mais saudável, sem
eram guardadas a sete chaves. Só perder a possibilidade de fazer ela
a avó que ensinava para filha que dentro de nosso orçamento. Tudo
ensinava para a neta. E era simples- pode ser muito trocado. A verdura
mente para não transmitir aquela é a verdura do dia, o legume tam-

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Confraternização 25 de julho de 2017
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Confraternização 25 de julho de 2017

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bém. Ingredientes que você pode ir suco. Você bate alguma coisa no
trocando e criando muitos sabores liquidificador e sobra por exemplo
diferentes. aquele resto de beterraba ou de
couve, você põe aveia, açúcar e co-
Sem dúvida. No dia de preparo que
locar para assar. E é muito nutritivo,
eu vim vocês estavam fazendo grão
pois é onde está a fibra e um tanto
de bico com taioba. Na hora que
de nutriente.
vocês falaram eu pensei “nossa até
o nome é feio”. Por quê não deram A gente não tem muito costume de
um nome mais facinho para taioba? aproveitar a casca dos legumes e
Eu pensei que ia estragar o grão de das frutas mas na verdade as vita-
bico. Mas ficou uma delícia. minas estão todas ali né?
Mas a taioba tem uma vitamina ex- Eu vou juntando as cascas, colo-
celente. A batata e a folha. A batata cando numa sacolinha, aí depois eu
dela é tipo um inhame. cozinho e vou fazendo caldo...
Vocês já comeram biscoito de fubá É legal que reduz também o volu-
com amendoim? Fica gostoso de- me do lixo orgânico. Eu acho que
mais. É fubá com amendoim torrado brasileiro tem que mudar tanto sua
e melado de cana. concepção de lixo, de embalagem,
casca… e aprender esse reaprovei-
Antigamente o povo era mais assim
tamento, além de ser bom para nós,
mesmo. Acho que é um pouco
é urgente para o mundo.
egoísta o povo que não gosta de
compartilhar, qualquer coisa que Olha para quem tem bebê. Aprender
seja. A gente desse mundo não leva a fazer esses caldos com casca de
nada, né? Então a gente conviver fruta...
é tão bom, a gente compartilhar,
As águas de cozimento também tem
aprender e o que a gente souber,
como aproveitar, né? Água que cozi-
também poder ensinar. É uma lem-
nhou batata doce, usar para o arroz.
brança que fica!
Que aí vai aproveitando os nutrien-
O que acho mais legal nisso é que tes de uma coisa para outra.
vivemos em um país muito diverso.
E a salada de abobrinha que você
E nossa culinária é diversa. Tem
trouxe? Nos conta como é?
raiz indígena, africana, portuguesa,
árabe… e quando a gente começa a Super simples. Corta ela bem fini-
trocar a gente mistura isso tudo. nha, tempera com pimentão, limão,
vinagre, cebola, sal, pimenta…. só
Quando você fala uma receita a
isso, a abobrinha sem cozinhar. Ela
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pessoa pode contar outras formas


novinha.
de fazer ela. Forma mais econômi-
ca, com menos tempo… dá para ir Não cozinhar é muito legal porque
evoluindo. muitas vezes no fogo as coisas per-
dem o nutriente...
Sobre esse negócio de fazer biscoi-
to eu estava até dando uma pes- O chuchu também dá uma salada
quisada outro dia e descobri que crua boa. Você passa ele no ralo de
dá para fazer muitos com resto de espessura fina, aquele ralador mais

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compridinho. Coloca de molho na ceita que fica diferente.


água com sal e ele vai desidratando.
É, às vezes a pessoa fala “a fulana
Depois pega o pano de prato para
me deu a receita errada”. Mas não é
tirar a água dele todinha, e depois
não. É porque quando cada um faz
você tempera. Ele fica crocante.
fica diferente.
Você tempera com cebolinha, salsi-
nha, azeite… Fica uma delícia. nin- A ciência da coisa é o seguinte. Toda
guém dá valor para o chuchu mas festa que tinha minha tia fazia um
dá uma salada maravilhosa. Tem que pão com carne moída. A coisa mais
torcer para tirar o excesso da água. maravilhosa do mundo. Todo mundo
Ele fica desidratado ele fica molinho, comia, comia, comia. Aí uma vez a
ele não fica moído não. Fica delicio- gente falou “Tia Lucinha, a senhora
so. Dá impressão de que ele está podia dar a receita pra gente”. Na
cozido, mas fica crocante. próxima festa que teve minha irmã
fez, mas não ficou igual. Aí a minha
Você podia contar um pouco tam-
irmã falou “tia eu fiz igualzinho a se-
bém das coisas que trouxe. O cogu-
nhora ensinou. Qual é o segredo?”
melo do sol e a bactéria para fazer
e ela respondeu “as mãos”. Então é
iogurte.
interessante, cada um vai fazer de
Você coloca água filtrada e açú- jeito diferente.
car mascavo. Ou então coloca no
A gente tem que ter energia e fazer
leite. São dois tipos diferentes. Fica
com amor.
parecendo uma gelatina! É só uma
colherinha de açúcar. O mascavo, E a responsabilidade de quem mani-
diabético pode tomar. E ele vai cres- pula a comida é muito grande. Por-
cendo, eu já tirei para tanta gente que a gente coloca ali muita coisa.
que já perdi a conta. O iogurte você
pode bater com fruta, pega gosto e Por qualquer coisinha não fica igual.
fica uma delícia. A bactéria, de 2 em Conta sobre o bolo que você trouxe!
2 dias você tira e lava, com água da
torneira. A água é do filtro mesmo. E Então, esse bolo é assim… Quando
não pode ser alumínio, tem que ser meus pais vieram para cá, tinham 4
vidro, porcelana ou plástico. famílias só no terreno. A gente tinha
uma dificuldade muito grande. Aí
Pode bater também com gelatina tinha um pessoal que ajudava tra-
sem sabor. zendo pacote de fubá para a comu-
O meu eu faço com leite desnatado nidade. A gente fazia mingau e tal,
e sem lactose, porque tenho intole- juntava as 4 famílias para fazer. Com
o que cada um tinha a gente cozi-
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rância.
nhava junto, uma levava o ovo, outra
– o fubá, outra o leite, a gente juntava
e fazia broa de fubá.
Eu faço o feijão do meu jeito. Ela faz
do jeito dela. E ela de outro. Ne- O que acho mais interessante nisso
nhum fica igual. É uma coisa impres- é que quando estamos em um
sionante. Nenhum fica igual. momento de dificuldade, se a gente
se junta e faz junto, a gente supera
Você pode até seguir a mesma re-

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tudo. lhos. Algumas pessoas falavam que


era vidro. E eles pensavam “mas o
Sim! Depois começamos a vender,
que é vidro?” porque lá era tudo de
até ganhava um dinheiro.
palha, as casas, as roupas, não tinha
Se cada um produz uma coisa, so- muito contato com nada. Mas tinha
zinho não consegue fazer nada né? um menino muito curioso que falou
Mas juntos, tem força! “se existe esse lugar vou descobrir
onde fica. E ele saiu para encontrar
E a carambola, você produz no seu esse lugar. Ele andou muito, noites
quintal? e dias. Era um menino muito alegre,
Não. É um pé só, mas ele dá ca- onde ele passasse ele ria. Quem ele
rambola para o ano inteiro. Essa é via abraçava, conversava e conta-
da azeda, não é doce. Eu dou para va as histórias de onde morava. As
quem quiser, passa lá e pega o pessoas ficavam encantadas em
quanto que quiser. Muita gente usa saber que existia um lugar que era
para fazer doce, salada, suco... único e só deles. Até que um dia
ele chegou na Casa dos Espelhos.
Eu acho bonito na salada, fica deco- Tinham flores lindas, ele ficou mara-
rado! vilhado com o que via. Foi andando
E no supermercado ela é cara. Mas pelas flores e ficou achando cada
no meu quintal cai carambola em lugar mais maravilhoso que o outro,
tudo. até esbarrar na casa de vidro. Quan-
do ele chegou estava toda fechada,
Gente, a Márcia tem uma história mas tinha uma janela. Quando ele
para contar. enfiou a cabeça para ver, lá dentro
Eu quero contar uma história que ele viu um menino. Ele deu tchau
tem a ver com os meninos que e o menino deu tchau também. Ele
vieram para cá, eles nos trouxeram sorriu e o menino também sorriu.
uma lição importante da vida. De Ele bateu palmas e o menino tam-
sentar e relembrar coisa que a gente bém. Ele pensou “nossa que me-
fazia quando era menina e que com nino alegre, que cara legal!”. Ficou
o tempo acaba perdendo. Eu pensei, tentando tirar ele de lá mas ele não
vou contar uma história para eles. saia. E ele olhava o menino sempre
Eu sou contadora de histórias aqui feliz lá dentro. Como ele estava feliz
no Centro Cultural. E essa história é estando preso? Vou voltar e pedir
assim: tinham dois meninos em uma ajuda. Ele veio pelo caminho noites
ilha muito longe, mas ela tinha cami- e dias andando e dançando. Quan-
nhos de terra que a ligavam a outros do ele chegou de volta ele contou
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lugares. O outro pedaço era longe para o senhor mais velho que mora-
demais. Tão longe que ninguém va na ilha. E o outro menino escutou
nunca chegava. De lá eles só ouviam e pensou “ah, mentira. Sonhador
notícias das coisas que aconteciam. demais. Só ver uma borboleta que já
Um dia eles ouviram falar que tinha fica maluco”. “Não, é verdade! E tem
uma casa que chamava Casa dos um menino muito legal lá dentro, a
Espelhos. Eles nem de longe conse- gente precisa salvar ele”. “É men-
guiam imaginar o que eram espe- tira”. Só que a noite veio e quando

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todos foram dormir ele falou “vou cozinha. Ficava na beirada do fogão
lá só desmentir esse menino”. Foi da minha avó escutando as histórias
pelo mesmo caminho. E no caminho do meu avô.
começou a ficar cansado, emburra-
Hoje a tecnologia não deixa os me-
do, chato e xingando. Saiu andando,
ninos escutarem histórias. Tá tudo
chutou o chão, arrancou a cabeça
se perdendo.
do dedo. Até que chegou. Quando
viu o jardim pensou “vou ter que Eu acho que quando se conta uma
atravessar isso tudo?”. Quando ele receita também se conta uma histó-
chegou ele não conseguiu entrar. ria. Toda vez que a gente conta uma
A porta continuava trancada. Ele receita ela vem junto com um caso,
enfiou a cabeça pela janela, e tinha uma situação, de onde ela veio.
um menino mal humorado lá den-
tro. “Esse que é o menino legal?”. E a da carambola como que é?
Olhou de novo e o menino estava (pausa para comida)
mais feio ainda. “Credo que menino
chato”. Começou a fazer careta e
o menino também fazia. “Olha que
menino chato”. Tudo que ele fazia
eram caretas e era muito mal humo-
rado. Voltou quase revoltado para
casa. Já chegou reclamando com
o senhor mais velho. “Mentira pura
desse menino, andei por uma estra-
da feia e lá tinha um jardim igual aos
nossos. Quando cheguei um menino
mal humorado, mal criado, horroro-
so”. O senhor pensou muito e falou
“Ah, já sei. Então a Casa do Espelho
é como a vida. A gente vê como se
olha para ela”.
A realidade é essa mesma.
Só verdade.
É o dom né? Cada um tem um dom.
Ela tem o de contar histórias. Um
tem o de contar história, outro o de
cozinhar, outro o de ser alegre.
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Tem gente que tem tudo isso!


(risos)
Aí vai para beira do fogão, conta
histórias.
As histórias fazem parte da vida
né? Essas histórias eu aprendi na

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Cartazes e exposição

data: Durante todo o período de atividades na Urca


local: Centro Cultural Pampulha
designer: Lucas Kröeff
público estimado: n/a
de onde vem: n/a
processo: Pensamos em ao organizar um calendário de
eventos ligados a Cozinha Comum Itinerante no território
e divulgar a programação de forma a engajar pessoas do
bairro nas vivências que propomos. Dessa forma confeccio-
namos um calendário de ação com as atividades propostas e
as informações do projeto, além de cartazes e flyers monta-
dos em formato de exposição processual dentro da galeria
do Centro Cultural.
efeito: n/a
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Cartazes e exposição

a programação gratuita

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Projeto

coletivo

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Cartazes e exposição
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Cartazes e exposição

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Projeto

coletivo

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Cartazes e exposição
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Cartazes e exposição

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Projeto, pesquisa e execução
Nó Coletivo: Ceci Nery, Paula Lobato
e Thiago Flores
Projeto Gráfico
Lucas Kröeff e Paula Lobato
Projeto módulos de cozinha
No Prumo: Bernardo Carvalho e Eric
Crevels

Parcerias
Ocupa EAD, Lucas Kröeff, Zora Santos,
Jaca Verde: Lucas Mourão, Vernalis:
Ana Cimbleris, História em Construção:
Horacius de Jesus, Associação Cruz
de Malta/ProJovem, Okenutre: Bruno
Araújo, Centro Cultural Pampulha.

Tiragem 500 livros


Papel Pólen Soft 80g.
Fonte Formular
Impressão Rona Editora, 2017

Cozinha Comum Itinerante


Belo Horizonte, Brasil
Dezembro de 2017
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