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Este resumo pretende colaborar na discussão sobre experiências cooperativas e

colaborativas a partir da investigação sobre a diversidade das produções têxteis


contemporâneas em Minas Gerais e sua relação com os territórios onde estão
inseridas. Como ponto de partida, recorremos à Associação Central Veredas,
localizada no Vale do Urucuia, onde cerca de 120 cooperativistas plantam, fiam,
tecem, tingem, bordam e elaboram imagens que remetem ao universo vivido pelas
artesãs. Processos em que se desenvolve uma releitura da própria história regional
e memórias particulares, suas festas e costumes, sua fauna e flora. Uma elaboração
que não tem caráter bucólico, mas se articula aos imaginários sobre identidade.

Se tal identidade se apoia na tradição, ela se atualiza no presente. Seja na forma de


organização ou nos processos produtivos, a passagem do não moderno ao
moderno é constante e tática (CANCLINI, 1998), ocasionando híbridos (LATOUR,
2012) como o algodão orgânico associado à agroecologia, ou os tingimentos aos
recursos locais, alimentação e medicina prática. Ao invocar as imagens de suas
suas antepassadas, essas tecelãs defendem uma história que se atualiza. Ao se
deparar com as condições do sistema em que estão inseridas, elas desenvolvem
formas de jogar com suas regras.

As cooperativas talvez tenham diante de si a potência de, através da organização,


estabelecer modos de vida emancipatórios, instituir relações de trabalho libertadoras
que se organizam na própria práxis coletiva, que estabelecem tempos e objetivos
próprios. A organização permite disputar um mercado pela valorização de seus
processos, histórias e produtos, recusando incorporar o ritmo de produção e meios
de exploração das fábricas. O trabalho articula associações de diferentes
municípios, reforçando seu caráter regional.

Na arqueologia do cotidiano, nos armários de famílias, encontramos trabalhos


manuais, produzidos por matriarcas que, privadas da vida pública, encontraram na
troca de panos-cartas canais de comunicação. No contexto da Veredas, estes panos
são escritos pelas artesãs, elaborados em processos coletivos (da comunidade
escolar ao ateliê partilhado), circulando, assim, as suas próprias construções
imaginárias. É possível aproximarmos essa prática da estética de si, proposta por
Foucault (1984), considerando, inclusive, a dimensão múltipla que possui, visto que
a partir dela há a soma de muitas singularidades, que atravessam gerações e
reinventam constantemente a própria cultura local, em uma perspectiva histórica
atualizada pelas criações.

Entretanto, os desafios são muitos e os sistemas de produção têxtil global geram


pressões através de concorrências desleais e produção de imaginários publicitários
que ocultam as formas de exploração humana e ambiental que os sustentam. O
exemplo da Central Veredas abre para muitas questões: Como essas formas de
fazer se desenvolvem considerando que, mesmo nos territórios ditos rurais, há um
urbanismo extensivo (MONTE-MOR) crescente? No contexto do urbanismo
neoliberal, como as práticas artesanais podem sobreviver ao imperativo da
concorrência e da acumulação empresarial? Quais são as estratégias de
r-existência e dos saberes e fazeres híbridos insurgentes? Para além do direito à
cidade, seria pertinente pleitear o "direito ao campo", entendendo aqui campo na
sua temporalidade e capacidade de associações cooperativas, pautadas pelo
cuidado e pela partilha?

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