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Indique, conforme seu interesse e por ordem de prioridade, 03 (três) dos “Termos de Referência de
Pesquisa” do NPGAU (disponíveis para download no website: www.arq.ufmg.br/pos).
Este trabalho propõe investigar as controversas da formação territorial, urbana e cotidiana de Minas
Gerais a partir do ponto de vista da produção têxtil. O recorte parte da relevância histórica dessa
indústria para o estado e as diversas formas como se manifesta, ora como sistema produtivo de
vanguarda em cooperativas, ora como força capturada pela indústria capitalista. Interessa aqui
pensar, do ponto de vista do sociólogo Bruno Latour, como um mesmo ator (o tecido) pode participar
de formas complexas em distintas produções sociais e espaciais.
Em uma primeira etapa será investigada a formação territorial de MG a partir das fábricas de tecido
para em seguida elencar um município representativo deste panorama como estudo de caso. Em
uma segunda etapa serão investigados os efeitos da mecanização da produção têxtil na vida
cotidiana deste município. Por fim uma análise geral, atravessando a produção territorial, urbana e
cotidiana nessa cartografia.
Considerando apenas o Termo de Referência escolhido como primeira prioridade, informe (máximo
de 3000 palavras para os três itens em conjunto).
● Justificativa de seu interesse pelo tema. Se for o caso, apontar suas experiências
profissionais ou acadêmicas relacionadas ao tema.
A pesquisadora Concessa Vaz de Macedo (2006) aponta que essa era uma produção de
protagonismo feminino e de vanguarda no sentido de organização produtiva. Seus
processos se davam de forma mais integrada aos recursos naturais e humanos do território,
fortalecendo economias locais enraizadas na geografia e cultura de cada região. Em cada
parte de Minas se aprendiam tradições vindas de diferentes contextos históricos, referências
de paisagem, elementos da natureza usados para tingir os fios e tecidos e das trocas
estabelecidas dentro das comunidades. Por isso também as produções tradicionais em
Minas ganham traços característicos muito plurais e territorializados.
A partir da metade do século XIX essa indústria que até então era doméstica e informal,
desconsiderada nos levantamentos sobre a economia regional do Estado, passa a ser
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visada por pequenos empresários. Em 1872 é instalada a primeira fábrica de tecido em
Minas (VAZ, 1977). A mão de obra majoritariamente feminina e com um perfil social
vulnerável formada em grande parte por migrantes, órfãs, solteiras ou viúvas possibilitou um
setor de grande exploração de mão de obra (MACEDO, 2006).
O presente trabalho pretende traçar as relações que se estabelecem entre produção têxtil,
sociedade e espaço a partir de um estudo de caso. Minha perspectiva parte do estudo do
livro Reagregando o Social, de Bruno Latour, no qual o autor traça um procedimento de
investigação sociológica na qual atores humanos e não humanos (todas as coisas naturais e
culturais) participam de uma rede que se desenvolve sob uma sociedade e um contexto.
Tendo em vista analisar a construção de um território em suas complexidade e contradições,
a partir do mesmo ator (o têxtil) em suas diversas formas (tecido, linha, artesanato) em
contextos distintos (fábrica, casa, ateliê).
A minha escolha de partir do universo têxtil para pensar essas intersecções da produção
material, cotidiana e espacial se dá por sua onipresença em Minas Gerais: seja na história
oficial do estado ou nas histórias familiares e particulares. O interesse parte também da
relação pessoal que tenho com as produções têxteis que atravessam a história da minha
família - como a de tantas outras - e chegam em mim como minhas atividades de trabalho,
criação e investigação.
Em uma primeira etapa será investigada a formação territorial em MG a partir das fábricas
de tecido, que impulsionaram a criação de bairros operários, a modernização do espaço
urbano e direcionaram vetores de desenvolvimento. Para isso proponho fazer, a partir de
uma revisão bibliográfica e estudo de mapas, um panorama pelo Estado para, em seguida,
elencar como estudo de caso algum município ou região representativa dessa história,
buscando compreender sua evolução urbana em relação às estruturas de produção têxtil a
partir de documentos oficiais, mapas da cidade e entrevistas com moradores da região e
trabalhadores do ramo.
Além de sua implicação na estrutura territorial, o caráter da produção industrial aliena a força
de trabalho, massifica e homogeneiza a fabricação têxtil e também afeta a vida cotidiana
dessas cidades ao distanciar o ofício do território. No capitalismo global as empresas
transnacionais migram constantemente suas bases para onde as leis trabalhistas são mais
frágeis. Muitas fábricas outrora importantes em MG e no país foram fechadas por não
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conseguirem competir nesse sistema. Para onde as mulheres que detinham os
conhecimentos têxteis foram?
O filme “Estou me guardando para quando o carnaval chegar” mostra a realidade no interior
do Pernambuco, onde os equipamentos das fábricas fechadas voltaram a integrar ateliês
domésticos. Diferente de outrora esses nada tem de vanguarda em sua linha de produção,
são organizações de costureiras em facções que prestam serviço para empresas sem
vínculos formais, reflexo da precarização do trabalho que avançou em nosso país nos
últimos anos. O filme revela a complexidade desta forma de trabalho onde a ilusão de deter
os meios de produção se tenciona por não se ter o controle de escoamento, produzindo
sempre mais, por menor remuneração e com menos qualidade.
Hoje, mulheres e coletivos ainda praticam formas tradicionais de fiar, tear, tingir, bordar e
trabalhar os tecidos e linhas. Processos que visam à emancipação social e econômica e ao
mesmo tempo trabalham de forma integrada a cada contexto: a partir de recursos locais,
dando formas aos imaginários de suas regiões e suas histórias, integrando comunidades e
formando mercados - tomo como exemplo as associações da Central Veredas e Mulheres
do Jequitinhonha que desenvolvem artesanatos têxteis que narram seus lugares de origem,
ilustram paisagens e imaginários locais, utilizam recursos locais e fomentam cadeias
produtivas cooperativas.
A segunda parte do trabalho será investigar o que se inscreve nesse cotidiano entre fábricas
e ateliês no contexto estudado. Compreender como a vida é afetada pelas fábricas bem
como os resquícios, consequências e resistências das trabalhadoras têxteis na região de
estudo de caso. Aqui penso em uma perspectiva do antropólogo Néstor Garcia Canclini em
seu livro Culturas Híbridas (1998), para quem no mundo capitalista nenhuma cultura se
mantém pura, as práticas tradicionais se reinventam e se atualizam, hibridizando-se com a
cultura capitalista-urbana para poderem circular, se perpetuar e serem sustentáveis à
comunidade.
Para este movimento pretendo recorrer a entrevistas com costureiras que vivenciaram esses
diversos modelos de trabalho descritos, tendo como foco compreender as mudanças em
suas formas de fazer, de se relacionar com a cidade e comunidade e como novas formas de
produzir tem rebatimentos em vínculos comunitários e territoriais por meio de processos
estéticos e escolhas nas formas de produção.
Nos últimos meses, em entrevistas realizadas por mim com costureiras que trabalham em
BH, fica bem evidente as linhas comuns que atravessam as histórias dessas pessoas bem
como a dificuldade em se generalizar certas ideias ou reduzi-las a um estereótipo limitado
pelo seu ofício. Nas entrevistas é comum a narrativa do aprendizado dentro da própria
família, a atuação enquanto costureira de bairro e a importância que isso tinha na época, a
vinda para BH e início de atividade em fábrica, além dos aprendizados propiciados pelas
boas fábricas, o trabalho em marcas menores onde se tem maior presença criativa e as que
escolhem trabalhar por facção.
Nelas transparecem as tensões entre a fábrica e o ateliê. A leitura tradicional deste tema
revela que atividades relacionadas ao mesmo objeto-ator em uma sociedade podem
vislumbrar projetos de mundo muito distintos. A fábrica domina e subjuga o espaço que está
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ao seu redor, constrói as moradias operárias com baixa qualidade ambiental e muitas vezes
sem nenhuma contextualização urbana para que as operárias estejam à disposição para o
trabalho. Os ateliês e associações podem por vezes recriar o próprio universo doméstico e
criar interfaces com a rua; já as associações buscam maior contato com comunidade e
território, buscando criar a partir de histórias coletivas e até recursos à disposição. Cada
sistema de produção estabelece relações particulares com o território, a sociedade, recursos
e o próprio objeto produzido, seriam então chaves para se pensar projetos e formas de
construir mundos e como habitá-los, voltando mais uma vez a discussão para algo que
acredito ser urgente ao pensamento urbano: contemplar os processos cotidianos e
essenciais de uma sociedade que podem ser instrumentos de controle social ou de
mobilização e engajamento. Certamente esses sistemas não se excluem, mas sim se
co-dependem, como muito bem elaborado por Milton Santos em “O Espaço Dividido” ao
tratar das divisões e atravessamentos entre circuito superior e inferior da economia.
Sendo assim, como última etapa deste trabalho pretendo, ao cruzar leituras de nível
estrutural e cotidiano, pensar os modelos de vida que são produzidos pela fábrica e pelo
ateliê, como estes se especializam na cidade e criam formas de habitar que estabelecem
relações específicas entre território e sociedade. Afinal, quais modelos de mundo são
elaborados através desses sistemas de produção e formas de fazer.
Com a escolha de um município para uma investigação mais aprofundada será importante
em um primeiro momento a leitura espacial, a capacidade de estudar mapas, fotografias
históricas e o ambiente construído para formular hipóteses que cruzem a minha observação
e dados colhidos. Essa sensibilidade de pesquisa foi muito trabalhada em minha formação
entre os anos de 2014 e 2015 quando realizei um intercâmbio pelo CSF para a cidade de
Budapeste, onde estudei Landscape Architecture na Corvinus. A disciplina por lá era
compreendida em uma forte interseção com a sociologia urbana, tendo praticado em aulas e
estágios diversas metodologias de análise do ambiente urbano a partir de seus mais
diversos elementos e fontes de dados. Além disso, muitas vezes as investigações eram
construídas junto a grupos e comunidades.
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Acredito que a necessidade de experiência em campo, ainda que curta, permitiria
desenvolver conversas seja no formato de entrevistas individuais, rodas de conversa em
grupo (no caso de associações e facções) ou dinâmicas de jogos, de acordo com o que for
adequado ao contexto. Tais dinâmicas vão de encontro com a metodologia utilizada por mim
em meu TCC, no qual foram realizadas entrevistas, rodas de conversas e oficinas que
compõem o texto central em formato de diário de campo, intervalado com reflexões críticas
e análises teóricas do que fora observado, vivido, conversado e compartilhado. Também tive
experiências com entrevistas sobre autoconstrução em projetos de extensão durante a
graduação.
Em minha formação também conciliei meu interesse pelo urbanismo, produção de cultura
material e imaterial e as dinâmicas sociais que existem no território. Trabalhei em vários
contextos enquanto arquiteto mediador, em uma postura que conciliasse conhecimentos e
práticas em antropologia, sociologia, comunicação, artes e urbanismo. Sempre tomando em
conta que a alteridade é agente ativa, que tem ciência de si, buscando me colocar em
campo enquanto interlocutor, construindo ideias e intervenções a partir da coexistência.
Acredito que essa postura de campo será essencial também para executar este projeto.
Agora focado em outra produção da atividade humana pretendo levar além essa
investigação das formas como os sistemas produtivos e seus artefatos culturais se
interseccionam com modos de vida e produção do espaço. Creio que esse repertório e
senso crítico serão de grande importância para uma reflexão na última estapa deste
trabalho.
Cito aqui algumas outras atuações profissionais que creio terem sido de grande valia para
meu amadurecimento e preparo para compreender o tema e ter uma postura de
pesquisador: articulação com pequenos produtores de BH e RMBH na formação de feiras de
produção e gestão coletiva; colaboração no coletivo Valyo, que desenvolve ações de
integrar o Rio Danúbio ao cotidiano de Budapeste; a intervenção Horta Comum, construída
pelo intervalo de um ano entre colegas e vizinhos do bairro Serra em espaço público
residual, transformando o cotidiano de uma rua; o trabalho O Que Acontece Aqui, uma
leitura das dinâmicas do viaduto Santa Teresa que se desdobrou em uma publicação,
realizada em parceria com seus ocupantes de diversos coletivos; a oficina Cordéis de
Araçuaí realizada com crianças a cidade para recuperar e registrar histórias orais da cidade;
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projeto Resgate um mapeamento vivo das diversas formas de usar que habitam o edifício
Maletta em BH; acompanhamento da disciplina de saberes tradicionais no território
Xacriabá, ao norte de Minas.
Essas experiências práticas me permitiram circular, debater e construir alianças com outros
coletivos e acadêmicos que debruçam sobre este tema e correlatos. Através delas participei
de eventos que me deram referências de estudo de caso e bibliografia para se pensar a
transformação da cidade através da cultura, como o Entremeios: Imaginação Coletiva e Vida
Comum (RJ); Entremeios: Práticas Criativas e Democracia com Participação Cidadã (RJ);
Verão Arte Contemporânea (BH); Foro Internacional de Acciones Urbanas (Bogotá), dentre
outros.
Bibliografia principal
SANTOS, Mílton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países
subdesenvolvidos. [S.l: s.n.], 2004.
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Em sua obra Milton Santos analisa o fenômeno da urbanização no terceiro mundo. Para
além da importância de sua contribuição para compreender os processos históricos
envolvido no tema de minha pesquisa, o autor estrutura um desenho para se compreender a
economia desses países a partir de dois circuitos, o superior - referente ao grande capital - e
o inferior - das atividades de pequena escala. Ambos são constituintes do capitalismo e há
diversos atravessamentos entre si, mas cada um atua de uma maneira. Como pretendo
investigar o têxtil em circuitos de produção distintos essa leitura integrada de Santos me
será de grande relevância.
VAZ, Alisson Mascarenhas. A Indústria Têxtil em Minas Gerais. Revista de História, v.56, n.
3, p. 101-118, jun. 1977.