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Rio de Janeiro
Dezembro 2015
Coordenador:
Rio de Janeiro
Dezembro 2015
CATALOGAÇÃO NA FONTE
COLÉGIO PEDRO II / PROPGPEC / BIBLIOTECA PROFESSORA SILVIA
BECHER
CDD: 907
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Simone Alves da Silva – CRB7 5692.
Renan da Cruz Padilha Soares
O presente trabalho tem por objetivo de analisar como a construção da de uma História
Oficial na cidade de Petrópolis - base do currículo das escolas públicas municipais - afetou a
visão dos jovens sobre a cidade e sobre sua própria identidade social. Foi desenvolvido, ao
longo de três meses, um projeto com os estudantes da turma 803 da Escola Municipal
Vereador José Fernandes da Silva, cuja metodologia consistiu em aplicação de questionário,
análise de linhas interpretativas historiográficas e atividades culturais. O projeto foi dividido
em quatro etapas através das quais os estudantes analisaram Petrópolis no contexto histórico
do Segundo Reinado; compreenderam a linha interpretativa do discurso oficial, perceberam os
argumentos de linhas historiográficas críticas ao discurso oficial, rememoraram as histórias
dos grupos excluídos pela História Oficial e, por fim, elaboram uma atividade com o resultado
das reflexões feitas ao longo dos meses. Um questionário foi aplicado no início e ao término
do projeto com perguntas que abordavam a visão que esses jovens tinham sobre a cidade e
sobre si mesmos. Os resultados obtidos na análise dos dados da pesquisa e da observação do
processo de produção dos trabalhos demonstram que o estudo restrito à história oficial
dificulta a percepção da complexidade das disputas de poder, da exclusão dos grupos
populares, marcadamente de suas manifestações culturais. O confronto entre as linhas
interpretativas permitiu a valorização dos grupos historicamente excluídos pelos discursos
oficiais, em especial o negro, servindo como importante instrumento de construção de uma
identidade social própria e uma maior identidade (sentido de pertencimento) dos estudantes
em relação à sua própria cidade.
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 08
2 OBJETIVOS.................................................................................................. 12
3 JUSTIFICATIVA............................................................................................. 13
4 METODOLOGIA............................................................................................ 15
5 EMBASAMENTO TEÓRICO......................................................................... 16
6 RESULTADOS............................................................................................... 19
7 CONCLUSÃO............................................................................... 32
REFERÊNCIAS............................................................................................. 38
APÊNDICE .......................................................................... 40
ANEXO ......................................................................... 41
INTRODUÇÃO
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construção da memória oficial, restrita ao universo da nobreza, há a afirmação da supremacia
da elite branca, cujas origens remontam a colonização alemã. Ainda no site da prefeitura
encontramos o seguinte trecho:
Mas isso não significava a inexistência de escravos na cidade, como vemos a seguir no
mesmo artigo:
9
desenvolver atividades de compra e venda de casas, escravos, ou de
qualquer outro objeto de valor. Isto demora um simples movimento
comercial e de corretagem, mas em confronto com os livros municipais
do período, não encontramos menção do termo ‘mercado de negros’, já
que tal terminologia em muito se aplicava aos mercados livres de
cidades como Rio de Janeiro e Salvador. E por Petrópolis, pelos seus
princípios econômicos, não denotar tal necessidade” (SILVEIRA, 2002)
1
Ver Figura 1 em anexos.
10
“Em 1837, chegou ao Rio de Janeiro o navio Justine com 283 imigrantes
alemães, cujo destino era Sidney, na Austrália. Devido aos maus tratos sofridos
a bordo, os colonos alemães resolveram não seguir viagem, permanecendo no
Rio de Janeiro. Após se entender com a Sociedade Colonizadora do Rio de
Janeiro, Koeler interessou-se por eles e através de pagamento de indenização
feito pelo governo ao capitão do navio, de nome Lukas, foi dada a permissão
aos colonos de desembarcarem no Rio de Janeiro.” (LISBOA e ANGELIM,
2006)
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Sendo assim, a apostila guia da disciplina de HGTP, aborda o tema da escravidão sem
responsabilizar as autoridades do país. Não o faz porque isso significaria responsabilizar o
império e a Família Imperial, manchando assim o “glorioso” passado da cidade de Petrópolis.
Por isso mesmo, no 8º ano, onde o programa incide justamente sobre o Segundo Reinado,
quando Petrópolis surgiu, nada se fala de escravidão ou da cultura negra. E as associações
feitas entre a Família Imperial e a escravidão, sempre ressaltam a imagem de um imperador
bondoso e moderno, constrangido diante de uma elite retrógrada, e, em especial, a Princesa
Isabel, signatária da Lei Áurea, como a Redentora dos escravos.
A pesquisa mostrou que os estudantes do 8º ano não se identificam com a história
oficial que descreve Petrópolis como uma cidade branca, nobre e sem contradições. Todos
pertencem a mesma comunidade, sendo negros ou não, vivenciando, portanto, uma realidade
econômica e cultural semelhante. De forma consciente ou não, rejeitam aquilo que não tem
consonância com a realidade vivida. Assim, ao reproduzirmos o discurso oficial, afastamos os
jovens. A história narrada oficialmente é uma espécie de ficção para atrair turistas. Pior é que,
no plano cultural, este ensino de História reforça estereótipos e padrões de beleza, que, em
grande parte, não são aqueles encontrados em si mesmos, levando-os a tentar alcançar esses
padrões, ao invés de valorizar a beleza, a cultura e a história de cada um deles. É buscando
uma forma de quebrar esse ciclo, que este trabalho irá se debruçar.
OBJETIVOS
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reflexão crítica e ajudar na construção da identidade dos alunos, especialmente dos negros.
Pretendemos que esses objetivos sejam alcançados através da aproximação entre a História e a
realidade prática do estudante, gerando um maior sentimento de pertencimento em relação ao
local onde vivem.
Esse deve ser o objetivo da História de uma maneira geral. De nada adiantarão as aulas
de História, se estas não estimularem o diálogo e o confronto entre as linhas interpretativas
dos fatos estudados. A referência tem que ser o cotidiano do estudante. O importante é que,
através do estudo da história, ele possa refletir sobre a sociedade em que vive e está inserido.
A realização desse projeto nos permite pôr em prática essa teoria e verificar os impactos que
esta abordagem tem na realidade da sala de aula.
Pretendeu-se mostrar para o estudante e para a sociedade de uma maneira geral, a
necessidade de “quebrar os muros da escola”. Vivemos numa estrutura de ensino do século
XIX. A sala de aula - quadrada, com estudantes enfileirados e o professor na frente deles -
dificulta a reflexão crítica, cumprindo um papel importante nessa permanência conservadora.
O professor, posicionado acima dos alunos, pretende iluminar as cabeças, “não iluminados”,
como já sugere a epistemologia da palavra “aluno”. Realizar projetos fora de sala de aula, ou
mesmo repensar a utilização do espaço dessa sala, é um passo importantíssimo para prender o
interesse do estudante.
Por fim, dialogando intimamente com os demais objetivos, busca-se fazer do uso da
tecnologia dentro e fora de sala de aula algo rotineiro. Mostrar para esses jovens que, o
estudo, a pesquisa e o conhecimento podem e devem fazer parte do seu mundo tecnológico.
Por isso, as ferramentas on line foram parte integrante da atividade durante seu processo e em
sua culminância.
JUSTIFICATIVA
As pessoas que não moram em Petrópolis têm a visão de uma cidade branca, de belos
casarões e pessoas ricas, a mais perfeita reprodução do lema “Cidade Imperial”. Esta visão
não é acidental. Mas basta um passeio mais longo pela cidade, que fuja de suas zonas
turísticas tradicionais, para vermos a formação de grandes favelas. Uma visita à um bairro
popular irá imediatamente quebrar a ideia da cidade branca. Então, nesta cidade construída
para ser vista como branca, onde está o negro e a negra? Está nas salas de aulas da escola
pública, tentando encontra-se neste espaço que, muitas vezes reproduz o discurso da História
oficial.
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Não é difícil perceber, principalmente se comparando com os estudantes das escolas
públicas da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma diferença em relação a identidade
visual negra. Sem que caiamos, de maneira nenhuma, no julgamento de como meninas devem
ou não se vestir, há, em Petrópolis, a presença muito maior de meninas negras com cabelo
alisado, em relação as escolas públicas do Rio de Janeiro, como é possível observar
empiricamente. Isto só para usarmos um exemplo. Não é raro, também, ouvirmos os
estudantes, até mesmo estudantes negros e pardos, reproduzindo preconceitos como: “cabelo
ruim”; “negro/negra bonito/bonita”.
A nível nacional a luta do movimento negro conseguiu avanços importantes em
relação a presença da cultura e da história afro-brasileira e africana no currículo escolar,
através da LDB de 2003 que introduziu o tema como obrigatório. Porém, esses foram os
primeiros passos e muitos problemas ainda precisam ser superados. No artigo de Anderson
Ribeiro Oliva "História africana nas escolas brasileiras: entre o prescrito e o vivido, da
legislação educacional ao olhar dos especialistas (1995 - 2006)” o autor aponta que uma das
falhas dos PCNs é, com a justificativa de não ser um documento coercitivo em relação ao
conteúdo de história africana a ser dado em sala, aborda de uma maneira muito geral e pouco
indicativa em relação aos enfoques que os autores de livros didáticos e professores devem
trabalhar.
“[...] não iremos encontrar nas outras partes dos PCNs, inclusive na
dedicada exclusivamente à História, nenhum recorte caracterizado por maior
especificidade. Por exemplo, no que se refere ao estudo da História para o 3º
ciclo do Ensino Fundamental, ou seja, as 5ª e 6ª séries, os conteúdos,
organizados a partir de um eixo temático central, ‘História das relações
sociais, da cultura e do trabalho’, e dos subtemas, ‘As relações sociais e a
natureza’ e ‘As relações de trabalho’, e, correspondentes a uma temporalidade
que se estende da origem da humanidade aos séculos XVI e XVII, pouca
atenção dedicam ao continente africano. Encontramos aí algumas passagens,
nas quais, a história da África é lembrada apenas de forma superficial e pouco
consistente.” (OLIVA, 2009)
Os problemas apontados por Anderson são facilmente encontrados na realidade prática
do cotidiano escolar. Sem a formação adequada e sem encontrar nos livros didáticos e no
currículo um norteador dos conteúdos que devem ser abordados, muitos professores precisam
buscar por conta própria artigos e textos que lhe auxiliem, mas, devido à essa falta de um
corte específico, diversos educadores continuam deixando o estudo da história e da cultura
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africana como um conteúdo secundário.
Essas debilidades são ainda mais fortes em Petrópolis, onde boa parte dos professores,
a maioria nascidos e criados na cidade, também reproduzem preconceitos e estereótipos,
presentes na própria História Oficial. Partindo da observação desses fatores que este trabalho
foi pensado. Um meio de tentar encontrar ferramentas que ajudem na superação dessas
questões.
METODOLOGIA
O presente trabalho tem como objetivos: evidenciar como a História Oficial da cidade
de Petrópolis exclui a importância da cultura negra, da escravidão e da resistência quando
constrói a memória da cidade; analisar como essa construção de memória afeta diretamente o
olhar dos alunos sobre a cidade e sobre si mesmos e verificar se uma abordagem diferenciada,
que valorize a memória dos grupos excluídos da História Oficial, surte algum efeito sobre
esse olhar. É claro que, entre o início da aplicação do projeto e o seu término transcorreram
somente 57 dias, limitando, assim, os resultados.
Quando se trabalha com a forma com que cada indivíduo absorve algo externo a si
corre-se o risco de cair em questões subjetivas importantes, mas difíceis de serem analisadas
em um trabalho científico. Por isso, optei pelo método de um questionário, aplicado no início
e no final do projeto e, com isso, poder trabalhar com números concretos na busca dos meus
objetivos já evidenciados. Como busquei analisar com esses questionários se houve uma
mudança de olhar desses estudantes sobre si e sobre o lugar onde vive, ambos questionários
tinham as mesmas perguntas.
Dividi a aplicação do projeto em duas etapas a serem aplicadas ao longo do terceiro
bimestre. A primeira etapa era o contato mais forte com a História Oficial. Mesmo que essa
construção de memória esteja por toda parte da cidade, desde seu nome, até as ruas e praças,
busquei apresentar a História por trás da Memória. Dessa forma, passei um vídeo
documentário fornecido pela Secretaria de Educação chamado: “Marcas do Passado” e, no
encontro seguinte, levei eles ao “Museu Imperial”, principal museu da cidade e um dos
principais do país. Nessa primeira etapa, já fui trabalhando com eles os grupos que estavam
sendo excluídos dessa História e os motivos pelos quais eram excluídos. Dessa forma busquei
atingir o primeiro objetivo de evidenciar a exclusão dos negros e negras da história da cidade.
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A segunda etapa tinha como objetivo mostrar o olhar desses grupos excluídos da
história oficial. Para isso, tentei trazer para escola um grupo de capoeira que,
tradicionalmente, trabalha a questão da memória do negro e da resistência à escravidão, além
de um grupo de Hip-hop, que já tem um espaço consolidado na cidade e é reconhecido pelos
estudantes, para trabalhar a situação do negro hoje na cidade.
Ao final dessas suas etapas, eles se juntaram em grupos para prepararem uma
apresentação livre sobre a História da cidade de Petrópolis, pelo olhar que eles escolherem. A
apresentação poderia ser feita de qualquer forma (poema, quadrinho, música, teatro etc)
deixando bem claro que eu valorizaria a criatividade além do conteúdo. E por fim, utilizei um
recurso eletrônico pouco conhecido chamado “Padlet” para eles postarem seus trabalhos. O
Padlet nada mais é que um painel virtual, de faço acesso, com o qual eles poderiam postar
texto, imagens, slide, vídeos etc.
EMBASAMENTO TEÓRICO
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em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos usos e
manipulações, suceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A
história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe
mais. [...], uma representação do passado. [...] operação intelectual e
laicizante, demanda análise e discurso crítico’” (FRIAS, 2010)
Portanto, o professor que trabalhar com a memória, como é objetivo desse projeto,
deve tomar cuidado para não simplesmente reproduzir o discurso de memória daqueles grupos
excluídos da História Oficial, para contrapor a memória construída pelas elites. Seu papel
deve ser trazer a voz desses grupos, mas sem nunca deixar de problematizar e trazer uma
visão crítica e científica dessas memórias que estão sendo trabalhadas.
Ana Cristina Figueiredo de Frias escreve que “A memória é uma operação do presente
e que lida com o passado como matéria-prima, um tempo pretérito que será, constantemente,
reconstruído, reinventado, a partir de uma experiência sensorial e afetiva.” (FRIAS, 2010).
Sendo assim, tanto quanto toda a sociedade, a memória está em disputa e mostrar essa
disputa, o por que ela ocorre e a correlação de forças existente nelas deve nortear não só a
realização de um projeto, tal como esse, como a prática cotidiana da sala de aula.
Então, se a memória está em disputa, ela também é usada pelos grupos que a História
Oficial tende a esquecer, como arma de sobrevivência de sua identidade histórica e cultural.
No que tange o ensino de História, a luta do movimento negro por ter a história do seu povo
incluída nas escolas, vem de muitas décadas e tem conquistado vitórias ao longo desses anos.
A inclusão do estudo de “História e cultura afro-brasileira e africana” na LDB de 2003 e a
incorporação do 20 de novembro (dia da morte de Zumbi dos Palmares) no calendário escolar,
foram algumas dessas conquistas. Porém, longos passos ainda precisam ser dados no caminho
de superar uma visão de História que secundarize, ou mesmo elimine a importância e a
contribuição da cultura africana e afrodescendente na História, como vimos nas apostilas de
HGTP.
Sendo assim, essas disputas vão adentrar na academia e terão no campo do ensino de
História um palco fundamental. A História sempre foi vista como arma crucial na construção
da sociedade. No século XIX, o ensino da História atende a necessidade de reafirmar a nação,
que naquele tempo histórico ainda se encontrava em formação. Isto fazia com que a História
ensinada em sala resumisse à uma série de narrativas de eventos históricos, dos heróis e mitos
considerados importantes pelas classes dominantes, para explicar a formação da nação em
questão. Este tipo de ensino perdura até o final da Segunda Guerra Mundial, quando esta
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necessidade de consolidar a nação é substituída pela necessidade de afirmar a democracia
liberal burguesa como a alternativa correta no mundo que entrava na Guerra Fria.
Esta mudança de perspectiva irá, claro, influenciar o ensino da História, que, agora,
passa a ter como foco preparar os alunos para a participação cidadã nessa democracia. Sendo
assim, é interessante observarmos que essa mudança é um ganho óbvio para o ensino de
História, visto que esse deixa de ser uma mera narrativa de fatos, que em nada, ou quase nada,
tem a ver com a vida dos estudantes. Porém, é importante observarmos que essa mudança,
ainda é orientada segundo os interesses da classe dominante. O que não significa que a
incorporação e aplicação dessas mudanças, não irá ser alvo constante de disputas, refletindo,
em certa medida, as disputas comuns às sociedades.
No texto “Guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de História” de
Christian Laville eles diz que “Vê-se aí o estranho paradoxo de um ensino destinado a uma
determinada função, mas acusado de não cumprir outra que não lhe é mais atribuída.”
(LAVILLE, 1999). Ao mesmo tempo que os PCNs, os Projetos Políticos Pedagógicos das
escolas e, em sua maioria, a narrativa desenvolvida nos livros didáticos tendem a priorizar
essa visão da formação de um cidadão crítico, setores conservadores insistem na necessidade
de uma História rígida e tradicional. E em Petrópolis, por sua característica histórica, uma
cidade formada para ser recanto da Família Imperial e da aristocracia do século XIX, essa
força dos setores conservadores no ensino se faz clara, principalmente na disciplina d HGTP.
Christian então aponta uma outra questão importante “pensar que ainda é possível
regular as consciências e os comportamentos por meio do ensino da história não passaria de
uma vã ilusão.” (LAVILLE, 1999). A História meramente narrativa não tem o poder que o
Estado e os grupos dominantes gostariam que tivesse, pelo simples fato de que, assim como
toda ferramenta da ideologia ajuda a moldar o pensamento dominante de uma determinada
sociedade, ela também é absorvida e interpretada de formas diferentes pelos grupos sociais,
segundo seu espaço e classe social. É por isso que aplicar uma História meramente narrativa
no ensino é um método fadado ao fracasso, seja no objetivo de moldar as mentes segundo o
pensamento da classe dominante, seja na tentativa de formar um cidadão crítico.
Sendo assim, o uso da memória dos grupos excluídos, de forma interativa e dinâmica,
como se propõem esse projeto, se faz necessário para que o ensino de História tenha êxito em
seu objetivo. É preciso trazer esse estudante para dentro da História, e para isso é crucial
aproximarmos a história dele. E isso se faz necessário, não somente para armá-los do
conhecimento necessário para prosseguir nos estudos e adentrar no mercado de trabalho, mas
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também para dotá-los de uma visão de que a história está em construção e as coisas são como
são, devido à uma série de eventos passados, desnaturalizando a opressão, a pobreza e
ajudando na construção de um olhar positivo sobre si mesmos.
ORGANIZAÇÃO DO PROJETO:
Primeira Etapa:
A primeira Etapa envolveu aulas expositivas sobre o contexto histórico. Escolhi
trabalhar com o Segundo Reinado, visto que, foi nessa época que se deu a fundação da cidade
de Petrópolis e é no período imperial que a História Oficial da cidade foca toda sua energia. A
duração foi do dia 03 de julho, ao dia 14 de agosto, com 6 encontros de 3 tempos seguidos
cada, lembrando que teve um período de recesso no meio disto.
No dia 03 de junho de 2015 foi apresentado à turma o projeto e explicada todas suas
etapas. Em geral, a reação não foi de empolgação. Não houve, porém, uma rejeição ao projeto
como um todo, e sim uma passividade maior do que a esperada. Entre os motivos que
explicam essa reação se dá o fato de que, neste dia, havia pouco mais da metade da turma
presente, o que é algo estranho de acontecer com a 803. As faltas foram consequência de um
Bingo na escola cuja data não constava previamente do calendário escolar.
Mas não é só isso que explica a apatia. Na apresentação do projeto, propositadamente,
se omitiu a informação de que o objetivo era contrapor duas formas diferentes de trabalhar a
História da cidade, a oficial e a crítica atualizada, pois essa informação poderia interferir no
resultado da pesquisa. Por isso, o projeto foi apresentado como simplesmente “História de
Petrópolis”. Nas palavras do estudante David Santos Amaral um dos melhores estudantes da
803, “A História de Petrópolis é muito chata. Só fala de D. Pedro e essas coisas” já indicando
que a história da cidade é trabalhada de forma a privilegiar o discurso oficial. Até mesmo a
ideia do passeio ao museu não despertou grande interesse, pelo contrário, essa proposta foi
lamentada por vários estudantes. Evidenciou-se mais uma vez que o desânimo inicial com a
apresentação do projeto poderia ter a ver com o tratamento dado pelo discurso oficial à
História da cidade, sendo assimilada pelo aluno como algo necessariamente chato. Quando
anunciado que uma das etapas envolveria apresentações de capoeira e hip-hop, houve uma
leve animada.
Interessante constatar que partiu de um grupo de estudantes que tem as melhores notas
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o maior questionamento ao projeto. Acompanhados por parte da turma, eles disseram que a
ideia da criação de um blog (como era pretendido inicialmente para a quarta etapa) era ruim e
nunca daria certo. As justificativas foram: “Ninguém usa blog”, “Ninguém sabe usar um
blog”, “Ninguém vai entrar no blog”, “As pessoas mal usam o grupo do facebook” (um grupo
que criei para diálogo com a turma no início do ano) etc. Mesmo quando explicado que o blog
era uma ferramenta importante para o tipo de atividades que pretendíamos, permitindo a
exposição organizada de vídeos, imagens, textos, que poderiam ser compartilhados com mais
pessoas, a resistência manteve-se obstinada.
As avaliações ficaram divididas da seguinte forma: participação, orientação,
apresentação do trabalho, postagem virtual do trabalho e prova. Na descrição das próximas
etapas veremos mais calmamente o que significa cada uma dessas avaliações. Então, foi
decidido em conjunto (professor e estudantes) quanto valeriam as avaliações, definindo por
10,0 cada uma, dividindo por 5 ao final.
O primeiro questionário foi entregue na primeira aula expositiva. Os demais
encontros, dessa primeira parte, transcorreram como aulas normais. Os conteúdos abordados
deram continuidade aos do bimestre anterior, sendo trabalhados na seguinte sequência, com 3
aulas de 50 minutos para cada encontro:
31 de julho: Vinda da Família Real para o Brasil;
07 de agosto: Independência do Brasil e Primeiro Reinado;
14 de agosto: Período Regencial e Segundo Reinado.
As aulas foram ministradas com a utilização de recursos áudio visuais, como
computador e projetor, para a apresentação de imagens e vídeos, como trechos de filmes,
séries e documentários.
Segunda Etapa
A segunda etapa consistiu no contato com a História Oficial. Poderá ser questionado o
fato de ser mesmo preciso fazer esse contato, se a História Oficial se faz presente no cotidiano
desses alunos através dos locais de memória, como praças e monumentos, nos nomes de ruas
e estabelecimentos e até mesmo na maneira com que a disciplina HGTP é normalmente
ministrada. Porém, a fim de criar um contraste maior com a terceira parte do projeto e, assim,
acentuar os resultados quantitativos obtidos através do questionário, foi decidido garantir esta
etapa.
Esta parte durou do dia 21 de agosto ao dia 28 de agosto, com 2 encontros. No dia 21
21
foi feito uma pequena introdução básica a respeito da formação da cidade de Petrópolis,
seguido da exibição do filme “Marcas do Passado: A História de Petrópolis”, obtida na
biblioteca da escola e disponibilizado pela Secretaria de Educação. Também foi explicado
para a turma um pouco melhor o objetivo do trabalho: ter contato com dois pontos de vista
sobre a mesma história e entender um pouco melhor o que são as memórias construídas
determinados fatos e eventos.
Antes de iniciar a exibição do referido filme foi dito à turma que se tratava de um
documentário cuja a dinâmica possivelmente não prenderia a atenção deles, mas que, ainda
assim, era crucial que todos prestassem bastante atenção e apreendessem o máximo de
informações possíveis. Conforme o combinado a turma aceitou as instruções e permaneceu
em silêncio durante os minutos iniciais do documentário.
O filme, por sua vez, em nada surpreendeu, sendo a reprodução exemplar do mais
conservador e enfadonho discurso oficial. A capa2, por exemplo, não deixava dúvidas do que
estava por vir, exibindo na parte de cima, à esquerda, foto do imperador D. Pedro II e, à
direita, foto da Imperatriz Tereza Cristina. O título apareceu no centro logo acima de uma foto
da coroa real. A utilização da imagem de personalidades da nobreza e do maior símbolo de
poder de uma monarquia deixava claro o ponto de vista do autor.
O filme foi competente na defesa dessa perspectiva, não decepcionando. A primeira
imagem que aparece, dando início ao que o filme pretende ser “a história da cidade de
Petrópolis antes de sua fundação até os dias atuais”, é a da coroa imperial. Mais uma vez o
símbolo máximo de poder da monarquia foi posto em destaque como se bastasse para dar
conta da complexidade da história da cidade. Como se não bastasse, por pouco mais de cinco
longos minutos, o documentário se restringiu a um texto lido em voz monótona, descrevendo
os antecedentes da fundação de Petrópolis. Repetiu como em um manual, a aventura de subir
a serra no período colonial, relatando contando os grandes feitos, de homens considerados
especiais. Não faltaram estereótipos a respeito de povos indígenas e a saga dos
“desbravadores”.
Por fim, depois de descrever a história do local onde seria fundada a cidade, o narrador
passa à colonização. O documentário mostrar uma série de fotos de famílias de colonos
europeus, principalmente alemães, que ocuparam essa região na condição de pioneiros. Em
seguida o foco passa a ser a história do da família imperial. Principalmente do cotidiano: o
que o imperador e sua família costumavam fazer quando estavam na cidade, seus gostos e
2
Ver Figura 2 em anexos
22
costumes, trazendo sempre uma áurea nostálgica à narrativa. Narrativa essa, invariavelmente,
acompanhada por música clássica. Por longos momentos tudo que se via eram fotos e pinturas
de Petrópolis antiga, acompanhadas pelas orquestras de música clássica.
Se, apesar da capa e do início, ainda se esperava uma história com problematizações,
com processos de ruptura e continuidade, com contradições, com disputas, enfim, uma
história viva, a decepção não poderia ser maior. O diretor, ao que parece, maravilhado por
esse mundo da Petrópolis do século XIX descrito pelo narrador, adotou também a visão
conservadora da historiografia oficial, ignorando mais de um século de avanços das ciências
sociais. Vez ou outra, um negro aparecia numa pintura ou foto, mas era invariavelmente
ignorado, pois este não era o foco da narrativa.
Como era de esperar, com 30 minutos de filme, era difícil segurar a atenção dos
estudantes e com 40 minutos já não havia nenhum deles sequer olhando para a tela da
televisão. Apesar de ainda ter tempo de aula, a turma foi poupada do sacrifício e a exibição do
filme terminou por aí, faltando ainda cerca de 25 minutos. É evidente que o documentário
“Marcas do Passado” foi um exemplo extremo do que seria a História Oficial da cidade, mas
não custa lembrar que este é um filme encontrado na biblioteca da escola e disponibilizado
pela Secretaria de Educação. Sendo assim, ele é encontrado em inúmeras outras escolas, e
seus 65 minutos de fotos de homens e mulheres brancas, acompanhados por música clássica,
provavelmente é exibido aos estudantes do ensino público que, na melhor das hipóteses,
respeitosamente permanecerão em silêncio, sem prestar atenção em nada do que foi dito.
Após a exibição do filme, foi problematizado com a turma que, mesmo se tratando da
História oficial, ela não precisa ter uma narrativa chata. No filme exibido, o roteiro era mal
montado, a forma de apresentação das imagens históricas também e a narrativa pior ainda.
Isto não é a toa. Muitos dos que compram a memória oficial como a história real, são
pertencentes à elite econômica e intelectual da cidade e permanecem presos à uma visão de
cultura conservadora, que pouco, ou nada dialoga com a dinâmica da realidade atual e,
principalmente, com as classes sociais de baixa renda, com as quais esse trabalho foi feito.
É claro que a falta de interesse demostrada pelos estudantes tem a ver com uma falta
de identificação com a história contada. Mesmo se tratando da história da cidade deles, a
abordagem lhes é estranha, pois se limita a vida nos palácios reais e dos colonos alemães.
Para a maioria dos alunos, esse discurso não ajuda a compreender as respectivas vidas: o
cotidiano, o hoje. É um relato descolada da realidade prática.
Por isso, na etapa seguinte, buscou-se a apresentação da História oficial, de uma
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maneira mais leve e dinâmica. Assim, no dia 28 de agosto, a turma 803 foi ao Museu
Imperial3, para uma visita guiada pelo antigo Palácio Imperial de Vossa Majestade D. Pedro
II, seguida pelo “Sarau Imperial”, uma apresentação teatral feita dentro do terreno do museu,
em um espaço anexo. Desta forma, a rejeição ao relato oficial, assim como o desenvolvimento
de uma visão crítica, não poderia ser creditada apenas ao contato enfadonho com o filme
descrito.
Sair de sala de aula já muda a disposição dos estudantes. Mesmo quando é para fazer
uma atividade no próprio pátio da escola. Sendo assim, não é de se surpreender que
estivessem animados com o passeio ao museu. A contestação feita no início do projeto à
possibilidade de ser uma visita chata, logo se desfez com a realidade de se estar ao ar livre,
com colegas, ao invés de dentro das quatro paredes de uma sala de aula.
Como era de se esperar, até mesmo por se tratar de um Museu suja a finalidade e o
nome tem como objetivo reviver a memória do passado imperial da cidade, o foco da
apresentação feita pela guia foi o cotidiano da família imperial, a utilização dos cômodos,
pincelado com curiosidades a respeito da vida da aristocracia do século XIX e as diferenças
nos costumes em relação aos dias de hoje. Vez por outra, o papel da mulher na sociedade
imperial era apresentado com um leve tom de crítica, como, por exemplo, mostrou-se um
quadro sobre a coroação de D. Pedro II, onde as mulheres, na pintura, ocupavam um local
afastado, agindo apenas como observadoras. Mas até mesmo essas pequenas críticas, que
muitas vezes pareciam apenas a narração “das coisas como eram”, eram seguidas pelo
glamour da vida na corte e a valorização da ostentação da riqueza, como o simbólico berço
folheado a ouro da família real.
Na ocasião da exibição do filme “Marcas do Passado”, com a turma completamente
dispersa, não foi possível chegar ao momento em que o narrador teria que, de uma maneira ou
de outra, falar da escravidão: a assinatura da Lei Áurea. E esta é uma parte fundamental e
crítica desse presente trabalho. A questão da resistência e da libertação dos escravos é um
assunto que reflete as disputas de memória que existem na história do Brasil. Há duas datas
históricas que, tradicionalmente, se relembra esta questão: o 13 de maio, dia da assinatura da
Lei Áurea feita pela princesa Isabel e 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares.
No artigo escrito para a Revista de História da Biblioteca Nacional, Verena Alberti e
Amilcar Araujo Pereira escrevem:
“o primeiro ato evocativo de celebração do 20 de novembro, dia da
3
Ver Figura 3, Figura 4, Figura 5 em Anexos
24
morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, foi realizado pelo Grupo Palmares, de
Porto Alegre, em 1971. Passados sete anos, a segunda assembléia nacional do
MNU, realizada em Salvador em novembro de 1978, declarou a data o “Dia
Nacional da Consciência Negra”, que hoje é feriado em mais de duzentos
municípios do país. Este é um exemplo bastante evidente do trabalho de
disputa pela memória nacional, que culminou com a inscrição do nome de
Zumbi no livro dos heróis da pátria, em 20 de novembro de 1996.” (ALBERTI
e ARAUJO, 2008)
25
a Lei Áurea e uma cópia do documento oficial. Associa-se assim, diretamente, a monarquia à
libertação dos escravos e não a escravidão em si. A guia do museu, que se dedicou
considerável tempo para falar como as mulheres da aristocracia se comunicavam secretamente
usando movimentos dos leques, passou rapidamente por essa sala. Naturalmente, foi possível
constatar que a preferência dos alunos era pelos belos e ricos símbolos da monarquia e não
pelos símbolos da libertação.
O reforço da imagem de uma Família Real humanista, moderna e progressista não para
na visitação ao museu. Terminado o passeio pelas dependências do Palácio, fomos assistir ao
“Sarau Imperial”4. O sarau nada mais era que uma peça encenada com atores que
interpretavam importantes figuras da aristocracia do período, sendo a principal a própria
Princesa Isabel. O cenário buscava reproduzir o que seria uma sala de convivência da
nobreza, onde Isabel convidava suas amigas e confidentes para ler poesias, cantar, ouvir
música e falar sobre questões do período. A música - clássica, é claro! - era tocada por um
pianista também interpretando um personagem da época.
A proposta do Sarau é promover, em determinados momentos, uma interação com a
plateia. O objetivo é tentar tornar mais leve algo que tende à chato, até por que os personagens
tentam reproduzir a maneira de falar da época. A interação é feita de forma mecânica e rígida,
mas funcionou em parte. Os atores faziam perguntas aos espectadores e, vez por outra,
traziam alguém da plateia ao palco para interagir. Esta fórmula, de fato, ajudou a manter os
estudantes com a atenção presa. Interessante também foi que, junto com a 803 da Escola
Municipal José Fernandes da Silva, estava uma escola particular, com alunos menores. Os
alunos da escola particular sentaram-se a esquerda do palco e os alunos da municipal à direita
criando uma situação onde, de um lado havia somente crianças brancas e do outro uma maior
mistura e variedade de tons de pele. Não era preciso muito esforço para saber qual lado era da
escola pública e qual o da escola privada. Uma das crianças da escola particular ainda
surpreendeu, ao tocar a 9ª sinfonia de Beethoven no piano.
Durante o sarau, seguiu-se a mesma narrativa encontrada tanto no filme “Marcas do
Passado” quanto na visita guiada ao museu, desta vez com uma terceira linguagem diferente.
Falou-se do cotidiano, dos costumes da aristocracia e, quando se falou de questões políticas, a
personagem da Princesa Isabel deixou clara que a posição de seu pai, D. Pedro II, era
terminantemente contra a escravidão, como deve ser um homem culto e voltado à ciência,
assim como ela própria, claro. E, para justificar o fato do o imperador que governou o país por
4
Ver Figura 6 e Figura 7 em Anexos.
26
mais de quarenta anos, ser contra a escravidão e a escravidão continuar a existir, Isabel
afirma: “Os fazendeiros deste país são muito conservadores e não deixam meu pai libertar os
escravos”.
Na saída do sarau, para dar fechamento a essa etapa da atividade, foi aberta uma
discussão orientada pelo professor que procurou ajudar os estudantes a pensar criticamente o
que foi vista na visita ao museu e no sarau. Aproveitou-se a ocasião para retomar o discurso
oficial e o da historiografia crítica, usando-as como referências para análises. Foi destacado
que a história oficial é apenas um dos pontos de vista possíveis sobre a história da cidade de
Petrópolis. Uma construção de memória feita pelos grupos que estão no poder econômico e
político desde a época imperial, que inclui “esquecimentos” propositais. Esquecimentos esses
que os estudantes logo notaram se referirem especialmente aos negros e negras. A História
Oficial tocar nos assuntos da escravidão somente para falar que foi a Família Real a
promotora da libertação dos escravos, esquecendo, ou distorcendo o fato de que essa Família
Real governou por 67 anos com mão-de-obra escrava e que a libertação é fruto da própria luta
e resistência dos escravos ao longo de todos esses séculos, se intensificando ao final do século
XIX.
Terceira Etapa
Na terceira etapa, os estudantes tiveram a oportunidade de entrar em contato com uma
outra visão da história de sua cidade. A atividade desenvolvida permitiu ouvir a memória
daqueles sistematicamente calados pela História Oficial, excluídos do poder e dos espaços
públicos e privados onde houvesse boa qualidade de vida; antes e depois da libertação dos
escravos pela Princesa Isabel. Para isso a estratégia escolhida foi trazer um grupo de capoeira
e jongo, pois, tradicionalmente, pela própria história do surgimento dessas duas artes, esses
grupos trabalham a memória da resistência negra à escravidão, valorizando sua história e sua
cultura. Também veio um grupo de hip-hop com objetivo trabalhar questões da cultura e do
cotidiano dos negros e negras da cidade nos dias de hoje.
Essa etapa era crucial para o sucesso da atividade. A cidade tem um encontro de hip-
hop todas as quintas no CDC, o Roda Viva. Esse evento é conhecido e frequentado por muitos
alunos. O professor já tinha contato pessoal com os organizadores do CDC e foi mais fácil
fazer o convite e acertar os detalhes de como seria a apresentação no dia. A dificuldade se deu
com o grupo de capoeira e jongo. Foi feita busca pela internet e, desta forma, chegou-se ao
Mestre Eliel que, segundo ele próprio, já trabalhava dessa forma e já havia feito projetos desse
27
tipo. Devido à desencontros, não foi possível sentar para organizar a apresentação e dialogar
sobre a proposta de forma antecipada.
A terceira etapa se daria em apenas um encontro no dia 4 de setembro, no pátio da
escola, onde pretendia-se trabalhar a capoeira, jongo e hip-hop. No dia, depois de um longo
atraso, Mestre Eliel5 apareceu sozinho e sem instrumentos. Pediu desculpas pelo atraso e por
não ter podido trazer seu grupo, nem os instrumentos, pois teve contratempos pessoais. Como
era impossível adiar a apresentação pelo calendário apertado e por que o pessoal do hip-hop já
havia chegado pontualmente, Mestre Eliel fez apenas uma apresentação oral que ele dividiu
de duas formas: uma aula expositiva sobre a história do negro em Petrópolis e, depois,
falando sobre a história da capoeira.
A apresentação ficou um tanto quanto separada, como se as duas coisas, história do
negro e da capoeira, não se misturassem. Este problema foi, em parte, desviado pelas
perguntas feitas pelo professor e pelos estudantes. Entre as perguntas dos estudantes
destacam-se aquelas que associaram as religiões de matriz africana, com a capoeira e sobre a
relação da capoeira com a resistência escrava. Apesar de ter ficado muito aquém do planejado,
não foi um completo desperdício, muito graças à disposição da turma que, em grande parte,
abraçou o projeto e retirou dali importantes ensinamentos, ainda que, não de maneira
interativa e numa linguagem diferenciada.
Se a apresentação do “grupo” de capoeira foi quase um fiasco, o grupo de hip-hop6
compensou tudo. Eram jovens, não muito mais velhos que os estudantes da turma 803, em
geral, da mesma classe social, com a linguagem e questões pessoais e sociais semelhantes.
Com eles fizemos “batalhas de improviso”, onde dois rapers se enfrentavam improvisando
uma rima com um tema. Os temas dados tiveram a ver com a atividade como: preconceito;
capoeira; escravidão; democracia etc. Os estudantes interagiram, participaram de batalhas,
sugeriram temas, vibraram e se animaram. Mesmo que, muitas vezes, didaticamente se fugia
do conteúdo, ou não abordava questões do conteúdo oficial, procurou-se deixar claro que
aquilo tudo também era História, também era ensino e aprendizado.
É claro que a não apresentação de um grupo da capoeira e jongo, interagindo, jogando,
cantando e trazendo a memória da luta e da escravidão fez falta, mas não chegou a anular a
atividade ou o projeto de uma maneira geral. Os estudantes conseguiram ter contato com a
memória dos grupos excluídos da História oficial e ligar isto aos problemas enfrentados pelos
negros hoje. Puderam compreender a importância dessa memória esquecida pelos grupos de
5
Ver Figura 8 e Figura 9 em Anexos.
6
Ver Figura 10, Figura 11, Figura 12, Figura 13, Figura 14 e Figura 15 em Anexos.
28
poder.
Quarta Etapa
Ao final do dia 04 de setembro, após a apresentação do grupo de hip-hop e a falação
do Mestre Eliel, organizamos os grupos e falamos de forma mais clara, explicando os
pormenores do trabalho final. Eles se organizaram em 11 grupos, com a quantidade máxima
de 5 pessoas e mínima de 2. Deveriam preparar um trabalho que contasse a história da cidade
de Petrópolis sobre um dos pontos de vistas trabalhados por nós naquele bimestre.
Trabalhando a História Oficial, que focava na Família Real, ou a memória dos grupos
excluídos, dos negros e da escravidão.
A forma de apresentação era livre. Poderia ser feito filme, teatro, romance, poesia,
quadrinho etc. A única exigência feita foi ser criativo e usar bem o recurso que escolhera para
apresentar. Ou seja, não era para trazer um trabalho com textos prontos tirados da internet e
lidos mecanicamente para a turma. Nem para, escolhendo usar slides, por exemplo, apresentar
uma aula sobre história de Petrópolis, com textos copiados de algum lugar e imagens sem
serem trabalhadas. Valendo 10,0, a nota do trabalho ficaria dividida em: apresentação, ou seja,
a forma de apresentar o trabalho à turma no dia em questão; criatividade; recursos; conteúdo
abordado; complexidade do conteúdo, sendo 2 pontos para cada item.
Visto a complexidade do trabalho e a necessidade de que trouxessem algo bem criativo
e dinâmico, foi marcado para o dia 11 de setembro o dia da “orientação”. A “orientação”
valeria nota 10,0 e consistia basicamente na análise do que eles haviam feito até aquele
momento. Desta forma, obrigava-os a trabalharem com antecedência, visto que a apresentação
seria somente na semana seguinte, dia 18 de setembro e abria a oportunidade de uma
assistência do professor aos trabalhos. Um imprevisto, a remarcação de uma Reunião
Pedagógica para o dia da orientação, fez com que essa parte da quarta etapa fosse feita
virtualmente, através do grupo da turma no Facebook e no WhatsApp. Dos 11 grupos, 10
apresentaram através dessas ferramentas o que pretendiam fazer, o que tinham feito até aquele
momento e receberam dicas e a nota do professor para a orientação.
18 de setembro foi a apresentação dos trabalhos. Talvez pela falta que fez a orientação
presencial, dos 11 grupos, apenas 5 receberam nota máxima no quesito “criatividade”, sendo
que 3 ficaram com menos da metade dos pontos. Mesmo sendo uma avaliação subjetiva feita
pelo professor, já pode ser um indicativo que, mesmo tendo a liberdade de produzir da forma
que melhor desejarem, muitos falharam. Assim como no quesito “recurso”, que apenas 4
29
grupos tiraram nota máxima, ou seja, usaram bem aquilo com o qual pretenderam trabalhar,
seja vídeo, poesia, romance, slide etc.
Não significa que os trabalhos foram ruins, mas faltou aproveitar melhor a
oportunidade de um trabalho livre, com 2 semanas para preparar e dicas do professor. Isso não
significa uma turma sem criatividade, mas sim um sintoma de que esses estudantes não estão
acostumados a realizarem trabalhos dessa forma. Ainda predomina na escola a lógica onde o
estudante finge que faz o trabalho copiando e colando diretamente da internet e o professor
finge que corrige dando nota máxima para quem entregou. Lógica essa que não é culpa
somente do corpo docente, como também da própria lógica em que a escola funciona.
É interessante observar também que todos os grupos apresentaram a história da cidade
sob ponto de vista dos negros e negras, sendo que 3 deles optaram também por mostrar o
ponto de vista da História Oficial. Sendo assim, apesar dos problemas da terceira etapa,
podemos concluir que eles absorveram bem a importância de valorizar a contribuição dos
negros e negras para a história da cidade.
Em uma terceira parte dessa etapa o objetivo era postar virtualmente os trabalhos.
Inicialmente a ideia era trabalhar com um blog do blogspot, fácil de fazer e fácil de postar.
Apesar da resistência obstinada de alguns alunos no início do bimestre, manteve-se essa parte,
por acreditar na importância do uso de ferramentas virtuais no ensino aprendizagem. Esses
jovens vivem em um mundo de tecnologia, luzes, imagens, vídeos, sons, informações
instantâneas e o professor e a escola que não entenderem isto, estarão ampliando o abismo
que já existe entre eles e o estudante.
Mas então por que tal resistência desses estudantes ao uso de uma ferramenta virtual?
Isto se dá pelo fato de que, apesar de todos eles estarem muito mais conectados ao mundo da
internet do que os jovens de sua faixa etária e de renda estavam há três ou quatro anos atrás, o
mundo da internet para eles é bem limitado quanto ao seu uso. Mesmo o estudante com maior
dificuldade de acesso à internet, conseguiria com relativa facilidade fazer esse acesso
regularmente, seja através dos membros do seu grupo, ou de lan houses, para a realização do
trabalho. Ainda assim, o acesso à internet se dá quase exclusivamente para o uso do
WhatsApp e Facebook, tendo como primazia absoluta o primeiro. Isto não ocorre
exclusivamente por falta de interesse desses estudantes no amplo mundo da internet, mas
também, ou principalmente, por uma questão material:
“Oito em cada 10 crianças e jovens brasileiros entre 9 e 17 anos
usuários de internet costumam acessar a rede pelo celular todos ou quase todos
30
os dias. Pela primeira vez, o dispositivo móvel ultrapassou o computador de
mesa como principal equipamento utilizado pela garotada para navegar. Em
2013, os celulares correspondiam a 53% dos acessos (contra 71% de desktops),
e em 2014 o número passou para 82%. Os dados são da edição 2014 da
pesquisa anual sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil
feita pelo Cetic.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil)” (UOL, 2015)
E o uso pelo celular é, por si só, limitado, visto que, muitas vezes os pacotes de dados
liberam o uso gratuito somente do WhatsApp e do Facebook.
Trabalhou-se isto como os estudantes da 803, afirmando que eles deveriam ampliar
seus horizontes virtuais e utilizar o recurso da internet de forma mais ampla e proveitosa. É
claro que convencê-los em alguns minutos e com apenas um discurso empolgado seria
impossível. Então utilizou-se uma argumentação um pouco mais prática. Perguntado quantos
ali abririam um livro para fazer as tarefas sem o professor pedir, ninguém respondeu
positivamente. Então foi dito para que eles encarassem a utilização do blog e do grupo no
Facebook como uma tarefa passada pelo professor. Se, normalmente eles nunca usam um blog
ou o Facebook, utilizariam agora porque o professor de História está passando esta tarefa. E
para deixar claro para eles que isso é algo melhor e mais interativo, foi lhes dado a opção de
optarem pelo método tradicional, tarefas passadas no livro didático. Isso fez com que a
maioria compreendesse que, apesar deles serem obrigados fazerem algo na internet que não
estão acostumados a fazer, este tipo de tarefa é melhor do que o método tradicional.
Os estudantes, em geral, costumam delimitar muito bem que, tudo que é relacionado à
escola é, necessariamente, chato e quadrado, enquanto as coisas que são visuais, tecnológicas
e divertidas nada tem a ver com a escola. Esse pensamento é potencializado pela própria
estrutura escolar onde, em cada sala, há uma placa bem visível proibindo o uso do celular. A
escola é um convite para o aluno deixar seu maravilhoso mundo conectado e colorido, para
entrar numa escola preta e branca do século XIX. Por isso a insistência na utilização da
tecnologia.
Porém, não foi usado o blog. Não por um problema, mas pelo contato que o professor
teve com outro tipo de ferramenta: o Padlet. O Padlet nada mais é que um painel virtual, onde,
depois que criado pelo administrador, no caso o professor de História, qualquer um pode
entrar no link e postar em qualquer parte desse painel. Não é preciso registro e a forma de
postar é muito rápida e simples. Foi criado então um Padlet para a atividade e a turma
escolheu seu nome e a foto de fundo. “Petrópolis: uma viagem moderna ao passado”, ficou o
31
nome do painel7.
Eles tiveram, ainda assim, um pouco de dificuldade devido à falta de familiaridade
com a ferramenta e um pouco de desatenção em relação ao que foi pedido. Um momento para
ensinar eles a trabalharem na plataforma teria resolvido grande parte desses problemas, mas a
falta de um laboratório de informática na escola inviabilizou essa possibilidade. As postagens
não seguiram exatamente o padrão pedido8, ainda assim foi possível ter uma visão geral do
que foi apresentado.
Por fim, concluímos as avaliações com a aplicação de uma prova no dia 25 de
setembro e a aplicação do último questionário. A aplicação da prova teve dois motivos:
primeiro para que a direção da escola não questionasse a falta de uma avaliação escrita
tradicional. Segundo para ser mais uma ferramenta de avaliação do conteúdo absorvido.
Mesmo sendo uma forma de avaliação mais tradicional, o peso que ela teve nesse bimestre foi
menor do que normalmente tem e, as provas de História já tendem abordar o conteúdo de
forma a valorizar a interpretação de fontes e a análise de processos, em detrimento da
decoreba. Foi cobrado inclusive temas abordados ao longo da atividade como por exemplo as
disputas em relação as datas de memória da escravidão e da libertação.
RESULTADOS
É importante, antes de tudo, deixarmos claro os limites de uma pesquisa que se baseia
na análise de dados colhidos entre 37 pessoas e que busca avaliar uma possível transformação
ocorrida em apenas 3 meses. Isto, evidentemente, limita o objetivo de avaliar, através do
questionário, se uma forma diferenciada de trabalhar a história de Petrópolis surte efeito sobre
o olhar que esses jovens têm sobre a cidade e sobre si mesmo. Mas também significa que,
qualquer resultado positivo conquistado, significa que um trabalho feito em um prazo maior
poderá surtir efeitos ainda melhores.
O questionário (aplicado no início e no final do projeto) trazia as seguintes perguntas:
1. Como você define sua cor de pele?
2. O Quanto você conhece da História de Petrópolis? Muito. Um pouco. Muito
pouco. Nada
7
Link para o Pedlat da turma 803: http://padlet.com/rencruz89/exmmwyv1uvgm
8
Ver Figura 16 em Anexos.
32
3. Do que você conhece da História de Petrópolis, qual é a importância da
imigração europeia para a história da cidade? Muito Importante. Importante. Pouco
Importante. Nada importante
4. Do que você conhece da História de Petrópolis, qual é a importância da
imigração africana para a história da cidade? Muito Importante. Importante. Pouco
Importante. Nada importante.
Nesta parte do Produto nos deteremos a analisar as perguntas que podem nos ajudar a
analisar nosso objetivo de uma possível modificação do olhar desses jovens. Na primeira
pergunta “Como você define sua cor de pele?”, obtivemos o seguinte resultado:
Questionário 31 de julho.
%
Morena 10 27,7%
Branco/clara 13 36,1%
Negro 8 22,2%
Pardo 4 11,1%
Normal 1 2,7%
TOTAL 36
Questionário 25 de setembro:
Morena 8* 25%
Branca 12 37,5%
Negra 10 31,2%
Parda 2* 6,2%
Marrom 1 3,1%
TOTAL 32
33
resposta uma sociedade que tende a ver o branco como normal e o negro como diferente. Não
à toa que ouvimos as expressões como “negra bonita”, ou a descrição de alguém negro
começando pela cor de sua pele, enquanto de alguém branco prioriza-se outras características.
A comparação entre as duas tabelas também é importante. Infelizmente houve uma
distorção gerada pela quantidade de alunos faltosos, principalmente no segundo questionário.
Ainda assim pudemos observar algumas coisas interessantes. O número de pessoas que se
reivindicou “negra” subiu de 8 (22,2%), para 10 (31,2%), enquanto o número de pessoas que
se reivindicou “morena” caiu de 10 (27,7%) para 8 (25%). Assim como a quantidade de
pessoas se reivindicando “pardas” caiu de 4 (11,1%), para 2 (6,2%). É claro que também é
importante acrescentar, no segundo questionário, às pessoas que se reivindicaram “negras” a
pessoa que se reivindicou “marrom”, aumentando assim para 11 (34,3%) o número de negros.
Considerando que os termos “pardo” e, principalmente, “moreno”, são genéricos e,
por isso, muitas vezes usados como eufemismo para e por pessoas negras, que, por diversos
motivos, não se reivindicam assim, a evolução dos números entre a tabela 1 e a tabela 2, pode
significar um ligeiro aumento do orgulho de se reivindicar negro, após três meses de
atividade. Se parte dessa diferença numérica pode ser creditada à distorção causada pela falta
de alguns estudantes no segundo questionários, podemos afirmar olhando os relatórios
individualmente que, pelo menos uma pessoa modificou sua resposta de “morena”, para
“negra”.
Caso considere esse número muito pequeno e pouco representativo, é preciso levar em
conta que essa era a mudança mais difícil de se promover no período de tempo curto que
tivemos para trabalhar essas questões. O olhar sobre acontecimentos e fatos históricos são
muito mais fáceis de se modificarem do que o olhar sobre si mesmo, construído ao longo de
toda sua vida na convivência em sociedade.
Segundo o censo demográfico de 2010, obtido pelo IBGE, Petrópolis era formada por
186.642 brancos (63,5%), 75.025 pardos (25,4%), 31.463 pretos (10,6%), 970 amarelos
(0,4%), e 281 indígenas (0,1%). Não havia nos dados oficiais um recorte de classe, mas se
compararmos com os resultados obtidos na nossa pesquisa podemos ter uma ideia aproximada
desse recorte. Na escola pública, onde a faixa de renda é, em geral, menor, 22,2% dos
estudantes do primeiro questionário e 34,3% dos estudantes do segundo questionários,
reivindicaram-se “negros”, conta os 10,6% de “pretos” dos dados oficiais. O que é um bom
indicativo de que há uma maior quantidade de negros e negras nas faixas de renda mais
baixas, do que nas camadas de faixa de renda mais alta, reproduzindo assim um retrato
34
encontrado em quase todo o Brasil, que está diretamente ligado ao nosso passado escravista.
Vejamos agora as respostas à pergunta “O Quanto você conhece da História de
Petrópolis? ”
Questionário 31 de julho:
Muito Um pouco Muito pouco Nada
2 24 9
5,8% 68,5% 25,7% 0%
Questionário 25 de setembro:
Muito Um pouco Muito pouco Nada
4 25 3 1
12,1% 75,8% 9,1% 3%
Este era, provavelmente, o dado mais fácil de se obter uma evolução significativa nos
números. Isto por que, tanto a História Oficial, quanto a memória dos grupos excluídos
estavam trabalhando com informações acerca da História de Petrópolis. Essa pergunta não
especifica sobre conhecimentos novos, mas sim sobre o “conhecer” geral da História da
cidade. Houve um crescimento das pessoas que disseram conhecer “um pouco” ou “muito” de
74,3% no questionário de 31 de julho, para 87,9% no questionário de 25 de setembro.
Enquanto as pessoas que disseram conhecer “muito pouco” ou “nada” da história caiu de
25,7% no questionário de 31 de julho, para 12,1% no questionário do dia 25 de setembro.
Neste caso a distorção provocada pela quantidade total diferente em cada um dos dias de
questionário não altera tanto o resultado, visto que, a evolução dos números foi maior.
Agora as respostas à duas perguntas, essas talvez das mais importantes:
Do que você conhece da História de Petrópolis, qual é a importância da imigração
europeia para a história da cidade?
Questionário dia 31 de julho.
Muito Importante Pouco Nada Não
Importante Importante importante respodeu
12 20 1 1 1
34,4% 57,2% 2,8% 2,8% 2,8%
36
questionário do dia 31 de julho, 91,6% dos estudantes responderam que achavam a história da
imigração europeia “muito importante” ou “importante”, enquanto apenas 5,6% acreditavam
ser “pouco importante” ou “nada importante”. No questionário do dia 25 de setembro 87,8%
responderam achar a imigração europeia “muito importante” ou “importante”, enquanto
apenas 6,1% acharam “pouco importante”.
A primeira coisa que observamos é que não há uma alteração significativa dos
resultados para essa pergunta entre o primeiro e o segundo questionário e as alterações que há,
podem estar dentro da distorção esperada pela diferença no total de alunos. Sendo assim, a
imensa maioria dos estudantes, depois de 3 meses trabalhando duas visões opostas da História
de Petrópolis, não diminuíram a importância da imigração europeia para a construção dessa
História. E não era para diminuir mesmo. O objetivo do professor era, é claro, dar voz aos
grupos oprimidos e excluídos da memória oficial, mas ainda assim ele deve trabalhar essas
disputas de memória de maneira historiográfica. Qualquer estudo sobre a história geral da
cidade que exclua a importância da imigração europeia não pode ser levado a sério. Assim
como o estudo que exclua a importância do africano, seu descendente e sua cultura não está,
propositalmente, abordando a complexidade que existe na cidade. Com os resultados obtidos,
é possível afirmar que houve um sucesso em trabalhar a memória dos grupos excluídos da
História Oficial, sem falsificar a importância daqueles grupos que essa mesma História Oficial
costuma privilegiar.
Agora veremos se a mesma não alteração significativa dos resultados se deu quanto a
importância da imigração africana para a História da cidade. No questionário do dia 31 de
julho, 80% acreditavam que era “muito importante” ou “importante”, enquanto no
questionário do dia 25 de setembro esse número subiu para 87,8%. No questionário do dia 31
de julho, 17,2% responderam “pouco importante” ou “nada importante” e no questionário do
dia 25 de setembro esse número caiu para 12,2%.
De cara vemos uma alteração, menor que seja, mostrando que, para esses estudantes,
cresce a importância da história da imigração negra para a cidade de Petrópolis. Ainda que
essa alteração não tenha sido gigantesca, ela é potencializada pelo fato que as respostas do
segundo questionário, feito no último dia de atividade, tendem a ser respostas permeadas com
menos subjetividades que as respostas do primeiro questionário. Isto porque, ao final da
atividade, os alunos tiveram contato com o projeto, entenderam minimamente como era, o que
iria acontecer e como seriam avaliados. Suas respostas foram baseadas em informações
adquiridas muito mais recentemente do que no primeiro questionário, onde eles precisaram
37
relembrar de coisas que não necessariamente haviam trabalhado a pouco tempo. No primeiro
questionário havia expectativa criada pelos estudantes em relação ao que viria naquele
bimestre que já se anunciava diferente.
Um reflexo dessa maior objetividade nas respostas ao segundo questionário é visto na
quantidade de pessoas que responderam “muito importante” para a história da imigração
africana no primeiro questionário, 11 pessoas (31,4%), enquanto no segundo questionário esse
número caiu para 7 pessoas (21,2%). Ou seja, mesmo que as respostas em relação a
importância da imigração africana tenham, em geral, subido de 80% para 87%, esse aumento
se deu graças a quantidade de pessoas que responderam “importante”, 17 (48,6%) no primeiro
questionário, para 22 (66,6%) no segundo questionário. Se analisamos que os 31,4% de
respostas no “muito importante” no primeiro questionário estavam permeados de uma maior
subjetividade, era natural que esse número caísse no segundo questionário, onde vimos que
houve uma maior objetividade e reflexão nas respostas dadas. E, ainda assim, o número de
pessoas que creditaram uma maior importância a história africana em Petrópolis cresceu do
primeiro para o segundo questionário de uma maneira geral.
Por fim, percebemos que, em comparação direta com os resultados obtidos na
pergunta sobre a imigração europeia, a distância entre os números diminuiu, refletindo assim
um sucesso em mostrar para esses estudantes a história dos grupos excluídos. Se 91,6% havia
respondido como “muito importante” ou “importante” para a imigração europeia, contra 80%
para a imigração africana, diferença de 11,6%, no segundo questionário essa porcentagem vai
se igualar nos 87,8%. Em 3 meses de trabalho, com um recesso no meio, sendo apenas 1 mês
trabalhando diretamente os embates da história e da memória em relação à importância do
negro e de sua luta e resistência à escravidão, obtivemos resultados que mostraram pequenas
alterações em relação à visão que esses estudantes têm sobre si mesmo e sobre a cidade.
CONCLUSÃO
39
seria importante levá-los à lugares de construção de memória de resistência, como nos
quilombos que existem em diversos pontos da cidade.
E, por fim, a quarta etapa lhes deu a oportunidade de produzir conhecimento,
utilizando para isso as ferramentas (formas de expressão) com as quais se sentiam mais
familiarizados ou interessados. Valorizou-se, assim, suas potencialidades, abrindo espaço para
o uso da criatividade na produção histórica e incluiu o uso da tecnologia, muitas vezes
demonizada em sala de aula. Um acompanhamento mais de perto do professor, trabalhando
como orientador, poderia ter potencializado essa produção, mas não só. A escola precisa
realizar projetos e atividades como essas mais vezes, valorizando o potencial de cada
estudante. Caso se tornam parte do projeto pedagógico da escola, estimulando os alunos a
trabalharem criticamente e criativamente, não terão as dificuldades que encontramos nesse
projeto.
Ao final, pretendeu-se abrir a mente dos estudantes da turma 803 da Escola Municipal
Vereador José Fernandes da Silva, para o fato de que História não se limita é simplesmente
aos conteúdos dados pelo professor em sala de aula. Ela é viva e está em processo de
construção. Sua dinâmica é constante, sendo palco de disputas, e, o que é mais importante, é
produzida por diversos grupos, com interesses distintos. Depois de três meses de atividades,
esses estudantes compreenderam de uma maneira geral que Petrópolis, a cidade de Pedro,
como diz seu nome, também é a cidade do João, da Lillissane, do Maxwell, da Luciane e de
todos aqueles que, um dia, a História Oficial pretendeu esquecer.
REFERÊNCIAS
FRIAS, Ana Cristina Figueiredo. Mídia, Memória e História. Rio de Janeiro, 2010
40
LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de
História. Rev. bras. Hist. [online]. 1999
LISBOA, Ana Cristina Fortuna & ANGELIM Maria Goretti Morais. Petrópolis Ontem, Hoje,
Semopre. Petrópolis: Secretaria de Educação, 2006.
OLIVA, Anderson Ribeiro: A história africana nas escolas brasileiras: entre o prescrito e o
vivido, da legislação educacional aos olhares dos especialistas (1995-2006).São Paulo. 2009
ANEXOS
41
Figura 1: Pátio da Escola Municipal Vereador José Fernandes da Sila e ao fundo o "Morro
da Oficina", favela onde moram muitos dos estudantes da escola.
42
Figura 2: Capa do filme "Marcas do Passado"
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Figura 4: Entrada do Museu Imperial, com os estudantes da 803 espalhados em frente.
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Figura 6: Sarau Imperial.
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Figura 8:Mestre Eliel falando de Capoeira com a turma 803
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Figura 9: Professor Renan ao microfone, com o Mestre de capoeira em pé ao lado. Ao redor
os estudantes da turma 803
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Figura 10: Representantes do CDC fazendo hiphop com os estudantes da 803 ao redor.
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Figura 12: Estudantes da 803 participando de batalha de improviso organizada pelos
representantes do CDC.
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Figura 13:Estudantes da 803 participando ativamente do hiphop
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Figura 15: A vez das mulheres. Batalha de rima somente com as meninas do CDC e da 803.
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