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DEZENOVE

CAPACITISMO NO AMBIENTE
LABORAL: ANÁLISE JURÍDICA E
SOCIAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL BRASILEIRA
ABLEISM IN THE WORKING ENVIRONMENT:
JURIDICAL AND SOCIAL ANALYSIS BASED ON
THE BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTION

MILCA RAISSA DIAS DE PONTES; JOSÉ JONAS


SILVA BRITO; RHAMON KALLIEL MARTINS DE
PONTES; PAULA ISABEL NÓBREGA INTROINE

https://doi.org/10.5281/zenodo.10010620
340 VII CONJUR: CONSTITUCIONALISMO, SOCIEDADE E JU…

RESUMO
A S PESSOAS COM DEFICIÊNCIA SÃO UM GRUPO VULNERÁVEL , E ,
portanto, mais suscetíveis de sofrerem atitudes discriminatórias
por parte da sociedade capacitista. Nesse contexto, tal preconceito
ocorre principalmente no ambiente trabalhista fundamentado
num entendimento de que as pessoas com deficiência seriam inca-
pazes para os atos da vida humana como um todo, o que gera as
estatísticas alarmantes que envolvem esse grupo. Assim, este
estudo busca, principalmente, promover uma análise social e jurí-
dica do capacitismo no ambiente laboral brasileiro, mas também,
especialmente, estabelecer uma comparação entre o tratamento às
pessoas com e sem deficiência quanto a sua inserção, permanência
e remuneração no mundo trabalhista. Para tal, foi feita uma
pesquisa bibliográfica e uso de dados estatísticos qualitativos,
concluindo que há um hiato entre a legislação positiva e a reali-
dade, ainda que já haja um desenvolvimento jurídico-social nessa
área.

Palavras-chave: Capacitismo; Deficiência; Direito do Trabalho;


Discriminação; Direitos Fundamentais.

ABSTRACT
The people with disabilities is a vulnerable group and, hence,
more susceptible to suffer biased attitudes by the ableist society. In
this context, such discrimination occurs mainly in the labor envi-
ronment, based on an understanding that people with disabilities
are incapable of performing the acts of human life as a whole,
which generates the alarming statistics involving this group. Thus,
this study seeks mainly to promote a social and legal analysis of
ableism in the Brazilian labor environment, but also, especially, to
establish a comparison between the treatment of people with and
without disabilities in terms of their insertion, permanence and
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remuneration in the labor world. To this end, bibliographical rese-


arch was carried out and qualitative statistical data was used,
concluding that there is a gap between positive legislation and
reality, even though there has already been legal and social deve-
lopment in this area.

Key-Words: Ableism; Deficiency; Labor Law; Discrimination;


Fundamental Rights.

1. INTRODUÇÃO
A compreensão da pessoa com deficiência como alguém fora dos
padrões de normalidade e incapaz de fazer algo foi superada a
partir da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência
da ONU em 2008, adotada pelo Decreto 7.612/2011 e pela Lei
13.146/2015 — ambos com status de emenda constitucional (Farias
et al., 2016) —, as quais entenderam tal grupo vulnerável
composto por pessoas verdadeiramente capazes e reconheceram a
primazia do conceito de pessoa sobre a deficiência, e compreen-
deram esta como existente nas barreiras sociais que impedem a
plena participação de certos indivíduos.

Debater sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado


de trabalho é de extrema necessidade na sociedade brasileira
atual, pois existe uma enorme diferença de tratamento entre
pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência no ambiente
laboral e na busca por oportunidades de emprego.

Os números trazidos nesta pesquisa, por importantes e confiáveis


órgãos públicos, como o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são
bastante alarmantes e escancaram a desigualdade de oportuni-
dades entre as pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência
no mercado de trabalho, suscitando a seguinte dúvida: a Consti-
tuição não garante, na prática, a isonomia entre as pessoas?
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Essa pesquisa tem como objetivo geral aprofundar um estudo


social e jurídico acerca do capacitismo no ambiente de trabalho.
Além disso, esse estudo tem como objetivos específicos estabelecer
um comparativo entre o tratamento dispensado às pessoas com
deficiência e pessoas sem deficiência, expondo a realidade salarial
e a inserção nos postos de trabalho, bem como investigar de que
forma as normas do ordenamento brasileiro e os tribunais
abordam o tema.

O método utilizado para produzir esse trabalho foi exploratório,


baseado em diversas fontes para a fundamentação dos pontos
apresentados como dados do MTE e do IBGE, por exemplo, numa
revisão bibliográfica que valeu-se de estudos e dados estatísticos
qualitativos retirados de artigos publicamente disponíveis ao
acervo público e de autoria renomada como Ivan Baron (2020) e
Luís Roberto Barroso (2020), e da pesquisa documental no ordena-
mento jurídico brasileiro mediante consultas no site de conheci-
mento jurídico JusBrasil e também às jurisprudências do Tribunal
Superior do Trabalho. Cabe registrar que os resultados desse
projeto são apresentados de modo qualitativo, a partir da análise
das informações colhidas ao decorrer da pesquisa de modo a
registrar reflexões sobre a presença do capacitismo na realidade
trabalhista.

2. DIFERENÇA COMO FATOR DE IGUALDADE


O princípio de dignidade humana ocupa um valor fundamental
no neoconstitucionalismo, este que é produto do reencontro entre
a ciência jurídica e a filosofia do Direito (Barroso, 2020). Portanto,
cabe no presente momento, promover um entendimento jusfilosó-
fico da dignidade humana e do direito fundamental de igualdade
que ela promove.

Nesse sentido, sendo a dignidade da pessoa humana um princípio


jurídico com status constitucional de acordo com o artigo primeiro
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da Constituição de 1988, ele implica, no dizer de Barroso (2020)


três principais elementos: um valor intrínseco a todos os seres
humanos, os quais ocupam um lugar especial no universo pela
sua racionalidade, sensibilidade e socialização, não podendo ser
tratados como mero meio para os demais seres humanos; a auto-
nomia de cada indivíduo que permite a cada ser humano a possi-
bilidade de auto afirmar e desenvolver sua personalidade ao
decidir por si as coisas concernentes a sua vida privada; e a
proteção dos valores comunitários da sociedade em que o homem
vive.

Assim, a partir do valor intrínseco que o ser humano tem em


relação às demais coisas que se funda o direito de igualdade.
Porém, cabe primeiramente analisar o que é igualdade no Direito
para que depois se compreenda qual o seu conteúdo jurídico.

Como leciona Javier Hervada (2001), o direito comporta uma


medida, o que quer dizer que uma coisa constituída como direito
não é uma coisa desmedida, mas está sempre medida e proporcio-
nada. Por outro lado, o injusto seria exatamente desarmonia,
desproporção, etc. Nesse sentido, conclui o jurista espanhol que
tal medida do direito é o que se chama de igualdade, assim, numa
relação de justiça o que é dado pelo credor deve ser igual ao
devido àquele titular do respectivo direito.

Quando aplicamos esse caráter de igualdade aos direitos huma-


nos, queremos dizer que, enquanto a natureza humana é per se
una e idêntica essencialmente a todos os homens e é realizada de
seu modo em cada um deles segundo suas características indivi-
duais físicas e morais, sendo, portanto um universal fundamental
(Salcedo, 1952) e in essendo (Beuchot, 1989). A partir deste entendi-
mento, percebe-se que a identidade dos direitos que nasce com
aquela natureza é o fundamento de uma igualdade jurídica
natural de todo ser humano enquanto ser humano (Beuchot,
2008).
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Mas também, como explica Hervada (2001), tal igualdade deve ser
compreendida à luz do justo distributivo e não do justo comuta-
tivo porque os homens (de modo individual) são iguais proporcio-
nalmente em direitos, sendo necessário tratar os iguais igualmente
e os desiguais de modo desigual segundo uma proporção
geométrica.

Nesse sentido, deve-se ter cuidado para não cair no mero forma-
lismo, compreendido aqui como desvalorização dos elementos
materiais para considerar apenas os formais (Dos Santos, 1965).

Por isso, além de tratar o indivíduo de modo abstrato e genérico,


como digno, como racional e fundamentar a doutrina do direito
com bases filosóficas, é necessário ir além e ver o sujeito em sua
peculiaridade e particularidade, que só existe quando se funda o
direito à diferença e à diversidade com a finalidade produzir uma
sociedade mais justa. Assim:

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferio-


riza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, nem alimente ou
reproduza as desigualdades (Boaventura, 2003, p 56 apud Piovesan,
2008, p. 50)

Mas, qual a relação entre o alcançar a igualdade e as relações de


trabalho? Por que relacionar ambas as realidades? Tais respostas
são possíveis de serem encontradas no escrito que promoveu, pela
primeira vez, a internacionalização e consequente constitucionali-
zação do Direito do Trabalho (Trindade, 2014 apud Giacone, 2019):
a Rerum Novarum.
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Declara, nesse sentido, Leão XIII (1891) que o trabalho é uma força
inerente à pessoa que serve para a “sustentação da própria vida”,
ou seja, para suprir todas as necessidades (materiais e espirituais)
do ser humano. Nesse contexto, o trabalho promove um aperfeiço-
amento do ser humano no contexto em que vive e capacita o
homem a se afirmar socialmente a partir da produção do seu
trabalho: a propriedade.

Tendo o trabalho este caráter pessoal, Leão XIII (1891) diz que é
preciso, no âmbito das relações econômicas, procurar promover a
primazia do trabalho sobre o capital, isto é, sobre os fatores mate-
riais de produção, de modo que, pode-se dizer que o trabalho tem
“um fim em si mesmo”, e, portanto, é digno, não podendo ser
tratado como mera mercadoria.

À luz dessas ideias, percebe-se como o trabalho é um verdadeiro


meio para consecução da dignidade da pessoa humana, e, por
isso, as pessoas com deficiência não devem estar privadas de algo
tão necessário ao ser humano, menos ainda devem enfrentar
ambientes hostis a elas e que as discriminem por meio de uma
demissão arbitrária ou salários menores, por exemplo. A igual-
dade de direitos deve ser realizada no ambiente de trabalho.

Ademais, sendo a Constituição a “pedra angular” de algum orde-


namento jurídico, isto é, aquela lei que é o fundamento de vali-
dade das demais normas existentes (Barroso, 2020) e que a partir
de seus dispositivos orientam o Legislador a produzir políticas ao
mesmo tempo que o proíbe promover determinadas situações que
seriam descondizente com a proposta da Carta constitucional
(Mendes e Gonet, 2021). Nesse sentido, como diz Canotilho (2000),
uma Constituição Dirigente — como é a Carta Constitucional de
1988 (Neto e Sarmento, 2012) — comanda a ação do Estado e
impõe aos órgãos competentes a realização de metas programá-
ticas (deveres políticos) nela estabelecidas.
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Sob esse viés de promoção de um welfare state, a Constituição


impõe como objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil em seu artigo terceiro, a construção de uma sociedade justa,
livre e solidária, na qual haja desenvolvimento nacional e seja
promovido o bem de todos, sem quaisquer formas de discrimi-
nação negativa (Brasil, 1988).

Ademais, o inciso XXXI do artigo 7 da Carta Magna prevê a proi-


bição de qualquer discriminação referente ao salário e modos de
admissão ao trabalhador portador de deficiência, e diz ainda o
artigo 170 da Constituição que para assegurar a todos a existência
digna de acordo com os ditames da justiça social, a busca pelo
pleno emprego deve ser um dos princípios gerais que norteiam a
atividade econômica nacional (Brasil, 1998).

Daí a necessidade de um protagonismo estatal, orientado pelo


dever do Estado de respeitar (não violar direitos), proteger (não
permitir que atores não estatais violem direitos) e implementar
direitos humanos (adotando todas as medidas legislativas, execu-
tivas e judiciais necessárias). De acordo com Piovesan (2008), para
tal urge o envolvimento de todas as facetas do poder estatal, assim
como envolve uma necessidade de constitucionalizar o problema
para maior eficácia, isso porque o Estado é somente democrático e
justo quando respeita a dignidade da pessoa humana (Rocha,
2001), porque tal princípio é o núcleo dos direitos fundamentais e,
portanto, base para a consecução do bem comum e da boa vida
entre o povo, os quais uma sociedade política pretende buscar.

3. CAPACITISMO E SUAS FORMAS


Ivan Baron, influenciador brasileiro com paralisia cerebral desde
os 3 anos de idade, reuniu sua experiência de vida e visão social
envolvendo o capacitismo e desenvolveu o Guia Anti Capacitista.
Em seu escrito, Baron (2021) apresenta 3 tipos de capacitismo:
médico, recreativo e cultural.
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O capacitismo médico se dá pelo equívoco em referenciar pessoas


com deficiência como se fossem ou estivessem doentes. Já o capa-
citismo recreativo se refere àquelas brincadeiras de mau gosto
envolvendo deficiências. Enquanto isso, o capacitismo instituci-
onal acontece quando as organizações contratam apenas uma cota
de pessoas com deficiência e não as trata com equidade em relação
aos colaboradores sem deficiência ou na falta de acessibilidade
presente nestes lugares.

Para além disso, o capacitismo no ambiente de trabalho compre-


ende comportamentos capacitistas de diversas origens, seja por
parte de colegas de trabalho, de clientes da empresa e até de
empregadores.

Desconfiar da capacidade de uma pessoa com deficiência de


exercer com plenitude e competência atribuições com as quais esta
pessoa não possui quaisquer limitações é um exemplo de capaci-
tismo que pode vir de qualquer pessoa do ambiente de trabalho.
No caso em questão, tal discriminação pode acontecer inclusive na
entrevista de emprego, quando a pessoa com deficiência é desqua-
lificada sem motivo aparente.

A questão do capacitismo, a partir do pressuposto de que pode ser


cometido por vários elementos dentro do círculo de trabalho de
uma pessoa com deficiência, se caracteriza como sendo algo que
vai além do grau de instrução ou nível social de uma pessoa,
devendo se observar a partir de uma ótica individualista em que
não há um perfil pré determinado de pessoa capacitista baseada
em situação cultural, social ou econômica.

3.1 Capacitismo na Sociedade


A Constituição Federal, em seu artigo 6°, considera o trabalho no
rol dos direitos sociais e os dispositivos reforçam essa ideia ao
reconhecer inúmeros direitos aos trabalhadores (Brasil, 1988).
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Com isso, faz valer a premissa da necessidade de que todo brasi-


leiro tenha o direito do exercício profissional. Por isso, o capaci-
tismo deveria ser um termo inerte, tendo em vista que há
dispositivos constitucionais que asseguram o direito ao trabalho,
independentemente de condição social. Porém, a realidade é
controversa a essa normatização.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência ainda apresenta, em seu


artigo 35, que é finalidade primordial das políticas públicas de
trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de
permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho
(Brasil, 2015).

Todavia, a atuação do Estado quanto às políticas públicas de assis-


tencialismo ainda oferecem uma institucionalização precária às
pessoas com deficiência, materializada na entrega de um serviço
de má qualidade quando este é, ao menos, ofertado.

Mesmo diante desse cenário, em que a lei oferece igualdade entre


os indivíduos com deficiência e sem deficiência, números do IBGE
mostram que existe uma discrepância nas estatísticas relacionadas
à inserção desse público no mercado de trabalho: dados de 2019
apontam para uma taxa de participação das pessoas com defici-
ência no mercado de trabalho (ocupadas ou desocupadas) em
28,3%. Enquanto isso, o percentual para as pessoas sem deficiência
era mais que o dobro, sendo registrado 66,3% (IBGE, 2020).

Quando se retrata apenas a formalidade dentro do mercado de


trabalho, outro número assusta: 34,3% dos trabalhadores com defi-
ciência ocupavam postos formais de trabalho. Estabelecendo um
comparativo com as pessoas sem deficiência, esse outro grupo
possui uma taxa de emprego formal de 50,9%.

Além disso, essa mesma pesquisa escancara mais uma realidade:


existe uma enorme diferença salarial entre pessoas com deficiência
e pessoas sem deficiência: as pessoas com deficiência recebiam, em
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média, R$ 1.639 mensais como rendimento do trabalho, enquanto


que os rendimentos das pessoas sem deficiência eram em média
de R$ 2.619 por mês, em 2019.

Ao pensar no capitalismo brasileiro ainda subdesenvolvido, as


empresas privadas buscam cada vez mais a otimização de seus
lucros, transferindo a responsabilidade de inclusão de pessoas
com deficiência ao Estado. Nesse viés, um triste contraste corro-
bora a existência do capacitismo no mercado de trabalho brasi-
leiro: Embora a Lei No 8.213/1991 obrigue empresas com mais de
100 funcionários a oferecer uma cota dos seus cargos para pessoas
com deficiência e reabilitadas, a Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS) do ano de 2018 aponta que apenas 1% dos postos
de trabalho são destinados a pessoas com algum tipo de defi-
ciência.

Os dados do parágrafo anterior demonstram mais uma vez essa


prática discriminatória pois tais empresas se movem pela crença
de que suas limitações irão retardar o ritmo da produção, geral-
mente, são empresas que não estão atentas às questões sociais,
nem abertas à contratação de funcionários que não considerem a
priori, como padrão de força física ou nível intelectual.

3.2 Demonstração da visão do Tribunal Superior do Trabalho


frente à conduta passiva das empresas na contratação e
inclusão de pessoas com deficiência
Da Constituição de 1988 em diante, o Brasil tornou-se signatário
de tratados internacionais sobre direitos humanos, iniciando-se
uma lenta concretização a partir dos anos 1990 em diante, quando
o Ministério Público passou a ser mais ativo nas causas em prol do
capacitismo, ou seja, quando tal direito virou objeto da ação civil
pública.
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A exemplo de tal atuação, vejamos um julgado do Tribunal Supe-


rior do Trabalho acerca do preenchimento de vagas reservadas à
pessoas com deficiência:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.


INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. AUTO
DE INFRAÇÃO - PREENCHIMENTO DE VAGAS DESTI-
NADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU REABILI-
TADAS - ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/1991 -
DESCUMPRIMENTO DO PERCENTUAL - ESFORÇOS INSU-
FICIENTES NO SENTIDO DE CUMPRIR A NORMA LEGAL -
APLICAÇÃO DE MULTA - TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA

NÃO EVIDENCIADA. O processamento do recurso de revista na


vigência da Lei nº 13.467/2017 exige que a causa apresente trans-
cendência com relação aos aspectos de natureza econômica, política,
social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Sucede que, pelo prisma
da transcendência, o recurso de revista não atende a nenhum dos
requisitos referidos. No tocante especificamente à transcendência
política , cumpre ressaltar que não restou demonstrada contrarie-
dade à súmula, orientação jurisprudencial, precedentes de obser-
vância obrigatória e jurisprudência atual, iterativa e notória do
TST. Também não trata de matéria em que haja divergência atual
entre as Turmas do TST, a recomendar o controle da decisão recor-
rida. Destaque-se que a jurisprudência desta Corte Superior se
orienta no sentido de que não é possível a condenação da empresa
pelo não preenchimento das vagas destinadas, pela Lei nº 8.213/91,
a pessoas com deficiência ou reabilitados quando restar demonstrado
que tal empresa empreendeu todos os esforços possíveis para a
ocupação das vagas, deixando de cumprir por motivos alheios a sua
vontade. Na hipótese dos autos, contudo, o e. Tribunal a quo foi
expresso no sentido de que a empresa empreendeu tão somente
esforços mínimos para cumprir a cota estabelecida pelo artigo 93 da
CAPACITISMO NO AMBIENTE LABORAL: ANÁLISE JURÍD… 351

Lei nº 8.213/91, o que autoriza a aplicação da sanção. Nesse passo,


verifica-se que a decisão regional foi proferida em harmonia com a
jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, o que impede o
reconhecimento da transcendência política do recurso de revista.
Agravo de instrumento desprovido."

(TST - AIRR: 104981520205030110, Relator: Renato De Lacerda


Paiva, Data de Julgamento: 16/03/2022, 7ª Turma, Data de Publica-
ção: 25/03/2022).

O acórdão acima trata-se de um agravo de instrumento negado


pela turma de magistrados do TST, mas para melhor compreensão
da situação fática, cabe expor o teor do documento supramen-
cionado.

A empresa TAMASA ENGENHARIA SA, no momento da fiscali-


zação possuía em seu quadro de funcionários, apenas 7 trabalha-
dores dos 25 que deveriam constar na situação de portadores de
deficiência, todavia, alegou ser do ramo da construção civil e por
motivos das atividades desenvolvidas exigirem esforço físico e
possível exposição à riscos, afirmou ter dificuldades em encontrar
pessoas nesta situação mas em condições aptas à realização do
trabalho e que estivessem interessados nas funções ofertadas,
ainda afirmou ter tentado a captação de funcionários pelo método
"boca a boca" e que divulgou a oportunidade junto à secretaria
regional de trabalho de Minas Gerais, por fim, requereu que fosse
excluída da base de cálculo das cotas em questão, aos cargos que
implicam funções perigosas como motorista e operadores de
máquina.

Entretanto, o recurso foi conhecido e não provido uma vez que foi
constatado que a empresa por ser considerada relevante e atuante
no mercado, tendo inclusive como clientes grandes empresas naci-
onais como a Petrobrás e a Vale e sendo considerada consolidada
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no mercados pelo tempo de atuação, foi negligente na aplicação


de esforços considerados mínimos uma vez que possuindo meios
para tanto, ainda assim não houve publicação em jornais de maior
circulação, realização de oficinas de qualificação, exposição de
cartazes ao público e contratação de agências que poderiam
indicar os perfis reivindicados para a promoção de inclusão.

Nesse viés, observa-se que a atual visão do TST é a de que as


empresas devem seguir o termo de ajustamento de conduta pois a
busca por profissionais já qualificados e inteiramente prontos não
condiz com o que está posto no aparato legislativo, excluindo-se a
atuação passiva das empresas em não admitir que a mera publi-
cação das vagas de empregos e processos seletivos nas redes soci-
ais, de modo a entender que tais empresas não empregaram todos
os esforços possíveis para a transformação no mercado de
trabalho.

O entendimento de tal turma é que o argumento empreendido


pela empresa do ramo da engenharia apenas fortalece o discurso
de que pessoas com deficiência não são capacitadas para realizar
determinados trabalhos considerados pesados e que em razão da
sua deficiência não estariam "aptos" para realizá-los.

Logo, observa-se que o modo como as empresas brasileiras


encaram a deficiência está distante de promover acessibilidade e o
protagonismo de pessoas com deficiência, ao não fornecer os equi-
pamentos tecnológicos e arquitetura acessível e então se valer de
discursos alheios como o uso do pretexto de que a empresa não
contrataria porventura, haja vista que não abrigaria tais pessoas
conforme o texto da lei.

Conforme a fala do ministro do TST, Alexandre Alga Belmonte, no


podcast Trabalho em Pauta cujo tema é o do capacitismo, o órgão
tem realizado ações positivas nesse sentido, quando não só
promove acessibilidade de seus servidores e cumprimento dos
deveres trabalhistas quanto às previsões incluídas na reforma
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trabalhistas referentes ao teletrabalho e a redução na jornada de


trabalho nessas condições como também ao incluir intérpretes em
libras nas manifestações do Tribunal, reafirma os esforços empe-
nhados pela comissão de acessibilidade e inclusão prevista no
regimento interno do TST.

No mesmo veículo de comunicação participou conjuntamente o


consultor de diversidade e inclusão Guilherme Bara, deficiente
visual que afirma ter sofrido discriminações no ambiente de
trabalho por meio de falas preconceituosas, utilização de termos
ou falas em contextos que o fez sentir-se inferior pelo fato de atre-
larem a deficiência à situações pejorativas.

4. CONCLUSÃO
O tema apresentado neste estudo é de extrema importância para
ampliar a informação e estimular o pensamento crítico acerca da
importância do garantismo constitucional como assistente de
pessoas deficientes e promotor da equidade social. Logo, a utili-
zação do método de caráter exploratório, de revisão bibliográfica e
da pesquisa documental, propiciam um direcionamento que visa
transformar cenários, destruir paradigmas e instituir uma ruptura
no pensamento retrógrado quanto à limitação desse grupo minori-
tário e indicar os agentes e principais interventores para aliviar o
cotidiano trabalhista dessas pessoas.

Concomitantemente, pelo método dedutivo foi possível extrair o


conceito do capacitismo dentro da especificidade do tema estabe-
lecido, qual seja; a crença na limitação de pessoas deficientes e sua
exclusão do mercado de trabalho, logo, há uma desigualdade exis-
tente em razão da instauração da diferença no tratamento desti-
nado às pessoas com deficiência e aqueles que não partilham
dessa condição, quanto às oportunidades de emprego.
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Ademais, refletiu-se sobre uma visão jusfilosófica do direito objeti-


vando-se valorizar a igualdade proporcionada pelo justo distribu-
tivo em detrimento de uma igualdade meramente formal, ao
passo que delibera sobre a necessidade de sua efetivação no ambi-
ente laboral, diante da realidade capacitista vigente, observada a
importância social e econômica do trabalho.

Na elaboração e desenvolvimento desta pesquisa foi explorado o


impacto gerado pelo capacitismo em três grandes áreas na vida de
quem o enfrenta e como isso pode acarretar uma ampla série de
discriminações, dessa forma, prevalece atualmente uma dicotomia
entre a realidade e aquilo que está positivado. Dessarte, quando
inobservados os direitos fundamentais e a dignidade humana, tal
grupo minoritário é triplamente discriminado, seja na falta de
assistência devida, seja na independência financeira gerada como
retorno pelo trabalho ou, adentrando em uma subjetividade do
ser, o indivíduo não alcança a realização profissional almejada.

Sendo assim, intencionalmente, foi utilizado nesta pesquisa o


embasamento constitucional como mecanismo protetor, uma vez
que vige no Brasil uma constituição rígida permitindo que aponte-
se a teoria do garantismo constitucional, responsável por manter a
normatização de todos os conjuntos de poderes, uma vez que todo
poder sem regulação tende ao abuso, como por exemplo o impera-
tivo de que haja igualdade e a partir desse direito fundamental se
estabelece as leis que regulam a quantidade de vagas destinadas à
pessoas com deficiência nas empresas (integrantes do poder
econômico). Nesse sentido, o objetivo foi, por meio da realidade
analisada, demonstrar a importância de que as garantias primá-
rias — direitos trabalhistas concernentes aos portadores de defici-
ência previstos em lei — sejam cumpridas previamente por cada
um dos poderes responsáveis para que não se recorra à garantia
secundária — o ato de recorrer na justiça por meio do processo
judicial para requerer um direito incontestável.
CAPACITISMO NO AMBIENTE LABORAL: ANÁLISE JURÍD… 355

Tal cenário, é perceptível quando observados os dados de desem-


prego nos postos formais de trabalho, nas subcondições de acessi-
bilidade, além das tímidas políticas públicas adotadas em prol do
enfrentamento da realidade capacitista diante de um sistema
econômico que vem se tornando cada vez mais neoliberalista
apesar da atuação dos órgãos de justiça que quando acionados
promovem uma relativa efetivação dos direitos requeridos.

Conclui-se que há um longo percurso até que a sociedade, o


Estado, os poderes públicos e empresas privadas possam atentar-
se para a problemática apresentada com um olhar mais inclusivo e
humanitário, a grande luta da comunidade acadêmica e dos
autores da presente pesquisa é que haja uma maior efetivação e
cumprimento das garantias reservadas às pessoas portadoras de
deficiência seja pela transformação da sociedade, seja pela trans-
formação da realidade em que o garantismo advém por mero
temor à lei. Pois, hodiernamente há uma falta de repercussão dos
materiais sobre o assunto, a carência dos debates e discussões nos
ambientes de estudo. Ademais, quando há um excesso das leis
protetivas e nenhuma transformação da realidade é curioso e
instigante uma futura investigação acerca dos limites delas, onde a
equidade deveria acompanhar até o parâmetro em que há dife-
rença e um estudo aprofundado do porque a proteção em demasia
geraria discriminação. O capacitismo, nesse caso, é um objeto de
estudo a ser destrinchado e o seu combate aprimorado, pensando-
se maneiras mais efetivas para amenizá-lo.

REFERÊNCIAS
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Planalto, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/
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de 2023

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