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RISCOS E AMBIENTE

Inforgeo, 2007/2008

Ficha Técnica
Direcção
Teresa Sá Marques

Secretariado de redacção
Í N D I C E
Rui d’Alte

Conselho de redacção
Álvaro Domingues
Ana Ramos Pereira
Emília Sande Lemos Teresa Sá Marques, José Luís Zêzere – Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Fernanda Cravidão
João Ferrão Ana Monteiro, «As cidades e a precipitação – como mediar uma relação cada vez mais con-
José Manuel Simões flituosa» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
João Sarmento
José Alberto Rio Fernandes
José António Tenedório S. Pereira, C. Bateira, M. Santos, «Base de dados de movimentos de vertente: um instru-
Lúcio Cunha mento de apoio ao PROT Norte» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Maria José Roxo
Maria Leal Monteiro
José Luís Zêzere, Catarina Ramos, Eusébio Reis, Ricardo Garcia, Sérgio Oliveira, «Perigos
Maria Lucinda Fonseca
Mário Vale Naturais, Tecnológicos e Ambientais na Região do Oeste e Vale do Tejo» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Teresa Pinto Correia
Teresa Barata Salgueiro Jorge Gaspar, José Fernandes Rodriguez, Margarida Queirós, Eduardo Brito Henriques,
Pedro Palma, Teresa Vaz, «Determinação das vulnerabilidades humanas em situação de risco
Propriedade do título
Associação Portuguesa de Geógrafos sísmico e tsunamis. O caso do Algarve» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Correspondência Américo Reis, «Alteração ambiental e recursos naturais: fontes de desestabilização social e
R. Professor Sousa Câmara, 170 – 1070-291 Lisboa
Tel/Fax: 21 387 87 87 de risco e ameaça à segurança nacional e internacional» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
www.apgeo.pt
Joaquim Condessa, José Luís Faustino, Maria do Rosário Ramalho, «Riscos naturais e tec-
Edição
nológicos no Alentejo» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Edições Afrontamento / Rua Costa Cabral, 859 – 4200-225 Porto

ISSN
0872-6825-20

Impressão
Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira
Impressa em 2007

Depósito Legal
109329/97

Revista de distribuição gratuita para sócio da APG


Preço de venda ao público: 12 €
Tiragem: 800 exemplares

A opinião expressa nos artigos é da exclusiva responsabilidade dos autores

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Inforgeo, 2007/2008, 5-7

A P R E S E N TA Ç Ã O

Teresa Sá Rodrigues
José Luís Zêzere

Este número nasce da decisão tomada pela Associa-


ção Portuguesa de Geógrafos de consagrar uma edição
da sua revista aos riscos e à protecção civil. Reconhece-
-se nesta decisão, por um lado, a importância científica
do tema e a sua inequívoca associação à Geografia,
enquanto disciplina centrada no conhecimento do terri-
tório e, por outro lado, a importância política do tema,
dadas as iniciativas legislativas nomeadamente em
matéria de planeamento e o ordenamento territorial,
com resultados positivos na percepção e compreensão
dos problemas associados aos riscos naturais e tecnoló-
gicos e em matéria de intervenção através dos planos de
protecção civil com impactos na segurança e na quali-
dade de vida das populações e recursos.
Ana Monteiro aborda o tema do risco climático, cen-
trando-se no estudo de dois casos na região do Porto: as
precipitações excepcionais ocorridas em 2000-2001 e a
seca observada em 2004. É enfatizado o incremento do

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i n f o r g e o Riscos e ambiente

risco por aumento da vulnerabilidade, decorrente de cia territorial abrange uma grande parte da área de
intervenções desajustadas no território. estudo.
Susana Pereira e co-autores descrevem os procedi- Jorge Gaspar e co-autores desenvolvem uma metodo-
mentos para a construção de uma base de dados de logia quantitativa para estimar a população residente,
movimentos de vertente para a Região Norte de Portu- com o objectivo da avaliar a vulnerabilidade humana
gal e destacam a importância deste instrumento no face ao risco sísmico e de tsunami no Algarve. Este tra-
apoio à decisão na Protecção Civil e no Ordenamento e balho insere-se no Estudo do Risco Sísmico e de Tsuna-
Gestão do Território. mis do Algarve, patrocinado pela Autoridade Nacional
José Luís Zêzere e co-autores apresentam e discutem de Protecção Civil.
as metodologias e os resultados da avaliação de um Por fim, Américo Reis aborda o tema da segurança
leque de perigos naturais, tecnológicos e ambientais ambiental, destacando a importância crescente dos pro-
com incidência nas regiões do Oeste e Vale do Tejo blemas ambientais nas relações sociais, políticas e eco-
(NUTS III do Oeste, da Lezíria do Tejo e do Médio Tejo), nómicas, bem como as ameaças à segurança nacional e
no âmbito da preparação do respectivo Plano Regional internacional que deles decorrem.
de Ordenamento do Território. Trata-se, acreditamos, de um número oportuno, abor-
No mesmo sentido, Joaquim Condessa e co-autores dando um tema da maior pertinência e que ocupa um
descrevem e discutem os riscos naturais e tecnológicos número crescente de geógrafos, os quais, nas mais
considerados no Plano Regional de Ordenamento do diversas escalas e focos temáticos, têm vindo a saber
Território do Alentejo. Neste trabalho é dado um desta- colocar o seu conhecimento em benefício da construção
que particular ao risco de desertificação, cuja incidên- de um país melhor ordenado e mais seguro.

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Inforgeo, 2007/2008, 9-23

A S C I D A D E S E A P R E C I P I TA Ç Ã O
– COMO MEDIAR UMA RELAÇÃO
CADA VEZ MAIS CONFLITUOSA

Ana Monteiro*

Resumo badly related with the irregularity of the preci-


pitation. We intend to show that while these
Os anos de 2000-01 e 2004-05 são dois climatic system’s expressions – the intense
exemplos igualmente dramáticos e incom- precipitation or drought – are not mechani-
preendidos mas de índole diversa que servem cally understood they will hardly be perceived.
para mostrar como os cidadãos urbanos se They will continue to be forgotten in any deci-
relacionam mal com a irregularidade da preci- sion process (individual or collective). And if
pitação. Pretende mostrar-se que enquanto we ignore the climatic system in planning we
estas expressividades do sistema climático – a add vulnerability to an equation (event x vul-
precipitação intensa ou a seca – não forem nerability) where we only have control upon
mecanicamente compreendidas dificilmente one of its terms.
serão percebidas. E, continuarão a ser desvalo-
rizadas em qualquer processo de decisão (indi-
vidual ou colectivo). Ao ignorar o sistema cli- 1. Introdução
mático, o desenho urbano acrescenta vulnera-
bilidade a uma equação (evento x vulnerabili- É já muito difícil imaginar algum lugar à
dade) onde temos de acreditar que só conse- superfície da Terra isento de risco porque a
guimos controlar um dos seus termos. ecúmena ampliou-se, substantivamente, nas
últimas décadas surgindo aglomerações urba-
nas em contextos geográficos impensáveis até
Abstract há poucas décadas. Por esse motivo, é natural
que um número crescente de cidadãos urbanos
The years of 2000-01 and 2004-05 are two se sinta frequentemente bastante ameaçado,
dramatically examples of diverse nature that nomeadamente, pela conduta indesejável da
serves to show how the urban citizens are temperatura, da precipitação, do vento, etc.
Ameaças que, cada vez mais, transformam os
tecidos urbanos em cenários caóticos e, quan-
* Departamento de Geografia, FLUP. tas vezes, catastróficos. Al Gore no seu docu-
anamonteirosousa@gmail.com mentário «Uma Verdade Inconveniente» diz

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mesmo que «…a Natureza está a enlouquecer -se que nos espaços urbanos a panóplia de Figura 1 – Variáveis intervenientes na definição de risco e vulnerabilidade
(…) e estamos a entrar na era das consequên- processos ou eventos – hazard – potencial-
CARACTERÍSTICAS FÍSICAS FACTORES POLÍTICO/ECONÓMICOS CARACTERÍSTICAS
cias…». Afirmação que testemunha o modo mente geradores de perdas aumentou à medida DOS RISCOS NATURAIS INDIVÍDUO SOCIEDADE SOCIAIS
como tem sido tão interiorizada a ideia que a que o suporte biogeofísico foi sendo omitido Magnitude – Proximidade da fonte – Padrões de uso do solo Sexo
culpa das catástrofes com que vamos sendo no desenho urbano. Frequência do Risco – Distribuição da riqueza Idade
Duração – Tipo de Estrutura – Padrão de gestão dos Educação
confrontados é, sobretudo, do clima. Senão E, este alheamento progressivo do modus Extensão Espacial – Nível de Autoridade recursos e história Estrutura Familiar
vejamos quantas vezes lemos e comentamos: vivendi urbano relativamente a todas as com- Sazonalidade – Diversidade de Escolha – Nível de desenvolvi- Localização da Residência
Período de Retorno mento Ocupação
«a precipitação causou prejuízos…», «a onda ponentes do ecossistema nomeadamente ao Bens
de calor matou...», «ciclone ceifou…», «a sistema climático, diminuiu a capacidade de
tromba de água destruiu...». antecipar, lutar, resistir e recuperar dos impac-
É neste quadro de referência em que o tes negativos gerados por episódios de precipi- Definem o Risco

sujeito é frequentemente o clima que preten- tação intensa, temperaturas elevadas ou muito
demos discutir a noção de risco e catástrofe baixas, ventos velozes, etc. Em suma, a vulne-
Definem a Vulnerabilidade
climática em espaços urbanos. Gostaríamos de rabilidade das cidades aos riscos climáticos Fonte: Adaptado de Tobin, 1997, p. 324.
sublinhar a inocência do sistema climático na tem crescido na proporção directa da alienação
maioria dos casos e vincar a enorme responsa- do desenho urbano face ao sítio e à posição
bilidade do incremento da vulnerabilidade em geográfica. Figura 2 – Riscos ambientais
cidades que são cada vez muito mais arte do A tolerância e a elasticidade social, econó- Natural Criado pelo Homem
que natureza. mica e política a um episódio climático extremo
condicionam a gravidade do risco já que ele é a Involuntário Sismo Localizado
Tsunami
função multiplicativa do episódio pela vulnera- Erupção vulcânica
2. Paroxismos, riscos climáticos bilidade. Assim, se não houver vulnerabilidade, Ciclone
e vulnerabilidade em espaço ou se esta for muito fraca, não há risco ainda Tornado
Avalanche
urbano que ocorram paroxismos climáticos (Figura 1). Inundação
Contudo, episódios vulgares e frequentes podem Seca
Incêndios
A interpretação dos riscos climáticos a que gerar consequências graves se a vulnerabilidade Acidentes relacionados com meios comunicação
estamos sujeitos em espaços urbanos é muito individual e colectiva aumentar. Explosões industriais
Poluição aquática
variada e controversa. Sendo o risco1 – risk – Apesar dos riscos climáticos serem, maio- Emissões radioactivas
uma medida da probabilidade e da intensidade ritariamente, naturais, involuntários e localiza- Aditivos alimentares
do perigo2 (Tobin, 1997, p.282), compreende- Voluntário Fumar Difuso

Fonte: Adaptado de Smith, 1992, p. 16


correspondendo na actualidade «à possibilidade de
1 Para explicar a diferença entre risk e hazard, alguns um acontecimento futuro e incerto»; «possibilidade
autores socorrem-se do exemplo de duas pessoas a de inconveniente ou fatalidade». O substantivo
atravessar o oceano: uma numa embarcação a remo, «perigo» provém da palavra latina «periculosu», e dos (Figura 2 e Quadro I), a concretização do Nos espaços urbanos a excessiva crença na
outra num barco a motor. Em ambos os casos o princi- significa «situação que ameaça a existência de uma risco – catástrofe – e a sua magnitude e gravi- ciência e na tecnologia para moldar o suporte
pal hazard é a profundidade do oceano e a elevada pessoa ou coisa»; «circunstância que prenuncia um dade depende da tolerância da sociedade face biogeofísico aliada ao predomínio de vivências
ondulação enquanto que o risk é a probabilidade de se mal para alguém ou para alguma coisa», «estado ou aos impactes negativos gerados. Por isso, nem indoor, tem dificultado a observação e o armaze-
afundarem. Para a maioria dos autores anglo-saxóni- situação que inspira cuidado ou gravidade»; «Aquilo
cos, risk é a probabilidade espacial e temporal da ocor- que constitui uma ameaça, que compromete a segu-
sempre o risco real e o percebido coincidem. namento de informações sobre o sistema climá-
rência de um acontecimento que poderá originar con- rança, a saúde, o bem-estar das pessoas ou o desapa- Nas cidades, a avaliação qualitativa dos tico. As respostas, consequência do modo como
sequências negativas, enquanto que hazard significa recimento de alguma coisa». impactes é muito mais importante do que a o risco é percebido e avaliado, traduzem precisa-
algo de aleatório, ocasional, que não se pode prever e Segundo o mesmo autor, trata-se de esquemas ima- quantitativa. As pessoas tendem a avaliar os mente esta grande incapacidade dos cidadãos
que afecta diferentes locais, isoladamente ou em con- géticos diferentes: a palavra risco está primeiro que riscos multidimensionalmente, mas de forma urbanos para lidarem com os riscos climáticos
junto, em diversos momentos. Este último conceito foi perigo, dado que «risco» se situa numa posição ainda
traduzido na bibliografia francófona pelo termo áleas. de segurança, embora haja probabilidade de algo
subjectiva, fazendo com que alguns sejam apesar de confrontados com um número cada
2 Segundo Vilela (2002) o substantivo risco deriva do ocorrer enquanto «perigo» pressupõe maior proximi- socialmente ampliados, enquanto outros são vez maior de impactes negativos (Quadro I).
verbo latino resecare que significa «cortar separando» dade da situação de ruptura. incompreensivelmente desvalorizados (Figura 3). Apesar do risco climático objectivo evi-

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Quadro I – Totais globais dos principiais tipos Figura 3 – Factores da Percepção do Risco Figura 4 – Modelo de mitigação
de catástrofes naturais do CRED entre 1964-98
Ambiente Físico MITIGAÇÃO
Evento Número Percentagem Medidas Estruturais e Não Estruturais
Factores
Inundação 456 33 de Situação
Ciclone Tropical 298 21
Ambiente
Seca 205 15 Reduzir a Exposição
Socioeconómico
Sismo 133 10

Resposta
Tempestade 115 8
Movimentos de Massa 65 5 Reduzir o Risco
Onda Calor 29 2 Variáveis Psicológicas
Vaga Frio 28 2
Erupção Vulcânica 23 2 Factores Reduzir as Perdas
Avalanche 10 1 Cognitivos Planeamento
Económicas Reduzir a Tensão Mudar as Percepções
Abrangente
Tsunami 10 1 e as Mortes
Variáveis Atitudinais
Incêndio Florestal 6 0
Proliferação de Insectos 2 0
Total 1 380 100 Fonte: Adaptado de Tobin, 1997, p. 149 Reduzir a Vulnerabilidade
Fonte: Adaptado de Smith, 1992, p. 34.

MUDANÇAS ESTRUTURAIS DA SOCIEDADE


denciar a necessidade de outras opções de urbana ao comportamento do sistema climático
desenho urbano (ex: menor área impermeabi- exige mudanças estruturais na sociedade que Fonte: Adaptado de Tobin, 1997, p. 340
lizada, menor artificialização dos cursos de promovam um relacionamento mais atento e
água, volumetrias menores, maior heteroge- mais humilde. De pouco serve culpabilizar o
neidade de materiais, etc.), a sociedade julga clima pelos danos e perdas durante os episó-
Figura 5 – Classificação dos acontecimentos climáticos extremos
que a tecnologia é capaz de a proteger de todos dios inesperados, ou melhor, indesejados.
os tipos de expressões do sistema climático Catapultar para o divino ou atribuir a responsa-
Tipo Fenómenos Eventos Climáticos
(Mileti, 1999). Por isso, a persistente desvalo- bilidade ao sistema climático pode aliviar tem- Associados
rização dos hazards climáticos tem contri- porariamente a tensão mas não auxilia os faze-
buído para incrementar a sua vulnerabilidade, dores urbanos a reduzir a exposição aos peri- Ondas de Frio
acrescentando danos e perdas perfeitamente gos (Figura 5). E isso só se consegue com uma
Relativos Ondas de Calor
evitáveis. mudança estrutural nos paradigmas de desenho
A concentração, nas cidades, de uma panó- urbano excessivamente crentes nos milagres da Seca Diminuição do caudal dos rios
plia de actividades e de pessoas faz com que ciência, da técnica e da energia barata.
cada complexo psicossocioeconómico avalie, Tempestada de Neve / Nevão Avalanches
Eventos
perceba e exija do sítio e do sistema climático Climáticos Mistos
Cheias
desempenhos muito diversos. Coexistem, nos 3. A precipitação – um dos riscos Extremos Precipitações Intensas
Movimentos de vertente
espaços urbanos, grupos muito diversos no mais indesejados em meio
que respeita à avaliação e percepção dos riscos urbano Tempestade de Granizo
em geral e dos climáticos em particular. Uma
parte substantiva da população urbana, geral- Sabendo que os riscos climáticos são res- Tornados
Absolutos
mente os de menor capacidade económica, ponsáveis por cerca de 80% das perdas mate- Ventos Fortes Forte ondulação
tem uma fraca tolerância económica e social à riais e humanas (Mileti, 1999), e que em
impulsividade do sistema climático. Por isso, espaço urbano, são excepcionalmente amplifi- Ciclones Tropicais «Storm surges»
estão expostos demasiadas vezes no sítio e no cados e geradores de caos e stress, elegemos, a
Movimentos de vertente
momento errados (Figura 4). título de exemplo, analisar dois episódios
A redução da vulnerabilidade da população catastróficos protagonizados pelo comporta- Fonte: Adaptado de Walsh, 1999, p. 52

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 6 – Precipitação total anual no Porto-Serra do Pilar (1900-2006) Figura 7 – Localização geográfica da estação Figura 8 – A relação entre a dimensão da
de Porto-Serra do Pilar. catástrofe, a excepcionalidade do comportamento
da precipitação e a vulnerabilidade

Factos
Consequências
comprovados

O Outono/Inverno 2000-2001 • cidades paralisadas;


foi excepcional • congestionamento de tráfego;
• movimentos de terra;
• totais • pessoas, casas e estradas
• sequência
engolidas;
• cheias;
• pontes destruídas.

Factos
Consequências
comprovados

O Outono/Inverno 2004-2005 • Carga nas albufeiras;


não foi excepcional • Abastecimento público
de água;
• totais • Fluxo subterrâneo de água;
• sequência • Agricultura;
• Incêndios;
• etc.

mento da precipitação no Porto neste início do espaço urbano tanto se for concentrada e Quando rareia, a água, provoca também, episódios mas, simultaneamente, aproveitar
século XXI (2000-01; 2004-05). Escolhemos intensa como se for escassa. nos espaços urbanizados, impactes negativos para reflectir sobre a perigosidade acrescida
estes dois episódios porque nos parecem para- Escolhemos este elemento climático preci- de grande magnitude ao nível da compactação pelas modernas opções de planeamento.
digmáticos da complexidade do caldo analí- samente por esta característica intrínseca no do solo geradora de rupturas nos edifícios e Pretendemos demonstrar que o actual dese-
tico individual e de grupo que despoleta cená- nosso contexto climático – a irregularidade. É infra estruturas, do abastecimento de água e do nho urbano ignora o sítio e a posição geográ-
rios catastróficos. que urge compreender porque é que sendo a saneamento, da saúde pública, etc. fica, limitando-se a replicar modelos de qual-
Dentre o grupo de paroxismos climáticos irregularidade da precipitação uma das princi- quer latitude e aumentando, com isso, as cau-
que afectam a vitalidade urbana, a precipitação pais características, continuamos a ser cons- sas de progressão da vulnerabilidade que trans-
é um bom exemplo do(s) enviesamento(s) ana- tantemente surpreendidos sempre que ela 4. O Inverno 2000-2001 formam, por exemplo, alguns episódios chuvo-
líticos que vingam na relação estreita existente escasseia ou quando ocorre com grande fre- e a seca de 2004 no Porto sos absolutamente vulgares em catástrofes.
entre a vulnerabilidade criada e a dimensão quência e intensidade. – paroxismo ou
dos danos causados. Vejamos a este propósito como os registos vulnerabilidade acrescida?
A precipitação é um elemento climático seculares da estação climatológica do Porto O Inverno de 2000-2001
fundamental para a vida nas suas diversas for- Serra do Pilar ilustram bem a irregularidade Os Invernos de 2000-2001 e de 2004-2005
mas mas também é responsável por elevados com que a precipitação tem brindado a região foram, no Porto, dois exemplos da gravidade A precipitação intensa e frequentemente
prejuízos consoante a natureza, a intensidade e portuense (Figuras 6 e 7). dos impactes provocados pela precipitação. registada no norte e centro de Portugal entre
a duração do episódio. A sua presença ou a sua A precipitação, quando ocorre com grande Enquanto no primeiro caso a catástrofe acon- Novembro de 2000 e Março de 2001 (Figuras
escassez é responsável, actualmente, por pre- intensidade e sobretudo quando se lhe associam tece porque o episódio chuvoso foi excepcio- 9, 10 e 11), paralisou várias cidades e provo-
juízos avultados sobretudo em espaços densa- inundações rápidas – flash floods – em rios e nalmente elevado à escala do século, no cou o deslizamento de terras engolindo pes-
mente ocupados. ribeiros artificializados, pode paralisar comple- segundo a magnitude dos danos deve-se à soas, casas e estradas. Os rios transbordaram
No nosso contexto climático – temperado tamente uma cidade. Estes movimentos rápidos ausência prolongada de precipitação (Figura 8). das suas margens e as pontes desabaram arras-
mediterrânico – a irregularidade da precipita- de água e massa podem atingir grandes veloci- Com este contributo, gostaríamos de ajudar tando consigo veículos em circulação e afo-
ção pode gerar situações muito críticas em dades (>6m/s) e arrastar consigo pessoas e bens. a avaliar a efectiva «excepcionalidade» destes gando dezenas de pessoas. E, a explicação

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
para todas as catástrofes foi endereçada para o Serra do Pilar, mais de 1700 mm de precipita- (Figura 12). Até 2001, o total mensal de preci- também, pela maior sequência de dias com
«mau tempo» e para a «excepcional» duração ção (Figura 10). pitação mais elevado havia sido 359,5 mm precipitação do século (Figura 13). Durante
e intensidade da precipitação. Comparativamente com os totais mensais (Março de 1947). Os 587,4 mm de chuva tota- este período, choveu mais de 4 em cada 5 dias.
Entre Outubro de 2000 e Março de 2001 mais elevados do século, Janeiro e Março de lizados em Março de 2001 ultrapassaram em Excluindo Fevereiro, que correspondeu a um
acumulou-se o maior total de precipitação do 2001 foram, no Porto SP, os mais chuvosos de mais de 60% o valor, até então, mais elevado intervalo na sequência quase interminável de
século (Figura 10). Durante os meses habitual- sempre (Figura 11). Destes dois, destaca-se, do século. dias com chuva, todos os outros meses regista-
mente mais chuvosos do ano atingiu-se pela principalmente, Março de 2001 que foi excep- Para além de ter observado os totais men- ram apenas 1, 2 ou 3 dias sem precipitação.
primeira vez, desde que há registos, no Porto cional no total de precipitação que acumulou sais de precipitação de Janeiro e Março mais Além da elevada frequência de dias com
elevados de que há memória (Figura 12), o precipitação, convém notar, também, que
Outono/Inverno 2000-2001, caracterizou-se Janeiro e Março de 2001, registaram uma con-
Figura 9 – Exemplo dos efeitos na circulação dentro da cidade do Porto causados por um episódio
chuvoso particularmente intenso entre as 7-8h
Figura 11 – «Excepcionalidade» da precipitação durante o Inverno 2000/2001

Figura 12 – Totais mensais de Janeiro e Março no Porto SP

Figura 10 – Precipitação acumulada entre Outubro e Março no Porto-Serra do Pilar (1900-2005)

Figura 13 – Sequência de dias com precipitação, no Porto SP, entre Novembro de 2000 e Março de 2001

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siderável ocorrência de totais diários bastante e Março registaram-se 16 dias com mais de muito peculiar porque tem uma progressão diversa (meteorológica, hídrica, política, etc.)
elevados (Figura 14). 10 mm de chuva. muito lenta e imperceptível que se vai insta- consoante o objectivo do investigador e a ins-
Mais de 11 dias de Março de 2001, assisti- lando sem ser detectada. A sua definição é tituição de referência (Figura 17). Mesmo a
ram à queda de grandes quantidades de preci- Quadro II – Posição na série de precipitação
definição de seca meteorológica varia con-
pitação. Apenas, em 1947, havia ocorrido um O Inverno de 2004-2005 mensal de Porto Serra do Pilar (1900-2006) soante as instituições e os objectivos pretendi-
número semelhante, quando foram registados dos com a avaliação da sua expressividade.
7 dias com mais de 20,8mm (percentil 95). O Inverno de 2004-2005 foi descrito por Outubro de 2004 5.º mais chuvoso desde 1900 Embora o PDSI (IM, 2005) nos informe da
Dois dos três dias de Março com maior diversos actores como um episódio catastrófico Novembro de 2004 18.º mais seco desde 1900 severidade extrema que entre Maio e Setem-
Dezembro de 2004 18.º mais seco desde 1900
precipitação do século, aconteceram em 2001 de seca de grande gravidade. Contudo, quando bro de 2005 afectou Portugal (Figura 18), e a
Janeiro de 2005 3.º mais seco desde 1900
(dia 21 com 76,8 mm e dia 23 com 75, 4 mm). observamos a série de mais de 100 anos de análise das sequências de dias sem precipita-
Fevereiro de 2005 6.º mais seco desde 1900
O dia de Março mais chuvoso, de que há registos de precipitação percebemos que o Março de 2005 33.º mais seco desde 1900
ção no período habitualmente húmido – Outu-
registo, ocorreu, porém, em 1979 (80,7 mm). período 2004-2005 não foi o que registou o bro a Março – evidencie que 68% dos dias
Apesar de se incluírem no período mais menor total de precipitação anual, nem o total
pluvioso do ano, não é comum, nem em Março, mais baixo no período húmido ou no período Figura 16 – Sequência de dias com e sem precipitação entre Outubro de 2004 e Março de 2005
nem em Janeiro, a precipitação diária ultra- seco do ano (Figuras 6, 10 e 15 e Quadro II). na estação de Porto Serra do Pilar
passar os 10 mm. Todavia, em 2001, Janeiro Como sabemos a seca é uma catástrofe

Figura 14 – Total diário de precipitação em Março de 2001 no Porto SP

Figura 17 – Algumas características e definições de seca meteorológica

Seca ?
Figura 15 – Precipitação acumulada entre Abril e Setembro na estação de Porto Serra do Pilar (1900-2006)
progressão lenta
imperceptível

ausência prolongada
de precipitação
+ vulnerabilidade

(total, n.º de dias, época do ano)

WMO – Seca à quando uma região regista uma precipitação menor ou igual a 60% do valor normal durante mais
de 2 anos consecutivos em mais de 50% da sua superfície

IMC – 5 categorias: IM – Índice Meteorológico de seca = área afectada tendo em


Muito seco -<P20 conta a P, a T°C e a capacidade de água no solo
Seco -P20-P40 seca fraca (-0,50 a -1,99)
Normal -P40-P60 seca moderada (-2,00 a -2,99)
Húmido -P60-P80 seca severa (-3,00 a -3,99)
Muito húmido >P80 seca extrema (-0,50 a -1,99)

British Rainfall Organization – 3 categorias:


Seca absoluta -15 dias consecutivos em que o total diário é < 0,25 mm
Seca parcial -29 dias consecutivos em que o total diário é < 0,25 mm
Temporada seca -15 dias consecutivos em que o total diário é < 1 mm

Protecção Civil – caracteriza-se pelo défice entre as disponibilidades hídricas do País e as necessidades de água
para se assegurar o normal abastecimento público

18 19
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 18 – Índice meteorológico da seca PDSI (IM, 2005) foram secos no Porto-Serra do Pilar (Figura O argumentário resultante do conhecimento
19), não se tratou de um episódio único à das pressões que estão a afectar o comporta-
Classes % de território afectado 2004/2005
escala do século (Figura 15 e Quadro II). mento do subsistema climático local e regional
de seca 31 30 31 31 28 31 30 31 30 31 31 30
Out.04 Nov.04 Dez.04 Jan.05 Fev.05 Mar.05 Abr.05 Mai.05 Jun.05 Jul.05 Ago.05 Set.05 portuense não é suficiente para informar todos
c. moderada 5 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 os actores envolvidos, nem para os sensibilizar
chuva fraca 47 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5. Considerações Finais a modificar atitudes de modo a que reduzam a
normal 22 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 sua vulnerabilidade aos elementos climáticos. A
fraca 20 47 30 0 0 26 15 4 0 0 0 0 Estes dois exemplos igualmente dramáti- incerteza quanto ao peso relativo de cada uma
moderada 5 47 48 25 23 22 22 28 3 0 0 3 cos e incompreendidos mas de índole tão das relações de causalidade envolvidas nas res-
severa 1 5 20 53 44 28 20 20 33 27 29 36
diversa (Figura 8), servem para mostrar que postas do sistema climático é uma fragilidade
extrema 0 0 2 22 33 24 43 48 64 73 71 61
enquanto estas expressividades do sistema cli- no processo de comunicação em climatologia
mático – a precipitação intensa ou a seca – não que, depois, se tem repercutido insistentemente
forem mecanicamente compreendidas dificil- ao nível da acção (Figura 20).
Figura 19 – Sequências de dias com e sem precipitação (2000-01, 2004-05 e 2005-06) mente serão percebidas. E, continuarão a ser Esta lacuna só será colmatada quando os
desvalorizadas em qualquer processo de deci- investigadores reorganizarem o discurso cientí-
são (individual ou colectivo). fico imprimindo-lhe também uma vocação
Este quadro de grande incompreensão é pedagógica e uma linguagem própria para esta-
generalizável a outras escalas espaciais. A belecer a comunicação com a sociedade. Pri-
importância do(s) risco(s) associados às mani- meiro, é necessário clarificar a multiplicidade de
festações de mudança climática global pade- factores envolvidos nos cenários de catástrofe
cem desta mesma patologia – a distância entre climática (Figuras 1 e 3). Depois, é fundamental
os factos e as percepções. enquadrar as reflexões em torno dos impactes
A sociedade está razoavelmente sensibili- negativos gerados pelas manifestações de mu-
zada para a possibilidade de vir a ocorrer um dança climática numa teia pluridisciplinar onde
aumento da temperatura média do globo mas o conhecimento científico de climatologia é ape-
ainda não consegue imaginar as consequências nas um dentre uma miríade de outros saberes.
catastróficas geradas pela impulsividade das A qualificação das ferramentas – concep-
respostas que o sistema climático parece pre- tuais, metodológicas e instrumentais – dispo-
ferencialmente adoptar para reagir às tensões níveis em climatologia não tem evitado, pelo
(internas e externas). menos tanto quanto seria desejável, os danos

Figura 20 – A progressão da vulnerabilidade ao sistema climático

Variabilidade climática depende de: Risco climático


Forças Interacções internas entre as Catástrofe
externas componentes do sistema climático
i

Erupções vulcânicas Atmosfera


Oceano
Paroxismo climático X Vulnerabilidade
Alterações no fluxo de energia solar i
Biosfera i
Superfície terrestre
£££££@£££££¤ Combinação de Factores de vulnerabilidade:
elementos climáticos
Flutuações regulares Condições climáticas extremas 1 – Urbanização
2 Aumento da população
Flutuações aleatórias Catástrofes
3 – Pressão
4 – etc.

O que mudou?

As condições de insegurança aumentaram?

20 21
i n f o r g e o Riscos e ambiente
causados pelas secas, precipitações intensas, BLAIKIE, PIERS et al. (1994), At Risk – Natural KING, CUCHLAINE A. M. (1980), Physical Geogra- História, III Série, vol.2, Porto: FLUP, p. 167-
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etc. Isto, pode dever-se ao modo como as Londres: Routledge. KOVACS, PAUL e KUNREUTHER, HOWARD (2001), MONTEIRO, ANA (2005), Sistema Climático: uma
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ceptados por aprimorados sistemas de drena- CONTI, JOSÉ BUENO (2002), Riscos Naturais na MONTEIRO, ANA (1990), O Porto e os portuenses no Mariano Feio, Lisboa: INIC/IICT/ /FCSH, p.
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22 23
Inforgeo, 2007/2008, 25-36

BASE DE DADOS DE MOVIMENTOS


DE VERTENTE: UM INSTRUMENTO
DE APOIO AO PROT NORTE

S. Pereira1; C. Bateira2; M. Santos3

1. Introdução mente afectadas, de acordo com as diferentes


tipologias de risco, servirá para promover o
Os principais riscos naturais que afectam ordenamento do território e, em certos casos,
com maior frequência a Região Norte de Portu- corrigir erros de planeamento preexistentes.
gal são as cheias progressivas, as cheias repen- Quando estudamos os movimentos de ver-
tinas, os movimentos de vertente e os sismos. tente na Região Norte verificamos que as
Até ao momento não existia uma base de dados ocorrências estão espaçadas no tempo e no
que compilasse a localização das ocorrências espaço. Na maioria das vezes são desencadea-
com os danos verificados. Por um lado, as pou- dos na sequência de períodos extremos de pre-
cas bases de dados que existem estavam disper- cipitação.
sas em vários organismos, nomeadamente O ano de 2001 com inúmeras ocorrências
centros distritais de operações e socorro, corpo- de movimentos de vertente impôs a necessi-
rações de bombeiros e seguradoras. Desta dade do estudo dos movimentos de vertente no
forma, torna-se extremamente difícil realizar Norte de Portugal, nomeadamente a realização
uma análise estatística das ocorrências. de um inventário de todas as ocorrências de
As áreas afectadas por estes riscos naturais movimentos de vertente para fazer parte de
são quase sempre alvo de prejuízos materiais, uma base de dados uniformizada a nível nacio-
funcionais e humanos. Por essa razão, é nal (Bateira, 2001).
importante conhecer os factores que estão na Soeters e Van Vesten (in Turner e Schuster,
origem do seu desencadeamento para permitir 1996: 130) defendem também que é necessá-
a criação de estruturas de alerta à população. rio um rigoroso inventário dos movimentos de
Além disso, cartografia das áreas potencial- vertente: tipo, actividade e distribuição espa-
cial, antes de realizar qualquer análise dos fac-
tores de ocorrência de movimentos de vertente
1 Bolseira de Doutoramento da FCT, Departamento
e tomar conclusões sobre as suas relações
de Geografia da F.L.U.P. (spereirageo@gmail.com)
2 Departamento de Geografia da Faculdade de ambientais.
Letras das Universidade do Porto. A predição da perigosidade geomorfoló-
3 Estudante do Mestrado de SIG e Ordenamento gica em áreas sujeitas a movimentos de ver-
do Território, Departamento de Geografia da F.L.U.P. tente é baseada no conhecimento da instabili-

25
i n f o r g e o Riscos e ambiente
dade passada, que pode fornecer-nos informa- no modelo físico de dados, os objectos são Figura 1 – Sistemas Geomorfológicos da Região Norte
ções úteis para a previsão da localização de representados sob a forma de tabelas. Na
futuras ocorrências (Soeters e Van Vesten, modelação da Base de Dados foi utilizado o
1996 in Turner e Schuster, 1996: 130). programa Access. Posteriormente a base de
O objectivo principal deste artigo é apre- dados foi ligada ao SIG (software ArcGis 9.1)
sentar alguns resultados de uma base de dados através do ArcCatalog e passou a incorporar
sobre movimentos de vertente no Norte de informação gráfica e alfanumérica, organi-
Portugal, necessária para a elaboração de car- zando-se uma Geodatabase (Figura 2).
tografia de riscos a movimentos de vertente, a A base de dados foi concebida de forma a
diferentes escalas, em ambiente de SIG. Esta englobar três temas centrais: 1) a informação
base de dados fornecerá os elementos de par- histórica composta pelas classes relacionadas
tida para a definição dos critérios de diferen- com as ocorrências, elementos geográficos e
ciação das classes de susceptibilidade geomor- socioeconómicos; 2) factores condicionantes e
fológica. 3) factor desencadeante.

a) Informação histórica
2. Fases da construção da base
de dados A base de dados contém as entidades que
caracterizam os movimentos de vertente: loca-
Para a construção da base de dados utilizá- lização, tipo, actividade, estilo, distribuição,
mos o nível de modelação proposto por Peter material movimentado, intervenção antrópica
Chen (1977) na década de 70, a abordagem e danos.
entidade-relacionamento (E-R), baseada nos Figura 2 – Estrutura da Geodatabase
modelos conceptual, lógico e físico. Elaborou-
TEMA CLASSES NÍVEIS ATRIBUTOS ENTIDADES
-se um modelo conceptual e um modelo lógico b) Factores condicionantes • eventos • coordenadas, idade, velocidade, tipo, estilo, dis- • ponto, polígono
e definiram-se as entidades com os seus atri- tribuição, actividade, data, …
• morfometria • comprimento máx., largura, área • ponto, polígono
butos, tendo em conta o nível de detalhe pre- Os processos de instabilidade de vertente MOVIMENTOS
DE VERTENTE • material • distância, volume, … • ponto
tendido e os relacionamentos existentes. A são condicionados por uma complexidade de • fact. desencadeantes
• fact. antrópicos
• tipo, data, fonte, …
• tipo, data, fonte, …
• ponto
• ponto
execução dos modelos conceptual e lógico factores inter-relacionados, como por exem- • danos • tipo, mortos, feridos, desalojados, edif. danificados • ponto

passou por diversas fases de redefinição e plo: as condições geomorfológicas (forma das • limites • cregião, cidades, áreas urbanas • ponto, polígono
melhoria do modelo, com o fim de o validar. vertentes, declives), hidrológicas (circulação INFORMAÇÃO ELEMENTOS
administrativos
• edifícios • escolas, hospitais, habitações, … • ponto, polígono
O modelo lógico, obtido a partir das regras superficial, fluxo interno lento e fluxo interno HISTÓRICA GEOGRÁFICOS • uso do solo • agrícola, florestal, urbano, … • polígono
• estradas • rede de estradas, categoria, km., … • linha
de derivação do modelo conceptual, apresenta rápido), litógicas locais e as formações super- • energia • hidráulica, redes de gás, … • linha
os objectos, as suas características e relaciona- ficiais (tipo e espessura). SOCIO- • população • habitantes, homens, mulheres, idade, … • ponto, polígono
mentos de acordo com as regras de implemen- Os processos geodinâmicos (a frequência e ECONÓMICOS • actividades económ. • tipo de actividade, emprego • ponto, polígono

tação e restrições impostas pelo software utili- intensidade da precipitação e sismicidade), a • litologia • tipo, idade, composição, … • polígono
• solos • tipo, composição, espessura, … • polígono
zado. O modelo lógico gerado a partir do vegetação, os usos do solo, as actividades • formações superficiais • tipo, espessura, idade, … • polígono
modelo conceptual foi o modelo relacional. humanas (construção, indústria, pastoreio, FACTORES GEOMORFO-
• falhas
• morfologia
• tipo, geometria, idade, orientação, …
• unidades, elementos morfológicos
• linha
• polígono
Durante todo o processo de modelação agricultura intensiva...), podem alterar a sua CONDICIONANTES LÓGICOS • altitude • curvas de nível, pontos cotados, MDT, declives, • linha, ponto
exposição de vertentes, …
(concepção do modelo conceptual e durante a distribuição espacial e temporal. • rede hidrográfica • nome do rio, número de ordem, … • linha
derivação do modelo lógico) realizou-se a nor- Na análise da instabilidade de vertentes, as • bacia hidrográfica • tipo, área, perímetro, … • polígono

malização para organizar a base de dados e eli- escalas de trabalho determinam a selecção do • rede de estações • altitude, coordenadas, precipitação, … • ponto
FACTOR • dados • data, hora, precipitação (horária, diária, mensal e • ponto, linha
minar redundâncias de dados (Chen, P., 1977). tipo de factores condicionantes da variabili- DESENCADEANTE
METEOROLÓGICO
anual), períodos de retorno, …
Na fase final de modelação da base de dados, dade espacial da instabilidade de vertentes, • fontes • instituição, período de funcionamento, … • ponto

26 27
i n f o r g e o Riscos e ambiente
utilizando-se diferentes níveis e grau de deta- ções particulares da morfologia, hidrologia, composto pelos seguintes campos: des- consulta de várias fontes de informação, como
lhe da informação a representar. Ao trabalhar solo e estrutura, que são indivisíveis com base crição, código, link para fotos, link para por exemplo: trabalhos de doutoramento e de
em diferentes escalas de análise é importante na forma. mapas, ano, mês, distrito, concelho, mestrado, a artigos publicados, a artigos de jor-
decidir quais são os níveis de informação (ou código de freguesia, freguesia, coorde- nal, a fotografias, a jornais locais on-line, fontes
factores) e as unidades de terreno mais repre- nada X (HGM), coordenada Y (HGM), populares e aos Centros Distritais de Operações
sentativas da instabilidade de vertentes em c) Factores desencadeantes observações da localização, folha da e Socorro (CDOS) da Região Norte (Porto,
função da escala adoptada. carta militar, tipologia, idade, velocidade, Braga, Viana do Castelo, Bragança, Vila Real,
Para tal, elaborou-se uma hierarquia de A precipitação é o principal factor desen- estado de actividade, estilo, distribuição, Viseu, Guarda e Aveiro) (Figura 3).
unidades de terreno que abarca os factores cadeante dos movimentos de vertente no Norte número de ocorrências, observações, data Os jornais diários constituem 83% do total
condicionantes e desencadeantes dos movi- de Portugal. No entanto, por vezes a precipita- de início de actividade, hora de início de de fontes consultadas, seguidas pelas teses de
mentos de vertente. A hierarquia de terreno ção quando combinada com a intervenção actividade, data de recorrência, hora de mestrado e doutoramento (6%), jornais de
utilizada parte da região, que se divide em uni- antrópica é responsável pela alteração da dinâ- recorrência, fonte e data da fonte. tiragem mensal ou quinzenal e artigos cientí-
dades territoriais, que podem ser analisadas mica natural das vertentes e pela ocorrência de – Um formulário referente ao tipo de mate- ficos (3%).
segundo os diferentes elementos territoriais movimentações em áreas anteriormente está- rial movimentado com os seguintes cam- O período temporal da pesquisa abarcou
que as compõem (Mitchel, 1991). veis. Perante condições de precipitação pos: código do movimento de vertente, 107 anos (1900 a 2007). Na Região Norte apu-
A região Norte de Portugal é constituída intensa e prolongada o tipo de intervenção código de material movimentado, distân- ramos que existem 99 jornais de tiragens
por uma base geológica e geomorfológica. As antrópica pode agravar os efeitos dos movi- cia máxima percorrida, área afectada, diversas (nacional, regional e local). Para este
unidades territoriais caracterizam-se pela inci- mentos de vertente. volume do material afectado, largura período consultou-se de forma sistemática o
dência de um conjunto de processos físicos e máxima, largura mínima, comprimento, Jornal de Notícias, por ser um jornal diário de
por uma dinâmica geomorfológica própria, diâmetro e observações. grande tiragem nacional e com uma série mais
responsáveis pelo desenvolvimento de uma 3. Preenchimento da base – Um formulário que diz respeito ao tipo de longa (desde 1888). Além deste, consultamos
determinada morfologia, hidrologia e coberto de dados intervenções antrópicas realizadas com a série dos jornais O Público (1990-2007),
vegetal, como por exemplo: a plataforma lito- os seguintes campos: código do movi- também de tiragem nacional e O Correio do
ral, os vales do NW, o vale do Douro, o relevo No Access, elaboraram-se quatro formulá- mento de vertente, descrição, código de Minho (1980-2007) de tiragem regional. Pelo
intermédio, as serras, o planalto transmontano rios para facilitar a introdução de dados: intervenção antrópica, data da interven- facto da pesquisa manual de jornais ser um tra-
e as depressões tectónicas (Figura 1). ção, observações. balho moroso não foi possível alargar a pes-
Os elementos territoriais são as áreas mais – Um formulário para a identificação, loca- – E, por fim, um formulário sobre o tipo de quisa a mais periódicos.
pequenas da paisagem, onde predomina um lização e caracterização de cada movi- danos provocados, com os seguintes Na pesquisa optamos por consultar prefe-
processo geomorfológico resultante de condi- mento de vertente. Este formulário é campos: código do movimento de ver- rencialmente os meses mais chuvosos (Setem-
tente, descrição, código de danos, ocor- bro a Maio) e nestes, apenas os meses com pre-
Figura 3 – Fontes de dados utilizadas na pesquisa de ocorrências rência (descrição), número de mortes, cipitações significativas, obtidas a partir dos
número de feridos, número de desaloja- dados de precipitação das estações do INAG.
dos, corte de linha férrea, corte de A consulta de periódicos é uma base de
estrada, edifícios destruídos e fonte. pesquisa fundamental, principalmente quando
os vestígios no terreno já são pouco perceptí-
veis ou quando pela sua reduzida dimensão e
a) Fontes de informação grau de destruição, os movimentos de vertente
são confundidos ou esquecidos pelas popula-
Numa primeira fase deste trabalho reco- ções com a passagem dos anos.
lheu-se o máximo de informação disponível É importante realizar este levantamento e a
sobre a ocorrência de movimentos de vertente, caracterização dos movimentos registados,
datas de início de actividade, de recorrência, uma vez que pouco tempo após a sua ocorrên-
danos, tipo de intervenção antrópica, material cia deixam quase de ser reconhecidos na pai-
movimentado, cartografia já realizada, fotogra- sagem, visto que experimentam uma evolução
fias, ortofotomapas, entre outros. Recorremos à geomorfológica rápida (que elimina os vestí-

28 29
i n f o r g e o Riscos e ambiente
gios da cicatriz e outros elementos identifica- hora exacta nem sempre é indicada e quando é, riqueza da notícia é maior devido à existência cos. Além disso, nem sempre apresentam a
tivos), associada ao crescimento da vegetação, por vezes não é precisa. Encontram-se situações de fotografias e filmagens que são divulgadas preocupação de localizar com exactidão as
à limpeza dos materiais mobilizados e até à em que para o mesmo movimento de vertente, pela imprensa escrita, televisão e internet. ocorrências, excepto se estas forem em meio
reconstrução de habitações, patamares agríco- vários jornais apresentam horas de ocorrência urbano. Normalmente aparecem as referências
las, muros e estradas destruídas. diferentes. F. Guzzetti e G. Tonelli (2004, p. – A percepção das pessoas sobre estes acon- ao nome da rua ou do lugar, a data e hora do
Durante a fase de pesquisa em jornais, não 215) referiram as mesmas limitações no uso de tecimentos é altamente condicionada pela contacto, o número de efectivos e meios utili-
foi possível preencher a totalidade dos campos jornais para a recolha de dados históricos sobre dimensão do processo e das áreas afecta- zados, o tempo de actuação, e uma breve des-
existentes nos formulários, pois alguns neces- cheias e movimentos de vertente para a base de das, número de ocorrências, grau de des- crição grosseira do processo.
sitam de medições no terreno. Por outro lado, dados Italiana SICI (Sistema de Informação truição, grau de prejuízos materiais e Verificamos que a estrutura das bases de
em determinados eventos mais antigos, actual- sobre Catástrofes Hidrogeológicas). humanos (C. Bateira, et al. 2005). dados e a codificação das ocorrências não são
mente é impossível efectuar essas medições A consulta de periódicos tem de ser reali- – As notícias recolhidas constituem uma uniformes entre os diferentes CDOS e que o
por já não existirem vestígios suficientes ou os zada de forma crítica, tendo em conta vários ínfima parte dos processos de evolução maior detalhe nas descrições deve-se a casos
locais terem sido alvo de reconstrução. Em factores que podem afectar a credibilidade da de vertentes que ocorreram na região, isolados. A maioria das ocorrências dos CDOS
alguns casos, por se tratar de movimentos de informação. Referem-se os seguintes exemplos: mas que pelo seu carácter destrutivo, tipo não foram georreferenciadas e a tipologia do
vertente antigos temos consciência que alguns de danos e influência no normal funcio- movimento de vertente é dúbia, mas permitem
dados ficaram perdidos pela falta de registos – Durante a época do Estado Novo (1933- namento das actividades económicas e a identificação dos dias com maiores ocorrên-
escritos e fotográficos. -1974) devido à existência da censura na circulação de pessoas e bens, merece- cias que depois foram confrontados com as
A utilização dos periódicos na recolha de política em Portugal, a liberdade de ram o devido destaque nos jornais. notícias dos jornais locais.
dados apresenta algumas desvantagens. A prin- expressão era bastante condicionada pelo Por todas estas razões, o processo de reco-
cipal corresponde à escassez de dados de ocor- regime político. Neste período, a pes- Tendo em conta estas limitações, recolhe- lha de dados foi moroso e trabalhoso e foram
rências fora das áreas urbanas. Estes, cobrem quisa nos jornais revelou-se muitas vezes ram-se vários artigos com referências sobre o preenchidos apenas os dados disponíveis no
preferencialmente os acontecimentos que cau- infrutífera mesmo em anos hidrológicos mesmo evento para cruzar a informação a momento. Os restantes necessitam da realiza-
saram danos conhecidos em áreas urbanas, ou com precipitações importantes. Nos inserir nos formulários da base de dados. ção de um trabalho de campo pormenorizado.
em áreas rurais servidas por redes de transporte casos em que as ocorrências são relatadas Os artigos científicos e as teses de mes- É necessário salientar que estes dados estavam
(linhas de caminho-de-ferro, auto-estradas, foi-lhes dada uma menor importância. trado e doutoramento forneceram na sua maio- dispersos em vários arquivos e em vários
estradas nacionais), que foram afectadas por – Descrições vagas e sensacionalistas dos ria informação insuficiente, mas de qualidade. suportes (digital e analógico).
eventos que condicionaram a circulação de jornalistas que por vezes não permitem Raramente há uma caracterização completa do
pessoas e mercadorias. Normalmente, é dada localizar com rigor os eventos e o tipo de movimento de vertente e muitas vezes encon-
mais ênfase à reactivação do processo, como processo. tram-se apenas referências descritivas a casos, b) Distribuição espacial dos eventos
no exemplo do movimento complexo de Ces- – Evolução dos meios de circulação da sem haver dados quantitativos de maior por-
tães no concelho de Arcos de Valdevez, em informação – no início do século XX o menor. Existem poucos registos de campo, A base de dados contabiliza actualmente
Dezembro de 2000 e Março de 2001. relato das ocorrências tinha em média alguma cartografia de base (morfologia, geo- 623 registos de movimentos de vertente, dos
Nos jornais, na maioria das vezes, a locali- um desfasamento de dois dias a uma logia, hipsometria), localização detalhada com quais 77% estão georreferenciados com um
zação dos eventos vem incompleta ou com des- semana em relação ao dia de desenca- as características do movimento e raramente o ponto (Sistema de Coordenadas HGM) e os
crições vagas, excepto quando os eventos se deamento, em resultado das dificuldades estudo dos eventos de precipitação que os restantes estão localizados na freguesia onde
localizam nas linhas de caminhos-de-ferro e na de transporte. desencadearam. ocorreram (Figura 4).
rede de estradas (AE, IP ou EN) onde geral- As entrevistas foram pouco utilizadas, pois No processo de georreferenciação foi
mente vem referido o quilómetro onde se regis- Nota-se uma maior rapidez na difusão das fornecem informações gerais sobre um extremamente importante realizar uma leitura
tou a ocorrência. São raros os casos em que os notícias com o uso do telégrafo (início do número limitado de ocorrências e para um atenta das fontes para permitir a localização do
artigos de jornal referem uma estimativa econó- século XX), do comboio-correio e depois do curto período temporal. ponto superior da ruptura da vertente nas car-
mica dos prejuízos, assim como o tipo de movi- telefone. Hoje em dia, com as tecnologias da Nos contactos efectuados com os Centros tas topográficas do Instituto Geográfico do
mento, volume e área afectada. Normalmente informação e da comunicação a difusão das Distritais de Operação e Socorro (CDOS) veri- Exército (1:25 000) com diferentes datas de
focam-se nos prejuízos humanos e materiais. notícias é muito mais rápida e num espaço de ficamos que as bases de dados destas institui- publicação, em ortofotomapas (escala 1:5000),
O factor desencadeante vem quase sempre horas ou minutos as ocorrências passam a ser ções não estão concebidas de forma a registar em mapas de estradas e linha de caminhos-de-
referido, assim como o dia da ocorrência, mas a do conhecimento público. Além disso, a os diferentes tipos de processos geomorfológi- -ferro ou no Google Earth. Nos casos mais

30 31
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 4 – Distribuição dos movimentos de vertente no Norte de Portugal (1900-2007) Figura 5 – Densidade de movimentos de vertente por concelho no Norte de Portugal (1900-2007)

recentes foi possível o recurso ao GPS para a tura da distribuição geográfica dos movimen-
sua localização mais precisa. tos de vertente existentes na base de dados. Do naturais: vertentes complexas, com fortes Num total de 86 concelhos da região
Se em alguns casos, foi relativamente fácil total de movimentos de vertente georreferen- declives, existência de mantos de alteração; Norte, apenas em 17 concelhos não foram
localizar o movimento na respectiva carta ciados, 37,4% localizam-se no vale do Douro, vertentes organizadas em terraços agrícolas e encontradas referências a movimentos de ver-
militar ou no ortofotomapa e depois calcular 23,2% nas serras, 22% na plataforma litoral e importância dos factores estruturais. tente, para o período em estudo.
as coordenadas no sistema de Coordenadas 9,6% no relevo intermédio. Nas restantes uni- No segundo grupo os factores naturais
HGM datum Cascais, noutros, a localização de dades morfológicas a percentagem de movi- condicionantes da ocorrência de movimentos
muitas ocorrências foi baseada no nome do mentos de vertente é insignificante. de vertente não são tão importantes, mas a c) Distribuição temporal dos eventos
lugar referido e na configuração do relevo. Para se avaliar os concelhos que possuem intervenção antrópica no território tem sido a
Encontraram-se inúmeras situações de descri- um historial de movimentos de vertente mais grande responsável pelo grande número de Os eventos registados ao longo dos 107 anos
ções que referiam toponímia que actualmente problemático, calculou-se a densidade de movi- ocorrências, nomeadamente com a construção de pesquisa estão distribuídos de forma irregu-
foi modificada ou referências a lanços de mentos de vertente por 10 km2, baseada em F. de aterros, construção em linhas de água, desa- lar, demonstrando três grandes picos de eventos:
linhas de caminho-de-ferro que se encontram Guzzetti e G. Tonelli (2004). Esta densidade terros, construção em áreas de forte declive no início da década de 10 do século XX (1909,
desactivadas. Nesses casos, a georreferencia- corresponde ao número de movimentos de ver- sem estarem salvaguardadas as questões de 1910), final da década de 70 (1979) e início da
ção só foi possível com o auxílio de cartas tente registados por concelho entre 1900 e 2007, estabilidade das vertentes (C. Bateira, 2001). década de 80 do século XX (1981) e início do
topográficas mais antigas. a dividir por uma área de 10 km2 (Figura 5). Os concelhos de Arcos de Valdevez, século XXI (2000, 2001, 2003) (Figura 6).
As metodologias utilizadas no processo de Os concelhos com uma maior densidade de Braga, Guimarães, Amarante, Sabrosa, Carra- Os anos com um maior número de eventos
georreferenciação introduzem um erro médio movimentos de vertente são: Baião, Mesão zeda de Ansiães, Valongo, Maia e Matosinhos registados na base de dados são por ordem
que pode ir desde 1 m com o recurso ao GPS Frio, Peso da Régua e Santa Marta de Pena- possuem uma densidade de movimentos de cronológica, a título de exemplo: 1909 (42),
no terreno até às dezenas de metros com base guião no Vale do Douro e Porto, V. N. de Gaia vertente importante, que está relacionada com 1910, 1955 (15), 1966 (16), (17), 1979 (23),
nas descrições. e Gondomar na plataforma litoral. O primeiro as suas condições naturais ou com a interven- 1981 (24), 2000 (18), 2001 (40), 2002 (21),
A georreferenciação permitiu efectuar a lei- grupo justifica-se pela existência de factores ção antrópica no território. 2003 (28), 2006 (23).

32 33
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 6 – Distribuição temporal dos movimentos de vertente no Norte de Portugal (1900-2007) Para esta série de eventos a média de ocor- 5. Conclusões
rências é de 5,4 movimentos de vertente/ano.
Em apenas 6% dos eventos não foi possível Neste momento a base de dados de movi-
obter a informação precisa sobre o ano de mentos de vertente está em condições de nos
ocorrência. fornecer uma visão espacial e temporal da dis-
No conjunto dos movimentos de vertente tribuição dos movimentos de vertente no
existentes na base de dados, em 91% dos casos Norte de Portugal, entre 1900 e 2007. Con-
foi possível identificar o mês da sua ocorrência, tudo, só estão registadas as ocorrências que
permitindo uma análise da sua distribuição sazo- provocaram maiores danos nas populações
nal (Figura 7). Mais de 70% dos eventos regis- e/ou perturbações nas actividades económicas
taram-se no Inverno e no Outono, com especial e serviços de transportes. Por esse motivo, é
Figura 7 – Distribuição sazonal dos movimentos de vertente no Norte de Portugal (1900-2007) relevância nos meses de Dezembro (31,8%) e extremamente importante consultar fontes de
Janeiro (24,5%). Esta distribuição sazonal for- vários tipos e comparar as descrições de even-
nece indicações sobre a importância das condi- tos com os dados meteorológicos. Na reali-
ções de precipitação antecedente na variação da dade poderão ter ocorrido mais eventos que
pressão de água dos solos nas vertentes. não foram divulgados na imprensa.
Os dias em que foram registados um maior Devemos ter consciência que o ambiente
número de eventos são por exemplo e por ordem modelado é extremamente complexo e apre-
decrescente: 22/12/1909 (35); 26/01/2001 (12); senta algumas dificuldades práticas para o seu
01/12/1981 (8); 01/02/1985 (8); 26/02/2002 (8) preenchimento, pela dispersão dos dados em
e 10/12/1910 (7), entre outros com um menor várias fontes, formatos e níveis de qualidade.
total de ocorrências inventariadas. Do total de Além disso, as ocorrências dizem respeito a
ocorrências, apenas em 78% das ocorrências foi diferentes unidades territoriais.
possível obter informação sobre o dia exacto do A maior dificuldade neste trabalho foi
desencadeamento. adquirir informação cartográfica de qualidade,
uma vez que grande parte dos dados precisou
Figura 8 – Tipos de movimentos de vertente no Norte de Portugal (1900-2007) de um pré-processamento (correcção topoló-
d) Características dos movimentos gica, conversão de sistemas de projecção e de
de vertente formatos de dados).
Neste momento a base de dados é um
Relativamente à classificação dos movimen- importante instrumento de planeamento e ges-
tos quanto ao tipo, velocidade, idade, estado de tão do território e de apoio às decisões da pro-
actividade, estilo e material movimentado, nem tecção civil, pelas várias potencialidades que
sempre as referências encontradas permitiram possui:
uma clara distinção destas características.
No que diz respeito ao tipo de movimentos – relacionar o tipo de movimentos de ver-
predominantes, em 50% dos casos estão regis- tente com os seus factores condicionan-
tados desabamentos (rocha ou solo) e em 13% tes (litologia, fracturação, morfologia,
fluxos de lama e detritos. Em 24,9% dos regis- ocupação do solo) e avaliar a importân-
tos da base de dados não foi possível identifi- cia relativa de cada factor para a ponde-
car a tipologia, pelo facto das descrições serem ração da susceptibilidade;
duvidosas (Figura 8). A nível regional, a dis- – identificar a distribuição espacial e tem-
tribuição dos movimentos de vertente em fun- poral da tipologia, distribuição da activi-
ção da sua tipologia demonstra um padrão dade, actividade, estilo, material movi-
espacial irregular.

34 35
i n f o r g e o
Inforgeo, 2007/2008, 37-49

mentado, intervenção antrópica e danos Report 247, Washington D. C.: National Aca-
dos movimentos de vertente; demy Press, 36-75.
– constatar o tipo de danos principais de GASPAR, J.L.; GOULART C.; QUEIROZ, G.; SILVEIRA,
D. e GOMES, A. (2004), Dynamic structure and
cada tipologia de movimentos de ver-
tente e as suas consequências na popula- data sets of a GIS database for geological risk P E R I G O S N AT U R A I S , T E C N O L Ó G I C O S
analysis in the Azores volcanic islands. Natural
ção, infra-estruturas e funções;
– estudar os dados da precipitação das
Hazards and Earth System Sciences, 4: 233-
-242.
E A M B I E N TA I S N A R E G I Ã O D O O E S T E
estações meteorológicas localizadas mais
próximo dos movimentos de vertente;
GUZZETTI, F. e TONELLI, G. (2004), Information
System on hydrological and geomorphological
E VA L E D O T E J O
– determinar limiares críticos de precipita- catastrophes in Italy (SICI): a tool for managing
ção para o desencadeamento de movi- landslide and flood hazards. Natural Hazards
mentos de vertente e avaliar a sua utili- and Earth System Sciences, 4: 213-232.
zação pela protecção civil; GUZZETTI, F.; STARK, C. P. e SALVATI, P. (2005), Eva- José Luís Zêzere; Catarina Ramos; Eusébio Reis; Ricardo Garcia;
– a georreferenciação das ocorrência permite luation of Flood and Landslide Risk to the Sérgio Oliveira*
ainda a validação da cartografia da suscep- Population of Italy. Environmental Manage-
ment, 36, n.º 1, 15-36.
tibilidade geomorfológica a movimentos
LEE, E. M. e JONES, D.K. (2000), The Landslide
de vertente proposta no PROT Norte.
Environment of Great Britain. Landslides – in
research, theory and practice, vol. 3, edited by
Actualmente ainda há uma fraca consciên- Eddie Bromhead, N. Dixon and M. L. Ibsen, 1. Introdução (PROT) ocupam, entre o nível nacional e o
cia da importância do registo sistemático des- nível municipal, uma posição-chave para a
Proceedings of the 8th International Sympo-
tas informações e do seu armazenamento sium on Landslides, Thomas Telford, Cardiff O sistema de prevenção e gestão dos riscos definição das estratégias e das opções de
numa base de dados uniformizada. Só assim é 26-30 June. constitui um dos três vectores do modelo territo- desenvolvimento e de ordenamento dos espa-
que no futuro se poderão tirar conclusões váli- LONGLEY, P. A., GOODCHILD, M., MAGUIRE, D. e rial português preconizado no Programa Nacio- ços regionais. Neste contexto, a gestão pre-
das sobre os riscos naturais em Portugal e criar RHIND, D. (eds.) (2005), Geographic Informa- nal de Políticas de Ordenamento do Território ventiva dos perigos e dos riscos representa um
estruturas de previsão mais eficazes. tion Systems and Science, John Wiley and (PNPOT, Lei n.º 58/2007, de 4 de Setembro). instrumento fundamental de integração das
Sons, Ltd, 2nd Edition. Com efeito, o PNPOT considera que a gestão actividades humanas no território, garantindo
MAGUIRE, DAVID; GOODCHILD, MICHAEL e RHIND, a sua correcta utilização como recurso e salva-
preventiva dos riscos constitui uma prioridade
DAVID (eds.) (1991), Geographical Information guardando a segurança de pessoas e de bens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS de primeira linha da política de ordenamento do
Systems, vol. 1: Principles, Inglaterra: Longman Neste trabalho apresentam-se as metodolo-
Scientific & Technical, 649. território, representando uma condicionante fun-
BATEIRA, CARLOS (2001), Movimentos de vertente damental da organização das demais componen- gias e os resultados obtidos na avaliação dos
MITCHELL, COLIN. W. (1991), Terrain Evaluation,
no NW de Portugal, susceptibilidade geomorfo- Inglaterra: Longman Scientific & Technical, tes do modelo e um elemento que deverá cons- perigos naturais, tecnológicos e ambientais
lógica e sistemas de informação geográfica; 441. tar, obrigatoriamente, nos instrumentos de ges- com incidência no território do Oeste e do Vale
Dissertação de doutoramento em Geografia Ramakrishnan, R. e Gehrke, J. (eds.) (2002), Data- tão territorial de nível regional e municipal. do Tejo (OVT), correspondente às NUTS III
Física apresentada à Faculdade de Letras da base Management Systems, McGRAW-Hill No quadro da Lei de Bases da Política de do Oeste, da Lezíria do Tejo e do Médio Tejo.
U.P., Porto, 447. International Editions, 3rd Edition. Ordenamento do Território e de Urbanismo A área de estudo abrange 33 concelhos e tem
CARRARA, A. e CROSTA, G. FRATTINI, P. (2003), SOETERS, R. e VAN WESTEN, C. J. (1996), Slope ins- uma população de cerca de 800 mil habitantes,
(Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto com as altera-
Geomorphological and historical data in asses- tability recognition. In Turner, A. K.; Schuster, que se distribuem de forma desigual numa
sing landslide hazard. Earth Surface Processes
ções definidas pela Lei n.º 54/2007 de 31 de
R. L: (eds.), Landslides. Investigation and Miti- superfície total de 8 792 km2.
and Landforms, 28: 1125-1142. Agosto) e do Regime Jurídico dos Instrumen-
gation. Transportation Research Board, Special
CHEN, PETER (1977), Modelagem de dados: A abor- tos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º
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dagem entidade-relacionamento para projeto demy Press, 129-117. 316/2007 de 19 de Setembro), os Planos
lógico, São Paulo: Editora McGraw-Hill. ZÊZERE, JOSÉ LUÍS (1997), Movimentos de vertente Regionais de Ordenamento do Território 2. Aspectos gerais
CRUDEN, D. M. e VARNES, D. J. (1996), Landslide e perigosidade geomorfológica na região a da Perigosidade Regional
Types and Processes, in Turner, A. K.; Schuster, norte de Lisboa; Dissertação de doutoramento
R. L: (eds.), Landslides. Investigation and Miti- em Geografia Física, apresentada à Faculdade * Centro de Estudos Geográficos, Universidade O território abrangido pelo PROT-OVT
gation. Transportation Research Board, Special de Letras da U.L., Lisboa, 575. de Lisboa. encontra-se exposto a um leque variado de

36 37
i n f o r g e o Riscos e ambiente
perigos, que inclui: (i) Perigos naturais, que rio, eles extravasaram as responsabilidades da Figura 1 – Susceptibilidade Sísmica na região Oeste e Vale do Tejo
correspondem a ocorrências associadas ao fun- equipa responsável pelos Riscos e Protecção
cionamento dos sistemas naturais (e.g., sismos, Civil, no quadro da realização do PROT-OVT.
maremotos, movimentos de massa, erosão do
litoral, cheias e inundações); (ii) Perigos tec-
nológicos, que potenciam acidentes, frequente-
mente súbitos e não planeados, decorrentes da
3. Avaliação dos perigos
actividade humana (e.g., potencial de acidentes naturais, tecnológicos
industriais graves, potencial de acidentes no e ambientais: metodologia
transporte de substâncias perigosas); e (iii) e resultados
Perigos ambientais, em que se combinam os
resultados de acções continuadas da actividade 3.1. Sismos
humana com o funcionamento dos sistemas
naturais (e.g., incêndios florestais). A distribuição espacial das isossistas de
Como é evidente, os oito tipos de perigos intensidades máximas, com base na sismici-
atrás referidos estão longe de esgotar as tipo- dade histórica, mostra que a região OVT se
logias de fenómenos perigosos que podem ser situa nas zonas de intensidade IX a VIII, ou
observados no território do Oeste e Vale do Tejo. seja, uma das mais elevadas do território
No entanto, os perigos considerados são os que nacional. Este facto é devido, não só à proxi-
apresentam maior relevância no quadro do Orde- midade de estruturas activas submarinas que
namento do Território Regional e, em particu- marginam o território continental português a
lar, para o propósito de Planeamento Urbano. SW e a S, que têm o potencial de gerar os sis-
No presente trabalho não são considerados mos máximos regionais (Grácia et al., 2003),
fenómenos naturais directamente ou exclusi- mas também, à falha (ou zona de falhas) do Figura 2 – Susceptibilidade à inundação por tsunami na região Oeste
vamente relacionados com causas meteoroló- vale inferior do Tejo, a qual se localiza na sub-
gicas, por se entender que a correcta gestão -região da Lezíria (Carvalho et al., 2006).
dos perigos e riscos associados não encontra a A Figura 1 representa a susceptibilidade
resposta mais adequada no quadro dos instru- sísmica na Região Oeste e Vale do Tejo, ava-
mentos de ordenamento do território. Encon- liada numa primeira fase, pelo cruzamento da
tram-se neste caso as ocorrências de vagas de carta de isossistas de intensidades sísmicas
frio e de ondas de calor que, representando máximas (Fonte: Instituto de Meteorologia)
inquestionavelmente ameaças sérias para a com a carta da distribuição das PGA (Peak
vida das pessoas, são mais eficazmente acau- Ground Acceleration) para um período de
teladas no quadro do Planeamento de Emer- retorno de 475 anos (Montilla e Casado, 2002).
gência, do que no contexto das políticas do Neste contexto, as classes de susceptibilidade
ordenamento do território. De igual modo, não sísmica foram determinadas do seguinte modo,
são considerados fenómenos como a geada ou para o estabelecimento da situação de referên-
a queda de granizo, que deverão ser contem- cia: (i) susceptibilidade elevada – Intersecção
plados no âmbito das políticas sectoriais dedi- Intensidade sísmica [IX] com PGA [3.2 – 4.0
cadas à agricultura e aos seguros agrícolas. m/s2]; (ii) susceptibilidade moderada – Inter-
Por razões diferentes, o trabalho agora secção Intensidade sísmica [IX] com PGA [2.4
apresentado não considera os fenómenos de – 3.2 m/s2]; Intersecção Intensidade sísmica
contaminação de cursos de água e aquíferos. [VIII] com PGA [3.2 – 4.0 m/s2]; e (iii) perigo-
Embora seja evidente a relevância destes sidade baixa – Intersecção Intensidade sísmica
temas no quadro do Ordenamento do Territó- [VIII] com PGA [< 3.2 m/s2].

38 39
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Os efeitos de sítio produzem a amplificação lise geomorfológica, que tiveram em conside- extremo NW da sub-região da Lezíria. Nesta nantes da instabilidade das vertentes: litologia
da susceptibilidade sísmica e foram definidos ração: (i) tipo de litoral (e.g., arenoso, arriba, unidade, os movimentos de massa são contro- e declive (Figura 3).
do seguinte modo: (i) distribuição de forma- arriba com praia no sopé); (ii) a geometria da lados fundamentalmente pela litologia, estru- A litologia foi obtida a partir do mapa geo-
ções geológicas sedimentares superficiais com linha de costa e sua relação com a direcção tura geológica e condições hidrogeológicas, lógico, com agregação em oito grandes con-
algum grau de consolidação (e.g., depósitos de expectável de propagação das ondas (SW); enquanto o declive é um factor secundário. juntos litológicos espacialmente relevantes no
terraço e cascalheiras, diatomitos e linhitos), (iii) a altimetria da faixa litoral e a sua relação Neste contexto, destacam-se três unidades OVT: depósitos superficiais, rochas carbona-
incremento de uma classe de susceptibilidade, com a altura das ondas de tsunami descritas litológicas mais susceptíveis à instabilidade tadas compactas, rochas sedimentares detríti-
relativamente à situação de referência; (ii) dis- em registos históricos (e.g., Baptista et al., das vertentes: (i) sequências de margas, argi- cas (grés, conglomerados), rochas sedimenta-
tribuição de formações geológicas sedimenta- 2003); e (iv) a presença e disposição de obstá- las, areias e arenitos do Cretácico superior; (ii) res plásticas (margas, argilas), rochas graníti-
res superficiais não consolidadas (e.g., alu- culos que canalizem o fluxo de inundação. sequências de calcários e margas do Cretácico cas e afins, rochas quartzíticas e afins, rochas
viões, areias de duna e de praia), incremento de Da Figura 2 ressalta que a susceptibilidade médio; (iii) sequências margo-calcárias do xistentas, e rochas vulcânicas. Os declives
duas classes de susceptibilidade, relativamente de inundação por maremoto se estende à tota- Jurássico superior. foram obtidos a partir do modelo numérico de
à situação de referência; (iii) faixa de 100 lidade do litoral da região Oeste, sendo parti- Os terrenos da Bacia Cenozóica do Tejo e elevação (MNE) construído a partir da altime-
metros relativamente às falhas activas, extraí- cularmente relevante na Nazaré, Paul da Cela, Sado são os que ocupam maior área dentro da tria (curvas de nível com equidistância de
das da Carta Neotectónica de Portugal, incre- S. Martinho do Porto, Lagoa de Óbidos, Peni- região OVT. Nestes terrenos, os movimentos 10m) na escala de 1:25 000.
mento de uma classe de susceptibilidade, rela- che, Atouguia da Baleia, Areia Branca, Foz do de massa têm uma distribuição relativamente Para cada unidade litológica foi definido o
tivamente à situação de referência. Alcabrichel e Foz do Sizandro. circunscrita, condicionada simultaneamente limiar crítico de declive (em graus), acima do
pelo declive e pela litologia. Identifica-se uma qual é expectável a ocorrência de fenómenos
unidade litológica particularmente susceptível: de instabilidade. Estes limiares são suportados
3.2. Tsunamis 3.3. Movimentos de massa em vertentes os complexos greso-argilosos do Miocénico por bibliografia de referência especializada e
inferior e médio da região de Santarém, os foram estabelecidos com base no conheci-
A geração de maremotos (tsunamis), asso- As tipologias de movimentos de massa em quais são bastante susceptíveis a deslizamen- mento empírico da instabilidade das vertentes
ciados não só a eventos sísmicos com epicentro vertentes, bem como os respectivos factores tos superficiais e profundos, que afectam prin- da região (Quadro 1).
no mar mas também a movimentos de vertente condicionantes, são distintos nas três unidades cipalmente perfis de alteração, depósitos colu- A susceptibilidade à ocorrência de movi-
e erupções vulcânicas submarinas, pode ter morfoestruturais de Portugal Continental, que viais e depósitos de antigos movimentos de mentos de massa em vertentes tem maior inci-
consequências devastadoras nas áreas costeiras. estão presentes na região OVT (Zêzere et al., massa. Na parte superior das vertentes, onde dência em 7,5 % do território total do OVT
Os principais focos potenciais geradores de 2007): Maciço Antigo, Orla Mesocenozóica, e afloram calcários do Miocénico superior e (Figura 3), sendo particularmente importante
maremotos correspondem a três zonas sísmicas Bacia Cenozóica do Tejo e Sado. onde o declive é mais forte, têm origem movi- nas regiões do Oeste e do Médio Tejo. Os
regionais: Banco de Gorringe, a SW de Portu- Os terrenos do Maciço Antigo afloram na mentos de desabamento e tombamento. movimentos de massa afectam terrenos culti-
gal Continental; estruturas tectónicas activas, sub-região do Médio Tejo e são constituídos Os movimentos de vertente ocorridos num vados levando à perda de produções agrícolas,
de direcção N-S, na margem continental entre essencialmente por metassedimentos. No caso passado recente na região OVT foram maiorita- originam cortes nas vias de comunicação, das
Setúbal e o Cabo de S. Vicente; e terminação das vertentes talhadas em xisto, as múltiplas riamente desencadeados pela precipitação. As
Quadro 1 – Limiares de declive críticos
oriental da falha Açores-Gibraltar, a sul do descontinuidades presentes nestas rochas chuvas intensas e concentradas desencadeiam
para a instabilidade das vertentes, em função
Algarve. Considerando a simulação modelística (estratificação, xistosidade e planos de frac- deslizamentos superficiais, frequentemente dos tipos litológicos presentes na região OVT
do maremoto gerado pelo sismo de 1755 (Bap- tura) favorecem movimentos de deslizamento com evolução para escoada, e movimentos
tista et al., 2003), o qual atingiu a magnitude de planar, mesmo em vertentes com declives associados ao trabalho de sapa dos cursos de Litologia Declive crítico (graus)
8,5, só igualada, de acordo com os registos his- moderados. Quando o declive da vertente é água. As chuvas abundantes e prolongadas no Depósitos superficiais 10
tóricos, pelo sismo de 63 A.C., a faixa costeira forte, o movimento inicial de deslizamento tempo têm sido responsáveis pelo desencadea- Rochas carbonatadas compactas 25
Rochas sedimentares detríticas
da região OVT mais susceptível à ocorrência de pode evoluir rapidamente para escoada lama- mento de deslizamentos rotacionais, translacio- (grés, conglomerados) 15
maremotos corresponde a todo o litoral a sul do centa ou de detritos, caracterizada por veloci- nais e movimentos complexos com planos de Rochas sedimentares plásticas
tômbolo de Peniche, particularmente nos troços dades bastante elevadas e um grande poder ruptura mais profundos (Zêzere et al., 2007). (margas, argilas) 10
de costa baixa arenosa. destrutivo (Zêzere et al., 2007). A avaliação da susceptibilidade a movi- Rochas graníticas e afins 25
A Figura 2 representa o zonamento da sus- Os terrenos da Orla Mesocenozóica Oci- mentos de massa em vertentes foi efectuada Rochas quartzíticas e afins 25
ceptibilidade de inundação costeira por tsu- dental ocupam toda a sub-região do Oeste, a com uma abordagem indirecta, a partir do cru- Rochas xistentas 15
nami, efectuado com base em critérios de aná- parte oeste da sub-região do Médio Tejo e o zamento dos dois principais factores condicio- Rochas vulcânicas 20

40 41
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 3 – Susceptibilidade aos movimentos de massa em vertentes na região Oeste e Vale do Tejo quais se destacam as rodoviárias, e danificam trica relativamente à disposição da linha de
gravemente habitações e vários tipos de infra- costa; e (v) presença de pontos críticos, identi-
estruturas. ficados pelo INAG e por interpretação de foto-
grafias aéreas e de ortofotomapas.
Da observação da Figura 4 resulta evidente
3.4. Erosão do litoral que o litoral da região OVT apresenta uma
susceptibilidade à erosão média a elevada.
O litoral da região OVT é essencialmente
rochoso, dominado por arribas talhadas em cal-
cários, margas e arenitos da Orla Mesoceno- 3.5. Cheias e inundações
zóica Ocidental, muito artificializado e ocu-
pado, onde existem algumas praias depaupera- Na região do OVT, as cheias podem ser
das em sedimentos (Andrade et al., in Santos e desencadeadas por: (i) períodos chuvosos que
Miranda, 2006). Os troços de litoral submetidos se prolongam por várias semanas, diminuindo
a erosão marinha mais intensa correspondem às drasticamente o efeito regularizador das barra-
áreas de costa baixa arenosa; todavia, os siste- gens, que podem potenciar picos de cheia com
mas costeiros de arriba e de praia-arriba, sendo, as respectivas descargas; (ii) episódios de preci-
à partida, menos susceptíveis à erosão marinha pitação muito intensa e concentrada em algumas
que os anteriores (sistemas de praia ou de praia- horas; e (iii) ruptura de barragens, associada
-duna), podem apresentar uma susceptibilidade ou não a situações meteorológicas adversas.
de erosão elevada, dependendo da natureza e da No primeiro caso, as cheias são do tipo
disposição estrutural dos materiais em que a progressivo e afectam essencialmente o rio
arriba é talhada. Estas arribas podem estar sujei- Tejo e os grandes afluentes da sua bacia hidro-
Figura 4 – Tipos de litoral e susceptibilidade à erosão costeira na sub-região Oeste. tas a movimentos de vertente de tipo desaba- gráfica, como o rio Zêzere, o rio Nabão, ou o
mento e deslizamento, como acontece em rio Sorraia. Durante as cheias de maior magni-
vários troços do litoral da região OVT. tude, o Rio Tejo invade os fundos de vale dos
A avaliação da susceptibilidade à erosão seus afluentes originando o fenómeno das
litoral (Figura 4) foi precedida pela definição «cheias de jusante»; a inundação daí resultante
dos tipos de litoral presentes no Oeste e que é a maior em todo o território nacional (área
incluem: (i) litoral arenoso (sistemas praia – submersa superior a 800 km2). Contudo, como
duna e praia – planície aluvial); (ii) arriba mer- são cheias progressivas, permitem accionar,
gulhante ou com plataforma rochosa de sopé em devido tempo, os sistemas de alerta, possi-
(arriba 1); (iii) arriba com praia estreita no bilitando à população salvaguardar os seus
sopé (arriba 2); e (iv) litoral artificializado. bens e diminuir o grau de risco (Ramos e Reis,
A susceptibilidade à erosão nos diferentes 2001). As cheias do Tejo afectam as sub-
troços de litoral foi classificada como elevada -regiões do Médio Tejo e, principalmente, da
ou moderada, tomando em consideração os Lezíria. Originam cortes de diversas estradas
seguintes aspectos: (i) caracterização dos tro- nacionais e municipais, interrupção da circula-
ços costeiros constante no POOC de Alcobaça ção ferroviária, alagamento de campos agríco-
– Mafra; (ii) caracterização da dinâmica geo- las e isolamento de populações. No entanto, a
morfológica descrita na bibliografia científica cheia do Tejo é um fenómeno conhecido das
disponível (e.g., Marques, 1997; Neves, populações ribeirinhas, que desenvolveram
2004); (iii) tipos de litologia e respectiva resis- estratégias de adaptação bem conseguidas às
tência mecânica; (iv) pendor das formações inundações de baixa e média magnitude.
geológicas e correspondente relação geomé- No segundo caso, ocorrem cheias rápidas,

42 43
i n f o r g e o Riscos e ambiente
as quais afectam pequenas bacias hidrográficas 1:25 000; (ii) informação constante nos Planos Figura 5 – Susceptibilidade à ocorrência de cheias e de inundações na região Oeste e Vale do Tejo
de reduzido tempo de concentração, que podem de Bacia Hidrográfica do Tejo e das Ribeiras
ser mortíferas, especialmente nas áreas densa- do Oeste; e (iii) a análise geomorfológica dos
mente urbanizadas e com ocupação indevida fundos de vale, nomeadamente a individuali-
dos leitos de inundação (Ramos e Reis, 2001). zação de planícies aluviais, a partir da explo-
Este tipo de cheia pode interromper períodos ração da altimetria e topografia na escala de
secos, sendo de difícil previsão e, como aparece 1:25 000. Adicionalmente, foram considerados
de forma repentina, torna muito difícil o accio- a extensão da inundação ocorrida no vale do
namento de sistemas de alerta, pelo que é parti- Tejo e seus principais afluentes em 1979, e a
cularmente importante o correcto ordenamento análise da rede hidrográfica com consideração
das áreas ribeirinhas no sentido de minimizar o da hierarquia fluvial, respectivamente, para a
grau de risco a elas associado. As cheias rápidas delimitação das áreas inundáveis em situação
afectam essencialmente as Ribeiras do Oeste de cheia lenta e para a definição de troços crí-
(e.g., rios Sizandro, Tornada, Baça e Alcoa) e ticos em situação de cheia rápida. Deste modo,
pequenos afluentes da margem direita do Tejo foram identificados 745 km2 de área inundável
(e.g., rio de Alenquer). e 1010 km de troços fluviais sujeitos a cheias
No terceiro caso, a ruptura de uma barra- rápidas no território do OVT (Figura 5). O
gem, seja por colapso estrutural ou por cedên- impacto territorial das cheias e inundações é
cia das fundações, induz uma onda de inunda- confirmado pela inventariação de 450 pontos
ção a jusante que pode provocar vítimas críticos, correspondentes a áreas edificadas em
humanas e causar elevados prejuízos mate- risco de inundação.
riais. Na bacia do rio Tejo, em território portu-
guês, existem 27 barragens com capacidade
útil superior a 1.000.000 m3, enquanto que no 3.6. Potencial de acidentes industriais Figura 6 – Susceptibilidade a incêndios florestais na região Oeste e Vale do Tejo
Oeste apenas duas barragens (Óbidos e S. e no transporte de substâncias
Domingos) atingem essa capacidade. No terri- perigosas
tório do OVT a situação com maior potencial
de risco corresponde à barragem de Castelo do Os estabelecimentos industriais que apre-
Bode, cuja capacidade de armazenamento sentam potencial de risco envolvendo uma ou
ascende a 900.500.000 m3. No vale do Tejo, a mais substâncias perigosas estão obrigados ao
barragem de Belver, com uma capacidade de dever de notificação e à apresentação de um
armazenamento de 8.500.000 m3 localiza-se Relatório de Segurança (Decreto-Lei n.º
imediatamente a montante (cerca de 1 km) do 254/2007, de 12 de Julho, que transpõe para a
limite do concelho de Abrantes. Por seu turno, legislação portuguesa as «Directivas Seveso»).
o vale do Sorraia está particularmente exposto Na região OVT foram identificados nove esta-
ao perigo de rotura das barragens de Montargil belecimentos que reúnem estas condições, des-
(ribeira de Sôr; capacidade de armazenamento tacando-se os relacionados com produtos quí-
de 142.700.000 m3) e de Maranhão (ribeira de micos e combustíveis. Os concelhos de Azam-
Seda; capacidade de armazenamento de buja e Cartaxo são os que apresentam maior
180.900.000 m3). exposição ao tipo de perigo considerado.
A Figura 5 representa a susceptibilidade à A região do OVT é atravessada por duas
ocorrência de cheias e de inundações na região infra-estruturas fixas de transporte de substân-
do OVT. A delimitação das áreas inundáveis cias perigosas: o oleoduto que liga a Refinaria
teve em consideração: (i) informação de base de Sines ao Parque de Aveiras, localizado em
digital do INAG e do LNEC, revista na escala Aveiras de Cima; e o gasoduto em alta pres-

44 45
i n f o r g e o Riscos e ambiente
são, ao longo do qual se processa o transporte OVT, concentrando-se, dominantemente, no

tecnológico

moderada

moderada

moderada
acidente

elevada

elevada

elevada
baixa

baixa

baixa
baixa

baixa

baixa
baixa

baixa

baixa

baixa
de gás natural em estado gasoso. Os municí- sector NE da região e ao longo do alinhamento

n.a.

n.a.

n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
Quadro 2 – Limiares de declive críticos para a instabilidade das vertentes, em função dos tipos litológicos presentes na região OVT
pios de Azambuja e Benavente têm áreas Montejunto – Maciço Calcário Estremenho
potencialmente afectadas por um acidente no (Figura 6).
Oleoduto, enquanto os eventuais incidentes no

incêndio flo-

moderada

moderada

moderada

moderada

moderada
moderada
moderada

moderada

moderada
moderada
gasoduto poderão afectar 13 municípios

elevada
elevada

elevada

elevada

elevada
elevada

elevada

elevada
elevada

elevada
baixa

baixa

baixa

baixa
baixa
baixa
baixa
baixa

baixa
baixa

baixa
baixa

baixa
restal
(Benavente, Azambuja, Arruda dos Vinhos, 4. Conclusão

Susceptibilidade aos fenómenos naturais, ambientais e tecnológicos perigosos


Alenquer, Torres Vedras, Rio Maior, Cha-
musca, Constância, Vila Nova da Barquinha, A Carta de Susceptibilidade da Região do
Abrantes, Tomar, Alcobaça e Ourém). Oeste e Vale do Tejo está representada na

moderada
moderada

moderada
moderada
elevada
elevada
elevada

elevada

elevada

elevada

elevada

elevada

elevada

elevada
elevada
massa
movs.

baixa
baixa
baixa
baixa

baixa
baixa
baixa
baixa
baixa
baixa

baixa

baixa
baixa
baixa

baixa

baixa
baixa

baixa
Figura 7, tendo resultado de um processo de
integração cartográfica dos sete temas consi-
3.7. Incêndios florestais derados, que maximiza a susceptibilidade ele-
vada e moderada. Da análise deste mapa «mul-

moderada

moderada

elevada

elevada
elevada

elevada

elevada
Os incêndios florestais ocorrem todos os tiperigo» resulta evidente que a região do

erosão
litoral
n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
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n.a.
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n.a.
n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
anos e constituem o maior risco para as flores- OVT se encontra exposta a um leque muito
tas do OVT, com graves consequências ambien- amplo de perigos, que apresentam uma distinta
tais e socioeconómicas. Fustigam o território incidência territorial.

moderada

moderada
especialmente no Verão mas, como se verifi- O Quadro 2 representa a susceptibilidade

tsunami

elevada

elevada
elevada

baixa

baixa
n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.

n.a.
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n.a.
n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
cou por exemplo em 2004-2005, podem ocor- de cada um dos 33 concelhos que constituem a
rer em qualquer época do ano desde que este Região do OVT, relativamente a cada perigo
seja seco. abordado, obtida a partir da tabulação das áreas
A Figura 6 representa a susceptibilidade à susceptíveis presentes nos mapas monotemáti-

ruptura bar-

moderada

moderada

moderada

elevada

elevada
ragem
ocorrência de incêndio florestal na região do cos com a base territorial concelhia. A Figura 8

n.a.

n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
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n.a.
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n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
OVT. A situação de referência corresponde à resulta da reclassificação dos dados, depois de
carta produzida pela Direcção Geral de Recur- atribuir os pesos 3, 2 e 1 à susceptibilidade ele-
sos Florestais (DGRF, actual Autoridade Flo- vada, moderada e baixa, respectivamente. A

moderada
moderada
moderada
moderada

moderada
moderada
moderada
moderada

moderada

moderada
moderada
moderada
moderada
moderada
moderada

moderada
moderada

moderada
restal Nacional), que incorpora na respectiva Carta da susceptibilidade concelhia multirrisco

elevada

elevada
elevada
elevada
elevada

elevada
elevada
elevada

elevada
rápida
Cheia

baixa

baixa

baixa
n.a.

n.a.

n.a.
concepção os incêndios florestais ocorridos até tem que ser analisada com bastante prudência,
2003 (inclusive). Esta carta considera para o visto que ela, implicitamente, assume igual
território do OVT as seguintes 4 classes de sus- importância para o conjunto dos perigos consi-

progressiva
ceptibilidade: muito baixa, baixa, moderada e derados. Sendo certo que os fenómenos natu-

moderada

moderada

moderada

moderada
elevada

elevada
elevada
elevada

elevada

elevada

elevada
Cheia

baixa

baixa
baixa

baixa

baixa

baixa

baixa
n.a.
n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
n.a.
n.a.
n.a.

n.a.

n.a.
n.a.
elevada. Numa segunda fase, foram incorpora- rais, ambientais e tecnológicos avaliados têm
dos os efeitos da presença de povoamentos flo- um potencial para gerar danos, económicos
restais, entendidos como núcleos críticos, a e/ou sociais, marcadamente desigual, a com-
partir da carta dos Padrões de Ocupação do plexidade das suas relações de magnitude/fre-

moderada

moderada

moderada

moderada
moderada
moderada

moderada
moderada
moderada

moderada
moderada
moderada
moderada
moderada

moderada

moderada
elevada

elevada

elevada
elevada
elevada

elevada
elevada
elevada

elevada
elevada
elevada
Sismo
Solo que integra o PROT-OVT. A carta final da quência não facilita a elaboração da hierarquia

baixa
baixa

baixa

baixa

baixa

baixa
susceptibilidade aos incêndios florestal resulta dos perigos, o que, de resto, não constituiu um
da sobreposição dos núcleos críticos à carta da objectivo deste trabalho.
DGRF, assumindo-se que a presença de povoa- Tendo presente a ressalva atrás referida, a

S. de Monte Agraço
V. N. da Barquinha

Arruda dos Vinhos


mentos florestais justifica o incremento de uma distribuição da susceptibilidade multirrisco

Caldas da Rainha
Concelho

Entroncamento
classe de susceptibilidade relativamente à coloca em evidência 3 conjuntos territoriais

Torres Vedras
Torres Novas

S. de Magos
F. do Zêzere

Constância
situação de referência. marcados por uma susceptibilidade mais ele-

Bombarral

Benavente
Chamusca
Rio Maior

Azambuja
Almeirim
Alcobaça

Alcanena

Santarém

Alenquer
Lourinhã
Abrantes

Alpiarça

Coruche
Cadaval
Peniche

Cartaxo
Sardoal

Golegã
Óbidos
A área de susceptibilidade muito elevada e vada: (i) o conjunto de concelhos do litoral

Nazaré
Ourém

Tomar
elevada abrange cerca de 33% do território do que inclui Alcobaça, Nazaré, Caldas da Rai-

46 47
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 7 – Carta de susceptibilidades da região Oeste e Vale do Tejo nha, Óbidos, Peniche e Torres Vedras, mais hazard assessment along the shouthweast Ibe-
susceptíveis à erosão litoral, movimentos de rian margin. Geology, 31, 1: 83-86.
massa, cheias rápidas e inundação em caso de MARQUES, F. (1997), Evolução de arribas litorais:
tsunami; (ii) o conjunto Benavente, Azambuja Importância de estudos quantitativos na previ-
e Alenquer, sujeito, especialmente, aos perigos são de riscos e ordenamento da faixa costeira.
sísmico, tecnológico e de cheia progressiva; e Colectânea de Ideias sobre a Zona Costeira de
(iii) o conjunto Constância, Vila Nova da Bar- Portugal, Porto: Associação EUROCOAST –
quinha e Abrantes, mais susceptível aos peri- Portugal, p. 67-86.
gos de ruptura de barragem, cheia rápida e MONTILLA, J. A.; CASADO, C. L. (2002), Seismic
incêndio florestal. Hazard Estimate at the Iberian Peninsula, Pure
and Applied Geophysics, 159: 2699–2713.
NEVES, M. (2004), Evolução actual dos litorais
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morfologia. Dissertação de Doutoramento em
BAPTISTA, M. A.; MIRANDA, J. M.; CHIERICI, F.; ZITEL- Geografia Física, Universidade de Lisboa.
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quake Source Based on Multi-Channel Seismic Portugal em diferentes tipos de bacias hidrográ-
Survey Data and Tsunami Modelling. Natural ficas. Finisterra – Revista Portuguesa de Geo-
Hazards and Earth System Sciences, 3: 333-340. grafia, XXXVI, 71: 61-82.
CARVALHO, J.; CABRAL, J.; GONÇALVES, R.; TORRES, SANTOS, F. E MIRANDA, P. (ed.) (2006), Alterações
L.; MENDES-VICTOR, L. (2006), Geophysical climáticas em Portugal. Cenários, impactos e
methods applied to fault characterization and medidas de adaptação. Lisboa: Projecto SIAM
earthquake potential assessment in the Lower II, Gradiva.
Figura 8 – Carta de susceptibilidade concelhia multirrisco da região Oeste e Vale do Tejo Tagus Valley, Portugal. Tectonophysics, 418: ZÊZERE, J. L.; RAMOS-PEREIRA, A.; MORGADO, P.
277-297. (2007), Perigos Naturais em Portugal e Ordena-
GRÁCIA, E.; DONABEITIA, J.; VERGÉS, J.; PARSIFAL mento do Território. E depois do PNPOT? Geo-
TEAM (2003), Mapping active faults offshore philia – O sentir e os sentidos da Geografia,
Portugal (36°N-38°N): Implications for seismic Lisboa: C.E.G., p. 529-542.

48 49
Inforgeo, 2007/2008, 51-66

DETERMINAÇÃO
DAS VULNERABILIDADES HUMANAS
EM SITUAÇÃO DE RISCO SÍSMICO
E TSUNAMIS. O CASO DO ALGARVE1
Jorge Gaspar; José Fernandes Rodriguez; Margarida Queirós; Eduardo
Brito Henriques; Pedro Palma; Teresa Vaz2

1. Introdução Tendo como preocupação a segurança das


populações e a eficiência do sistema de protec-
O Algarve apresenta uma perigosidade sís- ção civil, a Autoridade Nacional de Protecção
mica elevada pela sua localização no encontro Civil (ANPC), em parceria com diversas insti-
das placas euro-asiática e africana. Este facto, tuições universitárias3, deu início ao Estudo do
juntamente com a crescente concentração popu- Risco Sismico e de Tsunamis do Algarve
lacional e os elevados fluxos turísticos que o (ERSTA), um suporte para a elaboração de pla-
caracterizam, justifica a necessidade de apro- nos especiais de emergência. No âmbito deste
fundar o conhecimento sobre as vulnerabilida- estudo, o Centro de Estudos Geográficos
des sísmicas, de forma a poderem estimar-se os (CEG)4/Faculdade de Letras da Universidade
danos directos e indirectos a elas associadas e
assim poder dispor de instrumentos de minimi- 3 Universidade de Lisboa, Instituto de Meteorolo-
zação dos riscos, através de intervenções antes gia, Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Ino-
e após a ocorrência de sismo ou tsunami. vação, Universidade do Algarve, Instituto de Ciências
da Terra e do Espaço, Faculdade de Letras do Porto,
Escola Superior de Tecnologia, Laboratório Nacional
1 Em 2006 a ANPC celebrou um Protocolo com
de Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico.
a Faculdade de Letras/Centro de Estudos Geográficos 4 Este estudo aprofunda a metodologia já apli-
da Universidade de Lisboa para o estudo das vulne- cada, em 1999-2001, no estudo de Risco Sísmico
rabilidades humanas no âmbito de um projecto alar- efectuado para Área Metropolitana de Lisboa, tam-
gado designado Estudo do Risco Sísmico e de Tsuna- bém coordenado pelo Prof. Jorge Gaspar, no âmbito
mis do Algarve (ERSTA). O coordenador da equipa das actividades de investigação do CEG (1999/01:
de investigadores do CEG/FLUL é o Prof. Jorge CEG: Estudo Caracterização e Estudos de Vulnera-
Gaspar. Para mais informações: http://www.ceg.ul.pt/ bilidades para o Planeamento de Emergência sobre o
projectos.asp?id=98. Risco Sísmico na Área Metropolitana de Lisboa e nos
2 Centro de Estudos Geográficos. Faculdade de
Municípios de Benavente, Salvaterra de Magos, Car-
Letras da Universidade de Lisboa. Alameda da Uni- taxo, Alenquer, Sobral de Monte Agraço, Arruda dos
versidade. 1600-214 Lisboa. Tel.+ 351 217940218. Vinhos e Torres Vedras, promovido pelo Serviço

51
i n f o r g e o Riscos e ambiente
de Lisboa (FLUL) ficou responsável pela 2. Os elementos humanos Figura 1 – Densidade populacional, 2001
determinação da vulnerabilidade humana. A
vulneráveis: pertinência
vulnerabilidade humana é um conceito vital
para entender o impacto e a magnitude das
do estudo
catástrofes e corresponde ao potencial grau de
perda de população perante um determinado O território continental Português apresenta
evento perigoso (Veyret, 2007; Zêzere, 2007). diferentes níveis de intensidade sísmica que,
O conhecimento da natureza e dimensão da regra geral, aumenta de Norte para Sul pela
vulnerabilidade humana e sua variação espa- aproximação relativa à falha Açores-Gibraltar,
cial e temporal é pois essencial à actividade de que estabelece a fronteira entre as placas euro-
planeamento. -asiática e africana e que constitui a principal
No âmbito do estudo desenvolvido para o fonte de tensão que influencia a sismicidade no
Algarve, a determinação quantitativa da vul- território (Senos e Carrilho, 2003).
nerabilidade humana corresponde ao cálculo Segundo registos históricos (1719, 1722,
da População Presente, residente e turista, por 1755 e 1969), o Algarve surge como a região
concelho e intervalo de tempo, que se encon- do país onde ocorrem mais sismos, sendo estes
tra actualmente em fase de conclusão. também de maior intensidade. Esta sismici-
Divulgar a metodologia desenvolvida e dade histórica reforça a ideia de «perigosi-
alguns resultados preliminares do ERSTA é o dade» a que o território nacional se encontra
que neste texto se procura dar conta. Organi- sujeito, em particular a faixa litoral do Algarve Figura 2 – Capacidade de alojamento hoteleiro turístico, 2007
zado em seis pontos, nos quais se apresenta o e a costa atlântica do Sul do país.
contexto, a metodologia e alguns dos resulta- Com uma população residente de aproxi-
dos, o artigo procura informar todos aqueles madamente 420 mil habitantes, o Algarve
que se interessam pela aplicação de métodos pode, em determinados períodos do ano, apre-
quantitativos para estimar a população pre- sentar valores de população presente superio-
sente (por intervalo de tempo, período do ano res a 1.400.000 indivíduos (MAOT, 2000;
e unidade espacial) e utilização desta informa- ARS, 2004). Trata-se de uma região marcada
ção no desenvolvimento de um planeamento por importantes fluxos populacionais sazo-
preventivo e proactivo. nais, quer nacionais quer internacionais,
sobretudo associados ao turismo sol e praia.
Acresce que o Algarve foi, nos últimos anos, a
Nacional de Protecção Civil). Jorge Gaspar fez parte Região portuguesa que registou um maior
da equipa que produziu o primeiro estudo e plano de crescimento da população residente (23,5%
minimização de risco sísmico para a cidade de Lis-
boa, levado a cabo pelo SNPC; neste âmbito coorde-
entre 1991 e 2006).
nou uma equipa que teve a seu cargo a componente Para além dos referidos contrastes tempo-
demográfica e migratória, parque habitacional e edi- rais, a repartição espacial da população resi-
fícios e funções com maior risco potencial em caso dente é também muito contrastada, existindo
de catástrofe sísmica, além dos relatórios e do plano, freguesias com uma densidade na ordem dos
publicados. A este propósito ver: GASPAR, J.; COR-
REIA, F.; MARIN, A. (1984), Lisboa: Espaço/Tempo.
2 hab/km2 no interior e no litoral Sudoeste, de
In III Colóquio Ibérico de Geografia – Acta, Ponen- 1756 hab/km2 em determinadas zonas costei-
cias y Comunicaciones, Barcelona, Universitat de ras (Figura 1). É precisamente nestas áreas que
Barcelona, pp. 314-321; GASPAR, J; OLIVEIRA, C. se localizam as grandes concentrações popula-
S.; MENDES VICTOR L. A.; SILVEIRA, G. (1988), cionais, com principal incidência na faixa
Seismic Impact of Future Earthquakes in the Town of
Lisbon: an Example of Application. In Proceedings
compreendida entre Faro e Lagos (onde se
9th WCEE, Tóquio. destaca igualmente a capacidade de aloja-

52 53
i n f o r g e o Riscos e ambiente
mento em estabelecimentos turísticos, com cadas pelo INE, o «turista» corresponde a um A referida concentração também se veri- hoteleiros, de modo a obter dados que permitis-
mais de 90% da oferta). A Figura 2 evidencia «visitante»5 que permanece pelo menos uma fica em relação aos turistas nacionais. Em sem ajustar o comportamento da população
a desigualdade regional da distribuição da noite num alojamento colectivo ou particular 2006, de acordo com a DGT (2007), do total móvel, na geração e distribuição das respectivas
capacidade de alojamento. no lugar visitado. Pelo contrário, o «excursio- de indivíduos que gozaram férias fora da sua deslocações no interior da Região ou de/para
No cálculo da população presente no nista» é um indivíduo que não pernoita no residência habitual, 75% fizeram-nas em Por- fora da Região. Estes dados permitiriam com-
Algarve deve ter-se presente que, em termos lugar visitado. Por este motivo, e considerando tugal e destes, 36,5% escolheram como des- plementar a informação disponível no Recen-
globais, a referida oferta de alojamentos em o dia (24h) como unidade de tempo de refe- tino principal a Região do Algarve. seamento Geral da População e Habitação de
hotéis e estabelecimentos turísticos classifica- rência, o ERSTA concentrou a sua atenção no A elevada procura turística existente no 2001 (INE, 2002) sobre a mobilidade, segundo
dos pela Direcção Geral de Turismo (DGT) e conceito de turista, considerando-o de acordo Algarve explica porque é tão crítico estimar a o local de trabalho ou de estudo, tempo gasto
considerados pelo INE corresponde a uma com o tipo de alojamento6. população total presente, ao contrário, por nas deslocações para o local de trabalho ou
fracção limitada da oferta total. A Associação A importância do turismo na Região do exemplo, da Área Metropolitana de Lisboa, estudo e principal meio de transporte utilizado.
dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve explica o elevado quantitativo de em que a dimensão mais crítica se associa à No caso do Algarve, devido às suas carac-
Algarve (AHETA), no seu mais recente relató- população presente não residente, nacional e mobilidade quotidiana da população residente. terísticas particulares relacionadas com a sazo-
rio anual sobre a actividade turística refere-se estrangeira, nomeadamente nos concelhos nalidade por motivo turístico, é fundamental
que «o Algarve recebeu, em 2007, cerca de três com mais equipamentos e serviços turísticos considerar vários períodos temporais por se
milhões de turistas estrangeiros e três milhões (CCDR ALG, 2007). Com efeito, de acordo 4. Metodologia verificarem grandes diferenças comportamen-
de portugueses, dos quais dois milhões perma- com o INE, em Agosto de 2007, a Região rece- tais e quantitativas entre estes. É ainda neces-
neceram em casa própria, familiares ou ami- beu cerca de 690 mil hóspedes em estabeleci- Os trabalhos que conduziram ao cálculo das sário ajustar a procura potencial e as desloca-
gos, enquanto cerca de 600 mil estrangeiros mentos hoteleiros classificados e em Janeiro vulnerabilidades humanas foram estruturados ções, por intervalo de tempo, da população
recorreram igualmente a alojamentos alternati- de 2007, aproximadamente 184 mil (INE, em duas fases. Na primeira, efectuou-se o levan- presente – residente e turista –, no período em
vos para as suas férias» (AHETA, 2008: 28). Actividade Turística em Janeiro e Agosto, tamento dos elementos humanos vulneráveis que se encontra na Região, entre as unidades
Se apenas forem considerados os aloja- 2007). De acordo com a ANA no mesmo ano, tendo por base uma recolha de informação esta- espaciais de análise consideradas, isto é, os
mentos não classificados, se bem que não exis- o Aeroporto Internacional de Faro registou 2,7 tística. O cálculo da população presente (por concelhos (e as freguesias). Para apoio à deter-
tam dados estatísticos oficiais, o PROT do milhões de passageiros desembarcados. intervalo de tempo, período do ano e unidade minação da população presente conceberam-
Algarve (2007) refere valores entre as 320 mil No que diz respeito aos alojamentos em esta- espacial) correspondeu à segunda fase da inves- -se e aplicaram-se dois tipos de inquéritos:
e as 500 mil camas e a AHETA um valor supe- belecimentos hoteleiros, o Algarve é o destino tigação que foi estabelecido a partir dos padrões
rior a 330 mil camas. com maior capacidade de alojamento em camas de mobilidade crono-espacial da população resi- – Inquérito dirigido aos Gerentes dos Estabe-
De acordo com esta realidade, a estimativa (36,9% do total nacional, segundo as Estatísti- dente e turistas ao longo do ano, semana e dia. lecimentos Hoteleiros Classificados8, para
da população presente que se encontra num cas do Turismo, do INE, para 2006), represen- aferir o destino preferencial dos turistas e
determinado local e momento (hora, dia, tando 37,7% das dormidas no país. Em relação observar a variação da procura dos estabe-
semana, mês…), é muitas vezes superior à aos turistas residentes no estrangeiro, este valor 4.1. Recolha de informação lecimentos hoteleiros (Taxa de Ocupação),
população residente, oficialmente conhecida. é de 43% do respectivo total de dormidas. nas épocas alta e baixa.
Como é evidente, o desenvolvimento do pla- No levantamento e caracterização dos ele- – Inquérito, por amostragem, à População
neamento de emergência implica a identifica- mentos vulneráveis procedeu-se à caracteriza- Presente no Algarve para aferir a mobili-
ção da dimensão dessa diferença essencial, 5 Visitante – Indivíduo que se desloca a um lugar ção demográfica, do povoamento, da distribui-
tanto para a prestação de um apoio rápido e diferente da sua residência habitual, por uma duração ção geográfica da população activa e do
inferior a 365 dias, desde que o motivo principal da 7 O lançamento dos inquéritos foi efectuado em
eficiente, como para a mobilização eficaz dos emprego, bem como à localização dos estabe-
viagem não seja o de exercer uma actividade remu- dois períodos distintos: em época alta (Julho e Agosto
recursos em situação de emergência. nerada no lugar visitado (INE, 2007).
lecimentos comerciais, industriais, hoteleiros, de 2007) e em Janeiro e Fevereiro de 2008 (época
6 Turistas de acordo com o tipo de alojamento: cinemas, parques temáticos, bares, discotecas baixa).
PTC – População Não Residente (Turistas) em esta- e pubs, hospitais e estabelecimentos de ensino. 8 Através da Direcção Geral do Turismo (DGT) e

3. Mobilidade Turística belecimentos hoteleiros classificados; PTNC – Popu- Para dar resposta aos objectivos da segunda da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turís-
e População Presente lação Não Residente (Turistas) em estabelecimentos
não classificados; PT2H – População Não Residente
fase, e devido à lacuna de informação existente ticos do Algarve (AHETA) foi possível obter uma
lista dos estabelecimentos hoteleiros. O inquérito foi
(Turistas) em segunda habitação ou sazonal; PTAF –
em relação à mobilidade espacial no Algarve, dirigido por e-mail e fax a aproximadamente 550 des-
De acordo com as normas internacionais População Não Residente (Turistas) em habitações procedeu-se a realização de inquéritos7 à popu- tes estabelecimentos do Algarve e obteve-se uma taxa
utilizadas nas Estatísticas do Turismo, publi- de amigos e familiares. lação presente e ainda aos estabelecimentos de resposta de 19%.

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
dade num dia útil e no fim-de-semana, Para uma dada unidade espacial, num dado Onde, Definido o número total de inquéritos a rea-
no período de Verão e de Inverno (época dia, a população presente (PP) é igual à popula- P é a proporção a estimar; ^p é a estimativa de lizar considerou-se, após um pré-teste da téc-
alta e época baixa, respectivamente). ção residente (PR) mais a população turista (PT). p; d é o erro ou desvio absoluto. nica de amostragem estratificada, que a reparti-
Em alguns estudos, como no Plano de Bacia ção proporcional não permitiria levantar, em
Este último9 permitiu analisar a propensão Hidrográfica das Ribeiras do Algarve (MAOT, Os valores considerados foram os seguin- alguns concelhos, a necessária e confiável
para a saída e a permanência de população pre- 2000), faz-se referência ao conceito de popula- tes: p=0,01 e d=0,01, com um nível (1-α) de informação sobre a mobilidade diária da popu-
sente concelhia, bem como os respectivos per- ção flutuante, que deve ser entendido generica- confiança de 95%, de modo que a proporção lação presente em algumas categorias de aloja-
fis motivacionais das deslocações realizadas mente como sinónimo de população turista. estimada esteja, no máximo, a uma distância d mento. No sentido de ultrapassar a referida
entre distintos pares de concelhos (origem/ O subconjunto PT pode ser desagregado da proporção verdadeira. limitação, considerou-se uma dimensão mínima
/destino) da Região. metodologicamente em vários subtipos demo- Para o referido erro absoluto de 0,01, o cál- da amostra da população presente, representa-
Os inquéritos à população presente foram gráficos, de acordo com tipo de alojamento culo das dimensões mínimas das amostras da tiva ao nível concelhio e em relação a cada uma
estruturados de acordo com três conjuntos de utilizado pelos turistas. Analiticamente, repre- população presente, por categoria de aloja- das categorias de alojamento. No cálculo desta
questões: senta-se a referida aproximação através da mento, na Região teve por base os valores da dimensão mínima da amostra foram considera-
seguinte formalização: tabela de 95% da amostragem baseada no erro dos os valores de p=0,01 e d=0,05, com um
– caracterização geral do indivíduo – idade, ou desvio absoluto (Abreu, 2006). As dimen- nível (1-α) de confiança de 95%. As dimensões
nacionalidade, residência habitual e PP = PR + (PTC + PTNC + PT2H + PTAF) (2) sões das amostras obtidas estão representadas mínimas obtidas, para cada concelho e catego-
número de pessoas que acompanham o no Quadro 1. ria, variaram entre 12 e 15 indivíduos, de
indivíduo em férias (a responder pela Onde, acordo com a dimensão da população-alvo.
População residente e turista); PP – População Presente;
– caracterização do período de férias no PR – População Residente; Quadro 1 – Dimensão da Amostra por tipo de alojamento
Algarve – período de férias, estabeleci- PTC – População Não Residente (Turistas) em
mento hoteleiro em que se encontra alo- estabelecimentos hoteleiros classificados;
Categorias População Alvo Dimensão da
jado e concelho de alojamento (a respon- Regional Amostra
PTNC – População Não Residente (Turistas)
der pela População turista); em estabelecimentos não classificados; PR (População Residente) 421 528 384
– caracterização da mobilidade no período PT2H – População Não Residente (Turistas) TC (Turistas em Alojamentos Hoteleiros Classificados) 139 297 383
de férias/num dia útil – com informação TNC (Turistas em Alojamentos Hoteleiros Não Classificados) 412 492 384
em segunda habitação ou sazonal;
da mobilidade por períodos horários reali- T2H (Turistas em Segunda habitação) 398 437 384
PTAF – População Não Residente (Turistas) TAF (Turistas em Casa de Amigos e Familiares) 255 198 383
zados pela população inquirida (a respon- em habitações de amigos e familiares.
der pela População turista e residente).
Figura 3 – População presente inquirida, por categoria de alojamento nas épocas alta e baixa
De acordo com a informação, directa e
4.1.1. População-alvo e Amostragem indirectamente disponível, sobre a dimensão
da oferta de cada uma das referidas categorias
De acordo com o descrito, o modelo con- de alojamento, procedeu-se ao cálculo da
ceptual utilizado10 para estimar a população população da amostra por concelho. A popula-
presente regional e municipal, num dado dia, ção-alvo da selecção da amostra corresponde
tem por base a seguinte igualdade: ao conjunto de indivíduos presentes por cate-
goria e concelho de alojamento, constituindo
PP= PR + PT (I) as unidades estatísticas sobre as quais se reco-
lheu informação.
9 Obtiveram-se 3602 inquéritos válidos. Para o cálculo da dimensão da amostra (n)
10Concordante, em termos gerais, com o modelo representativa da população-alvo, utilizou-se o
utilizado no estudo de Terrier, Christophe (Dir.) 2007, erro ou desvio absoluto para uma dada propor-
Mobilité Touristique et Population Présente – Les
Bases de L’économie Présentielle des Départements. ção, de acordo com:
Ministère des Transports et de L’équipement, du Tou-
risme et de la Mer, Paris. p | ≤ d] = 1 – α
P[ | p – ^

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i n f o r g e o Riscos e ambiente

4.1.2. O Trabalho de Campo população residente); iv) os padrões de mobi- mentos turísticos, parques de campismo e pou- pernoita no concelho em estudo e realiza des-
lidade da População Turista, em dia útil e dia sadas de juventude, disponíveis nas estatísti- locações ao longo do dia (24h) dentro e fora do
Uma equipa de 10 inquiridores foi encarre- de fim-de-semana e v) a identificação dos cas de turismo, relatórios da AHETA e tam- concelho onde está alojado, independente-
gue de realizar inquéritos por toda a região do «perfis motivacionais» da população presente. bém com base na informação obtida através do mente das motivações ou meios que utiliza na
Algarve, nos valores amostras estimados por referido inquérito aos gerentes dos estabeleci- concretização do motivo de deslocação.
concelho em dois momentos distintos: Agosto mentos hoteleiros do Algarve, lançado em Esse facto faz variar, positiva ou negativa-
de 2007 e Janeiro de 2008. 4.2. Modelo Conceptual para a Abril de 2007. mente, o número de pessoas presentes em cada
No total, na época alta (Agosto de 2007) e estimativa da População Presente Para cada dia de cada mês regista-se uma concelho por intervalo de tempo. Se assim não
na época baixa (Janeiro de 2008), foram apu- população turista presente (PTP), resultante do fosse, poderia determinar-se, de forma simples
rados 3602 inquéritos válidos, dos quais 1720 Com base nas informações recolhidas, pro- ajustamento da oferta de alojamento em camas e invariável, a população presente apenas atra-
em Agosto e 1882 em Janeiro. Para além da cedeu-se ao estabelecimento das vulnerabili- pela taxa de ocupação mensal. Assume-se que vés do valor da população residente no conce-
população presente directamente auscultada, dades humanas, utilizando o modelo concep- a PTP diária é fixa ao longo do mês. lho e a população turista alojada.
consideraram-se os acompanhantes que apre- tual que seguidamente se apresenta. A situação é na realidade muito distinta,
sentavam, em relação ao dia anterior, padrões De acordo com (1) e (2), como relações de PTP = PT * TO (4) pois uma parte da população presente desloca-
de mobilidade semelhantes. De acordo com o base do presente modelo conceptual, consi- -se para outro concelho ou para fora da Região,
esperado, a forte sazonalidade associada à pro- dera-se que a população residente (PR) não As taxas de ocupação das restantes ofertas para ir à praia, passear, jantar, fazer compras,
cura turística condicionou o trabalho de campo permanece estática ao longo do tempo, isto é, de alojamento também variam ao longo do visitar amigos, etc., e, no caso dos residentes,
na época baixa, nomeadamente nas categorias sem realizar deslocações, para fora da unidade ano, reflectindo a variação da procura turís- ainda para trabalhar e/ou estudar. Assim, a
da população turista – Figura 3. espacial considerada, por motivos de férias, tica. Contudo, para além da informação avulsa determinação da população presente passa, em
Tendo em atenção a dimensão mínima da lazer, negócios, etc. Existe assim a necessi- que vai saindo na imprensa, não existem estu- primeiro lugar, pela identificação da popula-
amostra ao nível concelhio (12/15 indivíduos dade de ajustar a PR em relação à população dos que possam ser considerados válidos neste ção que se desloca para fora do concelho ou
por categoria de alojamento da população pre- residente ausente (PRA), que se desloca para âmbito. O aprofundamento do processo de região em relação ao total da população pre-
sente), deve referir-se que o reduzido número fora da unidade espacial considerada, apli- ajustamento implicou assumir para esses alo- sente diária e, em segundo lugar, pela popula-
de indivíduos da população alvo de algumas cando as respectivas taxas de ausência men- jamentos turísticos um comportamento seme- ção que é atraída por cada um dos concelhos.
das categorias em análise condicionou a repre- sais11, permitindo identificar a população está- lhante ao que foi determinado para os turistas Esta aproximação pode ser representada da
sentatividade das amostras parciais, principal- vel (PRE) por dia, para um dado mês. alojados em estabelecimentos classificados ao seguinte forma:
mente em concelhos de baixa densidade e de longo do ano. Assume-se obviamente a exis-
reduzida oferta de alojamento. Releva-se no PRE=PR - PRA (3) tência de uma margem de erro, nomeadamente PPi = (PPd – PPMG) + PPMA (6)
entanto que, ao nível regional, a representação no caso da segunda residência que apresenta
da amostra foi garantida, de acordo com os Em cada dia do mês, a população residente uma tendência crescente para também ser ocu- Onde,
referidos níveis de erro e de confiança, para estável (PRE) é considerada como fixa. E é pada na época baixa. PPi – População presente no concelho num
todas as categorias de alojamento da popula- esta população residente ajustada que vai ser Após os referidos ajustamentos, a estima- dado intervalo de tempo;
ção presente diária. No sentido de testar a utilizada, juntamente com os turistas, na esti- tiva da população presente diária (PPd), num PPd – População presente num dia útil ou dia
amostra e o questionário, procedeu-se de igual mativa da População Presente diária (PPd). No dado mês, por unidade espacial, será o resul- de fim-de-semana;
modo a um trabalho de campo prévio e ao lan- mesmo sentido, a população turista é ajustada tado do somatório entre a população residente PPMA – População presente móvel atraída
çamento de um inquérito-piloto. ao longo do ano, de acordo com o comporta- estável (PRE) e a população turista presente (Entradas), com origem em outros concelhos e
Os dados obtidos nos inquéritos foram mento da procura turística. Este exercício tem (PTP). fora da região;
codificados e armazenados em bases de dados como suporte as taxas de ocupação (TO)12 da PPMG – População presente móvel gerada
estruturadas de acordo com os objectivos do oferta hoteleira classificada em empreendi- PPd = PRE + PTP (5) (Saídas), com destino a outros concelhos e
estudo. A partir deles, foi possível obter para para fora da região.
todos os concelhos i) os padrões de mobili- Considerando a estimativa da população
11 Percentagem de residentes que se encontra fora
dade da População Residente num dia útil; ii) presente diária (PPd) por concelho, no exercí- Com,
do concelho de residência, no seu período de férias,
os padrões de mobilidade da População Resi- em relação ao total de residentes.
cio de estimar a população presente em dife-
dente no fim-de-semana; iii) a identificação 12 Percentagem de camas ocupadas em relação ao rentes alturas do dia – intervalos de tempo – PPNM = (PPd – PPMG) (7)
dos respectivos períodos de férias (ausência da total (capacidade), por categoria de alojamento. assume-se que a população residente e turista

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Onde, dado intervalo de tempo, como presente Quadro 2 – Perfis motivacionais das deslocações da População Presente, por Intervalos de Tempo
PPNM – População Presente «não móvel» nesse concelho13. Principais motivos por intervalo de tempo
(população não se desloca para fora do conce- Finalmente, como a estimativa de base
Inquéritos 06:00-09:29 09:30-11:59 12:00-13:59 14:00-16:29 16:30-19:29 19:30-23:59 24:00-05:59
lho), no intervalo de tempo; corresponde à população presente no período
Praia Praia Refeição Praia Refeição Refeição
PPd – População presente num dia útil ou dia de um dia útil (24 horas), o total de viagens
Agosto 2007 Compras Refeição Praia Refeição Praia Café/Bar
de fim-de-semana; geradas e o total de viagens atraídas ao longo
Desporto Compras Compras Compras Compras Diversão/Convívio
PPMG – População presente móvel gerada do dia pelo conjunto dos 16 concelhos do
Compras Compras Refeição Refeição Refeição Refeição
(Saídas), com destino a outros concelhos e Algarve será tendencialmente semelhante. Janeiro 2008 Desporto Praia Praia Praia Compras Café/Bar
para fora da região. Trata-se de um «sistema fechado» (incluindo Praia Desporto Compras Compras Café/Bar Diversão/Convívio
uma zona «Fora da Região») quotidiano, que Perfis Motivacionais
Considera-se a população presente «não reflecte a importância da dimensão das via- Época Alta A B B B B C C
móvel» (PPNM), como o conjunto de pessoas gens de «retorno ao domicílio», após a realiza- Época Baixa A A B B B C C
que não realizam qualquer deslocação para ção das viagens motivadas, entre outros, pelo
fora do concelho, num dado intervalo de trabalho, lazer, compras, estudo, etc.
tempo. Deve-se no entanto salientar que numa Na fase subsequente do estudo procedeu- (o concelho), com uma igualdade de valores suportar o subsequente processo de distribui-
estimativa espacialmente mais desagregada, -se à desagregação espacial, ao nível da fre- entre as saídas e as entradas intraconcelhias. ção das entradas (PPMintra) e da PPMAf.
por exemplo, a nível da freguesia, este sub- guesia, dos valores estimados a nível conce- Por seu lado, as entradas correspondem à Cada um dos perfis motivacionais identifica-
conjunto integra em cada intervalo de tempo a lhio, suportados na igualdade conceptual entre distribuição das saídas pelas freguesias do dos é representado por um conjunto de variáveis,
população presente «não móvel» por fregue- os totais concelhios e o somatório dos valores concelho, implicando uma metodologia espe- que correspondem aos motivos geradores das des-
sia, como o conjunto de pessoas que não reali- obtidos ao nível das freguesias. cífica de redistribuição baseada nos motivos locações. No sentido de facilitar a aplicação dos
zaram qualquer deslocação para fora da fre- Todavia, o processo de desagregação não que geraram essas deslocações para fora da perfis motivacionais e reduzir a dificuldade da sua
guesia (PPNMf) e a população presente móvel se limitou a ponderar os resultados obtidos a freguesia de residência ou de estada, também operacionalização, isto é, o ajustamento da desa-
intraconcelhia (PPMintra), correspondendo ao nível concelhio (PPi), procurando estabelecer- aplicada à distribuição da PPMA concelhia, gregação das estimativas concelhias, considerou-
subconjunto da população móvel que realiza -se para cada uma das categorias consideradas permitindo assim que os valores da PPMAf cor- se necessário reduzir a informação (variáveis)
uma deslocação, seja a pé ou através de um um ajustamento que atendesse à natureza da respondessem à concretização das viagens incorporada em cada um dos Perfis, construindo
meio motorizado, com início e fim nas fregue- categoria em análise e o respectivo padrão de geradas em freguesias de concelhos diferentes variáveis compostas (factores), representativas de
sias do concelho. Estas deslocações ocorrem comportamento espacial, a nível da freguesia. dos da origem. cada um dos Perfis, mas de mais fácil aplicação.
em sistemas fechados, os concelhos, com uma A referida aproximação ao processo de desa- A referida metodologia tem por base os Para reduzir, em cada perfil, a referida
igualdade entre as saídas e entradas das/nas gregação espacial implicou a necessidade de resultados obtidos nos inquéritos à população multidimensionalidade das variáveis considera-
freguesias. perspectivar a PPNM ajustada à freguesia como presente (residentes e turistas) de Agosto de das a apenas uma variável composta, procedeu-
Na determinação de cada um dos referi- uma realidade que integra três componentes: 2007 e Janeiro de 2008, que permitiram carac- -se à aplicação de uma análise factorial (ACP)14.
dos subconjuntos da população móvel deve população presente não móvel da freguesia terizar as deslocações dos inquiridos e acom-
referir-se que a população presente não rea- (PPNMf), as saídas com destino às restantes fre- panhantes para outras freguesias que não as de 14 Técnica estatística multivariada que permite,

liza apenas uma viagem ao longo do dia, ou guesias de cada concelho e as entradas geradas alojamento e, ainda, de e para «fora da entre outras utilizações, reduzir a informação de múl-
mesmo duas, se for considerada a viagem de em outras freguesias do mesmo concelho. Estas Região», explicitando-se os motivos que as tiplas variáveis originais a um novo e menor conjunto
retorno (ir para o domicílio) da deslocação duas últimas componentes correspondem à geraram, por intervalo de tempo. de variáveis compostas (factores ou componentes prin-
cipais). Este processo tem por base a existência de uma
inicial, pois existem muitas outras desloca- população presente móvel da freguesia (PPMin- Entre os diversos motivos avançados pelos
redundância ou sobreposição estatística na informação
ções ou etapas intermédias, como por exem- tra), isto é, duas faces do mesmo sistema fechado
inquiridos e acompanhantes, procedeu-se à original, denominada de variação comum. A forma
plo, ir almoçar, visitar familiares, fazer com- hierarquização dos três principais motivos, como esta é perspectivada permite distinguir duas
pras, etc. No entanto, em relação aos objecti- para além dos motivos «trabalho» da PR abordagens clássicas – Análise de Componentes Prin-
vos do ERSTA, essas deslocações inter- 13 Como os padrões de deslocação ao longo do
Activa e «Escola» da PR Estudante, que justi- cipais (ACP) e Análise Factorial Comum (AFC).
dia têm como referência o dia anterior ao inquérito, No presente caso utilizou-se a ACP, assumindo
médias apenas foram consideradas se a popu- ficavam as deslocações entre a freguesia de
poderemos ter situações em que os indivíduos inqui- que a variação total das variáveis é explicada pelo
lação presente se deslocasse para fora do alojamento e a freguesia de destino (Quadro comportamento das variáveis originais, isto é, a
ridos só retornaram ao concelho de pertença no dia
concelho onde se encontra, reside ou per- seguinte, não podendo ser contabilizados como popu- 2). Para cada um dos intervalos de tempo esta- variação comum, não havendo lugar a «resíduos» ou
noita, deixando de ser contabilizada, num lação presente no último intervalo de tempo do dia. beleceu-se o perfil dominante, que permitiu a variância não explicada.

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
Da sua aplicação obteve-se uma matriz de sco- Quadro 3 – Estimativa da população presente desloca para outro concelho ou para fora da período e sobretudo por mês, foi seleccionado
res15 dos factores (perfis motivacionais) referi- diária, nos concelhos do Algarve, Janeiro Região, isto é, a população móvel gerada o concelho de Albufeira nos meses de Janeiro
dos. Nesta matriz, os scores representam a e Agosto de 2007 (PPMG), que não se encontra no concelho de e de Agosto, muito embora os cálculos tenham
relação que existe entre cada um dos facto- Pop. presente Janeiro Agosto alojamento ou de estada. Ao valor resultante – sido efectuados para todos os meses do ano.
res/componente principal (perfis motivacio- (Cenário a população que fica no concelho, por inter- Os resultados obtidos, para cada um dos
maximalista)
nais) e as unidades espaciais de análise (fre- valo de tempo (PPNM) –, adiciona-se a popu- intervalos, devem ser perspectivados como
Albufeira 208 974 85 565 203 232
guesias). Estes valores permitiram operaciona- lação móvel atraída (PPMA), para obtermos a situações representativas da dimensão da «vul-
Alcoutim 16 594 3 225 14 308
lizar, como referido, o processo de desagrega- população presente diária, por intervalo de nerabilidade humana» que se poderá encontrar
Aljezur 29 972 9 147 28 287
ção espacial dos valores estimados para as Castro Marim 38 626 27 573 37 077
tempo (PPi). a nível concelhio e nos diversos intervalos de
entradas intraconcelhias (PPMintra) e entradas Faro 134 711 100 530 115 035 O resultado final do referido processo de tempo, tanto num dia útil como num dia de
interconcelhias (PPMAf). Lagoa 113 207 44 294 103 329 cálculo é armazenado em fichas-síntese (Figura fim-de-semana.
Lagos 116 587 42 110 104 985 4), onde constam os dados mais relevantes rela- De acordo com os vários passos metodoló-
Loulé 305 185 118 100 282 974 tivos a cada período estudado. Quer na época gicos, técnicos e conceptuais descritos no
5. Estimativa da População Monchique 21 300 8 363 17 835 alta quer na época baixa, são distinguidos os ponto anterior, apresenta-se um extracto, a
Presente Concelhia, por Olhão 90 970 53 363 81 723 dias úteis e os dias de fim-de-semana. título de exemplo, no Quadro 5, dos resultados
Portimão 164 421 72 461 150 421 O Quadro 4 é um extracto de uma das da freguesia de Albufeira (concelho de Albu-
intervalo de tempo, ao longo S. Brás de Alportel 27 732 15 211 25 187 fichas concelhias a que esta metodologia per- feira), num dia útil, nos meses de Janeiro e
do ano: alguns resultados Silves 136 681 54 987 129 971
mitiu chegar. Pelas diferenças acentuadas por Agosto.
Tavira 97 237 46 056 85 862
A nível regional e considerando um cená- Vila do Bispo 31 725 6 868 29 589
V. R. Santo António 93 032 73 793 88 903 Figura 4 – Matriz das fichas-síntese
rio maximalista estimaram-se, para uma taxa
ALGARVE 1 626 952 761 646 1 498 717
de ausência nula e uma taxa de ocupação de
100%, os seguintes valores da população pre- Na presente estimativa assume-se que os Dias:
sente diária (PPd), de acordo com (2): valores de PRE e a PTP diários são fixos ao
longo de cada um dos meses, estimando-se
A) Semana e B) Fim de Semana
1.692.952 = 421.538 + (139.297 * +412.492 + 398.437 + 255.198 (8)
que a população presente diária (PPd), num
* - 27.079 (Parques de Campismo/Pousadas da Juventude) dado mês e num dado concelho, seja o resul-
tado do somatório da população residente
Todavia, nem a taxa de ausência diária estável (PRE) e da população turista presente Identificação, para cada
mensal é nula, nem a taxa de ocupação diária (PTP), para esse mês e para essa unidade intervalo de tempo, das
mensal é sempre de 100% em todos os conce- espacial. principais concentrações
demográficas e dos
lhos. Existe, assim, a necessidade de ajustar a Considerando a estimativa da população principais fluxos
PR e a PT diárias máximas de cada concelho, presente diária (PPd), por concelho, para cada por concelho e freguesia
de modo a obter respectivamente as estimati- um dos meses, procedeu-se aos cálculos em
vas da população residente estável (PRE) e da que assenta a estimativa da população presente
população turista presente (PTP), que diaria- diária, por intervalo de tempo (PPi)16. Para
mente (dia útil) se poderão encontrar nos con- cada um dos intervalos de tempo, estimaram- Relatório para cada
celhos da Região (Quadro 3). se os valores da população presente que se concelho e freguesia,
por intervalos de tempo,
da estimativa da
15 Os scores correspondem aos valores das uni- 16 Os referidos intervalos de tempo foram previa- população presente
dades espaciais de análise – as Freguesias – nas mente estabelecidos, de acordo com os comporta-
novas variáveis compostas (factores/componentes mentos percebidos no trabalho de campo e em estu-
principais) e reflectem a combinação (espacial) das dos semelhantes: 06:00h-09:29h; 09:30h-11:59h;
variáveis originais em cada um dos factores/compo- 12:00h-13:59h; 14:00h-16:29h; 16:30h-19:29h;
nentes principais (Perfis Motivacionais). 19:30h-23:59h e 24:00h-05:59h.

62 63
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Quadro 4 – População presente no concelho de Albufeira por intervalo de tempo, em dias úteis, lho ressaltam alguns aspectos críticos que se A necessária melhoria nas estimativas da
nos meses de Janeiro e de Agosto prendem essencialmente com a informação população em risco deve ser utilizada quer
População que que se encontra disponível. para o planeamento preventivo e reactivo (de
População
Intervalo
População permanece
Presente Em primeiro lugar, a inexistência de inquéri- emergência), bem como para uma adequada
Presente diária (PPMG) no concelho (PPMA)
de Tempo (PPd) (PPNM)
(PPi) tos à mobilidade da população no Algarve cons- preparação ao nível da gestão das situações de
[PPNM + PPMA] titui uma importante limitação para o aprofunda- emergência. A metodologia e as estimativas
[PPd - PPMG]
mento de qualquer estimativa da população pre- que se apresentaram são igualmente importan-
06:00 - 09:30 8 182 77 383 5 333 82 715
09:30 - 12:00 12 035 73 530 8 954 82 484
sente, o que obrigou ao desenho e lançamento de tes para as entidades com responsabilidades no
12:00 - 14:00 11 873 73 692 8 691 82 283 inquéritos a uma amostra representativa da ordenamento do território e urbanismo para o
Janeiro 14:00 - 16:30 85.565 11 113 74 451 8 376 82 827 população presente. Apesar do rigor científico desenvolvimento de uma estrutura global
16:30 - 19:30 2 590 82 975 4 484 87 459 deste estudo, os resultados obtidos apenas pode- organizada de ligação entre os Sistemas de
19:30 - 24:00 41 85 524 4 345 89 869 rão ser vistos como informação de apoio às tare- Informação Geográfica (por exemplo, o Simu-
24:00 - 06:00 0 85 565 0 85 565 fas de modelação e estimativa da população lador SIG integrado no ERSTA), os técnicos
06:00 - 09:30 22 642 180 591 9 505 190 095
presente, não devendo ser perspectivados como operacionais e os decisores políticos.
09:30 - 12:00 25 148 178 084 31 200 209 284 um estudo da mobilidade da Região do Algarve, Em síntese, as condições institucionais e
12:00 - 14:00 23 731 179 501 34 978 214 479 necessariamente muito mais complexo. organizacionais são tão importantes como as
Agosto 14:00 - 16:30 203.232 27 163 176 069 65 915 241 984 A ausência de qualquer programa de informações disponibilizadas, pois só com
16:30 - 19:30 18 454 184 778 36 963 221 341 âmbito nacional de lançamento de inquéritos à aquelas será possível actualizar e utilizar as
19:30 - 24:00 17 917 185 315 14 283 199 598 mobilidade, que de forma sistemática e perió- estimativas realizadas da forma mais eficiente
24:00 - 06:00 2 291 200 941 1 072 202 819 dica (por exemplo, quinquenais nas áreas e em benefício da população em risco.
urbanas e decenais nas rurais) permitisse a
cobertura ao nível das freguesias, continuará a
Quadro 5 – População presente na freguesia de Albufeira por intervalo de tempo, em dias úteis, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ser um dos principais entraves à quantificação
nos meses de Janeiro e de Agosto
da população presente por unidade de tempo e
Janeiro Agosto à fundamentação dos planos de deslocações ABREU, D. (2006), Análise de dados II: Programa
População População População População População População urbanas ou de mobilidade. para uma Disciplina Obrigatória da Licencia-
Presente Presente que Presente Presente que tura em Geografia. Lisboa: Centro de Estudos
Intervalo Intervalo Em segundo lugar, a falta de dados actua-
diária na permanece diária na permanece Geográficos, 114, A-288 p.
de Tempo na freguesia freguesia na freguesia de Tempo na freguesia freguesia na freguesia lizados e fidedignos sobre o alojamento não
AHETA (2008), Balanço do Ano Turístico 2007.
(PPdf) (PPif) (PPNMf) (PPdf) (PPif) (PPNMf) classificado. O facto de existirem poucos estu- Associação dos Hotéis e Empreendimentos
06:00 - 09:30 49.511 45.822 06:00 - 09:30 120.486 113.160 dos e dados neste âmbito é um ponto crítico. Turísticos do Algarve, 53 p.
09:30 - 12:00 48.327 41.789 09:30 - 12:00 134.619 110.284 Por último, algumas das variáveis utiliza- ARS (2004), Plano Nacional de Saúde (2004-2010).
12:00 - 14:00 48.214 41.962 12:00 - 14:00 139.387 112.070 das não se encontram disponíveis com o nível Ministério da Saúde.
Albufeira 14:00 - 16:30 53.896 49.454 43.451 14:00 - 16:30 138.403 161.405 109.597 de desagregação geográfica adequado aos CCDR ALG (2007), Plano Regional de Ordena-
16:30 - 19:30 55.135 51.696 16:30 - 19:30 147.021 118.301 objectivos do estudo (freguesia), o que faz mento do Território do Algarve (PROTAL),
19:30 - 24:00 57.841 53.868 19:30 - 24:00 133.524 120.392 com que a estimativa dos elementos humanos Faro: Comissão de Coordenação e Desenvolvi-
24:00 - 06:00 53.896 53.896 24:00 - 06:00 137.236 135.492 vulneráveis tenha de ser permanentemente mento da Região do Algarve.
ajustada à natureza da informação existente CEG/UL (2000), Identificação e Caracterização de
Elementos em Risco: Acessibilidades e Mobili-
e/ou disponibilizada. Para além da desejável
dade Espacial – Relatório. Caracterização e Estu-
melhoria das bases de dados disponíveis, a
dos de Vulnerabilidade para o Planeamento de
6. Conclusões tempo) no Algarve utilizaram-se dados produ- necessidade de adaptar o processo metodoló-
zidos por instituições públicas e privadas; pro- gico à realidade estatística existente é recor-
Ao longo do processo de determinação cedeu-se ao levantamento directo de informa- rente neste tipo de estudo17.
Academia das Ciências americana, publicado em
quantitativa da vulnerabilidade humana (cor- ção através de inquéritos e aplicou-se um con- 2007, com o título Tools and Methods for Estimating
respondente ao cálculo da população presente, junto diversificado de instrumentos de mode- 17 Uma leitura introdutória ao tema encontra-se
Populations at Risk from Natural Disasters and
residente e turista, por concelho e intervalo de lação e parametrização estatística. Deste traba- no relatório do National Research Council (NCR) da Complex Humanitarian Crises.

64 65
i n f o r g e o
Inforgeo, 2007/2008, 67-84

Emergência sobre o Risco Sísmico na Área Geografia – Acta, Ponencias y Comunicacio-


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Caracterização e Estudos de Vulnerabilidade
para o Planeamento de Emergência sobre o
Lisbon: an Example of Application. Procee-
dings, 9th WCEE, Tóquio.
E R E C U R S O S N AT U R A I S :
Risco Sísmico na Área Metropolitana de Lisboa
e Concelhos Limítrofes das NUT 3 Lezíria e
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F O N T E S D E D E S E S TA B I L I Z A Ç Ã O S O C I A L
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CEG/UL (2008), Estimativa da População Presente NATIONAL RESEARCH COUNCIL (NRC)
por concelho e intervalo de tempo – Dia útil e (2007), Tools and Methods for Estimating
Fim-de-semana – Relatório. Estudo do Risco Populations at Risk from Natural Disasters and
Sísmico e Tsunamis do Algarve, Lisboa: Centro Complex Humanitarian Crises, Washington «It is evident that many wars are fought mente induzido. Recorrendo a exemplos reti-
de Estudos Geográficos/Faculdade de Letras da DC: National Academies Press. over resources which are now becoming increa- rados de casos estudo, pretende salientar-se os
Universidade de Lisboa, Julho (Documento de SENOS, M.; CARRILHO, F. (2003), Sismicidade de
singly scarce. If we conserved our resources aspectos mais significativos da investigação
Trabalho). Portugal Continental. Física de la Tierra, 15:
better, fighting over them would not then nesta temática e deixar no ar pistas para futu-
CEG/UL (2008), WP 17 – HUMANOS. Caracteri- 93-110.
zação e estudo das Vulnerabilidades Humanas TERRIER, C. (Dir.) (2007), Mobilité Touristique et occur… so, protecting the global environment ros desenvolvimentos que permitam identifi-
Relatório Final, Relatório – Versão Provisória. Population Présente – Les Bases de L’Écono- is directly related to securing peace… those of car as áreas mais propensas a conflitos de
Estudo do Risco Sísmico e Tsunamis do Algarve, mie Présentielle des Départements, Paris: us who understand the complex concept of the génese ambiental, bem como as condições em
Lisboa: Centro de Estudos Geográficos/Facul- Ministère des Transports et de L’équipement, environment have the burden to act. We must que tais podem eclodir.
dade de Letras da Universidade de Lisboa, du Tourisme et de la Mer. not tire, we must not give up, we must persist». O artigo estrutura-se segundo quatro linhas
Novembro (Documento de Trabalho). VEYRET, Y. (org.) (2007), Os Riscos. Editora Con- fundamentais: i) redefinição do conceito de
DGT (2007), As Férias dos Portugueses em 2006, texto. São Paulo (no original: Les Risques, Wangari Maathai (Prémio Nobel da Paz, 2004). segurança; ii) percursos fundamentais da
Direcção Geral de Turismo. Turismo de Portugal. Armand Colin, 2003). investigação; iii) relacionamento entre facto-
GASPAR, J.; CORREIA, F.; MARIN, A. (1984), ZÊZERE, J. L. (2007), Riscos e Ordenamento do Ter-
res ambientais, riscos e conflito; e iv) o caso
Lisboa: Espaço/Tempo. III Colóquio Ibérico de ritório. Inforgeo, 20/21: 59-63.
Introdução particular do Espaço Euro-Mediterrânico.
No palco das relações internacionais, o dis-
Este artigo procura enquadrar sumaria- curso sobre segurança no período pós-guerra
mente os roteiros da investigação sobre «segu- fria incorpora e reedita velhas premissas e tem
rança ambiental» (environmental security), a particularidade de chamar a debate novas
trazendo à liça os desenvolvimentos mais variáveis, designadamente a ameaça à segu-
recentes sobre as ligações entre alteração rança decorrente das alterações ambientais.
ambiental, segurança e conflito ambiental- O agudizar das alterações ambientais, o
crescimento populacional, a depleção e degra-
dação crescentes de recursos naturais, o
* FL-UL, Departamento de Geografia (Assistente engrossar das fileiras de «refugiados ambien-
Convidado) – areis@fl.ul.pt

66 67
i n f o r g e o Riscos e ambiente

tais» (environmental refugees)1, a difusão e (Bächler 1998; Homer-Dixon 1999; Lonergan Figura 1 – Esquematização de ligações entre ambiente e segurança
propagação de novas endemias e a progressiva 1999).
escassez de recursos naturais vitais [e.g. solo, Os diferentes padrões de distribuição natu- Segurança Conflitos Papel
florestas e, em particular, água potável] des- ral de recursos, as crescentes necessidades Nacional Ambientais Militar?
pertaram, em definitivo, a atenção dos deciso- energéticas e os hiatos entre a procura e a dis-
res políticos, dos responsáveis militares e de ponibilidade e/ou capacidade de transforma- Redefinição
diversos quadrantes da comunidade académica ção de recursos têm fomentado inúmeras ten- de Segurança

e científica em geral, para a problemática da sões e disputas relacionadas com os recursos


«segurança ambiental». naturais, fomentando as «guerras de recursos» Segurança
(resource wars)3. Humana
As assimetrias de desenvolvimento, pese
embora os Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio2, assumem um papel importante nos
quadros da degradação ambiental e das alte-
rações climáticas em curso. Os países mais
Porquê repensar a segurança? violência tem vindo a divergir de conflitos de O século transacto registou um cresci-
desenvolvidos, sendo agentes activos nos estado de grande intensidade para misturas mento populacional e económico sem prece-
processos de alteração climática, serão, por Segurança é um conceito difícil de definir complexas de conflitos menos intensos, mas dentes, com reflexos no forte incremento do
ventura, os mais capacitados para enfrentar as objectivamente. A noção de segurança tem em maior número, alimentados por grupos stress ambiental. A dinâmica demográfica
consequências das mesmas. No reverso da subjacente uma noção implícita de vulnerabi- filiados em facções de estado, em grupos mantém-se na actualidade, com os países em
medalha, os países menos desenvolvidos, lidade, cuja avaliação requer considerar o rebeldes armados e em complexas redes de desenvolvimento a registar ritmos de cresci-
maioritariamente agentes passivos no pro- risco de exposição, susceptibilidade de per- natureza obscura. As causas próximas à maio- mento bastante elevados. No decorrer do
cesso de alteração climática, serão os menos der, e capacidade de restaurar. É um conceito ria dos conflitos recentes são questões de século XX, a população mundial aumentou de
capacitados para enfrentar as respectivas con- mais socialmente construído do que determi- ordem interna, muitas delas relacionadas com 1,6 mil milhões para 6,1 mil milhões. Apenas
sequências, agravando-se ainda mais a preca- nável objectivamente, importando distinguir a escassez ou abundância de recursos. Por na segunda metade deste século, o planeta teve
riedade dos sistemas que suportam a sua sub- as entidades vulneráveis, por exemplo, a exemplo, inúmeros conflitos recentes em paí- de absorver um acréscimo de cerca de 3,5 mil
sistência. nação (segurança nacional), necessidades ses africanos têm sido alimentados pelos dia- milhões de pessoas, com 85 por cento deste
Segundo inúmeros analistas, a pobreza básicas (segurança humana), rendimento mantes e outras pedras preciosas (Congo, incremento a ocorrer nos países em desenvol-
endémica, que afecta cerca de dois terços da (segurança financeira), entre outras (Barnet Serra Leoa, Libéria). vimento e em transição (UNPD 2003).
humanidade, tenderá a perpetuar-se e a agra- 2001). Em censo comum, segurança é a con- No período compreendido entre 1998 e O crescimento populacional por si só não
var-se em consonância com o agudizar das dição de estar protegido de ou não exposto a 2007 registaram-se apenas três conflitos entre configuraria qualquer risco ou ameaça à segu-
alterações ambientais, conforme destacam perigo (Figura 1). estados: Eritreia – Etiópia (1998-2000); Índia rança, caso população e recursos andassem em
inúmeros estudos sobre consequências das Diversas correntes e abordagens teóricas – Paquistão (1998-2003); e Iraque versus EUA paridade, ou não motivassem outro tipo de dis-
alterações climáticas (Smith e Vivekananda, têm vindo a questionar a concepção tradicio- e aliados (2003). Os restantes 30 maiores con- putas. No entanto, pese embora algumas con-
2007; CSIS, 2007; Kolmannskog, 2008). nal de segurança, fundada na visão realista das flitos armados registados neste período trava- tra argumentações, a realidade está muito dis-
Diversos sectores da comunidade cientí- Relações Internacionais de risco de confronta- ram-se dentro das respectivas fronteiras tante deste desiderato desejável, porquanto a
fica têm vindo a sustentar, em particular desde ção entre Estados. A análise da tipologia da (SIPRI 2008). geografia da maioria dos recursos naturais
meados da década de noventa, que a degrada- conflituosidade recente evidencia que a maio- Que factores poderão estar por detrás e vitais não coincide com a geografia da popula-
ção ambiental constitui já uma das principais ria dos conflitos violentos têm uma génese explicar o actual padrão e tipologia de confli- ção. Por outro lado, inúmeros estados não dis-
fontes de conflito, podendo o seu protago- doméstica, em detrimento dos conflitos entre tos armados violentos? A resposta a esta ques- põem do engenho suficiente para suprir as
nismo disparar num futuro próximo, devido ao estados, quando o controle territorial era o tão não é simples, nem será consensual nos carências da distribuição natural dos recursos
agudizar da alteração e degradação ambiental principal objectivo e os confrontos eram trava- diversos quadrantes científicos. No entanto, se naturais. Acresce a tudo isto, o facto da pres-
dos por soldados regulares. atendermos a alguns factos que marcaram o são crescente sobre os recursos, sob a forma de
De facto, a partir de meados da última evoluir recente da humanidade, talvez se consumo e degradação, agravar as situações de
1 Na literatura internacional também referidos
década do século XX o padrão principal de comecem a desvendar algumas das causas pro- stress sobre os mesmos (Figura 2).
como «climate refugees» (Kolmannskog, 2008).
2 http://www.un.org/millenniumgoals/reports. váveis para o aumento substancial de conflitos O Bangladesh constitui um exemplo ade-
shtml 3 Veja-se, por exemplo, Klare, 2001. domésticos nos vários cantos do mundo. quado do desequilíbrio entre população e

68 69
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 2 – Stress Ambiental Figura 3 – Ciclo das Consequências do Stress Ambiental

Consequências
Escassez ambiental Políticas
de recursos

Factores Contextuais
Consequências
Stress ambiental Económicas Potencial
Incidência
Degradação ambiental Stress ambiental e Escalada
de recursos de Conflito
Consequências
Sociais

Consequências
Demográficas
recursos. Com uma população actual estimada das instituições sociais e políticas. As conse-
em mais de 140 milhões, perspectivando-se quências do stress ambiental potenciam confli- Fonte: Adaptado a partir de: CCMS Report n.º 232
que a sua população exceda os 180 milhões tos, verificando-se determinados factores con-
em 20254, este território tem assistido a uma textuais desfavoráveis, conforme se ilustra na
redução progressiva da superfície de cultivo, Figura 3. Os factores de contexto (e.g. políticos, reli- 8) interacção internacional; e 9) mecanismos
na sua disponibilidade absoluta e relativa. As Numa abordagem muito genérica, saliente- giosos, sociais) influenciam as respostas de resolução de conflitos (CCMS Report n.º
inundações frequentes, agravadas pelo pro- se que o stress ambiental poderá desempenhar sociais, explicando a razão pela qual situações 232: 102-108).
cesso de intensa desflorestação do território, papéis diferenciados no decorrer da dinâmica similares de pressão desencadeiam respostas Os factores contextuais podem ocorrer iso-
têm agravado as condições de precariedade de conflito, prestando-se à seguinte sistemati- diferenciadas. Por exemplo, a já referida ladamente ou combinados, potenciando-se
humana nesta região. zação5: migração forçada do Bangladesh para Assam, mutuamente neste caso. Para a maioria das
Milhões de pessoas abandonam este terri- Índia, motivada em grande medida pelo stress situações, a dependência de recursos naturais é
tório desde meados da década de 1950, para (1) Fonte Estrutural de Conflito: o stress ambiental, conduziu à violência na região de o factor que mais se relaciona com o conflito,
fugir às terríveis pressões populacionais, ambiental é percepcionado como um chegada, enquanto que a migração do Bangla- particularmente nos países em desenvolvi-
escassez de terras e inundações. Na sua maio- factor permanente que afecta os inte- desh, pela mesma razão, para outros países mento, onde as dependências são mais acen-
ria, deslocam-se para áreas vizinhas na Índia, resses e preferências dos actores envol- Asiáticos ou mesmo outras partes da Índia não tuadas e propensas à eclosão de grupos de
particularmente para o estado de Assam, onde vidos. levaram à violência nos países de acolhimento interesse e de poder.
dos 22 milhões de habitantes cerca de 7 (2) Catalisador de Conflito: o stress (CCMS Report n.º 232). A resposta social mais frequente, face a
milhões ou vieram do Bangladesh ou são já ambiental é futuramente exacerbado Neste modelo conceptual de relaciona- situações de grande stress ambiental, progres-
seus descendentes (Homer-Dixon, T. F., 1991: por uma situação socioeconómica mento entre alteração ambiental e segurança, sivo ou brusco, assim como perante cenários
4). Os confrontos violentos entre estas duas insustentável existente, reflectindo-se o os factores contextuais jogam diferentes de guerra, é a migração compulsiva e o acan-
comunidades são recorrentes, estando em seu impacte no incremento da potencial papéis no seguinte trinómio: alteração ambien- tonamento destas populações em campos de
causa a disputa de recursos progressivamente incidência ou escalada de conflito. tal _ consequências políticas, económicas, refugiados, espaços favoráveis à ocorrência de
mais escassos. (3) Disparador de Conflito: quando ocor- sociais e demográficas _ impacte na segu- degradação e stress ambiental.
O stress ambiental é responsável por rem mudanças bruscas negativas na rança. Os diversos casos estudo analisados na
importantes consequências de ordem social e esfera ecológica, o stress ambiental Alguns autores agrupam os factores con- bibliografia considerada permitiram identifi-
política, com realce para a pobreza, insegu- instiga o conflito quando as causas que textuais em nove categorias, a saber: 1) per- car quatro tipos fundamentais de conflitos
rança alimentar, degradação de condições de lhe estão por detrás são percepcionadas cepção do grau de escassez; 2) vulnerabilidade ambientais: 1) conflitos de base étnica e polí-
saúde, deslocações de populações (migrações como ameaças agudas a certos grupos económica e dependência de recursos; 3) tica; 2) conflitos enraizados em fortes e súbi-
ou movimentos de refugiados), e disjunções de interesses. capacidades institucional, socioeconómica e tos movimentos migratórios; 3) conflitos ori-
tecnológica; 4) factores culturais e etno-políti- ginados pela disputa de recursos hídricos
5 Esta categorização é baseada em Baechler cos; 5) violência interna e estruturas de segu- internacionais; 4) conflitos relacionados com a
4 2008 Population Reference Bureau. 1997: 132-136. rança; 6) estabilidade política; 7) participação; evolução das mudanças climáticas globais.

70 71
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Esta classificação e tipologia de conflitos Kaplan escreveu «The Coming Anarchy,» um Figura 4 – Exemplificação de Conflitos Migratórios
remete a sua origem para regiões com proble- artigo amplamente difundido que pintou uma
País: Região Stress Ambiental Partes Envolvidas Intensidade de Conflito
mas estruturais de desenvolvimento, encontra- imagem sombria da África Ocidental a mergu-
das particularmente em: lhar num conflito endémico alimentado por uma Bangladesh e Índia: Pressão populacional, crises de sub- Governo de Assam, popula- Conflito violento, fraca inten-
Província de Assam sistência, «refugiados ambientais» ção local e imigrantes Ben- sidade, confrontos sociais,
espiral de crescimento populacional, degradação e degradação de terra gali étnicos e políticos
• Regiões áridas e semiáridas; ambiental e acesso fácil a armas. Baseado nos
• Áreas de montanha com fracas interac- estudos pioneiros sobre ambiente e segurança, o México: Chiapas Degradação dos habitats da popula- Governo Mexicano e Zapa- Conflito violento, massacres
ções entre as terras altas e as de sopé; futuro que ele retratou foi de «doença, excesso ção indígena tistas (EZLN) em Dezembro de 1997
• Áreas com bacias hidrográficas partilha- populacional, crime, escassez de recursos, Fonte: Adaptado de Baechler 1998
das internacionalmente; migrações de refugiados, erosão das fronteiras e
• Zonas degradadas pela exploração soberania de estados, e o fortalecimento de exér- dos excertos das palavras de Kofi Annan, na O mapa dos conflitos internos recentes e o
mineira e por barragens; citos privados e cartéis da droga»6. Muito deste qualidade de Secretário-geral das Nações Uni- mapa da distribuição espacial de recursos
• Faixa de florestas tropicais; cenário alarmista desenhado por Kaplan tem das, no seu relatório de 2003 sobre a preven- naturais de valor elevado têm grandes simila-
• Clusters de pobreza em áreas de expan- vindo a verificar-se pelo mundo inteiro. ção de conflitos armados: ridades, apresentando uma sobreposição nítida
são urbana marginais. Perante a importância crescente do papel da geopolítica dos recursos naturais e da geo-
jogado pelos recursos naturais, em geral, o «Lastly, in addressing the root causes of política dos conflitos, configurando o espaço
Áreas críticas similares foram encontradas campo da geopolítica será primordial para o armed conflict, the United Nations system will que Michael Klare designa por «The New
nos casos de estudo desenvolvidos para anali- estudo e compreensão da geografia dos recur- need to devote greater attention to the potential Landscape of Global Conflict», na sua obra
sar conflitos ocorridos em África, América sos e dos conflitos. Assim, não será descabido threats posed by environmental problems». […] «Resource Wars» (Klare, M.T., 2001).
Latina, Ásia Central, Sudeste Asiático e Oceâ- perspectivar que as «geopolíticas» do corrente «The implications of the scarcity of certain natu- Diversas linhas de investigação envereda-
nia, e que, à partida, estavam identificados século XXI poderão ser i) a geopolítica da ral resources, of the mismanagement or deple- ram pelo conceito alargado de segurança –
com causas ambientais. No quadro seguinte, a escassez de recursos vitais – água potável, solo tion of natural resources and of the unequal Comprehensive Security – que esteve subja-
título de exemplo, referem-se alguns conflitos agrícola, alimentos; ii) a geopolítica da energia access to natural resources as potential causes of cente à reformulação do conceito estratégico de
de origem migratória (Figura 4). – localização de fonte e reservas, redes de dis- conflicts need to be more systematically addres- defesa de vários países europeus, dos EUA e da
tribuição; iii) a geopolítica dos desastres natu- sed by the United Nations system. The United própria Aliança Atlântica (1991 e 1999), legiti-
rais de grande intensidade – número crescente Nations system should consider ways to build mando a importância das ameaças não milita-
O paradigma de segurança de incidências, de vítimas mortais, de desloca- additional capacity to analyze and address res, nomeadamente de cariz social e ambiental8.
ambiental: riscos prementes dos; iv) a geopolítica dos conflitos violentos potential threats of conflicts emanating from Em Abril de 2007, sob iniciativa do Reino
internos – as guerras de recursos naturais. international natural resource disparities»7. Unido, o Conselho de Segurança das Nações
Repensar a segurança, porquê e com que Aceitando o argumento de que a alteração Unidas debateu profundamente pela primeira
fundamentos? A redefinição do conceito tradi- ambiental deve ser encarada como um assunto De facto, se procurássemos olhar o mundo vez as alterações climáticas. Também em Abril
cional de segurança baseou-se na constatação de políticas de segurança, o conceito de segu- segundo duas visões distintas, numa perspec- de 2007, um conjunto de generais de mérito
de que o crescimento populacional, a pressão rança, e a questão de qual a sua melhor con- tiva ecológica e numa de segurança, por certo reconhecido (aposentados) publicou um rela-
crescente sobre recursos naturais vitais e o ceptualização, continua a ser o aspecto mais verificaríamos que o rol de países considera- tório onde ficou bem vincado que alteração
agudizar de situações climáticas extremas controverso nos assuntos de política interna- dos problemáticos em cada uma delas seria climática constitui uma séria ameaça à segu-
encerram um triângulo de instabilidade e de cional (WBGU, 2008: 19). muito similar, incluindo, por exemplo, Afega- rança dos Estados Unidos, capaz de promover
risco, capaz de induzir e despoletar tensões e Na arena política, degradação ambiental e nistão, Bangladesh, Haiti, Indonésia, Iraque, o extremismo e terrorismo, especialmente em
fazer escalar a violência doméstica e interna- alteração climática foram progressivamente Somália, Nigéria, região dos Grandes Lagos, regiões instáveis (CNA Corporation, 2007).
cional. Na fase inicial da investigação, as percepcionadas como um desafio à política Mauritânia, Senegal e Ruanda. Na Figura 5 procura-se esquematizar o con-
abordagens procuravam discernir sobre os internacional e segurança, conforme se deduz ceito alargado de segurança.
modos como a alteração ambiental poderia 7 United Nations. (2003, 12 September). Interim
O conceito alargado e as políticas actuais
despoletar conflito violento (Homer-Dixon 6 Kaplan, R. (1994) «The Coming Anarchy – report of the Secretary General on the prevention of
1991, Kaplan 1994, Myers 1987). how scarcity, crime, overpopulation, tribalism and armed conflict (Report of the Secretary General on 8À semelhança de outros países, também Portu-
Em 1994, o jornalista americano Robert disease are rapidly destroying the social fabric of our the Work of the Organization, A/58/365–S/2003/888 gal reformulou o seu Conceito Estratégico de Defesa
planet, «The Atlantic Monthly, February, pp 44-76. 12 September 2003). Nacional em 1994, e posteriormente em 2003.

72 73
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 5 – Conceito Alargado de Segurança (WBGU, 2007: 77). Segundo estes, as alterações e degradar das condições e suportes de vida
climáticas em curso podem, seguramente, con- destas populações (NRC, 2008).
Conceito alargado de segurança
tribuir para o agudizar das situações de precarie- As instabilidades política e social dos esta-
dade ecológica e de instabilidade social sentidas dos fracos e frágeis tenderão a potenciar, ainda
em inúmeras regiões do globo. mais, num futuro não muito longínquo, as ten-
Segurança Abrangente Segurança Segurança
Por último, mas não menos importante na sões e clivagens entre grupos sociais diferen-
(Comprehensive) Colectiva/Comum Preventiva cena da política internacional, pelas conse- tes e a contribuir para o aumento dos conflitos
quências que daí podem advir, as novas abor- internos, configurando novos riscos e ameaças
dagens estratégicas ao interesse nacional con- à ordem nacional e estabilidade internacional.
Cooperação
Prevenção
templam objectivamente as ameaças das alte-
Segurança social, Internacional rações ambientais e a necessidade de assegurar
de Conflitos
ecológica Organizações
e Intervenções o acesso e salvaguardar recursos naturais
e militar Internacionais
Acordos
Pós-Crise
vitais e energéticos. Os EUA são um exemplo
Percursos de investigação
paradigmático dessa postura, sendo assumida sobre «segurança ambiental»
oficialmente às mais altas instâncias da gover-
Raízes Causadoras de Conflito Instrumentos A origem da investigação científica nos
nação (CNA Corporation 2007; IISD 2007;
Degradação ambiental, rápido crescimento GTZ 2008; TFCG 2008). designados conflitos ambientais pode ser reme-
populacional, mudanças tecnológicas estruturais, Abordagens multi- tida para os anos de 1970. Nesta fase de arran-
nível abrangendo
Paradoxalmente, como refere Soromenho-
declínio económico, pobreza conjugada com
instrumentos diplomá- Marques (2005:78), em Outubro de 2003, o que, as ligações entre degradação ambiental e
carênc ia de direitos civis, clivagens étnicas
e religiosas, violação massiva dos direitos humanos ticos, militares Pentágono encomendou um estudo sobre as escala de conflito não passavam de vagas
e políticos basilares, propagação do crime e económicos afectos consequências para a segurança nacional de assunções. O esforço de investigação ganhou
organizado, etc. ao desenvolvimento
uma eventual Mudança Climática Abrupta9. novas dinâmicas com o desanuviamento das
Este facto é tanto mais significativo quanto é relações Este-Oeste e fim da Guerra Fria.
Fonte: Hipler 2003:300, a partir de: Faust, J./Messner, D. 2004: 8 publicamente conhecida a postura política da Pese embora a diversidade das abordagens,
administração Bush face às questões ambien- sobressaem quatro grandes projectos de inves-
tais globais e face aos cientistas que sistemati- tigação:
de segurança não se restringem às capacidades (in)segurança, requerem acções colectivas e camente vêm alertando para os perigos que
militares. Um dos aspectos mais importantes cooperativas, para além do estabelecimento de podem advir das alterações climáticas. • Grupo de Toronto, em torno de Thomas
da política de segurança actual prende-se com mecanismos de regulação internacional que As crescentes fileiras de refugiados ambien- Homer-Dixon;
a capacidade de neutralizar crises políticas e dirimam aspectos transfronteiriços, ou que tais (Environmental Refugees)10 são já um dos • Grupo de Zurique, liderado por Günter
socioeconómicas que ameacem cruzar o limiar ponham em causa a ordem internacional. rostos por demais visíveis das consequências Bächler e Spillmann, dando origem ao
da violência, o mais precocemente possível, O German Advisory Council on Global das alterações ambientais globais, quer se trate «Environment and Conflicts Project»
recorrendo a meios não militares e, se neces- Change (WBGU) veicula este princípio no seu de alterações difusas e progressivas, como por (ENCOP);
sário, então a meios militares (WBGU 2008). estudo sobre clima e segurança de 2008 (Climate exemplo o avanço das regiões áridas ou semi- • Grupo de Oslo, em torno de Gleditsch,
As assimetrias de desenvolvimento, conju- Change as a Security Risk), colocando a tónica áridas, ou de fenómenos atmosféricos anormal- cujo trabalho se baseou em estudos quan-
gadas com os processos de alteração ambiental, na necessidade de prevenir a eclosão de conflitos mente violentos, como por exemplo os tornados titativos;
são progressivamente fontes de perturbação e por via de mecanismos de cooperação e formas e furacões. As duas situações referidas contri- • Global Environmental Change and
de insegurança ao nível local e regional, de promoção efectiva do desenvolvimento nas buem para o crescimento desmesurado de refu- Human Security Project (GECHS), em
podendo alcançar dimensões de natureza inter- regiões mais desfavorecidas. Este organismo giados ambientais, em paralelo com o agudizar torno de Matthew, com sede em Irvine,
nacional. Desertificação, alterações climáticas, Alemão identificou três grandes áreas nas quais Califórnia.
desflorestação, perda de biodiversidade, perda se espera que as alterações climáticas provo-
9 Peter Schwartz e Doug Randall, An Abrupt Cli-
de solo agrícola e problemas hídricos são ques- quem desenvolvimentos críticos, a saber, o esgo- Os dois primeiros grupos são considerados
mate Change and its Implications for United States
tões que se relacionam com a paz e a (in)segu- tamento dos recursos de água doce, o compro- os pioneiros, tendo as suas abordagens sido
National Security, 2003.
rança aos níveis local, regional e internacional. metimento da produção de alimentos, e um 10 http://www.osce.org/documents/eea/2005/05/ baseadas em estudos qualitativos desenvolvi-
Problemas ambientais, com implicações na aumento de condições atmosféricas extremas 14488_en.pdf (Acesso 08/12/08). dos, essencialmente, ao longo da década de 90.

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
Os outros dois grupos, introduziram novas artigos publicados no jornal International Secu- incluem Homer-Dixon, Baechler (1999), e and Conflicts Project (ENCOP) da Swiss
metodologias, tendo enveredado pelo criti- rity (Homer-Dixon, T., 1991, 1994). O âmbito Kahl (2006). Peace Foundation, em Berna (Baechler, Boge,
cismo ao trabalho desenvolvido pelos primei- da investigação incidia sobre três aspectos dos Como fundador da teoria resource scarcity, Klotzli, Libiszewski e Spillmann 1996). O
ros. O projecto GECHS concentrou-se na capa- conflitos ambientalmente induzidos: Homer-Dixon identifica três dimensões de grosso da investigação foi apresentado em
cidade adaptativa das sociedades humanas. escassez: i) «Escassez induzida pela disponibi- 1996, num relatório final baseado em casos de
A investigação Canadiana, coordenada por • Conflitos interestados, em parte devido lidade» (supply-induced scarcity); ii) «Escas- estudo de natureza qualitativa, sobre países em
Thomas Homer-Dixon (Peace and Conflict a escassez de recursos; sez induzida pela procura» (demand-induced desenvolvimento com problemas ambientais e
Studies Program of the University of Toronto), • Conflito subnacional ou intraestado, scarcity); iii) «Escassez estrutural» (structural conflitos armados correntes.
começou a desenhar-se no início da década de originado por escassez ambiental indu- scarcity). A interacção destes três tipos de Este projecto assumiu, à partida, que a
90, desde logo suportado por diversas institui- zida pelos saldos bruscos de população; e escassez é mais propícia à eclosão de conflitos alteração ambiental poderia levar indirecta-
ções de investigação. Ao longo dos anos 90 • Conflito subnacional ou intraestado intraestados (domésticos) do que a conflitos mente ao conflito, reforçando situações pree-
desenvolveu três grandes projectos, alguns em (guerra civil ou insurreição), originado em interestados (internacionais) (Homer-Dixon, xistentes de potencial de conflito socioeconó-
colaboração com outras instituições exteriores. parte pelo stress ambiental que exacerba a 1999: 47-52). mico, já numa fase de escalada de intensidade.
No primeiro projecto, Alteração Ambiental privação económica e a não regulação das Não foram encontradas evidências de uma Considerando este ponto de vista, os conflitos
e Conflito Agudo (1990 a1993) (Environmen- instituições sociais fundamentais. conexão directa entre escassez de recursos e a seriam, em primeira instância, motivados
tal Change and Acute Conflict), equacionam- escalada violenta de conflito. No entanto, os social ou politicamente, e não uma consequên-
-se as circunstâncias que levam o stress A investigação empírica do Grupo de estudos do Grupo de Toronto indicaram que a cia directa e irreversível da alteração ambien-
ambientalmente induzido a produzir conflitos, Toronto teve como cenário os países em escassez de recursos ambientalmente indu- tal (WBGU 2008:27).
internos e externos. desenvolvimento, assumindo que nesses a zida, em combinação com factores económi- Os investigadores do projecto ENCOP
O segundo Projecto em Ambiente, Popula- ligação entre stress ambiental e conflito grave cos, políticos e sociais, poderia destabilizar identificaram cinco condições favoráveis à
ção e Segurança (1994 a 1996) (Environment, seria mais intensa. «Muitos dos países menos estados e sociedades, com intensidade sufi- ocorrência de conflito: 1) desenvolvimento
Population and Security), produziu inúmeros desenvolvidos do Sul tendem a ter fraca capa- ciente para causar conflitos. Na Figura 6 «armadilhado» (trapped); 2) carência de meca-
casos estudo, a maioria publicada por Homer- cidade para se adaptarem ao stress ambiental, esquematiza-se o processo de escassez e as nismos sociais reguladores; 3) instrumentali-
-Dixon em co-autoria com os investigadores a riscos biofísicos elevados e, frequentemente, respectivas consequências. zação do ambiente; 4) capacidade organizacio-
envolvidos. comportam elevadas taxas de crescimento Por seu lado, a investigação Suíça deu ori- nal e oportunidade para se armar; 5) sobrepo-
O terceiro projecto, «Environmental Scarci- populacional» (Homer-Dixon, T., 1991:40). gem a outro importante estudo, o Environment sições de padrão histórico de conflito.
ties, State capacity, and Civil Violence», intro- A literatura produzida sobre «escassez de
duziu as dimensões estatais e institucionais no recursos» (resource scarcity) centrou-se em Figura 6 – Fontes e consequências de escassez ambiental
debate sobre segurança ambiental, destacando a torno de degradação ambiental, como causa de
« capacidade adaptativa do estado» face aos conflito, também identificada como o para-
Fontes de Escassez Ambiental Efeitos Sociais
desafios colocados pela escassez ambiental. digma neomalthusiano (Homer-Dixon
Esta nova linha de investigação foi divulgada 1994)13. Os trabalhos lideres neste campo
Migração
num artigo de Homer-Dixon, onde introduziu o Decréscimo na Qualidade Expulsão
Conflitos Étnicos
conceito da possível «lacuna de engenho»11 e Quantidade de Recursos
Renováveis
(the ingenuity gap). Com este conceito, Homer- Para uma analise crítica deste artigo ver, por exem-
-Dixon argumenta que os efeitos sociais da plo: Leif Holsson, 1999, capítulo 5, pp. 146-173.
13 Soromenho-Marques, em relação às críticas fei-
escassez ambiental poderão retirar aos estados a
tas a Homer-Dixon, cujos trabalhos considera serem de Crescimento Incremento da Escassez Enfraquecimento
capacidade de adaptação para fazer face a situa- valor referencial na última década, refere que Homer- da População Ambiental dos Estados
Golpes de Estado
ções de escassez de recursos no futuro12. Dixon é acusado de ter uma óptica neo-malthusiana,
As bases teóricas e conceptuais do trabalho nomeadamente por sectores neo-marxistas. Soromenho
de investigação foram apresentadas em dois rebate esta acusação de reducionismo com base no per-
Desigual Acesso a Recursos Conflitos
curso de investigação do professor canadiano, enalte-
Renováveis Decréscimo de Privação
cendo um seu pensamento que considera ter atingido
11
cf. Soromenho-Marques, op.cit. (2005: 73) «um plano de autêntica filosofia da história, ao formu- da Rendibilidade
12
Homer-Dixon 1995b, «The Ingenuity Gap: lar a sua teoria da «lacuna de engenho» (the ingenuity Económica
Can Poor Countries Adapt to Resource Scarcity?». gap)» (Soromenho-Marques 2005:73).

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
As principais evidências do grupo Suíço O ENCOP aplicou aquela metodologia em mentam o risco de conflito interno violento e tes no relacionamento do Ocidente com os
ENCOP foram ao encontro do trabalho do dois projectos de seguimento, tendo por objec- que os factores económicos e políticos são países mediterrânicos do Norte de África e
Grupo de Toronto, convergindo nos seguintes tivo desenvolver procedimentos apropriados cruciais para explicar a eclosão e intensidade Médio Oriente (MENA).
aspectos14: i) para eclodir um conflito, como para a cooperação e gestão de situações de poten- desses conflitos (Hauge e Ellingsen, 1998). Os aspectos mais marcantes da sociedade
resultado de factores ambientais, seria neces- cial conflito no Corno de África (ECOMAN) e actual são por demais conhecidos, no entanto,
sário muito mais do que degradação ambiental na Bacia do Nilo (ECONILE) (Bächler, 1998). não será descabido referir alguns dos mais
(ou escassez ambiental); ii) a capacidade adap- Quanto à investigação escandinava, os importantes, por também estarem associados,
tativa da sociedade em geral, e do estado em maiores desenvolvimentos foram realizados
O Mediterrâneo: população, de alguma forma, a esta região: novos actores
particular, seria crucial; iii) o conflito seria pelo «Internacional Peace Research Institute of ambiente e segurança influentes da Ordem e Paz Mundiais, terro-
mais provável em estados fracos, já de si com Oslo» (PRIO), liderado por Nils Petter Gleditsch. rismo transnacional, fundamentalismos e
fragilidades étnicas, religiosas e regionais, ou Iniciaram uma linha de pesquisa em 1988, com Tendo por base as palavras de Abdallah extremismos, insegurança, tensões étnicas e
padrões históricos de conflito; iv) ainda assim, o projecto «Studies in Environmental Security», Saaf, há várias décadas que a questão do religiosas, pobreza endémica, urbanização
o aspecto ambiental teria de ser suficiente- enveredando por uma abordagem quantitativa e espaço euro-mediterrânico está em constante crescente, crises ambientais, escassez de
mente significativo para conseguir influenciar independente. Com esta abordagem, procura- evolução (IEEI, Estratégia 2005). recursos alimentares e energéticos.
e mobilizar grupos afectados por linhas de ram contrariar a excessiva complexidade dos O Mediterrâneo é o centro de gravidade das O renascimento deste espaço em matéria
ruptura, conjugando, em simultâneo, a clara modelos qualitativos, que esteve na base do seu relações geopolíticas dos países que partilham de segurança deve-se, em boa parte, à sua cres-
percepção de oportunidade e vantagem de criticismo, e proceder à correcção das deficiên- as suas margens, definindo o espaço EURO- cente importância nos cálculos estratégicos da
pegar em armas. Apenas nestas circunstâncias cias apontadas aos projectos pioneiros. A inves- MED. Os recursos naturais abundantes, parti- Europa, Estados Unidos da América (EUA) e
é que o conflito poderia ocorrer. tigação incidiu em casos de estudo selecciona- cularmente os energéticos, e as rotas maríti- Médio Oriente, onde o peso dos recursos natu-
Os resultados da investigação do ENCOP dos, sobre países com conflitos agudos relacio- mas, oleodutos e gasodutos conferem ao Medi- rais e energéticos tem uma grande relevância
foram apresentados em dois volumes de casos nados com recursos (Gleditsch, 1998). terrânico um valor geoestratégico inquestioná- no balanço político, económico e social16.
de estudo retirados de regiões montanhosas, da As correntes neo-malthusianas (grupos de vel, não só para os vizinhos Europeus como A margem sul do Mediterrâneo regista uma
antiga União Soviética, Argélia e Quénia (Ohls- Toronto e Zurique) advogavam que o incre- para o resto do mundo. Mesmo os países mais elevada pressão demográfica, que terá, certa-
son, L., 1999: 48)15. mento da pressão populacional, conjugada longínquos, e/ou energeticamente auto-sufi- mente, consequências securitárias e ambientais.
A investigação Suíça evidenciou que os com a escassez de recursos, levaria à escalada cientes, serão, directa ou indirectamente, afec- A demografia é um dos factores de maior dife-
conflitos ambientalmente induzidos mais vio- de conflito, o que lhes mereceu algum criti- tados por disrupções graves que ali ocorram. renciação entre os países das margens norte e sul.
lentos se registaram em países em desenvolvi- cismo. De forma contrastante, o Grupo de O espaço euromediterrânico (EUROMED) No sul, na região MENA, mantêm-se elevados
mento, particularmente do Sul. Segundo Ohls- Oslo argumentava que a abundância de recur- desempenha na actualidade um importante ritmos de crescimento populacional; no norte,
son, esta constatação não foi uma mera coinci- sos era mais favorável à eclosão de conflitos papel no jogo das relações de políticas externa, acentuam-se o declínio e o envelhecimento
dência, salientando que existe uma estreita violentos, referindo que os grupos rebeldes, de segurança e defesa, comerciais, energéticas populacionais. Entre 1950 e 2000, a população
relação entre a capacidade institucional, o por exemplo, se financiavam através da apro- e migratórias europeias, entre outras de menor do Norte de África triplicou, enquanto que a
desempenho técnico, e a capacidade de gestão priação dos ganhos da exploração de recursos visibilidade, numa lógica quer de relações população dos então cinco países do Sul da
dos recursos naturais de um país, não obstante naturais (WBGU 2008: 28). bilaterais ou de políticas e iniciativas euro- Europa17 cresceu apenas cerca de 33%.
o país ser rico em recursos naturais. Tal como já o tinham feito antes os grupos peias alargadas. Por outro lado, as diversas O incremento populacional continuado con-
de Toronto e de Zurique, os estudos quantitati- iniciativas comunitárias de cooperação e de tribui para o agravamento das condições ambien-
vos do Grupo de Oslo confirmaram o link vizinhança com os países que integram este tais naturais e sociais, acentuando a depleção de
14 Adaptado de Hohlsson, 1999:48. básico entre problemas ambientais e conflitos espaço atestam, igualmente, a crescente
15 Conforme referido, este grupo produziu diversos
armados (Hauge e Ellingsen, 1998; Diehl e importância da região mediterrânica. 16
casos de estudo, como por exemplo: ENCOP Occasio- Para um estudo aprofundado do Mediterrâneo,
nal Paper N.º 11, Klötzli, 1994. «The Water and Soil Gleditsch, 2000). Durante o período da Guerra Fria a Região abrangendo as dimensões política, social, económica,
Crisis in Central Asia – a Source for Future Conflicts?»; A abordagem Norueguesa encarava o Mediterrânica permaneceu num plano secun- física, segurança entre outras, enquadradas numa
ENCOP Occasional Paper Nº. 12, Lang, C.I., 1995. stress ambiental apenas como um dos vários dário em matéria de preocupações e políticas perspectiva de segurança e ambiente, recomenda-se a
«Environmental Degradation in Kenya as a cause of factores que poderiam contribuir para a esca- de segurança e defesa. No entanto, os aconte- consulta de «Security and Environment in the Medi-
Political Conflict, Social Stress, and Ethnic Tensions»; cimentos políticos e sociais que marcaram as terranean: Conceptualising Security and Environ-
ENCOP Occasional Paper N.º 13, Libiszewsky, S. 1995. lada de conflito, salientando que outros facto- mental Conflicts», Coordenação de Hans Gunter
«Water Disputes in the Jordan Basin Region and their res ambientais, tais como desflorestação, derradeiras décadas do século XX, e o alvor do Brauch, Springer, 2003, 1136 páginas.
Role in the Resolution of the Arab-Israeli Conflict». degradação do solo e escassez de água, incre- século XXI, fomentaram mudanças importan- 17 França, Grécia, Itália, Portugal, Espanha.

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
solo e floresta, declínio das condições de saúde, dos isoladamente os impactes da mudança cli- ção, e as mudanças de uso operadas nas terras Espaço EUROMED: Desafios, Riscos
propagação de endemias, êxodo rural, urbaniza- mática, no rol da definição de políticas futuras mais férteis resultam em perdas de solo, trans- Partilhados e Cooperação
ção e fluxos migratórios para as áreas desenvol- de segurança (AFES-PRESS 2002). porte de sedimentos, e descarga no mar.
vidas. A degradação ambiental, agravada pelos Determinadas características são comuns a Mainguet (1994) faz a distinção entre cau- Os principais desafios e riscos que se colo-
cenários de alteração climática, reflecte-se todos os países mediterrânicos, a saber: des- sas naturais das secas recorrentes e causas cam no espaço EUROMED, perante os cená-
negativamente no desempenho económico, vios significativos nas normais climáticas humanas da degradação dos solos. O cresci- rios de alteração e degradação ambiental, são
repercutindo-se na segurança local e regional. regionais, agravamento e intensificação de mento descontrolado da população exerce de duas naturezas: a alteração física e os
Os fenómenos migratórios ilegais e os diferen- condições climáticas extremas (secas, inunda- enormes pressões no uso e utilização do solo impactes nas sociedades. A alteração do meio
tes tráficos, incluindo humano, alimentam redes ções), acentuação de situações de escassez agrícola, fazendo disparar o sobre cultivo, físico e os principais reflexos sociais e políti-
clandestinas de crime organizado, induzem hídrica (veja-se o caso de Barcelona), erosão sobre pastoreio e a sobre exploração de solos cos nos países da região MENA já foram
insegurança, alimentam tensões raciais e podem do solo e acentuação de condições de semiari- marginais, com a redução dos regimes de pou- sumariados anteriormente.
exacerbar fundamentalismos e radicalismos nos dez e aridez19. No entanto, também se podem sio. Os aspectos ambientais no Mediterrâneo O acentuar de algumas das características
países de acolhimento, conforme se viu recen- estabelecer diferenças significativas entre os foram considerados em primeiro plano na associadas à desertificação (falta de água e ari-
temente em várias partes de França. países, a saber: padrões demográficos, escas- estrutura do esquema do Plano de Acção para dez dos solos) é um dos grandes desafios e ris-
sez e excedentes alimentares, padrões de urba- o Mediterrâneo (Mediterranean Action Plan), cos comuns a toda a Região Mediterrânea,
nização e índices de poluição. Em termos ainda em meados da década de 197020. ainda que diferenciadamente, que estes países
Desafios ambientais e consequências médios, toda a região comporta níveis escas- Em síntese, este século levanta inúmeros terão de enfrentar e superar na geração actual
no Mediterrâneo sos de água potável, em termos absolutos e desafios aos países do Médio Oriente e Norte e vindouras.
relativos. A disponibilidade de água por habi- de África, que se confrontam com inúmeros Os países da frente norte do Mediterrâneo
Entre os desafios regionais que afrontam o tante tem vindo a diminuir desde 1960, verifi- constrangimentos físicos (naturais), técnicos, também já estão a sentir o acentuar, com maior
Mediterrâneo, na alvorada deste século XXI, a cando-se decréscimos significativos da quanti- económicos e sociais, entre outros, e que ten- ou menor intensidade, de alguns dos efeitos
alteração climática (climate change) assume dade de água disponível para produzir alimen- derão a agravar as condições e qualidade de das alterações ambientais globais em curso,
uma das posições cimeiras, pelo impacte que tos em diversas regiões, com inevitáveis reper- vida de facções significavas das respectivas nomeadamente ao nível do incremento de
poderá ter na precipitação, erosão do solo e cussões negativas nos níveis de produção de populações locais. O agravamento extremado situações pontuais de escassez hídrica, como
desertificação, agravando ainda mais as situa- alimentos. das condições de funcionamento dos sistemas por exemplo a situação vivida na Catalunha,
ções de fragilidade ecológica e social já sen- O deserto do Sara limita o solo agrícola de de suporte de vida e sobrevivência terão para além da acentuação da aridez de solos.
tida em muitas regiões. A interacção destes todos os países do Norte de África, o qual impactes económicos e sociais muito signifi- No entanto, e sem negligenciar os aspectos
três factores físicos afectará significativa- representa apenas cerca de 5% da superfície cativos nos países MENA, cujas repercussões físicos, para cuja adaptação e mitigação de efei-
mente as potencialidades agrícolas na região, total desta região. Além disso, mais de 45% da se irão sentir com grande intensidade nos paí- tos dependerá a verificação ou não de «lacuna
nomeadamente ao nível da disponibilidade e área dedicada à agricultura enfrenta alguma ses da Europa Comunitária, com inevitáveis de engenho», como referido, os aspectos huma-
qualidade de solo agrícola e da produtividade forma de degradação. A sobre exploração da repercussões nos níveis e padrões de segu- nos edificarão os maiores desafios e riscos no
das safras. terra, devido à especialização e à intensifica- rança humana e colectiva. decorrer das décadas vindouras. Por exemplo,
Adicionalmente a estes factores físicos, ção de colheitas, torna o solo ainda mais vul- atente-se aos já referidos acontecimentos, ainda
três padrões de evolução humana terão de ser nerável à erosão. A salinização do solo e a ero- recentes, de agitação social e tumultuosa vivi-
tomados em conta: crescimento populacional, são hídrica são consequências da desfloresta- dos em Paris e noutras cidades Francesas.
urbanização e a crescente procura de água e de Baseado em diversos autores e relatórios, é
alimentos. Tal como diversos estudos do IPCC seguro afirmar-se que os fluxos migratórios
(Intergovernmental Panel on Climat Change) vivência»: 1) crescimento populacional; 2) padrão de 20 Em 1975, três anos após a Conferência de em curso dos países ribeirinhos da margem sul
indicaram, estes seis factores, que definem o urbanização; 3) disponibilidade agrícola e procura Estocolmo que estabeleceu o Programa Ambiental mediterrânica para os países da margem norte
«hexágono de sobrevivência» (survival hexa- alimentar; 4) alteração climática; 5) escassez e degra- das Nações Unidas (UNEP), 16 países Mediterrâni- dispararão, quer os de origem local quer os
gon)18, não podem ser separados nem analisa- dação de água; e 6) degradação e erosão do solo cos e a Comunidade Europeia adoptaram o Mediter- oriundos de latitudes mais austrais, que miram
(Brauch 2000, 2002, 2003). ranean Action Plan (MAP), cujo principal objectivo
19 Para definições de escassez de água (water era controlar a poluição marítima (http://www.unep-
chegar à Europa através do Mediterrâneo.
18
Brauch considera a existência de seis factores scarcity) e secas (droughts) e qual o ponto de situa- map.org/index.php?module=content2&catid=001001 O aspecto positivo destes afluxos migrató-
que contribuem para a mudança global ambiental ção no Mediterrâneo ver: MED WS&D WG, 2007 002); http://195.97.36.231/dbases/webdocs/BCP/MAP rios, visto pelo lado do Norte, será o contri-
(GEC) e que se combinam num «hexágono de sobre- (http://www.emwis.net/topics/WaterScarcity). PhaseI_eng.pdf buto que estes imigrantes darão para a revita-

80 81
i n f o r g e o Riscos e ambiente
lização e rejuvenescimento das estruturas bilaterais entre cada país parceiro mediterrâ- vos da prevenção visarão o fim último de Assistance Committee Working party on Deve-
demográficas e produtivas desta envelhecida nico e a União, sob a forma de Acordos de esbater as assimetrias de desenvolvimento lopment Co-operation and the Environment,
Europa Comunitária. Associação. Por último, «Política Europeia de entre os dois mundos que, paradoxalmente, Geneva: IUCN.
Sendo esse um aspecto positivo para a Vizinhança», que visa o estreitamento de rela- coabitam neste espaço, progressivamente mais GLEDITSCH, Nils-Peter (1998), «Armed Conflict and
the Environment: A Critique of the Literature»,
sociedade e economia europeias, convém não ções entre a EU e os seus vizinhos24. estrangulado, que é o Planeta Terra.
in Journal of Peace Research, 35: 3 (May):
esquecer que as duas margens mediterrânicas
381-400.
comportam diferenças culturais, religiosas e GTZ (2008), «Climate Change and Security. Chal-
de costumes muito significativas, o que irá Notas Finais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS lenges for German Development Cooperation».
consubstanciar desafios e riscos para os regi- http://www.gtz.de/de/dokumente/en-climate-
mes europeus, exigindo esforços e políticas A estruturação e desenvolvimento deste BÄCHLER, G. (1998), Why Environmental Transfor- change-and-security-2008.pdf (02 Agosto 2008).
concertadas de imigração e de inserção social, artigo teve presente o ensejo de estimular a mation Causes Violence. Environmental Change HAUGE, Wenche; ELLINGSEN, Tanja, (1998),
sob pena de se induzirem e agravarem situa- comunicação e veicular a mensagem sobre a and Security Project Report 4. Washington, D. «Beyond Environmental Scarcity: Causal Path-
C.: Woodron Wilson Center. pp. 24-44. ways to Conflict», in Journal of Peace
ções de tensão e ruptura, baseadas em diferen- importância crescentes dos problemas ambien-
BARNET, J. (2001), «Security and Climate Change», Research, 35, 3: 299-317.
ças étnicas, culturais e religiosas. tais nas relações sociais, políticas e económi-
Tyndall Centre for Climate Change Research, HOLST, J., (1989), Security and the Environment: A
Por último, um breve enunciar dos princi- cas e consequências nos padrões de segurança. Working Paper 7, 2001. Preliminary Exploration. Bulletin of Peace Pro-
pais mecanismos e instrumentos de coopera- A sucinta revisão bibliográfica pretendeu, BARNET, J.; ADGER, N. (2005), «Security and Cli- posals 20(2): 123-128.
ção que incidem sobre este espaço. Ao nível da antes de mais, estimular o interesse sobre esta mate Change: Towards an Improved Understan- HOMER-DIXON, T. F. (1991), «On The Threshold:
cooperação em matéria de segurança, desta- matéria e fornecer pistas para desenvolvimen- ding». Comunicação Apresentada em: «Human Environmental Changes as Causes of Acute
que-se o «Diálogo Mediterrânico» (Mediterra- tos futuros. Security and Climate Change», An Interntional Conflict», Peace and Conflict Studies Program,
nean Dialogue) estabelecido em 1994 entre a Ficou bem claro que as consequências das Workshop, Oslo. University of Toronto International Security,
Aliança Atlântica (OTAN) e os países alterações ambientais, e da (in)segurança BRAUCH, Hans G. (2003), «Security and Environ- Vol. 16, N.º 2 (Fall 1991), pp. 76-116. http://
MENA21. Parceria com a Organização para a ambiental em geral, poderão assumir magnitu- ment in the Mediterranean: Conceptualising www.library.utoronto.ca/pcs/thresh/thresh1.htm
Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), des muito diferenciadas nos países desenvolvi- Security and Environmental Conflicts». Cola- (02Agosto2008).
borador J. Dean, K. S. A. Jaber, Adji Moussa, L. HOMER-DIXON, T. F. (1993), «Environmental Scar-
seis países mediterrânicos integram os «Par- dos e nos em desenvolvimento, configurando
Robertson, C. Tickell, E. S. Yassin, Springer. city and Global Security», Headline Series,
ceiros Mediterrânicos para a Cooperação» desafios e oportunidades aos diferentes actores
BMU (2002), Climate Change and Conflict: Can Foreign Policy Association.
(Mediterranean Partners for Co-operation)22. em jogo. Esta diferenciação decorrerá, em boa Climate Change Impacts Increase conflict HOMER-DIXON, T. F. (1994), «Environmental Scar-
«Iniciativa 5+5», inicialmente «5+3», parceria parte, daquilo que Homer-Dixon intitulou de Potentials? What is the Relevance of this Issue cities and Violent Conflict: Evidence from
de defesa entre 5 estados mediterrânicos da «the ingenuity gap» ou «lacuna de engenho», for the International Process on Climat Change? Cases», Peace and Conflict Studies Program,
EU (Portugal, Espanha, Itália, França e Malta) como escreve com mestria Soromenho-Mar- http://www.bmu.de (05Agosto2008). University of Toronto International Security,
e cinco estados mediterrânicos da MENA ques. Tal assumpção remete para os planos BROWN, Lester, R. (1987), «Redefining Security», Vol. 19, N.º 1 (Summer 1994), pp. 5-40.
(Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia e governativo, institucional e académico, muita Worldwatch Paper N.º 14, Washington D.C., HOMER-DIXON, T. F., PERCIVAL, V. (1995), «Envi-
Líbia)23. «Processo de Barcelona», que visa da responsabilidade política, social e científica Worldwatch Institute. ronmental Scarcity and Violent Conflict: The
promover as relações entre a União e os países que preside a esta matéria, essencialmente em CNA Corporation (2007), «National Security and Case of Rwanda», Occasional Paper, Project on
e os territórios da bacia mediterrânica. Este três planos distintos mas indissociáveis: iden- the Threat of Climate Change». Virginia. http:// Environment, population and Security, Was-
securityandclimate.cna.org/report/Securityand- hington, D.C.: American Association for the
Processo, fundado em1995, constitui um quadro tificar, prevenir e atacar – as origens e conse-
Climate_Final.pdf (2 Agosto 2008). Advancement of Science and the University of
regional que reúne parceiros a nível técnico e quências da insegurança ambiental.
CSIS (Centre For Strategic & International Studies) Toronto, June 1995.
político, com o objectivo de promover e de A prevenção deverá ser o veículo de exce- (2007), «The Age of Consequences: The HOMER-DIXON, T. F. (1995b), «The Ingenuity Gap:
desenvolver os interesses comuns. O Processo lência para atacar a génese da «segurança Foreign Policy and National Security Implica- Can Poor Countries Adapt to Resource Scar-
de Barcelona apoia-se numa rede de relações ambiental» e dos conflitos ambientalmente tions of Global Climate Change». city? Peace and Conflict Studies Program, Uni-
induzidos, em estreita consonância com a sua DIEHL, P; GLEDITSCH, Nils (eds.) (2001), Environ- versity of Toronto, Population and Develop-
21 Consultar: http://www.nato.int/med-dial/home.htm
identificação e detecção precoces. Os objecti- mental Conflict, Boulder-Oxford:Westview. ment Review, Volume 21, N.º 3, September
22
DABELKO, G. D., LONERGAN, S., MATTHEW, R. 1995, pp. 587-612.
Consultar:http://www.osce.org/about/19293.html
23 (1999),«State of the Art Review on Environ- HOMER-DIXON, T. F. (1999), «Environment, Scar-
Consultar: http://www.eu2007.pt/NR/rdonly-
24 Consultar, por exemplo: http://europa.eu/scad- ment, Security and Development Co-opera- city, and Violence». Princeton University Press,
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82 83
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de elevada perigosidade sísmica – correspon- Tendo em conta as importantes estruturas
Activities: Energy and Climate Stakes (02 letin of Peace Proposals, 20(2): 129-134.
dendo apenas a cerca de 7% da região – loca- hidráulicas construídas no Alentejo, existe
Agosto 2002). WCED – World Commission on Environment and
http://www.planbleu.org/publications/ener- Development (1987), Our Common Future.
lizam-se no litoral e em parte do concelho de ainda o perigo de inundação de algumas
gaia/RAPPORT_Brauch_EN.pdf Oxford et al.: Oxford University Press. Almodôvar. Os concelhos mais ameaçados são povoações por eventual ruptura das barragens.
Report N.º 232, «Environment and Security in a WORLD BANK (2003), World Development Report Estão nesta situação, a povoação de Alcácer do
International Context», Committee on the Chal- 2003, Nova Iorque: Oxford University Press. * Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Sal, que poderá ser afectada pela ruptura da
Regional do Alentejo barragem de Pego do Altar; Odemira, situada a

84 85
i n f o r g e o Riscos e ambiente
Figura 1 – Escoamento torrencial no Pulo do Lobo/Mértola (fotografia cedida pelo PNVG) Figura 2 – Erosão subaérea das arribas areníticas na Praia da Galé – Fontaínhas

jusante da Barragem de Santa Clara; e as incluído na categoria de «baixo risco de ero- Figura 3 – Área ardida/ n.º de ocorrências (AFN, ex-DGRF)
povoações de Moura e de Mértola, localizadas são». Aqui, o recuo da linha de costa corres- 120.000,0 1400
a jusante da Barragem de Alqueva. ponde ao eventual colapso de blocos rochosos
Num outro contexto, as zonas baixas do provenientes da erosão das arribas alcantiladas. 100.000,0
1200

Litoral Alentejano (praias e formações duna- Em nenhum dos casos se verificam situa- 1000
res), estão sujeitas ao risco de inundação em ções que coloquem em risco pessoas e bens.

Número de ocorrências
80.000,0

Área ardida (ha)


800
consequência da ocorrência de eventuais tsu- Contudo, a ocupação destas áreas deve ser
60.000,0
namis. Portugal está actualmente ligado a um encarada com precaução. 600
sistema de alerta precoce de tsunamis, cujo Os períodos de seca recorrentes, associa- 40.000,0
400
equipamento de monitorização se encontra dos a vagas de calor, elevam os índices de
instalado a SW do Cabo de S. Vicente. risco de incêndio a valores extremos durante 20.000,0
200

Relativamente ao recuo da linha de costa, largos períodos. Nos últimos anos, tem-se
0,0 0
na região Alentejo, foram considerados os sec- verificado um aumento da área ardida com 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 19992000 2001 20022003 2004 2005 2006
tores identificados na «Carta de Risco do Lito- incêndios de grande dimensão (superiores a Área ardida
Ocorrências
ral». Assim, no sector Sado-Sines, foram iden- 100 hectares; Figura 3). Foi no Verão de 2003,
tificadas duas áreas com «baixo risco de ero- que ocorreu o pior período de incêndios flo-
são»: uma talhada em formações dunares, na restais no território regional, tendo-se regis- – no Norte Alentejano, designadamente Tendo em conta o elevado grau de vulne-
Praia Atlântica-Península de Tróia, e outra tado no distrito de Portalegre seis incêndios nos concelhos de Gavião, Ponte de Sôr, rabilidade à contaminação de importantes
localizada na zona central do troço em causa, florestais que resultaram em cerca de 82 mil Alter do Chão, Crato, Portalegre, Mar- reservas de água subterrânea, do ponto vista
relacionada com erosão subaérea das arribas hectares ardidos. vão, Castelo de Vide e Nisa; nacional e regional – de que se destacam os
areníticas (Figura 2). Com base na informação fornecida pela – e mais a Sul, no litoral, na serra do Cer- aquíferos localizados na Bacia Terciária do
No que respeita ao sector costeiro com- Autoridade Florestal Nacional (ex– DGRF), cal e nos concelhos que dão continuidade Tejo-Sado, e os aquíferos de Elvas-Vila Boim,
preendido entre Sines e Odeceixe, verifica-se constata-se a existência de risco de incêndio à serra algarvia: Odemira, Ourique e de Estremoz-Cano, de Moura-Ficalho, dos
que o mesmo se encontra integralmente alto a muito alto: Almodôvar. Gabros de Beja e de Sines –, importa acautelar

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i n f o r g e o Riscos e ambiente
a sua preservação, evitando a infiltração de cesso de desertificação, de entre outros, a uti- entidades relevantes. Também à escala da 4. Conclusão
diversos tipos de substâncias poluentes. lização de técnicas agrícolas inadequadas, a região, dever-se-á promover a sinergia, a con-
Do ponto de vista do risco tecnológico, erosão do solo, a degradação do coberto vege- vergência e a articulação de estratégias nacio- A Figura 4 representa a incidência territo-
Sines é o concelho que apresenta mais perigos tal, a aplicação de políticas agrícolas inade- nais relacionadas com: rial dos diferentes tipos de fenómenos perigo-
por concentrar um maior número de estabele- quadas e o despovoamento do espaço rural. sos considerados neste trabalho.
cimentos industriais susceptíveis de provocar Como causas e barreiras têm sido aponta- – Luta contra a desertificação; A insuficiente informação disponível rela-
acidentes resultantes de emissões, incêndios das a falta de informação, a inadequação de – Desenvolvimento sustentável; tivamente à temática dos riscos naturais e tec-
ou explosões de grandes proporções. subsídios, a falta de coordenação entre entida- – Biodiversidade; nológicos, aponta para a necessidade de apro-
A região é ainda atravessada por dois gaso- des, a falta de visão política, a falta de espírito – Alterações climáticas. fundamento do conhecimento e para o desen-
dutos (um em exploração e outro em constru- associativo, o envelhecimento da população, volvimento e implementação de um sistema
ção) e por um oleoduto. os aspectos culturais e baixos níveis de quali- O combate à desertificação é também uma integrado de informação e monitorização dos
ficação, a resistência à mudança e os fracos luta pelo desenvolvimento ambientalmente vários riscos, que permita a identificação e
índices de inovação e de espírito empresarial. sustentável. É uma luta contra a pobreza, con- abordagem das áreas críticas, o acompanha-
3. O problema da desertificação Como soluções, tem-se avançado com a tra a exclusão social, pela educação, por mento da sua dinâmica e o estabelecimento de
necessidade de aplicação efectiva das boas prá- melhores condições de saúde para as popula- bases de intervenção preventiva.
A desertificação consiste num processo ticas ambientais, agrícolas, florestais e pecuá- ções, pela diversificação das actividades eco-
complexo de degradação ambiental da Terra rias; a florestação e reconversão do tipo de flo- nómicas, privilegiando as de maior valor
(solo, água, biodiversidade e paisagem) nas resta (para azinheira e sobreiro e povoamentos acrescentado, tirando partido de adequados REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
zonas de clima árido, semiárido e sub-húmidas mistos); o melhoramento das pastagens e apro- incentivos para as áreas mais susceptíveis, de
secas, em resultado de vários factores, veitamento do subcoberto com pastorícia; a forma a viabilizar o seu futuro. DGRF (1999), Programa de Acção Nacional de
incluindo as variações climáticas e as activida- redução do escoamento torrencial e a preserva- Passa também pela prevenção, contenção, Combate à Desertificação, Lisboa.
des humanas. Em Portugal, a erosão, os incên- ção e recuperação da rede hidrográfica e da mitigação e adaptação às alterações climáti- DGRF (2008), Elaboração dos Mapas de Perigosi-
dade e Risco de Incêndio Florestal, Lisboa.
dios florestais, o despovoamento, o agrava- vegetação ripícola; a melhoria das acessibilida- cas, às secas e a outros fenómenos naturais
INAG (2002), PBH Sado – Decreto-Regulamentar
mento dos efeitos das secas e a debilidade eco- des, equipamentos e infra-estruturas de apoio extremos e aos riscos naturais e tecnológicos.
n.º 6/2002, de 12 de Fevereiro, Lisboa.
nómica do interior são expressões evidentes de social; a valorização dos produtos regionais Realiza-se através de acções e medidas de INAG (2001), PBH Guadiana – Decreto-Regula-
desertificação. Este fenómeno ocorre porque como o turismo, a caça, produtos da actividade conservação do solo, da água e da biodiversi- mentar n.º 16/2001, de 5 de Dezembro, Lisboa.
os ecossistemas das zonas secas são extrema- rural, o cultivo de frutos secos e de aromáticas. dade, pela protecção ambiental e pela salva- INAG (2002), PBH Mira – Decreto-Regulamentar
mente vulneráveis à sobreexploração e utiliza- Face a esta situação, os diversos níveis de guarda e valorização da paisagem. n.º 5/2002, de 8 de Fevereiro, Lisboa.
ção inapropriada do solo e da água. Factores planeamento territorial e sectorial com inci- Fundamenta-se no aprofundamento do IST (1999), Carta de Risco do Litoral, trechos 7 e 8,
como a desflorestação, o sobre-pastoreio, a dência regional terão de incorporar orienta- conhecimento científico, através de investiga- INAG, Lisboa.
irrigação mal conduzida, as más práticas agrí- ções de combate à desertificação, designada- ção séria e consequente e na sua aplicação Rosário, L. (2004), Indicadores de Desertificação
colas, conjugados com condições climáticas mente nos seguintes domínios: pragmática. para Portugal Continental, ex-DGRF/MADRP,
adversas contribuem para o agravamento dos O combate à desertificação exige ainda Lisboa.
ZÊZERE, J. L.; RAMOS-PEREIRA, A.; MORGADO, P.
problemas de erosão, compactação e saliniza- – Conservação do solo e da água; divulgação de informação e efectiva-se através
(2007), Perigos Naturais em Portugal e Ordena-
ção dos solos, assim como para a degradação – Fixação de população activa nas zonas da participação pública na discussão do pro-
mento do Território. E depois do PNPOT? Geo-
dos recursos hídricos, perda de biodiversidade, rurais; blema da desertificação e na procura e na apli- philia – O sentir e os sentidos da Geografia,
despovoamento e debilitação socioeconómica. – Recuperação de áreas degradadas; cação de soluções. Lisboa: C.E.G., p. 529-542.
Cerca de um terço do território continental – Envolvimento das populações.
português e quase todo o Alentejo é susceptí-
vel ou muito susceptível à desertificação Para isso, verifica-se a necessidade de
(clima, solo, vegetação e uso do solo). Uma actualizar e desenvolver os objectivos da luta
área de mais de 3/4 do Alentejo (77%) apresenta contra a desertificação, adaptando-os à reali-
susceptibilidade à desertificação, sendo que dade do Alentejo, desenhando e aplicando
60% do Alentejo é mesmo muito susceptível. medidas articuladas num programa de acção
Têm sido identificados como sinais do pro- regional, através da actuação concertada das

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i n f o r g e o
Figura 4 – Cartografia dos riscos naturais e tecnológicos na região Alentejo

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