Você está na página 1de 54

Universidade Federal da Bahia

Instituto de Matemática e Estatı́stica


Colegiado do Curso de Matemática
Monografia de Graduação

O Princı́pio das Escolhas Dependentes e o


Teorema da União Enumerável de Finitos
encarados como Axiomas de Forcing

Diego Lima Bomfim

Salvador - Bahia
Novembro de 2018
O Princı́pio das Escolhas Dependentes e o
Teorema da União Enumerável de Finitos
encarados como Axiomas de Forcing

Diego Lima Bomfim

Monografia de Graduação apresentada ao


Colegiado do Curso de Matemática da
Universidade Federal da Bahia como requisito
parcial para obtenção do tı́tulo de Bacharel
em Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Samuel Gomes da


Silva.

Salvador - Bahia
Novembro de 2018
Bomfim, Diego Lima.
O Princı́pio das escolhas dependentes e o teorema da união
enumerável de finitos encarados como axiomas de forcing / Diego Lima
Bomfim. – Salvador, 2018.
viii + 45 pp. : il

Orientação: Prof. Dr. Samuel Gomes da Silva.


Monografia (graduação) – Universidade Federal da Bahia, Instituto
de Matemática e Estatı́stica, Colegiado do Curso de Matemática, 2018.

1. Axiomas de Forcing. 2. Topologia. 3. Combinatória. 4.


Princı́pio das Escolhas Dependentes. 5. Teorema da União Enumerável
de Finitos. I. da Silva, Samuel Gomes. II. Tı́tulo.
DIEGO LIMA BOMFIM

O PRINCÍPIO DAS ESCOLHAS DEPENDENTES E O TEOREMA DA


UNIÃO ENUMERÁVEL DE FINITOS ENCARADOS COMO AXIOMAS
DE FORCING

Monografia apresentada ao Colegiado do


Curso de Graduação em Matemática da
Universidade Federal da Bahia, como re-
quisito parcial para obtenção do Grau de
Bacharel em Matemática.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Samuel Gomes da Silva - Orientador


UFBA

Prof. Dr. Andreas Bernhard Michael Brunner


UFBA

Prof. Dr. Darllan Conceição Pinto


UFBA

Salvador - BA
2018

iii
À minha famı́lia e amigos.

iv
v

Agradecimentos

Agradeço aos meus pais e irmãos por todo o esforço, dedicação e amor que me
permitiram estar aqui.
Agradeço a cada um dos professores que contribuiu para a minha formação aca-
dêmica e pessoal, em especial aos professores do Colégio Municipal Professor Vespasiano
Filho e do Instituto de Matemática e Estatı́stica da UFBA que me propiciaram cresci-
mento e aprendizado, em situações tanto favoráveis quanto adversas; em especial, agradeço
ao meu orientador, Samuel Gomes da Silva, que desde os meus primórdios nesse curso me
oferece constantemente grandes oportunidades de crescimento.
Agradeço finalmente aos colegas e amigos, em especial os que fiz neste curso, por
serem tão amáveis, apoiadores, carinhosos, diversos e engrandecedores na minha vida,
distraindo, reagindo. A Guigá agradeço por revisar esta monografia, por estar comigo
desde este começo, e comigo ter tanto vivido, escondendo as cicatrizes.
vi

Resumo

Este trabalho se insere na investigação de propostas unificadoras recentes dentro


da Teoria dos Conjuntos através de uma abordagem simultânea a dois contextos. No
contexto de axiomas de forcing, definimos pré-ordens, filtros e densos (possibilitando dis-
cutir qualitativamente a existência de filtros genéricos para certas famı́lias de densos). No
contexto do Axioma da Escolha definimos o que são Princı́pios Fracos de Escolha. Neste
trabalho de monografia, exploramos como vários resultados não-construtivos em Mate-
mática podem ter as suas analogias entre si tornadas muito mais evidentes se todos esses
resultados forem reformulados na forma de axiomas de forcing. Especificamente neste tra-
balho, estudaremos como determinados princı́pios fracos de escolha (com destaque para o
Princı́pio das Escolhas Dependentes e o Teorema da União Enumerável de Finitos) podem
ser apresentados na forma dos tais axiomas de forcing.
Palavras-chave: Axiomas de Forcing; Topologia; Combinatória; Princı́pio das
Escolhas Dependentes; Teorema da União Enumerável de Finitos.
vii

Abstract

This work is about recent investigation of unifying propositions in Set Theory


through simultaneously approaching two especific different contexts. In the context of
forcing axioms, we define preorder, filters and denses (with the possibility of discussing
the existence of generic filters for some families of dense sets). In the context of the
Axiom of Choice we define Weak Choice Principles. In this graduation monograph we
explore how the analogies of several non constructive results in Math may become far
more evident if all these results are rephrased in the form of forcing axioms. Particularly,
we study how some weak choice principles (remarkably we focus the Dependent Choice
Principle and the Countable Union Theorem) may be shown as those forcing axioms.
Keywords: Forcing Axioms; Topology; Combinatorics; Principle of Dependent
Choices; Countable Union Theorem.
viii

Sumário

Introdução 1

1 Teoria Introdutória 3
1.1 Noções de Teoria dos Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Topologia e Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3 Princı́pios de Escolha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.4 Axiomas de Forcing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2 DC e CUT(Fin) são axiomas de forcing 29


2.1 O espaço métrico das sequências em um conjunto . . . . . . . . . . . . . . 29
2.1.1 Relação com a topologia de Tychonoff . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.1.2 O espaço hω A, di é completo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2 DC é um axioma de forcing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.3 CUT(Fin) é um axioma de forcing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Referências Bibliográficas 43
Introdução

Em recente apresentação em um congresso em Barcelona (2016), o renomado


matemático italiano Matteo Viale (Prêmio Sacks de 2006 da Association of Symbolic
Logic) defendeu a tese de que vários resultados não-construtivos em Matemática podem
ter as suas analogias entre si tornadas muito mais evidentes se todos esses resultados
forem reformulados na forma de Axiomas de Forcing, como visto em [18].
No presente projeto de pesquisa, procuraremos comprovar que a tese de Viale
está correta, nos beneficiando de um momento de efervescência do tópico que chegou a
ser investigado no inı́cio dos anos 90 ([14], [15], [16]) – mas que está voltando à voga
nos últimos tempos ([17], [3]), dentro dessa visão abrangente e unificadora dos resultados
não-construtivos das áreas da Lógica Matemática e da Teoria dos Conjuntos.
Primeiramente apresentamos uma pequena introdução de Teoria dos Conjuntos e
Topologia que proporcione ao leitor um pequeno aporte teórico suficiente para a compre-
ensão dos resultados principais explorados. Também discutimos alguns princı́pios fracos
de escolha sobre os quais provamos algumas implicações, como a equivalência entre o Te-
orema da União Enumerável de Finitos (CUT(Fin)) e o Axioma da Escolha Enumerável
de Finitos (ACω (Fin)), e a implicação do Princı́pio das Escolhas Dependentes (DC) no
Axioma da Escolha Enumerável (ACω ).
Em Topologia, tratamos do Teorema de Baire para Espaços Métricos Completos
e com a topologia produto de Tychonoff. Também trabalhamos com Teoria de Árvores, es-
pecificamente com as ℵ0 -árvores de Aronszajn, cuja não existência é resultado do Lema de
König, o qual provamos ser equivalente ao Lema de Rasiowa-Sikorski, com a apresentação
de provas ingênuas. Também introduzimos a técnica de forcing e definimos o que é um
axioma de forcing para um cardinal κ dado e uma famı́lia Γ de p.o., denotado FAκ (Γ).
Posteriormente, vamos mostrar que DC e CUT(Fin) podem ser encarados como
axiomas de forcing apresentamos provas formais que são estruturadas com as mesmas
ideias exploradas anteriormente nas provas ingênuas; provamos as equivalências entre
Baire para Métricos Completos, DC e RS, sendo este último finalmente mostrado equi-
valente a FAℵ0 ({P | P é p.o.}); ademais, mostramos a equivalência entre Lema de König
ACω (Fin), CUT(Fin) e FAℵ0 ({P | P é p.o. & união enumerável de finitos}).

1
Em nossa apresentação, demos bastante ênfase à comparação entre as provas
ingênuas de determinados resultados em ZFC e com as posteriores provas formais, nas
quais a ação de princı́pios de escolha (e suas interações com axiomas de forcing) são
expostas e evidenciadas.
A redação de todas as demonstrações nesta monografia é original, no sentido de
que na maioria das vezes apresentamos provas de resultados que são reconhecidos como
“folklore” na literatura mas dificilmente encontramos essas provas nos livros e artigos. Para
os resultados os quais sabemos exatamente quais são os autores, estes serão mencionados;
porém mesmo para esses casos, grande parte dos argumentos apresentados neste trabalho
esmiuçam detalhes que não são tratados nos trabalhos originais, exatamente por serem
mais básicos. Assim, esta monografia se pretende bastante detalhada.

2
Capı́tulo 1

Teoria Introdutória

Apresentaremos aqui uma pequena base de Teoria dos Conjuntos suficiente para
a compreensão dos teoremas abordados nesta monografia. Alguns dos resultados aqui não
serão demonstrados.
Faremos uso dos axiomas de ZF, a teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel,
sem, no entanto, nos preocuparmos com construir os conjuntos apresentados, sendo então
uma abordagem “ingênua” da teoria.
Quando estivermos fazendo uso do Axioma da Escolha, vamos utilizar a notação
ZFC para indicar isto.

1.1 Noções de Teoria dos Conjuntos


Para esta seção, tomamos Jech, Kunen e Levy ([9], [11], [12]) como principais
referências.

Definição 1.1.1. Dados x, y conjuntos, definimos e denotamos o par ordenado (de Ku-
ratowski) hx, yi como sendo o conjunto {{x}, {x, y}}.1

Definição 1.1.2. Se a e b são conjuntos, definimos o produto cartesiano de a e b como


sendo o conjunto a × b = {hx, yi | x ∈ a & y ∈ b}.

Definição 1.1.3. Uma relação (binária) é um conjunto de pares ordenados. Se r é uma


relação, definimos:

• dom(r) = {x | ∃y : hx, yi ∈ r}, o domı́nio de r;

• im(r) = {y | ∃x : hx, yi ∈ r}, a imagem de r.

Dizemos que r é uma relação sobre a se r ⊆ a × a; se hx, yi ∈ r escrevemos x r y.


1
Consoante com essa definição, se x, y, z são conjuntos, definiremos a tripla ordenada como sendo
hx, y, zi = hhx, yi, zi; e analogamente, para cada número natural n definimos a n-upla ordenada.
3
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Definição 1.1.4. Dado uma relação f , dizemos que:

i. f é função se ∀x ∈ dom(f ) ∀y1 , y2 (hx, y1 i, hx, y2 i ∈ f =⇒ y1 = y2 );

ii. f função é uma função de a em b se dom(f ) = a e im(f ) ⊆ b;

iii. f função é uma função parcial de a em b se dom(f ) ( a e im(f ) ⊆ b;

iv. f função é função sobre b se im(f ) = b (f é dita sobrejetiva);

v. f função é injetiva se ∀y ∈ im(f ) ∀x1 , x2 (hx1 , yi, hx2 , yi ∈ f =⇒ x1 = x2 );

vi. f função é dita bijetiva se f é injetiva e sobrejetiva;

Denotamos f : a → b para uma f função de a em b.

Definição 1.1.5. Se f é função de a em b, e temos c ⊆ a e d ⊆ b,

• definimos a restrição de f em c como f  c = {hx, yi ∈ f | x ∈ c} (ou f c );

• definimos também a imagem de f por c como f [c] = im(f  c );

• definimos a imagem inversa de d pela f como f −1 [d] = {x ∈ a | f (x) ∈ d}.

Definição 1.1.6. Se a e b são conjuntos, definimos a b = {f | f é função de a em b} o


conjunto das funções de a em b.

Definição 1.1.7. Uma famı́lia indexada é um conjunto a o qual é imagem de uma função
sobrejetiva definida num conjunto de ı́ndices I. Sendo x essa função, x : I → a, denotamos
x(i) = xi e temos a = im(x) = {xi | i ∈ I}.

Definição 1.1.8. Para famı́lias indexadas {xi | i ∈ I}, definimos o seu produto cartesiano 2
( )
Y [
xi = f : I −→ xi ∀i ∈ I(f (i) ∈ xi )
i∈I i∈I

Definição 1.1.9. Seja x = {xi | i ∈ I} uma famı́lia indexada; uma função-escolha para
S
x é uma f : x → x tal que f (xi ) ∈ xi para todo i ∈ I.

Observação 1.1.10. Também denominaremos função-escolha de uma famı́lia indexada


S
x = {xi | i ∈ I} uma f : I → x tal que f (i) ∈ xi para todo i ∈ I, i.e., f é um
elemento do produto cartesiano definido em 1.1.8. É claro que as duas definições, na
prática, coincidem (i.e., são essencialmente equivalentes). Também é claro que tanto esta
observação quanto a definição acima são aplicáveis para qualquer conjunto dado, pois
todo conjunto pode ser escrito como uma famı́lia indexada.
2
Claramente, esta é uma generalização de 1.1.2; quando definirmos números naturais, dados A1 , . . . , An
n
Q
conjuntos, vamos assumir Ai = {ha1 , . . . , an i | ∀i ≤ n(ai ∈ Ai )} = A1 × · · · × An .
i=1
4
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Dada essa definição, enunciamos o

(AC) Axioma da Escolha. Toda famı́lia indexada {xi | i ∈ I} de conjuntos não-vazios


admite função-escolha. Alternativamente, o produto cartesiano de conjuntos não-vazios é
não-vazio.

Observação 1.1.11. Existem vários outros enunciados igualmente clássicos de AC; para
este trabalho vamos enunciar apenas estes.

A seguir vamos dar rigor para a definição de número naturais para, assim, defi-
nirmos ordinais e cardinais.

Definição 1.1.12. Seja a um conjunto.

i. O sucessor de a é o conjunto a+ = a ∪ {a};

ii. Um conjunto a será dito indutivo se ∅ ∈ a e ∀b(b ∈ a =⇒ b+ ∈ a).

Observação 1.1.13. Definimos:


0 := ∅
1 := 0+ = ∅ ∪ {∅} = {∅}
2 = 1+ = {∅} ∪ {{∅}} = {∅, {∅}}
E assim sucessivamente.

Nesse momento da teoria podemos garantir a existência de conjuntos de qualquer


tamanho finito, no entanto nada garante a existência de um conjunto infinito, e, por isso,
consideramos o

Axioma do Infinito. Existe um conjunto indutivo.

Definição 1.1.14. Dizemos que um conjunto n é um número natural se n pertence a


qualquer conjunto indutivo.

Proposição 1.1.15. Existe um conjunto cujos elementos são exatamente os números


naturais. Chamaremos esse conjunto de ω.

Definição 1.1.16. Uma sequência num conjunto b é uma função x : ω → b. O valor x(n),
para n ∈ ω será representado simplesmente por xn , e é o n-ésimo termo da sequência. Se
n é um número natural, definimos como sequência finita uma função x : n → b.

Definição 1.1.17. Seja x uma sequência definida em um conjunto b, i.e., x é função de


ω em b. Uma função y ⊆ x é dita subsequência de x se dom(y) é infinito3 .
3
Note que, neste caso, existe um subconjunto infinito {n0 , n1 , n2 , . . .} de ω tal que a a função y é dada
por {hn0 , xn0 i, hn1 , xn1 i, hn2 , xn2 i, . . . }, i.e., y podemos assumir que y também é uma sequência definida
em b.
5
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Definição 1.1.18. Seguindo o que vimos em 1.1.6 e 1.1.16, se b é conjunto definimos e


denotamos o conjunto das sequências finitas em b como
[
<ω n
b= b = {p : n → b | n ∈ ω}.
n∈ω

Nesse caso, se p : n+1 → b para algum n ∈ ω, então p = {h0, p(0)i, h1, p(1)i, . . . , hn, p(n)i}
também será denotado simplesmente por hp(0), p(1), . . . , p(n)i.
Além disso, se p = hp(0), p(1), . . . , p(n)i e y é um conjunto, definimos e denotamos a
concatenação de p com y como p_ y = hp(0), p(1), . . . , p(n)i_ y = hp(0), p(1), . . . , p(n), yi.

Observação 1.1.19. Consoante com o comentado acima, se temos f ∈ ω b, podemos


escrever também f = hf (0), f (1), f (2), . . .i ou simplesmente f = hf (n) | n ∈ ωi4 .

Definição 1.1.20. Se a e b são conjuntos, definimos e denotamos o conjunto das funções


parciais finitas de a em b como sendo F n(a, b) = {p : a0 → b | a0 ⊆ a é finito}.

Definição 1.1.21. Seja r uma relação sobre a.

i. r é uma ordem parcial se r é reflexiva, antissimétrica e transitiva;

ii. r é uma ordem parcial estrita se r é irreflexiva e transitiva;

iii. r é uma ordem linear se r é transitiva e tricotômica.

Observação 1.1.22. Conforme é usual em matemática, sempre que aparecer 6, esta-


mos pensando na ordem parcial como em i. acima, e sempre que aparecer < estaremos
pensando na ordem parcial no sentido estrito, como em ii.

Definição 1.1.23. Se r é uma ordem linear sobre a e b ⊆ a, dizemos que x ∈ b é r-mı́nimo


de b se ∀y ∈ b(x r y).

Definição 1.1.24. Seja a um conjunto e r uma relação sobre a. Dizemos que r bem
ordena a, ou ha, ri é uma boa ordem se r é uma ordem linear sobre a e todo b ⊆ a
não-vazio admite elemento r-mı́nimo.

Definição 1.1.25. Se ha, ri é uma ordem parcial estrita, e x ∈ a, denominamos e de-


notamos de predecessores em a de x com r o conjunto pred(a, x, r) = {y ∈ a | y r x}.
Note que pred(a, x, r) munido da intersecção de r ao quadrado desse mesmo conjunto é
também uma boa ordem.5
4
Que também pode ser denotado por hf (n)in∈ω .
5
Vamos representar essa boa ordem induzida simplesmente por hpred(a, x, r), ri.

6
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Definição 1.1.26. No contexto de 1.1.25, se ha, ri é boa ordem e x ∈ a, definimos um


segmento inicial como um subconjunto s ( a fechado para baixo (i.e., ∀x ∈ s ∀z ∈ a
tem-se z r x =⇒ z ∈ s), e observamos que pred(a, x, r) é um segmento inicial de ha, ri
e, mais ainda, todos os segmentos iniciais são desta forma.

Definição 1.1.27. Dizemos que duas ordens parciais ha, ri, hb, si são isomorfas se existe
uma f : a → b bijetiva e tal que ∀x, y ∈ a (x r y ⇐⇒ f (x) s f (y))6 .

Definição 1.1.28. Um conjunto a é dito transitivo se ∀b, c (c ∈ b ∈ a =⇒ c ∈ a).

Definição 1.1.29. Seja a um conjunto; dizemos que a é um ordinal se a é transitivo e


bem ordenado por ∈. Um ordinal a não-nulo é dito ordinal sucessor se existe um ordinal
b tal que a = b+ ; caso contrário dizemos que a é ordinal limite.

Ordinais são ditos serem representantes canônicos das boas ordens (uma vez que
toda boa ordem é isomorfa a algum ordinal como veremos em 1.1.31). No que segue,
usaremos sempre letras gregas minúsculas para ordinais (α, β, γ, δ, . . . ). Vamos enunciar
(sem provar) alguns fatos sobre ordinais:

1. Números naturais são ordinais (denominados ordinais finitos);

2. ω é ordinal (e mais, é o menor ordinal limite e o primeiro ordinal infinito – e infinito


enumerável) 7 ;

3. O sucessor de um ordinal é ordinal (e denotamos α+ como α + 1);

4. Um ordinal é o conjunto dos ordinais menores do que ele;

5. Ordinais isomorfos são iguais;

6. Elementos de ordinais são ordinais;

7. A união de ordinais é ordinal e é, inclusive, o supremo de tal conjunto;

8. Um conjunto transitivo de ordinais é ordinal;

9. A intersecção de um conjunto não-vazio de ordinais é um ordinal, e é, inclusive, o


mı́nimo de tal conjunto;

10. Se α e β são ordinais, vale um, e somente um, dentre: α ∈ β, α = β e β ∈ α

11. On = {α | α é ordinal} não é um conjunto8 ;


6
Observe que para ordens lineares basta a implicação.
7
As definições formais destes termos serão apresentadas em 1.1.37
8
Embora On não seja conjunto, escrevemos α ∈ On para dizer simplesmente que α é um ordinal.
7
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Quando α ∈ β, denotaremos isso por α < β; verifica-se que α ≤ β ⇐⇒ α ⊆ β.

Definição 1.1.30. Seja ha, ri uma boa ordem e α um ordinal. Dizemos que α é o tipo de
ordem de ha, ri, e escrevemos type(ha, ri) = α, se α é isomorfo a ha, ri9 .

Teorema 1.1.31. Se ha, ri uma boa ordem, então existe um único ordinal α que é isomorfo
a ha, ri – esse teorema garante que a definição 1.1.30 é boa.

Proposição 1.1.32. Seja α um ordinal; então vale que α = sup{β + 1 | β < α}. Em
particular, se α for limite, α = sup(α) = sup{ξ | ξ < α}.

Sobre tipos de ordem, enunciamos o seguinte teorema:

Teorema 1.1.33. Seja ha, ri uma boa ordem com a conjunto infinito. Se ∀x ∈ a temos
type(hpred(a, x, r), ri) finito, então type(ha, ri) = ω (assim, uma boa ordem infinita com
todo segmento inicial finito é isomorfa a ω).

Com esses resultados sobre ordinais, vamos enunciar o

Teorema 1.1.34. (1o Teorema de Recursão em ω)


Seja a um conjunto, x um elemento de a e F : a → a função. Então existe uma única
g : ω → a tal que g(0) = x e g(n+ ) = F (g(n)).

Observação 1.1.35. Vamos aplicar muitas vezes 1.1.34 sem, no entanto, explicitarmos
a função F (denominada função comando) que está sendo utilizada sem prejuı́zo de for-
malidade (basta que esteja claro que a partir de g(n) possa-se obter construtivamente
g(n+ )).

Definida a noção de Ordinal, vamos naturalmente definir as noções de cardinali-


dade e Cardinal.

Definição 1.1.36. Dizemos que a e b conjuntos são equipotentes se existe f : a → b


bijetiva (também se diz que a é equipotente a b). Denotamos isso como a ≈ b.

Definição 1.1.37. Seguindo a definição anterior, um conjunto a é dito finito se é equipo-


tente a algum número natural. a é dito infinito caso contrário. Ainda, se a ≈ ω dizemos
que a é infinito enumerável.

O próximo teorema (cuja demonstração omitiremos) estabelece que ≈ “se com-


porta” como uma relação de equivalência.

Teorema 1.1.38. Se a, b e c são conjuntos, vale que:


9
Note que estamos nos referindo como α a boa ordem hα, ∈i; como todo ordinal é, por definição, bem
ordenado pelo ∈, isso será omitido na notação.
8
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

i. a ≈ a;

ii. Se a ≈ b, então b ≈ a;

iii. Se a ≈ b e b ≈ c, então a ≈ c.

Proposição 1.1.39. Se a é finito, então a é equipotente a um único número natural.

Definição 1.1.40. Se a ≈ n para algum n ∈ ω, dizemos que n é o número de elementos


de a; também dizemos que a cardinalidade de a é n e denotamos |a| = n.

Definição 1.1.41. Dizemos que a é dominado por b, e indicamos a 4 b, se existe uma


f : a → b injetora.

Definição 1.1.42. (ZF) Suponha que a possa ser bem ordenado. A cardinalidade de a,
denotada |a|, é o menor ordinal α tal que a ≈ α.

Definição 1.1.43. Um ordinal κ é um cardinal se |κ| = κ.

Observação 1.1.44. ω é um cardinal, o menor cardinal infinito. Por vezes denotamos a


cardinalidade de ω por ℵ0 .

Definição 1.1.45. Sejam α, β ordinais limite. Dizemos que uma f : α → β é cofinal se


para cada ξ ∈ β existe δ ∈ α tal que f (δ) > ξ.

Definição 1.1.46. Se β ∈ On é ordinal limite, definimos e denotamos a cofinalidade de


β como sendo cf (β) = min{α ∈ On | ∃f : α → β cofinal}.

Definição 1.1.47. Um cardinal κ é dito regular se cf (κ) = κ. Do contrário dizemos que


κ é singular.

Acabamos aqui a parte mais geral da linguagem que gostarı́amos de inserir; a


seguir, para encerrar esta seção, introduzimos o conceito de árvore, um tópico mais espe-
cı́fico para a construção deste trabalho.

Definição 1.1.48. Uma ordem parcial hT, 6i é dita ser uma árvore se ∀x ∈ T temos que
pred(T, x, <) é bem ordenado por <.

Exemplo 1.1.49. É fácil ver que:

• h<ω 2, ⊆i é árvore! (Árvore binária completa);

• h<ω ω, ⊆i é árvore! (Árvore das sequências finitas em ω).

Definição 1.1.50. Dada hT, 6i árvore,

9
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

i. Se x ∈ T , ht(x, T ) = type{y ∈ T | y < x} é a altura de x em T ;

ii. Se α ∈ On, Levα (T ) = {x ∈ T | ht(x, T ) = α} é o α-ésimo nı́vel de T ;

iii. A altura de T é ht(T ) = min{α | Levα (T ) = ∅};

iv. Uma subárvore de T é um subconjunto T 0 ⊆ T que é fechado para baixo, i.e.,

∀x ∈ T 0 ∀y ∈ T (y < x =⇒ y ∈ T 0 );

v. x, y ∈ T são comparáveis se x < y ou y < x;

vi. Uma cadeia em T é um subconjunto C cujos elementos são 2-a-2 comparáveis;

vii. Um ramo é uma cadeia maximal10 ;

viii. Uma anticadeia em T é um A ⊆ T tal que ∀x, y ∈ A(x e y são não comparáveis).

Definição 1.1.51. Sejam hT, 6i árvore e x, y ∈ T . Dizemos que y é descendente de x se


x < y; se além disso também temos x ∈ Levα (T ) e y ∈ Levα+1 (T ) para algum α ∈ On,
dizemos que y é descendente direto de x.

Fato 1.1.52. Em h<ω 2, ⊆i, se f ∈ ω 2, então C = {f  n | n ∈ ω} é um ramo.

Justificativa. Segundo a definição 1.1.18, é claro que C é cadeia (pois dados m, n ∈ ω


temos, sem perda de generalidade, m ≤ n, e daı́ é claro que f  m ⊆ f  n já que m ⊆ n).
Seja agora p ∈<ω 2; se p ⊆ f , é claro que p ∈ C. Do contrário, existe k um natural mı́nimo
para o qual p(k) 6= f (k) e assim não pode ocorrer p ⊆ f  k+1 ou f  k+1 ⊆ p, i.e., C ∪ {p}
não é cadeia para qualquer p 6∈ C, donde segue que C é ramo.

Observação 1.1.53. Note que nada da justificativa do fato anterior depende de estarmos
tratando especificamente de h<ω 2, ⊆i a não ser a estrutura de boa ordem de ω. Assim,
vale o fato análogo para h<ω ω, ⊆i.

Exemplo 1.1.54. Nı́veis são anticadeias (pois dados x, y no mesmo nı́vel de uma árvore,
eles tem o mesmo tipo de ordem para o conjunto de predecessores, logo não pode ocorrer
x < y ou y < x).

Proposição 1.1.55. Seja T uma árvore. Então ht(T ) = sup{ht(x, T ) + 1 | x ∈ T }.


10
Com AC, toda árvore tem ramo; na verdade, essa asserção é equivalente a AC, como pode ser visto
em Hodges, [7].

10
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Demonstração. Seja ξ ∈ ht(T ); por minimalidade de ht(T ), Levξ (T ) 6= ∅ e assim


S
∃z ∈ T : ht(z, T ) = ξ. Segue que ξ ∈ ξ+1 = ht(z, T )+1 ⊆ {ht(x, T )+1 | x ∈ T }. Como
para ordinais a união é o supremo, mostramos que ht(T ) ⊆ sup{ht(x, T ) + 1 | x ∈ T }.
Reciprocamente, para mostrar que sup{ht(x, T ) + 1 | x ∈ T } ≤ ht(T ), tome x ∈ T ; se
α = ht(x, T ), então para todo ξ ≤ α temos Levξ (T ) 6= ∅. Assim, ht(x, T ) + 1 = α + 1
e α + 1 ≤ min{β | Levβ (T ) = ∅} = ht(T ). Mostramos que ht(T ) é cota superior de
{ht(x, T ) + 1 | x ∈ T }, i.e., sup{ht(x, T ) + 1 | x ∈ T } ≤ ht(T ).

Definição 1.1.56. Seja κ um cardinal regular. Uma κ-árvore é uma árvore de altura κ
e nı́veis menores do que κ, i.e., ∀α ∈ κ(|Levα (T )| < κ).

Definição 1.1.57. Se κ é cardinal regular, uma κ-árvore de Aronszajn é uma κ-árvore


que não possui cadeias de tamanho κ.

Com o auxı́lio do Axioma da Escolha conseguimos provar que existem ℵ1 -árvores


de Aronszajn, como pode ser visto em [11]; no entanto, temos a seguinte proposição:

Proposição 1.1.58. (ZFC) Não existem ℵ0 -árvores de Aronszajn.

A demonstração desta proposição é conhecida como o Lema de König, que es-


tabelece que toda árvore de altura ω e nı́veis finitos possui um ramo infinito. Vamos
apresentar a seguir a prova ingênua desta asserção (no que segue, vamos nos referir como
prova ingênua as demonstrações em ZFC nas quais não há preocupação de destacar onde,
quando, como e quanto do poder dedutivo de AC é utilizado, além de outros axiomas
técnicos, como o teorema de recursão e outros axiomas básicos de teoria dos conjuntos,
como os de separação e de substituição):

Demonstração. Seja hT, 6i uma árvore de altura ω e nı́veis finitos. Observemos que:

• No nı́vel 0 deve haver algum elemento com infinitos descendentes: com efeito, como
a árvore tem altura ω, cada um dos nı́veis finitos tem pelo menos um elemento,
donde temos |T | infinita; se cada um dos finitos elementos de Lev0 (T ) tivesse finitos
descendentes, então poderı́amos escrever
[
T = {y ∈ T | x ≤ y},
x∈Lev0 (T )

e T seria uma união finita de finitos, logo |T | seria finita, o que é absurdo.

• Se x tem infinitos descendentes, então x tem um descendente direto y também com


infinitos descendentes: De forma análoga ao que foi feito acima, dado x com infinitos

11
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

descendentes, podemos escrever


[
{z ∈ T | x < z} = {z ∈ T | y ≤ z},
y∈DD(x)

onde DD(x) é o conjunto dos descendentes diretos de x. A igualdade vale pois todo
descendente de x ou é descendente direto deste ou descende de um descendente
direto de x. Assim, como {z ∈ T | x < z} é infinito e DD(x) é finito – pois cada
nı́vel o é, deve haver algum y ∈ DD(x) para o qual {z ∈ T | y ≤ z} é infinito, e esse
y satisfaz o desejado.

Construamos então o ramo infinito:

• Fixe x0 em Lev0 (T ) com infinitos descendentes;

• Fixe x1 descendente direto de x0 com infinitos descendentes;

• Tendo escolhido x0 , x1 , . . . , xn como acima, basta tomar xn+1 no nı́vel n + 1 descen-


dente direto de xn e com infinitos descendentes.

Com isso, podemos obter recursivamente uma sequência hxn | n ∈ ωi que seja tal
que x0 < x1 < x2 < . . . e ∀n ∈ ω(xn ∈ Levn (T )), que é uma cadeia; como {xn | n ∈ ω}
tem um elemento de cada um dos nı́veis, segue que essa cadeia é um ramo infinito, e vale
o Lema de König, donde está demonstrada a proposição.

Note que para esta demonstração foi feita (e de fato era necessário fazê-lo) uma
quantidade infinita de escolhas arbitrárias, e por isso este é um teorema de ZFC, e
não de ZF. No entanto, não é necessário utilizar todo o poder dedutivo de AC para a
demonstração. Este fato será explorado no próximo capı́tulo desta monografia.

1.2 Topologia e Espaços Métricos


Nesta seção vamos fazer um pequeno apanhado sobre Topologia e Espaços Mé-
tricos com objetivo de explorar duas versões do Teorema de Baire ao final desta parte; a
principal referência desta seção é o Engelking, [2].

Definição 1.2.1. Dados M conjunto e d : M × M → R, um par hM, di é denominado


ser um espaço métrico (ou simplesmente M é espaço métrico) se ∀x, y, z ∈ M valem

D1. d(hx, yi) ≥ 0 e d(hx, yi) = 0 ⇐⇒ x = y;

D2. d(hx, yi) = d(hy, xi);

12
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

D3. d(hx, zi) ≤ d(hx, yi) + d(hy, zi).

Definição 1.2.2. Se hM, di é um espaço métrico, temos:

• Dados x ∈ M e r > 0, B(x, r) = {y ∈ M | d(hx, yi) < r} é uma bola aberta centrada
em x e de raio r;

• Dados x ∈ M e r > 0, B[x, r] = {y ∈ M | d(hx, yi) ≤ r} é uma bola fechada


centrada em x e de raio r;

• U ⊆ M é aberto se ∀x ∈ U ∃r : B(x, r) ⊆ U .

• F ⊆ M é fechado se X \ F é aberto.

Proposição 1.2.3. Se hM, di é espaço métrico, vale que:

i. ∅, M são abertos;

ii. União qualquer de abertos é aberto;

iii. Intersecção finita de abertos é aberto.

Proposição 1.2.4. Em espaços métricos, bolas abertas são abertos; bolas fechadas são
fechados.

Definição 1.2.5. Uma sequência x é dita convergente em um espaço métrico hM, di se


∀ε > 0∃n0 : ∀n ≥ n0 (d(hxn , li) < ε) para algum l ∈ M fixado. Nesse caso dizemos que x
converge para l. Nesse caso dizemos que l é o limite da sequência x, e denotamos x → l.

Fato 1.2.6. Se x é uma sequência convergente, toda subsequência de x converge; ainda


mais: toda subsequência de x converge para o mesmo limite de x.

Definição 1.2.7. Uma sequência x definida em um espaço métrico hM, di é dita sequência
de Cauchy se ∀ε > 0∃n0 : ∀m, n ≥ n0 (d(hxm , xn i) < ).

Definição 1.2.8. Um espaço métrico M é dito completo se toda sequência de Cauchy


definida em M converge.

Definição 1.2.9. (Topologia) Seja X conjunto. τ ⊆ P(X) é uma topologia sobre X (ou
simplesmente hX, τ i é espaço topológico) se satisfaz:

Top1. ∅, X ∈ τ ;

Top2. União qualquer de elementos de τ é elemento de τ ;

Top3. Intersecção finita de elementos de τ é elemento de τ .


13
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Fato 1.2.10. Se M é espaço métrico, τ = {U ⊆ M | U é aberto} é espaço topológico.

Justificativa. Segue imediatamente de 1.2.3.

Definição 1.2.11. Se U ∈ τ , U se diz aberto. F é fechado se X \ F é aberto.

Proposição 1.2.12. Se τ é espaço topológico sobre X, vale que:

i. ∅, X são fechados;

ii. Intersecção qualquer de fechados é fechado;

iii. União finita de fechados é fechado.

Definição 1.2.13. Dados X espaço topológico e x ∈ X, V é vizinhança de x se existe U


aberto tal que x ∈ U ⊆ V . V é vizinhança aberta de x se V é aberto e vizinhança de x.

Definição 1.2.14. Sejam X espaço topológico, x ∈ X; Vx famı́lia de vizinhanças abertas


de x é base local de x se

∀U aberto(x ∈ U =⇒ ∃V ∈ Vx : x ∈ V ⊆ U ).

Definição 1.2.15. Seja X é espaço topológico. B ⊆ τ é uma base de X se qualquer


aberto pode ser escrito na forma B 0 para algum B 0 ⊆ B.
S

Observação 1.2.16. Se M é métrico, B = {B(x, r) | x ∈ M & r > 0} é base para M .

Proposição 1.2.17. Seja X um conjunto não-vazio. Se B ⊆ P(X) satisfaz:


S
(B1) B = X;

(B2) ∀U1 , U2 ∈ B ∀x ∈ U1 ∩ U2 ∃U3 ∈ B : x ∈ U3 ⊆ U1 ∩ U2 ,

então τ = { B 0 | B 0 ⊆ B} é uma topologia sobre X para a qual B é base.


S

Definição 1.2.18. Dado A ⊆ X, X espaço topológico, definimos:


S
• int(A) = {G | G é aberto, G ⊆ A};
T
• A= {F | F é fechado, A ⊆ F }.

Observação 1.2.19. Temos que:

• int(A) é um aberto, int(A) ⊆ A;

• A é um fechado, A ⊆ A.

Além disso:
14
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

• U é aberto ⇐⇒ U = int(U );

• F é fechado ⇐⇒ F = F .

Definição 1.2.20. Dados X espaço topológico e A ⊆ X.

• x ∈ A é ponto interior de A se existe U aberto com x ∈ U ⊆ A;

• x ∈ X é ponto aderente a A se para cada U aberto com x ∈ U , U ∩ A 6= ∅.

Fato 1.2.21. Dados X espaço topológico e A ⊆ X, verifica-se que

• int(A) = {x ∈ A | x é ponto interior de A};

• A = {x ∈ X | x é ponto aderente a A}.

Definição 1.2.22. Dados X espaço topológico e D ⊆ X, dizemos que D é denso se


D = X.

Observação 1.2.23. Sejam hX, τ i espaço topológico, B ⊆ τ e D ⊆ X; assim:

• B é base ⇐⇒ ∀ U aberto ∀x ∈ U ∃B ∈ B : x ∈ B ⊆ U ;

• D é denso ⇐⇒ ∀U ∈ τ \ {∅}, D ∩ U 6= ∅.

Definição 1.2.24. Sejam hX, τ i espaço topológico e A ⊆ X. A topologia de subespaço de


A é τA = {U ∩ A | U ∈ τ }.

Fato 1.2.25. Nas condições de 1.2.24, τA é de fato topologia.

Definição 1.2.26. (Axiomas de Enumerabilidade) Se X espaço topológico, dizemos:

1o X é primeiro-enumerável se todo ponto possui base local enumerável;

2o X tem base enumerável se X tem uma base do espaço que é enumerável;

3o X é separável se X tem um subconjunto denso enumerável.

Fato 1.2.27. Nas condições de 1.2.26, 2o =⇒ 1o e 2o =⇒ 3o . Em espaços métricos,


2o ⇐⇒ 3o .

Definição 1.2.28. (Axiomas de Separação) Seja X espaço topológico; dizemos que:

• X é T0 se ∀x 6= y (∃U aberto t.q. x ∈ U & y 6∈ U ou ∃V aberto t.q. x 6∈ V & y ∈ V );

• X é T1 se ∀x 6= y (∃U aberto t.q. x ∈ U & y 6∈ U e ∃V aberto t.q. x 6∈ V & y ∈ V );

• X é T2 se ∀x 6= y (∃U, V abertos disjuntos tais que x ∈ U & y ∈ V );


15
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

• X é T3 se para todo F fechado e x 6∈ F existem U, V abertos disjuntos e tais que


F ⊆U & x∈V;

Fato 1.2.29. Claramente, T2 =⇒ T1 =⇒ T0 e T3 + T1 =⇒ T2 .

Definição 1.2.30. Seja X espaço topológico.


S
• Uma famı́lia U de abertos é uma cobertura aberta de X se U = X;

• Dada U uma cobertura aberta de X, dizemos que U 0 é uma subcobertura aberta de


U se U 0 ⊆ U e U 0 = X;
S

• X é compacto se toda cobertura aberta de X possui uma subcobertura finita.

• A ⊆ X é subconjunto compacto se o subespaço A ⊆ X é compacto.11

Fato 1.2.31. Se X é compacto e F ⊆ X é fechado, então F é compacto.12

Proposição 1.2.32. Se X é compacto T2 , então X é T3 .

Demonstração. Suponha X espaço compacto T2 . Sejam agora F fechado e x 6∈ F . Fixe,


por T2 , para cada y ∈ F abertos disjuntos Uy , Vy tais que y ∈ Uy & x ∈ Vy . Assim, se
definimos U = {Uy ∩ F | y ∈ F }, temos que U é cobertura aberta do subespaço F que
é compacto por 1.2.31. Logo, existem y1 , . . . , yn tais que U 0 = {Uyi ∩ F | 1 ≤ i ≤ n} é
n
S
subcobertura aberta de U. Assim, se definimos U = Uyi temos obviamente F ⊆ U ,
i=1
n
T
com U união de abertos de X, logo aberto de X; por outro lado, se fazemos V = Vyi
i=1
temos x ∈ V com V intersecção finita de abertos de X, logo, aberto de X. Como para
cada i, 1 ≤ i ≤ n, Uyi ∩ Vyi = ∅ por construção, temos U ∩ V = ∅ como querı́amos.

Fato 1.2.33. Se X é T3 e U é aberto não-vazio de X, então existe W aberto não-vazio


de X t.q. W ⊆ W ⊆ U .

Justificativa. De fato, como U 6= ∅, ∃u ∈ U ; fazendo F = X \ U , u ∈


/ X \ U = F.
Por T3 , ∃W, O abertos disjuntos t.q. u ∈ W e F ⊆ O; W ∩ O = ∅ → W ⊆ X \ O;
F ⊆ O → X \ O ⊆ X \ F ; F = X \ U → X \ F = U. Segue que W ⊆ X \ O ⊆ X \ F = U.
Mas de O aberto segue X \ O é fechado, i.e., W ⊆ X \ O = X \ O ⊆ U .
∴ W ⊆ W ⊆ U , com W aberto não-vazio (u ∈ W ) como querı́amos.

Definição 1.2.34. Se X é espaço topológico e x ∈ X, V é um sistema fundamental de


vizinhanças de x se todo V ∈ V é vizinhança de x e para todo aberto U com x ∈ U existe
V ∈ V tal que x ∈ V ⊆ U .
11
Conferir 1.2.24
12
“Fechado no compacto é compacto.”
16
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Proposição 1.2.35. X é T3 se, e somente se, para todo u ∈ X e toda vizinhança aberta
U de u existe W aberto tal que u ∈ W ⊆ W ⊆ U .

Demonstração. Uma implicação foi mostrada em 1.2.33. Reciprocamente, sejam F


fechado e u 6∈ F ; assim, U = X \ F é aberto com x ∈ U e, por hipótese, existe W aberto
tal que u ∈ W ⊆ W ⊆ U . Assim W é aberto com u ∈ W e se O = X \ W , O ∩ W = ∅
com F ⊆ O, e X é T3 .

Corolário 1.2.36. Para X espaço topológico, X é T3 se, e somente se, todo ponto de X
admite sistema fundamental de vizinhanças fechadas.

Definição 1.2.37. Dizemos que uma famı́lia F = {Fi | i ∈ I} tem a propriedade da


intersecção finita (ou simplesmente que tem a p.i.f.) se para toda coleção finita e não-
n
T
vazia i1 , . . . , in de ı́ndices de I o conjunto Fi é não-vazio.
i=1

Proposição 1.2.38. X é compacto ⇐⇒ Toda famı́lia de fechados não-vazios com a


p.i.f. tem intersecção não-vazia.

Justificativa. Negando em ambos os lados, devemos mostrar que X não é compacto se,
e somente se, existe uma famı́lia de fechados não-vazios com a p.i.f.de intersecção vazia.
⇒ Se X não é compacto, existe uma cobertura aberta U sem subcobertura finita. Assim,
T T S S
F = {X \ U | U ∈ U} é tal que F = X \U =X \ U = X \ U = X \ X = ∅,
U ∈U U ∈U
i.e., F tem intersecção vazia. Sejam agora F1 , . . . , Fn ∈ F; assim, para cada i, 1 ≤ i ≤ n
n
T n
T Sn
temos que ∃Ui ∈ U : Fi = X \ Ui . Segue que Fi = X \ Ui = X \ 6 ∅, pois U
Ui =
i=1 i=1 i=1
não tem subcobertura finita. Mostramos que F tem a p.i.f.
⇐ Seja F a famı́lia de fechados não-vazios com a p.i.f. de intersecção vazia. Fazendo
S S T T
U = {X \F | F ∈ F} temos U = X \F = X \ F = X \ F = X \∅ = X. Além
F ∈F F ∈F
disso, dados U1 , . . . , Un ∈ U existem Fi ∈ F t.q. Ui = X \ Fi para todo i, 1 ≤ i ≤ n, e
n
S Sn n
T
assim Ui = X \ Fi = X \ Fi 6= ∅ pois F tem a p.i.f. Segue que U é uma cobertura
i=1 i=1 i=1
de X sem subcobertura finita, donde X não é compacto.

Definição 1.2.39. Sejam X espaço topológico.

• A ⊆ X é dito raro se int(A) = ∅;

• M ⊆ X é dito magro se M está contido numa reunião enumerável de raros.

Assim, M ⊆ X é magro se, e somente, se está contido numa reunião enumerável


de fechados de interior vazio.

Definição 1.2.40. X é um espaço de Baire se todo magro tem interior vazio.

17
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Observação 1.2.41. Nesse momento, notamos que assim como as noções de “aberto” e
“fechado” são duais, as noções de “denso” e de “interior vazio” também o são, i.e., um
conjunto M tem interior vazio em um espaço X se, e somente se, X \ M é denso. De fato,
seja D um conjunto. Temos que:

x ∈ int(X \ D) ⇐⇒ ∃V aberto : x ∈ V ⊆ X \ D
⇐⇒ ∃V 6= ∅ aberto : V ∩ D = ∅
⇐⇒ D não é denso

Fazendo D = X \ M obtemos o desejado.

A seguir vamos enunciar e provar dois teoremas ingenuamente; a prova formal do


segundo será alvo do próximo capı́tulo.

Teorema 1.2.42. (ZFC) (Teorema de Baire para espaços compactos T2 )


Se X é espaço compacto T2 , então X é Baire.

Demonstração. Seja X um espaço topológico compacto T2 . Devemos mostrar que todo


magro de X tem interior vazio. Note que por 1.2.41, basta mostrar que se M é magro,
então X \ M é denso. Agora um conjunto M é magro se, e somente se, M está contido
numa reunião enumerável de fechados de interior vazio, i.e., se, e somente se, X \ M
contém uma intersecção enumerável de abertos densos. Logo, se mostrarmos que toda
intersecção enumerável de abertos densos é densa, então mostramos que X \ M é denso,
o que bastava para M ter interior vazio.
Seja então U = {Un | n ≥ 1} famı́lia enumerável de abertos densos e fixe um V
T T
aberto não-vazio arbitrário. Vamos mostrar que U é denso mostrando que U ∩ V 6= ∅.
Para isso, vamos construir uma sequência de abertos não-vazios hWn | n ≥ 1i
satisfazendo para cada n ≥ 1

(i) n 6= 1 =⇒ Wn ⊆ Wn−1

(ii) Wn ⊆ Wn ⊆ Un ∩ V

A construção é feita recursivamente:

• Para n = 1, (i) já está satisfeito; como X é espaço compacto T2 , por 1.2.32 X é
T3 . Agora, como U1 é aberto denso e V é aberto não-vazio, temos U1 ∩ V aberto
não-vazio. Por 1.2.33, ∃W1 aberto não-vazio com W1 ⊆ W1 ⊆ U1 ∩ V , e vale (ii).

• Supondo W1 , . . . , Wn construı́dos satisfazendo o desejado, temos de Un+1 aberto


denso e Wn aberto não-vazio, que Un+1 ∩ Wn é aberto não-vazio. Novamente por
1.2.33, ∃Wn+1 aberto não-vazio tal que Wn+1 ⊆ Wn+1 ⊆ Un+1 ∩ Wn . Note que:
18
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

– Wn+1 ⊆ Wn+1 ⊆ Un+1 ∩ Wn =⇒ Wn+1 ⊆ Wn , e vale (i) para n + 1;


– Como por hipótese Wn satisfaz (ii), Wn ⊆ V , donde Un+1 ∩ Wn ⊆ Un+1 ∩ V .
Assim, Wn+1 ⊆ Wn+1 ⊆ Un+1 ∩ Wn ⊆ Un+1 ∩ V , e portanto vale (ii) para n + 1.

Assim, mostramos recursivamente13 a existência da sequência desejada. Consideramos


então {Wn | n ≥ 1}, que é uma sequência decrescente (por causa de (i)) de fechados, logo,
tem a p.i.f. Assim, como X é compacto, por 1.2.38 esta famı́lia tem intersecção não-vazia.
Seja x na intersecção. Assim:
!
\ (ii) \ \
x∈ Wn ⊆ Un ∩ V = Un ∩ V 6= ∅
n≥1 n≥1 n≥1

T
Acabamos de mostrar que Un é denso, como querı́amos.
n≥1

No que segue, vamos tentar adaptar esta prova para mostrar que tal teorema
também vale para espaços métricos completos. Note que usamos a compacidade do espaço
X para mostrar que valia T3 (sendo T2 ) e para tomar um ponto na intersecção da famı́lia
decrescente de fechados não-vazios. Vamos contornar tais empecilhos como segue:

Fato 1.2.43. Espaços métricos são T3 .

Justificativa. Segundo 1.2.36, se M é espaço métrico, basta mostrar que todo x ∈ M


admite sistema fundamental de vizinhanças fechadas. Como bolas fechadas são fechados,
dado x ∈ M , {B[x, r] | r > 0} satisfaz o desejado14 .

Definição 1.2.44. Se M é espaço métrico e A ⊆ M , definimos e denotamos o diâmetro


de A como sendo diam(A) = sup{d(hx, yi) | x, y ∈ A}.

Fato 1.2.45. Se M é um espaço métrico e A ⊆ M , então diam(A) = diam(A).

Fato 1.2.46. (ZFC) Toda sequência decrescente de fechados não-vazios com diâmetro
tendendo a zero em um espaço métrico completo tem interseção não-vazia.

Justificativa. Seja hFn in∈ω uma tal sequência; como cada Fn é não-vazio, podemos tomar
por ACω 15 uma sequência hxn in∈ω t.q. ∀n ∈ ω(xn ∈ Fn ). Assim, dado
diam(Fn ) < 2ε ; como a sequência é

ε > 0, como diam(Fn ) → 0, ∃ n0 : ∀ n ≥ n0
13
Formalmente estamos fazendo uso de 1.1.34 e de AC, ou pelo menos de parte deste; como já citamos,
esta é uma demonstração ingênua, de modo que a utilização do axioma e do teorema está sendo feita
livremente.
14
De fato, se x pertence a um aberto U , existe ε > 0 tal que x ∈ B(x, ε) ⊆ U ; note então que assim,
x ∈ B[x, ε/2] ⊆ B(x, ε) ⊆ U , e conforme já dito, bolas fechadas são fechados.
15
Note que não estamos utilizando todo o poder de AC, mas sim uma parte deste; para destacar isso
introduzimos a notação ACω para a asserção “toda famı́lia enumerável de conjuntos não-vazios admite
função-escolha”. É claro que AC implica ACω .
19
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

decrescente, também vale que ∀n ≥ n0 (Fn0 ⊇ Fn ), i.e., ∀n ≥ n0 (xn ∈ Fn0 ).


∴ ∀m, n ≥ n0 , d(xm , xn ) ≤ d(xm , xn0 ) + d(xn0 , xn ) ≤ diam(Fn0 ) + diam(Fn0 ),
pois xm , xn , xn0 ∈ Fn0 , i.e., d(xm , xn ) ≤ 2 diam(Fn0 ) < ε, e a sequência hxn in∈ω é portanto
de Cauchy; como o espaço é completo, tal sequência converge para um certo x. Vamos
T
mostrar agora que x ∈ Fn .
n∈ω
Seja k ∈ ω; com os mesmos argumentos anteriores, ∀n ≥ k(xn ∈ Fk ). Assim, hxn in≥k é
uma sequência de elementos de Fk que também é subsequência de hxn in∈ω , i.e.,
x também é limite desta subsequência, donde segue segue que x é ponto aderente de
Fk ; no entanto, Fk é fechado, logo ∀k ∈ ω(x ∈ Fk = Fk ), e está justificado o Fato.

Agora estamos nas condições de enunciar o

Teorema 1.2.47. (ZFC) (Teorema de Baire para espaços métricos completos)


Se M é espaço métrico completo, então M é Baire.

Demonstração. Como antes, basta mostrar que a intersecção de uma famı́lia enumerável
de abertos densos é densa. Sejam então U = {Un | n ≥ 1} famı́lia enumerável de abertos
densos e V aberto não-vazio arbitrário. Novamente vamos construir uma sequência de
abertos não-vazios hWn | n ≥ 1i satisfazendo para cada n ≥ 1

(i) n 6= 1 =⇒ Wn ⊆ Wn−1

(ii) Wn ⊆ Wn ⊆ Un ∩ V
1
(iii) diam(Wn ) < 1+n

• Para n = 1, (i) já está satisfeito; como M é espaço métrico, por 1.2.43 M é T3 .
Agora, como U1 é aberto denso e V é aberto não-vazio, temos U1 ∩ V aberto não-
vazio. Por 1.2.33, ∃W1 aberto não-vazio com W1 ⊆ W1 ⊆ U1 ∩ V , e vale (ii). A
adição do item (iii) é meramente técnica, pois se Wn é aberto não-vazio, podemos
assumir s.p.g. que Wn tem diâmetro menor que qualquer ε > 0 dado que se queira:
de fato, dado z ∈ Wn , com Wn aberto z é ponto interior, e existe uma bola aberta
centrada em z de certo raio r > 0 que está contido em Wn . Agora basta intersectar
essa bola para obter o diâmetro menor que o dado;

• Supondo W1 , . . . , Wn construı́dos satisfazendo o desejado, temos de Un+1 aberto


denso e Wn aberto não-vazio, que Un+1 ∩ Wn é aberto não-vazio. Novamente por
1.2.33, ∃Wn+1 aberto não-vazio tal que Wn+1 ⊆ Wn+1 ⊆ Un+1 ∩ Wn . Note que:

– Wn+1 ⊆ Wn+1 ⊆ Un+1 ∩ Wn =⇒ Wn+1 ⊆ Wn , e vale (i) para n + 1;


– Como por hipótese Wn satisfaz (ii), Wn ⊆ V , donde Un+1 ∩ Wn ⊆ Un+1 ∩ V .
Assim, Wn+1 ⊆ Wn+1 ⊆ Un+1 ∩ Wn ⊆ Un+1 ∩ V , e portanto vale (ii) para n + 1;
20
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

– Pelo que comentamos antes, podemos assumir automaticamente que vale (iii).

Assim mostramos a existência da sequência desejada recursivamente. Consideramos então


{Wn | n ≥ 1}, que é uma sequência decrescente (por causa de (i)) de fechados; pelo item
(iii), e como diam(A) = diam(A) por 1.2.45, temos que essa é uma sequência de fechados
não-vazios com diâmetro tendendo a zero num espaço métrico completo. Assim, por 1.2.46
esta famı́lia tem intersecção não-vazia. Tomando x na intersecção e prosseguindo como
em 1.2.42 fazendo uso de (ii) concluı́mos que a intersecção é densa, donde M é espaço de
Baire como querı́amos.

Vamos estender agora a noção de topologia para o produto cartesiano (finito ou


não) de espaços topológicos.

Definição 1.2.48. Se {X1 , . . . , Xn } é uma famı́lia finita de espaços topológicos, a topologia-


produto é a gerada pela base B = {U1 × U2 × · · · × Un | ∀i, 1 ≤ i ≤ n, Ui é aberto em Xi }
segundo 1.2.17.

Definição 1.2.49. (Topologia-produto de Tychonoff )


Seja {Xi | i ∈ I} uma famı́lia indexada de espaços topológicos. A Topologia-produto de
Tychonoff é aquela gerada pela base
( )
Y
B= Ui ∀i ∈ I(Ui é aberto em Xi ) & {i ∈ I | Ui 6= Xi } é finito .
i∈I

Para cada aberto básico, {i ∈ I | Ui 6= Xi } é o conjunto finito de coordenadas destacadas.

Exemplo 1.2.50. Considere 2 = {0, 1} com a topologia discreta e o espaço 2ω , i.e., a


Q 16
topologia de Tychonoff no produto 2. Então {[p] | p ∈ F n(ω, 2)} é, exatamente, a
n∈ω
base canônica do espaço, onde [p] = {f ∈ ω 2 | p ⊆ f } para cada p ∈ F n(ω, 2).17
De fato, dado U aberto básico de 2ω s.p.g. não-vazio, segundo a definição da
topologia de Tychonoff, existem coordenadas destacadas i1 , . . . , in ∈ ω tais que Uik 6= 2.
Como os únicos abertos não triviais de 2 com a topologia discreta são {0} e {1}, para cada
S
k = i1 , . . . , in , vale Uik = {1} ou Uik = {2}. Assim, o conjunto {hik , Uik i | k = 1, . . . , n}
Q
pertence a F n(ω, 2). Escrevendo U = Ui1 × Uin × 2 para representar que
i∈ω\{i1 ,...,in }
U = 2 exceto nas coordenadas i1 , . . . , in , temos que se f ∈ U , então para k = i1 , . . . , in ,
S S
f (ik ) ∈ Uik , i.e., f (ik ) = Uik , donde segue que {hi, Uik i | k = 1, . . . , n} ⊆ f .

Fato 1.2.51. ∀p, q ∈ F n(ω, 2), q ⊆ p ⇐⇒ [q] ⊇ [p].


16
Note que 2ω é o conjunto das funções de ω em 2 encarado como espaço topológico.
17
Conferir 1.1.20.

21
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Justificativa. Vejamos cada uma das duas implicações:


⇒ Se q ⊆ p e f ∈ [p] temos q ⊆ p ⊆ f , i.e., q ⊆ f e f ∈ [q].
⇐ Por hipótese, ∀f ∈ ω 2(p ⊆ f =⇒ q ⊆ f ). Note que dom(q) ⊆ dom(p)18 ;
Assim, se q * p, então existe n ∈ dom(q) com q(n) 6= p(n). Neste caso, seja f ∈ ω 2 com
p ⊆ f , i.e., f (n) = p(n); daı́ temos que esse f contém p mas não pode conter q (já que
q(n) 6= p(n)), o que é uma contradição.

Exemplo 1.2.52. B = {[s] | s ∈ 2} é uma base diferente da canônica para 2ω com a
topologia de Tychonoff.
De fato, sejam f ∈ ω 2 e U ⊆ 2ω aberto com f ∈ U . Assim, deve existir uma
p ∈ F n(ω, 2) t.q. f ∈ [p] ⊆ U . Seja s = f  (max(dom(p)) + 1); temos então claramente
s ⊆ f e também p ⊆ s, pois p = p  (max(dom(p)) + 1) ⊆ f  (max(dom(p)) + 1) = s.
Concluı́mos então que f ∈ [s] ⊆ [p] ⊆ U , e que portanto B é base19 (obviamente diferente
da canônica).

A vantagem de trabalharmos com {[s] | s ∈ <ω 2} ao invés de {[p] | p ∈ F n(ω, 2)}


é que aquele conjunto é uma árvore, como vimos em 1.1.49.

Exemplo 1.2.53. De maneira similar ao exemplo anterior, se temos ω ω com a topologia


de Tychonoff e consideramos a árvore h<ω ω, ⊆i, é fácil ver que {[s] | s ∈ <ω ω} é uma base
não-canônica para a topologia do espaço ω ω .

Observação 1.2.54. Na verdade, se A é um conjunto não-vazio, {[s] | s ∈ A} é
uma base não-canônica para a topologia de Tychonoff do espaço Aω (A com a topologia
discreta), pois a estrutura da imagem das funções não foi utilizada nas considerações que
foram feitas acima.

1.3 Princı́pios de Escolha


Neste trabalho vamos explorar algumas consequências não equivalentes do Axio-
ma da Escolha. AC tem formas equivalentes muito importantes em diversas áreas da
matemática, destacamos o Lema de Zorn 20 e o Princı́pio da boa ordenação 21 . Em to-
pologia geral, a mais importante equivalência é com o Teorema de Tychonoff 22 (que é,
inclusive, um dos mais importantes teoremas da área), que estabelece que o produto de
18
Se não ocorresse dom(q) ⊆ dom(p), existiria um n ∈ dom(q) \ dom(p), e aı́ basta tomar uma f que
contém p com f (n) 6= p(n) – o que é possı́vel pois n 6∈ dom(p); e claramente f ⊇ p mas f + q, contradição.
19
Conferir 1.2.23.
20
O Lema de Zorn afirma que se P é uma pré-ordem na qual toda cadeia é limitada superiormente,
então P admite elemento maximal.
21
O princı́pio da boa ordenação estabelece que todo conjunto pode ser bem ordenado.
22
Um texto inicial sobre as equivalências clássicas do Axioma da Escolha, incluindo uma demonstraçao
da equivalência com o Teorema de Tychonoff, pode ser encontrado em [10].
22
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

espaços topológicos compactos também é compacto se munido da topologia produto de


Tychonoff.
O Axioma da Escolha, que foi formulado mais de 100 anos atrás, é considerado
uma das asserções mais controversas da matemática. Segundo Eric Schechter23 , Bertrand
Russel em seu livro Introduction to Mathematical Philosophy traz uma pequena discussão
sobre AC que inclui o que ele parafraseou como “para escolher uma meia de cada par
para uma quantidade infinita de pares de meias precisamos do axioma da escolha, mas
para uma quantidade infinita de sapatos o axioma não é necessário”.
Tal afirmação utiliza o fato de que as meias de um par são idênticas e indistin-
guı́veis entre si, enquanto que os sapatos de um par são diferentes (esquerdo e direito),
de modo que é possı́vel definir uma função-escolha construtiva para a famı́lia infinita de
pares de sapato (o comando pode ser simplesmente “tome o par esquerdo”).
Assim para escolher as meias estarı́amos fazendo uma quantidade infinita de esco-
lhas arbitrárias, o que não pode ser feito apenas com os axiomas de ZF. Note que estamos
falando de uma famı́lia infinita pois ZF prova a existência de funções-escolha para qual-
quer quantidade finita de pares de meia, por exemplo, basta usar sucessivamente (finitas
vezes) o fato de que cada “par de meias” é não-vazio.
Ainda segundo Schechter, Jerry Bona disse certa vez que “o axioma da escolha
é obviamente verdadeiro; o princı́pio da boa ordenação é obviamente falso; e quem pode
dizer alguma coisa sobre o Lema de Zorn?”. A piada se faz do fato de que embora as três
asserções sejam logicamente equivalentes, a primeira é extremamente intuitiva, a segunda
extremamente contra-intuitiva enquanto a terceira é tão complicada que não permite (pelo
menos em um primeiro momento) formar nenhuma opinião intuitiva sobre.
Alguns matemáticos, no entanto, tem estudado algumas versões mais fracas de
AC, como o Princı́pio das Escolhas Dependentes (DC), que permite uma quan-
tidade enumerável de escolhas arbitrárias, cada uma dependendo da anterior; o poder
de dedução de DC é suficiente para provar o Teorema de Baire para espaços métricos
completos, cuja prova ingênua foi apresentada em 1.2.47 e, de fato, é equivalente a este,
como veremos no próximo capı́tulo.
E assim, vamos entender como princı́pio fraco de escolha uma asserção matemá-
tica que permite de algum modo escolhas arbitrárias e que seja consequência mas não
equivalência do Axioma da Escolha. Uma referência padrão na literatura atual para prin-
cı́pios fracos de escolha é [8]. Alguns princı́pios fracos de escolha são enunciados na forma
de princı́pios maximais, podendo ser encarados como versões fracas do Lema de Zorn.
Dentre estes, podemos incluir o Teorema do Ultrafiltro24 (também conhecido na litera-
23
Conferir [13].
24
Ultrafiltro é um filtro próprio maximal; o Teorema do Ultrafiltro diz que qualquer filtro (sobre qual-
quer conjunto) pode ser estendido a um ultrafiltro.
23
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

tura como o Teorema do Ideal Booleano Primo). Neste trabalho, não trabalharemos com
princı́pios de escolha que tenham a forma de princı́pios maximais.
A seguir, enunciamos alguns destes:

• (DC) Princı́pio das Escolhas Dependentes. Sejam A 6= ∅ conjunto e R ⊆ A×A


relação tal que ∀x ∈ A∃y ∈ A : x R y. Então ∃hxn in∈ω sequência de elementos de
A tal que ∀n ∈ ω(xn R xn+1 );

• (ACω ) Axioma da Escolha Enumerável. Toda famı́lia enumerável de não-vazios


admite função-escolha;

• (ACω (Fin)) Axioma da Escolha Enumerável para Finitos. Toda famı́lia enu-
merável de finitos não-vazios admite função-escolha;

• (CUT) Teorema da União Enumerável. A união de enumeráveis conjuntos é


enumerável;

• (CUT(Fin)) Teorema da União Enumerável de Finitos. A união de enume-


ráveis conjuntos finitos é enumerável;

• (Fin) Todo conjunto infinito é D-infinito 25 .

Proposição 1.3.1. AC =⇒ DC =⇒ ACω

A primeira das implicações é clara, e está em Jech, [9]; a segunda delas está feita
no capı́tulo 2.

Proposição 1.3.2. ACω =⇒ CUT =⇒ CUT(Fin)

Ideia da prova. A segunda das implicações é óbvia; para a primeira, basta tomar para
cada um dos enumeráveis conjuntos (e é exatamente aqui que estamos utilizando ACω
para escolher arbitrariamente uma quantidade infinita enumerável de vezes) uma injeção
em ω e utiliza-las para injetar a união dos enumeráveis em ω × ω, como provado em [5].

Proposição 1.3.3. ACω =⇒ Fin =⇒ ACω (Fin)

A demonstração pode ser encontrada em Herrlich, [5].

Proposição 1.3.4. CUT(Fin) ⇐⇒ ACω (Fin)


25
Dizemos que um conjunto é D-infinito (ou Dedekind infinito) se existe uma bijeção deste com uma
parte própria.

24
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

A demonstração também será feita no capı́tulo 2.

Com essas proposições, obtemos o seguinte diagrama:

AC DC ACω CUT CUT(Fin)

Fin ACω (Fin)

1.4 Axiomas de Forcing


Forcing é uma técnica inventada pelo matemático Paul Cohen na década de 1960
que se mostra extremamente poderosa, tenso sido primeiramente utilizada para provar
resultados de consistência e independência da Hipótese do Continuum 26 e do Axioma da
Escolha dos outros axiomas da teoria de Zermelo-Fraenkel. Vamos nesta seção explorar
os conceitos de pré-ordem, filtros e densos para tratar de uma linguagem universal a qual
será denominada Axiomas de Forcing.

Definição 1.4.1. Uma p.o. é, formalmente, uma pré-ordem hP, 6i, i.e., P 6= ∅ e 6 uma
relação binária reflexiva e transitiva.
Elementos de P são chamados de condições. Se p 6 q dizemos que p estende q.

Definição 1.4.2. Temos:

• Uma cadeia numa p.o. é um C ⊆ P t.q. ∀p, q ∈ C(p 6 q ou q 6 p);

• a, b ∈ P são compatı́veis se existe r ∈ P que é uma extensão comum, i.e., r 6 a e


r 6 b. Se não forem compatı́veis, são incompatı́veis, e escrevemos a ⊥ b.

• Uma anticadeia é um subconjunto A ⊆ P t.q. ∀a, b ∈ A(a ⊥ b).

Definição 1.4.3. Uma p.o. P é dita c.c.c. (de countable chain condition) se toda anti-
cadeia é, no máximo, enumerável.

Exemplo 1.4.4. Se X 6= ∅ e P = P(X) \ {∅}, i.e., estamos na p.o. hP(X) \ {∅}, ⊆i, então

A e B são incompatı́veis ⇐⇒ A ∩ B = ∅.

26
A Hipótese do Continuum (contı́nuo) é uma asserção matemática que afirma que não existe cardina-
lidade intermediária entre as cardinalidades de ℵ0 e de 2ℵ0 .

25
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Fato 1.4.5. Sendo F n(I, J) = {p | p é função, |p| finito, dom(p) ⊆ I & im(p) ⊆ J} para
I, J conjuntos, considere a p.o. hF n(I, J), ⊇i. Então

p e q são compatı́veis ⇐⇒ p e q são funções compatı́veis27

Justificativa. Se p e q são compatı́veis, existe uma condição r tal que r 6 p e r 6 q,


i.e., r ⊇ p & r ⊇ q; assim, p ∪ q ⊆ r, donde portanto p ∪ q é função e daı́ são funções
compatı́veis. Reciprocamente, se p e q são compatı́veis como funções, então p ∪ q é função
(e mais, também pertence a F n(I, J)); assim, r = p ∪ q ∈ é uma condição que é extensão
comum.

Definição 1.4.6. (Filtro) Se P é uma p.o. e G ⊆ P, G é dito filtro, se

(i) Dados p, q ∈ G, existe r ∈ G tal que r 6 p & r 6 q;

(ii) Se p ∈ G e p 6 q, então q ∈ G.

Definição 1.4.7. D ⊆ P é dito denso se ∀p ∈ P ∃q ∈ D(q 6 p).

Fato 1.4.8. Se C ⊆ P é uma cadeia, então existe um filtro G ⊆ P tal que C ⊆ G.

Justificativa. Dados P p.o. e C ⊆ P cadeia, façamos G = {p ∈ P | ∃c ∈ C : c 6 p}.


Vemos que valem as duas condições de 1.4.6:

• Dados p, q ∈ G, pela definição do conjunto, existem c1 , c2 ∈ C : c1 6 p & c2 6 q.


Como C é cadeia, podemos assumir s.p.g. que c1 6 c2 , e assim c1 ∈ G é extensão
comum de p e q;

• Sejam agora p ∈ G e q tal que p 6 q. Assim, existe c ∈ C tal que c 6 p 6 q, i.e.,


∃c ∈ C : c 6 q, donde portanto q ∈ G.

Segue que G é filtro.

Definição 1.4.9. Se D é uma famı́lia de densos, um filtro G é dito D-genérico se


∀D ∈ D(G ∩ D 6= ∅).

Vamos ver agora a prova ingênua de um lema que será o nosso primeiro exemplo
do que viremos a denominar Axioma de Forcing.

Lema 1.4.10. (ZFC) ((RS) Lema de Rasiowa-Sikorski) Se temos hP, 6i é uma


p.o. e D = {Dn | n ∈ ω} é uma famı́lia enumerável de densos, então existe G filtro que é
D-genérico.
27
Duas funções p e q são ditas funções compatı́veis se ∀x ∈ dom(f ) ∩ dom(g)(f (x) = g(x)); com essa
definição, é fácil mostrar que p e q são funções compatı́veis se, e somente se, p ∪ q é função.
26
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

Demonstração. Fixe d0 ∈ D0 . Como D1 é denso, ∃d1 ∈ D1 : d1 6 d0 ; analogamente,


como D2 é denso, ∃d2 ∈ D2 : d2 6 d1 . Assim, para todo n ∈ ω, existe dn+1 ∈ Dn+1 tal
que dn+1 6 dn .
∴ Existe uma sequência decrescente · · · 6 d2 6 d1 6 d0 que é cadeia, logo, existe
por 1.4.8 um filtro G tal que {dn | n ∈ ω} ⊆ G, e assim, como ∀n ∈ ω(dn ∈ G ∩ Dn ), este
filtro é portanto D-genérico.

Note que para esta demonstração houve uma quantidade infinita de escolhas
arbitrárias, e por isso, esta é uma prova ingênua. Vamos voltar a comentá-la futuramente.
Note também que RS declara a existência de filtros genéricos para certas famı́lias de
densos; a esse tipo de asserção vamos futuramente dar o nome de Axiomas de Forcing.

Fato 1.4.11. Se P = F n(ω, 2), considere hP, 6i, onde 6 = ⊇. Nessas condições, existe
uma famı́lia de densos de tamanho 2ℵ0 que não pode admitir filtro genérico.

Justificativa. Em primeiro lugar, defina para todo n ∈ ω, An = {p ∈ P | n ∈ dom(p)}.


Vamos mostrar que cada An é denso: dado q ∈ P, se n ∈ dom(q), como 6 é reflexiva,
q 6 q com q ∈ An , e An é denso; caso contrário, defina p = q ∪ {hn, 0i} e, assim, p ∈ An
e p 6 q. De todo modo mostramos que toda condição pode ser estendida por algum
elemento de An , donde cada An é denso.
Defina agora para cada f ∈ ω 2, Df = {p ∈ P | ∃n ∈ dom(p) : p(n) 6= f (n)}, i.e.,
Df é o conjunto {p ∈ P | p * f }. Note que dada f ∈ ω 2, qualquer condição de P pode
ser estendida de modo a “discordar” de f : basta dado um q ∈ P, como dom(q) é finito,
existe algum n ∈ ω tal que n ∈
/ dom(q), e assim p = q ∪ {hn, 1 − f (n)i} é tal que p 6 q e
p ∈ Df , logo cada Df é denso.
Agora, dada uma f fixada, se um filtro G é ({An | n ∈ ω} ∪ {Df })-genérico,
S
então g = G é uma função de ω em 2 tal que g 6= f . De fato, dom(g) = ω, pois o filtro
G intersecta cada um dos An ; agora dado p ∈ G ∩ Df , p ∈ G e existe n ∈ dom(p) com
S
p(n) 6= f (n), assim p ⊆ G = g, logo g(n) = p(n) 6= f (n), e assim g 6= f .
Logo, se consideramos D = {An | n ∈ ω} ∪ {Df | f ∈ ω 2}, temos que |D| = 2ℵ0 , e
não pode existir um filtro D-genérico, pois pelo parágrafo anterior terı́amos uma g : ω → 2
com g 6= f para cada f : ω → 2.

Note que no fato anterior temos demostrada que para a cardinalidade do conti-
nuum (2ℵ0 ) nem toda famı́lia de densos admite filtro genérico. Vamos finalmente enunciar
o que é um axioma de forcing.

Definição 1.4.12. Sejam Γ uma classe de p.o.s e κ um cardinal. Um Axioma de Forcing


é uma asserção do tipo “para toda P ∈ Γ e toda famı́lia D de densos de P com tamanho

27
CAPÍTULO 1. TEORIA INTRODUTÓRIA

menor ou igual a κ existe filtro D-genérico”, a qual denotamos

FAκ (Γ).

Fato 1.4.13. É imediato que RS ≡ FAℵ0 ({P | P é p.o.}).

Um exemplo importante de axioma de forcing (o qual, porém, não será explo-


rado neste trabalho) é o Axioma de Martin (MA), que diz que para todo cardinal κ,
ℵ0 ≤ κ < 2ℵ0 , vale MAκ , onde MAκ ≡ FAκ (CCC)28 . Destacamos que a hipótese do
continuum (CH) implica obviamente MA, pois com CH o único κ tal que ℵ0 ≤ κ < 2ℵ0
é ℵ0 , e MAℵ0 é consequência imediata de RS; note também que MA2ℵ0 não pode valer,
pois em 1.4.11 exibimos uma ordem enumerável (logo c.c.c.) sem filtros genéricos para
uma determinada famı́lia de densos de tamanho 2ℵ0 . No entanto, MA + ¬CH é consis-
tente e tem várias consequências interessantes em Análise e Topologia (ver Kunen, [11],
Cap. II).

28
CCC representa a classe de todas as p.o.s que são c.c.c.
28
Capı́tulo 2

DC e CUT(Fin) são axiomas de


forcing

Vamos iniciar este capı́tulo fazendo uma pequena discussão sobre o espaço métrico
das sequências (funções de domı́nio ω) em um conjunto dado. Tal discussão será de
extrema utilidade para mostrar como DC se relaciona com o Teorema de Baire para
espaço métricos completos.

2.1 O espaço métrico das sequências em um conjunto

2.1.1 Relação com a topologia de Tychonoff


Seja A 6= ∅ e considere ω A, conjunto das funções em A, munido de
d : ω A × ω A −→ R

0, se f = g;
hf, gi 7−→ d(hf, gi) =
 1 , m = min{n ∈ ω | f (n) 6= g(n)}, caso contrário
1+m

Como ω é bem ordenado, d é obviamente bem-definida; afirmamos que é métrica:

1. d(hf, gi) = 0 ⇐⇒ f = g é óbvio;

2. d(hf, gi) = d(hg, f i) também o é;

3. d(hf, hi) ≤ d(hf, gi) + d(hg, hi) :


Sejam f, g, h ∈ ω A; se f = h não há o que provar. Consideramos então o caso
contrário e fazemos p = min{n ∈ ω | f (n) 6= h(n)}. Se f = g, obviamente
d(hf, hi) = d(hg, hi) ≤ d(hf, gi) + d(hg, hi)1 . Seja então q = min{n | f (n) 6= g(n)}.
1 1
Se ocorresse q ≤ p então 1+p
≤ 1+q
e aı́ terı́amos d(hf, hi) ≤ d(hf, gi) e acabarı́amos.
1
pois d(hf, gi) ≥ 0; esse tipo de argumento é usado livremente nesse parágrafo.
29
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

Portanto podemos considerar apenas o caso em que q > p; assim, pela minimalidade
de q, f (p) = g(p). Mas pela definição de p, f (p) 6= h(p), i.e., g(p) = f (p) 6= h(p).
Segue que g 6= h – pois g(p) 6= h(p); faça então r = min{n ∈ ω | g(n) 6= h(n)}.
1 1
∴ g(p) 6= h(p) ⇒ r ≤ p ⇒ 1+p
≤ 1+r
, i.e., d(hf, hi) ≤ d(hg, hi), e acabamos.

Logo d é positivamente definida, simétrica, nula apenas para pontos coincidentes


e obedece a desigualdade triangular, i.e., hω A, di é espaço métrico.
Sejam agora:
τ1 := a topologia de hω A, di;
τ2 := a topologia produto de Tychonoff em Aω , A com a topologia discreta.
Fixamos f ∈ ω A uma função arbitrária. Assim, enquanto as bolas abertas cen-
tradas em f constituem uma base local B1 de f na topologia da métrica, as bases locais
de f na topologia de Tychonoff podem ser representadas por B2 = {[f 1+m ] | m ∈ ω},
onde [f 1+m ] = {g ∈ ω A | f 1+m ⊆ g}2 . Vamos provar que tais bases locais coincidem.
1
De j = min{n ∈ ω | f (n) 6= g(n)} =⇒ d(hf, gi) = 1+j
, temos
1 1

g ∈ B f, 1+m ⇐⇒ d(hf, gi) < 1+m
1 1
⇐⇒ 1+j
< 1+m
⇐⇒ m<j
⇐⇒ ∀i ≤ m(f (i) = g(i))
⇐⇒ f 1+m = g 1+m
⇐⇒ f 1+m ⊆ g
⇐⇒ g ∈ [f 1+m ]
1

∴ B f, 1+m
= [f 1+m ], e temos bases locais (de f ) B1 com relação a τ1 e B2 com relação
a τ2 com B1 = B2 para cada ponto arbitrário f do espaço, donde concluı́mos que τ1 = τ2 .

Segue que a topologia que a métrica d induz no conjunto das funções é a mesma
da topologia de Tychonoff ; vamos explorar este fato futuramente.

2.1.2 O espaço hω A, di é completo


Pelo que vimos acima, é claro que

1
d(hf, gi) < 1+m
⇐⇒ f 1+m = g 1+m (*).

Seja hfn in∈ω sequência de Cauchy em hω A, di. Mostraremos primeiramente que existe uma
sequência estritamente crescente3 hnk ik∈ω de naturais t.q. ∀m, n ≥ nk (fm 1+k = fn 1+k ).
De fato:
2
Este fato segue do abordado em 1.2.54.
3
Uma sequência hnk ik∈ω é dita estritamente crescente se ∀k1 , k2 ∈ ω(k1 < k2 =⇒ xk1 < xk2 ); do
mesmo modo, é dita crescente se ∀k1 , k2 ∈ ω(k1 < k2 =⇒ xk1 ≤ xk2 ).
30
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

1
• Dado ε0 = 1+0
= 1, ∃n0 : ∀m, n ≥ n0 (d(hfm , fn i) < 1), pois a sequência é de
Cauchy. Por (*), ∀m, n ≥ n0 (fm 1 = fn 1 );
1
• Se para k ≥ 1 hn0 , n1 , . . . , nk−1 i satisfaz o requisitado, então dado εk = 1+k
,
∃nk : ∀m, n ≥ nk (fm 1+k = fn 1+k ) pelo mesmos argumentos utilizados para ε0 .
Sem perda de generalidade, como vale ∀m, n ≥ nk , podemos supor que nk > nk−1
e ainda temos o resultado válido. Mais que isso, podemos tomar construtivamente,
i.e., sem AC, nk = min{j > nk−1 | ∀m, n ≥ j(fm 1+k = fn 1+k )}.
Segue que hn0 , n1 , . . . , nk−1 , nk i satisfaz o desejado.

Assim, temos que uma tal sequência de comprimento enumerável pode ser cons-
truı́da recursivamente por 1.1.34 como exigido. Agora de posse de uma sequência destas,
faça ∀k ∈ ω(f (k) = fnk (k)); afirmamos que a sequência hfn in∈ω converge para f ∈ ω A.
1
Seja um ε > 0 arbitrário; como R é arquimediano4 , ∃j ∈ ω : 1+j < ε. Vamos mos-
 
1
trar que ∀n ≥ nj d(hfn , f i) < 1+j <ε . Por (*), é suficiente provar que
∀n ≥ nj (fn 1+j = f 1+j ). Sejam então z ≥ nj e t ∈ 1 + j, i.e., t ≤ j.
Por construção f (t) = fnt (t); agora t ≤ j → nt ≤ nj , pois a sequência dos hnk ik∈ω
é crescente. Lembrando que nt foi tomado de modo a ∀m, n ≥ nt (fm 1+t = fn 1+t ),
temos que em particular fnt (t) = fz (t), pois nt ≥ nt & z ≥ nj ≥ nt , donde segue que
fz (t) = fnt (t) = f (t), como querı́amos mostrar.  
1
Segue que ∀n ≥ nj (fn 1+j = f 1+j ), e ∀ε > 0∃nj : ∀n ≥ nj d(hfn , f i) < 1+j
<ε .
∴ fn → f , e acabamos de demonstrar a completude do espaço.

2.2 DC é um axioma de forcing


Vamos mostrar que o Princı́pio das Escolhas Dependentes pode ser visualizado
como um axioma de forcing ao mostrar sua equivalência com o anteriormente visto Lema
de Rasiowa-Sikorski, um resultado primeiramente provado por Goldblatt, [4]. Para isso,
vamos demonstrar o seguinte

Teorema 2.2.1. (ZF) São equivalentes:


DC. Sejam A 6= ∅ conjunto e R ⊆ A × A relação tal que ∀x ∈ A∃y ∈ A : x R y.
Então ∃hxn in∈ω sequência de elementos de A tal que ∀n ∈ ω(xn R xn+1 );
RS5 . Sejam P 6= ∅ p.o. de forcing e D = {Dn }n∈ω famı́lia enumerável de densos.
Então ∃G filtro D-genérico;
Baire p/ Métricos Completos. Sejam M espaço métrico completo e {Un }n∈ω
T
famı́lia enumerável de abertos densos. Então Un é denso;
n∈ω

4
R arquimediano quer dizer que dado um δ > 0, existe um número natural não nulo t tal que 1/t < δ.
5
Observe que segundo 1.4.13, RS ≡ FAℵ0 ({P | P é p.o.}).
31
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

(†). Sejam M espaço métrico completo e {Un }n∈ω famı́lia enumerável de abertos
T
densos. Então Un é não-vazio.
n∈ω

Demonstração. A demonstração do teorema está dividida em partes:

1. DC =⇒ RS
Neste começo vamos explorar essa seguinte forma equivalente de DC:
DC0 ≡ Sejam {An }n∈ω famı́lia de não-vazios;
{Rn }n∈ω t.q. ∀n ∈ ω(Rn ⊆ An × An+1 ) &
∀n ∈ ω∀x ∈ An ∃y ∈ An+1 : x Rn y

Então ∃hxn in∈ω : ∀n ∈ ω(xn ∈ An & xn Rn xn+1 )

Fato 2.2.2. DC =⇒ DC0

Justificativa. Seja A = {ha0 , a1 , . . . , an i | ∀i ≤ n(ai ∈ Ai ) & ∀i < n(ai Ri ai+1 )}


S S Q n
subconjunto de A0 × A1 × · · · × An = Ai construı́do dadas as hipóteses
n∈ω n∈ω i=0
de DC0 , e defina R ⊆ A × A pondo ha0 , . . . , an i R hb0 , . . . , bm i sse

(i) m = n + 1;
(ii) ∀i ≤ n(ai = bi )
(iii) an = bn Rn bn+1

Dado x ∈ A, x = ha0 , . . . , an i, com ∀i ≤ n(ai ∈ Ai ) e a0 R0 a1 R1 . . . Rn−1 an ;


Pelas hipóteses de DC0 , ∃an+1 ∈ An+1 : an Rn an+1 . Assim, y definido como
ha0 , a1 , . . . , an , an+1 i claramente pertence a A com x R y.
∴ Em hA, Ri, ∀x ∈ A∃y ∈ A : x R y, e estamos nas condições de DC.
Segue que ∃hxn in∈ω : ∀n ∈ ω(xn R xn+1 ).
Como x0 ∈ A, existe um k natural t.q. x0 = ha0 , . . . , ak i com an ∈ An e an Rn an+1
para os ı́ndices adequados. Dado que x0 R x1 , obrigatoriamente x1 tem que ter o
formato ha0 , . . . , ak , ak+1 i com ak+1 ∈ Ak+1 , e ak Rk ak+1 .
Indutivamente, temos que se xt = ha0 , . . . , ak , ak+1 , . . . , ak+t i temos portanto
∀n ≤ k + t(an ∈ An ) e ∀n < k + t(an Rn an+1 ), então de xt R xt+1 segue que
xt+1 analogamente tem que ter o formato ha0 , . . . , ak , ak+1 , . . . , ak+t , ak+t+1 i com
∀n ≤ k + t + 1(an ∈ An ) e ∀n < k + t + 1(an Rn an+1 ) – o que vale para cada t ∈ ω.
Segue que a sequência han in∈ω de termos assim obtida de forma recursiva6 satisfaz
an ∈ An & an Rn an+1 para cada n ∈ ω, i.e., vale DC0 – basta construtivamente
tomar o termo an como sendo o elemento relativo à última coordenada de cada xn .
6
Conferir 1.1.34.
32
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

Observação 2.2.3. A recı́proca de 2.2.2 é obtida de forma imediata ao se tomar


An = A & Rn = R para cada n natural.

Finalmente, mostremos que DC0 =⇒ RS.


Sejam hP, 6i 6= ∅ p.o. e D = {Dn }n∈ω famı́lia enumerável de densos. A prova
ingênua apresentada em 1.4.10 nos sugere fazer para cada n ∈ ω, An = Dn e
Rn ⊆ An × An+1 relação definida por pn Rn pn+1 sse pn+1 6 pn .
Nesses termos, valem as condições de DC0 (∀n ∈ ω∀x ∈ An ∃y ∈ An+1 : x Rn y),
pois dados n ∈ ω e x ∈ An , com Dn+1 = An+1 denso, ∃y ∈ An+1 : y 6 x, i.e.,
x Rn y.
∴ por DC0 , ∃hxn in∈ω : ∀n ∈ ω(xn ∈ An & xn Rn xn+1 ).
Isto é, xn ∈ Dn e xn+1 6 xn para cada n. Assim, temos novamente a cadeia dese-
jada, e, como cadeias geram filtros por 1.4.8, ∃G filtro gerado por {xn }n∈ω que é,
portanto, D-genérico. Consequentemente, vale RS.

2. RS =⇒ Baire p/ métricos completos


Gostarı́amos de fazer nessa parte da demonstração uma quantidade enumerável de
escolhas arbitrárias; por essa razão, começamos provando o seguinte

Fato 2.2.4. RS =⇒ ACω


S
Justificativa. Seja {Xn }n∈ω famı́lia de não-vazios e faça X = Xn .
n∈ω
Faça P = {t ∈ <ω X | ∀i < dom(t)(t(i) ∈ Xi )}; isto é, as condições de P são funções-
escolha parciais de {Xn }n∈ω – claro que podemos provar sem parte alguma de AC
que existem tais condições de qualquer comprimento finito.
Vamos olhar para hP, 6i, onde 6≡⊇.
Fazendo, para cada n ∈ ω, Dn = {t ∈ P | dom(t) ≥ n}, temos que Dn é denso.
De fato, dado p ∈ P, se não temos p ∈ Dn de saı́da, basta mostrar que
∃t ∈ P t.q. t 6 p & dom(t) = dom(p) + 1 – pois aplicando este resultado tan-
tas finitas vezes quantas for necessário, obtemos uma condição que estende p e tem
domı́nio n. Agora, dado p ∈ P, p = hp(0), p(1), . . . , p(dom(p) − 1)i, com p(i) ∈ Xi
para cada i < dom(p); como Xdom(p) 6= ∅, podemos tomar z ∈ Xdom(p) com uma
única escolha arbitrária, e fazendo t = p_ z = hp(0), p(1), . . . , p(dom(p) − 1), zi, te-
mos dom(t) = dom(p) ∪ {dom(p)} = dom(p) + 1 e t ⊇ p, i.e., t 6 p como se queria.
Segue que cada Dn é denso. Sendo D = {Dn }n∈ω , por RS ∃G filtro D-genérico;
S
fazendo g = G, temos:
S
(a) G filtro =⇒ g é função: Sejam hx, y1 i, hx, y2 i ∈ g = G;
Assim, existem p, q ∈ G : hx, y1 i ∈ p & hx, y2 i ∈ q; como G é filtro, p e q são

33
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

compatı́veis – com testemunhas no filtro7 , donde por consequência temos que


∃r ∈ G ⊆ P : r 6 p & r 6 q, o que implica que r ⊇ p ∪ q com r função, i.e.,
p e q são compatı́veis enquanto funções8 , e daı́ y1 = y2 e g é função;
(b) G ∩ Dn+1 6= ∅ =⇒ n ∈ dom(g) : Dado um p qualquer na interseção, de
p ∈ Dn+1 segue que dom(p) ≥ n + 1, i.e., n ∈ dom(p); ademais, p ∈ G implica
S
p ⊆ G = g; daı́, como n ∈ dom(p), segue finalmente que n ∈ dom(g).
Como esse n é arbitrário, dom(g) = ω;
(c) G ⊆ P =⇒ g é função-escolha: Dado hn, g(n)i ∈ g, ∃p ∈ G : hn, g(n)i ∈ p;
assim, g(n) = p(n) ∈ Xn , pois p ∈ P.

∴ g é função-escolha de ω em X, e vale ACω .

O fato que acabamos de demonstrar serve para motivar o que seria uma aplicação de
um axioma de forcing em geral, ou seja, as condições são aproximações de um objeto
que se deseja (no caso, uma função escolha); a ordem é tal que extensões comuns de
funções compatı́veis carregam informações mais fortes do que ambas, que concordam
entre si; e o filtro genérico nos dá o objeto desejado, “colando” adequadamente
aproximações compatı́veis que sao provenientes dos densos da famı́lia considerada.
Com o Fato provado, sejam agora M espaço métrico completo, {Un }n∈ω famı́lia
enumerável de abertos densos e V um aberto não-vazio qualquer. Como nosso
T T
objetivo é mostrar que Un é denso, vamos mostrar que V ∩ 6 ∅.
Un =
n∈ω n∈ω
Se τ é o conjunto dos abertos de M , seja P ⊆ <ω (τ \ {∅}) t.q. s ∈ P sse9

(i) hs(i)ii∈dom(s) é decrescente;


(ii) ∀i ∈ dom(s)(s(i) ⊆ s(i) ⊆ Ui ∩ V );
1

(iii) ∀i ∈ dom(s) diam(s(i)) < 1+i

Vamos considerar a p.o. hP, 6i, onde como antes 6≡⊇.


Novamente faça, ∀n ∈ ω, Dn = {s ∈ P | dom(s) ≥ n}. Mostremos que são densos:
Dado t ∈ P, digamos que dom(t) = m, e temos que t satisfaz (i), (ii) e (iii), com
t = ht(0), t(1), . . . , t(m − 1)i = hWt,0 , Wt,1 , . . . , Wt,m−1 i.
Se m ≥ n, não há o que provar. Do contrário, vamos mostrar novamente que
∃s ∈ P : dom(s) = dom(t) + 1 & s 6 t – o que nos basta pois podemos aplicar esta
ferramenta diversas vezes até obter dom(s) = n.
Com Wt,m−1 aberto não-vazio e Um aberto denso, Wt,m−1 ∩ Um também é aberto
7
Esta é a primeira cláusula de 1.4.6.
8
Conferir 1.4.5.
9
Note que essas são condições adaptadas da prova de 1.2.47.
34
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

não-vazio. Como M é espaço métrico, por 1.2.32 temo que M é T3 , logo, por 1.2.33,
1
∃W ⊆ W ⊆ Um ∩Wt,m−1 aberto não-vazio. Podemos supor que vale diam(W ) < 1+m
1

sem perda de generalidade10 , pois basta intersectar W com B w, 2(1+m)+1 e obtemos
as mesmas inclusões – onde w é um ponto qualquer de W .
Fazendo s = t_ W = hWt,0 , Wt,1 , . . . , Wt,m−1 , W i, temos:

(a) Como t satisfaz (i), Wt,0 ⊇ Wt,1 ⊇ . . . ⊇ Wt,m−1 ; por construção, Wt,m−1 ⊇ W .
Segue que s é decrescente, e satisfaz (i);
(b) Como t satisfaz (ii), Wt,m−1 = t(m − 1) ⊆ V ; por outro lado, temos que
W = s(m). Assim, W ⊆ W ⊆ Um ∩ Wt,m−1 está contido em Um ∩ V , i.e.,
s(m) ⊆ s(m) ⊆ Um ∩ V ; como o equivalente já valia para cada i < m, e
m = dom(t) = dom(s) \ {m}, segue que ∀i ∈ dom(s)(s(i) ⊆ s(i) ⊆ Ui ∩ V ), e
s satisfaz (ii) portanto;
1
(c) Como t já satisfazia (iii) e diam(W ) < 1+m
, segue que s satisfaz (iii).

∴ s ∈ P, dom(s) = m + 1 = dom(t) + 1 & s 6 p, como querı́amos, i.e., Dn é denso.


Fazendo D = {Dn }n∈ω , D é famı́lia enumerável de densos; por RS, ∃G filtro
S
D-genérico. Seja então g = G. Exatamente com os mesmo argumentos utili-
zados anteriormente para provar 2.2.4, temos que g é função – uma vez que G é
filtro, e que ∀n ∈ ω(n ∈ dom(g)), já que G ∩ Dn+1 6= ∅ para cada n ∈ ω. Por
consequência, g é função de ω em τ \ {∅}. Faça então ∀n ∈ ω, Wn = g(n).
Considere a sequência hWn in∈ω ; mostremos as seguintes três afirmações:

(I) ∀m ∈ ω(Wm+1 ⊆ Wm ): Por definição Wm+1 = g(m + 1), e assim existe uma
condição s ∈ G ⊆ P tal que s(m + 1) = g(m + 1). Como s satisfaz (i) e m + 1 ∈
dom(s), temos que s(m + 1) ⊆ s(m), e como s ∈ G obrigatoriamente temos
g(m) = s(m). Assim, vale Wm+1 = g(m+1) = s(m+1) ⊆ s(m) = g(m) = Wm ;
(II) ∀m ∈ ω(Wm ⊆ Wm ⊆ Um ∩ V ): Dado m ∈ ω, Wm = g(m) e, como antes, existe
s ∈ G ⊆ P tal que s(m) = g(m). Como s satisfaz (ii), temos que s(m) ⊆ s(m)
e s(m) ⊆ Um ∩ V, i.e., Wm ⊆ Wm ⊆ Um ∩ V ;
1

(III) ∀m ∈ ω diam(Wm ) < 1+m : Analogamente aos dois itens anteriores, temos
1
que para cada m ∈ ω, diam(Wm ) = diam(g(m)) = diam(s(m)) < 1+m
, pois
sm satisfaz (iii) – para algum s ∈ G.

Provadas essas afirmações, concluı́mos de (I) e (III) que hWn in∈ω é uma sequência
decrescente de fechados não-vazios com diâmetro tendendo a zero – uma vez que
Wm ⊆ Wm−1 → Wm ⊆ Wm−1 , que diam(Wm ) = diam(Wm ) e que cada Wm 6= ∅.
10
Como já foi comentado na demonstração de 1.2.47.
35
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

Fato 2.2.5. ACω =⇒ Toda sequência decrescente de fechados não-vazios com


diâmetro tendendo a zero em um espaço completo tem interseção não-vazia.

Justificativa. Este fato já foi provado em 1.2.46; embora lá tenhamos dito ser um
teorema de ZFC, na verdade é claro que utilizamos somente ACω .

Por fim, tomando pelo fato anterior


 x
na intersecção desta sequência, temos que:
T (II) T T
x∈ Wn ⊆ Un ∩ V = Un ∩ V , e mostramos que vale Baire.
n∈ω n∈ω n∈ω

3. Baire p/ métricos completos =⇒ (†) =⇒ DC


A primeira implicação é óbvia; para demonstrar a segunda vamos utilizar o que foi
discutido em 2.1; a demonstração que estamos apresentando segue a de Blair (em
[1]), e acrescentamos aqui todos os detalhes lá omitidos.
Começamos então assumindo as hipóteses de DC: sejam A 6= ∅ um conjunto, e
R ⊆ A × A t.q. ∀x ∈ A∃y ∈ A : x R y. Por 2.1.2, hω A, di é métrico completo (dada
aquela métrica) e tem a mesma topologia de ω cópias de A com a topologia discreta
(por 2.1.1).
Queremos f ∈ ω A : ∀n ∈ ω(f (n) R f (n + 1)).
Vamos definir uma quantidade enumerável de abertos densos cuja interseção (não
vazia por hipótese) nos dê uma f nessas condições.
Pra cada n ∈ ω defina Dn = {x ∈ Aω | ∀j ≤ n∃k > j : x(j) R x(k)}.

• ∀n ∈ ω(Dn é aberto):
Seja x ∈ Dn ; por estar em Dn , ∀i ≤ n∃ki > i : x(i) R x(ki ). Temos assim que
{h0, x(0)i, . . . , hn, x(n)i} ∪ {hk0 , x(k0 )i, . . . , hkn , x(kn )i} ⊆ x m , onde tomamos
m = max{k0 , . . . , kn }+1; assim, toda função que estenda esta restrição satisfaz
as condições necessárias para estar em Dn .
Logo, dado y ∈ Aω , y ⊇ x m ⇒ y ∈ Dn .
∴ x ∈ [x m ] ⊆ Dn , donde todo ponto de Dn é interior, i.e., Dn é aberto11 .
• ∀n ∈ ω(Dn é denso):
Basta mostrar que Dn intersecta todo aberto básico de A. Seja então

s ∈ A, i.e., [s] é um aberto básico. Mostraremos que [s] ∩ Dn 6= ∅; fixe
um único a ∈ A e faça t = s ∪ {hi, ai | dom(s) ≤ i ≤ n}12 ; Com isso,
0, 1, . . . , n ∈ dom(t) =: m (já que é um segmento inicial de ω). Por constru-
11
Note que [x m ] é um aberto básico da topologia considerada.
12
Observe que não estamos fazendo nenhuma suposição adicional sobre dom(s) que obviamente é um
número natural: se por acaso dom(s) > n simplesmente não haverá nenhum i que satisfaça o que pedimos,
dom(s) ≤ i ≤ n, donde seguirá que t = s; em outras palavras, estamos estendendo s unindo pares da
forma hi, ai se necessário para obtermos n no domı́nio da condição.

36
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

ção, [m, +∞[ ∩ dom(t) = ∅ e t é função.13 Vamos então acomodar a partir


de m as testemunhas necessárias para garantir que uma extensão de s esteja
em Dn . Pelas hipóteses de DC que assumimos, para cada i ≤ n vale que
t(i) ∈ A =⇒ ∃ai ∈ A : t(i) R ai .14
Faça então q = t ∪ {hm + i, ai i | 0 ≤ i ≤ n}; assim, q é uma função definida de
m + n + 1 em A, e ∀j ≤ n∃k > j : t(j) R t(k), i.e., [q] ⊆ Dn .
Agora, q ⊇ t ⊇ s ⇒ [q] ⊆ [t] ⊆ [s] por 1.2.51; intersectando com Dn :
∅=
6 [q] = [q] ∩ Dn ⊆ [t] ∩ Dn ⊆ [s] ∩ Dn , e Dn é denso.

Dn ; vamos definir z ∈ ω A recursivamente:


T
Por (†), existe y ∈
 n∈ω
z0 = y(0)
se z = y(j), então z
n = y(k), k = min{n > j | y(j) R y(n)}
n+1

Tal conjunto é não-vazio porque y ∈ Dj , i.e., ∃k > j : y(j) R y(k).


Assim, construı́mos z ∈ ω A t.q. ∀n ∈ ω(zn R zn+1 ), e vale DC.

2.3 CUT(Fin) é um axioma de forcing


Nesta sessão vamos correlacionar o Teorema da união enumerável de finitos com
a existência de um ramo infinito em uma classe especı́fica de árvores – que por sua vez
está intimamente relacionado com a existência de filtros genéricos em uma p.o.; vamos
também olhar para a demonstração do Lema de König apresentada em 1.1.58 e identificar
exatamente o quanto do Axioma da Escolha é utilizado.
Em suma, vamos primeiro mostrar equivalências clássicas entre afirmações com-
binatórias e de escolha, e depois utilizar este fato para relacionar com um axioma de
forcing. Provemos então, inicialmente, o

Teorema 2.3.1. (ZF) São equivalentes:


ACω (Fin). Toda famı́lia enumerável de finitos não-vazios admite função-escolha;
CUT(Fin). A união de enumeráveis conjuntos finitos é enumerável;
Lema de König. Toda ℵ0 -árvore tem um ramo infinito.

Demonstração. A demonstração está, novamente, divida em partes:


13
Estamos utilizando a notação de intervalo, de modo que [m, +∞[ é o conjunto dos números naturais
que são maiores ou iguais a m.
14
Estamos fixando ∀i ≤ n(ai ∈ A : t(i) R ai ); note que estamos fazendo apenas uma quantidade finita
de escolhas arbitrárias, o que é permitido em ZF.

37
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

1. ACω (Fin) =⇒ CUT(Fin)


Seja {An | n ∈ ω} uma famı́lia de conjuntos finitos. Temos por objetivo mostrar
que a união desta famı́lia é um conjunto enumerável; nesse sentido, podemos supor
sem perda de generalidade que cada um desses conjuntos é não-vazio, pois é claro
S S
que {An | n ∈ ω} = {An | n ∈ ω & An 6= ∅}; vamos também supor s.p.g. que
os conjuntos são dois-a-dois disjuntos: podemos fazer isso porque {An | n ∈ ω} e
{A0 , A1 \A0 , A2 \(A0 ∪A1 ), A3 \(A0 ∪A1 ∪A2 ), . . . } tem como união o mesmo conjunto,
e claramente o segundo é constituı́do
 de conjuntos
 disjuntos dois-a-dois (em outras
palavras, basta fazer ∀n ∈ ω A0 n = An \ Ai e trabalhar com {A0 n | n ∈ ω}).
S
i<n
S
Se A = An é finito, não há o que provar; consideramos, então, o caso contrário
n∈ω
e observamos que para cada n natural, P (An ) = {f : |An | → An | f é bijeção}, que
é essencialmente o conjunto das permutações de An , é finito não-vazio (pois cada
An é finito não-vazio). Assim, F = {P (An ) | n ∈ ω} é famı́lia enumerável de finitos
não-vazios. Com ACω (Fin) podemos fixar ∀n ∈ ω, fn : |An | → An bijeção. Vamos
considerar então uma relação r sobre A definida de modo que:
x r y ≡ ∃n, m ∈ ω : n < m, x ∈ An & y ∈ Am ou
−1 −1
∃n ∈ ω : x, y ∈ An & fn (x) < fn (y)
Intuitivamente, estamos organizando os elementos de A de modo que os elementos
de A0 precedam os de A1 que por sua vez precedam os de A2 e assim sucessivamente,
e em cada An ordenamos os elementos conforme a sua imagem inversa com respeito a
fn fixada. Com n 6= m ⇒ An ∩Am = ∅ e cada fn bijetiva, essa definição de r faz com
que hA, ri seja boa ordem – tricotômica, transitiva e com cada subconjunto não-vazio
admitindo menor elemento15 . Assim, vamos mostrar que A é enumerável provando
que o tipo de ordem de hA, ri é ω. Como A não é finito, temos que type(hA, ri) ≥ ω;
vamos obter a igualdade mostrando que para cada y ∈ A, type(hpred(A, y, r), ri) é
finito, i.e., type(hA, ri) é um ordinal infinito com todo segmento inicial finito.16
Seja y ∈ A; então ∃!m ∈ ω : y ∈ Am . Pela definição de r, sabemos que o conjunto
pred(A, y, r) = {x ∈ A | x r y} ⊆ A0 ∪ A1 ∪ · · · ∪ Am , pois x r y ⇒ ∃n ≤ m(x ∈ An ).
S
Como Ai é uma união finita de finitos, é finito, donde segue que y tem finitos
i≤m

15
Para mostrar que todo B ⊆ A não-vazio admite menor elemento, vamos definir para cada n natural
S S S
Bn = B ∩ An ; assim, Bn = B ∩ An = B ∩ An = B ∩ A = B 6= ∅, i.e., existe um ı́ndice m ∈ ω
n∈ω n∈ω n∈ω
mı́nimo t.q. Bm 6= ∅. Por construção, Am = fm [|Am |], em enumeração bijetiva; consideramos então o ı́n-
dice i = min(fm −1 [Bm ]) e afirmamos que x = fm (i) é o mı́nimo de B: com efeito, seja y ∈ B distinto de
x; assim, ∃!k ∈ ω : y ∈ Bk . Se ocorre que m < k, temos direto da definição que x r y; caso contrário, pe-
la minimalidade de m, devemos ter m = k e daı́ temos fm −1 (x) = fm −1 (fm (i)) = i = min(fm −1 [Bm ]), e
como y ∈ Bm é distinto de x obrigatoriamente ocorre que fm −1 (x) < fm −1 (y), i.e., x r y.
16
Essencialmente, estamos utilizando o Teorema 1.1.33.
38
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

predecessores; como esse y é arbitrário, mostramos que type(hA, ri) ≤ ω, i.e., vale a
igualdade e A é, portanto, enumerável.
∴ Vale CUT(Fin).

2. CUT(Fin) =⇒ Lema de König


Seja agora T uma ℵ0 -árvore, i.e., uma árvore de altura ω com nı́veis finitos. Gostarı́a-
mos de mostrar que T tem um ramo infinito. Conforme a prova ingênua apresentada
S
em 1.1.58, podemos escrever T = Levn (T ), e como estamos assumindo que a ár-
n∈ω
vore tem nı́veis finitos, T é uma união enumerável de finitos, donde podemos tomar
por CUT(Fin) uma enumeração T = {tn | n ∈ ω}. Mostramos anteriormente na
prova ingênua17 que:

(a) ∃x ∈ Lev0 (T ) : {y ∈ T | x < y} é infinito;


(b) ∀n ∈ ω ∀x ∈ Levn (T ), se {z ∈ T | x < z} é infinito então ∃y ∈ Levn+1 T :
x < y & {z ∈ T | y < z} é infinito (i.e., se x tem infinitos descendentes, então
x tem um descendente direto y também com infinitos descendentes).

A partir destas informações, vamos demonstrar construtivamente a existência de um


ramo infinito em T .

• Por (a), n0 = min{n ∈ ω | tn ∈ Lev0 (T ) & tn tem infinitos descendentes} é


bem-definido, e temos que tn0 ∈ Lev0 (T ) com infinitos descendentes;
• Argumentando indutivamente, se temos para algum k ∈ ω uma sequência de ı́n-
dices n0 , n1 , . . . , nk tomados não-arbitrários e de modo que tn0 < tn1 < · · · < tnk
e ∀i ≤ k(tni ∈ Levi (T ) tem infinitos descendentes), então tomamos por (b)
nk+1 = min{n ∈ ω | tn ∈ Levk+1 (T ), tnk < tn & tn tem infinitos descendentes}.
Assim, temos tn0 < tn1 < · · · < tnk < tnk+1 , com tnk+1 ∈ Levk+1 (T ) com infini-
tos descendentes.

Assim, obtemos uma sequência htnk ik∈ω : tn0 < tn1 < tn2 < . . . formalmente
o
dada pelo 1 Teorema de Recursão (1.1.34), sequência esta que é uma cadeia de
comprimento ω; agora, como ela tem um elemento de cada nı́vel da árvore, não
pode ser expandida; logo, {tnk | k ∈ ω} é ramo infinito, e, portanto, vale König.

3. Lema de König =⇒ ACω (Fin)


O leitor perceberá que a prova desta última parte do teorema guarda bastante seme-
lhança com a demonstração vista de 2.2.2; de fato, embora não tenhamos utilizado a
denominação de árvore para o conjunto lá construı́do, estávamos lidando com uma.
17
Note que se analisarmos a prova ingênua, verificamos que tanto (a) como (b) dependem apenas da
asserção “união finita de finitos é finita”, que vale em ZF.
39
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

Supondo as hipóteses de ACω (Fin), seja {An | n ∈ ω} famı́lia de conjuntos finitos


S Q
não-vazios. Seja agora T = Ai ; vamos mostrar que hT, <i é árvore, onde
n∈ω i≤n
ha0 , a1 , . . . , ak i < hb0 , b1 , . . . , bt i sse k < t e ∀i ≤ k(ai = bi ). É claro que < é
irreflexiva e transitiva, então resta mostrar que o conjunto dos predecessores de
qualquer elemento é bem-ordenado.18
Seja então a = ha0 , a1 , . . . , ak i ∈ T ; claramente pela definição de < temos que
pred(T, a, <) = {ha0 i, ha0 , a1 i, . . . , ha0 , a1 , . . . , ak−1 i}, i.e., os predecessores são as
restrições de a a elementos não-nulos do seu domı́nio (a 1 = ha0 i, a 2 = ha0 , a1 i,
etc.), o que é claramente bem-ordenado. Portanto hT, <i é árvore.
Afirmação: T é ℵ0 -árvore.
Q
• ht(T ) = ω : De fato, ∀n ∈ ω(Levn (T ) 6= ∅), pois Ai 6= ∅, e um ele-
i≤n
mento deste produto cartesiano tem exatamente n precedentes, i.e., pertence
ao Levn (T ). Por outro lado, Levω (T ) = ∅, pois senão existiria um elemento de
T com infinitos precedentes (um a cada nı́vel), e mostramos que todo a ∈ T
tem finitos precedentes;
• ∀n ∈ ω, |Levn (T )| < ℵ0 : Temos a ∈ Levn (T ) ⇐⇒ a tem n precedentes. Mas
é claro também que a tem n precedentes se, e somente se, a é uma sequência
Q
de domı́nio n + 1, i.e., a ∈ Ai . Agora como ∀i ≤ n vale que Ai é finito,
i≤n

Q
temos que |Levn (T )| = Ai é finito; segue que cada nı́vel da árvore é finito.

i≤n

∴ T é ℵ0 -árvore.
Por hipótese, esta árvore tem um ramo infinito B. Como B é uma cadeia infinita
que não pode ser expandida, segue que B tem um, e só um, elemento em cada um
dos nı́veis – tem só um elemento em cada nı́vel pois dois elementos de um nı́vel não
são comparáveis, e tem pelo menos um porque a cadeia não pode ser expandida.
Escrevemos então B = hbn | n ∈ ωi onde pra todo n ∈ ω, bn é exatamente o ele-
mento de B que está em Levn (T ). Definimos então
S
f : ω −→ An
n∈ω
k 7−→ Πk (bk ) (essa é a projeção de bk na k-ésima coordenada)

Afirmação: f é função-escolha19 de ω em {An | n ∈ ω}.


Q
Com efeito, dado k ∈ ω, bk ∈ Levk (T ), i.e., bk ∈ Ai , donde segue que Πk (bk ) ∈ Ak
i≤k
e, assim, ∀k ∈ ω(f (k) ∈ Ak ) e mostramos que f é bem-definida e função-escolha.
18
Conforme é usual, qualquer elemento ha0 , . . . , an i de T pode ser encarado como uma (n + 1)-upla ou
como uma sequência de comprimento n + 1; para esta prova optamos pela segunda opção.
19
Vimos na observação 1.1.10 que temos duas versões equivalentes do que chamamos de função-escolha.
40
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

∴ Vale ACω (Fin), e acabamos a demonstração.

Provada estas equivalências, vamos finalmente correlacionar CUT(Fin) com um


axioma de forcing, aproveitando a notação apresentada na 1.4.12. Esse resultado foi
originalmente provado por Shannon em [15]. Apresentamos aqui uma demonstração mais
detalhada, usando as equivalências que provamos no teorema anterior.

Teorema 2.3.2. (ZF) Seja Γ = {P | P é p.o. & união enumerável de finitos} classe
própria de p.o.s; então:

FAℵ0 (Γ) ⇐⇒ CUT(Fin)20

Demonstração. Dado 2.3.1, temos diferentes asserções que são equivalentes a CUT(Fin);
vamos então explorar este fato para provar as duas implicações:
⇐ Assumimos então que vale CUT(Fin). Sejam então hP, 6i elemento de Γ e
D = {Dn | n ∈ ω} famı́lia enumerável de densos. Assim, P é união enumerável de finitos
e, por CUT(Fin), é enumerável. Tome então uma enumeração P = {pn | n ∈ ω}. No
que segue, vamos usar a boa ordem de P para mostrar que esta admite filtro D-genérico,
de forma bastante semelhante com as provas de RS vistas em 1.4.10 e em 2.2.1.
Vamos definir recursivamente uma sequência hdn | n ∈ ωi t.q. para cada natural
n, dn ∈ Dn & dn+1 6 dn . Para isto basta fazer d0 ∈ D0 um elemento fixado qualquer21
(bem-definido já que D0 é denso), e definir ∀n ∈ ω, dn+1 = pmin{k∈ω|pk ∈Dn+1 & pk 6dn }
22
(bem-definido já que com Dn+1 denso, {k ∈ ω | pk ∈ Dn+1 & pk 6 dn } =
6 ∅) . Assim, a
sequência definida com uso de 1.1.34 é uma cadeia, e tem um filtro G que a contém, por
1.4.8; como tem um elemento de cada Dn , esse filtro é D-genérico. Mostramos então que
vale FAℵ0 (Γ).
⇒ Agora assumimos que vale FAℵ0 (Γ) e para mostrar CUT(Fin) vamos impli-
car ACω (Fin). Seja então F = {An | n ∈ ω} uma famı́lia enumerável de conjuntos finitos
S Q
não-vazios. Seja agora P = Ai e defina p 6 q ≡ p ⊇ q; note que os elementos de P
n∈ω i≤n
são funções-escolha parciais de F. Notamos que:

• P é união enumerável de finitos: É claro pela definição de P, uma vez que cada
elemento de F é finito, e o produto cartesiano finito de finitos é finito;

• P é p.o.: Basta mostrar que 6 é reflexiva e transitiva, mas isto é óbvio porque a
relação é equivalente a ⊇.
20
Lembramos que FAℵ0 (Γ) significa que toda famı́lia enumerável de densos de P ∈ Γ admite filtro
genérico.
21
Novamente, estamos fazendo apenas uma escolha arbitrária.
22
É claro que, com essa construção, ∀n ∈ ω(dn ∈ Dn ), e que · · · 6 d3 6 d2 6 d1 6 d0 .
41
CAPÍTULO 2. DC E CUT(FIN) SÃO AXIOMAS DE FORCING

∴ Concluı́mos que hP, 6i ∈ Γ.


Definimos agora ∀n ∈ ω, Dn = {p ∈ P | n ∈ dom(p)} e afirmamos que cada
um deles é denso: com efeito, dados n ∈ ω e q ∈ P, se n ∈ dom(q) não temos o que
provar. Caso contrário, existe algum k < n t.q. dom(q) = {0, 1, . . . , k}; assim, com um
número finito de escolhas arbitrárias podemos fixar ∀i, k + 1 ≤ i ≤ n, ai ∈ Ai , já que
todo elemento de F é não-vazio. Fazendo então p = q _ hak+1 , ak+2 . . . , an i temos p ∈ Dn
e p ⊇ q, i.e., p 6 q. Segue que cada Dn é denso como querı́amos.
Seja D = {Dn | n ∈ ω}; por FAℵ0 (Γ), ∃G filtro D-genérico.
S
Afirmação: g = G é função-escolha de F.
De fato, devemos mostrar duas coisas:
S
• g é função de ω em F : Que dom(g) = ω é claro, pois ∀n ∈ ω(G ∩ Dn 6= ∅),
i.e., ∃p ∈ G : n ∈ dom(p), donde temos hn, p(n)i ∈ p ∈ G o que implica que
S S
n ∈ dom( G) = dom(g). Sejam agora hx, y1 i, hx, y2 i ∈ g = G; segue então que
existem condições p, q ∈ G tais que hx, y1 i ∈ p e hx, y2 i ∈ q. Como as condições do
filtro são compatı́veis com testemunha no filtro, segue que ∃r ∈ G : r 6 p & r 6 q;
segue então que r ⊇ p & r ⊇ q, i.e., r ⊇ p∪q. Como r ∈ G, temos que r é função; daı́
S
hx, y1 i, hx, y2 i ∈ p ∪ q ⊆ r =⇒ y1 = y2 , donde g é função e portanto g : ω −→ F;
S
• g é função-escolha: Também é claro, pois pelo anterior, ∀n ∈ ω∃g(n) ∈ F t.q.
S
hn, g(n)i ∈ g = G, i.e., ∃p : hn, g(n)i ∈ p ∈ G ⊆ P, e sendo p uma condição de
P, temos que p é função escolha parcial, ou seja, em particular, g(n) = p(n) ∈ An .
∴ ∀n ∈ ω(g(n) ∈ An ).

Segue então que toda famı́lia enumerável de conjuntos finitos não-vazios admite
função-escolha, e provamos ACω (Fin), i.e., mostramos finalmente que FAℵ0 (Γ) implica
CUT(Fin), como gostarı́amos.

42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43

Referências Bibliográficas

[1] BLAIR, Charles E. The Baire category theorem implies the principle of de-
pendent choices. (Russian summary) Bull. Acad. Polon. Sci. S´er. Sci. Math. As-
tronom. Phys. 25 (1977), no. 10, p. 933-934.

[2] ENGELKING, R. General Topology. Heldermann, Berlin, 1989.

[3] FERNÁNDEZ-BRETÓN; D., LAURI, E. A Characterization of the Boolean


Prime Theorem in Terms of Forcing Notions. Preprint, 09 de Setembro de
2016. https://arxiv.org/abs/1609.02630

[4] GOLDBLATT, R. On the Role of the Baire Category Theorem and Depen-
dent Choice in the Foundations of Logic. The Journal of Symbolic Logic, Vol.
50, No. 2. Association for Symbolic Logic. (Jun., 1985), pp. 412-422

[5] HERRLICH, Horst. Axiom of Choice. Springer-Verlag, Berlin, 1965. Reprinted,


2006.

[6] HODEL, R. CHAPTER 1 - Cardinal Functions I, Editor(s): Kenneth KUNEN,


Jerry E. VAUGHAN, Handbook of Set-Theoretic Topology, North-Holland, 1984,
Pages 1-61.

[7] HODGES, Wilfried. Krull Implies Zorn. (1979). Journal of The London Mathema-
tical Society-second Series - J LONDON MATH SOC-SECOND SER. s2-19. 285-287.
10.1112/jlms/s2-19.2.285.

[8] HOWARD, P. and RUBIN, J. E. Consequences of the axiom of choice. Vo-


lume 59 of Mathematical Surveys and Monographs, American Mathematical Society,
Providence, RI, 1998, viii + 432 pp.

[9] JECH, Thomas. Set Theory. 3rd Millenium ed., revised and expanded. Berlin:
Springer, 2003.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[10] de JESUS, João Paulo C. e da SILVA, Samuel G. Cem anos do Axioma da Esco-
lha - Boa Ordenação, Lema de Zorn e o Teorema de Tychonoff. Matemática
Universitária 42 (2007), 16-34.

[11] KUNEN, Kenneth. Set Theory: an introduction to independence proofs. The


Netherlands: Elsevier Science Publishers, 1980.

[12] LEVY, Azriel. Basic set theory. Springer-Verlag. Berlin, 1979. Reprinted by Dover
Publications, 2003.

[13] SCHECHTER, Eric. (1996, January 16) Topological Equivalents of the


Axiom of Choice and of Weak Forms of Choice. Retrieved from
http://at.yorku.ca/z/a/a/b/18.htm

[14] SHANNON, G. A Note on Some Weak Forms of the Axiom of Choice. Notre
Dame Journal of Formal Logic, 33 (1), 1992, 144-147

[15] SHANNON, G. Equivalent Versions of a Weak Form of the Axiom of Choice.


Notre Dame Journal of Formal Logic, 29 (4), 1998, 569-573

[16] SHANNON, G. Provable forms of Martin?s Axiom. Notre Dame Journal of


Formal Logic, 31 (3), 1990, 382-388

[17] da SILVA, Samuel G. Classes of partial orders for which a natural forcing
axiom is equivalent to Dependent Choices. Preprint (em preparação)

[18] VIALE, Matteo. Useful Axioms. Apresentação no IRP Large Cardinals and
Strong Logics. Barcelona, 2016.

44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  
DC F DC Tfull (F) DC T (F)


DC T 2 (F)

  
FAℵ0 Tfull (F) FAℵ0 T (F) FAℵ0 F

45

Você também pode gostar