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Curso de História

da Matemática
Origens e Desenvolvimento do Cálculo
Curso de História
da Matemática
Origens e Desenvolvimento do Cálculo

Unidade 5
O CÁLCULO NO SÉCULO XVIII
II: Técnicas e Aplicações

H. J. M. BOS,
da equipe de preparação do Curso de História
da Matemática da Open University

Traducão de M.ª JOSÉ MATOSO MIRANDA MENDES

Decanato de Extensão
BE:JEJifom Univer.sidade de Brasdia Serviço de Ensino à Distância
Este livro ou qualquer parte dele
não pode ser reproduzido
sem autorização escrita do Editor.
19 8 5
Impresso no Brasil
EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA
Campus Universitário, Asa Norte
70.910 BRASÍLIA, Distrito Federal
Copyright © 1974 The Open University
Direitos exclusivos· de edição em língua portuguesa:
Editora Universidade de Brasília
Equipe de preparação do Curso de História da Matemática (AM289) da
Open University:
Diretor Geral - GRAHAM FLEGG
Unidades AM289 Cl-C5, Origens e Desenvolvimento do Cálculo
Autores - MARGARET E. BARON e H. J. M. Bos
Edição brasileira
Revisão geral: JOSÉ RAIMUNOO BRAGA COELHO e REGINA CoELI A. MARQUES
Editoração: GERALDO HUFF e MANUEL MONTENEGRO DA CRUZ (Editores);
FATIMA RruANE DE MENESES (Controle de Texto)
Serviço de Ensino à Distância:
Coordenador: T ARciSIO MEIRA CÉSAR

Capa: CLARICE SANTOS


Ilustração: EULER

O presente volume faz parte do Curso de História da Matemática:


Origens e Desenvolvimento do Cálculo da Universidade de Brasília.
Uma lista das unidades que compõem o curso pode ser encontrada ao
final desta unidade.
Para informações acerca da disponibilidade do material de leitura
citado neste texto, escreva à Universichlde de Brasília, Decanato de
Extensão, Serviçc de Ensino à Distância. Campus Universitário, 70.91 O
Brasília, Distrito Federal.

FICHA CATALOGRÁFICA
elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília

Baron, Margaret E.
8265h Curso de história da matemática: origens e desenvolvimento do
cálculo. por Margaret E. Baron e H. J. M. Bos. Trad. de José Raimundo
Braga Coelho. Rudolf Maier e M.• José M. M. Mendes. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1985, cl974.
Sv. ilust.
Título original: History of mathematics: origins and development of
the cale ui us.
51(09) 517(09)
Bos,H J M, , colab.

ISBN 85-230-0172-7 (série)/85-230-0177-8 (Unidade 5)


SUMÁRIO

Unidade 5: O cálculo no século XVIII


II: Técnicas e aplicações
Objetivos 1
Nota sobre as questões 1
5.0. Introdução geral 2
Parte A: Técnicas-padrão do cálculo
5.1. Introdução à parte A 3
5.2. Valores extremos 3
5.3. Pontos de inflexão 8
5.4. A curvatura lO
5.5. Métodos de integração - integração
por substituição 14
5.6. Equações diferenciais 17
5.7. Soluções gráficas 18
5.8. Separação de variáveis 21
5.9. Equações diferenciais lineares
homogêneas com coeficientes constantes 24

Parte B: Aplicações do cálculo


5.1 O.Introdução à parte B 29
5.11. A tratória 30
5.12. A velária e a linteária 31
5.13. A elástica 31
5.14. Movimento em campos de força central 32
5.15. A braquistócrona 33
5.16. A corda vibrante 34
· 5.17. Outras aplicações do cálculo 37
5.18. A catenária 38
5.19. Dedução da equação
diferencial da catenária 40
5.20. Transformação da equação
diferencial da catenária 43
5.21. A "construção" da catenária 44
5.22. Conclusão 49
Referências bibliográficas 49
Agradecimentos 49
Objetivos

O objetivo geral desta unidade é dar a você uma idéia de


como o cálculo foi aplicado no período de Leibniz e Newton
até o final do século XVIII. Mais especificamente:
1. Depois de trabalhar com esta unidade, você deverá
ter uma clara noção das primeiras formas das técnicas-
padrão do cálculo, tais como a determinação de valores
extremos, curvatura, integração por substituição, separação
de variáveis em equações diferenciais e a solução de equações
diferenciais lineares homogêneas com coeficientes constantes.
2. Você deve ser capaz de discutir as principais diferenças
entre estas técnicas e suas formas modernas, especialmente
as diferenças que dizem respeito ao uso de diferenciais, ao
uso de notações e símbolos, ao papel do rigor e ao estilo
geométrico.
3. Você deve ser capaz de discutir várias questões de aplica-
ções do cálculo e de explicar as origens dos problemas e sua
importância para o desenvolvimento posterior da matemática.
4. Estudando a questão do problema da catenária, você deve
adquirir alguma experiência para entender argumentos ma-
temáticos do passado e para encontrar a formulação mate-
mática moderna mais próxima equivalente às antigas; você
também deve ser capaz de explicar várias dificuldades sur-
gidas durante. o estudo da catenária, que foram problemas
típicos àas primeiras aplicações do cálculo.

Nota sobre as questões


Várias questões foram incluídas no texto. Algumas delas
foram especialmente planejadas para que você se certifique
de ter entendido os principais pontos das seções correspon-
dentes; outras questões têm o objetivo de orientá-lo na
consulta dos livros indicados e na seleção de material suple-
mentar. Em alguns casos as questões requerem comentários
críticos e, em outros casos, pede-se que você resuma partes
do texto. A menos que haja instruções em contrário, suas
respostas devem limitar-se a duas ou três frases curtas. É pos-
sível que você também precise elaborar um resultado sozinho,
completar uma demonstração usando um método indicado,
ou ainda verificar um resultado usando seu próprio conheci-
mento de matemática contemporânea.
Recomenda-se que você faça cada questão ou conjunto
de questões antes de continuar a leitura do texto. Uma res-
posta avaliativa (R.A.) aparece logo após cada exercício
sempre que necessário. Naturalmente, é de seu próprio in-
teresse olhar a resposta somente após haver completado sua
tentativa em responder a respectiva questão.
Antes de continuar esta unidade, você deveria reler
"Guia para a leitura das unidades", na página 4-5 da unidade 1.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 1


5.0. INTRODUÇÃO GERAL

Nesta unidade nos ocupamos das técnicas e aplicações


do cálculo no final do século XVII e começo do século XVIII.
Na unidade 4 mostramos como os matemáticos daquele
período pensavam a respeito dos fundamentos do cálculo;
ficou claro que seus argumentos e discussões sobre questões
básicas permaneceram sem solução por todo o século XVIII.
Mas, mesmo assim, o cálculo desenvolveu-se rápida e impres-
sionantemente naquele século. Foram criadas muitas técnicas
novas por meio das quais o cálculo tornou-se uma ferra-
menta bastante eficiente para a solução de problemas de
crescente variedade e complexidade, advindos da astronomia,
da mecânica, da física em geral, e de várias disciplinas tecno-
lógicas.
Por razões de espaço é impossível fornecer nesta unidade um
relato abrangente de todo o desenvolvimento de novos mé-
todos no cálculo e suas aplicações. É também verdade que
muitas dessas novas técnicas são tão dificeis que não podem
ser explicadas no contexto deste curso. Fizemos, portanto,
uma escolha de pontos principais. Na primeira parte desta
unidade apresentamos trechos de textos originais a respeito
de técnicas-padrão do cálculo diferencial e integral. Essas
técnicas utilizam valores extremos, curvatura, equações in-
tegrais e diferenciais.
Na segunda seção abordamos alguns problemas de aplicação
do cálculo. Mencionaremos vários desses problemas, e em
um deles discutiremos sua solução mais detalhadamente.
Trata-se do famoso problema da catenária, resolvido por
volta de 1690.

2 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


PARTE A: Técnicas-padrão do cálculo

5.1. INTRODUÇÃO à Parte A

Na primeira parte da unidade 4 discutimos os conceitos fun-


damentais e as regras básicas do cálculo diferencial e integral ,
como foram formulados no final do século XVH , nos tra-
balhos de l'Hôpital e de Johann Bernoulli. Na primeira parte
desta unidade retomaremos essa discussão e abordaremos
técnicas comuns do cálculo diferencial , inclusive a determina-
ção de tangentes (discutida na unidade 4, p. I O), a determina-
ção de valores extremos, de pontos de inflexão e o cálculo
de raios de curvatura. Além da parte já mencionada , dis- Johann Berno11/li, gra v11ra de J. Ruber, de um
cutiremos essas técnicas nas partes subseqüentes. As técnicas retrato de G. F. Schmidt (Royal College of
do cálculo integral incluem vários métodos de integração, in- Ph ysicians).
clusive o método de substituição, que discutiremos mais
adiante. Entretanto, as mais importantes técnicas do cálculo
diziam respeito à determinação da solução de equações di-
ferenciais ; as últimas seções da primeira parte ocupar-se-ão
destas equações; discutiremos o aparecimento da idéia da
solução/gráfica de equações diferenciais, o método de separa-
ção de variáveis e a solução de equações diferenciais lineares
homogêneas com coeficientes constantes. Em todas estas
seções está incluído farto material de textos originais.

5.2. VALORES EXTREMOS


Gui/laume de !' Hôpital, gra vura de Edelinck ,
de um retrato de Fo11cher (A rchives de l' Aca-
Os métodos de determinação de valores extremos estavam démie des Sciences de Paris).
ligados aos métodos de tangentes desde o começo da história
do cálculo (ver unidade 2, p. 31-2 , sobre o método de Fermat
de "máximo" e "mínimo" ) e, desta forma , com teorias de
diferenciação. Vários problemas que exigem a determinação
de valores extremos apareceram no século XVII ; Kepler,
por exemplo, estudou a melhor forma para os barris de vinho,
e Huygens usou a regra de " máximo" e " mínimo" pata de-
terminar a forma que apresentasse a menor aberração esférica
para uma lente de determinada abertura e distância focal.
Em seu primeiro artigo sobre o cálculo (1684, ver unidade 3,
p. 61-2), Leibniz deu um exemplo de sua aplicação a um pro-
blema de valores extremos (mais precisamente, a demons-
tração da lei de refração de Snell).
Assim , nos primeiros estágios de desenvolvimento do cálculo
diferencial , a determinação de valores extremos foi reconhe-
cida como uma aplicação útil e importante. Os seguintes
trechos do primeiro livro didático sobre o cálculo diferencial , Gollfried Wilhelm Leibniz, gravura da Ga-
a "Analyse" , de l'Hôpital (ver unidade 4, p. 4-5), mostram leria Florence (Mansell Col!ection).

ORIG ENS E D ESENVO L VIMENTO DO CÁLCULO - 3


como a técnica de determinação de valores extremos foi
formulada, por volta de 1690.
Antes de estudar os trechos em questão, convém lembrar o
método moderno de valores extremos: para determinar um
valor máximo ou mínimo de uma função f em [a, b], deve-se
determinar os valores X; de x, tais que, o.u f não seja dife-
renciável em x;, ou f(x;) = O; o valor máximo (ou mínimo)
de {./ta), j{b), f{x;)} será então o valor extremo pedido.
A seção de l'Hôpital sobre valores extremos começa com uma
explicação, sobretudo por meio de figuras, do que significam
valores máximos ou mínimos. Estas figuras são as que apa-
recem a seguir. Em todos os casos, ED é o valor extremo das
ordenadas MP, que variam segundo a posição de P no eixo
horizontal. Observe especialmente os extremos em forma
de pico das figuras.
Segue-se então :

PROPOSIÇÃO GERAL
D
Dada a natureza da curva MDM, determine para AP um valor AE
tal que a ordenada ED seja o valor máximo ou mínimo entre suas
semelhantes PM. Se, quando AP aumenta, PM também aumenta,
é claro que Rm, a diferença de PM, será positiva com relação à di-
TAPp E PpB T ferença de AP; se, ao contrário, PM diminui quando a abscissa AP
aumenta, a diferença de PM será negativa. Qualquer quantidade que
aumente ou diminua de maneira contínua não pode passar de um
valor positivo para um valor negativo sem passar por infinito ou
por zero; isto é, ela deve passar por zero se está diminuindo inicial-
mente e por infinito se está aumentando inicialmente. Segue-se disso
que a diferença de uma quantidade que expresse um valor máximo
ou um valor mínimo deve ser igual a zero ou a infinito. Agora, já
que sabemos a natureza da curva M DM, podemos encontrar uma
expressão para Rm, e podemos encontrar o valor pedido de AE
igualando esta expressão primeiramente a zero e depois a infinito,
segundo a hipótese que considerarmos. 1

A B

m/Í\ R
Nota

A ~ B l. "natureza da curva M DM": na prática, isto significa,


p P E p p
"dada a equação da curva".
Se fizermos AP = x e PM = y, podemos resumir o argumento
de l'Hôpital da seguinte maneira: con~idere um valor máximo
(como na figura mais acima; o caso para um valor mínimo
é análogo) e seja dx positivo. À esquerda do valor máximo,
dy é positivo, à direita, é negativo. Portanto, no valor má-
ximo, dy = O ou dy = oo.

1 L'HôPITAL. Analyse des infiniments petits. 1696. Parágrafo 46.

4 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


DES INFINIMENT J>ETITS, 1. f' 4 rt. ~i. AN AL y sE
41
fant coújou1s, fa ditfércncc fe1;i négacive. Or toucc qu.m-
SECTION III. cicé qui croit ou diminuc cominücllemem, ne pcur dcvc-
nir de politive négacive, qu'dlc nc paílc par l'infini ou
Vfage du calcul drs_ differenm po~r f~OU'Utr lrs plus par le zero; f5-1vo1r par le z.cro lorfqu'clle va d'abord cn
grandes & les momtlres appl, 1um, ou fi réduiftnt diminüJnC, & par l'mfini lorfqu'clle va d'aborJ cn aug-
memmr. lYou il foic que la d1ffcrence d'11nc quamiré qui
les quejlzons De maxums & minimis. exprime un pl•s gr11ná ou un moindre, doic êrre i:-g~lc il
D E1 F l N l T l O N J. zero ou à l'infini. Orla nature de la cou1be MDM l'tJIIC
donnéc, on crouvera * une valcur de Rm, laquelle éram c'.·ga-
S OI T une l_igne courbe MDM donr lcs appliquées rM,
ED, tM fo1emp:1rallclcs cn_n'ellcs; &qu1 foit tcllc que
lée d'abord à zero, & enfu1ce à l'infini, {ervira à décou-
vrir la valcur chcrchée de .AE dans l'une ou l'aurre de ccs
b coupce ~P cro,i_íl.mt contmucllcmenP, l'appliquée PM fuppoíitions.
ctoilfc _aufü Jufqu a un _c-:rtam pomr E, aprés lcqud clle
d1m111uc ; ou au Cc_>ntraire qu'cllc dimm11c jufq 11 'à un cer- R E M A li. ~ E.
cam pomt E, aprcs lcqucl cllc: cro1tJc. Cela pofc
L1 l1 9nc ED lera nommée /4 pl11t gr,már, ou /4 ;,,oinárt
4 LA
7· rangente eÍl D dl parallcle à l'axe AR lorfque
la d1ffércnce Jlm devicnc nulle dans ce poinc ; mais lor(:.
apphquce.
qu'cllc dcvienc infinie, la t~ngeme fc CC'nfond av<'C l'ap-
D 1
E F I N I f I O N I I. pliquée ED. D'ou l'on voit que la raifon de mR à RM, qui
exprime cdle de l'appliqnée à la foucangeme, cíl: nulle ou
Si l'~_n P!·opofe uné qu~mité. tcl!e que r M, qui foit infinie fom le poinc D. .
compokc d une ou _d~ plultcurs 1mlcccrminécs tellcs que
On conçoit :ufémcm qu'tme quamicé,qui diminuc con-
.AI', laqur)le A P crotfl~,nt cont111ücllement, cerre quamiré
cinüellemcm, ne peut dcvenir de poficive négarive fans
I'M cro1íle ~uffi Jufqua un cerram poi!1t E, apré) lcqucl
paller par le z.ero; mais on nc voir p:s avec la même évi-
cllc durnnue, ou au comra1re; & qu 11 t:ulle trouvcr pour
dcncc que lorfqu'clle :111gmcnre,ellc doive paílcr par l'in- ·
À P, une valeur .A E tcllc que la quantiré ED qui eu dl com-
fini. C'eíl:-pourquoy pour aidcr l'imaginacion, fmcnt en-
poréc, foit plus grande hu rn~indre que routc aurrc quan- cendues des c:mgcntes aux poinrs M, D, M; il ('{l clJir dans
mc P M fcmhl.1blcmcm formce de .AP. Cela s'appelle une les courbes ou la rangenre en D cll parallclc à l'axe AR,
qucfiion Dr m4ximis dr minimis.
que la fom:mgenre rr angmenrc conrinücllcmem à. me-
p R O l' OS l T l ON G E'N E' RALE. fure que lcs points M,P approchcnt dcs poinrs D,E; &
que lc poinc M tombam en D, cllcdcviem infinic ;&qu'cn-
-4 6. LA r.11turr ár la lignr m1rbr MDM ft411t don11í-e, fin lorfquc AP furralfe .AE, la fourangcntc PT dcvicnc*né-
trouvrr pour AP 1111r valo,r AE triir 111r l'11J'Pli1ulr ED fait gativc de poíitivc qu' elle écoit, ou au contra ire.
/., p/111 gr,már 1111 la m,imirr dr fts fimblablrs PM.
Ex e M P t E 1. -
Lnrli.1ue .Ar croi!f.mr, P M croir aulli; il ell évidcm * que 48. Su, PO~ oNS que x'-t-/=4XJ ( AP=.v:,PM-J,
fa d1tti.rcm:e Rm fera pofinvc par rapport à cellc de A p; AB=a) exprime la narurc de la courbe MDM. On aura
& qu'au comratrc lorlque r M diminui: ,la coupée A p crui1: cn prcnanc lcs dilfércnccs 1xxáx-+JJJdJ=4xd.1-t-.1Jáx,
1:

Trecho de Analyse des infiniments petits, de Trecho de Analyse des infiniments petits, de
l'Hôpital, parágrafo 46 (Turner Collection, l'Hôpital, cont. do parágrafo 46 (Turner
Universily of Keele). Collection, University of Keele).

A razão disso é que, conforme afirma l'Hôpital, se certas


quantidades mudam continuamente de positivo para negativo,
elas devem passar por zero ou por infinito. Este argumento
implica um conceito da continuidade de quantidades variá-
veis: tais quantidades não "saltam", mas variam gradual-
mente. A hipótese da continuidade de variáveis, conhecida
como a "lei da continuidade", foi amplamente aplicada à
matemática e à física matemática do século XVIII; desem-
penhou importante papel nos debates sobre os fundamentos
do cálculo (ver unidade 4, p. 35-6).

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 5


Q.A. 1
Você pode dar um exemplo, no sentido de l'Hôpital, de uma
quantidade que vá de positivo a negativo passando por in-
finito?

R.A. 1

Considere a subtangente t de uma parábola com vértice A.


Para x negativo a subtangente é positiva; para x positivo, ela
X X é negativa; para x = O a subtangente é infinita. Assim, se x
mover-se de valores negativos para valores positivos, pas-
sando por zero, t mover-se-á de valores positivos a negativos,
passando por infinito.

L'Hôpital deu muitos exemplos de aplicações da regra para


valores extremos. Citamos os dois primeiros.

D Suponhamos que a curva M DM seja dada pela equação x 3 + y 3 =


= axy (AP = x, PM = y, AB = a). Tomando as diferenças, obteremos
3xxdx + 3yydy = axdy + aydx, de forma que teremos:
dy = aydx - 3xxdx = 0
3y_r - ax

onde o ponto l' coincide com o ponto E pedido. Temos portanto


A _ _ _ _ _ _.....__ _,_ _ _ _ __ . 'd o esse va1or por y na equaçao
3xx su bs1ttu1 - x 3 + y 3 = axy,
y = --;
p E p B a
achamos que se AE tem valor x = _!_ a ;j'i, ED será a maior das
3
ordenadas PM. 2

Nota
1. x 3 + y 3 = axy é a equação do chamado folium de Descartes
(ver unidade 2. p. 38), uma famosa curva que desde a época
de Descartes tem sido freqüentemente usada para testar
métodos infinitesimais.
Observe-se que o tratamento moderno (conforme citado
antes) do problema de determinação de valores extremos
da ordenada do folium de Descartes implicaria que a variável y
fosse representada como uma função de x, mas isso não é
fácil, pois envolveria a solução de uma equação cúbica. Na
verdade, uma solução moderna aceitável envolveria um teo-
rema mais complexo, o teorema das funções implícitas. Esta
observação pode servir para ilustrar o fato de que o cálculo
primitivo era um cálculo de variáveis e suas relações, ao

2 L'HôPITAL, op. cit., parágrafo 45.

6 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


invés de ser um cálculo de funções (ver unidade 3, p. 72),
e o fato de que, em alguns casos, o enfoque antigo, apesar
de menos rigoroso, era mais direto.
O segundo exemplo de l'Hôpital mostra a aplicação do cri-
tério dy = oo :

Seja a equação que expressa a natureza da curva MDM


y - a = a' 1 ' 31 (a - x)' 2131 • Tomando-se as diferenças, obtemos
dy = -2dx.Jã 1. I . . .,
3~ , a qua 1gua amos primeiramente a zero; mas Ja
3 ~ (a - x)
que esta hipótese resulta em -2dx -:fã= O, que não possibilita a
determinação de uin valor para AE, igualamos então - ~
3 3 (a - x)
a infinito, o que resulta em 3 ~ (a - x) = O, de onde deduzimos que
x = a é o valor pedido de AE. 3

Nota
1. A curva é a do formato apresentado na terceira figura
da p. 4.

Q.A. 2
Desenhe:
(a) Curvas com valores extremos das ordenadas que não
podem ser determinadas aplicando-se o método de l'Hôpital.
(b) Curvas para as quais o método de l'Hôpital indicaria
valores que não são, na verdade, extremos.

R.A. 2
Em D, dy não é zero nem X>, mas salta de valores positivos
a valores negativos sem passar por zero ou infinito. Em
D 1 dy = O e em D 2 dy = oo, mas nem D 1 nem D 2 são valores
extremos da ordenada.

A condição de l'Hôpital, dy = oo, evidentemente diz respeito


a casos que são tratados na teoria moderna considerando-se
pontos nos quais a função f não é diferenciável. Mas é im-
portante notar que, para l'Hôpital, ambos os casos, dy = O
e dy = oo, dizem respeito a quantidades continuamente va-
riáveis. Assim, sua regra diz respeito apenas às curvas "bem-
comportadas". Na verdade, alguns pontos excepcionais,
nos quais as funções são não-contínuas ou não-diferenciáveis,
permaneceram anomalias (e freqüentemente armadilhas)
na análise por todo o século XVIII.

3 L'HôPITAL, op. cit., parágrafo 49.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 7


5.3. PONTOS DE INFLEXÃO

Outra técnica-padrão de diferenciação era o método de


determinar pontos de inflexão em curvas. Tal método envolve,
como os métodos de curvatura (que disq1tiremos na seção
5.4), o uso de diferenciais de segunda ordem (ver unidade 3,
p. 60-1 e unidade 4, p. 10-1). Pontos de inflexão são pontos tais
como B e C, na curva mostrada na figura ao lado, pontos
nos quais a inclinação da curva muda de sentido: de A até B
a curva dobra para a direita; de B até C dobra para a esquerda;
de C até D dobra para a direita novamente. Dizemos também
que a parte AB é côncava com relação ao eixo, e que a parte
BC é convexa com relação ao eixo; a parte CD também é
côncava com relação ao eixo. Um argumento moderno do
cálculo é o de que num ponto de inflexão a segunda derivada
f" da função, cuja curva aparece no gráfico, é igual a zero.
Em sua publicação de 1684 sobre cálculo diferencial, Leibniz
discutiu a concavidade e a convexidade com relação à di feren-
cial de segunda ordem. Citamos a definição de l'Hôpital de
pontos de inflexão e a obtenção -de um método para deter-
minar esses pontos:

DEFINIÇÃO

Quando uma curva AFK é parcialmente côncava e parcialmente


convexa com relação a uma linha reta AB ou com relação a um
K ponto fixo B, o ponto F, que separa a parte côncava da convexa,
marcando o fim da primeira e o começo da segunda, é chamado
ponto de inflexão ( ... )

PROPOSIÇÃO - Problema geral

Dada a natureza da curva AFK, determinar o ponto de inflexão F ( ... ).


Suponhamos primeiramente que a curva AFK tenha como diâmetro
L TAP E B
a linha reta AB e que suas ordenadas PM, EF, etc. sejam todas pa-
ralelas entre si. Se traçarmos a ordenada FE e a tangente FL pas-
sando pelo ponto F, e se traçarmos uma ordenada MP e uma tan-
gente MT passando por um ponto M qualquer no intervalo AF,
fica claro que, ( ... ) para curvas que tiverem um ponto de inflexão,
quando a abscissa AP aumentar continuamente, AT, a porção do
diâmetro cortada entre a origem de x e o ponto de interseção da
tangente com o diâmetro, também aumentará até que o ponto P
esteja na posição E; neste ponto, começará então a diminuir. Daí
vemos que se A T for co/ocadn em P contra o eixo, este segmento deve
alcançar um maximum, AL, quando o ponto P estiver no ponto E
necessário ( ... ).

dx
Se chamarmos agora AE de x, e EF de y, teremos AL = y - - x.
dy
.,
Portanto, a d1ierença d AL . dy 2dx - ydxddy
e e 2 dx (supondo-se
dy
que dx seja constante), o que, quando dividido por dx (a diferença
de AE) deve desaparecer ou tornar-se infinito, o que nos dá yddy = O
dy2

8 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


ou infinito, de modo que, multiplicando-se por dy 2 e dividindo-se
por - y, obtemos ddy = O ou infinito. Utilizaremos essa fórmula
mais tarde como fórmula geral para determinar o ponto de infle-
xão ( ... )4

Nota
1. "se colocado em P contra o eixo": significa que, para
cada ordenada PMa correspondente AT deveria ser colocada
contra x = AP. Isso daria uma nova curva que deveria ter
uma ordenada máxima E igual a AL.
Podemos resumir o argumento da seguinte maneira: exa-
minando a figura, l'Hôpital conclui que a interseção L da
tangente com o eixo horizontal alcança sua posição máxima
à esquerda se a tangente for traçada no ponto de inflexão.
Portanto, AL é um valor extremo da variável AT. AT é a
. dx dx
diferença entre a subtangente y-d e x:AT=y--x.
y dy
Segundo a regra para valores extremos, o ponto de inflexão
é determinado tomando-se d(An = O ou d(An = oo. Se su-
pusermos que dx é constante, a premissa anterior levará às
condições ddy = O ou ddy = oo para o ponto de inflexão.

Q.A. 3
Tente derivar estas condições a partir de d(A n = O ou
d(An = oo. Verifique se você utiliza as mesmas fórmulas
de l'Hôpital e se l'Hôpital introduziu algumas premissas
tácitas.

R.A. 3

Calculamos d(An:

d(An = d(y dx - x)
dy

= d(yd~x)- dx
= dy • d(ydx) - ydx • d(dy) _ dx
dy2
= dy • (dydx + yddx)- ydx • ddy _ dx
dy2

Supõe-se, agora, que dx seja constante, de modo que ddx = O.


t d(An = dy 2 dx - y2 dx ddy _ d x -_ -y dx 2ddy
Portano,
dy dy

4 L'HôPITAL, op. cit., parágrafos 59 e 60.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 9


Aparentemente, l'Hôpital supõe agora que dy e y sejam di-
- y dx ddy
ferentes de zero, de modo que se 2 = O ou = oo ele
dy
pode concluir que ddy = O ou dd y = oo.

Uma vez que se supõe que dx seja constante, ddy = O implica


2
que -d y-2 = Oe, portanto, correspon de a' cond 1çao
. - acima
. men-
dx
cionada, de que a segunda derivada da função que representa
a ordenada da curva deve ser igual a zero num ponto de
inflexão. A condição ddy = oo leva l'Hôpital a considerar
pontos de singularidades (isto é, pontos onde a curva não
se comporta continuamente), tal como o ponto C na figura
ao lado. Ele chama tais pontos de " pontos de mudança de
direção"; o termo moderno é " vértices". O estudo destas
e de outras singularidades tornou-se importante mais tarde
na teoria de curvas algébricas, onde estes pontos de exceção
(vértices, pontos de ramificação, etc.) desempenhaô.1 um
papel importante e significativo.

5.4. A CURVATURA

Vimos o conceito de curvatura na unidade 3, onde foi dis-


cutida a fórmula de Newton para o raio de curvatura. Pode-se
dizer que o estudo da curvatura começou com as investiga-
ções de Huygens sobre o relógio pendular (por volta de 1600).
Entretanto, Huygens não derivou uma fórmula geral para o
raio de curvatura.
Uma fórmula geral nesse sentido, com símbolos e notação
leibnizianos foi primeiramente publicada em 1694 por Jakob
Bernoulli. Ele descobriu que precisava de uma medida de
curvatura em seus estudos sobre a forma adquirida por uma
barra elástica sob ação de forças externas (ver seção 5.13).
A publicação da fórmula para o raio de curvatura - Jakob
Bernoulli chamava-a " teorema de ouro" - ocorreu no
começo de um artigo escrito por Jakob sobre a questão da
forma de barras elásticas.
Christian Huygens (1 629-95), em uma me- Citamos a apresentação da fórmula e a demonstração feita
dalha da coleção A . R . Michaelis (Ronan
Picture Library).
por Jakob. É difícil acompanhar. o argumento devido à
notação utilizada. Acrescentamos, portanto, uma paráfrase
do argumento.
É importante notar que Bernoulli considera o centro de cur-
vatura f como a posição limite do encontro de duas normais
nos pontos a e b da curva. Na figura , supõe-se que ab seja
infinitamente pequeno.

10 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


'FIG.I'l
i
..
lo

-tr• l'

,.
)O

,,• 4r
,

e
,
'

~ J,>
,, ,,•

J•
J
/f
t
lí"
V. Plano de Christian Huygens para
t' um relógio pendular, em sua obra
C•nfr'J°',~ , Horologium oscillatorium, Pa-
Celltr gr. ~ 3 ris, /673 (Roman Picture Libra-
ry e E. P. Goldsmith & Cia.).
f
(As duas barras curvas na figu-
G ra II são usadas para modificar
a curvatura do prumo do pên-
dulo.)

... [A figura] mostra duas porções infinitamente pequenas, ab e bc,


1 de uma curva qualquer. As normais a ab e bc, as linhas af e bf, que
2 são raios do círculo tangencial, encontram-se num ponto f da Evoluta.
O ângulo afb entre essas duas linhas é igual ao ângulo gbc, formado
pelas linhas ab e bc. Eliminamos o segmento bh = bc e imaginamos
que linhas paralelas ai, bn e co sejam traçadas, bem como bl, hom
e gcn. O primeiro conjunto de linhas paralelas são os elementos das
abcissas e o segundo conjunto são os elementos das ordenadas (isto
é, dx, dy, ddx, etc.). Afirmo que:
Se partirmos do pressuposto de que os elementos ai e bn das abscissas,
ou seja, que os dxs são iguais, o raio do círculo tangencial será af ou
3 z = ~ - Para gc • bc:: gc • hc + hc • bc:: üá que os triângulos
dx ddy
bng e chg são semelhantes entre si, como também o são os triân-
gu]os hcb e abf) bg • bn + ab • bf:: ab • ai + ab • bf : : ds • dx + a
4 +ds•z::dsq•zdx e gc=gn-nc=bl-nc=ddy e bc=ds;
teremos ddy • ds:: dsq • 2dx. 5
f
5 BERNOULLI, Jakob. "Curvatura laminae elasticae ... ". Acta eruditorum,
junho, 1694.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 11


Notas

1. O " círculo tangencial " é o círculo cujo centro é o centro


de curvatura e cujo raio é o raio de €urvatura.

2. A " evoluta" é o lugar geométrico dos centros de curva-


tura - a expressão de Bernoulli significa portanto que fé o
centro de curvatura em a.

3. A notação utilizada nesse capítulo deve ser explicada :


representa a razão de proporcionalidade
a •b : : e •d
a :b= e : d ou ; = ; ; o sinal + indica composição (e não
adição! ) de razões; portanto, a • b + e • d significa
. a
Jak ob Bernou lli em uma grav ura de P. Dupin (a : b) x (e : d) ou b • de .
(Roya l Coll ege of P hysicians).

4. dsq significa ds 2 •
O argumento de Bernoulli pode ser transcrito da · seguinte
forma:
Pela figura concluímos que as seguintes semelhanças de tri-
ângulos são aproximadamente verdadeiras:
- o triângulo bng é semelhante ao triângulo chg ;
- o triâ ngulo hcb é semelhante ao triângulo abf

Portanto ,
gc : hc = gb : nb e hc : bc = ab : bf
Bernoulli supõe em seguida que os dxs são iguais (ver uni-
dade 4, p. 10-1 ), ou seja, no presente caso, ele supõe que
ai é igual a bn . Portanto; os triângulos alb e bng são con-
gruentes. Com esses dados podemos estabelecer o seguinte
argumento:
gc gc hc bg ab ab ab
- ==-• - = - • - = - • -
bc hc bc bn bf ai bf
Agora ab é a diferencial de comprimento de arco ds, ai é a
diferencial dx, bf é o raio de curvatura z , de modo que
gc ab ab ds • ds ds 2
- = - • - = - -- = - -
bc ai bf dx • z zdx
Por outro lado gc = gn - nc = bl -, nc.
bl e nc são as diferenciais de y em a e b , respectivamente ;
sua diferença , portanto , é a diferencial de segunda ordem
de y. Logo gc = bl - nc = ddy. Portanto,
gc dd y
- = --
bc ds

12 - CUR S O DE HISTÓ R IA DA M ATEMÁTICA


Combinando esses resultados, obtemos:
2 3
-ds = -
ddy .
- e assim z = -ds
--.
zdx ds dx ddy
Citamos a derivação de Bernoulli de uma fórmula válida
sob a condição de que os dxs sejam iguais entre si, ou, como
diz Bernoulli, que dx seja constante. Ele também deriva
fórmulas para ds constante e para dy constante.
É importante notar que não aparecem derivadas na fórmula
de Bernoulli; na verdade, a fórmula envolve um produto
e um quociente de diferenciais. Para traduzir a fórmula em
termos de derivadas, temos que dividir o numerador e o
denominador por dx 3 (uma vez que se supõe que dx é cons-
tante):
.
Ass1m, ds3 . 1·
z = -d d 1mp 1ca que
xd y
(ds/dx) 3 (j(l + (dy/dx) 2 )) 3
z - --- - --------
- d 2 y/dx 2 - d 2 y/dx 2
e se fizermos y = f(x), chegaremos a
(j(I + (f'(x) 2}} 3
z=~------
f"(x)

de modo que a fórmula de Bernoulli corresponde à fórmula


de Newton discutida na unidade 3, p. 37.

Q.A. 4
ds 3
Aplique a fórmula de Bernoulli z = - - - para calcular o
dxddy
raio de curvatura da parábola ay = x 2 no ponto (a, a).

R.A. 4
ay = x 2 , portanto ady = 2xdx, e addy = 2xddx + 2dxdx.
Como dx é constante, temos ddx = O, de modo que
add y = 2dxdx.
Além disso,

ds = j(dy2 +dx 2 ) = J(( 2: dxy + dx 2 ) =

= dx J(( :)2 + 1).


2

Portanto,

J(( : Y+ ))3
2 1
ds3 dx 3 (
Z=---=---------
dxddy 2
dx-dx 2
a

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 13


Em nosso caso x = a, de modo que

z = !!_2 (j(4+}))3 = 2-2 aJs.

5.5. MÉTODOS DE INTEGRAÇÃO -


INTEGRAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO

As " regras do cálculo" tornam possível diferenciar qualquer


função (ver unidade 3, p. 58-9) ou, para usar terminologia
leibniziana, encontrar a diferencial de qualquer quantidade
variável proposta. O caso da integração é bastante diferente;
não há regras fixas, segundo as quais todas as funções pro-
postas possam ser integradas. Ao invés disso, existem algumas
regras, métodos e técnicas que podem ser usados com sucesso
na determinação de integrais.

Trecho de " Lectiones mathematicae de metho-


do integralium". ln : Opera omnia, 1742
(Turner Co/lection, University of Kee/e).

14 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


Tanto Leibniz como Newton sabiam que não havia nenhuma
regra geral para a integração, e consideravam um dos maiores
problemas de suas novas teorias a determinação de integrais
para o maior número de funções possível, ou seja, a determina-
ção de quadraturas do maior número de curvas possível.
Vimos (unidade 3, p. 12-3) que Newton calculou extensivas
tabelas de curvas e suas quadraturas correspondentes. Lt!ibniz
também dedicou muito tempo à questão da determinação
de vários tipos de curvas cujas quadraturas podiam ser
encontradas.
Já que não havia nenhum método geral para a integração,
Johann Bernoulli começou as aulas para o marquês de
l'Hôpital com uma série de técnicas a serem aplicadas para
se achar as integrais de expressões dadas. Uma dessas técnicas,
a mais eficiente delas, era o método de substituição. Citare-
mos a explicação de Bernoulli para esse método.
O método de substituição é particularmente interessante
porque mostra claramente as vantagens da notação Ieibni-
ziana para diferenciais. Para verificar isso, você deveria
comparar a explicação e o uso da regra feitos por Bernoulli
com a formulação moderna em termos de funções e derivadas.
Para facilitar a comparação acrescentamos a formulação da
regra em termos de funções e derivadas e uma paráfrase
correspondente do exemplo usado por Bernoulli para ex-
plicar seu método.
O texto de Bernoulli é o seguinte:
Antes de procedermos ao estudo de como o cálculo integral é usado
e aplicado, resta-nos descrever mais uma maneira de determinar
integrais, que pode ser empregada ocasionalmente e que torna o
método geral muito mais breve. Na verdade, pode haver tantas quan-
tidades envolvidas na expressão a ser integrada que não fica imedia-
tamente claro se ela pode ser reduzida a um dos casos já estudados
por nós, e portanto não fica claro se a expressão pode ser integrada
ou não. O método que vamos descrever reduz o número de termos
na expressão a ser integrada, e desta forma faz com que a integral
seja facilmente determinada. Podemos tomar uma quantidade sob
um sinal de raiz, ou outra quantidade tomada como um todo se-
parado, e igualá-la a uma letra única qualquer. Transformamos
então a quantidade dada por meio desta substituição em alguma outra
quantidade expressa unicamente em termos dessa letra. Essa nova
quantidade, que usualmente será bastante menor, pode então ser
integrada, e o resultado pode ser novamente transformado na inte-
gral pedida, substituindo-se o valor da letra tomada.
O processo fica melhor explicado por meio de um exemplo. Supo-
nhamos que se ueira determinar a integral de (ax + xx)dx J (a+ x).
Substituindo (a+ x) = y, obteremos xJ
yy - a,
e desta forma
dx=2ydy, e toda a quantidade (ax+xx)dx (a+x)=2y6 dy-2ay4 dy.
Agora, é fácil e lógico integrar essa expressão; sua integral é
~ y1 - ! ay5, e, depois de substituir o valor de y, vemos que a

integral é 1_ (x + a) 3 J(x +a)_ 1_ a(x + a) 2 j(x + a). 6


7 S
------
6 BERNOULLI, Johann. "Lectiones mathematicae de methodo integralium"
(Iectio 1). ln: Opera omnia (1742). v. III, p. 392.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 15


A regra de integração para substituição é a seguinte:

f b
a
g[K(x)] • K'(x)dx =
fK(b)
K(a)
g(y) dy.

Isto é, se as funções F • g e K são tais que:


f(x) = g[K(x)] • K'(x)
e se G é a função primitiva de g, então F, definida por
F(x) = g[k(x)], é a função primitiva de f
Entretanto a função f, a qual está sendo integrada, pode ser
escrita como
f(x) = g[K(x)] • K'(x),
o problema se reduz a achar a integral de g.
O exemplo de Bernoulli, usando esta notação e terminologia,
pode ser tratado da seguinte maneira :
f(x) = (ax+ x 2) ~
y = K(x) = J (a + x)
tal que:
x = (K(x)) 2 - a
então:

K'(x) = _!__(a+x)- 112


2
Assim, escrevendo f(x) = g[k(x)] • K'(x) teremos:
g[K(x)] = 2 (ax + x2) j(a + x) • j(a + x)
= lx (a+ x) (a+ x)
= 2 [(K(x) 2 - a] [K(x)] 4
= 2 (K(x)) 6 - la (K(x)) 4
logo
g(y) = 2y 6 - 2ay 4
e achamos
2 2
G(y) = -y1 - -ays.
7 5
Então
,, 2
F(x) = G[K(x)] =.::.._(a+ x) 712 - - a(a + x) 5 12 .
7 5

Podemos tratar esse exemplo utilizando uma forma alterna-


tiva da fórmula de integração por substituição:

f a
b
g(x) dx =
fh(b)
h(a)
g[K(x)] K'(x) dx.

Onde h(x} tem a seguinte propriedade h[K(x)] = x.

16 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


Agora, sendo (pelo exempl0 de Bernoulli):
g(x) = (ax + x 2) J (a+ x),
seja
h(x) = J(a + x)
e logo
K(x) = x 2 - a
K'(x) = 2x.
Então, substituindo esses valores na fórmula de integração,
com cuidado na escolha dos limites, teremos:

= f
(a+x)

o
(2x 6 - 2ax4 ) dx

2 2
=-(a+ x)112 - -a(a + x)s12_
7 5

Q.A. 5
Compare o método de Bernoulli com o método moderno.
Que diferenças você encontra, com relação à simplicidade
e ao rigor?

R.A. 5
O método de Bernoulli é menos rigoroso; é baseado na
manipulação de diferenciais, mas, apesar disso, é mais
simples e mais fácil: uma vez que y esteja escolhido, o cálculo
é automático; é somente necessário expressar x e dx em termos
de y e dy e determinar o g(y) necessário.

5.6. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

Dissemos que a integração não pode ser reduzida, como a


diferenciação, a procedimentos rotineiros aplicáveis a qual-
quer função. No caso de equações diferenciais, a situação
é ainda pior; não existem procedimentos fixos pelos quais
todas as equações diferenciais possam ser reduzidas a pro-
blemas de simples integração.
Os problemas que levavam a equações diferenciais surgiram
no século XVII. Eram os chamados problemas de tangente
inversa, nos quais era necessário determinar uma curva
com uma certa propriedade de tangente dada. Descartes
tentou resolver um problema desse tipo, proposto a ele em
1638 por um amigo chamado Debeaune. Problemas de

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 17


tangente inversa também apareceram em estudos de física
como o do movimento num meio com atrito (Newton, Huy-
gens). Mas coube a Newton, Leibniz e seus contemporâneos
elaborar métodos mais ou menos gerais para resolver equa-
ções diferenciais. Naturalmente esses métodos tinham um
campo restrito de aplicação, mas pelo menos eles resultavam
em certas classes de equações diferenciàis que podiam ser
resolvidas.
Um desses métodos era a separação de variáveis pela qual
a solução de uma equação diferencial pode algumas vezes
ser reduzida a simples integração. Newton e Leibniz conhe-
ciam esse método e Johann Bernoulli determinou certas classes
de equações diferenciais que podiam ser resolvidas por ele.
Outros tipos de equações diferenciais que podiam ser resol-
vidos eram as chamadas "equações diferenciais de Bernoulli",
propostas por Jakob Bernoulli e resolvidas por seu irmão
Johann e por Leibniz, e as equações diferenciais lineares,
estudadas por d' Alembert e por Euler.
Na presente unidade, queremos ilustrar, c_om textos originais,
alguns aspectos do estudo das equações diferenciais no final
do século XII e no século XVIII. Achamos interessante
escolher textos que correspondem aos três seguintes tópicos:
a solução gráfica de equações diferenciais, a separação de
variáveis e a solução de equações diferenciais lineares com
coeficientes constantes. Da mesma forma que no caso da
integração por substituição (seção 5.5), achamos interes-
sante que você compare os métodos apresentados de textos
originais com sua forma moderna; portanto, começamos
cada uma das próximas três seções com um resumo de um
método relevante em notação moderna.

5.7. SOLUÇÕES GRÁFICAS

Soluções gráficas aproximadas podem ser facilmente elabo-


radas para equações diferenciais da forma~=</> (x, y).
dx
No ponto (x, y), <f>(x, y) representa o gradiente da curva
solução, que passa por (x, y). Portanto, podemos traçar,
em pontos convenientemente escolhidos (xi, Yi) do plano
(X, Y), pequenas linhas retas em forma de flechas cujos
gradientes sejam iguais a </>(xi, y;). Desenhando agora no
plano uma curva que seja sempre aproximadamente paralela
às linhas em forma de seta mais próximas a ela, obtém-se a
solução aproximada da equação diferencial.
Freqüentemente é útil ligar primeiramente os pontos do pla-
no nos quais as setas tenham o mesmo gradiente. Isto resulta
em curvas algumas vezes chamadas diretrizes da equação
diferencial; elas são dadas pelas equações <f>(x, y) = m, para

18 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


constantes arbitrárias m; m é o gradiente que pertence à
diretriz correspondente. Para ilustrar essas idéias, e para
ajudá-lo a entender a citação, acrescentamos um exemplo.

Para a equação diferencial dy = y - x 2 + 2x as diretrizes


dx
têm como equações y - x 2 + 2x = m ou y = x 2 - 2x + m.

y
solução diretrizes
Y = x2 - y = x 2 - 2x + m
solução
y = x 2 - 2ex - 1-

As diretrizes são portanto parábolas com seus eixos verticais


passando pelo ponto (1, O) e cruzando o eixo Y nos pontos
(O, m). Indicamos as setas relevantes na figura. Elaboramos
duas soluções aproximadas, uma pelo ponto (O, O), e outra
pelo ponto (1, -1).
As soluções por esses pontos também podem ser calculadas
diretamente. São elas: y = x 2 e y = x 2 - 2~- 1 respectiva-
mente, como você mesmo pode verificar.
Encontramos uma primeira compreensão deste método grá-
fico num artigo de Johann Bernoulli (1694), do qual citamos:

Um método geral para construir todas as equações diferenciais de pri-


meira ordem ( ... ) Toda equação diferencial de primeira ordem pode
ser expressa como sdx = zdy, supondo-se que as letras s e z deno-
tem quantidades compostas de x, y e constantes. Suponha agora que
dy esteja para dx assim como m está para a; essa razão, natural-
mente, varia segundo o ponto na curva. A equação diferencial pode
agora ser transformada em. as= mz, que contém três incógnitas:
2 s, z e m, ou x, y e m. O lugar geométrico dessa equação, portanto,
consiste de infinitas curvas algébricas (chamadas diretrizes), que
3 podem ser construídas supondo-se que uma das três incógnitas, di-
gamos, m, seja constante; assim obtém-se uma equação com so-
mente duas incógnitas, que forma uma das infinitas .curvas de di-
reção. Se você tomar agora a constante m maior ou menor, obterá

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 19


uma outra diretriz, e, procedendo assim infin,tamente, infinitas cur-
vas de direção poderiam se r construídas no mesmo eixo. Desta ma-
neira, a razão m: a, ou seja , dy : dx terá todos os va lores possíveis.
Feito isso, trace uma pequena linha entre duas diretrizes quaisquer,
4 elementarmem e disranr es, de tal forma que o se no do ângulo de incli-
5 nação do eixo esteja para o seno de seu complementar assim como m,
correspondendo às duas diretrizes elementarmente próximas, está
para a. Se isto for feito em todo lugar, e se finalmente todas as pe-
6 quenas linhas (manrendo-se uma fixa) forem movidas para cima ou
para baixo ao longo de suas diretrizes num movimento paralelo até
que estejam todas inter li gadas, a curva desejada estará formada . 7

ME ,1stS NOVEMBtrtS A.MDC XCIV. 43f 4 36 ACT A ERUD ITORUM


dr UliÚ pro at ReL1tio Cornmiffiu-iorum ad Cl.lktU.iiru.n., b<l,lt\ll' alia dircdru;& connmm,do hoc in infinirum,infuiira -
f'!-• •L'I qua conmi tutorem imp!orantts polh,lau, qu~uL . !lrutnrur curvz ~fuicesfupc:r todtm a:s:c;fic ·caquc ·••idct
~lf!S~o.ones prod;mt, 1-0nga fcri~ ceccnfenn:r, apponUt1r-~r J., ;ad Jx omncs h.ilx.b1t pos!ib1lcs raciones. uo ~ . . . .
• .-isaccpnona,qii21 dcniquc ~ a b..
,.-~ pcau1au ad cquiuas tn1tllUlll pcrpeodauaua a-
: . ~ pvti huíc primz colo_phoncmimponit.
asquaslibu cfucdricC1 tlcmentalircr cWbnra duco ~ • • •
finus indmarionis ad nem fir ad linum complcmcno 11t •
dircéln,.~-.$ dcmcntafücr diftanr.ibUi fum(a.iJ •; Hoc 6 ..._,
a•
í.at & tandcm omus dut'iz linrolz ( mancru:c una im.tnobili pt-
, NODllS GENERALIS CONSTRUEN- ralldo dc-prima.ntur vd c!~mnu: foj, dncdncibus la.,_
mo<U
ii 0111,,u ~91111tionu- áifftrmti11/n prími in,i«m conncébmn.r ; onma: e-.
ac!hz,rc.cces, doaec om.aa 6.bi
gritdM, Mélorr Ji1h;t11nç Br.rnA'tlli. vaqwdita. ..
Hi,ic · um àõi:rt11:j11C rqu;inoru tiali ináía
ert ,p . (O imm
, · · r ad pt:iicicn-
a.rv.1.Hlc
'l •
w,gn~ ili1 ru.rvam

Trecho de "Modus generalis ... ", de Johann Trecho de •· Modus genera/is ... ", Acta erudi-
Berno11/li, conr. (Museu Brirânico). torum , de Johann Bernoulli , novembro 1694
(Museu Brilânico).

Notas
l. " para construir": para resolver a equação diferencial ou,
mais precisamente, para construir a curva que a satisfaça.
7 B ERNOULLI , Johan n. " Modus generalis ... " . Acta erudilorwn ; novembro,
1694.

20 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


2. "lugar geométrico": o lugar geométrico de uma equação
é formado pelos pontos (x, y) que a satisfazem.
3. "algébricas": aparentemente, Bernoulli considera somente
as equações diferenciais onde o s e o z são algébricos.
4. " elementarmente distantes": que têm uma distância in-
finitamente pequena.
5. "seno de": isto significa que os gradientes das pequenas
linhas entre as diretrizes são iguais a m/a, que pertence à
diretriz.
6. " mantendo-se uma fixa ": Bernoulli "constrói" uma solu-
ção através de um ponto fixo .

Q.A . 6
Qual é a diferença mais patente entre a apresentação de
Bernoulli da idéia da solução gráfica e a versão moderna
apresentada no começo desta seção?

R .A. 6

Bernoulli apresenta o método fornecendo soluções exatas,


e não aproximadas. Portanto, ele tem que supor que as dire-
trizes sucessivas estejam infinitamente próximas umas das
outras , e tem que construir a curva a partir de elementos
infinitamente pequenos.

O artigo de Bernoulli não teve aprovação porque seu título


prometia muito mais do que o artigo fornecia ; na verdade,
não se pode resolver equações cii ferenciais por esse método.
Seu mérito por fornecer um conhecimento global sobre as
so luções não foi reconhecido à época.

5.8. SEPARAÇÃO DE VARIÁ VEIS

Lembramos que numa equação diferencial: cp(x, y) ~=


dx
diz-se que as variáveis estão separadas se a equação for
reduzida à forma g(y) ~= h(x) .
dx
Ela pode ser então resolvida por integração direta:
fg(y) dy = f
h(x) d x + e, isto é, se G e H são funções pri-

mitivas de g eh, respectivamente, as soluções de~= cp(x, y)


satisfazem uma equação G(y) = H(x) + e. dx
Leonhard Euler, em uma gravura de P. Dupin ,
Apresentamos aqui a discussão de Euler a respeito do m~todo de um quadro de Dupiery (Royal Co llege of
na obra Textbooks on the integral calculus, Livros sobre o Ph ysicians).

ORIGENS E DESENVOLVIMEN TO DO CÁLCULO - 2 1


cálculo integral, 1768-70 (ver unidade 4, p. 43). Citamos tam-
bém uma aplicação do método, dada por Euler, sobre a solu-
ção de equações lineares diferenciais de primeira ordem onde,
conforme mostra Euler, as variáveis podem ser separadas
através de uma substituição convenientemente escolhida.
SOBRE A SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS

Definição
Dizemos que as variáveis de uma equação diferencial podem ser
separadas quando a equação pode ser dividida em duas partes, tal
que cada uma delas contenha somente uma variável e sua diferencial.
Corolário
Portanto, se uma equação diferencial é composta de tal forma que
pode ser reduzida à forma Xdx = Ydy, onde X é função somente
de x, e Y função somente de y, dizemos que essa equação admite
separação de variáveis. ( ... )
Problema
Integrar uma equação diferencial onde as variáveis foram separa-
das ou achar a equação entre as variáveis.
Solução
Uma equação que admite separação de variáveis pode sempre ser
reduzida à forma Ydy = Xdx, onde Xdx pode ser visto como a di-
ferencial de alguma função de x, e Ydy como a diferencial de al-
guma função de y. Portanto, já· que estas diferenciais são iguais,
suas integrais também devem ser iguais, ou devem diferir por uma
constante. Portanto, ambas as expressões devem ser integrada~ se-
paradamente, ( ... ) ou seja, devem ser determinadas as integrais
f J Ydy e Xdx, depois das quais teremos J f Ydy = Xdx + cons-
tante, equação .:ssa que expressa uma relação finita entre as quanti-
dades x e y. 8
O exemplo de Euler sobre separação de variáveis é o seguinte:
Problema
Dada uma equação diferencial com a forma dy + Pydx = Qdx,
onde P e Q são funções de x, e a outra variável y e sua diferencial
não ocorrem com mais de uma dimensão; pede-se que se separem
as variáveis e que se integre a equação.
Solução
Necessitamos uma função X de x tal que, pela substituição y = Xu,
a equação tornar-se-á separável. A substituição dá Xdu + udX +
+ PXudx = Qdx, e é claro que poderemos separar as variáveis nes-
ta equação se dX + PXdx = O, isto é, se dX = - Pdx.

f
X

Isto dá, por integração, log X= - P dx e X= e- 1rd%.

Portanto, se tomarmos essa função como X, nossa equação tornar-se-á


X du = Q dx, isto é: du = Q dx_ = e 1rd% Q dx, de onde obtemos,
X
já que P e Q são funções dadas de x:

u = f e1Pd% Q dx = ; .

Portanto, a integral da equação dada é:


y = e- /Pd% f e1Pd% Q dx9

-------
8 EULER, L. lnstitutiones calculi integra/is (1768-70), parágrafos 397, 398, 402.
9 EULER, L op. cit., parágrafo 420.

22 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


~.t._0·~·'X'~'-""~@..41' ~ ~:~~ ~,,.~~ CAPVT I.
·-~ ~l'- *~~ *"'* •.~ ff\Ube X d:.: _reuoc:Hur. HauJ m:1iorem :rntem h:ib ·t
~~)i,.~.m-.i.~~~<:wi.wtê:"".i.~,a~ dit'ficulmtcm acqu.ttio ft.p,uata Xdx Y dr qu:im =
pcrinde ac fürmulJ, fimplicc.-s tr:ic1Jre licct, id quu4
io requente problcm.itc oHendcmui.

Pr oble ma 49.
.of.O:. . Acqu:1tionem diffi.:rrnt .1lcm , in qu:, n•
r'jb'les font ft:p;1r:1111e, inrcgcui! , f u 2cq1,ar,Oüc.m
CAPVT J. iDtcr ipí..:s ,:ir:11.ldc.11 in,ucmre.
DE s·cd li ti O~
~

SEP lR.\TIOXE VARIABILIV>t A no.rio fcp;,ir.1tionem 't::i.ri:ibitiu m · 1Jmitttr:11


fnnpet s.J lw1c torrrum Y dJ =Xá· rc..lccm1r;
dx ~:>qL;;. d,farent :ile fu d;ém.s n,;u •;i:m
Defi n iti o. ,r er Y dy tnqu un 1.1 ttak fu!lft,o'.'l.) cntu>~
' pfiu,J fpc,r i ,e itur Jttf.r<nt ib únt
1,-:-. 'ia e< ·o ,1 J • e ;ü2t .l c:J' , vcl

l n 2equ11tione d'fféren:i ..li fe;,1rmi1 t·iri"biGr,m fo.


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liu ?:, uttt71 Hf dcm
ünltttr! d un.r
e ! : • : .

Trecho de ln stitutiones calculi integralis, Trecho de Institutiones calculi integralis, de


1768-70 , de Euler, parágrafos 397, 398 (Turner Eu/er, parágrafo 402 (Turner Co/Jection , Uni-
Collection , Uni1•ersi1y of Keele). versit y of Keele).

Nota
1. " dimensão": diríamos que " não há potências de y ou
dy na equação".

Q.A . 7
Verifique se a solução de Euler realmente satisfaz as equa-
ções diferenciais.

R.A . 7

Para simplificar, chamemos n(x) = f Pdx, de modo que

n' (x) = P(x). Assim , temos

ORIGE NS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 23


y = e-JPdx feIPdx Q dx

f
= e-,.<xJ e"<x> Q(x) dx.
De onde
y' J
= e-"<"ff e"<x> Q(x) dx + [e-11<x>r[f"<">Q(x) dx]

= e- <">[e"<"lQ(x)] + [(-n'(x)e- 11 <">] [f"<"lQ(x) dx]


11

f
= Q(x) - n'(x>[e-n<x) e"<">Q(x) dx J
= Q(x) - P(x) • y.
De mo.do que, realmente,
y'+ P(x) • y = Q(x) ou
dy + P • y dx = Qdx.

5.9. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES


HOMOGÊNEAS COM COEFICIENTES
CONSTANTES

Equações diferenciais lineares homogêneas com coeficientes


constantes são equações diferenciais da forma:
knDnf+ kn-lnn-lf + ... + k,Df+ kof= o (l)
onde os k 1 são constantes e D:f significa a i-ésima derivada
da função f
Segundo um teorema (seção 5.7), as soluções de (1) formam
um espaço linear de dimensão n se kn -=f= O. Os exercícios da
respectiva seção mostram uma relação entre as soluções
de (1) e as raízes da equação
knxn + kn-1Xn-l + ... + k1X + ko = o (2)
Se À. for uma raiz de (2), então flx) = é" será uma solução
de (l ). Além disso, se tal raiL. for complexa, digamos À.= a+ bi,
então a -bi será também uma raiz, e obtemos, empregando
a fórmula e~= cos <jJ + i sen </J, duas soluções de (1) reais e
independentes, a saber:
/ 1 (x) = e°" cos (bx) e / 2(x) = e°" sen (bx).
Se (2) tem raízes múltiplas, as soluções tomam forma um
pouco diferente. Logo, se À. 1 = À. 2 = À. e À. 3 -=f= À. são raízes,
as três soluções são independentes.
f1(x) = ct-", f2(x) = xct-", /3(x) = ct- 3".

24 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


Para as raízes l 1 = l 2 = J 3 = J, as soluções são
f1(x) = e"X, f2(x) = xe"X, f3(x) = x 2éx.
As seguintes citações mostram como esses resultados apa-
recem na obra de Euler, Textbooks on the integral calculus
(Livros sobre o cálculo integral) (1768-1770):
PARA RESOLVER EQUAÇÕES DA FORMA

Ay + B dy + C ddy + D d3y + E d4 y + etc. = O.


dx dx 2 dx 3 dx 4
Supondo-se que o elemento dx seja constante.

PROBLEMA

Determinar a integral completa de uma equação diferencial de ter-


ceira ordem
B dy C ddy D d 3y
Ay + -d-
X
+ -d
X
i + -d
X
' = O,

considerando-se o elemento dx constante.

SOLUÇÃO

Já que A, B, C e D são quantidades constantes, segue-se claramente


que a equação é solucionada por uma expressão da forma .r = e;·x.
pois isto nos fornecerá
_<!,!'_ _) ÀX ddy _ -1 ÀX d 3 y _ ., ÀX
dx - .e ' dx 2 - 1· e ' dx 3 - 1· e

e, se substituirmos esses valores na equação, obteremos, depois de


dividirmos por eh:
A + ).B + i. 2 C + i. 3 D = O
de onde podemos determinar o expoente i.. Haverá três soluções
para).; sejam elas :x, //e;·. Estas, dão-nos três soluções para a equa-
..
ção diferencial :

Torna-se claro agora que, pela natureza da equação original, se a


equ/lção é satisfeita por valores y = P, y = Q, y = R, ela também
será satisfeita por uma combinação desses valores, tal como
y = .clP + Z4Q + 'f,R_
Assim, a partir das três expressões, descobrimos que podemos cla-
ramente construir a solução geral para a equação sob a forma
y = si e"' + :!JePx + <(;eYx_

Essa expressão contém três constantes arbitrárias, d, :!J e 't, e é,


portanto, a integral completa da equação dada. 10

Nota
1. "supondo-se que o elemento dx seja constante": isto
dky
significa que x é a variável independente e que - k é a
k-ésima derivada de y(x). dx

Corolário 3
Se duas raízes são iguais, a saber, /J = :x, consideraremos sua dife-
rença desprezível: f! = :x + w; e, já que er,x = e"e"" = e"' ( 1 + wx),
fica claro que, em vez de de"'+ :JlePx, devemos escrever:
de"'+ :Jle°'x = e".(d + Jlx)

10 EULER, L. op. cit., parágrafo 1117.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 25


2 se as três raízes "são iguais, _IX= fJ = y, de forma que a equação é :
3 dy 3 ddy d 3y O
y + adx + a2dx 2 + a3 dx 3 =
então, já que IX= fJ = y = - a, a integral completa será:
e-""(d + fMx + 'Gxx)
Corolário 4
3 Se duas das raízes são imaginárias, IX=µ+ v j=T e fJ = µ- v j=T,
devemos substitvir de"'+ f:1~• por:
e""(.!Jle••FT + ae -••FT)
que é reduzido à expressão e'" (d cos vx + 1:1 sen vx). 11

CAP V T II,

. :.~ . . \'nJc cxponcns >. dctcrmin:itur , qui cum trcs v:i-


hm:, 1t1rti;1rnr , qui fint ci , (3, y h:1bcl>imus trü
. r:~~f"(.'.S . _ _ formula;; fati5facicntcs r=eu; 1=/Jz; y:=:.t..., ... \'c-
rurn ..:x 113111r;1 :icqu:11ionis propofitac pcrfpicuum dl,
'tAF/J..VATIONVM. = =
fi ci fatisfaci:int nlorcs ;· P , y Q, J' R., ctilin
bis -vtcunquc coniungcnJis fatisfaélurum
=
-. VS FORMA.E , , •
'". J=~P+~Q+~R.
+·D.a+. a.a+ étc. =•. ~1:irc ex ternis formulis inucncis n:mciícimur bane
-. ~ O '" CONSTANTE.
.,,~4' : • htiílirne patcncern acquc fatisfacícntcm
y:=:.~e-"+~é"-l- (Ee)"
qu:1e form:t cum trcs con(tlntcs :1rl>irr:irí;1s ~, ~', (!:
. l'rõbie,ma 1++ compkébtur, rcucra crit intcgr:ilc complctum Jc•
ti,.,. ' qu:ttionis noílr:1c propoíiuc.
ítrcrentialís tertii gradu.s s
U~,7+1H't - O Coroll. 1.
• . .... 'ª' -
· IO ' " conllauto, integralc completam . 111 8, Jnregr:ilc ergo compktum tot• conílar
partibus , quot r;1dicc5 h:il>c:it fcu faé.lorcs :icquatio
So I u ti o. A+Bi,+C>,,'.,+D>-'=o
_ Clm A , B • C • D fiot quantitatcs connan. cuius fi faétor fucrit a+>-, pus integr.ilis erit e--.
, lcNi tttntione tdhibiu , p:net , ifii aequatiooi
úitalmOdí lo,mim 1:::;1>. • lati»faccrc ; (um cnim Coroll 2.
ac.
1 t 19. Jfacc fcilirct p:m crit intcgr:ilc huius
ff= >.r"; ~l-;::l\'t»; rt.=).'/J :icqu:itionis aJ· + ~;=o. \' nJc íi fie
{ubftitutil ct acqu:ttlone per e>.a diuiff it :
Ã+J\B+·~•c+).'D::=o
. ,,
\ .... A +m,+C>-' +DÃ' = (a+ Ã)(h+t.)(c+>,,)
qu:ie-

Trecho de Institutiones calculi integralis, de Trecho de Institutiones calculi integralis, de


Euler, parágrafo l ll7 (Turner Collection, . Euler, parágrafo 1117, cont. (Turner Collec-
University of Keele). tion, University of Keele).

Notas
1. Não é_ muito claro o argumento de Euler no terceiro
corolário; provavelmente ele pensava o seguinte: se ix é a
11 EULJlR., L. op. cit., parágrafos 1120-1.

26 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


raiz, e fJ- IX = co é pequena, então e""' é uma solução exata
e e'" é uma solução aproximada. Agora e"'= e<11 +• 1" =
= é"" ~ = (aproximadamente] e""'(l + cox) (isso porque
2
e-" = 1 + cox + -
(cux) (cux} 3 •
-+- - + ...... = (aproximadamente)
1 + cox). 2 2 •3

Todas as soluções do tipo de"'"+ dle'" são soluções aproxi-


madas que podem ser reescritas como e""'('G + dlcox).
Deixemos agora que co tenda a :zero, mas fJI pode ser escolhido
arbitrariamente, de modo que o último termo possa ser
mantido na solução, o que leva a e""'('G ::1- ~x).

2. "de forma que a equação é": se a equação tem três raízes


iguais (-a}, ela é da forma

(X+ a} 3 = X 3 + 3aX2 + 3a2 X + a 3 = O


ou
X3 3x2 3X
-
ª3
+ -ª2+ -a+ 1 =0

e, portanto, a equação diferencial correspondente é a mesma


dada por Euler.

3. "imaginárias": esse termo era empregado no século


XVIII para designar o que chamamos de "complexo".

Q.A. 8
É convincente o argumento do terceiro corolário, interpre-
tado na nota 1? Verifique se a solução derivada por Euler
com base no referido argumento satisfaz realmente a equa-
ção diferencial.

R.A. 8
O argumento não é muito convincente; especialmente ques-
tionável é a manipulação de fJI, de modo a manter o último
termo na solução. Entretanto, o resultado está correto.
Pois, se A + BX + CX2 + DX3 = O tiver uma raiz dupla IX,
então B + 2CX + 3DX2 = O terá também uma raiz IX (ver a
regra de Hudde, unidade 2, p. 48-50). Examine agora
y = e11"(d + fJlx).
Temos
Ay = A[e'"x(d + fJlx)]
By' = B[1Xemx(d + fJlx) + fJle'"j
Cy" = C[IX 2e'"x(d + fJlx) + 21XfJle11 x]
Dy'" = D[1X 3e'"x(d + fJlx) + 31X 2 fJle'"x]

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 27


de modo que
Ay + By' + Cy" + Dy'" =
= e"x[(d + f-4x) (A + Br:,. + Ccx 2 + Drx 3 ) +
=0
+ :Jl~B + 2Ccx + 3Drx~)] = O
v


de onde y é sem dúvida a solução da equação diferencial
estudada por Euler.

28 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMA.TICA


PARTE B: Aplicações do cálculo

5.10. INTRODUÇÃO à Parte B

As técnicas do cálculo discutidas nas unidades anteriores


foram elaboradas para resolver problemas. Citaremos vários
exemplos de tais problemas nas próximas seções. Os exemplos
têm por objetivo mostrar a fonte de alguns dos problemas
do cálculo no final do século XVII e no século XVIII. Com
exceção de um problema, a catenária, de que trataremos
nas seções 5.18-21, não entraremos em detalhes sobre a
matemática envolvida nas soluções. Não afirmamos que
esta escolha de problemas represente toda variedade de
aplicações do cálculo neste período; na verdade, a seleção
restringe-se a problemas relativamente simples, o que ex-
plica as datas antigas da maioria deles.
Qual a origem de tais problemas? Muitos dos problemas
a partir dos quais os primeiros matemáticos elaboravam e
testavam seus métodos (e que usavam como desafios para
seus rivais) originavam-se da observação de simples pro-
cessos mecânicos ou de situações do próprio ambiente em
que viviam. Assim eram os problemas da tratória, da velária
e da linteária, da elástica, da catenária e da corda vibrante.
Os problemas da braquistócrona e os problemas de movi-
mento em campos de força central eram um pouco mais teó-
ricos. Todos eles serão discutidos a seguir.
Devido a sua origem. nenhum desses problemas era pura-
mente matemático; todos eles envolviam aspectos da teoria
mecânica com certo grau de complexidade. Os problemas
serviram para desenvolver não somente a teoria mecânica,
mas também a análise. Na realidade, a ciência do século
XVIII não reconhecia uma divisão entre a matemática
"pura", de um lado, e as ciências tisicas de outro, tais como
a mecânica, a astronomia, a hidrodinâmica, a óptica, etc.,
as quais eram aplicadas à matemática. Ao invés disso, todas
essas ciências pertenciam ao que era chamado "artes ma-
temáticas superiores", ou simplesmente matemática. Além
disso, não havia divisão nítida entre as ciências mais teóricas
e as várias tecnologias correspondentes. Assim, o termo
"matemática", na concepção do século XVIII, abrangia
desde a aritmética, a geometria, a álgebra e a análise, até os
campos teóricos como a astronomia, a óptica, a mecânica
e a hidrodinâmica, bem como o estudo de máquinas em
geral, a navegação, a construção e a artilharia.
Desse extenso campo de atividades científicas, a análise pôde
elaborar problemas e inspiração para novos métodos. A aná-
lise também pôde ser aplicada para resolver vários problemas
práticos, embora as aplicações práticas nesse sentido tenham

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 29


sido menos freqüentes do que se poderia esperar. O sucesso
da aplicação da análise dependia não somente das técnicas
puramente matemáticas disponíveis , mas também da pro-
priedade das teorias físicas (em grande parte mecânicas)
empregadas, da precisão dos dados fundamentais (a serem
medidos experimentalmente), e, em geral, da possibilidade de
reduzir o problema dado a um problema solucionável , ou
seja, a um problema matemático ou físico, relativamente
simples.
Apresentaremos agora alguns exemplos de aplicação das
técnicas do cálculo recentemente desenvolvidas.

5.11. A TRATÔRIA

Por volta de 1670 o problema da tratória era conhecido nos


círculos matemá ticos ; provavelmente foi proposto pel a pri-
meira vez por Claude Perrault (irmão do conhecido autor
de histórias infantis). Leibniz e Newton resolveram o pro-
blema à época , mas não publicaram suas soluções.
Perrault costumava ilustrar o problema colocando seu reló-
gio com corrente sobre uma mesa (ver a figura) e movendo
a ponta da corrente ao longo da ponta da mesa. O relógio
movia-se então ao longo da curva WW' e o problema era
determinar essa curva, que era chamada "tratória".

C la11de Perra11l1, em g ran1ra (Royal College


of Ph ysicians).

É evidente que , durante o movimento , a corrente é sempre


tangente à trajetória WW ' do relógio. Assim, traduzido em
termos matemáticos , o problema consiste em determinar
a curva para a qual a pai ie da tangente entre o ponto de
contato e o eixo tem comprimento constante (ver a figura).
Este é um problema de tangente inversa (ver a seção 5.6)
que leva a uma equação diferencial·(~= -y/ j(a 2 - y2)
a
dx -
como você pode verificar pela figura), cuja solução envolve a

função logarítmica. Por volta de 1690, vários autores estuda-


ram e escreveram sobre a tratória, entre os quais Jakob
Bernoulli , l'Hôpital e Huygens.

30 - C U RSO D E HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


5.12. A VELÁRIA E A LINTEÁRIA

Na correspondência (1691) entre Jakob e Johann Bernoulli,


os dois irmãos discutiram detalhadamente os dois problemas
da velária, ou curva de vela, e o da linteária, ou curva de pano.
Velária era o nome dado à curva formada por uma ,da
suspensa por duas vergas horizontais e soprada pelo vento;
o nome linteária denotava a forma de um pano, suspenso
por duas varas paralelas fixas, cheio de água.
A simplificação matemática utilizada para resolver estes
problemas foi desprezar o peso da vela ou do pano e des-
prezar o que acontece nas duas outras varas do pano ou da
vela (ou, conforme se diz algumas vezes, considerar uma vela
ou pano de comprimento infinito entre vergas ou varas de
comprimento infinito).
Com a ajuda de determinadas suposições sobre a mecânica
de substâncias fluidas, tais como a água ou o ar, Johann e
Jakob puderam derivar as equações diferenciais para essas
curvas. Descobriram que estas eram equações diferenciais
de ordens superiores, e os irmãos tiveram ocasião de mostrar
toda sua habilidade ao trabalharem com essas equações.
Eles discutiram-nas em várias publicações por volta de 1690;
foi nesses artigos que se tornaram evidentes os sinais de ten-
são progressiva entre Jakob e Johann (\"cr unidade 4, p. 5-6).

5.13. A ELÁSTICA

A linteáría, a velária e o problema da catenária (Yer as seções


5.18-21) dizem respeito a linhas ou superficies completamente
flexíveis. Jakob Bernoulli estudou também o caso de um corpo
deformável, mas não completamente flexível, uma haste
reta elástica. Se uma haste reta elástica é fixa por uma das
pontas e pressionada por uma força perpendicular na outra
ponta, ela assume uma determinada forma curva. Jakob
Bernoulli chamou de ··elástica'" essa curva; ele a estudou
extensivamente e publicou seus resultados em 1694. A forma
da curva depende da relação entre a força e a tensão sobre
a haste; Bernoulli deduziu a equação diferencial da curva
para relações arbitrárias entre a força e a tensão. O conceito
de curvatura e as fórmulas para o raio de curvatura que dis-
cutimos na seção 5.4 desempenharam importante papel nos
estudos de Bernoulli. Ele resolveu a equação diferencial para
casos especiais da relação entre a força e a tensão -na haste.
A pesquisa de Bernoulli sobre esse problema foi fundamental
para o estudo de corpos elásticos e flexíveis, que durante
os séculos XVIII e XIX evoluiu satisfatoriamente, embora
com certa dificuldade, para uma disciplina da teoria mecânica.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 31


dirigida para O. Assim, F= F(r) e dizemos que nesse caso
P move-se num campo de força central. Partindo de uma
posição dada, com uma dada velocidade, P descreverá, sob a
influência de F, uma certa trajetória curva. Dois problemas
podem ser formulados com base nessa situação:
(a) dado F(r), determinar as possíveis trajetórias para P;
(b) dada a trajetória P, determinar F(r).
Na obra Principia, Newton resolveu muitos exemplos do
problema (b); de forma especial, ele provou que, se a traje-
tória de P é uma seção cônica com O num foco (como é o
caso se P for um planeta e O for o sol), a força F será pro-
porcional a l/r 2 - a lei do inverso quadrado. Em estudos
posteriores de Newton, Johann Bernoulli, Cotes, Maclaurin
e outros, o problema (a) foi resolvido para vários tipos de
F(r). Especialmente para F(r) = -·c/r 2 , que corresponde a
forças gravitacionais, as técnicas desenvolvidas em relação
a esse problema foram bastante importantes para a mecânica
dos corpos celestes, estudo dos movimentos de corpos no
espaço interagindo com forças gravitacionais mútuas.
Tais estudos sobre o movimento dos corpos celestes re-
sultaram, por exemplo, através do trabalho de Euler, em
tabelas de posições da lua mais aperfeiçoadas, que eram de
vital importância para a navegação, pois com a ajuda de
tais tabelas tornava-se possível a determinação mais precisa
da posição de um navio.

5.15. A BRAQUISTÔCRONA

O problema da braquistócrona constituiu, depois de pro- A


posto por Johann Bernoulli em 1696, tema de acirrada dis-
cussão pública entre os irmãos Bernoulli, cujas relações ha-
viam-se tornado bastante tensas após sua correspondência
fraternal sobre a velária e a linteária. O problema é o seguinte:
imagine num plano vertical dois pontos, A e B (A mais alto
que B). Para uma curva qualquer C, entre A e B, considere
o tempo que um corpo precisa para percorrer C de A a B.
(Você pode pensar em trajetórias de A a B ao longo das
quais o corpo pode mover-se sob a influência da gravidade,
mas sem atrito.) Esse tempo depende da forma da curva.
É fácil convencer-se de que o tempo de queda ao longo da B
linha reta de A a B não é o mais curto possível. Portanto,
deve haver uma linha curva C 0 passando por A e B, ao longo
da qual o tempo de queda é mínimo. Essa curva é chamada
"braquistócrona" (literalmente, "tempo mínimo") e, natural-
mente, o problema era determiná-la.
Esse problema foi resolvido pelos irmãos Bernoulli e por
outros matemáticos; parece que a curva é a ciclóide (ver

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 33


unidade 2, p . 30-1 ), passando por A e B , com tangente ver-
tical em A .
Você pode notar que o problema não é um problema comum
de valor extremo, tal como os discutidos na seção 5.2. Para
um problema comum de valor extremo é necessário deter-
minar um ponto no segmento [a, b] para -0 qual uma função
tenha um valor extremo. Aqui , do grupo de todas as curvas
que passam por A e B , uma delas deve ser separada. Um
segmento [a, b] é um conjunto unidimensional de pontos,
mas o conjunto de curvas que passam por A e B não tem
dimensão finita; esse conjunto é muito maior que o conjunto
que forma um segmento. Logo, o problema de determinar
um valor extremo para ele torna-se um novo problema quan-
titativo , essencialmente diferente dos problemas comuns de
valor extremo.
Tais problemas necessitavam de novos métodos de solução,
e os primeiros métodos desse tipo foram elaborados em rela-
ção ao problema da braquistócruna. Eles constituíram o
começo de uma importante disciplina da análise chamada
cálculo de variações. Euler contribuiu muito para tal teoria,
que mais tarde serviu para unificar o enfoque analítico de
muitos problemas em mecânica .

5.16. A CORDA VIBRANTE

Brook Ta ylor em uma gravura do frontispício


de sua obra New principies of linear perspec-
As cordas vibrantes e as notas musicais geradas por seu mo-
tive, 18 1 I (Uni versit y College Library, Lon- vimento têm sido objeto do estudo matemático há muito
dres). tempo. Pode-se dizer (conforme foi dito na unidade I) que as
primeiras leis tisicas quantitativas foram determinadas com
relação a cordas vibrantes . Os filósofos da escola de Pitágoras
estudavam as razões de comprimentos de cordas que cor-
respondiam a tons consonantais. Descobriram que tais razões
podiam ser expressas por pequenos números inteiros - fato
muito importante para sua filosofia , porque mostrava o
papel dos números nos fenômenos naturais.
O movimento real da corda só pôde ser submetido à pesquisa
matemática muito mais tarde. Os primeiros resultados signi-
ficativos sobre esse problema foram conseguidos por Brook
Taylor em 1713 ; d' AIEmbert elaborou uma solução geral
para o problema em 1747. Mais tarde , tal solução tornou-se
o assunto de um famoso debate entre quatro grandes matemá-
ticos: o próprio d'Alembert , Euler, Daniel Bernoulli e La-
grange. A di cussão centrava-se na interpretação exata do
conceito de função.
ém do fato de ter levado a essa discussão, o problema da
Jean d'Alembert , em uma gra"ura de W. corda ibrante foi importante porque forneceu a primeira
Hopwood, de uma pinltlra de la Tour (Manse/1 solução de uma equação diferencial parcial , isto é, uma
Collection). equação entre derivadas parciais de uma função com duas

34 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


A X fJ
variáveis. A figura representa a posição de uma corda vi-
brante num certo momento t. P é um ponto na corda, y é o
deslocamento da linha AB no tempo t. A posição de P na
corda é dada por sua ordenada x. Evidentemente, y é uma
função das duas variáveis, x e t: y = y(x, t).
D 'Alembert foi capaz de provar que, contanto que y per-
maneça pequeno, ele deve satisfazer a seguinte equação
diferencial parcial:
2 a2y a2y
e - --
ôx2 - ôt 2 ·

Ele também descobriu que , para qualquer função G (que


d'Alembert tacitamente supunha diferenciável), tanto ·
Daniel Berno11//i, em uma l(rarura de H11her
y(x, t) = G(x + ct) de uma pinlura de J. J . Haid (Rova l College
of Physicians).
como
y(x, t) = G(x - ct)
satisfazem a equação diferencial.

Q.A. 9
Verifique se y(x, t) = G(x + ct) e y(x, t) = G(x - ct) são solu-
ções de

R.A . 9
(Solução para o caso y(x, t) = G(x - ct) ; o outro caso é
análogo).
y(x, t) = G(x - ct)
Joseph Louis Lagrange (/ 736- 1813) (Manse/1
~ = lim G(x + h - ct) - G(x - ct) = G'(x _ ct). Co//ec1ion).
ax h➔ O h
Semelhantemente,
a2y
- 2= G"(x - ct)
ôx
ôy,
O caso d e - e um pouco mais complicado:
Ôt

ôy = Lim G(x - c(t + h)) - G(x - ct)


Ôt h➔O h
. G(x - ct - eh) - G(x - ct)
= L1m (-e) - - - - - -- --
h➔o -eh
= (-c)G'(x-ct).

ORIGENS E DESENVOLVIM ENTO DO CÁLCULO - 35


Diferenciando-se uma vez mais, obtemos:

02 Y = (-e) ( - c)G"(x - ct) = c 2 G"(x - ct).


ôt 2
Combinando-se:
2 c2y iG"( ) a2y
e -:;--:, = e x - ct = -;;--
2 •
ex- ct
O fato de poderem ser escolhidas funções G arbitrárias torna
possível ajustar as soluções a posições da corda inicialmente
determinadas a outras condições adicionais. tais como fixar-se
os extremos da corda. Parece-nos que - não entraremos em
detalhes matemáticos para explicar isso - se uma corda
for impulsionada em r = O de uma posição inicial dada, e se
esta posição inicial for descrita pela função J{x). o movi-
mento da corda será descrito por:

y(x, t) = -1 Utx + ct) + f(x - ct)]


2

posição inicial da corda

\
--------------= 1y = f ( x)
A X B

A partir dessa fórmula podemos esclarecer o ponto em


questão no debate sobre o conceito de função, que, con-
forme dissemos, seguiu-se à solução elaborada por d'Alem-
bert para o problema da corda vibrante. Para que y(x, t) =
= 1/21/{x + ct) + f(x - ct)] descreva corretamente o movi-
mento da corda, f(x) deve descrever sua posição inicial.
Mas a questão é se toda posição inicial pode ser descrita por
uma função f(x). Se considerarmos função toda relação
entre uma abscissa x e uma ordenada y. naturalmente não
haverá problema. Mas, conforme vimos na unidade 4. p. 35-6,
esse não era o conceito de função do século XVIII. O conceito
de função do século XVIII referia-se a fórmulas, e, assim,
a relação entre y e x só podia ser chamada de função se
pudesse ser expressa por uma fórmula. Entretanto, não está
claro que qualquer relação, ou qualquer posição inicial
da corda, pode ser descrita por uma fórmula. Desta forma,
você pode imaginar que havia amplo espaço para debate
sobre a questão de quão geral era a solução

y = 21 [f(x + ct) + f(x - ct)].

Na verdade, o ponto discutido não podia ter solução, pois


não existia uma noção clara do que eram fórmulas. Assim,
ao final do debate, chegou-se à conclusão não somente de
que o conceito de função era independente do conceito de
fórmula, mas também descobriu-se que as fórmulas, se inter-
pretadas de modo a incluírem expressões de séries infinitas,

36 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


podiam sem dúvida descrever qualquer relação continua
entre x e y - bem como muitas relações descontínuas.
O outro aspecto importante do problema da corda vibrante,
o estudo de equações diferenciais parciais, foi intensamente
examinado no período subseqüente; descobriu-se que muitos
problemas físicos, especialmente os da teoria do som e do
calor, levavam a tais equações diferenciais, e podiam ser
resolvidos por métodos elaborados para tratar de equações
diferenciais parciais.

Q.A. 10
Até agora, você teve contato com sete problemas do cálculo:
a tratória, a velária, a Iinteária, a elástica, o movimento sob
a influência de forças centrais, a braquistócrona e a corda
vibrante. Compare esses problemas .com relação a sua im-
portância para o desenvolvimento da matemática.

R.A. 10
O problema da tratória não foi importante para o desenvolvi-
mento da matemática; era um problema semelhante a muitos
outros. O mesmo se pode dizer da velária, da linteária e do
problema do movimento em campos de força central; como
problemas matemáticos eles eram mais complicados que a
tratória, mas havia muitos problemas semelhantes à época.
Os três problemas restantes foram muito importantes para o
desenvolvimento da matemática. A elástica porque levou ao
estudo das integrais elípticas; a braquistócrona porque
constituiu o início do cálculo de variáveis, e a corda vibrante
porque iniciou o estudo de equações diferenciais parciais
e porque esclareceu o conceito de função.

5.17. OUTRAS APLICAÇÕES DO CÁLCULO

A lista de problemas aos quais o cálculo pode ser aplicado


estendeu-se muito mais. Problemas de navegação, por exem-
plo, estimularam estudos analíticos em astronomia para
fornecer melhores tábuas de navegação. estimulando tam-
bém estudos sobre métodos para se determinar o curso
mais vantajoso para um navio com relação ao vento e à
corrente. Estudos hidrodinâmicos foram inspirados pelos pro-
blemas do movimento da água em rios e canais. A construção
naval sugeriu questões de estabilidade de corpos flutuantes
e sobre a forma de navio que encontraria a menor resistência
ao mover-se pela água. Em óptica, os efeitos de refração e
reflexão em lentes e espelhos curvos puderam ser estudados
por meio do cálculo. A artilharia pedia o estudo das traje-
tórias de projéteis através do meio aéreo resistente. Em re-
sumo, havia uma grande variedade de problemas, desde os

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 37


mais teóricos até os mais práticos, entre os quais incluíam-se
alguns cuja solução teve resultados práticos (como as tabelas
lunares para a navegação), e também alguns cujo tratamento
permaneceu totalmente acadêmico, não trazendo nenhuma
contribuição ou orientação (pelo menos, durante muito
tempo) para a parte prática de onde surgiam tais problemas
(por exemplo, a corda vibrante).
Naturalmente, a série de problemas mencionada não é exaus-
tiva, nem completa no sentido de representar os interesses
da análise nos séculos XVII e XVIII. Mas nossa discussão
realmente mostra que a história do cálculo naquele período
abrange mais do que debates sobre quantidades infinitamente
pequenas; é a história da aplicação dinâmica, e por vezes
bem-sucedida, de novas ferramentas matemáticas ao estudo
da natureza e ao controle dos processos naturais.

5.18. A CATENÁRIA

As seções precedentes procuraram mostrar que o cálculo


era usado para resolver uma grande variedade de problemas,
mas não ficou claro como era aplicado. Tentaremos ilustrar
esse ponto nesta seção. Para fazê-lo, usamos um exemplo:
a catenária. Este foi um problema famoso e dificil na história
do cálculo. Ao mostrarmos em detalhe como ele foi resolvido,
encontraremos vários aspectos das primeiras técnicas e con-
ceitos do cálculo ainda não examinados. Assim veremos.
por exemplo, as implicações de um enfoque basicamente
geométrico daquilo que chamaríamos funções transcendentais
(neste caso, funções logarítmicas) e encontraremos complica-
ções causadas pelo tratamento pouco rigoroso de constantes
de integração. Estes aspectos provavelmente farão com que a
seção sobre a catenária seja a mais difícil desta unidade. Você
não precisa se preocupar caso não consiga acompanhar
todos os passos do raciocínio; a idéia é que você trabalhe
com o exemplo, tenha contato com esse tipo de trabalho,
e verifique que. mesmo quando as regras e técnicas do cálculo
eram conhecidas. sua aplicação não era necessariamente uma
questão simples e direta.
A catenária é a forma de uma corda ou corrente flexível
suspensa livremente por dois pontos. Mostraremos nesta
seção. com alguns pormenores, como Johann Bernoulli de-
terminou a forma da catenária em 1691. Nessa época, o pro-
blema já tinha mais de cinqüenta anos; em 1636 Galileu havia
sugerido que uma corrente suspensa livremente assume a
forma de uma parábola. Em 1646 Huygens, então com 17
anos de idade, provou por um rigoroso raciocínio geométrico
que a catenária não podia ser uma parábola, mas na época
ele não conseguiu determinar a verdadeira forma da cate-

38 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


nária. Quase ao final de sua vida Huygens teve oportunidade
de voltar ao problema, pois, em um artigo publicado na
Acta eruditorum (em maio de 1690), Jakob Bernoulli desafiou
publicamente os matemáticos da época a resolverem o pro-
blema da catenária.
Três soluções chegaram à Acta: uma de Huygens, uma de
Leibniz e uma de Jakob Bernoulli. Bernoulli, então com
apenas 24 anos de idade, estabeleceu-se através dessa solução
como um matemático de primeira categoria.
As três soluções foram publicadas em junho de 1691. Elas
consistiam em uma descrição geométrica da curva (equiva-
lente a sua equação) e em listas das principais propriedades
da catenária. Nenhuma das três publicações explicava o
método pelo qual os resultados haviam sido encontrados.
Conhecemos agora os métodos dos tr.ês matemáticos a partir
de manuscritos e de cartas trocadas entre si. Johann Bernoulli
explicou o próprio método em suas aulas sobre cálculo inte-
gral ao marquês de l'Hôpital. Comparando-se os três métodos,
parece que a catenária realmente serviu como pedra de toque
para dois métodos matemáticos rivais, a geometria arqui-
mediana clássica e o novo cálculo diferencial. Huygens,
usando de toda a sua habilidade (e tendo trabalhado até
1693, antes de ficar inteiramente satisfeito com seus resul-
tados), mostrou que o problema podia ser resolvido no estilo
clássico. Leibniz e Bernoulli, aplicando o cálculo diferencial,
mostraram com suas soluções que o novo método era pelo
menos tão eficiente como os métodos clássicos; na verdade,
eles encontraram suas soluções de uma maneira muito mais
direta que Huygens. Assim, as s0luções do problema da
catenária marcam tanto o fim do estilo arquimediano do
século XVII na matemática, como o primeiro sucesso pú-
blico do novo cálculo.
Mostraremos agora a solução de Johann Bernoulli, que é
mais simples que a de Leibniz. Bernoulli incorporou-a a suas
aulas sobre cálculo integral (ver unidade 4, p. 3-6) e retiramos
nossos textos desta fonte.
A solução consiste de três partes. Primeiramente Bernoulli
deduz, a partir de argumentos da mecânica dos corpos em
equilíbrio, uma equação diferencial que deve ser satisfeita
pela curva. A equação diferencial determinada por ele é:
dy a
dx s
onde s é o comprimento do arco e a é uma constante;

s = f, [ + ( ::~ Y]
1 d_r. ?\esta forma a equação diferencial

não pode ser resolvida diretamente. porque as Yariá\eis x e _r


aparecem implicitamente em s.
Assim, em segundo lugar, Bernoulli transforma a equação

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 39


diferencial dy = ~ numa equação diferencial que envolve
dx s
x e y explicitamente; ele determina:

Na terceira parte Bernoulli resolve esta equação, isto é,


determina a curva que a satisfaz. Conforme veremos a seguir,
a equação da curva envolve a função logarítmica; mas, na
época em que Bernoulli ministrou suas aulas ao marquês
de l'Hôpital, não se usavam símbolos de função, tais como
log., sen., etc., em equações para curvas.
Por isso, Bernoulli determinou a curva não por sua equação,
mas por uma construção geométrica, ou seja, por um método
formal de construção de pontos da curva.

5.19. DEDUÇÃO DA EQUAÇÃO


DIFERENCIAL DA CATENÁRIA

F2 Bernoulli começa com uma lista de hipóteses sobre a corrente


suspensa. Tais hipóteses são:

1. A corrente é completamente flexível.


2. As forças F 1 e F 2 , necessárias para sustentar a corrente
ABC em A e C são as mesmas que as necessárias para sus-
tentar um peso D, igual ao peso da corrente ABC, suspenso
por cordas sem peso AD, CD ao longo das tangentes à curva
em A e C.

3. Se a corrente está livremente suspensa desde os pontos


D fixos A e C, e se um ponto F for fixado e a parte AF retirada,
a parte FBC não muda de forma.
e 4. Supondo-se agora que o ponto mais baixo da corrente, B,
seja fixo, a hipótese (3) implica que a força F 0 , exercida pela
corrente em B e que é necessária para manter a corrente
na posição B, é independente da posição na catenária do
outro ponto de suspensão 4.
B 5. Se F 1 e F 2 sustentam um peso P com cordas sem peso
formando ângulos </> 1 e </> 2 com a vertical, então:

F 1 :F2 =sen<J> 2 :sen<J> 1


P: F2 = sen (</>1 + </> 2 ) : sen </> 1
P: F 1 = sen (</>1 + </> 2 ) : sen </> 2 •

Para estas regras Bernoulli refere-se a "qualquer livro sobre


estática".

40 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


Q.A. 11
Comprove que a hipótese (5) é uma conseqüência da regra de
forças do paralelogramo.

R.A. 11
Devido ao fato de haver equilíbrio, a soma das forças F 1 I! F2
deve equiparar-se à força P; portanto. a diagonal ao para-
lelogramo, formada por F 1 e F 2 , igual em comprimento à
força P, está situada na mesma linha. Decompondo-se F 1 e F2
ao longo de eixos horizontais e verticais, as componentes
horizontais anulam-se, e a soma das verticais é igual a P.
Portanto:
F 1 sen cp 1 = F 2 sen cp 2 , de modo que F, : F2 =
= sen cp 2 : sen cp 1
e
cp 1 + F 2 cos cp 2 = P.
F 1 cos
sen c/J2
Agora F 1 = F 2 • - - - , que podemos inserir, chegando a:
sen cp 1
F 2 (sen <Pi cos cp 1 + cos cp 2) = P, de onde
sen cp 1 -

P: F2 = (sen cp 2 cos cp 1 + cos cp 2 sen c/J1) : sen c/J1 =


= sen (cp 1 + cp 2 } : sen cp 1 •
p
De modo semelhante é deduzida a razão entre P e F 1 •

Citamos agora as próprias palavras de Bernoulli:


Partindo desses resultados. passamos à determinação da catenária
da seguinte maneira: seja BAa a curva pedida, com seu ponto mais
baixo em B; seu eixo. a linha vertical que passa por B, é BG. A tan-
gente' à curva no seu ponto mais baixo é a linha BE, horizontal. Seja
AE a reta tangente a um ponto A qualquer. Traçamos a ordena-
da AG e uma linha EL paralela ao eixo. Seja BG = x, GA = y, Gg = dx
e Ha=dy.
Uma vez que o peso da corrente está distribuído igualmente ao lon-
. go do comprimento desta. podemos torná-lo igual ao comprimento
da curva BA. qu.: ..:hamamos s. Assim. já que uma força igual e cons-
tante será sempre necessária no ponto B (segundo a hipótese (4)),
tanto no caso da corrente BA ser alongada como no caso dela ser
comprimida, essa força terá magnitude a. expressa pela linha reta
C. Imaginemos agora que o peso da corrente AB esteja concentrado
e suspenso no ponto E onde as tangentes A.E e EB se encontram.
Então (segundo a hipótese 12)). a mesma força serà necessária em B
para sustentar o peso E. como foi necessária anteriormente para
sustentar a corrente BA. Sem dúvida 1segundo a hipótese 15)). a
razão entre o peso E e a forÇa B é a mesma que a razão entre o seno
do ângulo AEB (ou do seu ângulo complementar EAL) e o seno do
ângulo AEL, ou seja, a razão entre EL e Al. Portanto. independente
da posição escolhida para o ponto fixo A na cuna 1sendo a curva
a mesma, segundo a hipótese (3)). a razão entre o peso da corrente
AB e a força em B é a mesma que a razão entre EL e Al. ou seja.
s:a=EL:AL=AH:Ha=dx:dy. e. inversamente. d_r:dx=a:s. 1 =
12 BERNOULLI, Johann. "Lectiones mathematicae de methodo integrahum··
(lectio 36). ln: Opera omnia (1742). v. III, p. 493. p

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 41


O raciocm10 de Bernoulli pode ser resumido da seguinte
H forma: F 1 e F 0 sustentam a corrente em A e no ponto mais
a~----------~g
baixo B, respectivamente.
-+----------~ G
As mesmas forças podem sustentar o peso da corrente AB
em E. Bernoulli supõe que, já que o peso da corrente está
uniformemente distribuído ao longo de seu comprimento,
as unidades de peso e de comprimento podem ser escolhidas
e
de tal modo que o peso de AB seja igual ao seu comprimentos.
Além disso , Bernoulli torna F 0 = a, porque F 0 é constante.
Portanto, pela hipótese (5),
E B
(o peso de AB): F 0 = sen (</> 1 + </> 2 ) : sen </> 1 ,
isto é:
s : a= sen 1/1 : sen </> 1 = EL : AL = dx : dy,
já que
sen 1/1 = sen (</> 1 + <P2) -

dy- = -a, que e. a equaçao


p ortanto, - - d'" . 1 d a catenana.
uerenc1a ' .
dx s

YEL TU NI C't!LA RIIS.


<JIIC pu11.:lum fhationb F fu~nu , r()fmtla. in_ínfimo runllo
B n~quc angcbirur , nc ,iuc diminuctllt, kd km('tr 111ã11chit
e-adem f!,: aq11,1lb. .
, •. P,>nt.!Ht r luflrr,rarnm :i duuhu~ ffü A a' e R quomodtl-
CUn':JOC rofüb. hac rrnputtionc \ irr, h)J\ nnir ín ri r.fl~ A
~ e , Ut poh::ntÍJ (C(JUÍfiu in A lit iiJ r("{Otlam rcquifoam
ln C 1 Ut \ Í. , ('t (a [ tlu?ta \ c:rri<ali IH, ] lim,1 .iup1li C fi (;
,,t finun, :inguli A li G , & ron<l11\ P ad poren1i11nt altefurr:i~•
in e ' ut ílll\ll anuuli tt'l tlus J\ u e ad --tínum angulí opjjQfiti
A B e;. H o.- ill .'lu;i, fa S•.id ·a dnnon!hillur. . . •
H;, •r.chrrpohu,, e11tl';lrt1 ✓l•e11 a1l~1n 1,ufrarctt1 Cii: 1rlvem•
n,u,. it 13 A"' rurv:1 •1u,ríi1;1 , cujm jn/in1un1 pu11l tun1 tt,
a i\ • \d 1111 ., H'(IÍC~fü ' ltJJl tt·n\ per u ll o; unscn5 ln
fofimo punllo UI,.. , 4JllX C:tit -hnri1.ont;1li , in r1uornnquc
ah<> 1mnbo A l 111~ 11\ A J,,. D,1lfo ippli,a,a A e . , . ui Jl•·
r;illdl E(..• fit BC, \ , G A . ,.. J, r.,( ··- ,tx, H..
r•ind1u CUC'M' 1 -..cl qo í.a ,HJllJHtcr n,iÍÍJ, li nghudó (llfV~
="1•
DA ,:-s:u. (J.t1oni,t111 it,1qll( i11 pooo'.fo, TI fompt·r :rqu~fü ~
tonil~nt fHW!lllf,1 n •q11id1111· { per hyporh. + J hvt f;Jt(>n.l nÂ
ot1tínn<"rur, Ú\!" d, rn11,1111 • fo ill-1 pmcnri;i , ,·ri Unt,I n:;i;.
fl ipf~m çxprlmc(u • ~- fmdllg:1wr nunc ron,t,n cati•u~
A f\ l<.111< cno :lt\Utt !,, apprn!Ímt cfk- in l )fl(Urlu f. lilorut11 l.tfl•
t< rt flllrn ,A • 111 . ,,q111111 11r [ rcr liypotl\. 'l 1 in punélol3,
n Jl ,n 1'''ª fltÍ l >ri lufl ,11rnJ11n, l'""dn, r qu.a ;uirca rc,1ui1c--
~ Plf ~d lu l l ,1 l '"' H A . V, 1 llnl I rc I hn flth, ) J
1111 ',11 ( 11Jlll
PI'' <f ·>, Í I ft ,d ( "(Ulll,llll , , . ll UI /111 111 Jngulí A 1;.n .
vd
e, ml'lc11-t·r1 1rl d, • , ".' t," I A 1. . JJ linuftl ~11guli AE t ,
iJ rll' ur J I. ,,1 A I I'"'"'"" 11! ,. , IIIH]U~ Íll Cllf\ a punêilllll
ti ~11"n" A 11111 -, 1,11 1 ,111, J "' 1111, J'<r l1ypotl,. ~. ftlÍ 1 1•er n 1i-
nc1 N<km ] 1,., .Ili\ , m rJ A li dl ;i,I potcnri:1111 in 8 , UI f: L
aJ A L 1d dl , ., •· f L A l. .:- -1\ H . H • -= _,N- "J,
& im' 1, ,1, ,1 , ., ,. L •IUV r11•<.1 1111<1'1 CIU Ia C.rtrll"•
Trecho de " Lectiones mathematicae de me-
thodo integralium' (/ectio 36). ln : Opera omnia
(/ 742), de Johann Bernoulli (Turner Collec-
tion , University of Keele).

42 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


5.20. TRANSFORMAÇÃO DA EQUAÇÃO
DIFERENCIAL DA CATENÁRIA

O argumento anterior foi tirado da 37.ª aula da série O cálculo


integral, de Bernoulli, que é inteiramente dedicada à catenária.
Em uma das aulas anteriores, Bernoulli já havia discutido
e reso 1v1'do a equaçao
- d'('. ª
. 1 -dy = - ; assim, tomamos
1Ierenc1a .
dx s
o seguinte trecho dessa aula:

Já que s = a dx: dy, teremos ds = J (dx 2 + dy 2 ) = a ddx: dy, e, por-


J
tanto dy = a ddx: (dx 2 - dy 2). Para integrarmos ambos os lados des-
sa equação, multiplicamos ambos por dx, obtendo dx dy = a dx ddx:
J(dx 2 + dy 2). Calculando as integrais obtemos x dy = a J(dx 2 - dy 2)
e, por redução da equação, obtemos então dy = a dx: J(xx - aa). 13

Esse argumento é dificil porque é bastante condensado e


porque Bernoulli supõe que (sem explicar explicitamente)
todas as diferenciais de y são iguais, isto é, que dy é constan-
te ou que ddy=O. (Compare com a unidade 4, p. 12; a suposi-
ção, conforme observamos na seção 5.4, equivale a considerar
x e s como funções de y.) Bernoulli colocas= adx .
dy
.('. . - r
A d 1Ierenciaçao d addxdy-adxddy .,
,ornece s = dy 2 , mas Jª
.
que dd y = O, isto . . fº1ca d s = -
s1gm a ddx
-
dy
O restante do argumento é um exemplo típico da habilidosa
manipulação de diferenciais. Pode ser explicado se for tra-
duzido em termos de derivadas. Mas ddy = O implica que
x e s são considerados como funções de y e que
ds , dx , ddx ,,
-=s -=x e --=x
dy 'dy dy2
são as derivadas relevantes. Portanto,

ds = a ddx
dy
implica que, em termos de derivadas,
a ddx/dy 2 ax"
ds/dy s'

Agora

s' = :; = (1 + (:: )2) = Jo + (x') 2 ),

13 BERNOULLI, Johann. "Lectiones mathematicae de methodo integralium ··


(lectio 12). ln: Opera omnia (1742). v. III, p. 426.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 43


de modo que:

1 ax"
= --;::==::::;::
J(I - (x')2)

Bernoulli multiplica ambos os lados por dx; em termos de


derivadas isto significa multiplicação por x'. Logo teremos
ax"x'
x'

e desta forma chega-se a uma equação em que ambos os


termos são integráveis. Bernoulli coloca então as integrais
como sendo iguais (ver Q.A. 12): x = aJ(I + (x') 2 ), mas
omite uma constante de integração (ver Q.A. 13). Elevando-se
ao quadrado, temos x 2 = a 2 (1 - (x') 2 ) ou a 2 (x') 2 = x 2 - a2 e
ax'
j(x2 - a2)

que corresponde ao resultado de Bernoulli

Q.A. 12
Confira se aJ (1 + (x') 2 ) é realmente uma integral de
ax"x'
j(I - (x')2)

R.A. 12
A diferenciação resulta em

[aj(I - (x')2)]' = a 1 • (1 + (x')2)'


2J(I + (x') 2 )
ª •2(x')x"
2J(I + (x') 2 )
ax 'x "

5.21. A "CONSTRUÇÃO" DA CATENÁRIA

Bernoulli deve agora reajustar a equação diferencial:

Segue-se agora a construção desta ·curva. Primeiramente notamos


que, já que x é igual a J(ss + aa), e é portanto maior que s, a ori-
gem fixa de x estará situada além do vértice A, a uma distância C,
já que, se s = O, temos x = a. Assim, se desejarmos fazer com que
esse vértice seja a origem de x, teremos que fazer a substituição

44 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


x = x + a, e a equação dy = adx: J(xx - aa) tomará então a forma
dy = adx: J(2ax - xx). 14

J
dy = adx : (x 2 - a 2) implica que x ;;?; a. Desta forma, apa-
rentemente (devido à omissão da constante de integração),
a origem não é mais A (ver Q.A. 13), mas sim uma distância
abaixo de A. Bernoulli resolve esse problema substituindo
x +apor x; segue-se que j(x 2 - a 2 ) torna-se x 2 + 2ax) e a
equação diferencial torna-se dy = adx : (x ·+ 2ax).

Q.A. 13

V en·r·1que se d y = ----;===;;::::====;=
adx . 1·1ca que a ongem
1mp . de x es-
j (x2 -a2)
teja situada numa distância a abaixo do ponto mais baixo
da catenária.

R.A. 13

No ponto mais baixo dx = O. A partir da equação diferen-


dy
J
cial obtemos que a dx = (x 2 - a 2 ), de modo que, no ponto
dy
J
mais baixo (x 2 - a 2 ) = O, de onde x = a. Portanto, a ori-
gem de x está situada à distância a do ponto mais baixo da
catenária.
Procedimentos como a substituição anterior eram freqüente-
mente necessários no início do cálculo porque os limites de
integração e as constantes de integração usualmente não
eram indicados nas fórmulas; portanto, era preciso escolher,
examinando-se a figura, num estágio apropriado dos cálculos.
Bernoulli chega agora à equação diferencial que quer resolver:
d y- - - ; a =adx
=;.===
- j(x 2 + 2ax)
As variáveis da equação são separadas a fim de que a solução
seja possível através da integração de ambos os lados:

f dy _ Í adx
- Jj(x 2 + 2ax)
ou

y + constante =J
f adx
.
j(x 2 + 2ax)

Q.A. 14
Verifique se a log(a + x + j(x 2 + 2ax)) é uma função pri-
a
mitiva de ----;==:;;::::===, e usando esse resultado elabore uma
J(x + 2ax)
2

equação para a. catenária.


14 BERNOULLI, Johann. "Lectiones mathematicae de methodo integralium"
(lectio 12), ln: Opera omnia (1742). v. III, p. 427.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 45


R.A. 14

a[log(a+x+J(x 1 +2ax))]' = ª
a+x+J(x 2+2ax)
x

[l 2x + 2a ]
+ 2J(x 2 + 2ax)
= -a[J(x 2 +2ax)+x+a]
(a+ x + J (x 2 + 2ax))J (x 2+ 2ax)
a
J(x 2 + 2ax)

Empregando o mesmo procedimento para integrar o lado


direito da equação diferencial obtemos:

y + e = a log(a + x + J (x 2 + 2ax )),


que é a equação da catenária. Além disso, já que a catenária
passa através da origem (x = O, y = O), podemos calcular
a constante e : e= a log a.

(Nota: reescrevendo, temos


el(y+aloga)al =a+ X+ J(x2 + 2ax)
ou
aeY 1ª -a - x = J(x 2 + 2ax),
de onde, ,elevando ao quadrado e reagrupando, obtemos:

X=__!_ a(eyfa + e-yfa)- a.


2
Essa fórmula é atualmente usada para a equação da catenária.)

Entretanto, no Q.A. 14 afastamo-nos do método de Bernoulli


porque ele não tinha a função logarítmica ou a exponencial
a sua disposição. P~rtanto, ele tratou a solução de forma bas-
tante diferente. Basicamente, não expressou a integral como
uma formula, mas interpretou-a geometricamente como uma
área. Assim, sua soluçàu tinha realmente a forma de uma
construção geométrica :
Tracem as normais AK e GH, encontrando-se em B. Seja BA = a,
e construa uma hipérbole equilateral BC com vértice B e centro A.
Construa agora uma curva D/ com a propriedade de que em todos
os lugares BA seja a metade proporcional entre KC e KD, isto é, que
KD = aa: J(2ax + xx). Trace agora uma paralela AF e tome o
2 retângulo AG, igual à àrea HBKDI. Prolonguem DK e FG, e seu
ponto de interseção E estará na curva necessária. 1 5
F A
15 BERNOt:LLI. Johann. "Lectiones mathematicae de methodo integralium"
(lectio 12). ln: Opera omnia (1742). v. III, p. 427.

46 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


Notas

l. "metade proporcional": isto significa que


KC : BA = BA : KD,
de onde
KD = (BA)2 = a2
KC J (2ax + xx)
2. "retângulo AG": retângulo AFGB.
Bernoulli introduz duas curvas: BC, uma hipérbole com
vértice B e centro A, que tem portanto a equação
KC = z = j(x 2 + 2ax), e DI, uma curva tal que
02 0 i
KD = u =--;:==;;a=== ou u = -. Bernoulli afirma em se-
j(x2 + 2ax) z
guida que se para x = BK for escolhido y = BG, de modo que
ay = área HBKDI, o ponto E(= (x, y)) está situado na ca-
tenária. Este procedimento pode ser repetido para qualquer x,
de modo que possa ser determinado o y correspondente a
qualquer x, ou seja, em princípio todos os pontos da curva
podem ser determinados. A construção pressupõe que é
possível determinar retângulos iguais às áreas HBKD/. Ou
seja, supõe-se que a quadratura da curva D/ possa ser de-
terminada.
Assim, a descrição de Bernoulli da curva é uma construção
onde se supõe que é possível determinar a quadratura de
certa curva. Na verdade, essa hipótese não surpreende, pois,
no emprego moderno da função logarítmica, está envolvida
uma hipótese semelhante. Ao escrever a função logarítmica,
assume-se que tal função seja conhecida, o que implica que

. , que log x = fdx


Ja --;- , e ~ f
se supõe ser possível determinar a quadratura da hipérbole,
dx e, a area
, so b a h'1per
, boie com

equação y = _!___ Bernoulli usa uma curva relacionada com


a hipérbole. x

Q.A. 15
Verifique se a construção de Bernoulli resulta numa curva
que realmente satisfaz a equação diferencial:

dy = adx
j(x 2 + 2ax)

R.A. 15
Segundo a construção:

ay = área HBKD/ = f u dx
a 2 dx
= ------;::=:;:===.
j(x 2 + 2ax)

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 47


Portanto:
a 2 dx
ady=~=;===,
J(x 2 + 2ax)
conforme pedido.

(Nota: Ainda há uma dificuldade no fato de que as áreas


HBKDI estendem-se ao infinito (BH é uma assíntota da
curva D/), de modo que não está muito claro se a integral
está bem definida. Entretanto, pode provar-se que nesse
caso os resultados alcançados através dos cálculos estão
corretos. Bernoulli não pôde fornecer tal prova. Assim, temos
aqui mais uma mostra do fato de que os primeiros praticantes
do cálculo contavam somente com seu novo método, e alcan-
çavam resultados corretos.)

Assim, a construção feita por Bernoulli da curva da catenária


é equivalente à solução da equação diferencial. Bernoulli
elaborou ainda duas outras construções: uma onde a integral
é expressa como uma área sob uma hipérbole, e uma onde
ela é expressa como o comprimento de arco de uma parábola.
Não examinaremos os fundamentos de tais construções geo-
métricas de curvas não-algébricas por meio de quadraturas
de comprimentos de arco. Mas acentuamos o fato de que o
uso feito por Bernoulli de tais construções mostra que o
cálculo originou-se num período em que problemas sobre
curvas eram tratados de forma essencialmente geométrica,
e em que não se costumava tratar as relações logarítmicas,
exponenciais e trigonométricas em termos de fórmulas e
equações. Tal situação mudou após 1700, e no trabalho de
Euler, por exemplo, o uso de funções transcendentais em fór-
mulas descrevendo curvas foi plenamente aceito. Desta forma,
a transição de construções geométricas, como as do trata-
mento de Bernoulli do problema da catenária, ao uso de
funções transcendentais em fórmulas é um exemplo da trans-
formação do cálculo que mencionamos na unidade 4 (p. 35-6);
durante o século XVIII, o cálculo tornou-se menos geomé-
trico e mais analítico.

Q.A. !6
Revise o tratamento daJo por Bernoulli ao problema da
catenária já estudado e selecione os aspectos que lhe parecem
diferentes do cálculo moderno.

R.A. 16

Tais aspectos incluem:


o papel das diferenciais nos cálculos (especialmente a
escolha de uma constante dy);
o tratamento irregular das constantes de integração;
o tratamento irregular de integrais que descrevem áreas

48 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


que se estendem ao infinito;
a construção geométrica da solução e em geral o en-
foque geométrico do problema.

5.22. CONCLUSÃO

Com a discussão sobre a catenária voltamos ao ano de 1690,


início do período de que se ocupa esta unidade. Esta é sem
dúvida uma maneira curiosa de terminar uma série de cinco
capítulos sobre o desenvolvimento do cálculo desde a Anti-
guidade até o século XIX. Isto é uma conseqüência do fato
de que dedicamos a quinta unidade a várias técnicas e aplica-
ções que não apresentamos em ordem cronológica. A uni-
dade 5, portanto, situa-se um pouco fora da linha geral da
história do cálculo narrada nas unidades 1 a 4. Assim, para
a conclusão adequada da história, reportamo-nos ao "Epí-
logo" da unidade 4.
Com relação à unidade 5, podemos dizer, à guisa de conclu-
são, que os exemplos de técnicas e problemas e as informa-
ções adicionais que juntamos a eles combinam-se para mos-
trar que o cálculo ou a análise em geral pôde desenvolver-se
e aumentar seu campo de maneira tão prodigiosa porque
encontrou um amplo campo de aplicação, e assim pôde
criar e testar seus métodos e teorias ao tratar de problemas
dificeis e significativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNOULLI, Jakob. "Curvatura laminae elasticae ... ". Acta
eruditorum. jun. 1694.
BERNOULLI, Johann. "Modus generalis ... ". Acta eruditorum.
nov. 1694.
BERNOULLI, Johann. "Lectiones mathematicae de methodo
integralium". ln: Opera omnia (1742).
EULER, L. Institutiones ca/cu/i integra/is, 1768-70 (Textbooks
on the integral calculus).
L'HôPITAL, Guillaume de. Analyse des infiniments petits,
1696 (Turner Collection, University of Keele.)

Agradecimentos

Sinceros agradecimentos às seguintes fontes pelo mate-


rial utilizado nesta unidade:
Archives de I' Académie des Sciences de Paris; British
Museum; Mansell Collection; Ronan Picture Library e
E. P. Goldschmidt & Co. Ltd.; Royal College of Physicians,
Londres; Science Museum, Londres; Turner Collection,
University of Keele; University College Library, Londres.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 49


CURSO DE HISTÓRIA DA. MATEMÁTICA
Origens e Desenvolviménto do Cálculo
Unidade I A Matemática Grega
MARGARET E. BARON

Unidade 2 Indivisíveis e Infinitésimos


MARGARET E. BARON

Unidade 3 Newton e Leibniz


H. J. M. Bos e MARGARET E. BARON
Unidade 4 O Cálculo no Século XVIII: Fundamentos
H. J. M. Bos

Unidade 5 O Cálculo no Século XVIII: Técnicas e Aplicações


H. J. M. Bos

50 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

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