Você está na página 1de 5

Cesário Verde

Deambulação e imaginação: o observador acidental


A atitude deambulatória é para Cesário Verde motivação para escrever. E isso leva-o a
 Uma atitude de errância pela cidade,
 Captação/perceção do real pelos sentidos (primado das sensações)1 e 2
 Recriação e crítica/analise daquilo que o rodeia – Cristalizações1 - ou das impressões
nele provocadas por aquilo que o rodeia- Sentimento dum Ocidental2.
 E realismo e pormenor na representação da cidade – que confina; oprime;
censura, é marcado pela ausência de amor e é o oposto ao campo
representando como local de vitalidade, energia, ânimo, expressão idílica do
amor (no poema Nós) – e dos tipos sociais, onde:
o Está presente a desigualdade/contrastes social e, por isso, causa
“tonturas de uma apoplexia”
Expressando o seu o É valorizada a produtividade, vitalidade, autenticidade e energia dos
empenho pelas causas trabalhadores apesar da vida miserável que têm (capacidade de reação)
socias (miséria
o Por oposição à burguesia criticada e vista como ociosa, inerte e artificial
injustiça…), e´ empatia
pelas classes oprimidas e calceteiros, peixeiras, cavadores(«Cristalizações");
os mais pobres
calafates, dentistas, Lojistas, … («Sentimento dum ocidental»);
um criado, uma regateira ("Num bairro moderno")
O amor
Nos poemas sobre uma amada, Cesário costuma descrevê-la como pueril, altiva,
graciosa e distante (em associação à cidade) –Deslumbramentos e Humilhações. Ou
(em associação às características do campo) frágil, simples, inocente e bondosa - A
Débil3 - e até mesmo “magra, enfezadita” - Num Bairro Moderno
Transfiguração poética do real
Através desta deambulação enquanto observador acidental, Cesário irá, ainda, realizar
a transfiguração poética do real, onde a partir de elementos reais é criada, com a sua
“vista de poeta”3, uma nova conceção da realidade, que se assume, assim, como
transfigurada. Ex: Bairro moderno e A Débil
Linguagem e estilo
Isso leva a que a poesia de Cesário seja marcada por novidades como o abordar e
narrar de temas prosaicos, como a vida quotidiana. Ou seja, este, de forma inovadora,
transforma, algo que até aí era considerado não poético, em poético, espelhando 1 a
nova atitude de ver a realidade.
Isto enquanto usa um discurso coloquial, simples e realista.
Sendo de referir a sua maior empatia pelo campo e pelas classes sociais mais baixas.

O sentimento de um ocidental
Cesário Verde disse “A mim o que me rodeia é o que me preocupa” e isso vai leva-lo,
no Sentimento de um ocidental a deambular pela cidade de Lisboa, como um
observador acidental, escrevendo, por isso, sobre os sons, os cheiros, as pessoas e a
vida quotidiana da capital portuguesa.
Ao longo do poema e percorrendo, desde o início da tarde até de madrugada, diversos
espaços físicos desde o Tejo (de onde partiram as naus para um futuro glorioso) até
aos escuros becos da cidade lisboeta, Cesário mostra-nos a Lisboa do seu tempo que,
para si, é marcada pela “soturnidade”, “melancolia”; ausência de amor e asfixiante e
castradora devido aos:
 Contrastes entre a riqueza e a pobreza; o luxo e a miséria (até social, no
caso das prostitutas) e os espaços ambos e grandes e os pequenos, escuros
e solitários
 E ruas limitadas por prédios sepulcrais que criam uma sensação de clausura
Imaginário épico
 Poema longo
 Versos alexandrinos (12 silabas métricas) e decassilábicos - início das estrofes
 Exaltação da produtividade, vitalidade, autenticidade e energia dos
trabalhadores – personagens coletivas
 O presente leva o sujeito poético a desejar a evasão do “eu” lírio através da
evocação do passado glorioso.

E é nesse contexto que a estátua de Camões da secção “noite fechada”, relembra que
houve um outro passado bem diferente, do passado da inquisição e do terramoto.
Algo que volta a ser referido na quarta secção, “horas mortas” com as referências aos
heróis dos descobrimentos.

Texto antiépico
 Critica social à degradação da moral e social da cidade
 Personagens antiépicas: os marginais (ladrões, bêbedos, prostitutas) e os
burgueses ociosos, inertes e artificiais
 Contrastes sociais
 Crença na impossibilidade de futuro glorioso devido à presença das
características citadinas funestas e sórdidas nesta sociedade
Cesário Verde viveu no séc. 19 em Portugal, um período marcado pelo:
 Rápido aumento populacional provocado pelo êxodo rural
 Proliferação de doenças como a tuberculose
 Grande contraste entre ricos e pobres
 Desenvolvimento parcial da cidade: candeeiros a gás, eletricidade e água
canalizada vs. ruas de terra batida, malcheirosas e escuras
 Crescente desenvolvimento dos transportes e vias de comunicação
 Nascimento e propagação dos ideais republicanos e dos ideais socialistas
 Aparecimento do anticlericalismo
 Analfabetismo afetava mais de 80% da população
 Desprezo dos políticos e intelectuais pelo povo

Cesário Verde – Sentimento de um ocidental


O poema é composto por 44 estrofes e fora por isso dividido em 4 secções, cada uma
com onze estrofes, através das quais ficamos a sua interpretação simbólica dos vários
elementos da cidade de Lisboa.

Versos longos apropriados à descrição e análise do espaço observado

“Ave Marias”

Nesta primeira secção do poema ficamos a conhecer o momento do dia que Cesário
Verde escolhe para iniciar a sua deambulação solitária e critica pela cidade, ou seja, o
fim da tarde e o início da noite.

Essa deambulação solitária e critica por um ambiente soturno (céu baixo de neblina,
cheiro enjoativo a gás e atmosfera enevoada) acaba por lhe provocar “desejo absurdo
de sofrer”, insatisfação e nojo e isso leva-o a desejar a evasão.

Nesta deambulação pela cidade de Lisboa, Cesário mostra simpatia e solidariedade


pelas classes mais desfavorecidas: os carpinteiros, calafates, dentistas, obreias e
varinas.

E a observação do presente (“botes”) leva-o a invocar o passado (“naus”) heroico dos


descobrimentos, cantado por Camões, e cujos valores são tão diferentes da sociedade
em que o sujeito poético vive, acentuando assim a decadência de Portugal presente
face ao passado glorioso
No poema e mais especificamente na estrofe 4 há a descrição negativa da cidade. E
isso é claro na comparação: edifícios em construção e gaiolas - caracter opressor – e
mestres carpinteiros e morcegos - caracter maléfico e sombrio.
Prova da deambulação: embrenho-me e erro
Importância das sensações:
 audição - tinit  audição - arengam
 visão - flameijam  visuais - reluz e cardume negro
 auditivas - miam gatas

“Noite Fechada”

O passeio continua, com referência à cadeia do aljube, à Sé, a igrejas, quarteis,


andares, tendas e palácios, que se opõem a casebres e espaços mórbidos, negros e
solitários.

É evidenciado o caracter anti clericalista da época com a referência à: “nódoa negra e


fúnebre do clero”
As duas estrofes iniciadas por “E eu sonho o Cólera, imagino a febre” e “Partem
patrulhas de cavalaria/Dos arcos dos quarteis que já foram conventos:/idade média”
são a prova da existência dessa transfiguração poética do real.
O olhar de Cesário realça também os contrastes entre as mulheres do mundo artificial
da moda “montras dos ourives” e as empregadas (costureiras e florista).

Ao entrar numa “brasserie”, o narrador autorretrata-se de forma irónica, pois, apesar


de tentar com a sua poesia fazer uma denúncia social, está consistente que a sua
“luneta de uma lente só” o faz ter uma visão pessoal e limitada da realidade
Relação com a cidade se faz através de sensações auditivas e visuais:
 Auditivas - tocam-se a grades  Visuais - reflexos brancos
 Visuais - ao acender das luzes  Visuais - nodoa negra

Metáfora nodoa negra - critica ao clero acentuada ainda mais com a referência à
inquisição.
“Mas” - faz um corte com a realidade anterior e centra-se noutra realidade
Referência ao épico de outrora - Luís de camões - a presença do mesmo contribui
assim para acentuar a decadência do presente atual
Sendo ainda neste poema retratados e referenciados vários tipos sociais
“Ao gás”

A escuridão agora é evidente, criando uma atmosfera de alucinação. E os espaços são


os passeios, as lojas, a padaria, as casas de confeção, as longas descidas, as esquinas, a
catedral e as personagens femininas que desfilam:
 As “impuras” – prostitutas de uma sociedade doente
 As “burguesinhas” que lembram freiras, pois só sabem tocar piano e rezar
 “Cobra a lúbrica pessoa”: mulher sensual e escorregadia
 “Velha, de bandós”, que representa a classe mais rica.

Por oposição à visão doentia das impuras, surge o forjador e o cheiro do pão no forno
que transmite vigor, saúde e honestidade, uma clara referência à dicotomia
cidade/campo, com elevação deste último espaço.

O sujeito poético diz-nos também desejar escrever um livro no qual pudesse ver uma
cidade diferente. Mas a cidade que ele observa é perpetuadora de profundas
diferenças socias como é o exemplo da cobiça do pobre “ratoneiro” atraída pelo
comércio enquanto os ricos fazem as suas compras.

Na estrofe 10 a cidade mergulha na escuridão e nela surge o pedido suplicante de um


mendigo, “professor nas aulas de latim”, sinal desses contrastes socias.

“Horas mortas”

 Afunilamento espacial
 Subtítulo relacionado com a noite profunda, deserta e sem atividade.
 Ambiente caracterizado pela escuridão (“ás escuras”) quebrada pela
luminosidade dos estros e luzes esporádicas.
 “O teto fundo de oxigénio” e “fechaduras” contribuem para a ideia de
aprisionamento.
 Verso 135 – personificação.
 A cidade é percorrida por bêbados, guardas, imorais e “dúbios caminhantes”
 Tabernas, ausência de arvores, cães sujos apontam para a ideia de decadência
 Solução? Desejo de que alguém no futuro “nosso filhos” restaure a época
heroica que Portugal já teve, apenas neles há esperança

O som pastoril de uma flauta distante está associado ao paradigma de libertação do


campo, longinco da cidade.

Ao leitor são dadas sensações auditivas da cidade que dorme: “um parafuso cai nas
lajes”, “rangem as ferraduras” e “sobem no silêncio …notas pastoris de uma … flauta”

A transfiguração poética do real é notória, com os faróis próximos que são olhos
sangrentos.

A última estrofe conclui a ideia de aprisionamento, com a imagem de enormes prédios


que projetam sombras sobre o vale escuro de onde a dor humana busca fugir.

Você também pode gostar