Você está na página 1de 3

Devoção Mariana

Ao ouvir essa música, você certamente se recordará de algum momento na vida em que experimentou a
devoção a Maria. Os católicos demostram amor e confiança na Mãe de Jesus de muitas maneiras: o terço, a
coroação no mês de maio, as romarias aos santuários marianos, as promessas, as novenas, a consagração a
Maria, as sete alegrias e as sete dores de Maria, a visita da imagem às casas. Maria tornou-se tão importante
para os católicos, que no Brasil seu nome é "Nossa Senhora", título que a coloca no nível semelhante a Jesus,
o "Nosso Senhor".
Habitualmente, herda-se a devoção mariana de uma pessoa da família, corno a mãe, o pai, a tia ou a avó, ou
aprende-se durante a catequese. Muitas crianças rezam a "Ave-Maria" antes de dormir. Padre Zezinho lembra
isso, de forma poética:
Eu era pequeno, nem me lembro Só lembro que à noite, ao pé da cama, juntava as
mãozinhas e rezava apressado, mas rezava como alguém que ama. Das Ave-Marias
que eu rezava, eu sempre engolia umas palavras. E muito cansado acabava dormindo,
mas dormia como alguém que amava. (Maria da Minha infância, Pe. Zezinho)
Quando a pessoa se torna adulta, talvez não veja mais sentido naquelas práticas tradicionais da infância. Muita
gente que foi forçada a rezar quando era pequena hoje tem dificuldade de recorrer à devoção que aprendeu.
Outras guardam-na no coração e se apegam a ela, especialmente em momentos de crise e de dificuldade.
A devoção a Maria é traço característico de cristãos ortodoxos e católicos. Se você perguntar a um católico
porque reza a Maria, ouvirá respostas simples, tais como: “porque é bom”, “porque Maria me ouve”, “ela é
poderosa e está próxima da gente”, “ela é minha mãe do céu”. No entanto, rezar a Maria traz problemas numa
sociedade plural, na qual aumenta o percentual de evangélicos. Eles não aceitam o culto dos santos e as
estatuas de Nossa Senhora. Muitos dizem que estamos contra a Bíblia. Em vez de adorar só a Deus (Dt 5,7-
9), praticaríamos a idolatria, ao adorar imagens feitas por mãos humanas, e colocar Maria em lugar mais
importante do que ela merece. Se Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade não se deve rezar a
Maria ou aos santos.
Muitos católicos ficam confusos. Outros, ao contrário, tratam de promover uma devoção a Nossa Senhora
cada vez mais forte e até exagerada. Afinal, possível adorar só a Deus e, ao mesmo tempo continuar rezando
a Maria?
I. Por que rezar a Maria?
a) O sentido da oração
Certa vez, um pré-adolescente resolveu deixar de tornar banho. Tal gesto deixou seu pai indignado. Então,
perguntou-lhe: "Papai, por que a gente precisa tomar banho cada dia?" O homem ficou surpreso. Tantas vezes
na vida fazia isso sem pensar, e agora necessitava dar urna explicação convincente. Respondeu-lhe:
Meu filho, o banho limpa a pele, ajuda-nos a manter a saúde, a relaxar o corpo e a
descansar a mente. Nada melhor que um banho depois de um dia de trabalho. Quando
a gente se banha, parece que as coisas ruins vão pelo ralo, junto com a água e o
sabão. Dá uma sensação de bem-estar. Uns cantam e outros têm momentos de
inspiração, na qual nascem poesias, ideias e projetos. Além disso, o cheiro bom do
sabonete e do xampu torna a convivência mais agradável e atraente. Existem também
banhos medicinais, com ervas, para curar doenças. Você vê quantos benefícios traz o
banho: limpeza, descanso, energia, cura, criatividade e bom odor? (Ibidem: Murad)
O menino gostou da explicação do pai e voltou a banhar-se, não mais como uma obrigação, mas
compreendendo o sentido do ato que realizava cada dia.
A oração é como um bom banho. Embora já estejamos encharcados pela presença de Deus, nas suas criaturas,
na história e em cada um de nós, necessitamos, de forma livre e consciente, entrar nessa água viva e deixá-la
circular em nós. A oração nos purifica dos pecados e do mal, faz-nos descansar em Deus, renova o coração,
contribui para a cura interior, e nos prepara para sermos sinais do "bom odor de Deus" no mundo. Quando
oramos de coração' em Deus, para que a água viva de sua graça penetre nos poros do da psiquê e do espírito.
A oração cristã é como um banho tépido, no qual se misturam na dose certa água quente e água fria. A água
quente é o consolo, a o repouso, a cura, a sintonia com o Deus Trindade. A água fria é a vida do Senhor em
nós, que impulsiona para a missão. A partir da oração, percebemos, como os profetas, que o mundo não é
como Deus quer, e nos comprometemos a servir ao Senhor e ao seu Reino.
Quando a oração, pessoal e comunitária, deixa de ser uma necessidade e se transforma numa obrigação ou
algo aparente, assemelha-se a banhos mal tomados, que não limpam nem descansam. Acontece como aquele
que rapidamente água na cabeça e lava o rosto, dando a impressão que tomou uma ducha. Cedo ou tarde, os
outros vão sentir o cheiro ruim da falta de banho.
Os profetas da Bíblia alertam que a verdadeira oração ao Senhor deve vir do coração. Ninguém pode comprar
a Deus com sacrifícios e práticas religiosas de aparência. O culto a Deus pode se tornar um engano se não
estiver acompanhado da justiça e da luta pelo bem (veja Is 1,10-20). Seria como lavar-se na água suja, ou
mergulhar no mar com uma roupa impermeável. A água não penetra. oração verdadeira implica o desejo de
conversão e o compromisso de realizar a vontade de Deus na existência.
A comunidade cristã descobriu, desde o começo, que a oração comunitária tem valor imenso. É como se a
gente saísse do chuveiro da nossa casa e fosse para um grande lago, alimentado por um rio caudaloso ou pelo
mar. Quando estamos juntos, à beira d'água, comenos, bebemos e nos alegramos, brincamos e recebemos a
energia e o calor do sol.
Rezar, sozinho ou em grupo, é mergulhar em Deus. Sintonizar com o Senhor, ouvir sua Palavra e reconhecer
sua presença na vida. Há muitas maneiras de rezar e diversas expressões, como o louvor, a ação de graças, a
súplica, o pedido de perdão, o oferecimento, a adoração. Fundamental é permanecer em Deus e nutrir-se de
sua presença.
A oração é somente um componente da relação com Deus. Ninguém fica dentro da banheira ou debaixo do
chuveiro o dia todo, tomando banho. O exagero faz mal. O ser humano recebe água não somente no banho,
mas também nas bebidas e nos alimentos. Da mesma forma, o cristão experimenta a presença de Deus em
várias situações da vida, não somente na oração. Oração e prática, Contemplação e luta, confiança em Deus e
compromisso social vão juntos. Deus está igualmente presente nelas.
2. Devoção: continuidade e renovação
A veneração a Maria aparece de forma mais intensa na devoção do que na liturgia. As devoções populares a
Maria, como o terço, as novenas, as promessas, as fórmulas de consagração, as romarias, são manifestações
do coração. Não se movem pelas normas canônicas, mas pelo desejo de sintonizar com Maria, na comunhão
dos santos. Essa religiosidade não tem dono nem regras definidas. Quem cria devoções solta-as no mundo.
Compete às comunidades cristãs discernir sobre elas, adaptá-las e disseminá-las, se forem úteis. Na sociedade
moderna, e com seus recursos midiáticos, como o rádio, a TV e a internet, têm-se favorecido a difusão de
certas devoções, sem critérios claros, deixando outras no esquecimento.
Quando você era criança, deve ter brincado com argila, ou usou massa de modelar na escola. A partir do
mesmo material, criam-se diferentes objetos, como um bichinho, um pote ou um prato. Enquanto mexe com
a argila, a criança se concentra, encontra consigo mesma, cria e conversa com o fruto de sua criação. Algo
semelhante acontece com a devoção. Como a argila, ela vai sendo moldada e recebe novas formas. Veja este
exemplo curioso: nos últimos anos, em reação à crítica dos evangélicos ao culto das imagens, surgiu uma nova
devoção em algumas cidades: a da Nossa Senhora invisível. Não existe uma estátua palpável. O fiel recebe a
presença de Maria na capela mais próxima de sua casa. Com todo respeito, "guarda-a" na sua casa e reza o
terço. No dia seguinte, ela vai para o vizinho, que a transporta no dia seguinte para outra pessoa.
Como têm grande força simbólica e ritual, as devoções tendem a se solidificar e resistir a mudanças,
conferindo aos seus usuários cena segurança que vem da repetição. É como se o ritual tivesse uma potência
mágica, cujo segredo reside na disposição das palavras e dos gestos. Isso acontece com os fenômenos
religiosos, desde os mais primitivos, dos homens e mulheres pré-históricos, até algumas manifestações atuais,
como o esoterismo e o Neo-pentecostalismo. Qualquer religiosidade tem o risco de se degenerar em magia. O
ser humano tenta manipular o sagrado em seu benefício e cria a ilusão de que o rito, por si só, atrai os favores
da divindade.
Certa vez, num bairro de periferia, Dona Onésia chamou suas vizinhas para cantar o "Ofício da Imaculada",
em agradecimento a Maria por uma graça alcançada. Durante a oração, começou um tiroteio na favela e a luz
acabou. Interrompeu-se a prece. Minutos depois, a paz voltou. Dona Luiza, que era muito apegada à tradição,
pediu para começar tudo de novo. Não se pode interromper o "Ofício da Imaculada"! Nossa Senhora ficaria
triste com essa "desfeita" e não ouviria mais seus filhos. Mas Dona Onésia lhe respondeu: "Você está tratando
a nossa mãe Maria como uma madrasta. Ela sabe do amor que temos por ela. Aqui não vale a lei, vale o
coração". E continuou o canto do Ofício de onde havia parado.
Há pessoas e grupos que transformam a argila maleável da devoção em algo rígido e imutável. Tradições
populares contêm ritos, gestos simbólicos transmitidos de geração em geração, que devem ser valorizados.
Por exemplo: um altar de Nossa Senhora nas casas é uma tradição com muitos significados. O pano branco,
as velas, as flores, a "imagem da santa", tudo isso diz do coração aberto a Deus, da fé, do desejo de oferecer
o que se tem de mais belo. Mas há outras tantas maneiras de ornamentar um altar em casa, ou expressar os
símbolos que ele quer transmitir. Quando as pessoas se apegam às tradições devocionais de maneira mágica e
ritualista, o sopro livre do Espírito vai escapando. Há risco de rigorismo e intolerância: "Somente a minha
forma de fazer é a correta. Todos os outros estão errados". O brilho das manifestações externas tende a ocupar
o espaço que a interioridade merece.
Toda legítima experiência de Deus comporta presença e linguagem correspondente. Presença. pois é o
Transcendente que vem até nós. Linguagem, enquanto expressa de uma forma articulada e compreensível o
que se experimenta. Numa devoção vazia e formalista, a linguagem ganha espaço cada vez maior, com e
gestos impactantes. mas a presença diminui. Como dizia o profeta Isaías, em nome de Deus: "Esse povo me
procura só de palavras, honra-me apenas com a boca, enquanto o coração está longe de mim. Seu temor para
comigo é feito de obrigações tradicionais e rotineiras" (Is 29,13).
O cristão é, ao mesmo tempo, o oleiro e a argila na devoção. Recebe a herança de pessoas e comunidades e
molda as formas de se relacionar com Jesus e Maria, conforme seu contexto. Cada devoção popular a Maria
tem uma história. Começou em determinado momento, para expressar urna experiência religiosa pessoal e
eclesial. Mas a cultura, com suas múltiplas produções de significados, vai mudando. É necessário purificar
aquelas coisas que já significação e endureceram como barro seco. Deve ser mantido aquilo que ajuda a pessoa
e a comunidade a viver a fé em Jesus, a esperança e o amor solidário. O que estorva deve ser modificado. É
como colocar água na argila ressecada: ela volta a ser moldável. A criatividade volta e o sopro do Espírito
circula com liberdade.
Texto adaptado de: Murad Afonso, 2021, Maria, Toda de Deus e tão humana.
Por: Victor Rodrigues de Assis

Para Refletir em Grupo


a) O que permanece para nós de mais importante?
b) Como Justificar o culto a Maria?
c) Sou devoto? Se sim, tenho vivido com fidelidade minha devoção?
d) Como posso ajudar a propagar a devoção saudável a Virgem Maria?
e) Como sinto-me sabendo que tenho uma mãe junto de Deus a olhar por mim?

Você também pode gostar