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REVISTA DE ARTE, CULTURA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

EDIÇÃO #02 - ANO 02 - JAN./JUN. 2021


LABORATÓRIO-ESCOLA DE ARTE POPULAR
Brasa: Revista de Arte, Cultura, Educação e Sociedade / Laboratório-Escola
de Arte Popular – V. 2 (2021). Canoas: Laboratório-Escola de Arte
Popular, 2021 - jan./jun.
v. : II

Semestral

1. Arte. 2. Cultura. 3. Educação. 4. Sociedade. I. Laboratório-Escola de


Arte Popular (Canoas).
CDU 37+7

Bibliotecário responsável: João Vítor Ditter Wallauer – CRB 10/2016


FOTOGRAFIA: MARÍLIA DIAS
expediente
PUBLICAM NESTA EDIÇÃO
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Álecs Dall’Olmo
Bruno Flores Prandini
Ane Schutz
Eduardo Cristiano Hass da Silva
Bianca Flôres
Rodrigo Reis
Bruno Flores Prandini
Cindy Santos de Souza
EDITORES DE CONTEÚDO
Emily Aniceto
Francielle Daltrozo
Everton Tolvez
Luciana Tondo
Felipa Queiroz
Fellipe Santos Resende
DESIGN E DIAGRAMAÇÃO
Francielle Daltrozo
Bruno Flores Prandini
Gui Menezes
Guilherme Niches
LOGOMARCA BRASA
Larissa Canelhas
Mirlaine Brasil
Laura Pep
Luciana Tondo
CAPA
Marília Dias
Marília Dias: Obra "Barriga Escultura" - Fotografia
Matheus Dias
Pâmela Caroline de Oliveira Magalhães
PROJETO GRÁFICO e REVISÃO
Patrícia Souza de Almeida
Laboratório-Escola
Paula Carvalho
Rafaela Caporale de Castro
CONSELHO EDITORIAL
Atena Beauvoir
AGRADECIMENTOS
Cibele Sastre
Para todas as pessoas que estão fazendo o Lab-Escola
Eduardo Pacheco
um sonho possível:
Luciana Oliveira
Ana, Bruninho, Ca, Dudu, Felipe, Fran, Gi, Guigo, Lari,
Manatit Ecoaecoa
Lima, Lu, Manachard, Mar, Mir, Mishta, Pam e Wes
Marli Sitta
Simone Constante
FOTOS
Thiago Pirajira
Bruno Flores Prandini, Cristiano Prim, Felipe Davi
Machado e Marília Dias
PARECERISTAS
Alexandre Ferraz da Conceição
Átila Alexius
Cibele Sastre
Flávio Antônio de Azeredo
Luciana Oliveira
Manatit Ecoaecoa Laboratório-Escola de Arte Popular
Rafaela Limberger revistabrasa@gmail.com
Rita Lende @laboratorioescola
Ricardo Figueiró Cruz www.laboratorioescola.com
Rodrigo Luis dos Santos laboratorioescoladearte@gmail.com
Rodrigo Reis
Rutheene Carvalho
Vanessa Santos Saraiva Rua Caçapava 391, Mathias Velho
CEP 92330-290 | Canoas | Rio Grande do Sul | Brasil
(51) 9 9625.9773 | (11) 9 9139.1362 | (51) 9 9392.4326
sumário
06 Manifesto da Brasa
Laboratório-Escola de Arte Popular

08 Nossa História em uma Década


Bruno Flores Prandini

15 Ser Corpo Latine-Americane: A Dança em Tentativas,


Experiências e Perspectiva Decolonial
Larissa Canelhas

22 Sussurros da Alma
Cindy Santos de Souza

25 Claustro: Olhares sobre o Corpo


Rafaela Caporale de Castro

31 Recortes de Geni
Rafaela Caporale de Castro

38 Arte e Distanciamento Social: Em Busca da Aura Perdida


Guilherme Niches

43 Saúde Mental em Cena: A Relação entre as Oficinas


de Teatro e a Promoção da Saúde Mental
Bianca Flores

49 Nietzsche para Dançar: Arte e Resistência em Tempos


Pandêmicos
Álecs Dall’Olmo, Patrícia Souza de Almeida e Rafaela Caporale de Castro

54 Ato Receptivo Frente a um Espetáculo de Dança:


Experiência Pessoal e Algumas Noções Articuladas
Fellipe Santos Resende

59 Afrorescer: O Cultivo Artístico das Raízes Afro-Brasileiras


Pâmela Caroline de Oliveira Magalhães

63 A Fonte
Marília Dias

65 Amora indica!
Franciele Daltrozo e Luciana Tondo
manifesto da brasa
bra.sa: substantivo feminino.
O que está muito quente. Escaldante;
Estado de afogueamento e de rubor vivo;
Calor incandescente que queima e arde, mesmo sem chamas;
O que parece uma fagulha, que brilha e que incendeia com muita facilidade.

Você já parou em frente à brasa e percebeu o calor que sentia a partir dela?
O tom do fogo que te hipnotizava ou a luz que emitia daquelas chamas latentes?
E de repente, por um segundo quase imperceptível,
você se vê soprando nela para que dali surja uma nova chama.

Essa chama somos nós:


Gênese do fogo
Etimologia de nossas origens brasileiras
Resultado das chamas entre povos
Energias que se encontram no chamado que aquece
Não, não somos o resultado de uma suposta democracia racial, mas sim, o
resultado das lutas históricas por uma tentativa de plena democracia e de
reparação histórica.

De coletivo: braseiro, braseira, ou como chamamos hoje, braseirE


De brasileires que,
Dançam como as ondas do fogo,
Saltam com os estalos da fogueira,
E se veem na terra de todes
Na terra chamada Brasil, terra do pau-brasil
Vermelha como a planta, vermelha como a brasa,
Como a pele e como o sangue
Sangue de um povo quente, do sol, da festa, da resistência popular

06
Somos artistas, professores, educadores e cidadãos. Queremos pensar, deixar
arder e, em cada brasa, apresentar a pluralidade de cores, formas e visões de um
mundo emergido das vontades pulsantes, que enxerga no calor da brasa uma
oportunidade de fazer, promover e fruir sobre Arte, Cultura, Educação, Política e
Sociedade. Eixos que se encontram e que se atravessam, consumidos pelas brasas
que ardem entre si.

Mas não queremos arder apenas em ateliês, estúdios, escritórios ou torres de


marfim
Queremos arder nas universidades, nas escolas, nas comunidades, nas ruas e nas
praças;
Queremos arder onde o humano arde, onde as chamas do fogo da brasilidade se
acendem;
Queremos refletir, publicar e socializar experiências que iluminam o breu do
mundo, contribuindo para a construção de uma democracia transcultural, atuante
e dona de si;
Queremos reunir as diferentes manifestações e processos artísticos, saberes
populares, saberes científicos, saberes que ao sopro do vento ascendem a uma
nova chama.

“Manda brasa!”
Nos dizem quando podemos tocar sem medo, seguir em frente, acreditar!
Manda Brasa! Somos Resistência de corpos que voam mesmo sem asa
Manda Brasa! Somos Coletivo de Artes que transborda e vasa
Manda Brasa! Somos Movimento de cultura que não é rasa

Quer manter essa chama acesa?


Manda Brasa!

07
FOTOGRAFIA: MARÍLIA DIAS
nossa história
em uma década
ARTIGO
Bruno Flores Prandini
1

Fundado em 2010, o Laboratório-Escola pessoas que já fazem e se deixaram se


de Arte Popular é um coletivo composto experimentar pelas invenções culturais
por pessoas de diferentes áreas das Artes, deste laboratório! Afinal, somos este
da Criatividade e da Educação: Artes espaço híbrido, itinerante e
Visuais, Dança, Design, História, Letras, descentralizado de pleno
Meio Ambiente, Patrimônio Histórico, desenvolvimento humano, montado por
Produção Cultural e Teatro. Estruturado artistas e educadores na cidade de
na cidade de Canoas, seu trabalho se Canoas, mas com o alcance geográfico
desenvolveu dentro de comunidades sem fronteiras. Nossa principal meta e
periféricas, sempre focado em criar uma objetivo é e sempre será oferecer uma
arte popular que atinja ao maior número e intensa experienciação artistico-cultural,
tipos variados de pessoas, sendo elas de modo transdisciplinar, tomando as
artistas ou não. No dia 18 de dezembro artes como ponto de partida para o
de 2020, o Laboratório-Escola completou (re)descobrimento e para a
dez anos de existência. E de lá até aqui, a (des)construção do corpo como principal
nossa criança cresceu e já está fonte de conhecimento cultural, social,
caminhando e aprontando suas invenções político, sensível e criativo.
sozinha!
Acompanhe um breve histórico destes
São dez anos de um trabalho árduo e dez anos de coletivo.
multiplicador, um trabalho que atinge
pessoas e por diversas vezes somou
muito às suas vidas. Um trabalho que dá
orgulho para seus integrantes. São dez

2009
anos de muita criação, arte e movimento
na cidade de Canoas e suas redondezas.
O Laboratório-Escola certamente está nas
memórias afetivas de muita gente que
começou a experimentar Arte e mesmo as

08
1 Mestrando em Educação e Graduado em Teatro: Licenciatura pela UERGS. Artista híbrido, arte-educador, produtor e
encenador no Laboratório-Escola de Arte Popular.
2010 Começamos a ter encontros fixos,
Ano 0 - Tudo começa com uma Oficina pesquisas, ensaios e a primeira grande
Livre de Teatro montagem do grupo: O Médico e o
Nossa história começou na Escola Monstro. O espetáculo foi construído e
Municipal de Ensino Fundamental adaptado livremente com base nos
Professor Thiago Würth, no bairro clássicos de ficção científica: "O Médico e
Mathias Velho. Uma das maiores escolas o Monstro, de Robert L. Stevenson",
do município. O ano era 2010, eram "Frankenstein, de Mary Shelley" e "The
outros tempos, outros governos, outras Rocky Horror Picture Show, de Richard
possibilidades. Nessa época, existia o O'Brien". Voltado ao público em geral
Programa Escola-Comunidade Mais aborda de forma tragicômica assuntos
Educação, um projeto que envolvia as como a aceitação das diferenças, o amor e
escolas numa espécie de turno integral. o perdão.
As crianças estudavam num turno e, no
outro, faziam oficinas temáticas. Foi numa
dessas que eu assumi uma turma mista de
sétimos e oitavos anos para ensinar
Teatro. Inicialmente foram apenas
apresentações escolares dentro do
calendário. Depois de alguns meses,
novas turmas surgiram e em um ano,
estávamos movimentando a escola com
diversas apresentações.

2011
Ano 1 - Escola e Comunidade
O ano seguinte é marcado pela
continuidade das oficinas e pela expansão
de novas turmas. Praticamente todos os
anos do turno integral faziam Teatro. A
possibilidade de abrir novas portas fez
com que a escola recebesse mais pessoas
inclusive nos finais de semana. Todos os
domingos a tarde tínhamos encontro. Ali
nasceu o Grupo de Teatro Würth. Um
grupo montado por crianças, adolescentes
da escola e moradores da comunidade.
Apresentações, feiras, exposições,
passeios de arte e muito agitação fazia
parte da identidade do grupo. Depois de
um ano, o grupo começou a ficar
conhecido entre as outras escolas da
cidade.

09
FOTOGRAFIA: BRUNO FLORES PRANDINI
2012 Ano 2 - A Saga de Cristo Houve também um aumento significativo
O ano de 2012 é marcado por intensas nos membros do grupo, apresentações em
experiências culturais: festivais, mostras, Feiras do Livro, eventos da prefeitura e as
apresentações fora da escola e da cidade. primeiras contratações com cachê. A
É nesse ano que o grupo começa a EMEF Prof. Thiago Würth seguiu sendo a
participar de movimentos coletivos com sede do grupo agora com duas salas
outros artistas e a se engajar próprias, um atelier e uma sala de ensaio.

2014
politicamente na cidade. A novidade fica
por conta do espetáculo “A Saga de
Cristo”, uma montagem de rua realizada Ano 4 - Do Outro Lado do Muro - Escorre
coletivamente, com os grupos Pode Ter Neste ano, o grupo sofre sua primeira
Inço no Jardim e Carapaticum, que grande transformação. O Grupo de Teatro
ocupou praças e passarelas da cidade e Würth agora seria chamado de Coletivo
marcou épocas como a Páscoa e o Natal. de Teatro Galegos & Frangalhos,
É neste ano que o grupo começa suas buscando uma maior independência
experimentações na rua participando de através de editais e projetos para poder
festivais e mostras de teatro, tais como o gerar renda aos membros do grupo. Neste
FESTIA e a MostraRua. O grupo participa ano, mais 2 prêmios, através do edital
também de uma coprodução e atuação no Microcrédito Cultural, dos projetos “O
espetáculo “Sepé Tiarajú Herói- Médico e o Monstro” e da “3ª Ed.
Riograndense” com o Ponto de Cultura Diálogos Cênicos”. Além das oficinas na
Nosso Modo de Ser Mais Cultura, escola durante o turno integral, o grupo
Pontinho de Leitura LERARTE e Horta também manteve desde seu início, uma
Comunitária da Vila União dos Operários. oficina livre e gratuita aberta para
Também a realização da primeira edição qualquer pessoa, muitas vezes, a porta de
dos Diálogos Cênicos, evento que juntou entrada para fazer parte do grupo. Além
grupos da cidade para apresentações e da manutenção dos espetáculos já
bate-papos entre estudantes. existentes, 2014 marca a estreia de dois

2013 Ano 3 - Imagem Social


novos trabalhos: “Do Outro Lado do
Muro”, espetáculo de rua que conta a
O terceiro ano do grupo é marcado por história da educação brasileira, e a
conquistas dos primeiros editais, no performance “Escorre”, que trazia
Brique do Corvo e Caravana Cultural, e inquietações políticas sobre a América
prêmios como Melhor Espetáculo e Latina. Participações em feiras, mostras,
Grupo Destaque, no Canoas Multicultural. encontros e festivais de arte marcam a
Novas apresentações dos espetáculos “A trajetória do grupo.
Saga de Cristo”, “O Médico e o Monstro”
e a estreia do seu novo trabalho “Imagem 2015 Ano 5 - O Médico e o Monstro
Social”. Neste ano também aconteceu a O ano de 2015 é marcado por uma grande
2ª Ed. dos Diálogos Cênicos com muitas transformação, pois além de muitas
apresentações, oficinas e rodas de pessoas entrarem e saírem do coletivo, é
conversa. um momento de profunda

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desconstrução e ressignificação do fazer O sexto ano do grupo é marcado por um
artístico através do projeto “O Médico e o período de recesso. No primeiro semestre
Monstro” que mergulhava no mundo houve participações em mostras, feiras e
LGBTQIA+. O ano traz novas parcerias: festivais. Além da produção de novos
uma oficina fixa para a Maturidade Ativa bate-papos, a continuidade das oficinas e
do Sesc Canoas; Atuação de membros do a estreia do espetáculo “3Cartas para
coletivo como Mediadores de Leitura pelo Alice: Entre o Perfume de Flores e a Fome
Programa de Incentivo à Leitura PROLER de Escorpião”, que trazia inquietações
e Agentes de Leitura; e o grupo vira um sobre o corpo LGBTQIA+. Algumas
colaborador na Produção e Atuação no contações de histórias e parcerias
Projeto “Bicicletada Caminhos de Sepé” seguiram firmes, como o Sesc Canoas que
da Equipe Ecoprofetas patrocinado pela estreava o segundo espetáculo da
Petrobrás. Além disso, o coletivo ganha Maturidade Ativa “A Viagem”, enquanto
três prêmios: duas vezes contemplado outras terminavam, como por exemplo o
pelo edital Programa Microcrédito Programa Mais Educação que, ao
Cultural 2015 com os projetos “Galegos & terminar, impossibilitou a continuidade do
Frangalhos - 5 anos por Canoas” e coletivo ocupando as salas da escola, pois
“Oficina Livre de Teatro Popular - elas foram requisitadas por outros
Fomento e Manutenção”; e contemplado projetos do governo federal.

2017
pelo edital Programa de Incentivo à
Cultura 2015 com o projeto “4ª Edição
Diálogos Cênicos”. Para marcar Ano 7 - Escorre - Performance em Dança
artisticamente, o coletivo estreia três O recesso do coletivo seguiu até o fim do
novos trabalhos: o espetáculo primeiro semestre quando as Oficinas
“Anônimos”, uma denúncia sobre a Livre de Teatro marcam o reinício das
ditadura militar; o espetáculo “Oxum: atividades. Além de apresentações em
Água é Vida”, uma peça infantil sobre os atividades locais, mostras e feiras, o
ensinamentos do meio ambiente e o coletivo retoma um trabalho: A
conhecimento africano; e o espetáculo performance Escorre e começa a
“Retratos”, montado com um grupo de investigar ainda mais a fundo sua relação
terceira idade sobre o processo de com o urbano e a rua. O ano também é
envelhecimento. Esse ano também é marcado pela estreia do trabalho “As
marcado pelo início do projeto Engenhosas Histórias d'Álem do Mar”,
Contraponto, uma série de bate-papos que traz o lúdico e o imaginário infantil
sobre diversos assuntos, e nas primeiras para a cena. A parceria com o Sesc
edições, abordamos a Sexualidade e o Canoas segue pelo terceiro ano e com a
Gênero. Feiras do Livro, Festivais e estreia do espetáculo “Mulher: sobre o
Mostras também passam pelo repertório direito de ficar ou partir”. Além disso, o
dos 5 anos. coletivo transforma o espetáculo “O

2016
Médico e o Monstro” num workshop
Ano 6 - 3 Cartas Para Alice

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chamado Corpo-Vivências, aprofundando abrir novos espaços de arte foi um
os estudos do corpo e da cena. O ano símbolo de resistência e esperança para
finaliza com a estreia do Documentário muita gente. Foram 15 turmas e mais de
“Um Lugar para Voltar” contemplado pelo 100 pessoas matriculadas. Nesse ano, o
Edital da Ancine e BRDE Prodav 12 TVs coletivo já se entendia enquanto um
Públicas e realizado pela Flow Filmes, espaço de Arte e não apenas Teatro, pois
Modus Produtora e pH7 Filmes. inúmeras oficinas e criações nas mais

2018 Ano 8 - Zuleka e o Tesouro do


variadas linguagens nasciam: Dança, Artes
Visuais, Performance, Moda e
Pirata Careca Audiovisual. Foram 2 exposições de arte,
Aqui começou uma nova transformação a Exposição Escorre na UFSJ de Minas
nos caminhos do Coletivo, pois durante o Gerais, e a Exposição Laboratório-Escola
ano todo, seus membros preparavam para de Arte Popular: Arte-Educação
se reinventar, para inaugurar o (Des)construindo corpos no Espaço
Laboratório-Escola de Arte Popular, nome Multicultural Livros Sobre Trilhos da
que passaria ser assumido Trensurb; 2 edições do Contraponto que
definitivamente pelo coletivo. Sendo abordou assuntos como o feminismo e a
assim, uma nova identidade, num formato infância; Apresentações fora da cidade,
ainda mais de formação artística. Neste em Pelotas, Montenegro, Arroio dos
ano, muitas turmas são abertas e Ratos e em Porto Alegre. Dois prêmios
encontra-se o formato de mostras anuais. pelo edital Programa Microcrédito
Certa de 145 pessoas fizeram as oficinas Cultural 2019 com os projetos
do coletivo durante o ano e 8 espetáculos “Aniversário do Coletivo - 10 anos por
foram montados com turmas. Os Canoas” e “1ª Mostra Municipal de Artes
trabalhos e as pesquisas seguiram do Laboratório-Escola”; Além de
acontecendo e a construção de currículo apresentações de 8 espetáculos
montados na escola.

2020 Ano 10 - Associação Cultural


para as Artes começou a nascer. Mostras,
Festivais e Feiras do Livro seguiram
marcando a trajetória do coletivo. Estreia
do espetáculo “Zuleka e o Tesouro do Laboratório-Escola de Arte Popular
Pirata Careca”, que aborda questões O décimo ano do coletivo além de ser
sobre dislexia e o incentivo à leitura e que marcado pela pandemia global e pela
também foi a primeira temporada de um reinvenção cultural obrigatória em
espetáculo em Porto Alegre na Sala ambientes virtuais, de certa forma foi
Carlos Carvalho na CCMQ feita pelo muito potente para que o Laboratório-
coletivo. Escola desse mais um passo na direção de

2019
seus sonhos. Mesmo com todas as
Ano 9 - Atentados: Operação dificuldades econômicas e pandêmicas,
Onde Estão os Porcos? seguimos com força e em coletivo
A inauguração do Laboratório-Escola de mantendo projetos em pé. Oficinas de
Arte Popular se torna um marco na Teatro, Moda, Artes Visuais, Fotografia,
cidade, pois a cidade e o país num todo Dança e Capoeira marcaram o ano e se
passava por uma forte crise na cultura, e potencializaram com a participação de

12
pessoas do Brasil inteiro. Além disso,
mantivemos mais edições dos projetos já
conhecidos como o Contraponto, a
Mostra anual das oficinas, a Corpo-
Vivências e os Diálogos Cênicos. As
novidades ficam por conta dos projetos
novos como a Revista Brasa, contemplada
pelo FAC Digital das Artes; a oficina
Infância Criativa, contemplada pelo Sesc
Arte em Casa com Você; a estreia do
espetáculo NÓS: Quando o Corpo não
Cabe na Nuvem apresentado na Colômbia
na XI Mostra Internacional de Artes
Cênicas Movimento Contínuo; Workhops
variados em parcerias com outros grupos
e a criação de uma rede entre coletivos
que conta com a colaboração de: Grupo
Art&Dança, Amora Produções Culturais,
Coletivo Órbita, Clube de Teatro, Grupo
TIA, Sem Início e Sem Fim, e Grupo
Capoeira Angola Canoas. O final do ano
também é marcado pela conquista de
vários prêmios da Lei Aldir Blanc e o
lançamento da nossa ONG, a Associação
Cultural Laboratório-Escola de Arte
Popular.

2021
Ano 11 - Em busca de novos sonhos
Nesse ano, o Laboratório-Escola busca
realizar o sonho de um espaço próprio
para a construção de uma Escola Popular
de Artes da cidade de Canoas. Além das
novas possibilidades enquanto uma ONG,
a proposta é possibilitar para a região
metropolitana o acesso gratuito e de
qualidade às artes para pessoas de todas
as faixas etárias. Que os próximos dez
anos, sejam tão intensos quanto estes!
A todes que já passaram por aqui:
gratidão!

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FOTOGRAFIA: FELIPE DAVI MACHADO
OBRA TRANSCRIADA
Obra: Universo Interior
Técnica: Colagem Digital
Artista: E.Tolves

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ser corpo
latine-americane:
a dança em
tentativas,
experiências
e perspectiva
decolonial Larissa Canelhas2
ARTISTA CONVIDADE
Resumo da atividade: O presente texto Atravessei o mar, um sol da América do Sul me
guia, trago uma mala de mão, dentro um oração,
apresenta possibilidades, devaneios e um adeus... Eu sou um corpo, um ser, um corpo só,
tem cor, tem corte. E a história do meu lugar... Eu
provocações para a criação em uma sou a minha própria embarcação. Sou minha
perspectiva decolonial do corpo na dança, própria sorte.
LUNA, Luedji, Um Corpo no Mundo. ybmusic,
a partir da experiência como aluna 2016.
especial do Programa de Pós Graduação
em Artes Cênicas da UFRGS, e práticas
artísticas no período de isolamento social.

15
2 Graduada em dança: licenciatura, artista no Coletivo Órbita e arte-educadora no Laboratório Escola de Arte Popular.
O ano 2020 e seus desdobramentos, ou, demanda de tornar as ditas “Poéticas”,
a insurgência nascente das divergências estratégias do corpo acadêmico para se
locais. Um vírus emanação da soma de um situar na urgência do tempo e espaço, ou
sistema. O isolamento castrador de afetos seja, encontrar meios, leituras, artistas e
ferozes, em consumação através de fogo autouros que abordassem a
e medo da morte, provenientes da descolonização da dança, ou, pelo menos,
aglomeração de presenças de corpos situassem a margem que separa “A
aglomerades, que juntos somam fome de dança”, para a “Dança dos outros”.6
revolução. Nós, artistas, arte-educadoros
e pesquisadoros da linguagem que Distribuir intemporalidades da corpa que
transcende tempo/espaço/estruturas, dança
mais uma vez obrigades a ser camaleão, Nessa construção latente, que possui
múltiplo não só no fazer, mas no resistir e como metodologia primeira de base, olhar
insistir em ser em meio à adversidade, para a ferida profunda e dimensional que
adaptar o corpo onde couber, doendo ou é a colonização/modernidade,7 ocorre
não, criando pra matar a morte. exatamente aí, o primeiro impasse, pois,
Esse ensaio parte da experiência/corpo quem se constitui enquanto pesquisadore
em dissidência no isolamento social, ou, nos moldes europeus que são as estrutura
exílio programado pela torre de comando, das Universidades, é em grande parte,
dentro de privilégios de cor, adestrade para um método que privilegia
cisgeneridade, casa, comida, internet, ou, essencialmente cientistas, filósofos e etc,
o suficiente para, permanecer catando do mesmo conjunto hegemônico. Desse
brechas, me fazendo caber em pequenas primeiro conflito tomei por conta, a noção
frestas, ou, como chamo a partir de então dos estudos decoloniais, feminismos
Veredas pro Mar.3 É provocação de decoloniais e produção literária oriunda
algumas experiências, potentes de se da América Latina.
fazer respirar até debaixo da água, como É necessário também situar que,
cursos online e gratuitos de dança,4 anteriormente a esses acontecimentos,
palestras e cursos. me interessava pesquisar a dança
Sobre América Latina,5 e, movimentos enquanto modo desprogramador de
sociais que ganharam destaque na mídia, corpo industrial, patriarcal e capital, pois,
atravessaram esse processo. Mas, numa sociedade que adestra es mesmes,
principalmente, da experiência como em segmentos de gênero, cor, produção
aluna especial no Programa de Pós de lucros e consumo, o movimento de se
Graduação em Artes Cênicas da UFRGS, autoconhecer enquanto corpo/natureza
na disciplina de Poéticas do Corpo na integrade, fenomenológico e possível de
Dança Contemporânea, em que surgiu a ser criadore e investigadore de si no
mundo, avança para além do imaginário

3 In Saio, Centro de Referencia da Dança, Oficina Oswald de Andrade, Bruna Spoladore..


4 Curso gratuito oferecido pela UFSC em 2020, denominado “O que ler para entender a América Latina”.
5 Curso gratuito oferecido pela UFSC em 2020, denominado “O que ler para entender a América Latina”.
6 Termo utilizado por Luciane Ramos para explicar o eurocentrismo epistemológico, no qual, países fora da Europa são classificados
a partir da falta em relação a Europa, designando-se assim como “Os outros”. (Ramos, 2019, p.93).

16
7 O termo surge também associado a pós colonial, ou decolonial, a partir da constituição do grupo Modernidade/Colonialidade por
volta dos anos 90, e, composto por intelectuais oriundo da América Latina, que desenvolvem desde então uma produção
literária, teórica e critica para o continente.(Ballestrin, 2013, p.89).
coletivo de dança europeu que permeia. O movimento contrário ao rolo
A autora Luciane Ramos (2019, p.92), compressor de corpos e subjetividades é
desenvolve a tessitura dessa interagir consigo mesme, suas próprias
desconstrução: entranhas em linguagem, suspender o
tempo envolto em percepção de si, fonte
A maior cidade do hemisfério sul, além de abrigar inesgotável de criação:
edifícios desejados e muros infinitos, é casa para
uma quantidade insuspeita de artistas da dança
que nos últimos anos propuseram atos criativos Considerando o corpo em movimento, 6 vê-se
potentes nas suas múltiplas facetas estéticas, bem melhor que ele habita o espaço (e também o
como em sua capacidade de interrogar os sistemas tempo), porque o movimento não se contenta em
legitimados de poder. De suas camadas históricas submeter-se ao espaço e ao tempo, ele os assume
brota conhecimento em dança que desvelam ativamente [...] (SERRES, 2004 apud PALUDO,
leituras de mundo necessárias para o nosso 2020).
tempo.

Posteriormente, passei a entender que O esquema corporal na dança segue


tal modo desprogramador, se encaixaria, alguns princípios básicos em comum,
portanto, dentro desse conceito independente da diversidade de7 técnicas
abrangente que se desenvolve como a qual nos referimos, por isso, pensar uma
decolonial, mas, para tanto, parto da dança decolonial, requer um filtro de
seguinte questão: Por que a dança como significações e fazeres, compreender que
dispositivo decolonial? Organizei em a modernidade atual é devir histórico do
etapas a elaboração de um fazer que se projeto colonial, analisar quem, e por
aproxime do pensamento crítico sobre quais meios, desenvolve uma construção
esse estado de dispositivo. de conhecimento que objetiva
Como corpo que dança, a primeira frase desconstruir os dispositivos da violenta
que fez sentido foi “suspensão provisória colônia, selecionar não só teorias, mas
de um tempo”, pois, dançar enquanto também artistas, movimentos políticos e
sanação, sobrevivência de imergir sendo sociais que difundem a práxis, instaurar
fluxo da natureza em meio ao tempo um território que seja capaz de unificar
castrador do capital, é “ser” em seus conhecimentos corporais, com a poética
diversos modos de manifestação, em4 não só artística, mas também, educadora
detrimento da “reprodução”. de um horizonte emancipador das frágeis
Para partir da ideia de “suspensão do categorias as quais fomos submetides
tempo” como matéria prima desse enquanto indivídues.
movimento, há de se ampliar a noção de Por tanto, esse lugar de “suspensão do
tempo, e, ainda sim, meditar sobre a lente tempo”, trata-se da unificação entre o
do capital, para o tempo de vida de fazer em dança, com a transmissão de
individue que é canalizade para ser a mão conhecimento, onde dançar e educar,
de obra das milionárias fontes de poder num sentido simbólico de reapropriação
econômico. do do tempo, possam ser uma coisa só, e
o coletivo se de na igualdade do todo: Ser
corpo.

17
Assim como afirma Luciana Paludo Começo a chegar no corpo,
(2020, p.28): “se puder incorporar as meditar sobre a estrutura,
ações que realizo em minhas danças e meço o quanto consigo me
performances, às experiências daqueles entregar ao chão.
que olham os movimentos, haverá um Mover pela escuta do silêncio:
intercâmbio de experiência”. Por isso, A composição sonora exata,
acredito que que investigar e próprie que me faz imaginar
sistema/corpo, como criar com sua Fico de pé, de olhos fechados,
experiência simbólica subjetiva, e, com a percebo a pequena dança que ocorre
intenção de suspender o tempo capital interiormente para meu corpo
nessa ação de ressignificação, difundindo permanecer na vertical. Imagino o impulso
assim a possibilidade de uma outra de cada perna antes de movê-las.
existência, possa ser o passo para se Por que caminho?
entender um processo de conhecimento Como me mantenho de pé?
em dança decolonial. Depois voltei ao chão novamente, meu
No âmbito subjetivo, acolhemos a noção de tempo
calcanhar esquerdo foi em direção ao
para compreendermos o ritmo interno em que o joelho direito, deixei o peso do quadril e
corpo se encontra- interfere na percepção do
tempo cronológico, pois que pode modificar a pernas então cruzadas, c a i r
percepção temporal comumente entendida no
espaço social (PALUDO, 2020, p. 28). pela lateral, fazendo uma deliciosa torção
no meu tronco . t.r.a.
Registro do Diário de Bordo, a partir de Minha coluna ficou mais evidente nessa
uma Oficina online de Contato e posição então
Improvisação, ministrada por Pedro minha mão curiosa começou a tatear cada
Penuela e promovida gratuitamente pelo vértebra,
Centro de Referencia da Dança da Cidade sentindo os espaços entre uma e outra,
de São Paulo em 2020. desde o cóccix até o osso occipital, entre
a cervical e o meu crânio
Que prazer sentir meus espaços!
Depois não resisti, fiquei em posição fetal
Na imagem primordial
Que calma hibrida de melancolia
Me acalmei nessa posição, batendo
levemente os dedos pelo segmento da
coluna
Ou
Suporte da dimensão que me ascende e
descende

18
Manifesta em imaginário simbólico Atravessadas tentativas
Depois de assimilar essa dança Para além de um passado que se faz
enquanto suspensão do tempo capital, presente, compreendo a forma que a
penso que há de se meditar sobre dança incita, num exercício contínuo de
algumas configurações que permeiam memória, sensação e intuição, nessa
uma motivação estética, simbólica e direta prática encontro potência de criar
desse horizonte, e, a integrar uma linguagem – corpo que por si só escorre
consciência crítica sobre a própria temporalidades, gestos, ecoa devires,
ancestralidade de quem atua nessa dança, situa a existência integrada, pulsante,
que seja um dilatar do tempo presente, desejo, impulso, revira entranhas de
investigar a configuração de corpo que é dentro/fora- habita um território que
memória, origem e passagem. emana a possibilidade de ressignificar,
Uma referencia para conduzir essa educar e transcender a realidade dada,
abertura, é a autora Inaycira Falcão(2015), imposta, violentamente castradora. Assim,
que difunde a noção de corpo e esse corpo que enquanto natureza
ancestralidade para criação em dança, mostra, como a flor que brota da
propondo um cruzamento atento e rachadura do asfalto, a indicação
potente entre corpo, cultura e memória misteriosa que -ser- comporta para além
(Falcão, 2015, p.80). desse espaço e tempo, em seu estado
Desvelar em um processo criativo, não latente: Presença.
só as memórias pessoais, mas também, a Reflito, em cautelosas tentativas, com
imaginação dos corpos que nos Sara Elton (2017), a necessária urgência
sucederam, permeando as entranhas, em que o coletivo se organiza nas artes
abrindo espaço pra desvelar o passado, do corpo, para uma criação de linguagem
como um corpo; um grande corpo que se apodera de feridas pra desedificar
histórico: formas rígidas de criar:

[...] o cerzir de fragmentos e feridas evoca forças


sequestradas e transforma as sequelas das
chibatas em reatividade e gesto descolonial. Parte
deste processo descolonial também está em
identificar as feridas marcadas na carne que a
sociedade dos bons costumes teima em maquiar.
Nós que somos monstruosidades, aberrações,
precisamos provar mais uma vez nossa
possibilidade e direito de existência. Sim, há
violência em nossas falas e em nossos corpos
(PANAMBY, 2017, p.16).

Como esso artista que é performer


preto e trans não binário, e, entre outres
acadêmicos e não acadêmicos, que me
sacodem e instigam também a escrita,
percebo que aqui cabe alargar os
pensamentos, ousar agir pela rota
3
contrária, engolir as produções diversas
Registro do processo de pesquisa
Larissa Canelhas, 2020

19
de quem vem rasgando horizontes, e, Referências
emanar as variáveis possibilidades de FALCÃO, dos Santos, Inaycira. Corpo e
transformação que pequenos espaços ancestralidade: uma configuração estética
podem modificar na estrutura. afro-brasileira. Repertório, Salvador, nº 24,
p.79-85, 2015.1;
Mais do que explanar e alisar mais uma vez os
teóricos e artistas europeus, estadunidenses,
embalsamados na branquitude, ou descorrer em
memoriais descritivos sobre as performances que PALUDO, Luciana. Temporalidades
faço, cabe navegar no caos, entrar em crise por distintas no continuum da existência.
reproduzir um discurso de um determinado
colonialismo acadêmico e daí encontrar com quem Revista da Fundarte, n. 18, 2020, p. 27 -
de fato compreende as vísceras (PANAMBY,
2017, p. 20). 33;

Pra direcionar um final que é PANAMBY, Elton. Perenidades,


continuação, instigo quem lê, a aproximar porosidades e penetrações:
também suas inquietações de um espaço [trans]versalidades pela carne Pedregulhos
comum, direcionar as vias, se situar nas pornográFicos e ajuntamentos gózmicos
possibilidades, embarcar junto num para pesar Eu não sabia que sangrava até o
território, numa deriva perceptiva de dia em que jorrei. XYZ, Rio de Janeiro,
afetos geradores, ousar encontrar em 2020;
meio a aridez desse pensamento crítico, a
umidade suficiente pra fazer gerar as RAMOS, S. Luciane. A dança dos outros -
sementes. imaginações diaspóricas para interpelar o
Com pés enraizados, a estrutura mundo. Moringa Artes do Espetáculo,
corporal presente em si mesme, e João Pessoa, UFPB, v. 10 n. 2, jun-
portanto, humilde o suficiente pra tecer dez/2019, p. 91 a 98.
em coletivo. Criar educando, dançar
provocando, performar incomodando,
escrever destruindo, cantar
estremecendo, amar abalando.
Ensinar e agir pelo afeto, são usar a
lógica contrária, sensibilizar pela prática
constante de não desistir de nós, tecer a
teia esperançosa que não se apega ao
tempo, mestres, estruturas, mas, pelo
contrário, irrompe em fluxo de sinapses
sinuosas da transformação radical e
inevitável.

20
dentro
Fotografia híbrida com monotipia, 2021
Marília Dias

21
O objetivo das fotos é contar
uma história.

História essa de uma


pessoa que mascarou os sentimentos e trancou...

sussuros da alma
EXPOSIÇÃO
Cindy Santos de Souza

22
toda a bagunça em um cantinho,
sem saber que aquilo só iria
acumular mais e mais.
Sem nem
perceber,

sua máscara já não escondia


tudo, fazendo com que aos
poucos, os sussurros interiores
se tornassem grito.

23
OBRA TRANSCRIADA
Obra: Claustro
Técnica: Ilustração em lápis e pintura
digital
Artista: Gui Menezes
Acesse

claustro: olhares
sobre o corpo isolado Rafaela Caporale de Castro 8

ENSAIO
Resumo: A partir da pesquisa das relações do corpo enclausurado com a consciência,
espaço e som, o vídeo-dança “Claustro” tem por objetivo expor estudos do contexto de
dança determinado pelo distanciamento social. A performance conta com momentos
coreografados, mas também de improviso dirigido, para tanto foram estudadas diferentes
perspectivas, limitações e estímulos na experimentação entre tecnologia e corpo.

A obra “Claustro” foi resultado da Geiner e Katz (2001) destacam essa


pesquisa corpo-consciência, corpo-espaço perspectiva do corpo em relação à
e corpo-música dirigido por mim, Rafaela, contínua (re)descoberta e adaptações de
professora do curso livre de dança da si entre tantos anos da existência do ser:
escola Central das Artes, e interpretada “O próprio corpo resulta de contínuas
pelas estudantes Alice Guedes Reguly e negociações de informações com o
Clara Capibaribe de Sousa. O longo ambiente e carrega esse seu modo de
período de distanciamento social, existir para outras instâncias de seu
consequência do contexto pandêmico funcionamento” (GREINER; KATZ, 2001,
vivido, exigiu durante aproximadamente p 72).
sete meses uma adaptação das propostas A produção da performance surge então
das aulas de dança. Particularmente, a como um gatilho para manter o empenho
turma de Dança e Expressão da Central e o envolvimento das alunas nas aulas
das Artes composta pelas duas mesmo com o distanciamento. Através de
integrantes permeia tanto a produção de improvisos dirigidos aos poucos a7 fluência
coreografia quanto a pesquisa com do corpo foi se naturalizando ao espaço e
improviso, o que proporcionou uma também a mente se acostumando aos
transição sutil para os encontros virtuais novos métodos e ferramentas
devido a consciência corporal e espacial pedagógicas de ensino e prática do
consistentes para o nível intermediário da movimento.
turma.

8 Rafaela Caporale é bailarina e Tecnóloga em Dança pela Universidade de Caxias do Sul.

25
Corpo-consciência Durante esse estudo aos poucos pude
Antes da introdução do corpo no dirigi-las para que integrássemos outros
espaço e sua relação com qualquer outra elementos, então partimos do movimento
ferramenta, é preciso tomar consciência isolado de cada parte, seguindo para a
de si, desse novo corpo perante tantas ligação dessas partes através da conexão,
modificações que atravessam a todos nós com a ideia da “passagem de energia”
na pandemia, dançarinos ou não. A fluída entre os membros. Após essa
pesquisa de Merleou Ponty pode ser uma fixação da consciência em si,
fonte para essa construção, pois não acrescentamos uma propulsão, sendo que
pretende somente uma consciência determinada parte inicia o movimento,
perceptiva, mas uma relação entre corpo mas não mais segue o caminho para o
e consciência: “corpo-próprio” próximo membro, mas cria um caminho
(MARQUES et al, 2013). O contexto de próprio, apropriando-se aos poucos do
distanciamento desafia o corpo a sair da corpo como um todo. Então, finalmente,
zona de conforto ao precisar interagir de insere-se o uso de planos (baixo, médio e
maneira inovadora com o outro, pois alto) e direções, partindo de um processo
soma diferentes experiências e emoções interno para o externo, introduzindo
nessa relação, que flutua entre corpos: brevemente a relação com o espaço mais
pergunta e resposta. próximo ao redor do corpo. Logo, a
Dessa forma, como instigar essa troca, primeira parte da obra “Claustro” se dá a
essa interferência através da ferramenta partir desse processo de auto percepção.
virtual? Com o objetivo que as intérpretes
fossem sujeitas a incentivos externos para Corpo-espaço
um avanço na tomada de consciência de A relação corpo-espaço surge em um
si, ao invés do toque trazemos o texto. segundo momento e é abordada
Assim, inicialmente o processo se deu na principalmente por dois vieses. O primeiro
troca de palavras escritas expressando modo pelo qual as intérpretes foram
partes do corpo (cada intérprete guiadas para a relação com o espaço foi
sugerindo a outra uma breve lista) estas através das superfícies transitáveis. Nessa
então que seriam propulsores de etapa o corpo reconhecido é levado a se
movimento. O processo, bastante simples, deslocar pelo espaço, no caso de ambas
trouxe para as dançarinas outras as intérpretes, o quarto, não só pelo chão,
possibilidades de traçar o caminho do mas por qualquer base possível de
movimento pelo corpo e também sair dos sustentá-las, caminhando também sobre
lugares comuns da sua corporeidade. os móveis do ambiente.
Existe uma redescoberta do lugar e uma
[...] retroceder ao mundo que é vivido e percebido nova proposta de função, o quarto é
pelo sujeito, ao mesmo tempo em que, para se
voltar às coisas no mundo é preciso intencionar, exposto e se torna palco, sala de aula,
dar sentido a elas através da consciência-
corpórea” (MARQUES et al,2013, p 245) lugar de encontro para dançar.

26
Para tanto, a caminhada reconhece as Dessa forma, o fim da performance
novas superfícies possíveis e as relações oferece um espaço de ousadia para as
de toque, textura, apoio, peso e dançarinas, sendo dirigidas a colocar todo
contrapeso. O corpo reconhecido precisa o processo no “lugar vazio”, sem mais
agora relacionar-se e achar estratégias formas ou limitações. Usar a criação, até
para essa simples dinâmica, reorganizando então apoiada nos objetos, de maneira
a mobilidade. independente e livre usufruindo das
Após a primeira etapa de potencialidades do processo para
reconhecimento da superfície partimos readaptação na cena.
para o detalhamento, onde as intérpretes
escolhem um objeto/móvel disponível
para estudá-lo. Esse estudo iniciado pelo Corpo-música
reconhecimento dos planos transitáveis Entre várias ferramentas que a dança
se aprofunda na fusão do corpo com a utiliza na sala de aula e também na cena, a
forma do objeto. As intérpretes música com certeza é muito presente e
pesquisam formas de preencher os significativa. Uma forte influência na
espaços vazios do objeto, formados pelos utilização de uma música específica se dá
vãos, maçanetas, etc., e também de através do pulso e do ritmo. Ainda, outra
envolver as formas cheias, moldar-se ao possibilidade de influência sonora
redor do móvel. O ápice desse processo também pode ser através da dinâmica,
acontece na exploração e repetição de entre pianos e fortíssimos ou andantes e
movimentos que interajam com o objeto allegros, por exemplo, podendo sugerir
até a codificação de uma coreografia. diferentes nuances.
Agora o corpo funde-se ao espaço, Lima e Rüger (2007) explicam esta
combinando formas - as suas às do relação corpo-som destacando os grande
ambiente - sendo instigado pelo objeto. educadores musicais que partem do
Movimento humano é algo que ocorre de maneira
movimento para o entendimento musical,
intencional e, nesse instante, nosso corpo em sendo alguns deles citados Dalcroze,
movimento assume ativamente o espaço e o
tempo, tornando-se condição primeira de toda Willens e Orff. Os autores exemplificam
percepção viva. (PONTY 1999, APUD MARQUES
et al, 2013, p 247) como a relação de cada pedagogo é
construída no processo de incorporação
Assim, desenvolve-se a segunda parte da musicalidade e sua importância para as
da obra, através do improviso dirigido, performances artísticas.
identificando esse novo ambiente do Em tempos pandêmicos o uso da
dançar. Ainda, após esse processo, existe Internet, além das várias possibilidades de
a indagação de trazer essa dança para o relação, nos condiciona à sua capacidade
ambiente amplo. de conexão, literalmente.

27
Dessa forma, ainda não são dança – a música, que devido ao delay e
generalizadamente possíveis transmissões qualidade de conexão com a Internet
em tempo real nas aulas de dança. Essa impossibilita seu uso preciso,
característica atinge pontualmente o uso principalmente no que diz respeito a
musical como guia coreográfico, uma vez noção temporal que a pulsação e ritmo
que não é possível sincronizar som e possibilitam. Dessa forma o processo
imagem do professor e do aluno. coreográfico e de improviso dirigido em
Sendo assim, a construção de Claustro tempos pandêmicos fez a produção e o
se absteve do uso da pulsação e partiu ensino em dança bater de frente com
para uma interpretação mais sensitiva, muitas metodologias tradicionais,
usando as nuances musicais como deixa instigando uma nova maneira no fazer.
para as transições. Nesse processo
primeiramente foi experimentado toda a Referências:
sequência de coreografia e improviso de LIMA, Sonia Albano de; RÜGER,
forma livre na música, sendo Alexandre Cintra Leite. O trabalho
posteriormente determinadas as deixas corporal nos processos de sensibilização
que melhor traduziam os momentos de musical. Opus, Goiânia, v. 13, n. 1, p. 97-
mudança. Ainda, após esse estudo as 118, jun. 2007
dançarinas foram instigadas a introduzir
as nuances musicais nos seus movimentos MARQUES, Danieli Alves Pereira; SURDI,
e a combinar o contexto sonoro ao visual Aguinaldo César; GRUNENNVALDT José
de seus movimentos. Tarcísio; KUNZ, Elenor. Dança e
expressividade: uma aproximação com a
Olhares sobre o corpo isolado fenomenologia. Movimento, Porto Alegre,
Finalmente, a obra “Claustro”, para mim, v. 19, n. 01, p.243-263, jan/mar de 2013
resume os principais processos e desafios
na transmissão e troca na dança pelo GREINER, Christiane; KATZ, Helena.
meio virtual, sendo eles: (i) a Corpo e Processos de Criação.
reorganização e consciência do corpo em Fronteiras: estudos midiáticos, São
si e por si, sem um terceiro para uma Leopoldo, v. 3, n. 2, p. 65-74, dez. 2001.
observação completa (limitada pela tela);
(ii) a relação do corpo em um novo espaço
que não é próprio, a princípio, para a
dança e ainda a pluralidade de espaços
entre os integrantes e, ainda, (iii) a
deficiência no uso de uma das
ferramentas primordiais relacionadas a

28
minha barriga
Fotografia, 2021
Marília Dias

barriga da minha mãe


Fotografia, 2021
Marília Dias

29
OBRA TRANSCRIADA
Obra: Duas faces de Geni
Técnica: Digital
Artista: Ane Schüz

10
Acesse

recortes de geni Rafaela Caporale de Castro


9

ENSAIO
Resumo: A obra Recortes de Geni é uma compilação das coreografias do musical Geni
10

reinventado no contexto pandêmico e inspirado pela música de Chico Buarque “Geni e o


Zepelim”. A proposta coreográfica clama uma reflexão acerca da hipocrisia da sociedade,
que condena e beatifica Geni pelo seus serviços de prostituta e ainda reflete as relações
cênicas da obra diante das limitações do distanciamento social.

Culpa e Redenção A música Geni e o Zepelim inicia a trilha


Toda a obra Recortes de Geni tangencia a da obra Recortes de Geni e é referência
temática da culpa e redenção. Não só a na composição da narrativa, foi composta
própria personagem sofre diretamente na por Chico Buarque para o musical Ópera
cena os julgamentos da comunidade, mas do Malandro que estreou no Rio de
fica implícita também a personalidade Janeiro em 1978 escrito pelo mesmo
dualista dos demais papéis. Estes são autor e dirigido por Luís Antônio Martinez
sempre vistos com bons olhos, apesar de Corrêa. A Ópera do Malandro foi uma
suas atitudes serem tão “condenáveis” importante contribuição artística na época
quanto as de Geni a partir da moral da onde uma fala tão crítica ganhou espaço
cidade. Ela representa o mal visto, o de manifestação a partir do
pecado, a luxúria em comparação aos abrandamento da censura ditatorial. O
outros cidadãos de “bem”, que prestam musical se passa na cidade do Rio de
importantes serviços à comunidade. São Janeiro na década de 40, no contexto do
respeitados e até admirados, o que não os Estado Novo e da Segunda Guerra
impede de buscar os serviços de Geni Mundial, ressaltando as temáticas sobre
quando lhes convém, e nesse momento opressores e oprimidos, a decadência
não há crítica e nem pecado, a prostituta política e a hipocrisia social.
é tão execrada quanto desejada.

9 Bailarina graduada em Tecnologia em Dança pela UCS; Professora e coreógrafa na escola Central das Artes.

10 O musical Geni é idealizado pela diretora e professora de teatro da Central das Artes, Jacqueline Aires. Tem ainda como coreógrafa e
professora de dança Rafaela Caporale de Castro e como professora de canto Fran Duarte. Conta com os intérpretes coautores Clara
Capibaribe de Sousa, Luiza Mezzomo Renosto, Maicon Julio Borges de Almeida, Pedro Henrique Engster e Jonatas (Dionny) Nunes

31
Pires.
Reanimar essa crítica através deste trabalho coreográfico é manter o estado de alerta
sobre os valores que moldam a sociedade e trazer, nas palavras de Chico Buarque, um
discurso que atravessa décadas na busca de liberdade, respeito e empatia.

Pilares da Moral
Não é surpresa que os pilares dessa fictícia cidade onde se passa a história de Geni
sejam o dinheiro, a submissão e o poder. Estes três elementos são
personificados por Pedro, Luíza e Maicon nas personagens do
banqueiro, da beata e do prefeito, respectivamente. A conexão
entre eles se dá pela valorização de seus interesses pessoais
que justificam qualquer atitude que transgrida a moral.
O poder econômico, a busca pela santidade imaculada e o
domínio sobre os meios de riqueza e produção são mote para os
julgamentos sobre Geni. O pecado da carne ou sob
outra perspectiva, a libertação sobre a culpa do corpo,
torna a protagonista um alvo ao questionar e seduzir a
cidade com suas atitudes seguras a respeito de seus
serviços de prostituta. O véu da riqueza, da fé e do
poder tornam intocáveis os julgadores de Geni, que
mesmo por vezes fazendo uso de seus serviços,
subjugam seu caráter e seu valor. O abuso sobre a
prostituta é desenfreado e se ratifica quando ela é
aclamada para servir com seus serviços tão
repugnados para salvação de todos.

Para a concepção da cena ressalta-se que


os alunos citados são iniciantes na experimentação
com a dança, mas ao mesmo tempo possuem forte
comprometimento em melhorar sua técnica.
São corpos com diferentes aptidões que conseguem
construir sua participação na narrativa deixando
clara a intimidação em relação à Geni, tanto pelo
movimento dançado, quanto pela dramaturgia
que é o forte do elenco.

Minoria Plural
Um claro reflexo da sociedade, a personagem Geni é a minoria
plural: homem, mulher, criança, branca, preta, rica, pobre, religiosa, ateia,
boa e má. Representa um pedaço do eu presente em cada um, não é santa
nem diabólica, é gente que sofre como qualquer pessoa. Ela carrega seus
traumas e enfrenta os julgamentos com trabalho honesto. Não precisa da permissão
9
de ninguém, é independente.

32
Atormentada pela moral dia e noite, ignora as fofocas e a especulação. Ela sabe ser boa,
sabe servir, mas também sabe se impor, mesmo em momentos vulneráveis. Na obra, Geni
é interpretada pelos artistas Dionny e Clara, ambos com uma forte
bagagem teatral e relação com a corporeidade. Suas
contribuições são essenciais nas texturas que a personagem
precisa. Sendo homem e mulher Geni não se limita ao
caráter de gênero, idade, sexualidade ou até
mesmo de submissão ou dominação. Dionny e Clara
trazem à tona essas nuances e dualidade presentes
em Gení, presentes em todo ser humano.

Entre Gesto e Olhar


Com certeza Recortes de Geni é uma obra instigante
pela temática da culpa e redenção, pelo
trabalho de personagens estereotipados que
são quebrados no processo da construção cênica
e pelo acompanhamento da trilha de Chico
Buarque no decorrer da história. Além
disso, o elenco ainda se destaca com uma
preparação dramatúrgica e traz uma expressividade
essencial a obra, consequência do projeto
original do musical que exige uma formação
plural dos intérpretes (dança-música-teatro).

Vale ressaltar que Recortes de Geni é um material


essencialmente coreográfico, pois sendo literalmente
um recorte não vislumbra trazer os elementos
do teatro musical por completo. Contempla
principalmente a parte dançada, tendo como
suporte as aulas de dança, por mim ministradas, e também
acaba mostrando traços da dramaturgia da obra em geral
devido a bagagem das aulas de teatro
(complementares no processo do musical)
ministradas pela diretora da peça Jacqueline. Importante
destacar que os intérpretes se submeteram a aulas das três
áreas – teatro, dança e música - tendo backgrounds
diferentes. Entretanto, o desafio explorado aqui relata
sobre a busca da homogeneidade dos artistas que possuíam
ou não familiaridade com a dança.

33
A construção e concepção do musical Essa dança que parte dos intérpretes e
ocorreu antes da determinação de tem um processo de “lapidação” pela
distanciamento social recorrente do direção coreográfica foi ganhando um
período pandêmico. Tal fato que acabou caráter interessante, foi possível instigá-
por transformar a obra de maneira radical los através de ferramentas escritas,
para uma adaptação que cumprisse as faladas, criações de narrativas e vários
normas do isolamento. A direção realizada exercícios com improviso dirigido. Aos
pela professora de teatro Jaqueline poucos a mímica que inicialmente era
alinhavou o caráter musical e fortemente presente nos momentos de
dramatúrgico. Entretanto, eu, como criação, pois os intérpretes possuem
professora de dança e criadora da matéria formação mais ampla em teatro, foi se
coreográfica, tive total liberdade de configurando em uma dança expressiva e
criação dentro desta proposta. O caráter não objetivamente representativa
misto (presencial e virtual) das aulas Como a obra é resultado de um
propuseram momentos bastante técnicos processo de formação artística, com
enquanto foram online, já que as artistas amadores dentro de uma escola
produções de cena eram muito complexas de artes, houve momentos onde também
com um grupo iniciante, no que tange a foram ensinadas células coreográficas
dança, para serem abstraídas em completas sem possibilidade de
isolamento. Logo, assim que possível o adaptação. A motivação nesse tipo de
reencontro, os ensaios mantiveram foco processo acontece com o objetivo de
na montagem coreográfica iniciando-se instigar os alunos ao desafio de absorver
um processo de reinvenção do “toque” e a dança de fora para dentro, tirando da
adaptação da cena. zona de conforto e incentivando a
Uma ferramenta muito utilizada foi a unidade do grupo. Assim, existem
proposta de criação a partir dos próprios momentos que o grupo configura um
intérpretes, sob minha orientação e corpo de baile, afim de buscar
direção artística enquanto coreógrafa. sincronicidade, conexão entre os
Cada um dos corpos propondo dentro das integrantes e botar em prática a evolução
suas habilidades e limitações deixaram os da técnica a partir da cópia e repetição.
alunos mais confortáveis dentro dessa A adequação da montagem do ponto
linguagem que era nova para maioria. de vista técnico teve resoluções práticas,
Desta forma, pude encontrar meios por como as descritas anteriormente com a
onde os movimentos fluíssem com maior reorganização das aulas e propostas de
harmonia, já que as criações em essência criações coletivas. Entretanto, no que
partiram deles próprios. Além disso, essa tange ao caráter poético, como trazer
alternativa proporcionou que os Recortes de Geni, uma obra carnal de
integrantes pudessem acrescentar mais repúdio e desejo encenado pela troca
de seus personagens na dança, entre os artistas, para esse contexto
conectando a temática do musical ao pandêmico?
movimento.

34
O recurso vem das aulas de teatro Referências
frequentadas pelos intérpretes, na ARAUJO, Murillo Clementino de. O
construção de cada personagem entre tempo, o valor e a prostituta: reflexões
seus trejeitos e olhares que são sobre “Geni e o Zepelim” de Chico
primordiais para a troca. O toque ocorre Buarque. Estudos Semióticos. [on-line]
entre gesto e olhar, e é nítido em cena o Disponível em:
quão potente se tornam esses elementos www.revistas.usp.br/essei. Editores
para a riqueza da obra. Não se perdeu Responsáveis: Ivã Carlos Lopes e José
potência ao perder a sensação tátil, pois a Américo Bezerra Saraiva. Volume 14,
intenção se manteve na tensão criada Número 2, SãoPaulo,julhode2018,p.87–
pelos intérpretes na construção do 98. Acesso em 16/11/2020”;
comportamento dos personagens. A partir
dessa experiência ficou evidenciado como Chico Buarque de Holanda. Deus lhe
é essencial o trabalho da expressividade Pague. Rio de Janeiro: Philips Records:
nas aulas de dança, pois os estudantes em 1971. Álbum Construção (3:18 min)
geral não tinham uma formação prévia
nesse segmento, embora sejam
familiarizados com o teatro. O processo Chico Buarque de Holanda. Geni e o
foi enriquecido com a soma das Zepelim. Rio de Janeiro: Philips Records:
habilidades e teve grande valia para a 1979. Álbum Ópera do Malandro (5:19
construção cênica sem o toque de fato, min)
mas através da intenção do contato pela
ação explícita entre os gestos e olhares Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil.
nutridos de personalidade. Cálice. Rio de Janeiro: PolyGram: 1978.
Álbum Chico Buarque (4:00 min)

MOSCARDO, Gleiciele Mendes Viana. A


“Ópera do Malandro” de Chico Buarque
de Hollanda: uma metáfora do cenário
brasileiro na década de 1970. 2012. 186
f. Dissertação (Mestrado em Música) -
Universidade Federal de Goiás, Goiânia,
2012.

35
Canonica
Fotografia, 2021
Marília Dias

36
OBRA TRANSCRIADA
Obra: não fiz nada disso - ilustra inspirada em bispo do rosário
Técnica: desenho/ilustração - canetas sobre papel kraft
Artista: inTereSanti ilustrações/Matheus Dias
arte e
distanciamento
social:
em busca da
aura perdida Guilherme Niches
11

ENSAIO
Resumo: A arte, enquanto produção cultural humana, sempre ocupou um relevante papel
em nossa sociedade ocidental. Este ensaio tem como objetivo refletir sobre o significado
das artes na contemporaneidade e pensar as implicações de seu uso e produção em
tempos de pandemia e distanciamento social.

Introdução ressignificação. Benjamin parte de três


Nesta breve reflexão sobre a conceitos chave para se desdobrar em sua
significação, que em tese a arte assumiu, e teoria: Reprodutibilidade, Autenticidade e
a forma que os artistas recorreram para Aura.
ressignificar sua essência em tempos de
pandemia, causada pelo vírus Sars Cov-2, Reprodutibilidade, Autenticidade e Aura
que promoveu por motivos de saúde A reprodutibilidade se trata de uma
pública um distanciamento nas relações técnica tradicional de reprodução das
sociais, buscarei na obra: A obra de arte na artes. Em si, a arte sempre foi
era da reprodutibilidade técnica de Walter reprodutível, as produções humanas, de
Benjamin (2013) alguns elementos para modo geral, podiam ser imitadas por
compreender esses mecanismos de outros homens (BENJAMIN, 2013).

11 Licenciando em Ciências Sociais na UFRGS, Psicanalista em Formação na ABRAFP. E-mail: nichesguilherme@gmail.com

38
A xilogravura, depois a litogravura, respectivamente, elevaram os níveis e alcance das
reproduções artísticas, possibilitando a manipulação do modo de consumir e experimentar
a arte.
A autenticidade representa o valor simbólico do "aqui e agora" das artes, em oposição à
arte reproduzida. Ela diz respeito a originalidade e singularidade de presenciar um
espetáculo ao vivo, um show, uma performance… Se por um lado a reprodução permitiu
um maior alcance e transformação da arte, por outro fez perder a Aura, o "aqui e agora"
que nos tocam ao apreciar um espetáculo ao vivo.
A aura diz respeito a elementos específicos que a arte assume em sua produção. Uma
apresentação de teatro, por exemplo, propicia aos espectadores, uma experiência única.
Assistir por um curto período temporal e de forma tão próxima dos atores, constituem
uma experiência singular, dão a Aura e a magia que espera de um espetáculo ao vivo.
Exemplo dessa relevância simbólica pode ser vista na diferença abissal de valor monetário
de um show em relação a um DVD do mesmo show. O "aqui e agora" constituem a Aura
que além de seu valor simbólico, adquire, em nossa sociedade capitalista, também um
valor monetário maior. Os CDs e DVDs, representam atualmente a reprodução de obras

"autênticas" por exemplo.


Tendo compreendido o significado desses conceitos, podemos concordar com Benjamin,
que a iminência da evolução das técnicas de reprodutibilidade, impulsionadas pelas
grandes produtoras e com finalidade meramente comercial, acabam por destruir
sistematicamente a Aura artística em prol de uma lógica mercantilista. Todavia, mesmo
com o significativo avanço da reprodução, as produções artísticas autênticas ainda
resistem a essa lógica, por meio de shows e apresentações ao vivo, realizando turnês,
espetáculos e atrações em tempo real, arrastando multidões que buscam experienciar a
Aura e a magia única do "aqui e agora". Neste texto, o filósofo alemão utiliza como
exemplos da reprodutibilidade contemporânea de sua época, o cinema e a fotografia. A
fotografia, em especial, adquire um maior avanço do valor de exposição frente ao valor de
culto. O culto referente a aura e a exposição a reprodução, genericamente explicando. De
certa forma, o tempo corroborou sua teoria, basta pensarmos nas mídias digitais que
emergiram nas últimas décadas, o CD, o DVD, o Spotify, entre outras plataformas de
reprodução e comercialização de cópias artísticas, que por sua vez, estabeleceram novos
paradigmas na nossa relação com arte.

39
Arte e Pandemia consequentemente na única forma
No ano de 2020, o mundo vivenciou o disponível: a exposição virtual de suas
surgimento de um pandemia letal, produções.
causada pelo vírus Sars Cov-2, que se
espalhou em todos cantos do planeta, Em Busca da Aura Perdida
infectando milhões de pessoas e matando Com o decorrer do isolamento, a classe
outras milhares. Como medida de artística, nesse caso os músicos, buscaram
contenção para frear as altas taxas de novas alternativas de recuperar a aura
disseminação da pandemia, diversos perdida em consequência do
governos adotaram medidas de cancelamento de suas apresentações.
isolamento e distanciamento social, Mas como recuperar o "aqui e agora" em
restringindo serviços e atividades tempos de distanciamento? Como
diversas, promovendo a possibilidade de ressuscitar a essência singular dos shows
substituir as interações sociais físicas por num contexto especialmente reprodutivo
meios de comunicação a distância que e virtual?
pudessem ser realizados em casa, Com demandas tão específicas, foi
exemplo disso são: o home office e o ERE então que surgiu um novo conceito de
(Ensino Remoto Emergencial). Nessa nova "show": As lives. As lives nada mais são
dinâmica de relações sociais, a classe que exposições em tempo real em
artística logo começou a sentir os efeitos plataformas digitais. Mas visto que as
do isolamento. De acordo com a exposições são disponibilizadas nas
UNESCO, o impacto negativo nos setores mesmas plataformas que contém suas
de produção e distribuição artística foram versões "copiadas", os artistas tiveram
lastimáveis. Além da dificuldade de que se reinventar no modo de produção
estabelecer políticas públicas eficientes, o cultural ao mesmo tempo que suas novas
prejuízo financeiro atingiu inclusive a exposições pudessem se distinguir das
arrecadação do PIB e, fundamentalmente, suas próprias cópias. Tomando como
os trabalhadores. Pensemos o caso dos exemplo a plataforma digital YouTube,
músicos, que trabalham majoritariamente que armazena enormes quantias de
em duas grandes frentes: os shows e a vídeos e áudios gravados, portanto
gravação de cópias de suas obras. As reproduzidos, copiados, teve sua
gravações quase não foram afetadas, pelo funcionalidade ressignificada, passou a
oposto, ganharam novo fôlego. No também servir como meio expor as lives
entanto, os shows e apresentações ao ou "shows virtuais". Como forma de
vivo tiveram que ser canceladas, gerando distinção, os artistas trataram de realizar
uma paralisação de suas atividades e um campanhas beneficentes, personalizar
enorme prejuízo financeiro em suas suas apresentações, transformarem e se
carreiras. Assim pensando como readequarem com a finalidade de buscar
Benjamin, os artistas trabalham tanto com recuperar a mesma aura de seus shows
o "aqui e agora", quanto com a presenciais.
reprodutibilidade, porém no contexto
pandêmico se viram obrigados a investir

40
Desta forma, o contexto pandêmico Referências
tornou possível a busca pela aura perdida, BENJAMIN, W. A Obra de arte na Era de
a ressignificação do conceito de arte e de Sua Reprodutibilidade Técnica (Org. e
show, a possibilidade da reinvenção, da Prefácio – Márcio Seligmann-Silva),
criação, características essas valiosas aos Tradução: Gabriel Valladão Silva, 1ª
artistas, que, por sua vez, encontraram e Edição, Porto Alegre, RS: L&PM, 2013.
ainda encontram modos diversos de Lançamento da pesquisa nacional
recuperar a magia do "aqui e agora". “Percepção dos Impactos da COVID-19
nos Setores Culturais e Criativos do
Brasil”. Disponível em:
https://pt.unesco.org/news/lancamento-
da-pesquisa-nacional-percepcao-dos-
impactos-da-covid-19-nos-setores-
culturais-e

41
OBRA TRANSCRIADA
Obra: Brisa
Técnica: Desenho com colagem
Artista: Felipa Queiroz

42
saúde mental
em cena:
a relação entre as
oficinas de teatro
ea
promoção da saúde Bianca Flores
12

RELATO DE EXPERIÊNCIA
Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre as Oficinas de Teatro como
forma de Promoção à Saúde Mental Positiva. Para tanto, foi realizado um estudo de
campo com delineamento exploratório com abordagem qualitativa e quantitativa, focado
na experiência de pessoas que já participaram de oficinas de teatro. A base para esta
pesquisa foram os Indicadores de Saúde Mental Positiva e Bem-estar de Jahoda, Vaillant,
Riff e Singer.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde Mental Positiva. Arteterapia. Oficinas de Teatro.

Introdução
O presente artigo é um breve resumo da escrita realizada para conclusão do curso de
pós-graduação em Arteterapia. Pretende-se com ele gerar uma reflexão sobre as oficinas
de teatro como forma de promoção da Saúde Mental Positiva. Para tal, busca-se
referenciar conceitos que podem identificar a qualidade da Saúde Mental Positiva nos
indivíduos. Na sequência, são apresentados a metodologia e os resultados da pesquisa
realizada, que tinha como objetivo geral encontrar possíveis relações entre a participação

12 Arte-educadora desde 2006, responsável pela Casullo Produções, graduada em Teatro: Licenciatura através da Universidade Estadual
do Rio Grande do Sul, e pós-graduada em Arteterapia, pela Faculdade Venda Nova do Imigrante.

43
de pessoas com diferentes idades em oficinas de teatro e os benefícios à Saúde Mental.
A relevância desta pesquisa se dá na possibilidade de oferecer aos profissionais do teatro,
da educação e da saúde reflexões sobre a importância das oficinas teatrais aos cuidados e
promoção da Saúde Mental, pois aborda o valor que os participantes da pesquisa, oriundos
de diferentes regiões do Brasil, têm dado às experiências cênicas vivenciadas.

Indicadores de Saúde Mental Positiva


De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), "Saúde é um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade."
Ela está diretamente relacionada com nossa saúde de modo geral e é fundamental para
nossa habilidade coletiva e individual nos possibilitando pensar, se emocionar e interagir
uns com os outros. Desta forma, Saúde Mental é mais do que a inexistência de transtornos
ou deficiências; é um estado de bem-estar no qual um indivíduo reconhece suas próprias
potencialidades.
Marie Jahoda, psicóloga social austríaca-britânica, desenvolveu em 1958 a teoria da
Saúde Mental Ideal, onde identificou cinco categorias consideradas vitais para os
sentimentos de bem-estar: estrutura de tempo, contato social, esforço ou propósito
coletivo, identidade ou status social e atividade regular.
A partir desta teoria, em 2003, George Vaillant, psiquiatra americano, professor na
Harvard Medical School e diretor de pesquisa do Departamento de Psiquiatria do Hospital
Brigham and Women, propôs seis modelos de abordagem à Saúde Mental Positiva. Em
2008, Carol Ryff, doutora e psicóloga americana, e Burton Singer, professor adjunto da
Emerging Pathogens Institute da University of Florida, operacionalizaram o bem-estar
psicológico em seis dimensões que se relacionam entre si. Esta pesquisa baseia-se na
mescla destes conceitos.
Assim, ao unir as características apresentadas por eles, temos os seguintes indicadores de
Saúde Mental Positiva:

INDICADORES CARACTERÍSTICAS

Atitude Positiva para consigo Refere-se ao autoconceito, autopercepção, autoconfiança e autoestima, reconhecendo suas
mesmo fragilidades e potencialidades de forma realista criando um forte sentido de identidade pessoal.

Crescimento, desenvolvimento e Relaciona-se com a evolução crescente do sujeito nas etapas da vida, envolvendo projetos e
capacidade de autorrealização objetivos futuros.

Integração Denota que o indivíduo responde adaptativamente ao meio que o cerca, mantendo equilíbrio e
resiliência entre as diversas situações, mantendo a ansiedade e o estresse em um nível funcional.

Autonomia Refere-se ao indivíduo que procura um sentido de autodeterminação e autoridade pessoal,


estando empoderado para agir sobre sua própria vida, mantendo suas responsabilidades.

Percepção da realidade A pessoa enxerga o ambiente que o rodeia sem distorções, mantendo a capacidade de empatia e
sensibilidade social.

Domínio do ambiente O indivíduo pode alcançar um papel satisfatório dentro de seus grupos sociais, sendo capaz de
amar e aceitar o amor do próximo, desenvolvendo estratégias para adaptar-se, obtendo
satisfação pela vida.

Almeida, 2014.
*Cabe salientar que estes são apenas alguns tópicos que podemos observar em relação às características esperadas em uma Saúde
Mental Positiva. Uma avaliação detalhada pode ser feita apenas por profissionais desta área da saúde

44
O Teatro como espaço de Promoção da Saúde Mental
Por tamanha importância que a Saúde Mental Positiva apresenta, ações de prevenção
são indispensáveis, através da promoção, proteção e restauração do quadro psicológico de
indivíduos e comunidades. E, entre tantas ações possíveis, uma alternativa são as oficinas
de teatro, com viés para a arte-educação e/ou arteterapia, em que o foco está no
desenvolvimento do indivíduo através da arte e na busca do sensível. Nestes grupos, o
trunfo está no processo de construção e de evolução, que enxerga o sujeito como um
todo.
As oficinas teatrais têm a possibilidade de sensibilizar, transformar e provocar. A arte
auxilia no desenvolvimento e na expansão da habilidade subjetiva e lúdica de seus
participantes, possibilitando a eles desenvolver (ou redescobrir) a habilidade de fazer de
conta, criar situações imaginárias, retratar a realidade de forma simbólica, descobrir seus
potenciais físicos, emocionais e psicológicos. Vasques (2009) afirma que o teatro
“possibilita a experimentação de novos papéis, a criação de histórias e personagens”,
possibilitando o “resgate da sensibilidade, como o elo capaz de estabelecer articulações
que tenham significado para o sujeito” (VASQUES, 2009, p.34).
Duarte Júnior, no seu livro Por que Arte-Educação (1991), explica que através da arte é
possível experenciar situações que não seriam vivenciadas na vida cotidiana. Para o autor,
a arte coloca o participante frente a frente com a questão da criação de um sentido
pessoal que oriente suas ações. Através da arte, é possível reelaborar os sentimentos,
proporcionando uma evolução em relação ao conhecimento simbólico e seu próprio “eu”.

Metodologia
O estudo ocorreu por meio da combinação de pesquisa qualitativa e quantitativa através
de um questionário on-line na plataforma Formulários Google. Recorreu-se à amostra não
probabilística selecionada por conveniência, em que a participação é voluntária. A
divulgação foi feita nas redes sociais da pesquisadora explicando o objetivo e identificando
como critérios para participação a condição de ter 13 anos ou mais e já ter vivenciado
alguma experiência com oficinas de teatro em qualquer viés. Os interessados foram
direcionados para o link do questionário.
A pesquisa contou com 95 respondentes. Destes, 62,10% dos entrevistados eram de
diferentes regiões do Rio Grande do Sul, totalizando 31 municípios; o restante era de
Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pará, Santa Catarina, Paraíba, Espírito Santo e Rio de
Janeiro e de Baixo Alentejo, Portugal.
Considerando os indicadores de Saúde Mental citados por Almeida (2014), foram
estruturadas 34 questões, sendo que 17 trariam resultados quantitativos. Para cada uma
delas era oferecido um espaço para que os voluntários comentassem e/ou justificassem as
questões apresentadas, gerando resultados qualitativos.

Conclusão
Ao avaliar os resultados quantitativos desta pesquisa em relação aos indicadores de
Saúde Mental, verificou-se que 88,43% dos entrevistados acreditavam que ter participado
de oficinas de teatro gerou uma atitude positiva para consigo mesmo, favorecendo o

45
autoconhecimento, ampliando os níveis de autoestima e o reconhecimento das próprias
emoções. Por sua vez, 79,45% acreditavam que as dinâmicas auxiliaram no crescimento,
desenvolvimento e capacidade de autorrealização, por sentirem-se bem na maior parte
dos exercícios propostos, por mais difíceis que estes fossem, e que participar desta
experiência os auxiliou a traçar objetivos para o futuro. Já 80% dos voluntários
acreditavam que a vivência teatral ampliou suas capacidades de resiliência, permitindo a
integração com o ambiente, adaptação e ressignificação das situações estabelecidas; ao
passo que 84,4% dos entrevistados acreditavam que as oficinas de teatro auxiliaram no
empoderamento pessoal, reconhecendo sua autonomia, poder sobre si e suas
responsabilidades. Dando seguimento, 92,35% acreditavam que esta experiência ampliou
a percepção da realidade, qualificando as relações sociais, gerando respeito, empatia e
tolerância; e 71,93% dos participantes acreditavam que as oficinas lhe trouxeram maior
domínio do ambiente, reconhecendo com maior clareza o grupo familiar e a sociedade,
despertando o desejo por ações comunitárias.
Desta forma, conclui-se que participar de oficinas de teatro auxilia na promoção da
Saúde Mental dos indivíduos, de forma a desenvolver significativamente os indicadores de
Saúde Mental Positiva.
Cabe salientar que a arte possui uma amplitude muito maior do que os benefícios à
promoção da Saúde Mental estudados nesta pesquisa. Ela está presente em diferentes
campos, como social, político, educacional, ou até mesmo em um contexto estético sem a
pretensão de ser nada além da arte (o que, por si só, já é gigante). É importante mencionar
que esta investigação de forma alguma buscava “reduzir” a potencialidade da expressão
artística. Ao contrário, tinha como objetivo fortalecer o ensino da arte, neste caso
especificamente do teatro, trazendo a percepção de pessoas de diferentes idades e
localidades sobre os benefícios adquiridos nos processos de oficinas.
A manifestação artística não possui nenhuma obrigação de transformar ou gerar
consequências nos locais em que se estabelece. Porém, é inegável que ela é capaz de
provocar reflexões seja em quem atua ou em quem a prestigia. A arte, por si só, é capaz de
provocar diferentes sensações e, de certa forma, transformar quem por ela passa. Teatro
não é terapia, mas possui um processo de construção do conhecimento que permite ser,
de certa forma, terapêutico ao se analisar todos os benefícios à promoção da Saúde
Mental que este artigo buscou apresentar.

Referências (artigo reduzido):


ALMEIDA, Jorge Salvador Pinto de. A saúde mental global, a depressão, a ansiedade e os
comportamentos de risco nos estudantes do ensino superior: estudo de prevalência e correlação.
Universidade Nova Lisboa. Lisboa, Portugal. 2014.
DUARDE JÚNIOR, João Francisco. Por que Arte-Educação? 6.ed. Campinas, SP: Papirus, 1991.
Coleção Ágere.
VASQUES, Marcia Camargo Penteado Correa Fernandes. A arteterapia como instrumento de
promoção humana na saúde mental. Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho.
Botucatu, SP. 2009.
Site oficial World Health Organization (Organização Mundial de Saúde).
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-strengthening-our-response

46
Monotipia da Pele
Fotografia híbrida com monotipia, 2021
Marília Dias

47
OBRA TRANSCRIADA
Obra: artenapandemia.com - redes que conectam
Técnica: Fotografia Digital c/ lente 18-135, seguido de edição
Artista: Paula Carvalho

48
nietzsche
para dançar:
arte e resistência
em tempos
pandêmicos
Álecs Dall’Olmo
13

14
Patrícia Souza de Almeida
15
Rafaela Caporale de Castro

RELATO DE EXPERIÊNCIA
Resumo da atividade: Nietzsche para Dançar conjuga Arte e Filosofia em potências e
vontades do fazer-dizer em dança. O início desse fluxo ocorre na disciplina de Ateliê e
Composição I do PPGAC - UFRGS, com artistas e pesquisadores em encontros singulares:
conversações e performances inspiradas pela obra de Friedrich Nietzsche. Uma escrita
movente em ar rarefeito, entrelaçada com imagens e com o corpo vibrátil que somos
feitos.
13 Alecs Dall´Olmo é jornalista e cursou Filosofia. É Mestre e Doutorando em Artes Cênicas pela UFRGS.
Patrícia Unyl é atriz e diretora cênica. Mestre em Educação e Doutoranda em Artes Cênicas pela UFRGS.

49
14
15 Rafaela Caporale é graduada em Dança na UCS e aluna especial do PPGAC na UFRGS.
1. Encontros Reais: Durante quatro dores físicas, psíquicas, do
meses da quarentena (nos distanciamento, dos erros da tecnologia,
reunimos/envolvemos) nas aulas de uma etc.
disciplina da pós-graduação em Artes
Cênicas da UFRGS, coordenada pela 2. Variações do Corpo em Arte: Os
professora Sílvia Balestreri Nunes e em encontros promoveram reflexões entre
colaboração com Domenico Ban Junior, palavras, dramaturgias e movimentos,
aluno do mestrado deste mesmo inspirados pelos trechos da obra Assim
programa, em que se aliaram Artes e falou Zaratustra (Nietzsche, 1998). Uma
Filosofias da Diferença. No Ateliê e proposta transgressora dos limites da
Composição I as conversações e presença e da nossa metamorfose
ressonâncias sobre a saúde dos artistas enquanto grupo. Não apenas na troca de
foram também dispositivos para as conhecimentos, sentimentos e
criações por meio dos encontros virtuais. observações, os pesquisadores,
Assim, foi possível explorar as potências juntamente com a professora Silvia
terapêuticas, estéticas e políticas da arte imergiram nos conceitos de Nietzsche e
nos atuais cenários pandêmicos. Tempos os transfiguraram em propostas cênicas,
que mudaram nossas relações com o simultaneamente limitadas e
outro e alteraram a nossa presença no potencializadas pela ferramenta virtual.
mundo. Tempos de isolamentos, de novos Nas aulas fluímos na ideia de as coisas
modos de conviver, tempos de ver o irem se fazendo, tal qual os processos
mundo pela tela. Por isso estamos em criativos. Sem metas, objetivos a alcançar
uma “escapada movente” em direção a ou resultados a perseguir, seguimos um
alguma coisa com um brilho solar: “Por devir-artista, das coisas esboçadas, sem
menor que seja a aposta, eu abro uma pontos finais, mas em contínua produção
perspectiva de sobrevalorização infinita. intensiva.
Nessa escapada movente se deixa entrever
um vértice. Como o ponto mais elevado - o 3. Lugares de intersecção: Nietzsche para
grau mais intenso - de atração por si mesma, Dançar constrói uma possibilidade de
que possa definir a vida.” (Além do Bem e do alianças e afetos entre artistas e
Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, pesquisadores em tempos de isolamento
Nietzsche, FRIEDRICH, 1992, p. 185.) social e ferramentas tecnológicas. O que
Como fazer das nossas artes a fonte para interessa aqui é marcar este encontro.
o próprio bem-estar? Quais as Olhar para ele como área de
possibilidades para sermos – fonte e (auto)conhecimento e estratégia
objeto de potência? Nietzsche para dançar micropolítica. Um primeiro tatear entre a
reúne as linhas que disparam nossa teoria e a prática, a fim de mapear as
vontade de criar e conjugar corpo, dança, forças que unem o querer fazer dessa ou
cena e filosofia. E que movimento mais não daquela forma. A predominância de
raro esse em que artistas-pesquisadores um movimento de desejo de alegria em
reunidos em torno de suas criações meio a experiência de confinamento criou
artísticas (e de si?) criam estratégias para novas forças para sustentar um modo de
a passagem do tempo, da superação de vida em que há um aumento constante da

50
potência criativa. A disciplina finalizou há culminou o processo da aula, a
16
três semanas, e o que se produziu nestes performance Escapes Moventes começou
encontros de segundas-feiras à tarde não antes da consciência dos integrantes. O
são coisas estanques. Há neste grupo de dançarinos se apoiou no texto
movimento o desejo de tornar a vida o “Nos limites da linguagem: Nietzsche e a
mais livre possível. Desejo que nos leva a expressão vital da dança” (Guervós, LUIS
liberação dos humores artísticos e a ENRIQUE, 2003) como guia de
afirmação de uma louca saúde. Nietzsche improvisos e propôs um convite à leitura
para Dançar é um convite do presente a espontânea dos colegas em aula. Assim a
fim de seguirmos no fluxo deste processo voz e a imagem se tornaram os elementos
iniciado nas aulas. Em dias em que nos dessa composição cênica, aliando
sentimos mais vulneráveis sobre nossas sobreposições em presença simultânea, e
escolhas e sobre a capacidade de permitindo os corpos “ausentes”
sustentar tudo aquilo que desejamos, em coexistirem no mesmo espaço, não físico,
dias que o fardo pesa, a cabeça agita, o mas sonoro e visual. Antes do encontro
coração aperta… é preciso respeitar a foram estabelecidos números e trechos
natureza cíclica, abrir os poros e fluir na exclusivos para cada colega, sem que os
expansão e retraimento das forças cíclicas outros tomassem conhecimento desses.
da vida. O encontro dos dançantes17 em Referenciando o trabalho de Merce
novas janelas e novas conexões, são Cunningham, cada bailarino conhecia suas
também convites para estar fora de si, e deixas de improviso e através da
ao mesmo tempo, não deixar este mundo aleatoriedade foram determinados os
e perder o rumo; ao contrário, significa momentos entre leitor e bailarino, um
unir-se a ele em sua essência: “Agora sou convidando o outro a ação e reação de
ligeiro”, disse Zaratustra, “agora, voo, agora suas dramaturgias espontaneamente, sem
me vejo a mim mesmo por debaixo de premeditações. Ao convite do silêncio,
mim….Ele contradiz com cada palavra, esse guiado pelos bailarinos, a cena termina
mais afirmativo dos espíritos, nele todos os com o vídeo-dança na transgressão do
opostos se fundem em uma nova unidade ... espaço limitante, no uso de outras formas
Até então não se sabe o que é altura, o que do fazer e objetos disponíveis e na
é profundeza, sabe-se menos ainda o que é liberdade do ser bailarino em levar o
verdade...o elemento alciônico, os pés contexto aliado à arte.
ligeiros, a onipresença, e o que mais for
típico do tipo Zaratustra. (Assim falou 5. Voos Tangenciais de Autoexpressão: faz
Zaratustra, Nietzsche, 1995, p.89). parte das mudanças de peles. Do
descobrir camadas de si mesmo,
4. Escapes Moventes: Esta é a primeira examinando os impulsos e afetos que nos
experimentação audiovisual realizada moldam, que nos movem, que nos
durante as aulas de uma série de três que comovem. É a possibilidade de
serão apresentadas aqui. Para além da desconstrução de uma identidade artística
apresentação do vídeo - dança que pessoal, filosófica. Do vídeo como

16 A disciplina ocorreu de junho a setembro de 2020.


17 Intérpretes-criadores: Álecs Dall’Omo, Alex Almeida, Gabriela Schons , Patrícia Unyl e Rafaela Caporale.

51
experiência de si, como criação de um malícias de ondas — Salve quem novas
estado de poesia. Um ritual selvagem, danças, cria! Dancemos de mil maneiras,
luminoso e alquímico. Encontrar a nossa Livre — seja chamada a nossa arte e gaia
voz, a nossa expressão e torná-la exterior. — a nossa ciência. E o caminho. Encontra
Nessa experiência: ser onde não se espera o seu próprio caminho, a sua maneira de
que se seja. Ocuparmo-nos mais do filosofar e dizer sim à vida. E vamos
mundo do que de nós mesmos. Um corpo assim... “Eu pedi ao vento que me alçasse,
atravessado pelos bombardeios das forças / Aprendi com os pássaros a planar, voei
e que dança no meio delas e com elas. para o Sul, por sobre o mar....Que a minha
Linguagem que dança com outras única negação seja desviar o olhar! E,
linguagens. Na experiência do corpo e da tudo somado e em suma: quero ser, algum
criação, há uma leitura do mundo por dia, apenas alguém que diz Sim.” (Além do
meio das sensações, e da relação mulher- Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do
corpo-terra-planta, é a matéria vida que Futuro, Nietzsche, 1992, p. 244). Janelas
importa. abertas por onde passaram a circular ares
e ondas de uma compreensão
6. Existe Saída: realizado em dois diferenciada, que tanto quanto arejam
tempos, neste experimento, também afogam. Vamos tateando: até a
primeiramente os dançantes criaram nervura dos movimentos. Assim vivem as
performances individuais em dança ondas — assim vivem os que dançam no
contemporânea e que em fluxo, em um dorso das ondas. Eu ardo e me consumo.
segundo movimento, foram reunidas
criando potentes entrelaçamentos. Não Nietzsche para Dançar:
como uma simples colagem, a edição dos
vídeos, (re)criou movimentos a partir de
novas conexões e contradições dos
movimentos dos intérpretes-criadores,
possibilitando que o processo de
montagem e tessitura dramatúrgica das Referências:
cenas, também ressoasse em lampejos de Nietzsche, Friedrich. Assim falou Zaratustra.
real liberdade de criação e Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995;
experimentação de si. Nossa saída foi a
Nietzsche, Friedrich. A Gaia Ciência.
presentificação, ou seja, a possibilidade de
Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo,
transmutar a fantasia da utopia em Companhia das Letras, 200;
estratégias para a realidade que
desejamos, aliando experimentação e Nietzsche, Friedrich. Além do Bem e do Mal:
modos de existência mais sensíveis. Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Tradução
de Paulo César de Souza. São Paulo,
7. Para lá — eu quero ir. Ele diz: Companhia das Letras);
doravante. Confio em mim e no meu
pulso. Aberto se estende o mar e para o Guervós, Luis Enrique de Santiago. Nos
limites da linguagem: Nietzsche e a expressão
azul lança-se o meu navio. Dança agora
vital da dança. Cadernos Nietzsche 14, 2003.
sobre mil dorsos. Dorsos de ondas,

52
OBRA TRANSCRIADA
Obra: Sem Título
Técnica: Ilustração digital 2D
Artista: Laura Pep

53
Ato receptivo frente
a um espetáculo
de dança:
experiência pessoal
e algumas noções
articuladas
RELATO DE EXPERIÊNCIA
18
Fellipe Santos Resende

Resumo: Este texto trata-se de um relato de experiência artístico-cultural, baseado na


narrativa pessoal do autor frente ao espetáculo de dança Protocolo Elefante, do Grupo
Cena 11 Cia. de Dança. A partir dessa experiência, traça-se relações com noções
contextualizadas pelo teórico Roberto Gill Camargo (2003) acerca do ato receptivo frente
a uma obra teatral/cênica, neste caso aplicadas a um espetáculo de dança.

Para a escrita deste texto, trago uma narrativa pessoal a partir da minha recepção frente
ao espetáculo Protocolo Elefante (2015), do Grupo Cena 11 Cia. de Dança, apresentado
em 2019 dentro da programação do Porto Alegre em Cena – Festival Internacional de
Artes Cênicas, no Teatro Renascença, em Porto Alegre/RS. Os relatos trazidos a partir
dessa experiência como espectador pretendem se relacionar com noções contextualizadas
pelo teórico Roberto Gill Camargo (2003), acerca do ato receptivo frente a uma obra
teatral/cênica, neste caso aplicadas ao referido espetáculo de dança.
18 Artista da Dança e pesquisador. Doutorando e Mestre em Artes Cênicas/PPGAC-UFRGS, Especialista em Dança/UFRGS, Bacharel
em Fisioterapia/UFG, Licenciando em Dança/UFRGS.

19 Fundado em 1993 e sediado em Florianópolis/SC, o Grupo Cena 11 é dirigido por Alejandro Ahmed e tem se destacado nas duas
últimas décadas com muitas obras autorais, circulações nacionais e internacionais, e uma assinatura poética muito específica, que
conjuga elementos de dança contemporânea, performatividade, e uma presença cênica ligada à fisicalidade, com movimentos
intensos e viscerais.

54
De maneira geral, considero que Protocolo Elefante foi uma experiência estética muito
diferente e marcante para mim, sendo o primeiro espetáculo do Cena 11 que assisti
presencialmente. Considero-o uma obra muito forte e estruturada, com um elenco
engajado e conectado entre si, explorando elementos da dança contemporânea e da
performance. Sinestesicamente foi uma experiência intensa e difícil de descrever, de tão
única! Sobre as entrelinhas do espetáculo, Boll (2019) nos traz que a obra “se ampara no
tradicional mito sobre os elefantes: o de que, sentindo a aproximação da morte, o animal
se afasta do seu bando e busca um local para morrer sozinho” (n.p.).
Pelo exercício de revisitar o espetáculo em poucos termos, trago a seguir algumas
palavras que remetem ao espetáculo e sua atmosfera dramatúrgica, junto a um registro
fotográfico do mesmo (figura 1).
Corpos em pé ao fundo do palco. Roupas pretas. Queda lentíssima. Vocalização aumenta
gradativamente. Distorção de rostos-corpos. Avanço para a frente. Vozes muito altas.
Silêncio. Nudez gradativa. Música ao vivo, percutida. Instrumento lembra xilofone. Corpos
em deslocamento: quedas, manipulação de grandes bastões de metal. Rodopios.
Repetição. Corpos transitam entre palco e plateia. Lasers e fog ligados. Rodopio com
cordas. Silhuetas na fumaça. Grande painel de luz azul pisca. Muitas vezes. Corpos em pé
com seus bastões. Mais fog. Corpos cortados pela luz móvel. Feixe piramidal de luz azul
varre o teatro. Luz que se aproxima. Escaneia. Alcança. Comprime. Atravessa. Outros
desenhos formados. Rodopio com cordas ao centro do palco. Varredura de laser. Corpos
saem com as cordas. Palco vazio.
Ao relacionar a experiência de assistir Protocolo Elefante com os apontamentos de
Camargo (2003), falarei sobre os seguintes tópicos relacionados ao ato receptivo: grau de
interesse, tipos de leitura, preferências pessoais, conhecimento prévio, e capacidade de se
relacionar.

Figura 1. Protocolo Elefante. Grupo Cena11 Cia. de Dança.

Fotografia: Cristiano Prim.

55
Segundo Camargo (2003, p. 27), “o teatro não é apenas uma experiência física, que diz
respeito somente à percepção e aos sentidos. É também uma experiência intelectual e
afetiva”. Neste sentido, considero ter tido uma forte experiência estética pela qual tive
muito afeto. Previamente, tive um demasiado grau de interesse em assistir a obra
Protocolo Elefante e me conectar com ela, o que pela perspectiva de Camargo, fez com que
a aproximação entre meu eu-espectador e a obra em si aumentasse. Já quanto aos tipos
de leitura existentes – racional, emotiva e sensorial – o autor nos lembra que no ato
receptivo elas não se excluem, mas “ocorrem simultaneamente durante o espetáculo, com
o predomínio de uma sobre a outra” (CAMARGO, 2003, p. 38). Ao fazer uma autoanálise
da minha fruição frente a Protocolo Elefante, acredito que o tipo de leitura que mais
predominou foi a da via sensorial, especialmente por conta de elementos como o “poder
atmosférico da cena, a exploração dos recursos físicos do corpo e da voz, o uso de
elementos primitivos e ritualísticos” (CAMARGO, 2003, p. 38), como por exemplo a
fumaça e o metal. Na perspectiva do autor, todos esses elementos podem ativar a
capacidade sensorial do espectador, atraindo-o para o universo cênico criado na obra. Isso
descreve com muita proximidade o modo como me senti no dia do espetáculo: um estado
de atração e de se sentir pertencendo àquele acontecimento.
No que tange às preferências pessoais, Camargo (2003, p. 41) nos traz que “a
expectativa do público em relação ao espetáculo está ligada a diversos aspectos, dos quais
poderíamos mencionar três: gênero, tema e estilo”. Neste tópico, identifico que gênero e
estilo chamaram positivamente minha atenção para me conectar com o espetáculo. De um
lado a dança contemporânea e performativa como gênero, e do outro o estilo de
apresentação: bem físico-visceral-ritualístico, com ações catárticas, repetitivas e que levam
o corpo a estados e qualidades de movimento que acho muito interessantes de
assistir/dançar.
No tópico do conhecimento prévio, por sua vez, o qual inclui “o conjunto de
informações prévias que o espectador tem a respeito daquilo a que irá assistir”, e que
“influi bastante no seu processo de leitura” (CAMARGO, 2003, p. 47), cabe pontuar que
para o dia da apresentação, escolhi não ler nada a respeito do que se tratava o espetáculo,
pois queria minimizar as possíveis interferências na leitura da obra. Ainda assim, fui para o
teatro com uma grande expectativa, pois isso significava conhecer de perto o trabalho de
uma companhia que já admirava e considerava como uma inspiração artística. No dia
seguinte ao espetáculo li as informações a respeito da obra, e senti que estava
adicionando mais camadas de afeto àquela fruição da noite anterior. Descobri que o
espetáculo partia de uma investigação sobre a ação de afastamento e isolamento do
elefante na iminência de sua morte, permitindo ao espetáculo criar uma metáfora de
separação e exílio. Isso me tocou muito e fiquei feliz em ter lido o release só depois, pois
as informações puderam se encaixar de maneira mais livre.
Por fim, quanto à capacidade de se relacionar, Camargo (2003, p. 51) compartilha que “o
interesse do espectador tende a ser maior quando ele se dá conta de que os assuntos
tratados no palco refletem direta ou indiretamente a sua própria realidade”. Para este
panorama, mesmo não tendo noção prévia do porquê o espetáculo se chamava Protocolo
Elefante, consegui me conectar com a atmosfera e os movimentos que sugeriam uma

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espécie de ritual coletivo, com o jogo de silhuetas, repetições, movimentos catárticos e
luzes. Também considero ter me relacionado bem com o andamento e timing do
espetáculo, o qual embora seja considerado por muitos como uma obra relativamente
longa, com aproximadamente uma hora e trinta minutos de duração, assume a
temporalidade performativa, deixando as ações se desenrolarem no seu tempo, sem
maiores conduções pela métrica e extensão musical, ou cortes para que o espetáculo se
encaixe numa duração ou formato mais comercializável.
Com essas correlações a partir da fruição de Protocolo Elefante e as noções teóricas de
Camargo (2003), sugere-se que o espetáculo atua em certa medida como potente meio de
conexão entre quem o assiste e os aspectos que orbitam nossos movimentos de arte e
vida. Nesse sentido, a dramaturgia do Cena11 nos convida a pensar sobre camadas densas
e presentes no nosso entendimento de existência, e também nas relações interpessoais
em sociedade, a partir de fatores como pertencimento, vida e morte, pessoalidades e
coletividades. Ao ser questionado sobre o contexto da concepção do espetáculo, o diretor
e coreógrafo Alejandro Ahmed pontua que “a concepção e a produção de Protocolo
Elefante, realizadas em cinco etapas, levaram cerca de 18 meses. Em uma delas, o elenco
foi submetido ao isolamento: cada ator ficou por 15 dias sem contato com os demais
integrantes e longe da base, em Florianópolis.” (BOLL, 2019, n.p.). Tal cenário presente na
fase compositiva do espetáculo, e também no acontecimento cênico em si, nos permite
traçar um paralelo com o contexto pandêmico que atualmente vivemos, decorrente da
propagação massiva da COVID-19 pelo mundo. Vivenciando na pele o isolamento e
distanciamento implicados por este contexto, podemos nos valer da poética cena11zeana
para quem sabe refletir sobre pontos espinhosos que o atual quadro epidemiológico global
nos força a enfrentar.

Referências:
BOLL, Júlio. "Protocolo Elefante" questiona existência humana e necessidade de
pertencimento. GZH Espetáculos. 10 de setembro de 2019. Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/espetaculos/noticia/2019/09/protocolo-
elefante-questiona-existencia-humana-e-necessidade-de-pertencimento-
ck0eeoo0t00o101tgy59tclmy.html. Acesso em: 03 out. 2020.

CAMARGO, Roberto Gill. Palco& Platéia: um estudo sobre a proxêmica teatral. Sorocaba:
TCM - Comunicação, 2003.

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OBRA TRANSCRIADA
Obra: Itanna
Técnica: Pontilhismo
Artista: Emily Aniceto

58
afrorescer:
o cultivo artístico
das raízes
afro-brasileiras Pâmela Caroline de Oliveira Magalhães
20

RELATO DE EXPERIÊNCIA
Resumo: O presente texto relata sobre a trajetória de artivistas pretes dentro de uma
universidade de artes, culminando na criação e execução do Projeto de Extensão
Afrorescer, que teve como objetivo o enaltecimento da cultura negra através de
intervenções artísticas, rodas de conversa e exposições.

Afrorescer. Esse nome foi proferido em uma reunião, em um dos últimos meses de 2017,
dentro de uma república onde moravam diversos estudantes da UERGS - Montenegro.
Proferido no contexto em que uma universidade nos acolheu carinhosamente e nos
permitiu ter pensamentos críticos e questionamentos, um pouco após ter surgido a dúvida
seguinte: por que o conhecimento que nos é passado é majoritariamente eurocentrado?
Com exceção de alguns professores, o conteúdo ofertado para nós discentes é quase todo
eurocêntrico. Inclusive, esse questionamento veio às nossas mentes negras através de um
professor, o que significa que o branqueamento das artes é tão enraizado, tão natural, que
não tínhamos percebido até então.
O projeto foi elaborado e escrito por Elena Trindade e Fayola Kaliça, sob a orientação da
Ma. Marli Sitta, e ao longo do tempo contou com a colaboração e entrega dos artivistas
Anderson Andrade de Oliveira, Belsane Macêdo, Juliana Rocha e Pam Magallhães.

20 Atriz e pesquisadora de teatro.


21 Graduanda em Teatro: Licenciatura da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Atriz e performer pelo grupo de teatro
Ói Nóiz Aqui Traveiz
22 Poetisa, atriz pelo grupo de teatro Levanta Favela e performer pela House Of Kaliça.
23 Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF) Professora Assistente de Teatro na Unidade universitária da UERGS
em Montenegro/RS, Curso de Graduação em Teatro: Licenciatura.
24 Graduando em Letras: Licenciatura da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
25 Graduada em Dança: Licenciatura da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
26 Graduada em Música: Licenciatura da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).

59
O primeiro semestre de 2018 começou Departamento de Arte Dramática (DAD)
com ideias sobre espetáculos e da UFGRS, onde ocorreram intervenções
intervenções, utilizando dos elementos, por parte dos professores Adriana Jorgge,
da corporeidade, das sonoridades e da Celina Alcântara e André Rosa, onde
própria história da cultura negra no país refletimos sobre a hegemonia colonial e
como mote. Pesquisamos por os seus aspectos.
dramaturgos, poetas e compositores para A hegemonia colonial silenciosamente
uma possível criação cênica. Dentre as cala, aprisiona e fere quem não pertence
leituras dramáticas, se destacaram os ao lado hegemônico, e por esse motivo é
textos “Amores Surdos” de Grace Passô, e importante combatê-la, através da
“Além do Rio”, versão de Agostinho Olavo educação decolonial, ao passo que se
para a peça de Eurípides, “Medea”. Após deve ter cuidado para que essa educação
as leituras dramáticas, planejamos aulas também não se torne hegemônica. Entre
práticas, em que chamaríamos artistas os diversos fundamentos-base no
especialistas em dança, percussão e contexto em que fomos socialmente
improvisação para que tivéssemos mais criados, está a ideia cristã, colonizadora e
conteúdo pré-expressivo que agregasse à maniqueísta de que existe o “bem” e o
construção das cenas, inspirados por “mal”, bem como a necessidade da
Débora Ribeiro (2017), que aborda o desmistificação dos mesmos. Quando
conceito de transdisciplinaridade para somos submetidos a uma construção
decolonizar a educação, consistindo em, social que tem como fundamento a
além de articular duas ou mais disciplinas, binaridade (ou seja, conceitos
conectar os diversos elementos e formas polarizadores como bem e mal, feminino e
de conhecimento. Simultaneamente às masculino, entre outros) não ampliamos a
oficinas e ensaios, foi planejada a Primeira nossa visão para a expansão e/ou
Roda de Conversa, que ocorreu em aprofundamento destes aspectos, o que
meados de Junho e teve a ilustre acarreta na invisibilização da
participação da Mestra Griô Maria Elaine complexidade do mundo o qual vivemos.
Rodrigues Espíndola, contando sobre a O pensamento decolonial, portanto, se faz
Pedagogia Griô e os valores epistêmicos necessário para desconstruir essas barras
dos saberes em sua prática. Para a de ferro que estruturam a mansão Brasil,
recepção introdutória deste evento, que são as ideias binárias, moralistas e
preparamos uma performance a partir do racistas. Importante sugerir aqui, que uma
poema de Victória Santa Cruz, intitulado forma de combate à hegemonia colonial é
“Gritaram-me Negra”, onde misturávamos a democratização do conhecimento, que
as impactantes palavras com diferentes começa tornando os termos científicos e
ritmos afro-brasileiros, incluindo conceitos cada vez mais acessíveis à
maracatu, ijexá e funk. comunidade não acadêmica, digo eu,
A observação também foi um elemento ironicamente nestes termos.
fundamental de pesquisa, e por conta O segundo semestre de 2018 foi mais
disso foi realizada a visita ao evento voltado para a ação, começando com a
“Cosmovisões Negras: Teatro e Filosofia”, Segunda Roda de Conversa, que ocorreu
vinculado ao projeto de extensão do no Teatro Therezinha Petry Cardona e

60
contou com a presença da pesquisadora, sobre as diversas vertentes de racismo
performer, atriz, educadora e dançarina (estrutural, afetivo, científico). Na
Rita Lendé, e do produtor, ator, professor madrugada do dia 20 de novembro,
e diretor Diego Ferreira. Ambos relataram aconteceu segunda edição na Casa da
sobre as vantagens e desvantagens de Esquina Café, Rock e Bar, espaço cultural
atuar sendo artistas negros dentro da localizado em Montenegro-RS,
sociedade, visto que o racismo celebrando a cultura negra através da
epistemológico e estrutural pode ser um música, começando pela banda Os
obstáculo para os mesmos. Tropicais trazendo nomes consagrados da
Para este evento, dispusemo-nos a música brasileira em seu repertório,
realizar diversas experimentações seguindo por dois Dj’s salientando a
artísticas: o poema cantado “Gritaram-me sonoridade preta em seus sets.
Negra”; alguns poemas originais, No dia 20 de novembro o grupo
relatando as subjetividades do indivíduo participou da programação da semana da
negro dentro da sociedade em cinco Consciência Negra, do Projeto Resgate
diferentes temas (academicismo, Negro no Vale do Caí/RS. Com a
afetividade, hipersexualização, finalidade de apresentar para algumas
estereótipos e gordofobia); e uma turmas do ensino fundamental municipal
experimentação em artes visuais através na Estação da Cultura, o grupo criou o
de fotografias que tinham como tema o projeto performativo “Nossas Histórias”,
encontro com a morte e a solidão, a partir que consistiam em: uma contação de
da personagem Ofélia, interpretada por história sobre a Abayomi - boneca cujo
Fayola Kaliça. nome tem origem iorubá e é símbolo de
O nosso protagonismo foi mais certeiro resistência e tradição; e uma criação
na elaboração do Projeto Segunda cênica contando um itã denominado “Os
Denegrida, que teve como inspiração a Ibedjis derrotam a Morte”. Após a
Segunda Preta (em Belo Horizonte - MG), apresentação, foi ministrada uma oficina
Segunda Crespa (em São Paulo - SP) e de confecção de Abayomis.
Segunda Negra (em Porto Alegre), todas Durante o mês de novembro, também
ocorridas nas segundas-feiras. A primeira foram ofertadas aulas de dança a partir
edição do projeto começou pelo 1º Sarau dos fundamentos dos estilos Afro-House
– Negres na Sociedade, evento que fazia e Kuduro, manifestações artísticas
parte da Semana Acadêmica da UERGS, africanas, com o professor Leleo. No mês
ocorrida em outubro, onde reunimos de dezembro, produzimos o evento
artistas negres, todes estudantes da denominado “Baile Black” juntamente
UERGS, para apresentar seus trabalhos com a Casa da Esquina Café, Rock & Bar,
artísticos, incluindo danças (como vogue, com o intuito de criar espaços, dando
stiletto e dança contemporânea), cantos visibilidade para artistas negres e suas
de orixás e trabalhos cênicos (com produções. Este evento contou com a
abordagens sobre racismo acadêmico, exposição das artistas visuais Mitti
afetividades negras e genocídio). Estes Mendonça e Caroline Leite Ferreira,
trabalhos eram intercalados por vídeos, intercalada slam de poesias e falas de
escolhidos pelas colegas Belsane e resistência.
Juliana, que explicavam de forma didática

61
Afrorescer: o cultivo artístico das raízes afro-brasileiras foi agraciado com a Menção
Honrosa pela Comissão Científica do 8º Siepex em Cachoeira do Sul-RS, pelas
apresentações artísticas e em pôster na Sessão de Inclusão, Corpo, Arte e Cultura.
É necessário pensar que a representação do indivíduo negro dentro do teatro e da
performance deve ser uma reflexão da situação do mesmo no Brasil. Felizmente, em um
país onde o indivíduo negro ainda procura a sua identidade, o aumento de pessoas não-
brancas nas universidades juntamente com a elevada disseminação de conteúdos na
internet nos últimos anos permite a disputa de narrativas e o combate ao conteúdo
hegemônico. Por mais que seja um processo vagaroso, não deixa de ser um avanço, visto
que ao longo da história do teatro brasileiro, o mito da democracia racial fazia com que os
brancos propagassem a sua visão sobre os negros em suas obras, o que até então era
tomado como verdade absoluta. Hoje, os negros estão protagonizando a sua própria
história, até mesmo com a sua pluralidade, tomando o seu espaço e a sua narrativa.
Estamos “pretagonizando”.

REFERÊNCIAS
RIBEIRO, Débora. Decolonizar a educação é possível? A resposta é sim e ela aponta para
a educação escolar quilombola. IV Seminário Internacional de Representações Sociais,
Subjetividade e Educação – SIRSSE. Unicentro, 2017.

62
a fonte
A segunda edição da Brasa
contou com a exposição A
Fonte de Marília Dias.

EXPOSIÇÃO BIOGRÁFICA
Conheça mais sobre ela e
sua pesquisa!

A fonte fala de criação. Esta série partiu de fotografias de barriga - que é uma fonte,
tanto para o nascimento de seres, como no reiki fala-se do chakra da criação também
localizado nesta parte do corpo; e também quando se trata do intestino processando
alimentos e gerando energia para todo o corpo. Mas à medida que esse projeto foi se
formando, percebi também que ele falava de criação artística. Com ele, tento
experimentar diversas linguagens, criar fora do padrão confortável pra mim, que é a
fotografia. Portanto, a Fonte fala da criação em muitos sentidos.

Mapa Sou jornalista formada pela Unisinos e fotografo


profissionalmente desde 2013. Atualmente estudo Artes

do tempo
Visuais na UFRGS. Na fotografia, tenho cursos de
fotografia de casamento, retratos, fotografia infantil,
Fotografia, 2021 gestante, produtos e retratos fine art. Já fotografei teatro,
eventos e muitos ensaios. Minha pesquisa conceitual se
baseia no uso do meu corpo em autorretratos a fim de
investigar meus sentimentos e minha história.
Marília Dias

63
Carta de taro
Colagem Digital, 2021
Marília Dias

64
amora indica!
COLUNA
CAMINHO DIÁRIO GIRADANÇA
No Spotify é uma playlist que o app cria de Decidimos indicar grupos e artistas que
acordo com o que você escuta. Além de achamos que vocês precisam conhecer e
músicas, ele soma notícias, podcasts e outras começamos com uma galera lá de Rio Grande
histórias legais. Parece rádio, mas é com a sua do Norte, que faz um trabalho sensacional. Já
personalidade, o que torna tudo mais parou pra pensar o quanto a dança ainda
interessante e prazeroso. trabalha a partir de um modelo corporal e
estético, criando limitações e reproduzindo
STAY HOME SOUNDS um padrão totalmente elitista e inacessível?
Esse é o nome de um projeto incrível que Pois a Companhia Giradança trabalha criando
convida as pessoas, através das suas histórias espetáculos incríveis e premiadíssimos a
e percepções desse momento ruim em que partir de corpos diversos, sendo formado por
vivemos, a captar os sons ao seu redor e bailarinos com vários tipos de deficiência. Dá
enviar para que se faça um mapa do som pra acompanhar a trajetória do grupo, pelo
mundial durante os tempos de distanciamento Youtube, no perfil "companhia giradança”.
social na pandemia do coronavírus. Muito já
foi contado através desse sentido tão forte.
Se achou interessante, busca pelo nome do
projeto e curte um pouquinho desse dele.
Quem sabe você também não se inspira em
mandar algo?

PLEASE LIKE ME
Essa série disponível na Netflix pode ganhar
seu coração. Lançada em 2013 e com 4
temporadas, ela apresenta Josh Thomas, que O MUNDO DE SOFIA
é irritante e ao mesmo tempo você não quer Esse livro fez parte da vida de muitas pessoas
desgrudar (geralmente nossos melhores em algum momento das suas vidas. Ele de
amigos são assim, não são?!), e conta sobre alguma forma fala de forma mais simples
momentos importantes da vida dele, tem altos sobre a eterna busca por respostas para
e baixos, tem uma música de abertura que questões existenciais, contando a história de
anima qualquer um e, bom, só de falar, já uma menina de 14 anos, Sofia Amundsen, que
queremos assistir novamente. recebe aulas de filosofia por meio de cartas.
Esse ano, 2021, o livro escrito por Jostein
Gaarder, completou 30 anos e ficamos
pensando o quanto ele ainda é relevante e
importante de ser lido. Se você já leu,
achamos que pode ser um exercício
interessante ler novamente e criar novas
percepções. Se você não leu ainda, vale a

65
pena, independentemente da sua idade.
TORTO ARADO O AMANHÃ NÃO ESTÁ À VENDA
Vencedor de um dos principais prêmios da É um livro curto e extremamente necessário,
literatura brasileira, achamos importante pra não dizer obrigatório. Já parou pra pensar
compartilhar este livro, do escritor baiano que nós, os humanos, não fazemos falta na
Itamar Vieira Junior. Ele conta a história de biodiversidade? Somos como quaisquer
duas irmãs, Bibiana e Belonísia, que vivem em outros animais que poderiam entrar em
situação de trabalho escravo contemporâneo extinção enquanto os demais seguem na sua
em uma fazenda no sertão da Chapada existência. Nós precisamos parar de vender o
Diamantina. Quando crianças, um fato trágico amanhã como se fossemos eternos, pois não
as conecta de forma intensa, criando uma temos como saber se estaremos vivos. É disso
relação de muita conexão entre ambas. Porém e de outras coisas que o jornalista, ativista
já adultas, os desejos e vivências seguem por socioambiental e uma das mais importantes
rumos diferentes, mas com um ponto em lideranças do movimento indígena no Brasil, o
comum: o sonho de uma vida melhor para Ailton Krenak, fala nesse livro que possui 10
elas e para sua família. É uma leitura que vai páginas e está disponível gratuitamente na
te prender do início ao fim! internet. Por favor, se puder, leia.

STREAMING DE QUADRINHOS CULTURA DO RESTO DO MUNDO


As revistas em quadrinhos estiveram Já imaginou poder viajar e conhecer
presentes na infância da maioria de nós. Elas referências culturais de vários países do
contribuem muito para desenvolver o gosto mundo? Pensando nisso, o site CULTURA DO
pela leitura, além de atribuir valores, RESTO DO MUNDO oferece um mapa
princípios e referências para a nossa vida mundial com pontos distribuídos por diversos
adulta. Porém, quando crescemos acabamos continentes, onde você escolhe a localização
ficando distantes desse tipo de leitura, por e o site disponibiliza uma série de notícias
isso resolvemos indicar aqui um streaming culturais daquele local. Pesquisa esse site no
mais que especial, que oferece histórias em seu navegador, e saiba o que está
quadrinho on-line. A Social Comics já conta acontecendo no planeta inteiro.
com mais de 1500 títulos online, de editoras
como Dark Horse, JBC, Devir, Mythos, HQM, E VOCÊ?
Nemo, Mimo e muitas obras independentes. ...descobri que queijo com café me ajudam a
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está disponível para celular Android e IOS. novo pra se concentrar, qual seria?
Procure pelo app SOCIAL COMICS e se
divirta!

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visualidade da revista. Além disso, haverá espaço para obras audiovisuais através de
QRCode para linkar páginas e conteúdos de relevância por parte de artistas, coletivos,
grupos, escolas de arte, etc. O material expositivo será avaliado pela equipe editorial.

Planos de Aulas/Projetos: (até 2 páginas)


Publicação de metodologias, jogos, exercícios, práticas e poéticas voltadas à criação artística
de diferentes linguagens por parte de artistas, coletivos, grupos, escolas de arte, etc. Os
Planos de Aula serão avaliados pela equipe editorial.

Ensaios Artístico-Culturais | Resenhas | Relatos de Experiência: (até 3 páginas)


Publicação de ensaios sobre seus trabalhos, pesquisas, aulas, espetáculos, coreografias,
exposições, performances e toda e qualquer registro de manifestação artística por parte de
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