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A morte é festa no Brasil de Bolsonaro 04/11/2021 17:05

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A morte é festa no Brasil de Bolsonaro Novembro


Tales Ab’Sáber 
30 de março de 2021
LEIA

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Bolsonaro está simplesmente a favor do que muitos internalizaram como a verdade natural da máquina do mundo
-

CULT/EDICOES/ASS
I

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A morte é festa no Brasil de Bolsonaro 04/11/2021 17:05

Quem leu Freud (https://revistacult.uol.com.br/home/sigmund-freud) pensando sobre


grupos sabe como o líder, quando está no lugar do “ideal do eu”, uma das dimensões COMPRE
do “superego”, tem poder de hipnotismo sobre o grupo massivo que domina. Isso
significa apenas que, com pouca mediação, o líder fala o próprio eu do seu fiel fascista. Se (HTTPS://WWW.CUL
o líder no poder diz, exterminem os judeus como baratas por não serem humanos, o
grupo produzirá com ele câmaras de gás para matar pessoas. Se o líder diz, tomem um TLOJA.COM.BR/PRO
remédio ineficaz, que pode matá-los, o grupo toma feliz a cloroquina com efeitos
adversos, que pode matá-lo. Se o líder diz, não usem máscara que ela significa a sua
DUTO/CULT-275-
opressão, o grupo se revolta animado contra a máscara. Se o líder diz, sigam a vida
sobre a peste como se nada estivesse acontecendo, o seu grupo vai pra rua, pro boteco
e pra balada, dançar e beber até o fim do mundo sobre a peste, como se nada estivesse NOVEMBRO-2021/)
acontecendo…

Freud é odiado por cientistas políticos convencionais, que desdenham da natureza


psíquica do poder, por ter mostrado que o fascismo
(https://revistacult.uol.com.br/home/tag/fascismo) é uma subjetivação desejante,
uma estrutura irracional humana de desejo do poder e de submissão, uma modalidade
política gerenciada técnica e historicamente de sadomasoquismo. O fascismo é o
ultrapassamento, pelo desejo do poder concentrado em um mais guerra aberta contra
outros, de todo compromisso de racionalidade na política. E Freud foi o primeiro a (https://revis (https://revis (https://revis
dizer isso, e não o seu discípulo Reich (http://revistacult.uol.com.br/home/wilhelm- tacult.uol.co tacult.uol.co tacult.uol.co
reich-muito-alem-do-sexo/), que deu continuidade à sua análise do princípio do m.br/home/ m.br/home/ m.br/home/
fascismo, muito destacado por Deleuze categoria/ed categoria/ed categoria/ed
(https://revistacult.uol.com.br/home/tag/gilles-deleuze) e por Guattari, que queriam icoes/cult- icoes/cult- icoes/cult-
ultrapassar Freud exatamente como aquele que teria dito que o fascismo foi desejado. 274/) 273/) 272/)

Foi Freud quem demonstrou que o fascismo é desejo, que corresponde a formas
VER TODAS +
inconscientes da realidade psíquica. Existem formas psíquicas para o fascismo, disse
( H T T P S : / / R E V I S TAC U L T. U O L . CO M . B R / H O M
Freud, que podem ser acionadas historicamente em certas circunstâncias, e isso
aumenta imensamente o sentido do trabalho da civilização e da política em se
comprometer com o sentido radical do trabalho humano contra a violência, em nossa
própria formação como sujeitos. Bolsonaro ARTIGOS RELACIONADOS
(https://revistacult.uol.com.br/home/tag/jair-bolsonaro), como grande fascista que é,
necessita da morte e do extermínio do outro como contraponto e como ponto de fuga OS NEGACIONISTAS SOMOS NÓS
de sua política. Se não pode matar ativamente, como um dia disse que faria e como fez
o ditador latino americano Pinochet que ele tanto admira, ele o faz por decisão de
GODOT E A PANDEMIA
eximir o governo de responsabilidade, e de governo, diante de uma pandemia global
mortal.
MÉDICO NÃO É CIENTISTA! A BATALHA DA
Não existe fascismo sem um plano necessário de assassinato em massa. O que foi feito CLOROQUINA CHEGA À CPI
no Brasil é que as imensas pulsões destrutivas do bolsonarismo, não podendo destruir
inteiramente tudo o que desejam – a esquerda, as representações minoritárias, as PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E A PANDEMIA
universidades, os artistas, os direitos civis… – transbordaram para destruir toda a DA VIOLÊNCIA
sociedade. Bolsonaro ordenou explicitamente às pessoas em 2020 que não usassem
máscaras, que tomassem remédios falsos e que se expusessem com satisfação ao DIAGNOSTICANDO O “MÉDICO
vírus. Fez campanha política aberta, pública, contra a vacina, entendida em sua BOLSONARISTA”
patologia política como “arma do inimigo”. E nós vimos essa política afirmativa da
destruição da vida, por perversão e ignorância, que no caso são uma coisa só,
acontecer em tempo real no país. Ele condenou à morte dezenas de milhares de
brasileiros, que, apaixonados por ele ou inconscientes do seu vínculo amoroso com
TV CULT
ele, fizeram a política suicida que ele necessita. A morte de um povo por amor, sem
pensamento, ao seu líder fascista.

II
O que é fascismo, com Vladimir S…
Também há um outro grande hipnotizador de pessoas, de grupos e de massas que se
expuseram ao vírus com prazer durante as festas de fim de ano de 2020, em janeiro e
no carnaval de 2021 no Brasil. Trata-se do próprio empuxo da vida encantada da
mercadoria e do consumo, a inércia do movimento e do apego do desejo a uma forma
e a um modo de viver, biopolítica reforçada a cada segundo e a todo instante – uma
relação entre os homens, e deles frente o valor das coisas que se produzem entre eles:
o fetichismo da mercadoria.

Como sabemos desde Adorno (https://revistacult.uol.com.br/home/tag/theodor-


adorno) e de Horkheimer, toda a formulação e expressão do mundo industrial da
cultura é, em seu fundamento – o seu próprio inconsciente coletivo formado,
produtivo e socialmente comprometido com a lógica geral da acumulação –, um
imaginário geral de celebração festiva e de aceitação daquilo que existe. Anticrítico por

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A morte é festa no Brasil de Bolsonaro 04/11/2021 17:05

natureza, o mundo criado pela indústria cultural universal tem por princípio essencial
a lógica de que “tudo o que existe é bom”. E tudo o que se deseja, ao se viver assim, é
celebrar, festejar e gozar o que existe, ter acesso às coisas e à sua felicidade, verdadeira
ou falsa, tanto faz. O princípio é o da cultura afirmativa, sempre positiva, a vida
alavancada como ela é e a favor de tudo o que é, como dizia Marcuse
(http://revistacult.uol.com.br/home/o-filosofo-refratario/). O mundo do consumo
(https://revistacult.uol.com.br/home/lugar-de-fala-cult/)
como subjetivação é isso.

Neste sentido, Bolsonaro não precisou de muito trabalho e de nenhuma energia


especial para empurrar pessoas para viverem aquilo que, contra a real realidade da
doença e da morte, elas de fato queriam viver. Entre o líder fascista, sua lógica cruel
anti-humanista neoliberal, que deseja desresponsabilizar o governo do trabalho
coletivo e social, e a ordem comum e repetitiva dos gozos contínuos do mercado e da
(https://revistacult.uol.com.br/home/onde-vende-
imagem mercadoria comum no mundo, há também uma continuidade eletiva forte. O
revista-cult/)
mercado que se celebra em cada compra e em cada venda de uma ilusão qualquer é
também exatamente o mesmo que faz o elogio de um mundo sem governo, sem
compromisso social e com o trabalho, ou qualquer coisa que exista para além da
mercadoria, do dinheiro e de si próprio.

A homogeneidade cultural de massas, e seu gozo planejado, prepara a homogeneidade


politica; esta frase dos anos 1940 de Adorno e Horkheimer foi a primeira percepção
forte dos elementos fascistas presentes no interior do próprio mundo do mercado dito
liberal, seu sistema geral de excitações e circulações de imagens e seu reality show. Ela
apontava para a emergência totalitária da vida de todos como agentes culturais
exclusivos de mercado, o neoliberalismo por vir, da escola de Chicago, de Guedes e de
Bolsonaro, como algo que sempre esteve presente no mercado de massas. De fato, no (https://www.sescsp.org.br/bienaldedanca?
grande isolamento de 2020 muitos adoeceram pela perda de suas práticas de vida, o utm_source=cult&utm_medium=banner&utm_campai
ambiente geral da vida na cidade da mercadoria. gn=bdan&utm_content=200)

Ficou famosa na internet a imagem impressionante de milhares de pessoas, de todas


as idades, famílias inteiras, fazendo fila para entrarem no shopping center reaberto
após um período de isolamento social para a proteção da vida. Elas cumpriam um TWITTER
ritual de culto ao seu único e verdadeiro deus, indizível, a coisa na loja e a cidade para as
coisas, o shopping center. As pessoas não querem de volta uma vida qualquer, tanto
quanto são totalmente incapazes de refletir no tempo de silêncio e do esvaziamento de Tweets por ​@revistacult
sua atuação geral no mundo do espetáculo como vida. Elas querem de volta o shopping
apinhado com as coisas e sua vulgaridade cultural gritante, de choque, os entrepostos Cult
globalizados que dão destino ao circuito mundial da produção, em escala planetária. @revistacult

Elas querem de volta a mesma ordem de produção, recusa de sentidos e da alteridade CULT de Novembro! ESPECIAL "Itamar
Assumpção: estética enigma". Seu legado
de mundos e razões ambientais, que gerou mesmo o vírus pandêmico, o primeiro
atravessa o encantamento e o analítico: uma
sintoma universal da crise impensável do mundo da mercadoria, o Capitalismo, de obra inflamada, sutil e sofisticada. Dossiê
nosso tempo. ”Ceticismo: por que acreditar?” discute o cético
do ponto de vista filosófico. Disponível em
Antes da crise econômica global de 2008, gerada, com se sabe, pelos terroristas bityli.com/QU3akq
milionários do mercado financeiro de Wall Street, que desorganizou grande parte dos
circuitos mundiais de apostas e de produção de valor, existiu uma grande festa jovem,
excitada e excessiva, que não podia parar. Era a “república mundial” da noite Incorporar Ver no Twitter
eletrônica, com meca em Berlin, que convocava a juventude hedonista do tempo e a
antiga contracultura jovem para um mesmo espaço maníaco de agitação e gozação
permanentes. Aquela ação e sujeitos que existiam para a diversão conspícua não podia
parar nem de noite nem de dia. Dançando e gozando sem parar, ela criava zonas de
esperas existenciais como consumo de prazer industrializado liberado, o novo estatuto da
música e das drogas no mundo, que mantinha jovens ao mesmo tempo celebrando a
festa do tempo presente e encenando esteticamente a sua ruína, também onipresente,
como verdadeiros punks de butique globais.

Entre a ausência de emprego, a oferta mundial de imagens, informação e gozos das


infinitas coisas geradas pelo tempo do mundo, e a vida toda deslocada para as micro-
telas da internet pessoal global, a solução de compromisso social passou a ser celebrar
permanentemente, se agitar sem parar, ser feliz por compulsão, vencendo a sociedade
do cansaço pelo prazer do excesso, noite e dia, dia e noite. Forçava-se o gozo, com a
pulsação da música eletrônica como dispositivo de um corpo em êxtase e suas drogas
sintéticas, tomadas em escala industrial, para nos convencer, agora colonizando o
afeto e deformando o sonho, que o mundo é bom. O êxtase mundial da subjetivação da
balada eletrônica encontrava sua sociologia na ideia de produzir sem parar, sem
silêncio, intimidade ou pensamento, sobre a ruína universal do mundo do trabalho e
das guerras do poder de produção dos refugiados mundiais, que aqueles jovens
conheciam bem.

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Como eu disse em outro momento – em um livro que aprofunda o estudo da estética


maníaca da afirmação do prazer como indústria, e da recusa performática do terror
como estratégia de sobrevivência, A música do tempo infinito, (Cosac e Naify, 2014) –,
esta tendência de ocupar o desejo com os objetos técnicos pulsantes do tempo, música
eletrônica, massa imaginária pulsante na internet e drogas sintéticas e recreativas, tendia a
dissolver os limites entre dia e noite – sono, sonho, despertar e pensamento – em
um novo estatuto de subjetivação, de transe técnico, festa contínua a favor de tudo o que
existe. Bem como, com outra perspectiva da mesma coisa, o professor de arte e teoria
em Columbia, Jonathan Crary, nos deu a ver, no mesmo momento, em seu 24/7
Capitalismo tardio e os fins do sono.

Como se sabe, um dos efeitos do isolamento social e da recolha histórica das pessoas
em casa do ano de 2020 foi o imenso e generalizado sono. Ao avesso do mundo
explosivo e massivo de uma agitação permanente, cujos circuitos mundiais das
baladas eletrônicas sem fim foram um dos campos de imanência e apresentação, as
pessoas reestabeleceram durante o isolamento o tempo regressivo do corpo, pessoal e
inconsciente, do sono e do sonho. O que pressupõe o privilégio de classe de se ter casa
cama, um cuidado básico e um tempo livre, sem a invasão da produção, para se poder
dormir, e dormindo, sonhar.

Da agitação maníaca de um mundo em crise, que dança sobre o abismo da sua própria
destruição, os homens – a quem foi permitido por acaso de classe – recuaram ao
tempo indefinido e silencioso do sono, do inconsciente esparramado sobre o ser e
sobre o mundo e da agitação secreta da metafísica do sonhar – a realização poética,
narrativa, cinematográfica, imanente ao sonho. Dormiram e sonharam, para poder
despertar de um pesadelo social muito mais profundo. O sonho, que pressentia
mesmo o contato com a peste, dizia Artaud. A peste, que é o mundo.

Quem se atirou às festas, e hoje morre sozinho de modo cruel às portas de uma UTI
em caos, não suportou retornar à política do sono e do sonho, da sustentação de
condições para o sono e da necessária intimidade do sonho, e seu necessário segredo,
ou mistério. Como a mercadoria global em febre e festa permanente, estas pessoas
também precisaram gozar na exposição dos corpos como objetos para a visão do
outro, e na fantasia, própria ao capital, de que tudo o que existe nesse mundo, que se
produz assim, necessita ser celebrado, até o fim.

Sepultamentos no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, 2020 Foto: Alex Pazuello

III

Assim Bolsonaro e seu senso comum grosseiro sobre a vida conservadora sobre o
capitalismo tardio, essa tentativa de reafirmação de ilusões perdidas de poder
imaginário de classe e do poder comum do mercado como tudo o que importa no
mundo, está simplesmente a favor do que muitos internalizaram como sendo a
verdade natural da máquina do mundo, seu desejo de mundo. O hipnotismo do líder

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ganha poder ao confirmar o desejo de todos de que o mundo não pare e não tenha
parado, e que podemos prosseguir nosso compromisso com a sua reprodução infinita,
gozando ilimitadamente o regime geral da mercadoria, o que de fato se adora.

No entanto, entre o amor ao líder e o gozo da celebração do mercado espetacular como


a própria natureza humana, há um elemento especial que Bolsonaro põe em cena,
para a tragédia do genocídio à brasileira, que nos é praticamente único. Um campo de
sentidos reacionários fortes e muito violentos, de longa duração e tradição, que
diferencia o espaço social constituído desde a história do Brasil de toda ordem de
leitura moderna, científica ou crítica, de uma grande comoção e risco social como
vivemos. Só há algo semelhante ao que o Brasil realiza como maquinaria biopolítica
exclusiva nos Estados Unidos de supremacistas brancos de Donald Trump. Um país
que também, como aqui, condenou centenas de milhares de americanos à morte, pelo
sadismo objetivo de uma cultura em que o direito à saúde não é universal, pela
arrogância negacionista narcísica de seu líder, apoiado em seus grupos de extrema
direita, cujo poder pressuposto e caprichoso era mais importante do que a vida de seus
concidadãos.

O ponto de força histórica para a política da morte é o seguinte: não por acaso EUA e
Brasil foram os dois grandes países americanos de colonização europeia – um branco,
modernizado e protestante, outro branco, de tipo ancien régime e católico – que se
formaram com e através da escravidão colonial ativa, como própria forma de produzir
riqueza e sociedade, em seus próprios territórios nacionais. No entanto, lá, hoje, não
exatamente como aqui, forças sociais de responsabilidade, de técnica, de ciência e de
compromisso coletivo se organizaram para combater e vencer o seu sintoma
neofascista, neoescravocrata eu diria, constelado no líder mentiroso e
descomprometido com tudo que não seja ele próprio.

Aqui temos muitas dúvidas sobre nossas pulsões de vida políticas, aquelas que unem,
que agregam, que reconhecem as partes e ampliam a capacidade de pensar o que é
comum. De todo modo, apenas em um país de origem escravista – desde a ordem
colonial secular mundial, europeia – um governo e parte importante da sociedade
pode dispor de uma outra parte do país para o seu desprezo radical de qualquer
natureza de direito comum, até o direito à vida. Só em um país de longa formação
escravista uma pequena parte da sociedade, ligada à classes médias que gozam com a
própria servidão, senhores do dinheiro que não reconhecem nenhum país e uma
cultura radical do autoritarismo, de religiosos e de militares, um grupo cindido da
trama de direitos comuns e universais e da mediação científica para o problema
global, pode decretar, como política de Estado, que a população se contamine, adoeça e morra,
de modo aleatório mas certo.

O neofascismo brasileiro é alimentado inconscientemente pela profunda tradição


reacionária, colonial escravocrata, luso monarquista, que cindiu nação de sociedade,
riqueza e trabalho escravizado, nas raízes do país. Bolsonaro, capitão do mato do
Brasil escravocrata estendido ao agora, tratou os brasileiros exatamente como os
senhores e seus agregados do século 19 imperial tratavam o trabalho no país: “vocês
só tem valor instrumental para a riqueza que geram, para os outros, e nem um direito
a mais”. Se morrerem, é mesmo esse o seu destino. Escravo foi feito para trabalhar,
gerar riqueza para o senhor, e depois morrer. Ou seja, não existir nem custar nada à
sua “sociedade”, que não lhe pertence de nenhum modo, cindida de todo
reconhecimento dos seus direitos e da sua vida. “E daí?”, exclama Bolsonaro rindo
excitado frente a sua claque do curralzinho, em uma cena retirada de O bandido da luz
vermelha de Rogério Sganzerla (1968), sobre a morte planejada e desejada de centenas
de milhares de brasileiros.

Tales Ab’Sáber é psicanalista e ensaísta, doutor em Psicologia Clínica pela USP e


professor da Unifesp. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes
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