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Histórias do Beco do

Hoagy: Deixando a
vida para trás

Roteiro, Diagramação e capa por:


SARA OLIVEIRA ANDRADE

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AVISO:
Este livro se trata de uma Fanfic. A autora não
possui os personagens usados nessa obra ou
vice-versa, ou quaisquer afiliações com Warner
Bros. Todavia, a história da obra é de sua
autoria, assim como alguns personagens que
não são da franquia Top Cat , mas que estão na
obra.

Este livro pode não ser adequado a crianças


pequenas, por conter temas maduros como a
obra original. Vejam a obra original de Hanna-
Barbera e decidam por vocês mesmos.

Este livro não tem nenhuma ligação com


o filme “Top Cat The Movie”, ou “Top Cat
Begins” de 2015, ambos de Anima Estúdios. O
mesmo em relação a Jellystone.

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Capítulo
I:
O Décimo
terceiro
distrito

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4
O Décimo Terceiro Distrito

Nos anos 60, em Nova York, em Manhattan,


havia o beco do Hoagy, onde se alojavam 6
jovens gatos.

O mais observável era um gordinho, baixinho


e com uma bela pelagem azul com semitons de
roxo, com seus olhinhos que pareciam botões
brilhantes, e a sua pequena cauda curta.

Este era chamado de Batatinha.

O segundo mais observável, era um gato alto,


magro, com aparência afeminada e com leves
traços orientais.

Com uma frágil e fina pelagem de cor rosa, e


seus olhos verde-água, ao qual entre quem o
conhecia só de vista, não saberia se era macho
ou fêmea.

Este era conhecido como Xuxu, embora seus


amigos o chamassem de Xuch de vez em
quando.

O terceiro gato estava em um estado um tanto


quanto...deplorável.

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Com seu olhar semicerrado, como se estivesse
cansado, e sua pelagem “laranja desbotado”,
esse gato era chamado de Gênio.

Um nome um tanto quanto irônico, pois


aquele gato já não raciocinava de forma
correta há muito tempo.

O quarto era extremamente elegante, com belo


cachecol branco no pescoço, e seus looks
sempre fashions, Bacana era o mais elogiado
dos gatos.

Sua pelagem marrom-avermelhado não


chamava muita atenção, mas em geral, era um
gato bonito.

Ele estava sempre acompanhado de um jovem


gato cor de oliva, de gravata com a ponta
rasgada ao seu lado, ele era seu melhor amigo.
Este se chamava Espeto.

E no meio deles, havia o seu líder.

Ele não aparentava muita força física, um gato


magro, de pelagem amarela e belos olhos
dourados era o gato que liderava a todos os
outros.

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Diferente de seus amigos, ele usava um
chapéu para simbolizar seu poder, como se ele
fosse uma coroa.

Este tinha tanto respeito e espírito de líder,


que era conhecido como “Manda-Chuva”
(embora fosse chamado de M.C ou Manda
pelos íntimos), que era um trocadilho com a
gíria Mandachuva, que significa: indivíduo
com importância e influência; magnata.
Indivíduo que dá ordens, comanda, decide,
lidera; chefe, maioral.

E por sinal, este nome lhe caíra como


uma luva. Já que ele era tudo isso.

Estes 6 gatos, eram o terror do décimo


terceiro distrito, onde lá operava um oficial em
destaque de todos: Carlos Daniel Belo, mais
conhecido como “Guarda Belo” pelos gatos e
por seus colegas.

Belo era um velho policial, que fazia a sua


ronda no décimo terceiro distrito há mais de
10 anos. O que escondia um pouco a sua
velhice eram os seus olhos “azuis
sonhadores”, como dizia Manda-Chuva (ver
episódio 21)

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Mas ainda assim sua idade era bastante
aparente, com suas olheiras e rugas visíveis e
sua fadiga, era nítido que Belo já estava na
casa dos 40.

Belo já era considerado um policial um tanto


quanto fora de forma para sua corporação, não
só pela idade, mas sim por seu
“amolecimento” quanto ao trabalho e aos
gatos.

Todavia, ainda era mais elogiado que seus


colegas de trabalho de mesma idade.

Mas apesar disto, Belo sentia-se inferior a seus


outros colegas, principalmente os mais novos.
Belo tinha muitos colegas, para falar a
verdade.

Ele tinha o seu chefe, o chamado "Sargento


Pereira”, um velho de cabelos grisalhos um
tanto quanto mal-humorado que os liderava.
Tinha Mahoney, também chamado de
“Marrudo” pelos colegas, que era um policial
relativamente jovem, (embora fosse mais velho
que o sobrinho de Pereira, o Bráulio) de cabelo

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ruivo desbotado, olhos verdes e sardas
aparentes.

Marrudo era o mais calmo dos rapazes, ainda


mais que Belo, por incrível que parecesse,
mesmo sendo o que cuidasse de investigações.

Talvez isso se devesse ao fato dele raramente


trabalhar, comparado aos seus colegas, pelo
menos, aí estressava-se menos.

Rafael era o policial de cabelos loiros, com


semitons de laranja, de olhos castanhos e um
porte forte. Ele era semelhante a Bráulio,
exceto que era bem mais velho.

Ele era o responsável por prender os gatos


que não cumpriam com a lei, mas também era
o responsável por cuidar da adoção de felinos,
dependendo do caso.

Em resumo, ele tratava mais dos problemas


com animais, do que com civis, o que lhe
gerou inúmeros apelidos.

Duílio, de cabelos castanhos com semitons de


preto e olhos castanhos claros e um tanto
gorduchinho, era um oficial aposentado.

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Ele estava lá apenas para fazer os testes de
saúde, força, agilidade e inteligência com os
outros oficiais.

Mas diferente da figura rígida que se tem de


muitos treinadores da polícia, Duílio era um
rapaz muito calmo e era boa pessoa. Apenas
seguia as ordens do sargento como todos.

Haviam outros oficiais naquele departamento


policial, isto era óbvio. Porém, estes eram os
mais conhecidos e os que o Sargento mais
designava para fazerem algo no décimo
terceiro distrito.
Belo sentia-se inferior a todos eles, não por ser
mais velho, pois havia mais velhos que ele no
departamento, como o próprio Sargento. Mas
por sentir-se mais inútil do que eles naquele
departamento.

Belo era o faz-tudo do departamento policial,


fazia de tudo um pouco, pois ele era louco por
um elogio do sargento, queria sempre fazer de
tudo para ser elogiado por ele, e sentir que seu
trabalho não fora em vão.

Mas querendo ou não, era em vão...

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Apesar de sempre ter tido alguma afiliação
com a polícia desde que era jovem, seu sonho
de sua juventude sempre foi ser um cantor.
Porém, A indústria do canto não se interessava
em barítono-baixos, o que lhe atrapalhara em
seguir seu sonho.

Não que ele tivesse preguiça de trabalhar com


algum estúdio que trabalhasse com esse tipo
de voz e a tessitura, mas sim porque seria em
vão de todo jeito, já que na época não havia
um curso para este tipo de voz e tessitura, nem
mesmo clandestinos.

E com seu trabalho no departamento


policial, ele mal tinha tempo para treinar
mesmo atualmente. Então seu sonho ficara
para trás. Mas ele não o esquecia.

Mas mesmo agora, sua vida era um pesadelo,


com gatos malandros e trapaceiros para ele
fazer com que entrassem na linha, uma esposa
que só existia para reclamar (mesmo após o
divórcio), e de quebra, vários problemas com o
seu próprio chefe, por ajudar os gatos quando
precisavam, era fácil dizer que a vida não
estava fácil para ele.

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Mas ela também não estava fácil para os 6
gatos malandros de New York com os quais
ele tinha que lidar, por mais que eles o
fizessem parecer.

Apenas o fato de serem gatos já era o suficiente


para a vida ser complicada para eles. Acreditem.

Pois apesar de gatos daquela época serem


civilizados como humanos, eles ainda não
eram vistos ou tratados como tais. Muitos
privilégios eram retirados deles.

Não era incomum ver, por exemplo, empregos


reservados apenas para humanos, e empregos
reservados só para gatos.

A questão é que...os empregos que os gatos


tinham acesso eram sempre os piores.

Por mais que houvessem gatos bem sucedidos


como Lola Glamour e Kitty Glitter, estes eram
gatos que tiveram adoção, gatos com
proprietários. Proprietários humanos.

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Mas infelizmente, esta não era a realidade da
maioria. Boa parte vivia nas ruas, inclusive os
do beco do Hoagy.

Afinal, sem um bom emprego, e sem família


para sustentá-los, (seja felina ou humana) a
opção era a sarjeta mesmo.

Mesmo Xuxu, o único gato do beco que


tinha dono, (aliás, vários donos) vivia aquela
realidade. Afinal, ser gato de estimação não
lhe dava dinheiro.

A verdade era que a vida estava complicada


para todos, fossem gatos, humanos, policiais,
atores...porém o maior peso de sofrimento era
entre os felinos, tendo proprietários ou não.

Mas os nossos felinos que residiam no beco


não pareciam se importar, mesmo estando em
uma situação complicada ou ruim, eles sempre
conseguiam se safar, graças a seu chefe, e
sempre levavam tudo com alegria e paz.

No entanto, mesmo que eles o fizessem


parecer, viver daquela forma em si não era
divertido, e eles sabiam e aceitavam isto. No
entanto, eles só queriam curtir a vida, procurar

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sempre o lado bom das coisas, sem ligar para o
estado em que suas vidas se encontravam.

Tão verdade aquilo era, que não era


incomum eles fazerem festas, jogos, valsas,
danças e brincadeiras, mesmo morando em
um beco sujo e sem graça. Eles eram a graça
daquele beco.

Tanto que o próprio oficial sentia falta deles


quando o beco estava vazio. Mesmo que não
admitisse. (Ver episódios: 1, 7 e 9)

E isto era justificável, pois a imagem um beco


normalmente passa um ar sombrio, pesado...
mas o Beco do Hoagy passava vida e alegria.
Tudo isso graças a seus residentes.

E talvez, por estar localizado no décimo


terceiro distrito, era um lugar com moradores
simpáticos, para dizer o mínimo. Mas como
nem tudo são flores, todos de lá já passaram
por inúmeros perrengues.

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Capítulo
II: Xuxu,
onde
estás?

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Certo dia, no beco do Hoagy, Manda-Chuva
acordara e chamara seus amigos. Manda-
Chuva estava a bolar um plano, mas ele só
teria uma boa execução com os seus amigos
por perto.

Então, soou o alarme da reunião. Duas tampas


de lata se batendo uma na outra, de forma alta
o suficiente para que seus amigos escutarem.
Até Gênio, que tinha uma audição meio ruim.

Ao ouvir o som do alarme, todos os felinos


tremeram seus bigodes (exceto Gênio) e foram
correndo para o beco de seu líder, exceto por
Xuxu, que não havia chegado.

Ao contar quais gatos haviam presenciado a


reunião, o gato amarelo logo percebeu a
ausência de seu amigo e interrogou ao grupo:

— Algum de vocês viu o Xuxu hoje? Por


alguma razão, ele não compareceu a reunião
agora.

— Eu não o vi, M.C. -disse Bacana, com um


tom sério. – Ele está sumido desde semana
passada, lembra-se?

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— Sim, lembro-me. Por sorte eu não tenho
precisado fazer reuniões -brincou Manda-
Chuva.
-Porém o que me intriga é o fato de ele estar
sumido por uma semana. O mínimo que
espero é que ele não esteja morto.
—Por que ele estaria? -perguntou o pequeno e
ingênuo Batatinha, confuso.

Manda-Chuva, tentando responder a pergunta


de seu amigo sem soar pesado para ele,
respirou fundo e respondeu com firmeza:

— Não fale como se não o conhecesse,


Batatinha. Você sabe o que estou querendo
dizer. Vocês sabem que o Xuxu é muito
sensível, seria capaz de cometer qualquer
besteira quando deprimido.

Espeto, sentindo-se incomodado com a


conversa, decidiu alegrar mais o grupo, como
sempre o fizera.

— Ô xenti, mas tu chamaste a gente aqui


por que, Manda-Chuva? Pra tu bolar um plano
para ir atrás de comida, ou do Xuxu?
Hahahaha

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E aparentemente, a ideia de Espeto havia
funcionado, já que o beco inteiro caiu numa
enorme gargalhada. Exceto pelo chefe:

—Haha, muito engraçado, Espeto. -disse


Manda-Chuva, com sarcasmo visível saindo
de sua boca.

—Mas ter um membro perdido, não é nada


engraçado. -Complementou ele, com um tom
alto e autoritário.

—Mas o que você pretende fazer, M.C? -


interrogou Bacana, querendo saber o que seu
líder queria com eles.

O Líder dos gatos respondeu, demonstrando


seriedade e preocupação:

— Por enquanto não farei nada e prosseguirei


com o plano, mas se acaso o Xuxu não chegar
ao beco até as 18:00, teremos que tomar
medidas para achá-lo. E tenho dito.

— Certo chefe! -disseram os 4 gatos em


uníssono.

—Mas qual foi o porquê de ter nos chamado


aqui, afinal? – perguntou Gênio, que estava

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apressando o seu líder M.C para dar-lhe uma
resposta.

Manda-Chuva conseguiu um pouco de fôlego,


e disse:

— É o seguinte, rapazes... eu ouvi dizer que as


coisas não estão muito boas para o nosso lado.
-Introduziu Manda-Chuva a situação para
seus amigos.

— Olhem, o Sargento tem andado meio


estranho ultimamente, e Belo também. Algo
não está certo, e talvez tenha haver conosco.
Poderiam vocês darem uma espiada na
delegacia para mim? -sugeriu Manda-Chuva.

— Claro chefe, nós iremos. -disseram os


quatro gatos em uníssono.

Mas antes de irem, Manda-Chuva os advertiu:

— MAS TOMEM CUIDADO COM O


RAFAEL E O SARGENTO!

Os 4 gatinhos responderam de forma calma e


obediente:

— Tomaremos, M.C.

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O Líder respondeu orgulhoso de seus
ajudantes:

— Obrigado. E eu ficarei por aqui, vou


procurar por Xuxu, sejam cautelosos, rapazes!

Então os gatos foram até a porta da


delegacia, para saber se estavam planejando
algo contra eles.

Bacana colocara um estetoscópio de camelô


que fora jogado na lata de lixo de Gênio uma
vez, para escutar por detrás das portas.

Enquanto isso, Manda-Chuva procurava por


Xuxu pela cidade.

Mas e Xuxu? Onde e como estava?

Bem longe do beco do Hoagy, lá estava uma


adorável e simpática família e seu mascote a
navegar.

Eles estavam procurando peixes para pescar,


afinal há mais de uma semana eles só
viajavam, mas não caçavam alguma coisa que
servisse de alimento, por já terem levado sua
comida de casa no navio.

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Mas agora, como só estavam com
metade do que haviam levado, eles
consideraram fazer uma boa e velha pescaria
em família. Não só pela comida, mas também
para terem um pouco de diversão.

— Já sabem o que fazer, não é? -disse o pai


daquela família, com um tom alegre.
— Sim, Capitão Martinz! -gritou a família em
uníssono.
Capitão Martinz, era o apelido do
Senhor Martinz, na verdade. Ele era chamado
assim pela sua família, colegas, e até pelo
gatinho que ficava alguns dias com ele de vez
em quando.

E falando em gatinho, seu gato estava


numa posição de espreita no canto do navio,
esperando com água na boca para que um
peixe aparecesse.

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— Está pronto, bichano? -disse a senhora
Martinz ao gato.
— Eu NASCI pronto. -disse o jovem gato, se
vangloriando, prestes a pular para fora do
barco, por ter visto um enorme e suculento
peixe a sua mercê.
E dito e feito. O gato pulou com tudo para
fora do barco e abocanhou não só aquele peixe
que ele estava observando, mas também mais
5 peixes!
Quem havia ficado feliz com a situação, foi
o próprio senhor Martinz, que agarrou o seu
gato molhado e lhe disse:

— Mandou bem, Xuxu , você é um excelente


pescador. Agora é a minha vez de pegar os
meus peixões 😎. Veja só como eu os pego!

No entanto, Xuxu havia se lembrado de seus


amigos, e de forma desanimada, disse ao
senhor Martinz:

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— Lamento, capitão. Mas não se lembra que
hoje é sábado? Hoje é meu dia de ir embora e
rever meus amigos. Você me prometeu que
depois de uma semana eu poderia ir embora.

Naquele momento, a expressão do rosto do


senhor Martinz até havia mudado. Ele havia
ficado surpreso e triste ao mesmo tempo, “Mas
oras, porque estou surpreso? Como poderia eu
esquecer que prometi isto a ele?” pensava.

—Desculpe, capitão. Mas algo me diz que os


meus amigos precisam de mim, terei que ir
mesmo. -disse Xuxu, explicando as coisas para
o seu amigo.

—Eu entendo. -disse o Senhor Martinz,


fingindo indiferença.
Xuxu havia percebido que seu amigo estava
triste com a notícia, mesmo o próprio lutando
para esconder isso.
Mas para “quebrar o gelo”, disse ao velho
marinheiro:

—Mas se não lhe for muito incômodo, posso


levar estes peixes para mim e meus amigos
comermos juntos?

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O S.r. Martinz o respondeu:

— Certamente. Você que os pescou, não vejo


problema em dividi-los com os próximos.

— Muito obrigado por ter sido compreensivo,


de verdade. -disse Xuxu, de forma grata e
feliz.

— Ah, que é isso Xuxu? Você é praticamente


parte da família, negar uma coisa banal destas
seria ignorância de minha parte. -respondeu o
SR Martinz, de uma forma doce, gentil, porém
realista. Já que ele realmente o considerava
como parte de sua família. E como é em uma
família, ás vezes é melhor deixar eles irem.

— Tchau, capitão.

—Tchau Xuxu.

Xuxu estava tão emocionado que ronronou,


abraçou o capitão, e foi-se embora.

Não havia como não dizer que Xuxu não era


apegado a aquela família, mesmo não sendo
sua única.

Xuxu era realmente afetuoso com aqueles


marinheiros, assim como era com seus amigos

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da gangue, aos quais ele queria rever e lhes
dar peixes suculentos que ele havia
conseguido pegar.

Por mais que fossem peixes pequenos,


matavam a fome. E a fome era um dos fatores
com quais seus amigos, (e até ele de vez em
quando) mais sofriam. Tal como o frio
congelante de New York.

Foi difícil pegar um trem para voltar a


Manhattan, mas Xuxu acabou conseguindo
um, por milagre.

Ao chegar na região do Distrito 13, ele reparou


que a vizinhança estava muito quieta, e que
provavelmente Manda-Chuva não estava no
beco.

Por sorte, perto do Beco do Hoagy ficava um


quartel de bombeiros, ao qual haviam alguns
colegas de Xuxu.

Xuxu imediatamente interrogou um de seus


colegas, em específico um de cabelos castanho-
alaranjados e semblante brincalhão:

— Olá, Zeca. Você sabe o que aconteceu para a


vizinhança ficar tão quieta de repente? Estou

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procurando por meus amigos, você sabe,
outros gatos.

Seu colega então o respondeu, com um leve


tom de ironia e sarcasmo:

— Se esta vizinhança está quieta para você,


então a panela de pressão do João está muda,
Hahahaha. Mas respondendo sua pergunta; eu
vi um certo gato amarelo de chapéu, ao qual
você deve saber muito bem quem é.

—Ok, isso já me é o suficiente. – respondeu


Xuxu, grato pela resposta de seu colega.

— Mas onde você o viu? E onde ele está


agora?

O colega respondeu, com um tom de deboche


sobre a “lerdeza” de Xuxu:

— Agora a pouco ele estava aqui, procurando


por você, aliás. E quer saber de uma coisa?
Ainda está, Hahahaha.

— O que? Como se eu não o vi? – perguntou


Xuxu, confuso sobre a situação.

— Você não o viu porque você é desatento,


amigo. Ele está jogando conosco, oras bolas. -

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respondeu Zeca, rindo da cara de Xuxu, o gato
amarelo? Idem.

— Poxa chefe, você se esconde justo na parte


onde está com a janela fechada? Aí eu não te
vejo de longe mesmo! -respondeu Xuxu,
indignado com seu líder.

Mas o gato de olhos dourados apenas ergueu a


sobrancelha e soltou uma risada de sua boca,
até que parou de rir, e se recompôs para
responder, mas ainda com um tom de riso:

— Não seja tão esfarrapado nas desculpas,


Xuxu. É fato que o lado fechado da janela
ajudou um pouco para que você não me visse,
mas na verdade você não me viu porque você
já é lerdo de nascença mesmo, hahahaha.

— Hunf, agora está explicado o porquê de o


beco estar quieto, você estava jogando no
quartel de bombeiros! -respondeu Xuxu, um
tanto mal humorado, e com razão; mal chega e
já é alvo de piadinhas.

—Ei, acalme-se Xuxu. -disse Manda-Chuva,


com o mesmo tom suave e persuasivo que

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usava para ludibriar os outros, mas dessa vez,
era para acalmar Xuxu:

— Eu estava procurando por você antes de


começar a jogar com os bombeiros, e aliás,
obrigado por ter vindo, já não era sem tempo.

— O que você queria comigo? -perguntou


Xuxu, agora mais calmo e interessado em
conversar com o seu líder.

Manda-Chuva, sem medir as palavras,


respondeu com indiferença:

— Bem, tecnicamente agora eu não preciso


mais de você.

Xuxu se sentira paralisado, e sua mente


paranoica vagava em cima de uma simples
frase.

Seu líder não o queria mais? Depois de anos


trabalhando para ele, ele seria “despedido?” A sua
vinda para Nova York havia sido inútil?

Estes e outros pensamentos absurdos


andavam pela cabeça paranoica do gato
siamês. Mas, uma hora ele pode se recompor
dos pensamentos horríveis que invadiam sua

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mente, e decidiu dialogar com Manda-Chuva,
para entender melhor a história. Mas ainda
com aquele choque de antes, lhe perguntou
sem pensar:

— E-eu...sou inútil para você?

— Posso continuar falando ou você


interromperá mais uma vez? – disse Manda-
Chuva, de uma forma seca e direta, para calar
Xuxu.

— Ah...não, pode continuar- respondeu Xuxu,


envergonhado pelo ocorrido.

— Agora eu não preciso de você, mas quando


os rapazes voltarem, talvez você acabará
entrando no plano, se eu o montar primeiro,
óbvio. – respondeu Manda-Chuva.

Xuxu ficara aliviado com a resposta, mas


ainda queria saber se Manda-Chuva precisou
dele enquanto ele estava fora ou não.

Mas antes que ele perguntasse, Manda-Chuva


respondeu, com um tom sério, porém não
agressivo:

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—E sim, cedo eu precisava de você, mas você
estava ausente, então eu vim te procurar aqui.
Mas agora que você chegou, não tem que fazer
mais nada enquanto os rapazes não
retornarem.

Xuxu ficou feliz por saber que a ideia de ele


ser “despedido” era apenas uma paranoia de
sua cabeça, e não a realidade do momento,
mas sentiu-se mal por não estar presente
quando o seu líder precisou dele:

— Eu sinto muito por tê-lo deixado na mão...

— Não precisa vir com sentimentalismo para


cima de mim, Xuxu, eu sei que você tinha
outros compromissos. E ademais, estes dias
que você ficou fora não me afetaram muito,
exceto hoje.

Xuxu ergueu a sobrancelha, confuso:

— Eu não te fiz falta?

Manda-Chuva respondeu de uma forma


brincalhona, sabendo que Xuxu havia o
interpretado errado:

— Economicamente não, bobo. Hahaha

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Xuxu havia ficado feliz com a resposta de seu
líder, afinal ele se importava, e Xuxu sabia
disso, não é de se admirar que ele levou um
choque ao saber que ele “não fazia falta”.

— Então você sentiu a minha falta, M.C? -


perguntou Xuxu, mesmo sabendo qual seria a
resposta que ele receberia.

— É claro, Xuxu. Você é como meu chapéu;


não vivo sem, e tem uma longa história
comigo.

Xuxu sentiu-se tocado com aquelas


palavras:

— Você se expressa maravilhosamente,


Manda-Chuva. -E soltou-se um sorriso
genuíno em sua face.

Manda-Chuva também ficara tocado pelo


elogio, mas como ele era muito brincalhão de
vez em quando, respondeu á Xuxu com um
tom de sarcasmo:

— Sei disso, eu poderia até ser poeta... imagine


lá na TV: “Depoimentos do Poeta Manda-
Chuva”.

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— Hahaha! Você é uma figura, M.C.

E isso foi o bastante para aquele silencioso


quartel de bombeiros se tornasse um quartel
de risos naquele momento. Até que depois de
alguns minutos de riso, João cortara a
conversa:

— Olha, sei que a conversa está muito boa,


engraçada e tudo mais, mas alguém aqui quer
chá?

Xuxu percebeu que seu chefe estava um pouco


calado e o induziu a responder o velho
bombeiro:

— O que você acha, M.C? Você quer?

— Não, obrigado. Temos que sair daqui para


ver as informações que os rapazes
conseguiram, lembra-se? -disse Manda-Chuva,
alertando Xuxu e seus colegas.

— Oh sim, me lembro... -respondeu Xuxu,


envergonhado por ter esquecido algo tão
importante.

Eles realmente teriam que ir embora,


mas como Xuxu e Manda-Chuva eram sujeitos

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educados e cultos (ainda que pobres), se
despediram com estilo, com ambos falando em
uníssono:

— Bem, nós já vamos. Adeus ilustres


bombeiros, mas temos que fazer o que vocês
fazem todos os dias: SALVAR O MUNDO!

E saíram de lá, como se nada tivesse


acontecido.

Zeca, piadista como sempre, respondeu a


aquela cena que ele havia visto com uma
piadinha:

— O Xuxu tem uns amigos doidos, não?

Ao saírem de lá, do quartel dos bombeiros,


Xuxu e Manda – Chuva se depararam com o
beco cheio. Coisa que não estava antes.

E o gato Bacana havia trazido um bloco de


anotações ao qual de longe dava para ver que
estava cheio de anotações, o que indicava que
eles tinham conseguido muitas informações.
Mas só para conferir, Manda-Chuva quis
perguntar sobre o caso para os amigos, louco
por uma resposta.

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— Bem, rapazes, conseguiram alguma
informação dentro da delegacia?

Espeto, atrevido como sempre, já o respondeu,


com sua cabeça e bigode erguidos:

— Ô xenti chefe, eu descobri cada “babadão”,


que você nem vai acreditar.

—Parece que você fez um bom trabalho,


Espeto. -brincou Manda-Chuva.

— Ô xenti, obrigado “papai”. -disse Espeto,


vangloriando-se.

Xuxu então interrompera conversa, para que


não esquecesse depois o que ele queria dizer:

— Mudando de assunto, algum de vocês quer


peixe? Eu pesquei vários! - disse Xuxu,
enquanto desatava o nó da sacola.

Os 5 gatos ficaram maravilhados vendo


aqueles peixes, estavam com água na boca.
Até mesmo o Gênio, o qual tinha paladar
fraco, ficara maravilhado...

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— Certo, primeiro comeremos, e depois
falaremos sobre a investigação de vocês. -
ordenou Manda-Chuva, lambendo os lábios.

— Sua ordem será seguida, senhor! Tô cheio


de fome! -disse Batatinha, com seus “olhos de
botão” brilhando por aqueles peixes, e
boquiaberto.

— Mas não se esqueçam do que eu conversei


com vocês, certo? -disse Manda-Chuva,
alertando os colegas.

— Certo, M.C!

E assim foi feito, os gatos foram comer.


Pegaram as tampas de suas latas, e as usaram
como bandejas para comerem os peixes.

O almoço deles estava bem barulhento, pois os


gatos não paravam de agradecer a Xuxu pela
comida. Bem, ao menos não eram ingratos.

Até mesmo o próprio Manda-Chuva, que era


meio áspero de vez em quando com seus
colegas, mesmo sem querer, agradeceu muito
a Xuxu pelos peixes. Ainda que fossem só um
para cada. Mas eram muito gostosos, e já
compensavam muito.

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— Obrigado pelos peixes, Xuxu.

— D-de nada chefe... -disse Xuxu, um pouco


tímido, por sentir uma forte emoção pelo
elogio de Manda-Chuva.

— Vamos, pare de ser tímido comigo, Xuxu,


você sabe que é um dos meus melhores
homens. -disse Manda-Chuva, que apesar de
estar falando em tom leve, ele estava sendo
sincero.

— É sério? Poxa chefe, isso significa muito


para mim. -disse Xuxu, sorridente, mas com as
bochechas rosadas. Nessas horas é bom ser da
cor rosa, para disfarçar a vergonha.

Mas mesmo assim, Manda-Chuva percebeu,


pôr o conhecer há muito tempo, e reagiu
brincando com ele, como sempre:

— Ora, ora. Me parece que o vice-líder do


Hoagy se tornou um tomate felino!

Ao soltar aquela frase, o beco foi contagiado


por sons de riso, até que Manda-Chuva
interrompesse os risos:

— Agora calem-se e comam, rapazes!

37
Capítulo
III:
Revelações
Policiais e
sentimentais

38
39
Depois de terminarem a refeição, os gatos se
reuniram em volta de um caixote, onde
Manda-Chuva sempre subia cada vez que ele
fazia suas reuniões.

Eles estavam prontos para discutir sobre o


caso.

— Bem, o que vocês nos têm a dizer? -


perguntaram Xuxu e Manda-Chuva em
uníssono, que ao perceberem que falaram ao
mesmo tempo, ficaram um tanto “sem-graça”.

Bacana respirou fundo, e falou, em um tom


decepcionado:

— As coisas não estão boas para o nosso lado,


para falar a verdade, estão péssimas...

— Novidade, não? -disse Manda-Chuva, com


um tom sarcástico, por não estar surpreso com
a afirmação de Bacana.

Xuxu revirou os olhos, por já estar farto destas


situações, mas depois recuperou a compostura
e perguntou, em um tom sério:

— O que aconteceu dessa vez? Pode contar,


que eu e o chefe tentaremos resolver.

40
Bacana ficou tocado e orgulhoso com a
compaixão de Xuxu, mas ainda desanimado,
pois sabia que a situação poderia ser
complicada demais para ele resolver.

Mesmo assim, ele o respondeu:

— Não sei se podem mesmo resolver isso, mas


está tudo bem. Em resumo, a polícia está nos
caçando.

— Ah, o velho M.C já lidou com isso várias


vezes. -brincou Manda-Chuva.

— Porém, dessa vez é algo sério. Estão


querendo nos expulsar de cá. Disseram que
somos uma ameaça para a sociedade!

-disse Bacana, ainda chocado com o que


escutou há horas na delegacia.

Manda-Chuva ergueu a sobrancelha:

—Hã?

— Sim, o Sargento usou exatamente estas


palavras. -respondeu Bacana, dando de
ombros.

— ISSO É UM INSULTO A NOSSA ESPÉCIE!

41
— De fato, nem o próprio Guarda Belo
concordou com a atitude dele, e agora querem
demiti-lo por isso -disse Bacana, sendo irônico.

— Isto é sério? -perguntou Manda-Chuva;


surpreso, mas não tão surpreso assim com o
relato de seu amigo.

Espeto então cortara o diálogo:

— Claro, ô xenti, deu uma confusão na


delegacia que tu nem imagina.

Naquele momento, uma luz se abrira na mente


de Xuxu, que logo bolou um plano e o sugeriu
para seus amigos:

— E se nós fizermos ele se aliar a nós?

Manda-Chuva arregalou os olhos.

— Aliar? Duvido. Você sabe que apesar de ele


ter um coração mole ele é muito certinho,
Xuxu. Jamais se aliaria a nós. E eu não o culpo
por isso, afinal o trabalho policial é o “ganha-
pão" dele.

— Mas não ouviu o que Espeto lhe disse? -


perguntou Xuxu, enfrentando o seu líder.

42
— Não sou surdo que nem o Gênio, apenas
estou sendo realista.

— Quem é Bruno? -perguntou Gênio, sem


entender o que estava acontecendo.

Manda-Chuva respirou fundo para não perder


a calma com a intromissão de Gênio e lhe
respondeu, falando com clareza para que ele
escutasse e prestasse atenção:

— Esqueça isso rapaz, não pense muito se não


vai te dar enxaqueca.

— Então tá. -respondeu Gênio, ainda sem


entender muita coisa.

Xuxu, sabendo que não iria conseguir


persuadir Manda-Chuva facilmente, abaixou
sua cabeça e perguntou ao seu chefe, com um
tom de derrota;

— Mas então o que você sugere que façamos?

Manda-Chuva, tentando esconder seu


semblante triste, respondeu a seu melhor
amigo:

— Acho que vocês não poderão mais ficar


aqui.

43
Todos os gatos naquele momento entraram em
estado de choque;

— S-seremos...desalojados?

Manda-Chuva murchara as orelhas;

— Creio que infelizmente sim.

— ISSO É INJUSTO! TEMOS QUE LUTAR


PELOS NOSSOS DIREITOS! -disse Xuxu,
furioso por completo.

Manda-Chuva concordava com o


posicionamento de seu amigo, mas no fundo
ele sabia que seria impossível realizá-lo, e ele o
falou de forma dura, porém realista sobre a
hipótese;

— Que direitos? Na hora dos direitos, a


sociedade nos vê como nada além de gatos.
Mas na hora de penalizar...somos idênticos aos
humanos perante ela. Senão, monstros.

Todos os gatos ficaram de orelhas e bigodes


murchos depois desse discurso, pois no fundo
sabiam que era a dura e triste realidade dos
felinos naquele mundo frio e cruel. Isso os
fizera entrar em prantos.

44
Manda-Chuva, tentando animar seus amigos,
recuperou a compostura (apesar de não se
demonstrar deprimido antes) e lhes disse, em
tom autoritário:

— Vamos, rapazes. Parem de chorar! Eu sei


bem o quanto a vida é dura para nós, mas não
podemos nos deixar abalar, nós apenas temos
que tolerar a realidade, porque gostar ninguém
gosta, e mudar ninguém pode.

— Desculpe-nos.

Manda-Chuva sorriu:

— Vocês não precisam ser perdoados por


nada, rapazes. Mas pensem comigo, se cada
um de nós se for para um lugar diferente, não
sofreremos tanto quanto se estivéssemos todos
no mesmo distrito; o distrito que nos considera
uma ameaça.

— Mas como saberemos para onde ir? E


como? -perguntou Bacana.

Manda-Chuva já estava com a cabeça quente


de tudo que passara naquele dia, para planejar
alguma coisa, então os respondeu:

45
— Veremos isso amanhã. Podem voltar para
os seus outros afazeres, rapazes, eu irei
descansar um pouco.

— Certo, chefe, faremos isso.

4 dos 5 gatos se foram, mas um permanecera


ao lado de seu chefe. Era Xuxu, e ele se
escorou no ombro de seu líder e o mesmo
ronronara para ele.

Manda-Chuva, estranhando o comportamento


de Xuxu (que embora o carinho e afeto fosse
comum entre os dois, a desobediência não era)
lhe perguntou:

— Por que você não me obedeceu? Eu lhes


disse para saírem do beco. Vá visitar alguma
família sua, ajudar os bombeiros ou algo do
tipo.

— Só depois que eu passar meus últimos dias


com você, M.C. Você vai deixar que eu durma
com você? - perguntou Xuxu, movimentando
a cauda de um lado para o outro.

Manda-Chuva deu um doce sorriso a seu


amigo, e lhe respondeu:

46
— Está bem. Eu não iria aguentar ficar
totalmente sozinho de qualquer jeito.

— E eu não larguei os marinheiros para depois


ter que voltar para eles. -brincou Xuxu.

— Sei disso, amigo. Você se apega facilmente


aos outros, não me admira que você tem tantas
famílias, hahaha. -brincou Manda-Chuva de
volta, embora ele não estivesse mentindo
sobre o que disse.

— Ei! -retrucou Xuxu, franzindo a sobrancelha

Mas Manda-Chuva, espirituoso como sempre,


lhe respondeu com alegria:

— Mas é verdade, amigo. Você é mil coisas e


tem mil famílias, hahaha. Sabe, ao mesmo
tempo que você é a mascote dos bombeiros,
você é a mascote dos marinheiros, meu
sucessor, vice-líder do Hoagy...

— E ainda assim sou tachado de vagabundo...


-disse Xuxu, com as orelhas murchas.

Manda-Chuva, percebendo que sua fala


inocente o havia entristecido, respirou fundo e
colocou sua pata na blusa branca de Xuxu, e

47
disse, embora de forma desanimada que o
Xuxu não estava sozinho em seus problemas

— Todos nós somos, amigo.

— Sei disso, M.C. Mas quando se é como eu,


os problemas doem mais ao meu coração.

-disse Xuxu, tentando desviar o olhar para que


seu amigo não o visse com o cenho triste, mas
Manda-Chuva vira a sua expressão mesmo
assim.

Ao ver seu amigo em estado trêmulo e quase


choroso, ele então descera de sua lata de lixo e
deu-lhe um beijo em sua testa, enquanto
acariciava suas orelhas; “Isso o acalmará”,
pensava.

— Olhe Xuxu, Você sabe que eu também sou


repleto de problemas. Você me conhece bem,
você não só sabe de todos os meus problemas,
como também sabe que eles me ferem muito
diariamente, como você. Mas eu sei aturá-los,
e não deixar que me afetem.

48
Xuxu, agora com sua compostura recuperada,
olhou para Manda-Chuva com um doce
sorriso e seus olhos brilhando, e lhe disse de
forma sincera:

— Sabe M.C, eu gostaria de ser


emocionalmente resistente como você. Você
sofre tanto, mas quase nada te transtorna, mas
quanto a mim, eu sou o oposto. Sou muito
emotivo.

Manda-Chuva voltara a acariciar as orelhas de


Xuxu e lhe disse, com um tom brincalhão:

— E eu sei muito bem disso. -e piscara.

— Como consegue lidar com eles sem afetar


seu emocional? – perguntou Xuxu, desviando
da pata de Manda-Chuva que estava em suas
orelhas.

Manda-Chuva apenas moveu os cotovelos


para cima e para baixo, e respondeu a Xuxu,
tentando demonstrar indiferença (mesmo com
seu tom de voz soando irônico):

— Sei lá, provavelmente do mesmo jeito que


você consegue saber quem é quem no corpo de
bombeiros, haha.

49
Então naquele momento, a expressão de Xuxu,
que antes estava “feliz de forma mediana”, se
convertera em um estado de levantamento de
sua bochecha e de seus bigodes, até que ele
não conseguira mais segurar, e soltou o seu
alto riso, antes preso na garganta:

— Ah, M.C... você não existe, amigo. Hahaha!

E outro que havia sorrido depois era o próprio


Manda-Chuva, o qual sentia-se feliz por ter
animado de vez o seu amigo cor de rosa.

— Mas falando sério, como você consegue


lidar com tudo isso? A pressão e
responsabilidade de ser um líder, a saudade
de sua casa, os problemas com a polícia, os
problemas de moradores de rua, e...

Manda-Chuva estufou o peito e lhe respondeu


com orgulho:

— Apenas duas palavras, meu caro rosinha,


persuasão e aceitação.

Xuxu não havia compreendido o que aceitação


tinha haver com “ser casca grossa”, mas já
pediu uma resposta sobre o caso para seu
líder:

50
— Aceitação?

Manda-Chuva então engrossara sua voz e se


preparou para responder seu amigo, se
vangloriando de como ele fazia sua vida ficar
fácil. Apesar de que por dentro, ele sabia que
mesmo assim não era fácil quanto ele
demonstrava, e ele sentia-se mal por isso.

— Aceitar que quando se é pobre, sua vida


nunca será fácil, especialmente se você for um
“Felis catus não-doméstico”. E aceitar que tem
como você driblar a mesma, ainda que não por
completo. E então assim, sua vida nas ruas
será menos pior.

Xuxu ficara tocado com as palavras de seu


líder, pois apesar de ele dizer elas com um tom
de glória, ele sabia que elas eram realistas e
trágicas;

— Sabe, chefe...eu nunca conheci um gato tão


inteligente quanto você.

Manda-Chuva apenas erguera as bochechas e


lhe respondeu de forma sincera:

— Eu conheci um.

51
Xuxu erguera a sobrancelha em confusão;

— Quem?

— Você, rapaz! Você devia trabalhar em


Hollywood, haha. Você é tão rei de persuasão
e atuação como eu, embora talvez você não
perceba isso.

Xuxu havia corado com o relato. Sempre que


Manda-Chuva o elogiava ele já sentia uma
sensação estranha, como borboletas no
estômago.

Mas por que, se estava sendo elogiado pelo


gato casca grossa do beco? Bom, nem ele sabia,
e se sabia não conseguia definir o que era, mas
uma coisa era fato; ouvir elogios de um gato
casca grossa é realmente estranho, mesmo que
você o conheça por anos.

Mas Xuxu não dera muita atenção a coisa


estranha que ele havia sentido, e ele e Manda-
Chuva simplesmente encerraram a conversa
após isso, mesmo Xuxu ainda não se
considerando tudo que seu líder lhe falou,
pois ele era tão deprimido que não conseguia

52
sentir ou enxergar suas habilidades, e focava
mais em seus defeitos.

E realmente, é difícil acreditar que se pode ser


“lerdo”, mas inteligente e persuasivo ao
mesmo tempo, sendo ou não alguém
deprimido.

Manda-Chuva, tentando quebrar o silêncio,


perguntou a Xuxu sobre o que ele tinha em
mente para o amanhã:

— Então...qual são seus planos?

— Planos para que? -perguntou Xuxu,


confuso.

Manda-Chuva então clarificou a pergunta:

— Você sabe, planos para onde você irá depois


de nosso “despejo”. Onde você planeja ficar?
Você tem várias opções, amigo.

Xuxu, de orelhas murchas e confuso por


completo lhe respondera, desanimado:

— Não sei aonde eu irei, M.C... é complicado


para mim pensar sobre isso agora.

53
Manda-Chuva sentiu-se familiarizado a seu
amigo e então o respondeu, com suas
sobrancelhas no centro de sua testa e um
sorriso:

— Te entendo, amigo. Eu também não estou


com cabeça para isto hoje, vamos decidir isso
amanhã, está bem?

Xuxu acenara com a cabeça se movendo em


concordância:

— Aham.

— Parece que estamos quites, amigo. -brincou


Manda-Chuva.

— Vai dormir essa noite aqui, amigo?

Xuxu novamente fez aquele aceno com a


cabeça;

— Aham.

Manda-Chuva então agarrara a tampa de uma


lata de lixo próxima a dele, retirou-a, e a
revirou em busca de algo para aquecer Xuxu,
com a expressão um tanto envergonhada, pelo
fato da lata estar uma bagunça:

54
— Está bem, verei se tem um cobertor ou um
tapete sobrando por aqui.

— Ora, M.C, não precisa se preocupar com


isso, minha blusa branca já me aquece bem -
brincou Xuxu, com a atitude de Manda-
Chuva, que apesar de fofa chegava a ser
cômica.

Manda-Chuva, mesmo sabendo que seu amigo


não fazia questão de um cobertor, franziu a
testa e retrucou enquanto procurava, com sua
coluna curvada:

— Deixe disso Xuxu, estou sendo hospitaleiro


contigo, devia me agradecer.

Xuxu apenas riu da reação de seu chefe (e


situação, pois a posição curvada dele estava
hilária), e o respondeu de forma calma:

— Sim M.C, mas isto não é necessário chefe.


Posso dormir bem sem um...

Então a voz de Xuxu fora interrompida pela


de seu líder:

— Acheeeei! Sabia que estava perto das cartas!

55
Xuxu sentiu uma sensação estranha na
garganta e engolira em seco, ele sabia do que
Manda-Chuva estava falando.

—C-cartas, M.C?

Manda-Chuva então respondera com um


olhar semicerrado e sério, embora sabendo
que o Xuxu já sabia do que se tratava, por ser
seu amigo mais íntimo;

— Sim, Xuxu. Você sabe, cartas que eu recebi


da Myra...

— Sim, eu sei. Pretende ficar com ela após o


desalojamento? -perguntou Xuxu, querendo
saber os planos de seu líder.

— Não sei... tenho mil motivos para revê-la, e


mil motivos para não fazer isso. (Ver Big Golden
Book of Top Cat) Embora eu adorasse revê-la e lhe

dar um grande abraço, como fiz com a minha


vozinha há um bom tempo, (ver hqs) eu não sei
se seria uma boa ideia. Já foi difícil lidar com o
Sheldon daquela vez.

Xuxu, percebendo que o seu chefe estava


começando a ficar meio melancólico, o que era

56
algo surpreendente de se ver, sorriu e o
consolou com suas palavras:

— De fato. Também não sei com qual família


eu ficarei nesse tempo, sendo de sangue ou
não. Mas por enquanto, me manterei aqui,
com você.

— Você é um bom amigo, Xuxu. -disse


Manda-Chuva, piscando para seu amigo.

Xuxu fez uma expressão fofinha e disse:

— De nada, M.C.

— Mas enfim, você vai ou não vai querer ficar


com esse cobertor? -disse M.C, acidentalmente
cortando as palavras de Xuxu.

— Vou deixá-lo próximo de mim. Vai que eu


precise?

Manda-Chuva fez um olhar semicerrado e


sorriu para Xuxu;

— Amo a sua prudência, rapaz.

E ambos foram para dentro de suas latas de


lixo tirar um cochilo, pois o amanhã seria bem
longo e complicado.

57
—Boa noite, M.C.

— Boa noite, Xuxu.

Então os dois bocejaram e caíram no sono,


como se eles nem estivessem dormindo em
frias latas de lixo, e nem era tarde o suficiente
para que eles desmaiassem de sono em apenas
segundos, mas mesmo assim isto acontecera.

E enquanto isso, Belo voltava de seu trabalho a


caminho de sua casa, quando se deparou com
a imagem daqueles gatinhos num sono
profundo, com suas cabeças cobertas pela
tampa de suas latas de lixo e agarrados em
seus cobertores, os quais ele os dera de
presente uma vez.

Ele não pôde não se emocionar com aquela


visão; “E pensar que é isso que a polícia
considera ameaça para a sociedade...”
pensava.

Ele então sentira uma dor no peito, não só por


assistir aquela situação, mas também por
perceber que estava com o coração
amolecendo demais para aqueles gatos aos
quais devia fazer o seu trabalho prendendo-os.

58
É difícil fazer o seu trabalho como polícia
quando você é compassivo com os criminosos,
não porque você aprova as atitudes deles, mas
sim por saber o motivo delas.

Belo, como era policial há mais de uma


década, já viu de tudo no décimo terceiro
distrito, desde simples charlatões como a
turma do Manda-Chuva, a assassinos
sanguinários de sangre frio, que, no entanto,
eram menos comuns que simples bandidos,
mas uma coisa ele sabia, os motivos para
aquelas pessoas entrarem no crime variava.

No caso dos motivos de Manda-Chuva,


embora ele não soubesse a história completa,
eram motivos compreensíveis, mas que ele
não parava muito para pensar sobre.

Aqueles gatos definitivamente não eram


ameaças ou tinham motivos movidos a
psicopatia, e ele já conhecera criminosos assim.

Embora Manda-Chuva fosse o criminoso que


mais desse trabalho para a delegacia, ele era
sem dúvidas um dos mais inofensivos, e ele
sabia disso.

59
Duílio e Mahoney também compartilhavam a
mesma opinião que Belo (ainda que Mahoney
falasse em forma de sátira que Manda-Chuva
era um gato diabólico [ver episódio 16]), mas não
podiam demonstrar isso na frente do sargento
ou de seu sobrinho, Bráulio, caso contrário, o
pior aconteceria a eles.

Seu primo Patrício, também conhecido como


“Pedro” também gostava muito daqueles
gatos, ainda que o tivessem passado a perna
uma vez, por ser um homem bem compassivo.
(ver episódio 13)

Porém, Belo em si hesitava em recusar


defender os felinos, a defende-los, pois sabia
das consequências de ambos. Belo vivia em
uma constante briga interna consigo mesmo
em seguir o seu cérebro ou coração.

Mas sabendo que era melhor não pensar muito


sobre isso e esperar até o amanhã, assim como
os 2 gatos ele foi para sua casa, repousar, mas
ainda pensando sobre o assunto.

E os outros 4 gatos fizeram o mesmo,


acabaram dormindo em um telhado quando
ficaram cansados de andar pela rua.

60
CAPÍTULO
IV: o
DESPEJO

61
62
Depois de ter passado uma longa noite no lar
de seu líder, Manda-Chuva, Xuxu percebera
que Manda-Chuva estaria melhor se ele fosse
em algum lugar com ele, pois não gostava de
ficar completamente isolado.

Mas ele também sabia que ele tinha seus


motivos para não ir com ele. Manda-Chuva
era um gato difícil de compreender. Mesmo
assim, Xuxu ainda insistira:

— Tem certeza que não quer ir comigo, M.C?

Manda-Chuva o respondeu com indiferença:

— Eu não tenho certeza.

— Nem se eu fosse ficar com os Martinz? -


perguntou Xuxu.

Manda-Chuva engolira em seco e murchara a


orelhas, com arrepio e aversão ao mesmo
transparecendo em seu rosto ao mesmo
tempo:

— Você sabe que eu morro de medo do mar,


amigo...

63
Xuxu então respondeu brincando, sem reparar
no rosto de Manda-Chuva para falar sobre
com cautela:

— Qual é M.C? Você fala como se o Capitão


fosse colocar você num saco amarrado e te
jogar no mar para morrer afogado, haha.

Após dizer estas palavras, os olhos de Manda-


Chuva arregalaram e suas orelhas, ainda
baixas, começaram a tremer...

Xuxu percebendo que tinha deixado a


conversa mais dura e pesada, murchou os
bigodes e calou-se.

Mas não durou muito tempo, pois ele ainda


voltou a abrir a boca para falar, mas desta vez,
não era sobre o “assunto marinho” de Manda-
Chuva, pois conhecendo M.C, ele sabia que
isso o podia lhe dar gatilhos de trauma e
tristeza, então deixara sua expressão mais
amigável e fez uma pergunta ao Manda-
Chuva:

— Desculpe-me por isso, amigo. Mas você


sabe para onde os rapazes irão se mudar por
esse tempo?

64
— Bem... eu sei que o Batatinha irá para a casa
de sua mãe, como ele sempre faz desde que ela
o visitou pela primeira vez. (ver episódio 8)
Aparentemente, agora, toda vez que tem um
problema ele vai correndo para lá nem que
seja de trem, hahaha.

Xuxu acenou positivamente com a cabeça, mas


logo depois perguntou a M.C:

— Mas e o resto?

— Bem, Espeto e Gênio irão com o Tony até o


seu país natal, ou seja, para bem longe daqui.
Disseram que pelo fato de o Tony ser bem
amigável e eles sempre terem desejado ser
pets por um tempo, foi uma boa escolha. A
desvantagem é que terão que aprender a falar
italiano fluente, hahaha. -disse Manda-Chuva

Xuxu soltara um simpático riso:

— Ah, isso vai ser bom para o Gênio, ele


precisa exercitar melhor aquele cérebro dele.
Afinal, o mais impressionante é que ele é não é
um gato burro, apenas debilitado. Quando ele
consegue, ele diz coisas geniais!

65
Manda-Chuva viu no momento uma
oportunidade para desabafar sobre suas
preocupações:

— E é por isso que eu tenho medo de deixá-lo


com qualquer um... o Gênio já é extremamente
debilitado, todos os seus 8 sentidos felinos
estão fracos, e ele sabe disso. Qualquer um
rapaz aleatório poderia piorar seu estado
deplorável atual. Mas eu conheço o Tony, ele é
um bom rapaz.

— Qual Tony? O da lojinha, ou o vendedor de


hot-dogs? (ver episódios 26 e 29) -perguntou
Xuxu.

Manda-Chuva apenas riu em pensamento


sobre a lerdeza de seu amigo tão inteligente,
mas logo em seguida respondeu, com um
genuíno sorriso e uma resposta positiva sobre
Tony;

— O vendedor de hot dogs, óbvio. Eu gostei


daquele velho senhor desde que bati meus
olhos nele, e pelo visto ele fez o mesmo, já que
deu “au-aus” para todos nós, haha. Aí eu lhe
pergunto, Xuxu, como não ajudar e salvar um
ser humano tão bom assim como o Tony?

66
Bom, foi o que fiz. Bom saber que o Gênio está
com ele.

— Oh sim, hihi. É que há tanta gente parecida


nesse distrito, hahaha. Como o “Pedroca”,
lembra-se dele? Ele se parece muito com o
Tony em praticamente tudo, uma doçura de
homem. -disse Xuxu, com um olhar nostálgico
por lembrar de seus momentos com Patrício.

Manda-Chuva então vira uma brecha para


debochar de Belo, como sempre:

— Uma doçura o tal Patrício “Pedroca” Belo,


não? Pena o primo dele não ter nem metade da
doçura dele, não? Hahaha.

Xuxu então erguera as bochechas com a fala


de seu líder, mas tentou segurar seu riso;

— Ei, M.C, não exagere. Mas você não está


completamente errado, hahaha.

Manda-Chuva simplesmente dera de ombros


para Xuxu, e respondera sinceramente em
seguida;

— Eu sei, o Belo é doce à forma dele. Embora


ele evite fazer isso.

67
— Mas e quanto ao Bacana? O que ele
decidiu? -perguntou Xuxu.

Manda-Chuva então o respondeu, com


incerteza:

— Bem, ele foi para a casa de uma de suas


namoradas que no momento não me recordo
do nome, mas é uma que mora bem longe de
New York, espero que eles não se matem.

-brincou Manda-Chuva

Xuxu apenas riu em resposta.

Manda-Chuva então perguntara a Xuxu, com


os olhos semicerrados e com uma tentativa
falha de tentar esconder o seu semblante de
tristeza;

— E você? Já se preparou para ir embora,


amigo?

Xuxu, percebendo a expressão de seu líder,


murchara as orelhas e lhe respondera com
sinceridade e angústia:

— Sim, M.C. Vai ser uma pena para mim ter


que deixá-lo, já que não quer ir comigo aonde
eu irei, mesmo não importando onde.

68
Manda-Chuva, vendo que Xuxu estava
começando a ficar melancólico, acariciou a
cabeça de seu amigo em forma de consolo e
lhe dissera, com um sorriso gentil;

— Não se preocupe com isso, rapaz. Não


importa em que lugar você estará, eu estarei
sempre pensando em você. Você sabe que é
uma parte importante de mim e minha vida,
mas não há necessidade de se preocupar
comigo, pois eu consigo sobreviver
fisicamente longe de você, com a condição de
que você permaneça vivo e bem, mesmo longe
de mim.

Xuxu ficara tão tocado com aquelas palavras


que deixou lágrimas escorrerem de seus olhos
até as suas bochechas, que haviam se erguido
de felicidade; e assim Xuxu esboçara um lindo
sorriso choroso para seu líder.

Então, ambos se abraçaram (tendo Manda-


Chuva sendo agarrado por seu amigo em
prantos) e após o longo abraço, despediram-se,
segurando a emoção do momento;

— Adeus, Xuxu.

69
— Adeus, M.C.

E assim ambos partiram para direções


diferentes, com suas malas nas costas. Para
que lugar iriam? Ninguém sabia. Mas eles
sabiam de uma coisa; a distância não irá nos
afastar, jamais. Pois o pensamento de um
sobre o outro continuava vivo, assim como
eles.

Xuxu não tinha a mínima ideia de para onde


seu líder iria, mas o mínimo que ele esperava,
é que fosse para um lugar melhor que o
Décimo terceiro distrito, pois lá já não era mais
terra de habitação deles, mas sim a terra de
perseguição por eles.

Xuxu em um momento pensara em dar adeus


para os seus amigos bombeiros, mas sabendo
que não seria uma boa cogitação voltar para lá,
falou para si mesmo;

— Eu os enviarei uma carta logo, assim como


farei com todos que me amam, incluindo o
M.C.

E foi-se embora, correndo para apanhar um


trem.

70
Enquanto isso, em um restaurante chamado
Macchiavel’s, lá estavam sentados dois
policiais da corporação de Pereira sem seus
uniformes a vista, pois estavam de folga. Eram
os oficiais Mahoney e Duílio a espera de sua
comida, e de um certo colega.

Mas enquanto ambos não chegavam, os dois


apenas debatiam, com seus rostos cheios de
indignação visível:

— Sabe, Marrudo? Eu não sou completamente


a favor do posicionamento do Sargento.
Durante todos esses anos, eu nunca vi
segregação e desrespeito a civis felinos maior
neste distrito do que a que foi implantada á
partir de ontem.

— De fato, Senhor Duílio. Mas é fato que eles


sempre tiveram os seus problemas com nossa
corporação, sempre foram segregados, não é
coisa atual.

— Eu sei, Marrudo. Eu não nasci ontem, e


trabalho na delegacia a muito mais tempo que
você e o Belo. Mas é fato que nada que vi
chega a superar o que vi ontem.

71
— De fato, considerar a turma do M.C como
ameaça é até plausível, mesmo eles só indo
atrás de seus “ganha-pão”, mas aplicar isso a
todos os civis felinos? Por sorte isto ainda não
chegou a outras regiões.

— Mas só o fato de ter chegado até a nossa, já


é preocupante. O pior é que nós como oficiais,
nem sequer podemos opinar sobre.

— Mas o que poderíamos nós fazer, Duílio?


Temos que viver apenas a risca de seguir a lei,
é assim que o trabalho policial funciona, com
nós gostando ou não.

— Nosso trabalho é proteger os civis,


Marrudo. E felinos não são legalmente civis
desde 1910? Pois bem, aparentemente, pelos
olhos sociais, eles só são civis na hora de
receberem punição e serem presos, pois em
cuidado eles são completamente ignorados. E
ninguém sequer presta atenção ou liga para
este fato.

— Ora, não iremos exagerar também, Duílio.


Não é algo tão radical quanto você diz, sobre
as punições, isso pode ocorrer a qualquer civil
humano, não apenas aos felinos.

72
Duílio então respirou fundo e respondera, sem
saber que logo seria interrompido:

— Escute, Marrudo, eu...

Enquanto Duílio falava, Belo se aproximava da


mesa do restaurante onde ele estava, e o
garçom também. Mahoney os viu e o alertara:

— Ei, olhe Duílio!

— Ora, ora, me parece que quando a comida


chega, o Belo também chega. -brincou Duílio

Então o garçom colocara a bandeja na mesa e


saiu, enquanto Belo se direcionava a seus
colegas.

Mahoney então acenara para ele:

— Ei Belo! O que faz aqui no restaurante?

— Só estou aqui de passagem. -respondeu ele,


de forma sincera.

Mahoney sorrira e respondera:

— Oh sim, entendo.

73
— A propósito, sobre o que estavam
conversando? -perguntou Belo, que adorava
uma fofoca, com os olhos arregalados.

Duílio, sabendo que estava falando de algo


polêmico, evitou dizer a Belo, por não ter
certeza de sua reação. Então ele desviara o
olhar e lhe disse de forma séria:

— Carlos, não estou querendo ofende-lo ou


algo parecido, mas... Isso é assunto entre eu e
o Marrudo. Não sei se você iria gostar de ouvir
sobre...

— Embora nós saibamos o que você fizera na


delegacia -brincou Mahoney.

Belo então naquele momento entendeu do


que se tratava, mesmo sendo em forma de
indireta.

— E sobre o sargento, não?

Duílio, percebendo que não havia escapatória,


o respondera acenando positivamente com a
cabeça:

— Aham.

74
— Já imaginava. Parece que eu não fui o único
chocado em relação ao caso. Com razão, o
coroa passou dos limites! Tomara que seja
apenas um de seus delírios e que logo passe. -
disse Belo, com raiva visível por parte do
sargento.

Só de pensar nele seu sangue já subia, sua


testa franzia, e seus dentes rangiam; “Oh,
como eu queria bater nele com gosto”,
pensava.

Duílio apenas levou as sobrancelhas ao centro


da testa, enquanto cortava o seu bife:

— Eu não creio que seja um delírio ou algo


temporário, embora eu gostaria que fosse. -e
enfiara a colher cheia de comida em sua boca.

Belo então retrucara, franzindo as


sobrancelhas:

— Ora, não dá para ter certeza absoluta sobre


isso.

Mahoney então falara por Duílio, enquanto ele


comia:

75
— Depois do que ocorreu com o Afonsio, nós
já temos certeza sobre a decisão do Sargento.

— Afonsio? Eu o conheço? -perguntou Belo,


confuso.

— Claro que o conhece, é o chamado


“Pafúncio” da delegacia, aquele que lhe
perguntara qual eram suas ideias para
melhorar o departamento policial pelo
telefone. (Ver episódio 10) -disse Mahoney,
tentando refrescar a memória de seu colega de
trabalho.

Naquele momento, Duílio, após ter engolido


parte de sua comida, engrossara seu tom de
voz e começou a falar sobre ele de forma mais
séria e detalhada que Mahoney:

—Ele, assim como eu, já é um oficial


aposentado da delegacia, que atualmente só
faz uns “bicos’’ para o sargento de vez em
quando. Mas, eu lembro-me das atrocidades
que ele já fez enquanto estava ativo no
trabalho comigo, a tal que pode ter
influenciado em seu acidente sofrido há duas
semanas atrás, o qual na minha opinião, foi
merecido.

76
E então, a partir daquele momento, enquanto
Duílio falava, sua mente se focava em suas
memórias antigas de forma detalhada,
lembrando perfeitamente de uma cena que
ocorrera no passado, quando Duílio ainda
estava em serviço;

— Eu lembro que eu estava patrulhando o


distrito com o Afonsio certo dia, quando de
repente eu pude ver dois gatinhos amarelos
bem jovens, correndo com um saco nas patas,
perto de uma ponte, que não era a do parque
com certeza.

O Afonsio, quando havia percebido que os


gatos estavam correndo, pegou um deles pela
pele frouxa do pescoço, enquanto o outro
fugira correndo com o outro saco. Ele então
abriu o saco que estava com o gatinho que ele
havia capturado, e ao tirar de lá os alimentos
que ele havia roubado, ele então o colocou
dentro do saco e o atirou para a ponte.

O jovem Oficial Duílio ao ver aquilo, ficara


chocado. Não por gatinhos tão jovens já
souberem executar roubos, mas pela tentativa
de assassinato do seu colega, que se julgava

77
um policial justo. Sem pensar duas vezes,
Duílio apenas franziu a sobrancelha, arregalou
os olhos e sentira sua cabeça ferver; “como eu
queria atirar esse infeliz na ponte também!”
pensava.

Então Duílio confrontara Afonsio frente a


frente.

— O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ


FAZENDO? QUAL É O SEU PROBLEMA?

Afonso apenas respondeu de forma que


transparecia indiferença;

— O que eu estou penso que estou fazendo?


Eu lhe digo, Duílio; o meu trabalho! Você sabe
que eu sou diferente dos outros policiais
frouxos e, portanto, sigo o Código Penal a
risca.

— E o seu trabalho consiste em punir civis


desarmados com a morte? Até onde eu sei só
se deve atacar um civil, ainda que delinquente,
se ele estiver armado. Está no Código Penal,
portanto, nesse momento eu lhe pergunto: se
você diz que segue tanto a risca o livro da lei,

78
por que ele não lhe serve para o lado pessoal?
Isso me soa hipócrita, rapaz.

Afonsio, irado, apenas fechara os olhos e


andara de cabeça erguida, com ódio e soberba
transparecendo em seu rosto pelo que Duílio
havia lhe dito.

Duílio, ao ver que o saco com o gatinho ainda


estava boiando no lago, mas ainda quase
afundando, resolveu ir até a parte mais rasa
debaixo da ponte, e pegá-lo.

Duílio então pegara a sacola onde estava o


gatinho, e desamarrou o seu nó, deixando o
gatinho respirar. O pobre felino estava tão
assustado e trêmulo que mal conseguia falar, e
o fato de ter entrado água em seu focinho
também não ajudava.

Mas Duílio, como o bom rapaz que ele era,


tentou acalmar o gatinho acariciando ele de
forma gentil, e o gato então ronronara, mesmo
que sua expressão continuasse paralisada por
conta do trauma. Mas não demorou muito
para que a sua expressão paralisada se
desmanchasse e ele esboçasse um sorriso para
Duílio.

79
Suas bochechas haviam se erguido só de
pensar em abraçar aquele oficial que o salvara,
mas o gatinho ainda estava com muito medo e
receio de fazer isso, ele era arisco, e depois do
ocorrido, obviamente que ele teria receio dos
humanos.

Não era ódio, apenas receio. O felino


realmente sentira muito amor para com o seu
próximo que o havia resgatado, mas ele sentia
receio de se abrir para ele.

Então, em resposta ao ato heroico do oficial de


cabelos castanhos, o gatinho apenas ronronou
novamente para o oficial, e depois calou-se,
quando ele parou de acariciar sua testa e
começou a falar, com um tom sério, mas com
uma face que transmitia compreensão:

— Sei que você provavelmente estava faminto,


menino. Mas há formas melhores de conseguir
comida do que roubando ela, pois o roubo tem
suas consequências penais, sendo elas justas
ou não. E que isso fique bem claro entre nós.

O gatinho apenas acenou com a cabeça,


envergonhado e com suas sobrancelhas no
centro de sua testa.

80
Duílio então sorrira com a fofura daquele
gatinho, e então suavizou seu tom de fala ao
falar novamente com ele:

— Se importaria se eu lhe desse um sanduíche


de patê de fígado e um copo de leite? Eu sei
que você está faminto.

O gatinho novamente apenas acenou com a


cabeça, só que dessa vez, com água na boca e
lambendo os lábios.

Duílio não pôde se segurar e apenas caiu na


gargalhada interna. A fofura daquele gatinho
o fazia rir. Então Duílio apenas o pegou com
suas mãos e o secou com o seu casaco, e então
o levou para sua casa.

No percurso até sua casa, ele havia percebido


que o gatinho ainda estava um pouco
amedrontado por estar sendo carregado até
um local que ele não conhecia, mas ao menos
ele não estava alvoroçado ou querendo
arranhar o oficial, apenas estranhando.

Duílio também reparou algo estranho nos


olhinhos do felino (e não era a sua expressão

81
assustada), mas ele preferiu apenas ignorar
isso.

Mas então as lembranças de Duílio começaram


a desaparecer de sua cabeça, ao ser cortado
por Belo, que ainda estava confuso com tudo
isso;

— Olha Duílio, isso eu já entendi. Mas estou


querendo saber o que aconteceu com ele
RECENTEMENTE e o que levou ao sargento a
tentar criar essa lei tão absurda.

Duílio, como o rapaz calmo que ele era, apenas


respirou fundo, e respondeu a pergunta de
Belo de forma calma, mas que lhe pudesse
prender a atenção;

— Bem, esses dias o Afonsio me disse que foi


atacado por um dos gatos do beco do Hoagy, e
algo me diz que foi o que ele tentou afogar há
alguns anos. Para falar a verdade, algo me diz
que seja o Manda-Chuva! Ambos os gatos são
amarelos e magros.

Belo, apesar de estar com uma expressão de


choque em sua face, por dentro já desconfiava
que o gato amarelo que Duílio mencionou em

82
que sua história, tinha algo a ver com o
Manda-Chuva que ele conhecia. Mas ainda
assim parecia ser algo improvável para ele,
Manda-Chuva nunca gostou de lutar corpo a
corpo com alguém, e Belo sabia disso, e então
bateu uma de suas mãos na mesa e retrucou:

— Olhe, Duílio, por mais que a sua hipótese


possa até ter um pouco de sentido, eu conheço
o M.C há muito tempo, e ele jamais atacaria
alguém com as próprias patas, ao menos que
realmente precisasse. E além do mais, há
muitos gatos amarelos nesse mundo além
dele. Conheci um parente dele uma vez que
era idêntico a ele!

Duílio apenas ergueu as bochechas e riu, mas


logo em seguida voltou ao seu estado sério de
antes:

— Sei disso, Belo. Mas há dois sinais de que os


gatos sejam os mesmos, e que eu não posso
ignorar. O primeiro é que o Manda-Chuva, ou
M.C, como você chama, pode ter tido um
choque de fúria e trauma ao olhar no rosto do
Afonsio, o que prova que os dois já tiveram
um mau contato antes.

83
— E o segundo? -perguntou Belo, com a
sobrancelha erguida.

— O segundo sinal eram os olhos daquele


gatinho, além de serem dourados como os de
Manda-Chuva, aquele gatinho tinha algo de
estranho no olho direito dele...ele me parecia
ser estrábico, mas não tenho certeza se ele
realmente era, ou apenas ficou com os olhos
assim após o que o Afonsio fez, mas de
qualquer forma, os olhos dele só mudavam de
posição por conta própria algumas vezes,
nunca muitas. O M.C também tem isso?

Belo engoliu em seco, ele havia lembrado


claramente de algo que ele percebeu em
Manda-Chuva em todos esses anos que teve
que lidar com ele; ele realmente tinha uma
espécie de “tique” no olho, mas ele sempre
preferiu ignorar isso. Belo então ignorou seus
pensamentos e voltara a realidade, quando
então respirou fundo, e falou em um tom sério
com Duílio, mas não tão sério, pelo fato de
Duílio ser mais velho que ele;

84
— Sim, ele tem. Mas não acho que seja algo
relacionado ao estrabismo, ele só fica desse
jeito quando está estressado ou com medo,
mas de qualquer forma, tenta controlar ao
máximo para que ninguém perceba. Sabe
como é o M.C, ele não gosta de dar muito o
braço a torcer...

Duílio apenas sorriu com a resposta:

— Então já é certo que os gatos são o mesmo,


ótimo saber disso, eu tenho muita coisa para
conversar com o Manda-Chuva.
Aparentemente, também deve ter sido ele que
atacou o oficial, e eu posso usar isto contra o
Sargento.

Belo então erguera a sobrancelha, ele não


havia entendido o que Duílio queria fazer, mas
como era curioso demais para ignorar, então
perguntou a ele:

— Ah, sei que posso parecer um tanto ridículo


ao perguntar isso, mas... como isso poderia ser
usado contra o Sargento? Se você já tem a
confirmação de que o M.C foi o mesmo gato
que atacou o oficial, isso não faria as coisas
piorarem para ele?

85
Duílio riu internamente da “lerdeza” de seu
colega, mas logo em seguida explicou o seu
plano, com um tom claro, calmo e
compreensivo:

— Sim Belo, no entanto, se eu associar o


ocorrido aos “podres” do cara, o favorecido
será o M.C, não o bendito “Pafúncio”.

No mesmo instante que Belo havia


compreendido a mensagem, ele então teve um
choque:

— Espere aí, você e o Marrudo estão a favor


do Manda-Chuva?!

— Nesse quesito, sim. -brincou Mahoney

“E eu que me sentia fraco e frouxo por sentir


compaixão por aqueles felinos, quando na
verdade, meus colegas tem o mesmo
pensamento e posicionamento que eu.” -
pensou Belo.

Duílio então sorriu para Belo e disse:

— Confie em mim, Belo, eu sei o que eu estou


fazendo, e eu estou do lado do M.C, ele é um
cidadão, e é meu dever protegê-lo.

86
Capítulo V: A
NOVA VIDA PARA
OS EX-GATOS DE
NEW YORK

87
A vida na Itália com o velhinho simpático
Tony estava sendo um paraíso para os
gatinhos Gênio e Espeto, pois além de gentil e
amante dos animais, Tony era um excelente
cozinheiro, fazendo os gatos se sentirem em
um trono de ouro na casa de Tony.

Mas infelizmente, os gatinhos não sabiam falar


italiano corretamente, o que os deixavam meio
perdidos fora da casa de Tony, eles inclusive
até recusavam comida quando algum italiano
oferecia, por não estarem familiarizados com o
ambiente da Itália.

Por outro lado, eles se sentiam muito felizes na


presença de Tony, principalmente Gênio, que
em menos de uma semana já se apegou ao
Tony.

Espeto, no entanto, tinha um certo receio


sobre se apegar demais ao Tony, pois ele não
queria se apegar e sofrer depois de um
possível abandono por parte de Tony.

Não porque ele achasse o Tony uma má


pessoa, mas sim porque ele já passou por um
abandono antes de conhecer o Manda-Chuva,
e graças a isso, ficou cético em relação aos

88
humanos, todavia, ainda continuava sendo o
mesmo Espeto festeiro e alegre de sempre,
(inclusive ainda continuava “encalhado”)
afinal, desconfiança e timidez não são
sinônimas, embora elas possam ambas se
fundir em uma pessoa.

Tony também percebia que Espeto, apesar de


ser um gato alegre e festeiro, não confiava
muito nos humanos, mas o importante é que
ele reconhecia o cuidado que Tony tinha com
ele e seu amigo, e ele era grato por isso.

Gênio era mais afetuoso que Espeto nesse


quesito, justo pelo fato de que ele era um gato
bem debilitado e carente, que precisava de
bastante cuidado e carinho, coisa que o Tony
tinha de sobra para dar para ele e para o
Espeto.

Haviam algumas restrições na casa de Tony no


entanto, uma delas era o fato de que eles não
podiam sair de casa depois das 22:00.

Para Gênio, que era um gato bem caseiro, até


mesmo quando vivia no beco, isto não era um
problema, mas para Espeto, que gostava de
festejar de noite, o hábito de não sair a noite

89
parecia ser bem difícil de se acostumar para
ele. Mas ele não poderia sair simplesmente
culpando Tony por essa restrição e dizer que o
Tony “prendia ele em sua casa”, pois Tony
tinha seus motivos para fazer isso.

Tony amava muito os seus novos gatinhos, e


se tratava de protegê-los a todo custo, logo,
deixá-los num horário aonde a rua se encheria
de todo tipo de criminoso estava fora de
cogitação, principalmente por parte do Gênio,
que ficaria completamente perdido naquele
ambiente.

E de fato, Tony não estava errado sobre isso,


afinal, quem em seu juízo perfeito deixaria um
gatinho quase cego, quase surdo e com todos
seus sentidos felinos fracos ir para a rua?
Nenhum que realmente amasse seu bichinho,
e Tony realmente gostava de Gênio.

Por mais que o Gênio não fosse o tipo de gato


que alguém adoraria ter como pet, ele era um
gato dócil e carente, e Tony adorava isso.

Gênio também foi se recuperando na casa de


Tony em relação aos seus sentidos e seus
problemas de saúde, sua visão havia

90
melhorado bastante desde que Gênio começou
a usar óculos, e por incrível que pareça, sua
inteligência também, afinal, ele nunca foi um
gato completamente burro, apenas
“desnorteado”.

Por não escutar ou ver bem, Gênio boa parte


das vezes não conseguia compreender o que
estava acontecendo ao seu redor, levando-o a
responder com soluções idiotas, e para piorar,
seu raciocínio sempre foi lento.

Mas em compensação, Gênio estava


melhorando muito na casa de Tony, não só em
aspectos de saúde física, como também
mental, pois ele não se sentia feliz de forma
grande e sincera há muito tempo.

Gênio também sentia falta da gangue, como


Espeto, mas nada além de saudade, pois
querendo eles admitirem ou não, a vida com
Tony estava muito melhor que a vida nas ruas
que eles tinham antes.

Afinal, é dez vezes melhor não poder sair sem


seu dono, do que passar fome e sentir seu
estômago berrar por comida.

91
Em relação ao Bacana, sua vida até que estava
fácil ao lado de Shirley, uma de suas mil
namoradas, mas o diferencial dela entre outras
mil é o fato de ele já ter “noivado” com ela.

Embora Shirley fosse uma gata bem


temperamental, ele reconheceu que foi muita
gentileza por parte dela de deixar que ele
morasse com ela, e Bacana se sentia muito bem
com isso, e queria retribuir.

O problema era a retribuição.

Bacana era um rapaz mulherengo, que não


conseguia parar com apenas uma garota em
sua vida, ao invés disso, andava com várias ao
mesmo tempo, pois apesar de ser bom de
romantismo e relacionamento, ele era péssimo
de compromisso, e agora que estava morando
com Shirley, ele de certa forma estava
“compromissado”

E isso lhe trouxera grandes responsabilidades,


como em relação a família de Shirley, por
exemplo.

Como hóspede ele deveria ajudar a família de


Shirley com as tarefas, provando ser um “bom

92
marido”, algo que alguém descompromissado
como ele nunca pensaria sobre, pelo menos no
seu antigo eu.

Mas Bacana realmente amava a Shirley com


todo seu coração, ele sentia algo diferente por
ela, algo que ele nunca sentiu antes com outras
garotas.

Necessidade de presença.

Não era difícil por exemplo, encontrar várias


ex-namoradas deles que nunca mais o viram
na vida, até mesmo as atuais já passaram por
esse dilema. Mas com Shirley?

Ele sempre foi presente para ela desde que a


conheceu, mesmo quando andava com outras
mulheres, e nem ele sabia o porquê.

Além do mais por conta de seu temperamento,


que por lógica deveria tê-lo afastado dela de
imediato, mas isso não foi o que ocorreu, ao
invés disso, Bacana aprendeu a lidar com os
problemas e o humor de Shirley com o tempo,
algo inesperado vindo de alguém promíscuo
como ele.

93
O mais estranho é que Bacana não sentia tanta
falta da gangue como achou que sentiria
quando viesse morar com Shirley, nem mesmo
de Espeto ele sentia falta.

Qual era o motivo para isso?

Bacana não tinha certeza se ele estava assim


por se sentir completo com a presença de
Shirley, por remorso sobre sua antiga vida de
crimes e promiscuidade, ou simplesmente o
fato de que ele era o gato menos apegado ao
Manda-Chuva. Talvez fosse um pouco das três
coisas.

Mas embora não sentisse saudades do beco ou


dos seus amigos, ele se perguntava como eles
estavam, mas evitava pensar sobre isso, pois
agora o que lhe importava era se preocupar
com Shirley e sua família.

Bacana nem sequer sentia falta da casa de


jogos da vizinhança, na qual ele jogava bilhar
com Espeto, namorava, dançava e se
embriagava.

94
De fato, aquela vida que aparentemente lhe
trazia felicidade era nada além de passageira e
ilusória, agora que estava com sua noiva, ele
se sentia melhor que antes, quando podia
fazer tudo que queria.

Claro, ele se sentia com dificuldades para se


adaptar a sua nova vida e largar seu passado,
mas ele não poderia mentir dizendo que não
gostou da mudança.

E falando em mudança, Xuxu foi o mais


afetado por uma mudança de vida, pois ele
sentia muito a falta de Manda-Chuva.

Não que a família Martinz não lhe desse tudo


que ele precisasse, mas porque ele não parava
de pensar como seu líder estava, e onde
estava, pois Manda-Chuva era muito especial
para ele.

Xuxu se sentia mal ao pensar que seu líder que


tanto o ajudou poderia estar morto, doente
preso, ou pior, pois Manda-Chuva não
merecia nada destas coisas.

95
Certo, Manda-Chuva cometeu vários crimes
durante toda a sua vida, mas prejudicar
diretamente alguém, só para se dar bem?

Ele nunca o fez.

Havia uma diferença gritante entre M.C e


outros bandidos, ele era completamente
pacifista. Manda-Chuva sempre disse à Xuxu
que a violência raramente deve ser aplicada,
pois não é apenas a vida do próximo que está
em risco perante ela, mas a do agressor.

Xuxu sabia que, quando uma situação chegava


ao ponto de deixar M.C agressivo, era porque
era grave demais para ser ignorada por ele,
como quando Pierre havia humilhado o pobre
Xuxu, ou outras situações que envolvessem
algo que não fosse ignorável para ele.

Isso o fazia pensar no quanto a vida de fato era


injusta, não só com seu líder, mas também
consigo mesmo. Xuxu era um gato cheio de
danos psicológicos, os quais quase nunca
foram levados a sério por alguém.

Xuxu era sem dúvidas um felino depressivo e


paranoico, mas não por ser frágil demais, e

96
sim porque sua força para aguentar o mundo e
a si mesmo sem enlouquecer, simplesmente
havia acabado.

Xuxu havia passado por vários problemas na


vida, e todos eles eram quase inesquecíveis
para ele.

Xuxu sentia vontade de chorar toda vez que


lembrava de sua mãe, uma mulher que sempre
teve problemas financeiros e emocionais, mas
que se mantinha de pé para cuidar de seus
filhos, Xuxu e Bella.

Ele queria ser como ela, mas ele sabia que


jamais seria, pois sempre se deprimia com
todo mal que acontecia com ele ou algum ente
querido dele, até chegar ao ponto de ele tentar
pular da ponte um dia, se não fosse por
Manda-Chuva, ele já estaria morto.

Por mais que a sua motivação para se matar


parece boba, simplesmente pelo fato de “a
Lola Glamour não ser tudo na vida”, apenas
Xuxu e M.C sabiam dos verdadeiros e
profundos motivos para Xuxu tentar cometer
tal ato, só o ambiente e estado de vida de Xuxu
já eram óbvios para deduzir os motivos.

97
Xuxu de fato não queria estar pobre, nômade e
no mundo da criminalidade com Manda-
Chuva, mas ele sabia que para alguém como
ele, esta era a única rota para sua vida, mesmo
se ele não fosse um gato, embora sua espécie
realmente influenciasse na forma em como ele
seria tratado pela sociedade.

Xuxu não gostava de crimes, liderança,


persuasão ou de ser o “encarregado de
negócios podres” do grupo, mas gostava de
M.C, e fazia de tudo para agradá-lo, afinal, ele
era seu líder e melhor amigo, e ele não se
sentia mal ao cometer um ato errado se fosse
por seu chefe.

De fato, Xuxu era uma boa pessoa, isso é, bom


gato, porém seus atos criminais não deixavam
que as pessoas vissem isso, o que só piorava
seus problemas de paranoia e autoestima. Seu
sentimento constante de saudades de sua
irmã, seus sobrinhos e agora o M.C já o
deprimia bastante.

Mas agora ele tinha um motivo a menos para


chorar, ele não vivia mais em casebres sujos,
agora vivia com uma família de navegadores

98
que o amavam, só que dessa vez, de forma
permanente. Mas apesar de ter um motivo a
menos, ele também tinha um a mais; a
ausência de seu líder.

E ainda falando sobre ausência de líder,


Manda-Chuva, no qual o Xuxu pensava tanto,
estava tendo dificuldade para achar um lugar
para morar, se tornando tão nômade como
Xuxu fora. Havia dias em que ele dormia em
um beco de outro gato, outros no bar, e outros
completamente na rua.

Isto fazia o pobre gatinho se relembrar de seus


amigos e de sua família, com os quais ele
sempre viveu na pobreza e repleto de
problemas, mas feliz.

Sim, Manda-Chuva já era pobre e cheio de


problemas antes de morar em um beco, mas
claro que os problemas se diferiam bastante.

A questão da liderança, por exemplo, só foi


passar a pesar para ele depois que ele começou
a morar em um beco, afinal, não se pode ter
liderança na família sendo o caçula. Mas
problemas relacionados a sua pobreza, ele
sempre teve.

99
Manda-Chuva podia até não demonstrar
muito, mas ele sentia muita falta de sua
família, e só Xuxu sabia disso por enquanto,
mas agora ele tinha que lidar com um peso
maior, a saudade e a preocupação com seus
amigos, os quais não conseguiriam viver sem
ele.

E nem ele mesmo conseguia, mesmo que não


admitisse.

Manda-Chuva de fato tinha um perfil de “lobo


solitário” que não precisa de ninguém e sabe
se virar sozinho com truques de persuasão.

Mas a realidade de sua vida não era aquela,


pois ele, mesmo com seus truques que o
ajudaria a viver sozinho, sentia que precisava
de amigos. Mesmo que ele lutasse contra isso.

Mas por mais que sua preocupação fosse


grande sobre seus amigos, ele sabia e sentia
em seu interior que eles estavam seguros.

Pelo menos, mais do que si mesmo...

Manda-Chuva então lembrou que ele ainda


podia mandar cartas para seus amigos de
onde ele estava, mas como só conhecia o

100
endereço dos Martinz (amigos do Xuxu),
pegou um lápis e um papel de uma das mesas
daquele bar abandonado e começou a escrever
tudo que sentia para o Xuxu, que quando
pudesse compartilharia a carta com os colegas:

Olá amigo, tudo bem? Caso não saiba


eu sou seu amigo M.C, e estou lhe
enviando essa carta para saber
como você está. Está feliz? Sente
saudades minhas? Bem, se sente, já
pode se animar, porque eu vou
procurar sempre escrever para você,
hahaha.
Mas falando sério agora, como você
está? Se não estiver bem, não tenha
vergonha de dizer isso, aqui também
não está um mar de rosas para
mim. Estou mais nômade que um
pássaro, e mais cansado que um
bicho preguiça.

101
Não consigo ter um ambiente fixo
para morar, estou exausto de andar
para lá e para cá, e além disso,
morro de saudade dos meus
rapazes, principalmente de você. Até
minhas ideias estão sumindo sem
você por perto.
-Com amor, M.C.

Será que as coisas melhorarão para


nossos heróis ou irão se manter? Qual
será o desfecho de tudo que ainda não
fora resolvido? Apoiem este livro demo
para ter ou não uma continuação. Grata
pela leitura de todos e por aqueles que
leram a antiga versão do Wattpad
também.

Canal da autora: Amber The Lioness.

102
Fim?
Não, é apenas o começo ;)

103

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