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A CRIAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DO TRIÂNGULO MINEIRO EM

UBERABA-MG: DE INSTITUIÇÃO PRIVADA À INSTITUIÇÃO ISOLADA DE


ENSINO SUPERIOR (1953-1960) POR MEIO DO PROCESSO DE
FEDERALIZAÇÃO.
Sonia Maria Gomes Lopes229

Resumo: O texto analisa a trajetória histórica entre a criação e a federalização da Faculdade


de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM) de Uberaba, no período de 1953 a 1960. A
criação de um curso de Medicina na região do Triângulo Mineiro foi um diferencial não só
para a cidade, que se encontrava em crescente processo de urbanização, mas também para o
desenvolvimento do campo médico nessa região, num momento em que só era possível cursar
medicina nas capitais, especialmente no Rio de Janeiro. Algumas questões centrais nortearam
esse estudo: quais sujeitos participaram desse processo e por quais motivos? Que
contribuições o Curso de Medicina trouxe para a sociedade uberabense e seu
desenvolvimento? E para a área médica? Quem foram os primeiros alunos e professores?
Quais eram as disciplinas do currículo? A FMTM foi criada com a participação de instituições
e pessoas que não faziam parte da academia, mas que foram fundamentais para seu
reconhecimento oficial e social, e principalmente para a sobrevivência da instituição. Sob esse
aspecto foi decisiva a participação das lideranças políticas locais junto ao governador de
Minas Gerais, Juscelino Kubitscheck de Oliveira, capitaneador das ideias desenvolvimentistas
que o conduziria na sequência à presidência do Brasil. Em meados do século XX Uberaba já
era considerada um centro avançado da Medicina no País. Em 1927 foi criada a Sociedade de
Medicina que, a partir de 1947, participou ativamente da realização de Congressos Médicos
na região e no denominado “Brasil Central”, sul dos estados de Goiás e Mato Grosso. As
principais fontes de pesquisa documental utilizadas foram: livros de atas e de matrículas da

229 Formação em Pedagogia.


Mestranda em educação - linha de História e Historiografia da Educação pela Universidade Federal de
Uberlândia.
E-mail: soniagomeslopes@hotmail.com

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UFTM; jornais da cidade; acervos das bibliotecas pública municipal e da UFTM; acervo do
arquivo público municipal.

Palavras-chave: História da educação superior, instituições escolares, Faculdade de


Medicina do Triângulo Mineiro.

A ideia de se contar a história da criação da Faculdade de Medicina do Triângulo


Mineiro – FMTM nasceu do fato da pesquisadora ser servidora da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro – UFTM230 desde 1987, com atuação na área de apoio técnico-pedagógico
da Pró-Reitoria de Ensino. Durante o trabalho de orientação aos cursos de graduação para a
elaboração dos seus Projetos Pedagógicos de Curso verificou-se a necessidade de constar em
seus itens iniciais breve apresentação sobre o histórico da instituição. Ao realizar pesquisa em
outras unidades administrativas da FMTM em busca dessa história identificou-se que não
existia um texto descritivo que pudesse ser usado. Assim, surgiu a necessidade de se buscar
informações sobre o ensino, a pesquisa, a pós-graduação, a extensão, o corpo docente e
discente, o funcionamento das unidades administrativas e a regulamentação pertinente,
resultando na elaboração de um texto sucinto que apresentaria aos leitores dos Projetos
Pedagógicos dos Cursos uma visão geral de como a instituição nasceu e evoluiu ao longo do
tempo. Esse foi o ponto de partida para a elaboração desta pesquisa. Soma-se a isso a
constatação de que as pesquisas sobre as instituições de educação superior de Uberaba são
escassas.
O recorte temporal foi delimitado tendo em vista o ano de criação da FMTM, em 1953
e sua federalização que se deu em 1960. Esta pesquisa contempla procedimentos embasados
em duas etapas. A primeira delas constitui-se na revisão bibliográfica, que fornece o
embasamento teórico, e os elementos necessários para a análise dos dados coletados. A
segunda diz respeito à documentação buscada nos arquivos da UFTM tais como: atas de

230 A Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro foi transformada em Universidade


Federal do Triângulo Mineiro em 29 de julho de 2005, de acordo com a Lei nº 11.152
publicada no Diário Oficial da União de 1º de agosto de 2005.
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reuniões dos conselhos, cópias de publicações no Diário Oficial da União - DOU, fichas dos
discentes, quadro de disciplinas, diários de classe, dentre outros. Por último foram coletadas
informações na imprensa local, especificamente no jornal Lavoura e Comércio e no Correio
Católico.
O arraial de Uberaba foi fundado em 1816 com a vinda dos geralistas 231 para a área
localizada entre os rios Grande e das Velhas, região de muita mata, cerrado e águas
abundantes. Era uma região privilegiada estrategicamente, pois sua posição geográfica levava
a caminhos para o Rio de Janeiro, São Paulo e ao interior do País. Hoje se mantém como uma
cidade do estado de Minas Gerais, da região do Triângulo Mineiro, situada numa área
geograficamente favorável, equidistante num raio de aproximadamente 500 quilômetros entre
a capital paulista, a mineira e a federal.
Assim, pela facilidade de escoamento agropastoril, rapidamente se estabeleceram na
região agricultores, pecuaristas, comerciantes, viabilizando a sua elevação à condição de Vila
de Santo Antônio de Uberaba em 1836, e de cidade com a denominação de Uberaba pela lei
provincial n° 759, de 02-05-1856. Outro fato que contribuiu decisivamente para o
povoamento e desenvolvimento da região foi a construção da linha férrea, com a criação da
Companhia Mogyana de Estrada de Ferro que chegou a Uberaba em 1889, conectando regiões
paulistas com as mineiras e mais tarde goianas.
Na década de 1940, houve significativo aumento da população urbana em relação a
rural, motivada pelo projeto de desenvolvimento da industrialização nacional e sua
interiorização pelo país. Idealizado por Getúlio Vargas como “Marcha para o oeste”, 232 o
Triângulo Mineiro foi contemplado com uma das bases de apoio conhecida como operação

231 Famílias de migrantes vindos das regiões central e sul da capitania de Minas Gerais.

232 Essa empreitada de Vargas tomou consistência a partir da criação da Fundação do Brasil
Central, cujo principal objetivo era colonizar o interior do País, além de interligar Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso aos grandes centros produtores do País (LENHARO, Alcir.
Colonização e trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro Oeste. Campinas – SP:
Editora da Unicamp, 1985).

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Roncador-Xingu, quando teve início grandes obras de construção de aeroportos, rodovias,
hospitais, escolas, curtumes etc. Os caminhões e automóveis substituíram os carros de bois,
inserindo o sertão no processo de modernização nacional.
Essa transição de uma sociedade agrária e rural para uma sociedade urbana trouxe
consequentemente implicações no campo educacional. De acordo com recenseamento geral
realizado em 1950233 a população de Uberaba era de 69.434 habitantes dos quais 26.128 não
sabiam ler nem escrever. Nas primeiras décadas do século XX, a educação foi assumida por
iniciativas particulares, especialmente pela Igreja Católica detentora dos principais colégios
para moças e rapazes que continuou a formar a elite uberabense em detrimento da formação
das crianças de origem da classe trabalhadora. Essa forte influência da igreja católica na
educação básica se estendeu para o ensino superior com a fundação do Instituto Superior de
Cultura, que deu origem a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Tomás de Aquino
– FISTA, em 1949, tradicional por anos em Uberaba. Outras iniciativas de instalação e
manutenção do ensino superior foram: a criação do Instituto Zootécnico que funcionou de
1885 a 1899 e formou uma única turma de engenheiros agrônomos, e da Escola de
Odontologia e Farmácia e da Escola de Direito entre 1927 e 1934, cursos tradicionais na atual
Universidade de Uberaba.
Na década de 1950, a cidade era considerada um centro avançado na área de
conhecimento da Medicina. Residia aqui uma quantidade significativa de médicos, a maioria
graduada no Rio de Janeiro. Em 1927 eles criaram uma Sociedade Médica que a partir de
1947 participou ativamente da realização dos Congressos Médicos no Triângulo Mineiro e em
outras regiões no Estado de Goiás. Foi durante as discussões realizadas nesses Congressos, e
nas reuniões da Sociedade de Medicina que reunia médicos das diversas áreas, que surgiram
as primeiras ideias sobre a possível criação de uma Faculdade de Medicina em Uberaba,
conforme pode ser observado em notícia da imprensa por ocasião de discurso proferido pelo
Dr. Abgar Renault, Secretário Estadual de Educação:

233 Conforme dados do Censo demográfico realizado em 1954.


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“... o Dr. José de Paiva Abreu indaga do conferencista sobre a possibilidade de se
fundar uma Universidade em Uberaba. Ao que o professor Abgar redarguiu ser
perfeitamente viável tal fundação visto possuir a cidade o núcleo universitário, a
Faculdade de Filosofia... aproveitando a deixa do Dr. Abreu, o Dr. Sabino Vieira
solicitou ao Sr. Secretário de Educação que fosse lançador da ideia da Universidade
de Uberaba...” (Lavoura e Comércio – 18.05.1950).

A existência de escolas de ensino superior em uma cidade do interior do Estado


demonstra a importância que a cidade adquiria no cenário regional, especialmente pela
articulação política junto aos diferentes níveis do poder público. Era impossível se criar uma
instituição de ensino superior do nível exigido por um curso de medicina sem a existência de
recursos humanos e materiais disponíveis. Foi, portanto, uma tentativa das lideranças locais
de atrelar o desenvolvimento socioeconômico de Uberaba às questões relativas ao
desenvolvimento científico, tecnológico e cultural que caracterizavam o período.
De acordo com LOPES (2003) a Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro –
FMTM, surgiu de uma disputa política partidária entre o Partido Social Democrata (PSD) e o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A sociedade uberabense estava descontente com a
política tributária do Estado de Minas Gerais, governado de 1950 a 1954 por Juscelino
Kubitschek de Oliveira, conhecido como JK, candidato a presidência da república na sucessão
de Getúlio Vargas. O governador JK, pertencente ao PTB, estipulou um Plano de Metas de
Desenvolvimento para o estado de Minas Gerais muito arrojado, que impunha aumento da
arrecadação estadual, mesmo que para isso tivesse que impor sacrifícios ao povo. Para esse
fim, o Secretário Estadual da Fazenda ordenou a instalação nas entradas e saídas das cidades
mineiras, de médio e grande porte, de portões de arrecadação fiscal onde os agentes de
fiscalização permaneciam por vinte e quatro horas, exigindo das pessoas que entravam e
saíam da cidade a apresentação de notas fiscais a Secretaria da Fazenda. Se os compradores
não as apresentassem os estabelecimentos eram multados. Das pessoas que entravam na
cidade exigia-se o recolhimento do imposto sobre os produtos agropecuários. Por esse motivo,
no final de 1952 e início do ano de 1953, Uberaba viveu uma intensa rebelião contra tal
cobrança de impostos considerada arbitrária pela população. Houve depredação e saques em
repartições públicas como: coletorias estaduais, coletoria federal, secretaria de fazenda,
delegacia de imposto de renda e institutos dos industriários e dos transportadores de carga. A

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notícia dessa rebelião foi destaque nos jornais e nas rádios pelo país. Assim, aumentava na
cidade o número de eleitores para o candidato paulista a Presidência da República Ademar de
Barros, do Partido Social Progressista (PSP).
Tendo conhecimento dessa crise instalada no município de Uberaba, o governador JK
propôs aos seus assessores que fosse realizado um diagnóstico local por meio das Associações
de Classes existentes na tentativa de conhecer quais eram os maiores anseios da população
uberabense naquele momento. Tratava-se de uma estratégia para contornar a situação política
e reconquistar os votos que estava perdendo, pois o governador concluiu que sua posição
política na cidade e região era extremamente frágil.
Esse fato pode ser comprovado em documento da Faculdade de Medicina do
Triângulo Mineiro, produzido por ocasião do 1º Congresso Médico dos ex-alunos da FMTM,
em 1983. No discurso de abertura do evento, o professor doutor Randolfo Borges Júnior, ex-
diretor da FMTM, relatou que:

A criação da FMTM teve sua origem, ainda que pareça incrível, num ato de
vandalismo e sob a égide da política. Existe por toda a parte o dito popular que
“Deus escreve certo por linhas tortas” e, este aforismo se aplica perfeitamente bem a
nossa faculdade (BORGES JÚNIOR, 1983).

Assim, no início do ano de 1953 reuniu-se na Associação Comercial e Industrial de


Uberaba (ACIU) o governador JK com as principais lideranças políticas de Uberaba do PTB,
PSD, PR e UDN que lhe revelaram seus anseios pela criação de um Curso de Medicina que
poderia fazer de Uberaba uma cidade mais desenvolvida.
Dessa forma, foram rapidamente concretizadas ações com vistas à criação da FMTM,
como por exemplo, a fundação da Sociedade Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro,
com a finalidade de promover, manter e dirigir a FMTM, conforme se observa em trecho
transcrito da ata da reunião:

“... Inicialmente, tomou a palavra o senhor doutor Lauro Savastano Fontoura, que,
expondo a finalidade da reunião, ressaltou o propósito nesse sentido, do senhor
Governador de Estado de Minas Gerais, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira,
idealizador e patrono da futura faculdade. Em seguida, falou o deputado Mário
Palmério, que sugeriu fosse o estabelecimento denominado Faculdade de Medicina

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do Triângulo Mineiro e a entidade mantenedora – Sociedade Faculdade de Medicina
do Triângulo Mineiro...” (ata reunião de 27.04.1953).

A proposta de Juscelino Kubitschek por intermédio do então deputado por Uberaba Sr.
Mário de Ascenção Palmério e seu correligionário político Dr. Lauro Savastano Fontoura para
criação da FMTM foi a distribuição das seguintes responsabilidades de acordo com relatório
disponibilizado pelo senhor deputado.
I - Ao governo do estado de Minas Gerais caberia:
- Doação do edifício da Penitenciária de Uberaba, estadual, a Sociedade Mantenedora da
Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro a ser fundada;
- Doação de apólices estaduais, no valor de vinte mil contos de réis5, inalienáveis, cujos juros
seriam pagos mensalmente à Faculdade.
II - A Sociedade Mantenedora da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro caberia:
Convocação dentre as figuras de maior expressão nos meios culturais e educacionais de
Uberaba, bem como em sua classe médica, das pessoas que passariam a integrar o grupo de
fundadores;
- Elaboração dos estatutos da Sociedade Mantenedora da Faculdade de Medicina do Triângulo
Mineiro;
- Elaboração do projeto de autorização a ser submetido ao Conselho Nacional de Educação;
- Disponibilizar os edifícios da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba para início das
aulas, até que ficasse pronta a reforma do prédio.
Em 29 de julho de 1953, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou os
projetos 559 e 560 relativos ao patrimônio da entidade FMTM, destacado no item I do
parágrafo acima.
Dessa forma, a autorização para o funcionamento da Faculdade de Medicina do
Triângulo Mineiro foi assinada pelo Presidente Getúlio Vargas e pelo Ministro da Educação
Antonio Balbino, pelo Decreto-Lei nº. 35.249, de 24 de março de 1954, com base em projeto
técnico-pedagógico elaborado segundo a legislação educacional vigente.

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Em reunião realizada pela Sociedade Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
nomeou-se o Dr. Lauro Savastano Fontoura como seu presidente e o Dr. Mozart Furtado
Nunes como primeiro diretor da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro.
Participaram da reunião e assinaram a ata os seguintes fundadores: Alfredo Sebastião
Sabino de Freitas, Allyrio Furtado Nunes, Antonio Sabino de Freitas Júnior, Carlos Smith,
Fausto da Cunha Oliveira, Hélio Angotti, Hélio Luiz da Costa, João Henrique Sampaio Vieira
da Silva, Jorge Abrahão Azôr, Jorge Henrique Marquez Furtado, José de Paiva Abreu, José
Soares Bilharinho, Lauro Savastano Fontoura (advogado), Mário de Ascenção Palmério
(professor e político), Mozart Furtado Nunes, Odon Tormim, Paulo Pontes e Randolfo Borges
Júnior, sendo este o único dos fundadores ainda vivo. Alguns desses fundadores foram
também os primeiros professores da UFTM.
Assim, tem-se que a criação de um curso médico na cidade de Uberaba foi de
iniciativa e esforço de um grupo de profissionais habilitados que procuravam ampliar os
serviços na área médica, voltando-se para a formação acadêmica de novos profissionais, posta
em prática por meio da organização isolada de uma faculdade.
Autorizado o funcionamento, realizou-se o primeiro vestibular em abril de 1954, com
164 candidatos inscritos, concorrendo a 50 vagas, sendo aprovados para ingresso no curso de
medicina 52 alunos. Analisando os documentos de registro acadêmico de inscrição no
vestibular e de matrículas na instituição tem-se que foi cobrada uma taxa de Cr$1.000,00 (um
mil cruzeiros) para cada modalidade. Cada taxa correspondia a aproximadamente 83% do
valor do salário mínimo de 1953 que era de Cr$1.200,00 (um mil e duzentos cruzeiros).
O próprio JK proferiu palestra na aula inaugural em 28 de abril de 1954, no nobre
salão da Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro, dirigida aos 52 primeiros alunos da
recém-criada faculdade, sendo frequentemente interrompido pelas palmas dos alunos e da
plateia presente. De acordo com a ata da primeira reunião da Congregação da FMTM esse
momento “se constituiu em verdadeiro acontecimento a passar para a história de Uberaba”.
Também, de acordo com Fernando Araújo, neste discurso JK:

“...defendeu a necessidade de difusão do ensino superior no interior do País e se


congratulou com Uberaba, fazendo ainda, para os alunos da nova Faculdade, a

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definição dos deveres do médico e dos objetivos da medicina. Por fim, exaltou a
capacidade realizadora do povo do Triângulo Mineiro, terminando por anunciar
possível e próxima a Universidade do Triângulo Mineiro, uma vez que já contava
agora Uberaba com as faculdades de Filosofia, de Odontologia e Farmácia, de
Direito e de Medicina...” (ARAÚJO, 2000)

No prédio da Faculdade de Odontologia foram ministradas algumas aulas durante o


ano de 1954, enquanto acontecia a reforma do prédio da Penitenciária do Estado.
Quanto à realização dessa reforma vale ressaltar a fala de um professor, o doutor
Valdemar Hial, destacando que a primeira turma do Curso de Medicina da FMTM chegou a
dividir espaço com os presidiários, pois ainda ocupavam o prédio da cadeia. Destacou que os
alunos participaram ativamente das adequações necessárias das estruturas físicas para
funcionamento das salas de aula e dos laboratórios, carregando tijolos e o que mais fosse
necessário.
O corpo docente foi contratado à medida que as cadeiras foram sendo instaladas e os
anos letivos avançando. Entre 1953 e o início de 1954, o Doutor Mozart Furtado diretor da
FMTM, viajou pelo eixo Rio – São Paulo – Belo Horizonte em busca de professores para o
Curso de Medicina. Em contato com o professor de Anatomia da Faculdade de Medicina da
USP foi orientado a procurar na Universidade Federal de Minas Gerais os professores
Liberato Di Dio, Luigi Bogliogo e Baeta Vianna. Lá teve a oportunidade de contratar os
professores Edmundo Chapadeiro, Olavo Soares de Andrade, Sales Jesuíno Oliveira e Allyrio
Furtado Nunes. Do Rio de Janeiro foram contratados os professores César Pinto, Mauritano
Rodrigues Ferreira, Francisco Mauro Guerra Terra e Pedro Falcão.
Formaram assim, o grupo inicial de cadeiras básicas que escolheram e distribuíram
entre si as cátedras (que hoje conhecemos como disciplinas). O modelo educativo
correspondia ao da transmissão de conhecimentos, com ênfase na memorização e participação
passiva do aluno. Ao professor era suficiente o domínio dos conhecimentos da área médica
para exercer a docência.
O convívio do Dr. Mozart com seus grandes mestres no Rio de Janeiro lhe
proporcionou uma visão sobre a importância de garantir que os professores dedicassem tempo
integral ao curso, numa faculdade particular localizada no sertão. Na época, havia poucos
professores qualificados disponíveis. Assim, a criação da dedicação integral foi fundamental
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para que a FMTM nascesse como uma faculdade de medicina de excelente qualidade, notória
entre as do País. Há registros de que a criação do regime de dedicação integral para os
professores da FMTM a diferenciou de outras faculdades privadas de medicina da época.
O ministro da educação Clóvis Salgado, garantiu uma dotação orçamentária de cinco
milhões de cruzeiros durante cinco anos para a Faculdade. Porém, as anuidades pagas e a
dotação anual disponibilizada pelo governo federal não eram suficientes para o alto custo de
um curso desta natureza numa cidade do interior do Estado. Eram recursos parcos, contudo
preciosos. O regime de dedicação integral, considerado eixo fundamental do progresso do
ensino médico, tornou-se fundamental para abrir caminhos à obtenção de mais recursos
financeiros junto ao MEC. Em 1959, conseguiu-se uma verba do Ministério da Saúde, através
de emenda no Senado, para o Hospital da Associação de Combate ao Câncer do Brasil
Central, uma das unidades que já funcionava como Hospital Escola.
Entre 1956 e 1960, o diretor, os professores e os alunos da FMTM trabalharam
arduamente para seu processo de federalização, cientes de que essa seria a única forma para
sua sobrevivência financeira. Em março de 1956, através do “O Epíplon” órgão oficial de
notícias do Centro Acadêmico, na figura do seu presidente Wander Magalhães Moreira,
lançava a campanha de federalização da Escola como objetivo máximo do Centro Acadêmico
Gaspar Vianna. Esta campanha estendeu-se, através de avanços e recuos, obstáculos e apoios,
até 1960.
Eleito Presidente da República em 1955, Juscelino Kubitschek continuou a apoiar de
modo muito efetivo a FMTM. Sempre colaborando de maneira concreta para o
reconhecimento da instituição. Sua atuação no processo de federalização da FMTM foi de
inigualável importância. Recebeu dos dirigentes, professores, alunos e comunidade
uberabense o projeto de federalização, tendo o apoiado de forma decisiva, o que foi
fundamental para que em um curto espaço de tempo fosse a FMTM federalizada.
Um acontecimento surpreendente, peculiar e inusitado marcou a federalização da
instituição. Em 03 de maio de 1959, veio a Uberaba o então Presidente da República JK para
inaugurar a tradicional exposição agropecuária de Uberaba. Foi ao encontro do presidente,
ainda no aeroporto, um ônibus repleto de estudantes da FMTM. Eles “arrebataram” o

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Presidente, levando-o ao ônibus, contrariando as lideranças políticas e pecuaristas que o
aguardavam. O Presidente deixou-se levar, carregado pelos alunos, até a sede do Diretório
Acadêmico do Curso de Medicina Doutor Gaspar Viana, ativo até os dias de hoje. Após
discursos, o Presidente JK teria escrito, sobre uma fotografia sua, a célebre frase: “Tudo farei
que estiver ao meu alcance para federalizar esta escola, pois ela é a menina dos meus olhos”,
o que de fato aconteceu no ano seguinte (BORGES JÚNIOR, 1983).
O pedido de federalização só seria enviado por JK para o senado em 1960 após uma
nova visita a cidade onde foi mais uma vez questionada a dificuldade do processo de
federalização da FMTM. A comunidade local também se organizou em “passeatas, comícios e
envio de centenas de telegramas à Câmara e à Comissão de Educação e Finanças” (LOPES,
2003). O Centro Acadêmico Gaspar Vianna acompanhou no Congresso Nacional a votação da
federalização da FMTM, aprovada em 18 de dezembro de 1960 encerrando “um capítulo de
luta e glória na história da FMTM” (idem).
A Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro foi credenciada através do Decreto de
Reconhecimento nº 47.844, de 24 de dezembro de 1959, sendo a primeira turma de formandos
diplomada em 06 de junho de 1960. Posteriormente, foi transformada em Autarquia Federal
nos termos do Decreto nº 70.686, de 07 de junho de 1972.
Percebe-se, com a história de criação da FMTM, a relevância dos aspectos políticos e
econômicos na constituição da instituição então emergente. Os médicos estavam alinhados
com as principais lideranças desses dois segmentos, o que foi determinante para o seu
surgimento e federalização. Destaca-se também, a formação e articulação política dos alunos
do curso, incentivados sempre a atuarem de forma organizada por meio de seu diretório
acadêmico. Essas são marcas que vão condicionar ao longo do tempo, a identidade
institucional da hoje Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Referências
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ASSIS, N. A realidade dos dez anos: a história da fundação da FMTM e do Centro
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