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1 MÉTODOS DE DEMONSTRAÇÃO DE TEOREMAS

Para demonstrar um teorema da forma (∀x)(P(x) → Q(x)), nosso objetivo é mostrar que
P(c) → Q(c) é verdadeira, onde c é um elemento arbitrário do domínio, e então aplicar a
generalização universal. Nesta demonstração, precisamos mostrar que a sentença condicional é
verdadeira e para isto é necessário apenas mostrar que Q(c) é verdadeira se P(c) é verdadeira.

1.1 Prova Direta

Uma demonstração é dita direta quando pressupõe verdadeira a hipótese e, a partir desta,
prova-se ser verdadeira a tese.

A prova direta baseia-se na regra de modus ponens que nos diz que se uma sentença
condicional e sua hipótese são verdadeiras, então a conclusão (tese) também deve ser
verdadeira. Simbolicamente podemos escrever: (p → q) ∧ p ⇒ q.

Exemplo

Se x é par, então x é divisível por 2 (p → q)

x é par (p)

Portanto, x é divisível por 2 ∴ q.

Antes de partirmos para exemplo vamos revisar o conceito de quadrado perfeito.

Definição: Um quadrado perfeito é um inteiro n tal que n = k2 para algum inteiro k.

Exemplo. Mostre que "Se m e n são ambos quadrados perfeitos, então m · n também é um
quadrado perfeito.

Hipótese: m e n são quadrados perfeitos.

Tese: m · n é um quadrado perfeito.

Prova:

Dados dois inteiros m e n, suponha que m e n são quadrados perfeitos. Então, pela definição,
existem inteiros k e t tais que m = k2 e n = t 2 . Queremos mostrar que m · n também é um
quadrado perfeito.

Multiplicando m por n, temos:


m · n = k2 · t 2 = (k · t)2 .

Como k · t ∈ Z, pela definição, temos que m · n é um quadrado perfeito.

Exercícios. Mostre as seguintes proposições:

1. A soma de dois inteiros ímpares é par.

2. O produto dos quadrados de dois inteiros é um quadrado perfeito.

Com os conhecimentos adquiridos até aqui você já é capaz de responder as questões 1, 2 e 3 da


Primeira Lista de Exercícios.

1.2 Demonstração por Contraposição

Demonstrações diretas partem da hipótese do teorema e chegam à sua conclusão. Às vezes,


tentar demonstrar um teorema de forma direta pode ser extremamente difícil e, por isso, é
preciso recorrer as outras estratégias: demonstrações indiretas.

Uma demonstração indireta extremamente usada é conhecida como demonstração por


contraposição. Esta técnica baseia-se na seguinte resultado:

p → q ⇔∼ q →∼ p.

Assim, p → q pode ser demonstrada mostrando que sua contapositiva, ∼ q →∼ p, é


verdadeira. Para provar ∼ q →∼ p basta tomar ∼ q como hipótese e usando axiomas,
definições e teorema previamente demonstrados, juntamente com regras de inferências,
mostramos que que ∼ p deve ser verdadeira. Ou seja, seguimos os mesmos passos de uma
prova direta.

Exemplo. Seja x um número inteiro. Se x é par, então x + 5 é ímpar.

Escrevendo a contrapositiva temos: Seja x um número inteiro. Se x + 5 é par, então x é ímpar.

HIPÓTESE: x + 5 é par

TESE: x é ímpar

PROVA:

Suponha que x + 5 é par, então pela definição de par temos que x + 5 = 2k para algum k inteiro.
De x + 5 = 2k temos que x = 2k − 5. Como −5 = −6 + 1, podemos escrever x como
x = 2k − 5 = 2k − 6 + 1. Colocando 2 em evidência, temos:
x = 2k − 5 = 2k − 6 + 1 = 2(k − 3) + 1.

Como k − 3 é um inteiro, concluímos pela definição que x é ímpar.

Como a contapositiva “se x + 5 é par, então x é ímpar” é verdadeira e é equivalente à


proposição “ se x é par, então x + 5 é ímpar”, conclui-se que a proposição “se x é par, então
x + 5 é ímpar” também é verdadeira.

1.3 Demonstração por Contradição ou Redução ao Absurdo

A ideia básica da redução ao absurdo é que uma premissa não pode ser verdadeira se ela nos
levar a uma contradição. Esta técnica baseia-se no seguinte resultado:

p → q ⇔ (p∧ ∼ q) → F.

Assim, para demonstrar uma sentença condicional H → T nós supomos a validade de H,


assumimos a negação de T e mostramos que isso produz uma contradição ou um absurdo.

Observação: infelizmente neste tipo de demonstração não se pode prever qual o absurdo
que encontraremos.

Exemplo. Seja x um número inteiro. Se x é par, então x + 5 é ímpar.

HIPÓTESE: x é par

TESE: x + 5 é ímpar; ∼ TESE: x + 5 é par

PROVA:

Suponha que x + 5 é par, com x par, então pela definição de par temos que x + 5 = 2k para
algum k inteiro. De x + 5 = 2k temos que x = 2k − 5. Como −5 = −6 + 1, podemos escrever x
como x = 2k − 5 = 2k − 6 + 1. Colocando 2 em evidência, temos:

x = 2k − 5 = 2k − 6 + 1 = 2(k − 3) + 1.

Como k − 3 é um inteiro, concluímos pela definição que x é ímpar. Mas, por hipótese, x é par.
Chegamos a uma contradição. Logo, se x é par, então x + 5 é ímpar.

Note que ao assumir tanto a hipótese quanto a negação da tese como verdadeiras isso nos levou
a uma contradição, assim a negação da tese não pode ser verdadeira, ou seja, a negação da tese
é falsa. Se a negação da tese é falsa, a tese é verdadeira.
Observação: Note que podemos reescrever uma demonstração por contraposição de uma
sentença condicional como uma demonstração por contradição. Em uma demonstração
de p → q por contraposição assumimos que ∼ q é verdadeira e mostramos que ∼ p
também deve ser verdadeira. Para reescrever uma demonstração por contraposição de
p → q como uma demonstração por contradição supomos que ambas p e ∼ q são
verdadeiras e, então, usamos os passos de uma demonstração de ∼ q →∼ p para mostrar
que ∼ p é verdadeira. Isso nos leva a uma contradição p∧ ∼ p, completando a
demonstração.

Também podemos transformar uma demonstração direta em uma demonstração por


contradição, basta assumir ambas p e ∼ q como verdadeiras e usamos os passos de uma
demonstração de p → q para mostrar que q é verdadeira. Isso nos leva a uma
contradição ∼ q ∧ q, completando a demonstração.

1.3.1 Prova por contradição de uma sentença p


Considere a seguinte situação: demonstre que 2 é um número irracional por meio de uma
demonstração por contradição.

Neste caso, temos apenas uma sentença p. Como demonstrá-la?

Suponha que queremos demonstrar que uma sentença p é verdadeira. Suponha ainda que
podemos achar uma contradição q tal que ∼ p → q é verdadeira. Como q é falsa, mas ∼ p → q
é verdadeira, conclui-se que ∼ p é falsa, o que significa que p é verdadeira. A pergunta que
surge é: como podemos encontrar uma contradição q que possa nos ajudar a demonstrar
que p é verdadeira usando este raciocínio?

Sabemos que uma sentença do tipo r∧ ∼ r é uma contradição, qualquer que seja a proposição
r, então podemos demonstrar que p é verdadeira se pudermos mostrar que ∼ p → (r∧ ∼ r) é
verdadeira para alguma proposição r.

Antes de partirmos para o exemplo precisamos da seguinte definição:

Definição. Dada uma fração qp , p ∈ Z e q ∈ Z∗ , dizemos que ela é irredutível quando o


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mdc(p, q) = 1, ou seja, se p e q são primos entre si. Assim, as frações 3 e 6 são irredutíveis,
2
mas não é, pois 2 é um fator comum ao numerador e ao denominador.
4

Exemplo. Prove que 2 é um número irracional.

PROVA

Suponhamos que 2 é um número racional. Então, pela definição de número racional, existem

inteiros p e q, com q 6= 0, tais que 2 = qp . Consideremos, sem perda de generalidade, que p
q é
√ p p2
irredutível . De 2 = q , temos 2 = 2 e, daí, p2 = 2q2 (?). Logo, p2 é par.
1
q
Como se p2 é par então p também é par, temos que p = 2k, com k ∈ Z. Substituindo p por 2k
em (?), temos:

(2k)2 = 2q2 , ou seja, 4k2 = 2q2 .

Assim, 2k2 = q2 e, portanto, q é par.

Como p e q são números pares, ambos possuem o fator 2 em comum. Mas isso contradiz o fato

de que qp é irredutível. Logo 2 não pode ser escrito na forma qp , com q 6= 0. Assim, nossa
√ √ √
suposição inicial de que 2 ∈ Q é falsa, ou seja, 2 ∈ / Q. Logo, 2 é um número irracional.

1.4 Demonstrações por Exaustão

Como o próprio nome sugere, as demonstrações por exaustão procedem pela exaustão de todas
as possibilidades. Essas demonstrações são usadas quando apenas um número relativamente
pequeno de exemplos precisam ser examinados para comprovar um teorema.

Exemplo. Demonstre que n! ≤ n2 quando n2 é um inteiro positivo tal que 1 ≤ n ≤ 3.

Para mostrarmos esta proposição basta analisarmos a inequação para cada valor que n pode
assumir. Assim:

para n = 1, temos 1! ≤ 12 , ou seja, 1 ≤ 1;

para n = 2, temos 2! ≤ 22 , ou seja, 2 ≤ 4;

para n = 3, temos 3! ≤ 32 , ou seja, 6 ≤ 9;

Para cada um dos três casos verificamos que n! ≤ n.

1.5 Demonstrações por Casos

Algumas vezes não podemos comprovar um teorema usando um único argumento que
satisfaça todos os casos possíveis. Nestes casos, para comprovar que p → q é verdadeira é
conveniente usar uma disjunção p1 ∨ p2 ∨ . . . ∨ pn como hipótese em vez de p, em que
p1 ∨ p2 ∨ . . . ∨ pn e p são equivalentes.
1 Lembre-se que todo número racional pode ser escrito como uma fração irredutível.
Este tipo de demonstração baseia-se no seguinte resultado:

[(p1 ∨ p2 ∨ . . . ∨ pn ) → q] ⇔ [(p1 → q) ∧ (p2 → q) ∧ . . . (pn → q)].

Ou seja, o condicional original com a hipótese formada por uma disjunção das proposições
p1 , p2 , . . . , pn pode ser comprovada verificando-se cada uma das n condicionais
pi → q, i = 1, 2, . . . , n, individualmente. Esse argumento é chamado de demonstração por
casos.

Observação: Neste tipo de demonstração particionamos o universo de possibilidades em um


conjunto finito de casos e demonstramos a veracidade da implicação para cada caso.

Exemplo. Mostre que |xy| = |x| · |y|, em que x e y são números reais.

a se a ≥ 0
Definição. |a| =
−a se a < 0

Para mostrar que |xy| = |x| · |y| precisamos analisar os seguintes casos: x < 0 e y < 0, x < 0 e
y ≥ 0, x ≥ 0 e y < 0 e, x ≥ 0 e y ≥ 0.

PROVA:

Caso 1: Se x < 0 e y < 0, então |xy| = |x| · |y|

Quando x < 0 e y < 0, temos x · y ≥ 0. Daí, da definição, temos que


|xy| = x · y = (−x) · (−y) = |x| · |y|.

Caso 2: Se x < 0 e y ≥ 0, então |xy| = |x| · |y|

Quando x < 0 e y ≥ 0, temos x · y ≤ 0. Daí, da definição, temos que |xy| = −x · y = |x| · |y|.

Caso 3: Se x ≥ 0 e y < 0, então |xy| = |x| · |y|

Quando x ≥ 0 e y < 0, temos x · y ≤ 0. Daí, da definição, temos que


|xy| = −x · y = x · (−y) = |x| · |y|.

Caso 4: Se x ≥ 0 e y ≥ 0, então |xy| = |x| · |y|

Quando x ≥ 0 e y ≥ 0, temos x · y ≥ 0. Daí, da definição, temos que |xy| = x · y = |x| · |y|.

Como |xy| = |x| · |y| para esses quatro casos e esses quatro casos são todas os possíveis,
conclui-se a demonstração. 

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