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Introdução
Álgebra é uma das formas mais básicas de matemática: fazendo álgebra, temos nossos objetos (pra gente, os
objetos inicialmente serão “números”) e as únicas coisas que podemos fazer são somar, subtrair, multiplicar
e dividir eles. Quando a gente tomar limites deles, já saimos de álgebra e entramos em análise.
Mesmo tendo poucas operações, chegamos rapidamente para problemas absurdamente difı́ceis. Umas das
questões abertas da matemática mais famosas envolvem só números inteiros com soma e produto. Por
exemplo:
“Existem infinitos números primos p tais que p + 2 também é primo?”
Quem resolve essa questão será entre @s matemátic@s mais famos@s do mundo (não será eu)!
Em Fundamentos de Álgebra, estudaremos inicialmente propriedades básicas dos números naturais e
inteiros (por exemplo: divisibilidade), mas depois estudaremos as mesmas propriedades em conjuntos com
operações de soma e produto mais gerais (chamados “anéis”), com foco especial no “anel dos polinômios”.
Demonstrações
A palavra chave dessa matéria será “Rigor”: muitas das afirmações serão familiares do ensino médio, mas
nesta matéria vamos justificar por que elas valem, em vez de só confiar n@ professor(a).
Uma prova ou demonstração de uma afirmação consiste de uma sequência de mini-afirmações que já
sabemos são válidas, e cuja conclusão é a afirmação inicial. Menciono dois tipos de prova que usaremos
muito:
Contradição
Quero concluir que Afirmação A vale. Então suponho que ela é falsa e faço uma sequência de mini-afirmações
corretas a partir dessa suposição, chegando para uma conclusão que é claramente besteira. Já que a conclusão
é falsa, concluo que minha hipótese que Afirmação A não vale é falsa também. Logo Afirmação A vale.
Exemplo.
√
Teorema. O número 2 é irracional.
√
Demonstração. Vamos supor, procurando contradição, que 2 NÃO é irracional.
√
• Logo 2 é racional.
√
• Logo 2 = a/b com a, b > 0 inteiros.
√ √
• Logo b 2 ∈ Z. Logo podemos pegar q o MENOR inteiro positivo com q 2 ∈ Z.
√ √
• Considere q ′ := q 2 − q (“:=” significa “definimos q ′ a ser q 2 − q”).
√ √
• Já que 0 < ( 2 − 1) < 1, então q ′ = q( 2 − 1) < q.
√ √
• Já que q 2 e q são inteiros com q 2 > q, q ′ é inteiro positivo.
√ √ √ √
• Mas q ′ 2 = (q 2 − q) 2 = 2q − q 2 ∈ Z.
√
• Já que q era
√ para ser o menor inteiro positivo com q 2 ∈ Z e achamos um inteiro positivo menor q ′
tal que q ′ 2 ∈ Z, chegamos numa besteira.
√
• Assim nossa suposição inicial foi errada. Ou seja, concluimos que 2 é irracional.
Indução
O princı́pio da indução pode muito bem ser a ferramenta mais poderosa da matemática. Tem essa forma:
Teorema. Para cada n ⩾ a (algum a ∈ Z), vale uma afirmação que depende de n.
Demonstração. 1. Etapa base: mostre que vale para n = a.
2. Hipótese de indução (HI): SUPONHA que a afirmação vale para algum valor n = k
Fundamentos de Álgebra MacQuarrie e Schneider 2
O princı́pio da indução diz que o teorema já está provado PARA TODO n ⩾ a, pois:
• Vale para n = a por 1.,
• Já que vale para n = a, vale para n = a + 1 por 3.
Exemplo.
Teorema. Para cada n ⩾ 5, temos a desigualdade 4n < 2n .
Demonstração. • Caso base: quando n = 5, temos 4n = 4 · 5 = 20 e 2n = 25 = 2 · 2 · 2 · 2 · 2 = 32. Já
que 20 < 32, o caso base vale. ✓
4(k + 1) = 4k + 4
< 4k + 4k (pois k > 1) (∗)
k k
<2 +2 (pela HI)
k
=2·2
= 2k+1 ✓
1 Os números inteiros
1.1 Umas definições
Neste curso, o conjunto dos números naturais é
N := {1, 2, 3, . . .}.
Tratar ou não o número 0 como sendo natural é uma decisão pessoal (muita gente trata) mas importante é
explicitar sua escolha! Para distinguir, usaremos também a notação
N0 := {0, 1, 2, . . .}.
Usaremos também as notações Q, R e (mais tarde) C para denotar os números racionais, os números reais
e os números complexos, respetivamente.
Fundamentos de Álgebra MacQuarrie e Schneider 3
1.2 Divisibilidade
Dados dois números inteiros a, b, podemos sempre somar, subtrair e multiplicar eles entre si. Quando a
gente pode dividir eles é uma questão mais sutil: se a = 6, b = 3, então a dividido por b é 6/3 = 2 ∈ Z,
mas b não pode ser dividido por a em Z, pois 3/6 = 1/2 ̸∈ Z. Como sempre, começaremos com definições
formais:
Definição. Dados a, b ∈ Z, diremos que b divide a, ou que a é divisı́vel por b, ou que a é múltiplo de b, se
existir q ∈ Z tal que q · b = a. Quando b divide a, escrevemos b | a, e caso contrário escrevemos b ∤ a
Exemplos. • 3 | 6, pois podemos pegar q = 2 e assim 2 · 3 = 6, logo 3 | 6 pela definição.
• 6 ∤ 3, pois não existe nenhum q ∈ Z tal que q · 6 = 3.
4. Se b | a, então b | ac.
5. Se c | a e c | b, então c | (a + b) e c | (a − b).
Demonstração. 1. Já que a = 1 · a, então a | a.
2. Exercı́cio.
3. Por hipótese, a = qb e b = q ′ a para alguns q, q ′ ∈ Z. Se a = 0, então b = q ′ · 0 = 0 e a afirmação vale.
Suponha a ̸= 0. Temos
a = qb = qq ′ a.
Mas a = 1a e o quociente é único, então qq ′ = 1. As únicas opções são q = q ′ = 1 (logo a = 1b = b)
ou q = q ′ = −1 (logo a = −b).
4. Exercı́cio.
a + b = qc + q ′ c = (q + q ′ )c,
b < 0: Fácil! Já que −b > 0, pelas partes anteriores existem q, r com 0 ⩽ r < |b| tais que a = q(−b) + r, e
assim
a = q(−b) + r = (−q)b + r,
como desejada.
Unicidade: Suponha que a = qb + r e que a = q ′ b + r′ com 0 ⩽ r, r′ < b. Nossa tarefa é para mostrar que
q = q ′ e r = r′ . Temos
qb + r = q ′ b + r′
=⇒ qb − q ′ b = r′ − r
=⇒ (q − q ′ )b = r′ − r.
Já que 0 ⩽ r, r′ < |b|, temos |r′ − r| ⩽ |(b − 1) − 0| = |b − 1|. Assim (q − q ′ )b é um múltiplo de b tal que
|(q − q ′ )b| ⩽ |b − 1|. O único múltiplo de b com essa propriedade é 0. Assim (q − q ′ )b = 0 e logo, já que
b ̸= 0, temos q − q ′ = 0 e logo q = q ′ . Substituindo q − q ′ = 0 na última equação acima, temos
(q − q ′ )b = r′ − r
=⇒ 0b = r′ − r
=⇒ r = r′ .
e a prova está completa.
Exemplo. Com números negativos, tenha cuidado com a forma padrão. A regra chave é que 0 ⩽ r < |b| e
em particular, r é sempre não negativo. Por exemplo
b = 5, a = 14 : 14 = 2 · 5 + 4 logo q = 2 , r = 4,
b = 5, a = −14 : − 14 = −3 · 5 + 1 logo q = −3 , r = 1,
b = −5, a = 14 : 14 = −2 · −5 + 4 logo q = −2 , r = 4,
b = −5, a = −14 : − 14 = 3 · −5 + 1 logo q = 3 , r = 1.
Nas próximas seções, veremos umas aplicações do teorema de divisão. As aplicações são interessantes
por si só!