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Fundamentos de Álgebra MacQuarrie e Schneider 1

0.1 Raı́zes e divisibilidade


Raı́zes de um polinômio f correspondem aos fatores lineares de f :
Lema. Dado f (x) ∈ F[x] e α ∈ F, temos a divisão
f (x) = q(x)(x − α) + f (α). (algum q(x))
Logo α é raı́z de f se, e somente se, (x − α) divide f .
Demonstração. Escreva f (x) = q(x)(x − α) + r, notando que r é constante já que gr(x − α) = 1. Evaluando
f em α, obtemos
−(
(
f (α) = (q(α)(α
((( α) + r = r,
assim f (x) = q(x)(x − α) + f (α). Segue que (x − α) divide f (x) se, e somente se, f (α) = 0.
Corolário. Um polinômio f (x) ∈ F[x] de grau n possui no máximo n raı́zes.
Demonstração. Trabalhamos por indução sobre n. Se n = 1 então f (x) = x − α, que claramente possui
somente uma raı́z α. Suponha que o resultado vale para todo polinômio de grau menor que n (nossa HI) e
seja α raiz de f (x). Assim f (x) = q(x)(x − α) pelo lema anterior. Já que gr(q(x)) < n, q possui no máximo
n − 1 raı́zes pela HI. Se β fosse outra raiz de f então
0 = f (β) = q(β)(β − α).
Mas β − α ̸= 0, assim q(β) = 0 e β é raiz de q. Já que as outras raı́zes de f são raı́zes de q, tem no máximo
n − 1 deles e assim f tem no máximo (n − 1) + 1 = n raı́zes, incluindo α.
Sobre corpos quaisquer, um polinômio pode não ter nenhuma raiz. A mágica de C é que sempre tem:
Teorema. (Teorema Fundamental de Álgebra) Seja f (x) um polinômio de grau pelo menos 1 em C[x].
Então f possui raiz em C.
Qualquer prova deste teorema (tem várias) precisa de conceitos fora da álgebra, geralmente de análise.
Não provaremos ele aqui.
Corolário. Dado f (x) ∈ C[x] mônico de grau n, podemos escrever f como o produto
f (x) = (x − α1 )(x − α2 ) . . . (x − αn )
com cada αi ∈ C.
Demonstração. Exerı́cio: pode usar indução sobre n e o Teorema Fundamental de Álgebra.
Exemplo. Considere f (x) = xn − 1 em C[x], com raı́zes α0 = 1, α1 , . . . , αn−1 . Para qualquer raiz αk de f ,
temos αk n = 1, assim as raı́zes de f são as n-ésimas raı́zes de 1. Já sabemos da introdução a C que elas
têm a forma
αk = cos(2kπ/n) + i sen(2kπ/n).
Assim
n−1
Y
xn − 1 = (x − cos(2kπ/n) − i sen(2kπ/n)).
k=0

A decomposição de um polinômio em R[x] é um pouco mais complicada do que em C[x], mas não muito.
Veremos que f (x) ∈ R[x] é um produto de fatores ou lineares (como em C[x]), ou quadráticos.
Dado z = a + bi em C, se lembre que o seu conjugado complexo é z = a − bi. Num exercı́cio, provaram
que y + z = y + z e que y · z = yz. Observe também que z = z se, e somente se, z ∈ R.
Lema. Se f (x) ∈ R[x] tem raiz z ∈ C, então z também é raiz de f .
Demonstração. Seja f (x) = αn xn + . . . + α1 x + α0 com cada αi ∈ R. Temos
f (z) = αn z n + . . . + α1 z + α0
= αn · z n + . . . + α1 · z + α0
= αn z n + . . . + α1 z + α0
= f (z)
= 0. ✓
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Se lembre da fórmula quadrática que o polinômio quadrático ax2 + bx + c ∈ R[x] possui raizes reais se,
e somente se, o seu discriminante ∆ = b2 − 4ac for ⩾ 0.
Teorema. Seja f (x) ∈ R[x] mônico de grau n ⩾ 1. Então f (x) pode ser escrito como um produto de fatores
lineares x − α com α ∈ R, e fatores quadráticos x2 + β + γ com discriminante β 2 − 4γ < 0.
Demonstração. Indução sobre n. Se n = 1 então f (x) = x − α já está na forma procurada. Suponha que
f (x) tem grau n e que o resultado vale para qualquer polinômio de grau menor (nossa HI).
Se f (x) tem raiz real α então escreva f (x) = q(x)(x − α). Já que gr(q) = n − 1 < n, o teorema vale para
q, e logo para f .
Se não, seja z = a + bi ̸∈ R uma raiz complexa de f (x). Pelo lema anterior, z também é raiz de f (x), e
logo
f (x) = (x − z)(x − z)q(x)
com gr(q) = n − 2. Afirmamos que (x − z)(x − z) ∈ R[x]: temos

(x − z)(x − z) = x2 − (z + z)x + z · z = x2 − 2a + ∥z∥2 ∈ R[x]. ✓

Observe que ∆(x2 − 2a + ∥z∥2 ) < 0, pois suas raı́zes não são reais. Assim

f (x) = (x2 − 2ax + ∥z∥)q(x).

Mas q(x) pode ser escrito da forma procurada pela HI, e assim f (x) também pode.
Obtemos um fato conhecido de Cálculo:
Corolário. Se f (x) ∈ R[x] tem grau ı́mpar, então f possui raiz real.
Demonstração. Pelo teorema, se f não tivesse raiz real, então f (x) seria um produto de fatores quadráticos,
e assim o grau de f seria par.
Exemplo. Vamos decompor f (x) = xn − 1 ∈ R[x]. Observe que −1 é raiz de f se, e somente se, n é par.
Assim temos dois casos:
n par: As raı́zes são α0 = 1, αn/2 = −1, α1 , . . . , α n2 −1 , α1 , . . . , α n2 −1 (o desenho das raı́zes de 1 deixa isso
nı́tido, veja a Seção sobre C!). Temos

(((( + cos(2kπ/n) − (
( (
i sen(2kπ/n)
αk + αk = cos(2kπ/n) + ( i sen(2kπ/n)
((((
= 2cos(2kπ/n).

e
αk · αk = ∥αk ∥2 = 1,
assim os fatores quadráticos de xn − 1 são x2 − 2cos(2kπ/n)x + 1 com k ∈ {1, . . . , n2 − 1}. Temos
n
2 −1
Y
f (x) = (x − 1)(x + 1) (x2 − 2cos(2kπ/n)x + 1).
k=1

n ı́mpar: Similar, só que −1 não é raiz neste caso. Temos


n−1
Y2

f (x) = (x − 1) (x2 − 2cos(2kπ/n)x + 1).


k=1

0.2 Existência de Elementos Primitivos em Zp


Se lembre que um elemento primitivo de Zn é um elemento a de Z× n de ordem φ(n): assim todo elemento
de Z×n é uma potência de a. Vimos que quando n é composto, pode não existir um elemento primitivo, mas
afirmamos que com p primo, sempre tem. Mas fiquei devendo a prova, então vamos prová-la agora.
Teorema. Seja p primo. Existem elementos de Z×
p de ordem p − 1.
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Demonstração. Seja b ∈ Z×
p de ordem k. Sabemos que k | φ(p) = p − 1. Afirmo que existem exatamente
m
φ(k) elementos de ordem k em Zp : as k potências distintas b (m ∈ {1, . . . k}) de b são raı́zes de xk − 1, pois
m k m
(b )k − 1 = (b )m − 1 = 1 − 1 = 0.

Já que xk − 1 tem no máximo k raı́zes, segue que essas são todas. Por um exercı́cio de uma lista,
m
|b | = k/mdc(k, m)
m
e assim b tem ordem exatamente k se, e somente se, mdc(k, m) = 1. Ou seja, tem exatamente φ(k) delas,
como afirmado.
Seja ψ(k) o número de elementos de ordem exatamente k em Z× p . Pelo argumento acima, para cada
divisor k de p − 1, ψ(k) é ou 0 ou φ(k). Mas por um outro exercı́cio, temos
X
φ(k) = p − 1.
k|(p−1)

Assim X X
p − 1 = | Z×
p |= ψ(k) ⩽ φ(k) = p − 1.
k|(p−1) k|(p−1)

Logo a desigualdade tem que ser igualdade, e em particular temos que ψ(p − 1) = φ(p − 1) ̸= 0. Ou seja,
existem φ(p − 1) elementos de Z×
p com ordem p − 1.

0.3 Polinômios Irredutı́veis


A gente considerará um conceito análogo ao conceito de “primo” em Z, em domı́nios quaisquer, com foco
em F[x].
Definição. Seja R domı́nio e 0 ̸= a ∈ R com a ̸∈ R× . Diremos que a é redutı́vel se existem b, c ∈ R − R×
(= em R mas não em R× ) com a = bc. Caso contrário, diremos que a é irredutı́vel.
Os elementos de R× e 0 são nem redutı́veis nem irredutı́veis.
Exemplo. Seja R = Z. Se a ∈ Z é redutı́vel então existem b, c diferentes de 1, −1 tais que a = bc. Ou
seja, os elementos redutı́veis são os números compostos. Os elementos irredutı́veis em Z são exatamente os
números primos.
Exercı́cio. Sejam a ∈ R, u ∈ R× . Mostre que a é irredutı́vel se, e somente se, ua é irredutı́vel.
Estudaremos irredutibilidade dos polinômios de grau pequeno:
Lema. Seja F um corpo e f (x) ∈ F[x].
1. Se gr(f ) = 1, então f é irredutı́vel.
2. Se gr(f ) > 1 e f possui raiz em F, então f é redutı́vel.
3. Se gr(f ) é 2 ou 3, então f é redutı́vel se, e somente se, f possui raiz em F.
Demonstração. 1. Suponha que gr(f ) = 1 e f = gh. Queremos provar que g ou h pertence a F[x]× . Já
que
gr(f ) = 1 = gr(g) + gr(h),
segue que gr(g) = 0 ou gr(h) = 0. Mas polinômios de grau 0 são invertı́veis, então acabou.
2. Se α for raiz de f , então f (x) = (x − α)g(x) para algum g(x). Já que gr(f ) > 1,

gr(g) = gr(f ) − 1 > 0

e assim ambos (x − α) e g são não invertı́veis, e logo f é redutı́vel.


3. A volta segue de Parte 2 então falta a ida. Seja f redutı́vel de grau 2 ou 3 e escreva f = gh com
1 ⩽ gr(g) ⩽ gr(h). Se gr(g) ⩾ 2 então gr(gh) ⩾ 2 + 2 > gr(f ), assim gr(g) = 1. Logo g = αx − β com
α ̸= 0 e β em F, assim β/α ∈ F é raiz de f .
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Um jeito esperto de procurar raı́zes racionais:


Exercı́cio. (“Teorema das raı́zes racionais”) Seja f (x) = αn xn + . . . + α1 x + α0 ∈ Z[x]. Suponha que f
possui raiz racional a/b (escrita com a, b ∈ Z, mdc(a, b) = 1). Mostre que a | α0 e b | αn .
Exemplos. 1. Cuidado com os coeficientes! f (x) = 2x − 2 tem grau 1, logo f (x) é irredutı́vel em Q[x]
pelo lema. Mas em Z[x], f (x) = 2 · (x − 1) é o produto de dois elementos não invertı́veis, assim 2x − 2
é redutı́vel em Z[x]!
2. Seja f (x) = x3 + x + 1. Tendo grau ı́mpar, sabemos que f tem raiz em R[x] e logo f é redutı́vel em
R[x]. Mas pelo Teorema das raı́zes racionais as únicas raı́zes racionais possı́veis de f são ±1, que não
são raı́zes. Assim f não tem raiz em Q[x] e logo pelo lema ele é irredutı́vel em Q[x].
3. f (x) = x3 + x + 1 em Z3 [x] tem raiz 1, assim f é redutı́vel em Z3 [x].
4. f (x) = x4 + 2x2 + 1 não possui raiz em R[x], mas f (x) = (x2 + 1)2 então mesmo assim f ∈ R[x] é
redutı́vel.
Já decompomos os polinômios em C[x] e R[x], então entendemos os irredutı́veis:
Teorema. 1. Os polinômios irredutı́veis de C[x] são os polinômios lineares (= de grau 1).
2. Os polinômios irredutı́veis de R[x] são os polinômios lineares e os polinômios quadráticos com discri-
minante negativo.
Demonstração. Exercı́cio: Use uns resultados da Seção “Raı́zes e divisibilidade” para provar este teorema.

A questão de irredutibilidade em Q[x] e Z[x] é mais sútil e passaremos tempo com essa questão depois.

0.4 O Teorema de Fatoração para polinômios


Provaremos o análogo do Teorema Fundamental da Aritmética. Nesta seção, F é um corpo.
Lema. Sejam f (x), g(x), h(x) ∈ F[x] com f irredutı́vel e suponha que f | gh. Então f | g ou f | h.
Demonstração. Já que f | gh, escreva gh = cf com c ∈ F[x]. Se f | g então acabou, então suponha que
f ∤ g. Assim, já que f é irredutı́vel, mdc(f, g) = 1 e logo existem polinômios u, v tais que

uf + vg = 1
=⇒ uf h + vgh = h
=⇒ (uh + vc)f = h
=⇒ f | h.

Teorema. (O Teorema de Fatoração para polinômios) Sendo f (x) ∈ F[x] um polinômio de grau pelo menos
1, existem α ∈ F× e polinômios mônicos irredutı́veis q1 , . . . , qk com

f = αq1 . . . qk .

Esta fatoração é única a menos da ordem dos fatores.


Demonstração. Temos
 
α1 α0
f (x) = αn xn + . . . + α1 x + α0 = αn xn + . . . + x+
αn αn

então se xn + . . . + ααn1 x + ααn0 tem fatoração única, então f também tem. Então vamos supor que f é mônico.
Existência da fatoração: Indução sobre gr(f ). Se gr(f ) = 1 então f é irredutı́vel então f = f já é a
decomposição. Fixe f mônico de grau > 1 e suponha que temos a fatoração para qualquer polinômio de
grau menor do que gr(f ) (nossa HI). Se f é irredutı́vel, então f = f é a decomposição que queremos. Se
não, então podemos escrever f = f1 f2 com f1 , f2 mônicos de grau < gr(f ). Pela HI, temos

f1 = q1 . . . qs , f2 = r1 , . . . , rt
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como cada qi , rj mônico e irredutı́vel. Assim

f = f1 f2 = q1 . . . qs r1 . . . rt

é a decomposição procurada.
Unicidade da fatoração: Suponha que

f (x) = q1 (x) . . . qk (x) = r1 (x) . . . rm (x)

são duas decomposições de f como produto de fatores irredutı́veis, com k ⩽ m. Trabalharemos por indução
sobre k. Se k = 1 então f = q1 é irredutı́vel, logo m = 1 e r1 = q1 , como a gente querı́a. Suponha (nossa
HI) que qualquer polinômio que tem uma decomposição como produto de menos que k fatores possui uma
única fatoração. Temos
q1 | r1 . . . rm
e assim pelo lema, q1 | ri para algum i. Mas ri é irredutı́vel, e assim q1 = ri . Reordenando podemos supor
que q1 = r1 . Assim
q1 . . . qk = q1 r2 . . . rm ,
e podemos aplicar a lei de cancelamento, assim

q2 . . . qk = r2 . . . rm .

Mas agora, pela HI, m = k e para cada i ∈ {2, . . . k}, qi = rj para algum j ∈ {2, . . . m = k}. A unicidade
segue.
Exemplo. Nem é sempre que existe uma decomposição única como produto de elementos irredutı́veis num
domı́nio. O exemplo mais famoso onde der ruim é
√ √
Z[i 5] = {a + bi 5 | a, b ∈ Z}.

Neste domı́nio, temos duas decomposições distintas do elemento 6 como produto de irredutı́veis:
√ √
6 = 2 · 3 = (1 − i 5)(1 + i 5).

0.5 O Lema de Gauss


Entendemos como decompor polinômios em C[x] e R[x] como produto de irredutı́veis. Em Q[x] a questão
é mais difı́cil, e pode nem ser claro se um polinômio é irredutı́vel ou não. Procuraremos uns métodos que
ajudam.
αn n α1 α0
Seja f (x) = βn x + ... + β1 x + β0 ∈ Q[x]. Umas observações:
1. Dado 0 ̸= γ ∈ Q, γf é irredutı́vel se, e somente se, f é irredutı́vel. Assim podemos multiplicar por
constantes não nulos a vontade.
2. Multiplicando f pelo produto β = βn . . . β1 β0 , temos βf ∈ Z[x]: assim podemos supor que f ∈ Z[x].
3. Um polinômio γn xn + . . . + γ1 x + γ0 ∈ Z[x] é primitivo se não existe nenhum primo p que divide todos
os γi . Se nosso f ∈ Z[x] não é primitivo então existe p dividindo todo γi e podemos dividir f por p e
ainda tem um polinômio em Z[x]. Repetindo, podemos supor que nosso f é primitivo.
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Exemplo. Vamos aplicar isso a f (x) = 3 x + 2 x + 2 ∈ Q[x]. O produto dos denominadores é β =
3 · 2 · 2 = 12. Multiplicando:
12f = 40x2 + 90x + 30.
O primo 2 divide todo termo então podemos dividir:
12
f = 20x2 + 45x + 15.
2
O primo 5 ainda divide todo termo então podemos dividir:
12
f = 4x2 + 9x + 3.
2·5
Nenhum primo divide todo coeficiente, assim o polinômio 56 f ∈ Z[x] é primitivo.
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Essas observações nos dizem que basta considerar f ∈ Z[x] primitivo. Faremos isso para frente.

Definição. Sejam f = an xn + . . . + a1 x + a0 ∈ Z[x] e p primo. A redução módulo p de f é o polinômio

f = an xn + . . . + a1 x + a0 ∈ Zp .

Exercı́cio. Sendo f, g ∈ Z[x] e p primo, mostre que:

1. f = 0 em Zp [x] se, e somente se, p divide todo coeficiente de f ,


2. f + g = f + g,
3. f · g = f g.
Lema. Sejam f, g polinômios primitivos em Z[x]. Então h = f g é primitivo também.

Demonstração. Suponha que p divide todo coeficiente de h, assim h ∈ Zp [x] é 0. Mas assim

0 = h = f · g.

Já que Zp [x] é domı́nio, segue que ou f = 0, assim p divide todo coeficiente de f e f não é primitivo, ou
g = 0, assim p divide todo coeficiente de g e g não é primitivo.
Com essas ferramentas em mão, chegamos pra questão: dado f (x) ∈ Z[x], quero saber se ele é irredutı́vel
em Q[x]. O Lema de Gauss nos dirá que para decidir, basta confirmar se ele é irredutı́vel em Z[x]:
Teorema. Se f (x) é redutı́vel em Q[x], então ele também é redutı́vel em Z[x].

Demonstração. Suponha que f se decomponha como f = gh em Q[x], com gr(g), gr(h) < gr(f ). Sendo a
o produto dos denominadores dos coeficientes de g e b o produto dos denominadores dos coeficientes de h,
temos ag, bh ∈ Z[x] e
abf = (ag)(bh) ∈ Z[x].
Agora sejam x ∈ N o maior divisor comum dos coeficientes de ag e y ∈ N o maior divisor comum dos
coeficientes de bh. Assim ag = xg0 , bh = yh0 com g0 , h0 ∈ Z[x] primitivos. Temos
xy
abf = (ag)(bh) = (xg0 )(yh0 ) = (xy)(g0 h0 ) =⇒ f= g0 h0 .
ab
Já que g0 , h0 são primitivos, g0 h0 é primitivo pelo lema. Segue que xy ab ∈ Z, pois senão, ele teria
denominador maior que 1 e logo pelo menos um coeficiente de xy ab g0 h0 = f não seria em Z. Assim n = xy
ab ∈ Z.
xy
Mas agora f = n · g0 h0 e logo n = ab = ±1, já que f é primitivo. Então xy = ±ab e podemos cancelar,
obtendo
f = ±g0 h0 – um produto de polinômios de grau < gr(f ) em Z [x].

Exemplo. Mostraremos que f (x) = x4 + x2 + x + 1 é irredutı́vel em Q[x]. Pelo Teorema da raiz primitiva
(um exercı́cio anterior), as únicas raı́zes racionais possı́veis são ±1, mas nenhuma delas é raı́z. Assim f não
tem fator linear. Se ele se decomposse, teria que ser assim:

f (x) = (x2 + ax + b)(x2 + cx + d)

com a, b, c, d ∈ Z pelo Lema de Gauss. Expandindo o produto, temos

x4 + x2 + x + 1 = f = x4 + (a + c)x3 + (b + d + ac)x2 + (ad + bc)x + bd.

Agora
a + c = 0 =⇒ c = −a e bd = 1 =⇒ b = d.
Assim
1 = ad + bc = ad − ba = a(d − b) = 0 – impossı́vel!
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0.6 O Critério de Eisenstein


Quando funcionar, o Critério de Eisenstein é o jeito mais fácil de ver que um polinômio em Z[x] é irredutı́vel
em Q[x]:
Teorema. (Critério de Eisenstein) Seja

f (x) = an xn + . . . + a1 x + a0 ∈ Z[x]

e suponha que existe p primo tal que p ∤ an , p | ai ∀i < n e p2 ∤ a0 . Então f é irredutı́vel em Q[x].
Demonstração. Suponha, procurando contradição, que f se decompõe em Q[x]. Assim, pelo Lema de Gauss,
f = gh com g, h ∈ Z[x] de grau menor que n. Escreva

g(x) = br xr + . . . + b1 x + b0 ,
h(x) = cs xs + . . . + c1 x + c0

com r, s < n. Já que p divide a0 = b0 c0 mas p2 não, segue que p divide ou b0 ou c0 , mas não ambos.
Suponha (sem perda de generalidade) que p | b0 . Já que p ∤ an = br cs , temos que p ∤ br .
Seja t ∈ {1, . . . , r} o menor valor tal que p ∤ bt . Vamos analizar o termo at :

at = b0 ct + b1 ct−1 + . . . + bt−1 c1 + bt c0 .

p | at já que t < n, e também p | bi para todo i < t pela escolha de t. Mas p ∤ bt e p ∤ c0 , assim p ∤ bt c0 . Mas
então bt c0 = at − b0 ct − . . . − bt−1 c1 : p divide o lado direito mas não divide o lado esquerdo – absurdo!
Exemplo. Pelo critério de Eisenstein, o polinômio xn − p ∈ Z[x] é irredutı́vel em Q[x] para todo n. Segue
que existem polinômios irredutı́veis de qualquer grau em Q[x].
Exemplo. Às vezes temos que ser espertos para usar Eisenstein: Seja p primo. Temos

g(x) = xp − 1 = (x − 1)(xp−1 + . . . + x + 1).

Afirmo que não dá para simplificar mais em Q[x]: ou seja, que o “p-ésimo polinômio ciclotômico”

f (x) = xp−1 + . . . + x + 1

é irredutı́vel. Faremos uma mudança de variáveis, então seja y = x − 1. Temos

(x − 1)(xp−1 + . . . + x + 1) = g(x) = g(y + 1)


= (y + 1)p − 1
 
p p−2
= (y p + py p−1 + y + . . . + py + 1) − 1
2
= y(y p−1 + py p−2 + . . . + p)
= (x − 1)(y p−1 + py p−2 + . . . + p).

Assim cancelando x − 1,

f (x) = xp−1 + . . . + x + 1 = y p−1 + py p−2 + . . . + p = f (y + 1).

O Critêrio de Eisenstein se aplica pro lado direito, então do teorema, concluı́mos que f (y + 1) = f (x) é
irredutı́vel, como afirmado.

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