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Sobre o Lema de Morse

Amanda Cristina Estevam


Daiane Alice Henrique
Maria Carolina Stefani Mesquita Macena
Jean Cerqueira Berni

30 de junho de 2010

“Mathematics are the result of mysterious powers which no one understands, and which the uncons-
cious recognition of beauty must play an important part. Out of an infinity of designs a mathematician
chooses one pattern for beauty’s sake and pulls it down to earth 1 .”

Marston Morse

1 Introdução
Em topologia diferencial, as técnicas desenvolvidas na teoria de Morse nos dão um modo direto de
analisar a topologia de uma variedade por estudar as funções diferenciáveis naquela variedade. De acordo
com os tı́picos “insights”de Marston Morse, uma função diferenciável definida em uma variedade irá re-
fletir, num caso tı́pico, sua topologia de maneira direta. Neste trabalho vamos lidar com o Lema de
Morse, que é uma aplicação do Teorema da Função Inversa .

Antes de Morse, Arthur Cayley e James Clerk Maxwell desenvolveram algumas das ideias da teoria
de Morse no contexto da topologia. Morse originalmente aplicou sua teoria a geodésicas (pontos crı́ticos
do funcional de energia sobre os caminhos). Estas técnicas foram utilizadas na prova de Raoul Bott de
seu celebrado “teorema da periodicidade”.

Grosso modo, o Lema de Morse nos diz que uma função “suficientemente”suave, nas proximidades
de um ponto crı́tico não-degenerado se comporta como uma forma quadrática, após uma mudança apro-
priada de coordenadas.

O Lema de Morse-Palais foi originalmente provado no caso de dimensões finitas pelo matemático
americano Marston Morse. Tal resultado interpreta um papel crucial na Teoria de Morse, um ramo da
topologia diferencial. Tal teoria é muito importante na fı́sica matemática, como, por exemplo, na famosa
teoria das cordas. A generalização do lema para espaços de Hilbert é devida ao matemático Richard
Palais. Abaixo uma fotografia do ilustre Marston Morse2 em 1965:

1
A matemática é o resultado de forças misteriosas que ninguém compreende e cujo reconhecimento inconsciente da beleza
deve interpretar um papel importante. Dentre uma infinidade de modelos, um matemático escolhe um, por motivos de
beleza, e o arrebata aqui para a terra.
2
Harold Calvin Marston Morse - nascido aos 24 de março de 1892 e falecido aos 22 de junho de 1977

1
2 Lema de Morse
Para demonstrar o Lema de Morse, precisaremos da seguinte:

Observação: Seja:
2 2
f : Rn −→ Rn
X 7−→ X 2
A aplicação f é de classe C (∞) e sua derivada em cada ponto X é a transformação linear:
2 2
Df (X) : Rn −→ Rn
V 7−→ V · X + X · V
2 2
No ponto X = Id, temos Df (Id)·V = 2·V , logo a derivada, Df (Id) : Rn −→ Rn é um isomorfismo.
2
Pelo teorema da função inversa, existem abertos U, W ⊂ Rn ambos contendo Id = f (Id), tais que
f : U −→ W é um difeomorfismo C (∞) . Isto significa que toda matriz Y suficientemente próxima da
identidade (Y ∈ W ) possui uma raiz quadrada, a qual é única se impusermos que ela esteja suficientemente
próxima da identidade (Y ∈ U ).

Teorema 2.1. (Lema de Morse:) Seja a um ponto crı́tico não degenerado de uma função

f : Rn ⊃ U −→ R

de classe C (k) , k ≥ 3 num aberto U ⊂ Rn . Existe um sistema de coordenadas

ξ : V −→ W

de classe C (k−2) , com a ∈ W ⊂ U , 0 ∈ V e ξ(0) = a, tal que:


n
X
f (ξ(y)) − f (a) = aij yi yj
i,j=1

para todo y ∈ (y1 , · · · , yn ) ∈ V ), onde


1 ∂2f
aij = (a)
2 ∂xi ∂xj

2
Demonstração : Para simplificarmos a notação, consideraremos a = 0. Se a 6= 0, podemos efetuar
uma translação que leve a em 0. Seja W = B(0, δ1 ) ⊂ W . Considerando a fórmula de Taylor com resto
integral (Usaremos que f (a + x) = f (a) + f 0 (a) ·x + r2 (x)):
|{z} | {z }
=0 p. crı́tico
n
X
x ∈ W ⇒ f (x) = aij (x)xi xj
i,j=1

com Z 1
∂2f
aij (x) = r2 (x) = (1 − t) (tx)dt
0 ∂xi ∂xj
Temos que aij (x) é uma função de classe C (k−2) , de modo que, se montarmos a matriz

A: U −→ Mn×n (R)
x 7−→ (aij (x)) 1≤i≤n
1≤j≤n

A(x) também é de classe C (k−2)


Afirmação: A matriz A(x) é simétrica ∀x ∈ U . Com efeito,
Z 1 Z 1
∂2f T eo.Schwarz ∂2f
aij (x) = (1 − t) (tx)dt = (1 − t) (tx)dt = aji (x) ∀x ∈ U
0 ∂xi ∂xj 0 ∂xj ∂xi
de modo que
AT = A
Afirmação:
f (x) = hA(x) · x, xi
De fato, observemos que, sendo 

x1
x =  ... 
 

xn
e  
a11 (x) a12 (x) · · · a1n (x)
 .. .. .. .. 
A(x) =  . . . . 
an1 (x) an2 (x) · · · ann (x)
temos que
n
X
(A(x) · x)i = aij (x)xj
j=1

de modo que
 
n
X n
X Xn n
X
hA(x) · x, xi = (A(x) · x)i xi =  aij (x)xj  xi = aij (x)xi xj = f (x)
i=1 i=1 j=1 i,j=1

Agora, observe que:


Z 1 Z 1
∂2f ∂2f 1 ∂2f
aij (0) = (1 − t) (0)dt = (0) (1 − t)dt = (0)
0 ∂xi ∂xj ∂xi ∂xj 2 ∂xi ∂xj
| 0 {z }
1
2

3
 
def 1 ∂2f
A0 = A(0) = (aij (0)) 1≤i≤n = (0)
1≤j≤n 2 ∂xi ∂xj 1≤i≤n
1≤j≤n

Como 0 é, por hipótese, um ponto crı́tico não-degenerado, segue-se que A0 é invertı́vel. Isto nos permite
afirmar que, para cada x ∈ W podemos escrever A(x) como o produto de A0 por uma matriz B(x), de
classe C (k−2) , que satisfaz B(0) = Id, afinal,a ideia é construir B do seguinte modo:

B(x) = A−1
0 A(x) ∀x ∈ W

e em x = 0 queremos
def
B(0) = A−1 −1
0 A(0) = A0 A0 = Id

Pela observação demonstrada anteriormente, podemos tomar uma matriz B suficientemente próxima
da matriz identidade, tal que esta admita uma única matriz B ∈ C (k−2) tal que

B(x)2 = B(x)B(x) = B(x) ∀x ∈ W

Assim,
A(x) = A0 B(x) = A0 B(x)2
Como ∀x ∈ W , A0 e A(x) são matrizes simétricas, tomando transpostas obtemos:

A0 B(x)2 = A = AT = (A0 B(x)2 )T = [B(x)2 ]T AT0 = B T (x)2 A0

A0 B(x)2 = B T (x)2 A0

Id
z }| {
B(x)2 = A−1
0 B T
(x)2
A0 = A−1 T
0 B (x)B T
(x)A0 = A−1 T
0 B (x) [A −1 T
0 A0 ] B (x)A0 =
−1 2
= (A0 B T (x)A−1 T −1 T
0 )(A0 B (x)A0 ) = (A0 B (x)A0 )

Como estamos trabalhando com matrizes suficientemente próximas da identidade, duas matrizes com
quadrados iguais devem ser iguais, i.e.,

B(x)2 = (A0 B T (x)A−1 2 T −1


0 ) ⇒ B(x) = A0 B (x)A0

Assim,
A(x) = A0 B(x)2 = A0 B(x)B(x) = B T (x)A0 B(x) ∀x ∈ W
Assim, podemos escrever:

f (x) = hA(x) · x, xi = hB T (x)A0 B(x) · x, xi = hA0 B(x) · x, B(x) · xi

Numa vizinhança aberta suficientemente pequena de 0, W , temos que a aplicação:

ϕ: W −→ Rn
x 7−→ B(x) · x

é um difeomorfismo de classe C (k−2) sobre sua imagem, pois para todo x ∈ W e todo v ∈ Rn
   
∂ ∂ ∂ ∂
Dϕ(x) · v = ϕ(x) = (B(x) · x) = B(x) Id(x) + B(x) Id(v) =
∂v ∂v ∂v ∂v

= B(x) · x + B(x) · v
∂v

4
Fazendo x = 0, vem:
=0
z }| { Id
∂ z }| {
Dϕ(0) · v = B(0) · 0 + B(0) ·v
∂v
Dϕ(0) · v = v
é a aplicação identidade, e portanto é um isomorfismo. Pelo teorema da função inversa

ϕ: W −→ V
x 7−→ B(x) · x

é um difeomorfismo de classe C (k−2) com

ϕ(0) = Id(0) · 0 = Id · 0 = 0

e
f (x) = hA0 ϕ(x), ϕ(x)i ∀x ∈ W
Ora, para ξ tomemos o difeomorfismo inverso de ϕ, ou seja:

ξ = ϕ−1 : V −→ W
y = ϕ(x) 7−→ hA0 ϕ(x), ϕ(x)i = hA0 y, yi

De fato, ξ é um sistema de coordenadas de classe C (k−2) , com ξ(0) = 0 tal que:


n
X
f (ξ(y)) = hA0 y, yi = hA0 ϕ(x), ϕ(x)i = aij yi yj
i,j=1

quod erat demonstrandum.

3 Considerações Finais
Uma função real suave em uma variedade V é uma função de Morse se todos os seus pontos crı́ticos
forem não-degenerados (ou seja, a matriz hessiana em todos os pontos crı́ticos de f é invertı́vel). Um
resultado básico da teoria de Morse diz que quase todas as funções são funções de Morse. tecnicamente,
as funções de Morse constituem um aberto denso do subconjunto de todas as funções suaves de V em R,
na topologia de C (2) .

4 Referências Bibliográficas
[1] LIMA, Elon L. - Um curso de análise - volume 2, IMPA, Rio de Janeiro, 11a edição, 2009, pp. 281,
283,284
[2]http://en.wikipedia.org/wiki/Morsetheory

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