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Os Números Reais - parte II

C. Vinagre
Notas de Aula 2 – Os Números Reais - parte II H. Clark

Metas da aula:
• recordar a definição de valor absoluto de um número real e provar
várias propriedades relativas a este conceito;

• apresentar a definição de supremo e ı́nfimo de um conjunto e provar


várias propriedades relacionadas com este conceito;

• apresentar o Axioma do Supremo e provar propriedades dos números


reais que decorrem deste axioma;

• introduzir a linguagem matemática apropriada para tratar de todos


os conceitos e enunciados a serem estudados e apresentar formas de
descrever raciocı́nios usando esta linguagem;

• apresentar métodos apropriados para demonstrar propriedades básicas


sobre valor absoluto de número real e sobre supremo e ı́nfimo de con-
juntos de números reais;

Objetivos: Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer e saber aplicar as principais propriedades de módulo de um


número real;

• Escrever o raciocı́nio para demonstrar proposições simples envolvendo


os conceitos de valor absoluto e supremo e ı́nfimo de conjunto de
números reais, usando adequadamente a linguagem matemática.

• Escrever o raciocı́nio para demonstrar que um dado número real é o


supremo ou ı́nfimo de um dado conjunto de números reais, usando
adequadamente a linguagem matemática.

Introdução

Este texto inicia com o estudo do conceito de valor absoluto (ou


módulo) em R. A partir dele, se define distância entre dois números re-
ais, que servirá para descrever a ideia de aproximação, presente em noções
tais como as de limite, continuidade e derivada de uma função. Também
são estudados nestas Notas de Aula os conceitos de supremo e ı́nfimo de um
subconjunto de R para que o Axioma do Supremo seja apresentado. Este
axioma é o que estabelece a principal diferença entre Q e R: por exemplo,
é a partir do Axioma do Supremo que se pode provar que a equação x2 = 2
admite solução em R, fato que não é verdadeiro em Q como foi visto nas
Notas de Aula 1. O Axioma do Supremo é também a principal ferramenta

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Notas
de Aula para provar, por exemplo, a validade do Teorema do Valor Intermediário, já
conhecido da disciplina de Cálculo e que será estudado nas Notas de Aula
10.

Valor Absoluto em R

A relação de ordem ≤ e a propriedade de tricotomia em R permitem


estabelecer o conceito de módulo (ou valor absoluto). A saber,

Definição 2.1 Seja a ∈ R. O valor absoluto ou módulo de a é o número


real, denotado |a|, que satisfaz:

|a| = a, se a ≥ 0 e |a| = −a, se a < 0.

Por exemplo, |2| = 2 e | − 2| = 2.

Observação 2.1 Decorre diretamente da Definição 2.1 que |a| ≥ 0 para todo a ∈
R . Note que a Definição 2.1 afirma que |a| = a nos casos a > 0 e a = 0.

♦ Prelúdio 2.1 Se P[x] e Q[x] são sentenças matemáticas sobre um objeto


x, o enunciado
“se Q[x] então P[x] ”
é chamado recı́proca do enunciado
“ se P[x] então Q[x]”.
Uma implicação pode ser verdadeira sem que sua recı́proca o seja. Por exemplo,

a implicação “ se x ∈ R e x ≥ 10 então x ≥ 1 ” é verdadeira, mas sua

recı́proca, “ se x ∈ R e x ≥ 1 então x ≥ 10 ”, é falsa, pois, por exemplo,

2 ∈ R e 2 ≥ 1 e não é verdade que 2 ≥ 10.
Quando a implicação
“ se P[x] então Q[x]”
e sua recı́proca são ambas verdadeiras, escreve-se
P[x] se e somente se Q[x] (em sı́mbolos: P[x] ⇔ Q[x]). (∗)
Enunciados como em (∗) são chamados biimplicações ou equivalências e já
foram estudados nas Notas de Aula 1.

As propriedades de módulo que se seguem são muito importantes.


Note que, pela própria forma da sua definição, a demonstração de resultados
envolvendo módulo muitas vezes requer a separação em casos. Estude com
cuidado os raciocı́nios desenvolvidos a seguir.

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Proposição 2.1 (a) Para todo a ∈ R, |a| = 0 se e somente se a = 0;


(b) Para todo a ∈ R, | − a| = |a|;
(c) Para todos a, b ∈ R, |ab| = |a||b|;
(d) Se a, c ∈ R e c ≥ 0 então |a| ≤ c se, e somente se, −c ≤ a ≤ c;
(e) Se a ∈ R então −|a| ≤ a ≤ |a|.

Prova: (a) (⇒) Por hipótese, a ∈ R e |a| = 0. Suponha, por contradição,


que a 6= 0. Pela tricotomia, a > 0 ou a < 0. Ora, no primeiro caso tem-se,
pela Definição 2.1, que |a| = a > 0, contrariando a hipótese. No segundo
caso, |a| = −a > 0, pois a < 0. Mas aqui também contraria-se a hipótese
inicial. Logo não é possı́vel que seja a 6= 0. Conclui-se que a = 0.
(⇐) Por hipótese, a = 0. Daı́ e da Definição 2.1 tem-se que |a| = 0. 

(b) Seja a ∈ R. Então a ≥ 0 ou a < 0 pela tricotomia. Será necessário


concluir que | − a| = |a| em cada caso. Suponha inicialmente que a ≥ 0.
Então −a ≤ 0. Daı́ e da Definição 2.1, |a| = a e | − a| = −(−a) = a.
Portanto, |a| = | − a| neste caso. Suponha agora a < 0. Então |a| = −a.
Mas como agora −a > 0, tem-se | − a| = −a, e portanto, |a| = | − a| também
neste caso. Conclui-se que vale o resultado em qualquer caso. 

(c) Exercı́cio. Considere as quatro possibilidades para o par de números a e


b e demonstre a conclusão em cada caso.

(d) Por hipótese (geral) a, c ∈ R com c ≥ 0.


(⇒) Por hipótese, |a| ≤ c. É preciso mostrar que −c ≤ a e que a ≤ c. Sendo
a hipótese uma afirmação sobre |a|, para se poder afirmar algo sobre a é
preciso considerar os dois casos, a ≥ 0 e a < 0, e mostrar a conclusão em
cada caso. Para isto, suponha primeiramente que a ≥ 0. Então a = |a| ≤ c.
Além disso, −c ≤ 0 ≤ a. Portanto, vale a conclusão −c ≤ a ≤ c no caso
a ≥ 0. No caso em que a < 0, usando a Definição 2.1 e a hipótese vem que
−a = |a| ≤ c. Logo, −c ≤ a. Além disso, a < 0 ≤ c. Portanto, vale a
conclusão −c ≤ a ≤ c também no caso a < 0. Logo, vale a conclusão em
qualquer dos dois casos possı́veis. A implicação (⇒) está provada.
(⇐) Por hipótese, −c ≤ a ≤ c, ou seja, a ≤ c e −c ≤ a. Como é preciso
concluir algo sobre |a|, consideram-se os dois casos possı́veis e mostra-se a
conclusão em cada um. Ora, no caso a ≥ 0 tem-se |a| = a ≤ c e se a < 0
então |a| = −a ≤ c. Portanto, em qualquer caso, |a| ≤ c. 
(d) Exercı́cio.
Há proposições envolvendo a noção de módulo que têm uma demons-
tração alternativa onde, ao invés de separação em casos, são aplicados re-
sultados já provados. Isto é o que será feito na prova da próxima afirmação,

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de Aula uma das mais importantes propriedades da noção de valor absoluto de um
número real, muito usada nas aplicações: a desigualdade triangular.

Proposição 2.2 (Desigualdade triangular) Se a, b são elementos de R


então
|a + b| ≤ |a| + |b|. (∗)

Prova: Sejam a, b ∈ R. Da Proposição 2.1 (e) tem-se −|a| ≤ a ≤ |a| e


−|b| ≤ b ≤ |b|. Adicionando membro a membro e usando a Proposição ??
(b) resulta
−(|a| + |b|) ≤ a + b ≤ |a| + |b|.
Daı́ e da Proposição 2.1 (d) tem-se (∗).
Decorre do resultado acima que

Corolário 2.1 Para todos a, b ∈ R, ||a| − |b|| ≤ |a − b|.

Prova: Escrevendo a = (a − b) + b e aplicando a desigualdade triangular


obtém-se |a| = |(a − b) + b| ≤ |a − b| + |b|. Adicionando −|b| resulta

|a| − |b| ≤ |a − b|. (?)

Analogamente, usando a desigualdade triangular para b = (b−a)+a, obtém-


se |b| = |(b − a) + a| ≤ |b − a| + |a|. Segue daı́ que −(|a| − |b|) ≤ |b − a|. Mas
pela Proposição 2.1 (b), tem-se que |b − a| = | − (a − b)| = |a − b|. Pode-se
então escrever que −(|a| − |b|) ≥ |a − b|, ou seja,

−|a − b| ≤ |a| − |b|. (??)

De (?), (??) e Proposição 2.1 (d) obtém-se que ||a| − |b|| ≤ |a − b|.

♦ Prelúdio 2.2 Como mencionado nas Notas de Aula 01 e usado no Prelúdio


2.1, uma implicação da forma
“ se P[x] então Q[x]” (ou p∀ x, se P[x] então Q[x]”) (*)
é falsa se e somente se, a hipótese P[x] é verdadeira e a conclusão Q[x] é falsa.
Portanto, para mostrar que uma implicação é falsa, deve-se exibir um objeto x
do contexto em que se está trabalhando, que satisfaça a hipótese P[x] e não
satisfaça a conclusão Q[x]. Ou seja,
“ se P[x] então Q[x]” é uma afirmação falsa
se e somente se “ existe x tal que P[x] é verdadeira e Q[x] é falsa”. O mesmo
vale para garantir que uma afirmação da forma
p∀ x, se P[x] então Q[x]” é afirmação falsa.
Este objeto x que satisfaz P[x] e não satisfaz Q[x] chama-se um contra-exemplo
para a implicação (*).

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Exemplo 2.1 A afirmação “para todo x, se x ≥ 3 então x > 3” é falsa,


pois existe x = 3 ∈ R tal que 3 ≥ 3 mas não é verdade que 3 > 3.

A reta real

É comum representar-se geometricamente o conjunto dos números re-


ais por uma reta no qual se marcam a origem 0 e o 1. A partir daı́, pode-se
marcar na reta os demais inteiros, usando-se o segmento de extremos 0 e
1 como medida e também os números racionais, nas subdivisões deste seg-
mento. Este apoio fornecido pela representação geométrica é bastante forte
e influencia a nomenclatura. Por exemplo, números reais são, muitas vezes,
chamados de “pontos da reta”. Nesta interpretação, o módulo de x ∈ R,
|x|, fornece a distância de x à origem da reta. Em termos precisos, tem-se:

Definição 2.2 A distância entre dois números reais x e y é definida como


|x − y|.

Por exemplo, a distância entre x = −3 e y = 4 é igual a | − 3 − 4| = 7


e a distância de x ao zero é | − 3 − 0| = 3 - marque os pontos na reta e
identifique este fato.
Considera-se que os irracionais podem também ser tratados como pon-
tos da reta. No estudo da Análise Real, a representação do conjunto R como
uma reta servirá no máximo como um apoio para o entendimento de alguns
conceitos, mas desenhos não servirão como justificativa para os raciocı́nios:
de fato, as demonstrações sempre se apoiarão nos Axiomas e nos resultados
já provados.
A relação de ordem em R determina importantes subconjuntos cha-
mados intervalos.

Definição 2.3 Um intervalo é um subconjunto I de R com a propriedade


de que, para todos x, y ∈ I, se z ∈ R é tal que x < z < y então z ∈ I (note
que esta definição tem a forma de uma implicação).

Para os intervalos mais usados existem notações especı́ficas:

(a, b) := {x ∈ R ; a < x < b}, [a, b] := {x ∈ R ; a ≤ x ≤ b},


(a, b] := {x ∈ R ; a < x ≤ b}, [a, b) := {x ∈ R ; a ≤ x < b},
(−∞, b) := {x ∈ R ; x < b}, (−∞, b] := {x ∈ R ; x ≤ b},
(a, +∞) := {x ∈ R ; x > a}, [a, +∞) := {x ∈ R ; x ≥ a}.

Os intervalos dos tipos (a, b), [a, b], (a, b] e [a, b) são chamados interva-
los limitados com extremos a e b e podem ser vistos geometricamente como

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de Aula segmentos da reta real: o primeiro é chamado um intervalo aberto, o segundo
é um intervalo fechado. Os intervalos dos tipos (a, +∞), (−∞, b), [a, +∞) e
(−∞, b] são ditos ilimitados e podem ser identificados geometricamente com
semirretas. É também comum escrever R = (−∞, +∞). Chama-se atenção
para o fato de que −∞ e +∞ são apenas sı́mbolos convenientes, que se
leem “menos infinito” e “mais infinito”, respectivamente, e não representam
números reais.
Os conjuntos {1, 2, 100}, N, Z, Q, I1 = {x ∈ R ; x < 2 ou x ≥ 7},
I2 = {2n ; n ∈ N} e I3 = { 21n ; n ∈ N} são subconjuntos de R que não são
intervalos pois não satisfazem à definição dada acima: por exemplo, como
existem x = 213 e y = 212 pertencentes a I3 e z = 16 3
∈ R é tal que 18 < 16
3
< 14
3
mas 16 ∈
/ I3 então I3 não é um intervalo de R (estude o Prelúdio 2.2, entenda
esta justificativa e verifique as outras afirmações como exercı́cio.)
A próxima definição fornece uma ideia de “aproximação” que será
fundamental para estabelecer os conceitos de limite de uma sequência e de
uma função num ponto, o que será feito nas Lições 4 e 7, respectivamente.

Definição 2.4 Sejam a,  elementos de R com  > 0. A vizinhança de a


de raio  é o conjunto
V (a) := {x ∈ R ; |x − a| < }
de todos os reais x cuja distância a a é menor do que  .

Ora, pela Proposição 2.1 (d), afirmar que x ∈ R pertence a V (a) sig-
nifica, que

− < x − a <  , o que equivale a a −  < x < a + . (2.1)

Assim, em linguagem matemática, escreve-se para x ∈ R:

x ∈ V (a) ⇔ − < x − a <  ⇔ a −  < x < a + . (∗∗)

Usando as notações de intervalo e as equivalências (∗∗), conclui-se que a


vizinhança V (a) de centro a e raio  é um intervalo aberto, ou seja, V (a) =
(a − , a + ).

R como corpo ordenado completo

Aprende-se em Álgebra que o conjunto Q satisfaz todas as proprieda-


des algébricas e de ordem já estudadas em R, ou seja, que Q é também um
corpo ordenado. No entanto, nas Notas de Aula 1 mostrou-se que não existe
número racional que seja solução para a equação x2 = 2. Este fato mostra
que o conjunto dos números racionais tem “lacunas” ou “deficiências”. Os

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irracionais são os números reais que preenchem estas “lacunas” e permitem


a representação geométrica de R como uma reta. O fato de que em R não
há tais “lacunas” é que o faz ser “completo” no sentido que será tornado
preciso adiante. Esta é a propriedade de R que é fundamental para o esta-
belecimento das noções de limite, continuidade e derivada, que são básicas
para o estudo de Análise, iniciado pelas disciplinas de Cálculo Diferencial e
Integral.
Essas deficiências de Q não ocorrem em R porque aqui vale o Axioma
do Supremo, o qual é fundamental na caracterização dos elementos de R.

Definição 2.5 Seja A um subconjunto de R.

(i) Um número real s é uma cota superior de A quando a ≤ s para todo


a ∈ A;

(ii) Um número real i é uma cota inferior de A quando i ≤ a para todo


a ∈ A.

(iii) A é chamado conjunto limitado superiormente quando existe alguma


cota superior para A (diz-se, neste caso, que o conjunto A possui uma
cota superior). Analogamente, A é chamado conjunto limitado infe-
riormente quando existe alguma cota inferior para A (também diz-se
neste caso, que o conjunto A possui uma cota inferior). Diz-se que A é
conjunto limitado quando A é limitado superiormente e inferiormente.

Exemplo 2.2 (1) Os subconjuntos de R da forma (a, b), [a, b], (a, b], [a, b)
são todos conjuntos limitados superiormente e inferiormente, por isso
são ditos intervalos limitados. Em todos eles, o número real b é
uma cota superior, assim como todo número real maior ou igual a b .
Analogamente, o número real a é uma cota inferior para todos estes
intervalos, assim como todo número real menor ou igual a a . É muito
importante notar que uma cota pode pertencer ou não ao conjunto.
Quando se diz “o conjunto S possui cota superior (respectivamente,
cota inferior)”, isto significa que existe tal cota, mas não necessari-
amente que a cota pertence ao conjunto. Por exemplo, 2 e qualquer
número real maior do que 2 são cotas superiores do intervalo (0, 2),
mas nenhuma destas cotas pertence ao conjunto.

(2) Os subconjuntos de R da forma (−∞, b), (−∞, b], (a, +∞), [a, +∞),
(−∞, +∞) são chamados intervalos ilimitados, pois não são limitados
superiormente ou inferiormente ou ambos: de fato, o primeiro e o se-
gundo são conjuntos limitados superiormente mas não são limitados

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de Aula inferiormente, o terceiro e o quarto são conjuntos limitados inferi-
ormente mas não limitados superiormente e o último intervalo é um
conjunto que não é limitado inferiormente e nem superiormente. Os
sı́mbolos −∞ e +∞, que não são números reais, indicam exatamente
esta ideia de inexistência de cota inferior e superior, respectivamente,
para estes conjuntos.
√ √
(3) O conjunto 12 , − 41 , 51 , − 52 , 3, − 2 é limitado (− 52 é uma cota infe-


rior e 3 é uma cota superior, verifique!). Na verdade, todo conjunto
finito é limitado, um resultado que se pode provar usando indução ma-
temática. Note que a recı́proca desta afirmação não é verdadeira, ou
seja: nem todo conjunto limitado é finito: os intervalos limitados do
item (1) servem de contra-exemplo.

Observação 2.2 As afirmações abaixo decorrem imediatamente da Definição


2.5:

(1) Se A ⊂ R é limitado superiormente então A possui infinitas cotas su-


periores. Analogamente, os subconjuntos de R limitados inferiomente
têm infinitas cotas inferiores. Por exemplo, 2 e todo real maior do que
2 é cota superior dos conjuntos (0, 2), {0, −3, −27, 2} e de (−∞, 2].
Assim também, 3 e qualquer real menor do que 3 é uma cota inferior

para os conjuntos {5, 4, 3, 27 , 3 2}, [3, 6] e (3, +∞) .

(2) c ∈ R não é uma cota superior do conjunto A ⊂ R se, e somente se,


existe algum número real a ∈ A tal que c < a. Por exemplo, 2 não é
uma cota superior de A = {a ∈ R ; a < 2, 5} pois existe a = 2, 1 ∈ A
tal que 2 < 2, 1.

(3) d ∈ R não é uma cota inferior de A se, e somente se, existe algum
elemento a ∈ A tal que a < d. Justifique precisamente o fato de − 52
não ser uma cota inferior do conjunto {2, −2, 12 , − 12 , 3, −3, 4, −4} .

(4) Pela Definição 2.5, todo número real c é uma cota superior do conjunto
vazio ∅. De fato, em caso contrário, pelo item (2) existiria a ∈ ∅ tal
que c < a. Mas, isto é absurdo, pois não há elemento em ∅. Por-
tanto, a afirmação está provada. De modo similar, mostra-se que todo
número real é uma cota inferior de ∅.

Definição 2.6 (i) Seja A um subconjunto de R limitado superiormente.


Um número real s é chamado supremo de A quando s é a menor das
cotas superiores de A, ou seja, s é uma cota superior de A e é a menor
de todas elas.
Notação: s = sup A.

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(ii) Seja A um subconjunto de R limitado inferiormente. Um número real


i é chamado ı́nfimo de A quando i é a maior das cotas inferiores de A,
ou seja, i é uma cota inferior para A e é a maior das cotas inferiores
de A.
Notação: i = inf A.

Assim, pela Definição 2.6, o supremo s de um conjunto A é uma cota


superior e é a menor das cotas superiores de A. Ora, esta segunda parte
da definição pode ser entendida como: um número real menor do que s não
é uma cota superior para A. Com isto, as duas condições da definição são
descritas em linguagem matemática da seguinte forma: (releia o item (2) da
Observação 2.2):
Para s ∈ R, s = sup A quando s satisfaz as duas seguintes condições:
(S1) a ≤ s, para todo a ∈ A e
(S2) se c ∈ R e c < s então existe a ∈ A tal que c < a.
O caso do ı́nfimo i de um conjunto A é análogo: em linguagem ma-
temática, a definição é expressa por duas condições, como segue:
Dado i ∈ R, i = inf A quando i satisfaz as duas seguintes condições:
(I1) i ≤ a, para todo a ∈ A e
(I2) se d ∈ R e i < d então existe a ∈ A tal que a < d.
√ √
Exemplo 2.3 Para A1 = {0, −2, 3, 35 }, tem-se sup A1 = 3 e inf A1 =
−2. Para A2 = {x ∈ R ; 2 ≤ x < 7}, vale sup A2 = 7 e inf A2 = 2. O
√ √
conjunto A3 = {x ∈ R ; x < 2} tem sup A3 = 2 mas não existe ı́nfimo de
A3 . Para A4 = { n1 ; n ∈ N}, vale sup A4 = 1 e inf A4 = 0. Os conjuntos Z,
Q e R não admitem supremo e nem ı́nfimo. Na sequência, você vai aprender
a dar justificativas para estas afirmações. Neste momento, procure entender
os conceitos através dos exemplos dados.

Observação 2.3 (1) A condição (S1) diz que s é uma cota superior do
conjunto A e (S2) afirma que um número menor do que s não é uma
cota superior de A. É através destas duas condições que se descreve
precisamente a ideia de que o supremo de A é a menor das cotas
superiores de A.
Desta ideia segue ainda que: se existe sup A então um número real
s0 é uma cota superior de A se e somente se, sup A ≤ s0 . Ou seja,
a ≤ s0 para todo a ∈ A se, e somente se, sup A ≤ s0 .

(2) De forma análoga: a condição (I1) diz que i é uma cota inferior do
conjunto A e (I2) afirma que um número maior do que i não é uma
cota inferior de A. É por meio destas duas condições, que se traduz a

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Notas
de Aula ideia de que o ı́nfimo de A é a maior das cotas inferiores de A. Daı́
segue que, se existe inf A, então um número real i0 é uma cota inferior
de A se e somente se, inf A ≥ i0 .

(3) O supremo de um conjunto A, quando existe, é único. De fato: supo-


nhamos que s1 e s2 sejam ambos supremos de A. Então, por definição,
ambos são cotas superiores de A e ambos são menores do que quaisquer
outras cotas superiores de A. Daı́ tem-se então que s1 ≤ s2 e s2 ≤ s1 .
Segue que s1 = s2 e a afirmação está provada. Um raciocı́nio análogo
mostra que o ı́nfimo de um conjunto não vazio, quando existe, é único.
Faça como exercı́cio.

(4) Se s0 é uma cota superior de um conjunto A e s0 ∈ A então s0 =


sup A. De fato, a condição (S1) da Definição 2.6 é satisfeita por
hipótese. E, se c < s0 então é claro que c não é cota superior de
A pois, por hipótese, s0 ∈ A. Assim, a condição (S2) da Definição 2.6
também é satisfeita, e portanto, s0 = sup A. De forma análoga, prova-
se que: se i0 é uma cota inferior de A e i0 ∈ A então i0 = inf A. Faça
como exercı́cio.

Exemplo 2.4 Considere atentamente os exemplos a seguir e as justificati-


vas apresentadas para as afirmações.

(1) Como −1 é uma cota inferior de A1 = {x ∈ R ; −1 ≤ x ≤ 1} e


−1 ∈ A1 então do item (4) da Observação 2.3 tem-se que −1 = inf A1 .
Por raciocı́nio análogo, mostra-se que 1 = sup A1 .

(2) Para o conjunto A2 = {x ∈ R ; x < 1} o real 1 é uma cota superior


pois x ≤ 1, para todo x ∈ A2 . Portanto, 1 satisfaz a condição (S1).
Aqui 1 ∈ / A2 , logo não se pode usar o item (4) da Observação 2.3.
Deve-se mostrar diretamente que a condição (S2) da Definição 2.6 é
satisfeita: de fato, se c ∈ R e c < 1 então existe (c + 1)/2 ∈ A2 sendo
que c < (c + 1)/2 < 1. Portanto, existe x = (c + 1)/2 ∈ A2 tal que
c < x. Assim, nenhum número real c < 1 é uma cota superior de A2 ,
ou seja, provou-se que vale a condição (S2) para o número 1. Fica
então garantido que 1 = sup A2 . Por outro lado, A2 não é limitado
inferiormente e portanto não existe ı́nfimo de A2 .

Definição 2.7 Seja A um subconjunto de R. Diz-se que um número real s0


é o elemento máximo de A quando s0 é uma cota superior de A e s0 ∈ A.
Notação: s0 = max A.
Analogamente, diz-se que i0 ∈ R é o elemento mı́nimo de A quando i0 é
uma cota inferior de A e i0 ∈ A.
Notação: i0 = min A.

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Exemplo 2.5 Para o conjunto A1 = {x ∈ R ; 2 ≤ x < 7}, tem-se max A1 =


7 mas A1 não possui elemento mı́nimo. Para A2 = {1, 9, −5}, vale max A2 =
9 e min A2 = −5.

Observação 2.4 (1) O elemento máximo e o elemento mı́nimo de um


conjunto, quando existem, são únicos. Justifique esta afirmação usando
a Definição acima.

(2) A Definição 2.7 diz exatamente que o elemento máximo de um con-


junto é uma cota superior que pertence ao conjunto. Formulação
análoga vale para o elemento mı́nimo de um conjunto. Por exemplo,
sejam A1 e A2 os conjuntos do Exemplo 2.4. Tem-se que max A1 =
1 = sup A1 e min A1 = −1 = inf A1 . O conjunto A2 não possui ele-
mento máximo apesar de valer sup A2 = 1. Isto ocorre porque 1 ∈
/ A2 .

Assim, se s é o elemento máximo de um conjunto então s é o supremo


do conjunto. Por outro lado, o supremo de um conjunto é seu elemento
máximo se o supremo pertence ao conjunto. Um conjunto pode possuir
supremo e não possuir elemento máximo; mas se existe o elemento
máximo do conjunto, este é o supremo do conjunto.

(3) Todo conjunto finito de números reais possui elemento máximo e ele-
mento mı́nimo, portanto possui supremo e ı́nfimo. Em particular,
max{a, b} = b se, e somente se, b ≥ a.

(4) Segue direto da Definição 2.1 que, para todo a ∈ R, |a| = max{a, −a}.
Esta igualdade poderia ter sido utilizada para definir |a|.

O Axioma do Supremo e suas consequências

Com base nos axiomas algébricos e de ordem estabelecidos, que fazem


de R um corpo ordenado, não é possı́vel mostrar uma das mais importantes
propriedades de R, a chamada “Propriedade do Supremo”, também cha-
mada “Propriedade da Completeza” - note que, se isto fosse possı́vel, ela
também valeria no corpo ordenado Q. Em cursos de pós-graduação, quando
se estuda uma das formas de construir o conjunto R a partir do conjunto
Q, esta propriedade aparece como teorema a ser demonstrado. Neste estudo
introdutório à Análise Real, a propriedade do supremo é estabelecida como
axioma, ou seja, sem necessidade de demonstração.
Axioma do Supremo
Todo subconjunto de R não vazio e limitado superiomente admite um su-
premo em R.

11
Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
de Aula Munido do Axioma do Supremo, o corpo ordenado R é dito um corpo
ordenado completo. Pode-se mostrar que, a menos de isomorfismos, R é o
único corpo ordenado completo.
A propriedade análoga para o ı́nfimo não precisa ser estabelecida como
axioma, pois pode ser demonstrada a partir do Axioma do Supremo.

Proposição 2.3 Todo subconjunto A de R não vazio e limitado inferio-


mente possui um ı́nfimo em R.

Prova: Seja A um subconjunto de R, não vazio e limitado inferiormente.


Considere o conjunto A1 = {−a ∈ R ; a ∈ A}. Note que −a ∈ A1 se e
somente se a ∈ A. Logo, como A 6= ∅ então A1 6= ∅ e, como A é limitado
inferiormente então A1 é limitado superiormente (verifique!). Pelo Axioma
do Supremo, existe s = sup A1 . A ideia é mostrar que −s é o ı́nfimo de
A. De fato, como s é uma cota superior de A1 , vale s geq − a, para todo
−a ∈ A1 ; então −s ≤ a, para todo a ∈ A e a condição (I1) da Definição
2.6 é satisfeita. Para provar a condição (I2), seja d ∈ R tal que d > −s.
Então −d < s = sup A1 , ou seja, −d não é uma cota superior de A1 . Logo,
existe −a ∈ A1 tal que −d < −a, donde d > s. Ou seja, existe a ∈ A (pois
−a ∈ A1 ) tal que a < d. Portanto, nenhum real d > −a é cota inferior
para A. A condição (I2) da Definição 2.6 é também satisfeita, e portanto
−s = inf A.
Uma importante consequência do Axioma do Supremo é que o con-
junto dos números naturais N não é limitado superiormente em R. Ou seja,
nenhum x ∈ R é uma cota superior para N. É notável que este fato, certa-
mente conhecido por você desde o Ensino Médio, não pode ser demonstrado
apenas por meio dos axiomas algébricos e de ordem estabelecidos nas Notas
de Aula 1.

Teorema 2.1 (Propriedade Arquimediana) Se x ∈ R então existe n0 ∈


N tal que n0 > x, ou seja, x não é uma cota superior para N.

Prova: Seja x ∈ R. Suponha, por contradição, que para todo n ∈ N se


tenha que n ≤ x, ou seja, que x é uma cota superior de N. Então, pelo
Axioma do Supremo, o conjunto dos naturais N tem supremo, dado que é
um conjunto não vazio. Seja s = sup N. Como s − 1 < s então s − 1 não é
cota superior para N. Logo, existe m ∈ N tal que s − 1 < m. Mas daı́ se
obtém s < m + 1 sendo que m + 1 ∈ N. Isto contradiz o fato de que s é
o supremo de N. Esta contradição veio da suposição de que x é uma cota
superior para N. Portanto, vale o contrário do que se supôs para x, ou seja,
pode-se afirmar que existe n0 ∈ N tal que n0 > x.

12
Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark

Os enunciados abaixo serão deduzidos como corolários do anterior.


Eles são também às vezes nomeados como “Propriedade Arquimediana”,
pois são diferentes maneiras de expressá-la. Na verdade, são todos enuncia-
dos equivalentes, mas isto não será mostrado aqui.

Corolário 2.2 (a) Se y e z são números reais positivos então existe n ∈ N


tal que z < ny;
1
(b) Para cada número real y > 0 existe n ∈ N tal que 0 < n < y;
(c) Se z > 0 é um número real então existe n ∈ N tal que n − 1 ≤ z < n.

Prova: (a) Se y e z são números reais positivos então yz é um real positivo.


Pela Proposição 2.1 existe n ∈ N tal que n > yz , ou seja, que z < ny. 

(b) Dado y > 0 em R, para z = 1, tem-se 1 < ny pelo item (a), e conse-
quentemente n1 < y. Como n1 > 0 conclui-se o resultado. 

(c) Como z ∈ R, a Proposição 2.1 garante que A = {m ∈ N; z < m} é não


vazio. Além disso, A é um conjunto limitado inferiormente por 0. Como
A ⊂ N, o Princı́pio da Boa Ordenação estudado em Álgebra garante que
existe o elemento mı́nimo de A (note que aqui não adianta usar a propriedade
do ı́nfimo, pois este não será necessariamente um número inteiro). Seja n
este menor elemento de A. Então n−1 ∈ / A e n > z. Portanto, n−1 ≤ z < n.

n o
3
Exemplo 2.6 Mostrar que, para o conjunto C = 2n−1 ; n ∈ N , tem-se:
(a) inf C = 0, (b) sup C = 3.

Prova: (a) Para mostrar que inf C = 0, é necessário mostrar que as


condições (I1) e (I2) da Definição 2.6 são satisfeitas pelo 0.

(I1) Seja n ∈ N. Como n ≥ 1 então 2n ≥ 2 e daı́, 2n − 1 ≥ 1 > 0. Logo


1 3 3
2n−1 > 0 e portanto, 2n−1 > 0. Assim, 2n−1 > 0 para todo n ∈ N, o que
significa que 0 é uma cota inferior para C.

(I2) Para mostrar que 0 é a maior das cotas inferiores de C, será fundamental
usar a Propriedade Arquimediana na forma
“para todo número real x existe n ∈ N tal que n > x.”
Para isto, supõe-se que b é um número real e que vale b > 0. Deve-se mostrar
que b não é uma cota inferior para C. Ou seja, deve-se mostrar que existe
3 3
2n0 −1 ∈ C tal que 2n0 −1 < b. Para encontrar este elemento de C, efetuam-se
manipulações algébricas como explicado abaixo. Entenda que estas contas
ainda não são a demonstração!

13
Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
de Aula Procedimento algébrico preliminar para encontrar n0 para a de-
monstração: Procura-se n0 ∈ N tal que 2n03−1 < b sabendo-se que b > 0.
Faz-se à parte, uma conta de “trás para a frente” como a seguir:
3 2n0 −1>0 3b>0 3+b
b> ⇔ 2n0 b − b > 3 ⇔ 2n0 b > 3 + b ⇔ n0 > .
2n0 − 1 2b

Parece então que n0 > 3+b


2b serve para o problema; isto deverá ser provado.
A propriedade Arquimediana garante que tal n0 existe (deve-se notar que
na última passagem, o fato de se ter b > 0 é fundamental e isto deverá
ser ressaltado na demonstração - vide). Fim do procedimento algébrico
preliminar. Agora, segue a demonstração propriamente dita:

Demonstração de I2: Seja b ∈ R tal que b > 0. Então 3+b


2b é um número real.
Pela Propriedade Arquimediana, existe n0 ∈ N tal que
3+b
n0 > .
2b
Daı́, usando as propriedades algébricas de R, chega-se a

2bn0 > 3 + b, pois 2b > 0. (∗)

∴ 2n0 b − b > 3
(2.2)
∴ b(2n0 − 1) > 3.
Como 2n0 − 1 > 0, pois n0 ≥ 1, pode-se escrever
3
b> . (∗∗)
2n0 − 1

Assim, existe (pelo menos) um elemento 2n03−1 ∈ C tal que 2n03−1 < b. Logo
b não é cota inferior para C. Fica provado então que para todo número
real b > 0, tem-se que b não é uma cota inferior para C. Logo, provou-se
que as condições (I1) e (I2) da Definição 2.6 são satisfeitas e conclui-se que
0 = inf C. 

(b) Pela Definição 2.6, para mostrar que sup C = 3 é necessário mostrar
que valem as condições (S1) e (S2).

(S1) Seja n ∈ N. Então n ≥ 1 e daı́, 2n ≥ 2. Logo, 2n − 1 ≥ 1 e assim


1 3 3
2n−1 ≤ 1. Daı́ 2n−1 ≤ 3. Portanto, vale 2n−1 ≤ 3 para todo n ∈ N, o que
significa que 3 é uma cota superior para C. A condição (S1) é satisfeita.
3
(S2) Aqui é preciso notar que 3 = 2.1−1 ∈ C. Ou seja, 3 é uma cota superior
de C (por (S1)) que pertence a C. Já se comentou que nesta situação tem-se
que 3 = sup C, como se queria (reveja a Observação 2.3(4)).

Observação 2.5 De modo geral, a necessidade de fazer um “procedimento


algébrico preliminar ” como acima, aparece quando é preciso encontrar um

14
Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark

objeto satisfazendo certa propriedade e que está relacionado com os demais


objetos do problema. Outras situações em que tais procedimentos são ne-
cessários aparecerão no decorrer deste estudo. Atente para o fato de que
este procedimento algébrico preliminar não é a demonstração. Os cálculos
que aparecem na demonstração vêm deste procedimento feito à parte - mas,
na demonstração, eles não aparecem na mesma ordem em que ocorrem
lá e nem têm o mesmo objetivo: por exemplo, no procedimento algébrico
deve-se encontrar um natural n0 com certa propriedade e na demonstração,
garantindo-se que existe um n0 com uma outra condição, mostra-se que ele
satisfaz àquela propriedade. Estude com muito cuidado este exemplo, de
modo a compreender completamente o raciocı́nio realizado e conseguir ex-
plicá-lo para outro colega que também tenha entendido. Esta é uma excelente
prática de estudo.
n
2n
Exemplo 2.7 Considere mostrar que, para o conjunto C = 3n+2 ; n ∈
o
N , tem-se:

(a) inf C = 52 , (b) sup C = 32 .

Prova:
(a) (I1) Seja n ∈ N. Tem-se que:

2 2n 3n+2>0
≤ ⇔ 2(3n + 2) ≤ 5(2n) ⇔ 6n + 4 ≤ 10n ⇔ 4 ≤ 4n ⇔ 1 ≤ n .
5 3n + 2
Como todas os enunciados são equivalentes e o último é verdadeiro então o
primeiro é verdadeiro. Como o natural n inicial é arbitrário, pode-se afirmar
que, para todo n ∈ N, 25 ≤ 3n+2
2n
. Está provado que 25 é uma cota inferior
para C.

(I2) No caso do conjunto C acima, 52 é uma cota inferior de C (por (I1))


e 25 ∈ C - basta fazer n = 1 na definição de C. Portanto, pela Observação
2.3 (4) tem-se que 25 = inf C. 

(b) (S1) Seja n ∈ N. Tem-se que

2n 2 3n+2>0
≤ ⇔ 3(2n) ≤ 2(3n + 2) ⇔ 6n ≤ 6n + 4 ⇔ 0 ≤ 4 .
3n + 2 3
Como todos os enunciados são equivalentes e é verdade que 4 ≥ 0 então
2n
é verdade que 3n+2 ≤ 23 . Como o natural n inicial foi arbitrariamente
2n
fixado, pode-se afirmar que para todo n ∈ N, vale 3n+2 ≤ 23 . Portanto, por
definição, 32 é uma cota superior para C.

(S2) Seja c ∈ R tal que c < 32 . Deve-se exibir x ∈ C tal que c < x.
2c
Pela Propriedade Arquimediana, existe n0 ∈ N tal que n0 > 2−3c . Note que

15
Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
de Aula 2 − 3c > 0 pois c < 23 (verifique). Sendo 2 − 3c > 0, de n0 > 2c
2−3c tem-se
que n0 (2 − 3c) > 2c.

∴ 2c < 2n0 − 3n0 c


∴ 3n0 c + 2c = (3n0 + 2)c < 2n0 .
2n0 2n0 2n0
Portanto, c < 3n0 +2 , sendo que 3n0 +2 ∈ C. Assim, existe x = 3n0 +2 ∈ C tal
que c < x.

Pelas etapas (S1) e (S2) acima e pela Definição 2.4 (2), fica garantido que
2
3 = sup C.

O desenvolvimento acima foi obtido fazendo-se um procedimento algébrico


preliminar à parte, procurando n0 que satisfizesse c < 3n2n0 +2
0
. Note que este
procedimento algébrico preliminar não aparece na demonstração e que, por
outro lado, todas as passagens do raciocı́nio são explicitadas. É um bom
exercı́cio fazer o procedimento algébrico preliminar para encontrar o n0 da
demonstração acima, só para praticar.

♦ Prelúdio 2.3 Em Matemática, o enunciado “ existe x tal que P[x] ” sig-


nifica que existe pelo menos um objeto x que tem a propriedade P[x].
Na maioria das vezes, mas não em todas as vezes, para garantir que a
afirmação “ existe x que satisfaz a propriedade P[x] ” é verdadeira, deve-se
exibir um objeto x e mostrar que ele realmente tem a propriedade P[x]. Em
algumas situações, usa-se um resultado para garantir a existência do objeto x,
veja o que foi feito nos Exemplos 2.6 e 2.7 onde a Propriedade Arquimediana
garante a existência do n0 conveniente. Note que esta não foi a técnica utilizada,
na prova do Teorema 2.1, onde se raciocinou por absurdo. Também não será a
técnica utilizada nos resultados que vão ser provados adiante, depois do próximo
exemplo.

Exemplo 2.8 (a) O enunciado “existe um número real x tal que x2 < x”
é verdadeiro, pois, por exemplo, para x = 12 ∈ R vale x2 = ( 12 )2 = 14 <
1
2 = x.

(b) No Exemplo 2.6, para garantir a existência de (pelo menos) um n0 ∈ N


satisfazendo n0 > 3+b
2b foi preciso utilizar a Propriedade Arquimediana.
Note que tal n0 não é único, pois todo n > n0 também serve. É claro
que os enunciados “existe n0 ∈ N tal que n0 > 3+b 2b ” e “existe n ∈ N
3+b
tal que n > 2b ” têm o mesmo sentido.

(c) A afirmação “existe um número racional que pertence ao intervalo


(0, 1) = {x ∈ R; 0 < x < 1}” é verdadeira, pois, por exemplo, 45 é

16
Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark
4
um número racional que pertence ao intervalo (0, 1), já que 0 < 5 =
0, 8 < 1 .

Uma situação importante em que se aplica o Axioma do Supremo é


para garantir a existência de números reais satisfazendo certas hipóteses ou
como solução de equações. Para ilustrar este fato, mostra-se a seguir que a
equação x2 = 2 tem uma solução positiva em R. Já foi mostrado nas Notas
de Aula 1 que este fato não é verdadeiro em Q.

Proposição 2.4 Existe um número real positivo c tal que c2 = 2.

Prova: Seja A = {y ∈ [0, +∞) ; y 2 < 2}. Como 1 ∈ A então A é não vazio.
Além disso, A é limitado superiormente por 2, pois se z > 2 então z 2 > 4,
de modo que z ∈ / A. Logo, se z ∈ A então z ≤ 2. O Axioma do Supremo
garante então que A possui supremo em R. Seja c = sup A. Observe que
c > 0 (por que?). Mostra-se que c2 = 2, mostrando-se que são falsas as duas
outras possibilidades: c2 < 2 e c2 > 2.
Supõe-se primeiramente, por absurdo, que c2 < 2 é verdadeira. Mostra-
se que esta suposição implica a existência de um elemento de A que é maior
do que c (será um elemento da forma c + n1 , com n ∈ N). Isto leva a uma
contradição, pois sendo o supremo de A, c é uma cota superior de A. Para
encontrar tal n fez-se um procedimento algébrico preliminar à parte, que
não é descrito aqui. Tem-se neste caso, que 2 − c2 > 0, e também é claro
2−c2
que 2c + 1 > 0. Daı́, 2c+1 > 0. A Propriedade Arquimediana garante então
1 2−c2
que existe n ∈ N tal que n < 2c+1 . Portanto,

1
(2c + 1) < 2 − c2 . (1)
n
Daı́
 2
1 2c 1 2c 1
c+ = c2 + + 2 < c2 + +
n n n n n
1 (1)
= c2 + (2c + 1) < c2 + 2 − c2 = 2.
n
Com isto, tem-se que o número real c + n1 é um elemento do conjunto A, o
que é absurdo, pois c = sup A. Assim, não é possı́vel que seja c2 < 2.
Supõe-se agora, por absurdo, que c2 > 2. Mostra-se que esta suposição
implica na existência de uma cota superior de A menor do que c, o que é
2
absurdo. De fato, como c2 − 2 > 0 e 2c > 0 então c 2c−2 > 0. Logo, pela
2
Propriedade Arquimediana, existe m ∈ N tal que m 1
< c 2c−2 . Daı́ e de novo
de 2c > 0 tem-se 2c 2
m < c − 2 , o que leva a

−2c
> 2 − c2 . (2)
m

17
Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
(2)
de Aula 1 2
= c2 + (−2c) + m12 > c2 − 2c > c2 + (2 − c2 ) = 2. Portanto

Então c − m m m
1 2
> 2 ≥ y 2 > 0, para todo y ∈ A. Pelo Exercı́cio 2.1 item 4, isto

c− m
1 1
 
leva a c − m > y , para todo y ∈ A. Ou seja, c − m é uma cota superior
1
para A, o que é absurdo, pois c − m < c = sup A. Portanto, não se pode ter
c2 > 2.
Pelos dois casos e pela tricotomia, conclui-se que c2 = 2. Portanto,
existe c ∈ R, c > 0, tal que c2 = 2.
Não é difı́cil mostrar que existe um único número real positivo satis-
fazendo a equação x2 = 2. Isto justifica a seguinte definição.

Definição 2.8 O número real positivo que é solução da equação x2 = 2 é



chamado raiz quadrada (positiva) de 2 e denotado 2.

Apesar das lacunas existentes no conjunto dos números racionais, este


conjunto apresenta uma propriedade notável, que é o fato de que entre dois
racionais existir sempre um outro racional. Isto é verdade, pois se r < s são
dois racionais então r < r+s r+s
2 < s, onde 2 ∈ Q (veja o Exercı́cio EP 2.7 ).
Note que este fato não vale em Z, por exemplo.
O próximo resultado garante que entre dois números reais distintos
existe um número racional.

Teorema 2.2 (Teorema da densidade) Se x e y são dois números re-


ais com x < y então existe um número racional r tal que x < r < y.

Prova: Suponha que 0 < x < y (o caso x < y < 0 é análogo). Então
1 1
y−x ∈ R. Daı́ e pelo Teorema 2.1, existe n ∈ N tal que y−x < n. Desta
desigualdade obtém-se
1 + nx < ny. (i)

Como xn > 0, do Corolário 2.2 (c) existe m ∈ N tal que m − 1 ≤ xn < m.


Daı́, tem-se m = 1 + (m − 1) ≤ 1 + xn |{z}< ny. Portanto, xn < m < yn.
(i)
m
Toma-se então o racional r = n, o qual satistaz x < r < y.
Uma consequência imediata do resultado anterior é que há infinitos
números racionais entre dois números reais quaisquer distintos. Por isto
diz-se que o conjunto Q é denso em R. Outra consequência é destacada no
próximo exemplo.

Exemplo 2.9 O conjunto {x ∈ Q; 0 < x < 2} não possui elemento
máximo e nem elemento mı́nimo. De fato, suponha por absurdo que exista

r0 = max A. Então r0 ∈ A e, portanto, r0 ∈ Q e 0 < r0 < 2. Além disso,

a ≤ r0 para todo a ∈ A. Ora, como r0 , 2 ∈ R então, pelo Teorema 2.2,

18
Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark

existe a ∈ Q tal que r0 < a < 1. Mas daı́, a ∈ Q e 0 < a < 2, ou seja,
a ∈ A. Mas como a > r0 , isto contradiz o fato de r0 ser o elemento máximo
de A. Portanto, tal elemento não existe, ou seja, não existe o ”maior raci-

onal menor do que 2”. Da mesma forma, ou usando a observação depois
da Definição 2.8, mostra-se que não existe o menor número racional maior
do que 0.

Corolário 2.3 Se x e y são dois números reais com x < y então existe
(pelo menos) um número irracional z tal que x < z < y.
√ √ √
Prova: Como 2 > 0 e x < y então x/ 2 < y/ 2. Daı́ e do Teorema 2.2

existe r ∈ Q tal que √x2 < r < √y2 , ou seja, tal que x < r 2 < y. Logo,

z = r 2, que é um irracional, satisfaz x < z < y.
Como antes, pode-se concluir do corolário acima que, entre dois números
reais distintos existem infinitos números irracionais.
Dados c, s ∈ R, tem-se que c < s se, e somente se, c = s − , para
algum  > 0. Da mesma forma, i < d se, e somente se, d = i + , para algum
número real  > 0. Estas ideias podem ser aplicadas para expressar as
condições (I2) e (S2) da Definição 2.6 de uma forma que é bastante utilizada
nos livros de Análise Real e está no lema a seguir.

Lema 2.1 Seja A um subconjunto não vazio de R e sejam s, i ∈ R.

(1) s = sup A quando s satisfaz as duas seguintes condições:


(S1) a ≤ s, para todo a ∈ A e
(S20 ) para cada  > 0, existe a ∈ A tal que s −  < a .

(2) i = inf A quando i satisfaz as duas seguintes condições:


(I1) i ≤ a, para todo a ∈ A e
(I20 ) para cada  > 0, existe a ∈ A tal que a < i + .

Prova: Segue direto da Definição 2.6.

Exercı́cios Propostos - EP

Antes de tentar resolver os exercı́cios propostos, é muito importante


para a sua a aprendizagem, que você estude e refaça por si mesmo, cuidado-
samente, os raciocı́nios apresentados nos exemplos e resultados destas Notas
de Aula 2.

EP2.1 Mostre que:

19
Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
de Aula (a) Existem x, y ∈ R que satisfazem a igualdade |x + y| = |x| + |y|. Por que
isto não contraria a Proposição 2.2?
(b) Existem três números irracionais que pertencem ao intervalo [0, 1] =
{x ∈ R : 0 ≤ x ≤ 1}.

EP2.2 Diga se são verdadeiras ou falsas as afirmações abaixo. Justifique


suas respostas: para as afirmações falsas, dê um contra-exemplo, e para as
verdadeiras, prove ou dê uma justificativa com base nos resultados provados.
(a) 2 é uma cota superior para o intervalo [0, 52 ) = {x ∈ R : 0 ≤ x < 52 } .
(b) Entre dois números reais existe um número racional.
(c) Entre dois números reais existe um número irracional.
(d) n1 : n ∈ N = (0, 1].


(e) n1 : n ∈ N ⊂ (0, 1].




(f ) Se a ∈ R e a < 2 então |a| < 2.


(g) Se a ∈ R e |a| < 2 então a < 2.
(h) Se a ∈ R e a ≤ min{4, 51 } então a < 83 .
(i) −1 é uma cota inferior para [0, 52 ) = {x ∈ R : 0 ≤ x < 52 } .

EP2.3 Sejam x, y, r ∈ R tais que r > 0 e |x − y| < r. Mostre que


|y| − r < |x| < |y| + r.

EP2.4 Mostre, justificando detalhadamente cada passagem do seu ra-


ciocı́nio, que:
2
(a) Se n ∈ N então 2n
+3 1 1
2
4n +2
− 2 < 2n ;

1+2×10n 2
(b) Para todo n ∈ N tem-se que 5+3×10n − 3 < 107n .
Sugestão - Em cada item, desenvolva o termo à esquerda da desigualdade.
a+b
EP2.5 Mostre que para todos a, b ∈ R, se a < b então a < 2 < b.

EP2.6 Complete as justificativas abaixo com base nas definições, de forma


a tornar verdadeiras as afirmações:
(a) 2 é uma cota superior do conjunto A = {−3, −2, −1, 0, 1} pois . . . . . .
(b) 0 não é uma cota superior do conjunto A = {−3, −2, −1, 0, 1} pois
......
(c) 2 é uma cota superior do conjunto A = (0, 2) pois . . . . . .
(d) 1 não é uma cota superior do conjunto A = (−1, 2) pois . . . . . .
(e) (−2, 2) ∩ Q é um conjunto limitado pois . . . . . .
(f ) o intervalo A = (1, 3) não possui elemento máximo pois . . . . . .
a+b
EP2.6 Mostre que, para todos a, b ∈ R, se a < b então a < 2 < b.

20
Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark

EP2.7 Mostre que para A = {x ∈ R; 1 < x ≤ 3} = (1, 3] tem-se inf A = 1.

EP2.8 Mostre que:


(a) Se A = {x ∈ R; 1 < x ≤ 3} = (1, 3] então sup A = 3.
√ √
(b) Se A = [− 2, π) ∩ Q então inf A = − 2.
n o
EP2.9 Considere C = 2n+4n+1 ; n ∈ N . Mostre que inf C = 2.
n o
4n
EP2.10 Considere C = 2n+1 ; n ∈ N . Mostre, por meio da Definição
2.6, que sup C = 2.

21
Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
de Aula Resolução dos Exercı́cios Propostos - REP

Agora que você já fez ou pelo menos tentou fazer os exercı́cios propos-
tos, eis suas resoluções. Serão feitas também algumas observações visando
esclarecer pontos que costumam causar dúvidas.

REP2.1 (a) Por exemplo, tomando-se x = y = 2 obtém-se que |x + y| =


|2 + 2| = 4 = |2| + |2| . A desigualdade triangular afirma que “para cada par
de números x, y ∈ R, vale |x + y| ≤ |x| + |y|”. Ou seja, vale |x + y| < |x| + |y|
ou |x + y| = |x| + |y|, o que engloba a situação acima. Notar ainda que,
pela desigualdade triangular, está garantido ainda que não existem números
reais x, y tais que |x + y| > |x| + |y|. 

(b) 2/2, 0, 121121112111121111121111112 . . . , π/4, qualquer decimal
não periódica com parte inteira igual a zero, são exemplos de números irra-
cionais que pertencem ao intervalo [0, 1].

REP2.2 (a) Falsa, pois por exemplo, 2, 3 ∈ [0, 52 ) e 2 < 2, 3. Logo 2 não é
cota superior de [0, 52 ) .
(b) e (c) são verdadeiras pelo Teorema da Densidade 2.2.
(d) Falsa, pois os conjuntos são diferentes: existem elementos de (0, 1]
que não são elementos de n1 : n ∈ N : por exemplo, 23 ∈ (0, 1] e 23 ∈

/
1
n : n∈N .
1
(e) A afirmação é verdadeira, pois para todo n ∈ N tem-se n ∈ (0, 1].
(f ) A afirmação é falsa pois, por exemplo, se a = −5 então a ∈ R e a < 2.
Mas não é verdade que |a| = 5 < 2.
(g) A afirmação é verdadeira por propriedade de módulo: se por hipótese,
a ∈ R e |a| < 2 então, pela Proposição 2.1 (e), vale a < |a|. Logo a < 2.
(h) Verdadeira, pois min{4, 15 } = 15 . como a ≤ 1
5 e 1
5 < 3
8 então a ≤ 83 .
(i) A afirmação é verdadeira, pois se −1 ≤ x, para todo x ∈ [0, 52 ]. Note que
isto vale para 0 e qualquer real menor do que 0.

REP2.3 Sejam x, y, r ∈ R com r > 0. O Corolário 2.1 assegura que



|x|−|y| ≤ |x−y|. Como, por hipótese, |x−y| < r então, por transitividade,

|x| − |y| < r. Mas, usando a Proposição 2.1 (e) e as propriedades de ordem
dos números reais, pode-se escrever:


|x| − |y| < r ⇔ −r < |x| − |y| < r ⇔ |y| − r < |x| − |y| + |y| < r + |y|
⇔ |y| − r < |x| < r + |y|.

Assim, vale |y| − r < |x| < r + |y|.

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Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark

REP2.4 (a) Seja n ∈ R. Então


2n2 + 3 1 4 1 1
− = = 2 = 2 . (1)

2
4n + 2 2 2(4n2 + 2) 2n + 1 2n + 1

Na última igualdade acima pôde-se eliminar o módulo pois o quociente den-


tro dele é claramente positivo. Continuando, tem-se
1 1 1
≤ 2 ≤ .
2n2 +1 2n 2n
Desta desigualdade e de (1) tem-se o resultado desejado. 
(b) Seja n ∈ N. Tem-se por argumento similar ao item (a) que
1 + 2 × 10n 2

−7 7

5 + 3 × 10n 3 = 3(5 + 3 × 10n ) = 3(5 + 3 × 10n )

7 7 7
< n
< n
< n.
5 + 3 × 10 3 × 10 10

REP2.5 Sendo por hipótese a, b ∈ R e a < b então tem-se que 2a =


a + a < a + b e a + b < b + b = 2b. Daı́, 2a < a + b < 2b. Como 2 > 0
tem-se 12 > 0 e daı́ resulta a = 12 (2a) < 12 (a + b) < 12 (2b) = b .

REP2.6 (a) 2 é uma cota superior do conjunto A = {−3, −2, −1, 0, 1}


pois todos os elementos de A são menores que 2 (logo todos os elementos de
A são menores ou iguais a 2).
(b) 0 não é uma cota superior do conjunto A = {−3, −2, −1, 0, 1} pois
existe o elemento 1 de A que é maior que 0.
(c) 2 é uma cota superior do conjunto A = (0, 2), pois como A = {x ∈ R :
0 < x < 2} então 2 ≥ x, para todo x ∈ A, pela definição de A. Note que
2∈/ A. Neste caso, 2 = sup A mas 2 não é o elemento máximo de A - que
por sinal, não existe.
(d) 1 não é uma cota superior do conjunto A = (−1, 2), pois, por exemplo,
existe 23 ∈ A e 1 < 32 .
(e) (−2, 2) ∩ Q é um conjunto limitado, pois admite cota superior (por
exemplo, 2) e cota inferior, por exemplo, -2.
(f ) o intervalo A = (1, 3) não possui elemento máximo pois se x ∈ A então
x < 3 e daı́, pelo EP2.6, existe y = x+3
2 satisfazendo x < y < 3 e y ∈ A, ou
seja, para cada elemento x de A sempre existe um outro elemento de y de
A tal que x < y.

REP2.7 (i) 1 é uma cota inferior de A, pois 1 ≤ x para todo x ∈ A. Isto


comprova a condição (I1) da Definição 2.6. Note que 1 ∈
/ A. Portanto, não
se pode aplicar a Observação 2.3 (4).
(ii) Deve-se mostrar que para cada b ∈ R tal que 1 < b existe a ∈ A tal
que a < b, que é a condição (I2) da Definição 2.6. Seja então b ∈ R tal que

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Os Números Reais - parte II
EAR
Notas
de Aula 1 < b. É preciso atentar para o fato de que pode-se ter b > 3 ou b ≤ 3 e
que é preciso exibir a ∈ A em cada caso. Ora, se b > 3 então basta tomar
a = 3, por exemplo, pois 3 < b e 3 ∈ A (marque os pontos na reta real, se
precisar, para entender melhor). Suponha agora que 1 < b ≤ 3. Pelo EP2.5,
a = 1+b 1
2 satisfaz 1 < a < b. ( ) É preciso assegurar que a ∈ A: mas como
1 < a < b ≤ 3 então a ∈ A, pela definição de A. Portanto, em qualquer
das duas situações possı́veis para b > 1, existe x ∈ A tal que a < b. Isto
comprova a condição (I2) da Definição 2.6.
Assim, pelos itens (i) e (ii) tem-se, pela Definição 2.6, que 1 = inf A.

REP2.8 (a) Como 3 é uma cota superior de A = {x ∈ R : 1 < x ≤ 3}


pela própria definição de A e 3 ∈ A, pela Observação 2.3 (4) tem-se que
sup A = 3. 
√ √
(b)(i) − 2 é uma cota inferior de A, pois − 2 ≤ a para todo a ∈ A. Isto

comprova a condição (I1) da Definição 2.6. Note que − 2 ∈/ A e, portanto,
não é possı́vel aplicar a Observação 2.3 (4).
(ii) Deve-se provar a condição (I2) da Definição 2.6. Para isso, para cada

c ∈ R tal que c > − 2 deve-se exibir x ∈ A tal que c > x. Seja c ∈ R

tal que c > − 2. Então pode-se ter c ≤ π ou c > π e deve-se exibir o tal
elemento x de A em cada caso. Suponha primeiramente que c ≤ π (marque

os pontos na reta real para entender melhor). Como c e − 2 são números

reais e c > − 2 então pelo Teorema da Densidade 2.2, existe (pelo menos)
√ √
um racional a tal que − 2 < a < c. Como a ∈ Q e − 2 ≤ c < a < π então
a ∈ A, pela definição de A. No caso em que c > π, basta usar o Teorema

da Densidade 2.2 para os reais − 2 e π (verifique na reta real). De fato,

pelo Teorema 2.2 existe a0 ∈ Q tal que − 2 < a0 < π. Daı́, tem-se a0 ∈ Q e

− 2 < a0 < π < c, garantindo que a0 ∈ A também neste caso. Assim, em

qualquer das duas situações possı́veis para um real c > − 2, encontrou-se

x ∈ A tal que − 2 < x < c. Isto comprova a condição (I2).

Dos itens (i) e (ii) tem-se pela Definição 2.6 que − 2 = inf A.

REP2.9 (i) Deve-se mostrar primeiro que 2 é uma cota inferior para C.
Ou seja, 2n+4
n+1 ≥ 2 para todo n ∈ N. Para isso, seja um natural n. É claro
que 2n + 2 ≤ 2n + 4. Daı́ e de propriedades sobre números reais, tem-se
2 ≤ 2n+4 2n+4
n+1 pois n + 1 > 0. Assim, mostrou-se que 2 ≤ n+1 para um natural
n arbitrário. Logo, pode-se afirmar que vale 2 ≤ 2n+4
n+1 para todo natural n.

(ii) Para garantir que 2 é a maior das cotas inferiores de C, para cada
b ∈ R com b > 2 deve-se exibir um elemento de C maior do que b. Seja
4−b
então b ∈ R tal que b > 2. Note que b−2 ∈ R pois b − 2 6= 0. Pela
Propriedade Arquimediana, existe n0 ∈ N tal que n0 > 4−b b−2 . Usando este
1
Uma outra opção seria usar o Teorema da Densidade 2.2 e/ou Corolário 2.3.

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Os Números Reais - parte II
C. Vinagre
H. Clark

fato e propriedades algébricas de R, tem-se n0 (b − 2) > 4 − b pois b − 2 > 0.


Daı́

n0 b − 2n0 > 4 − b ∴ n0 b + b > 2n0 + 4 ∴ b(n0 + 1) > 2n0 + 4.

Como n0 + 1 > 0 resulta b > 2n 0 +4 2n0 +4


n0 +1 . Assim, existe um elemento n0 +1 ∈ C
tal que 2n 0 +4
n0 +1 < b. Logo b não é cota inferior para C. Fica provado então
que para todo número real b > 2, b não é uma cota inferior para C. Das
etapas (i) e (ii) e da Definição 2.6, conclui-se que 2 = inf C.
4−b
Observação: Para descobrir a desigualdade n0 > b−2 , basta fazer um
procedimento algébrico preliminar para achar um número da forma x0 =
2n0 +4
n0 +1 ∈ C tal que b > x0 como a seguir.
2n0 +4
Procedimento algébrico preliminar: Procura-se n0 ∈ N tal que n0 +1 <be
b > 2. Assim,
2n0 + 4 n0 +1>0
b> ⇔ n0 b + b > 2n0 + 4 ⇔ n0 b − 2n0 > 4 − b
n0 + 1
b−2>0 4−b
⇔ n0 (b − 2) > 4 − b ⇔ n0 > .
b−2
Conjectura-se (isto é, supõe-se), por estas contas que n0 > 4−b
b−2 pode servir
para o problema. Segue-se para a demonstração de que esta conjectura é
verdadeira. A Propriedade Arquimediana garante que este n0 existe. Deve-
se notar que na última passagem, o fato de ser b > 2 é fundamental e
isto deve ser ressaltado na demonstração. Na demonstração, os dados aqui
obtidos são usados para provar a condição (I2) da Definição 2.6.)
REP2.10 (i) 2 é uma cota superior de C, pois 4n < 4n + 2 = 2(2n + 1)
para todo n ∈ N, e como 2n + 1 > 0 então para todo n ∈ N tem-se que
4n
2n+1 < 2. Note que 2 ∈
/ C.

(ii) Para provar a condição (S2) da Definição 2.6, para cada real d < 2 deve-
se exibir 2n4n0 +1
0
∈ C tal que d < 2n4n0 +1
0
. Seja então d ∈ R tal que d < 2.
d
Então 4−2d ∈ R pois 4 − 2d 6= 0. Pela Propriedade Arquimediana existe um
d
n0 ∈ N tal que n0 > 4−2d . Note que, como d < 2 então −2d > −4 e daı́,
4 − 2d > 0. Usando isto, obtém-se (4 − 2d)n0 > d. Daı́

d < 4n0 − 2n0 d ∴ d + 2n0 d < 4n0 ∴


4n0
(1 + 2n0 )d < 4n0 ∴ d< 1+2n0 .
4n0 4n0
Assim, existe um elemento 1+2n 0
∈ C tal que d < 1+2n 0
. Logo d não é cota
superior para C. Portanto, está provado que nenhum número real d < 2 é
uma cota superior para C. Das etapas (i) e (ii) conclui-se que 2 = sup C.

Observação: Tal como no exercı́cio anterior, para descobrir o natural n0


c
da desigualdade n0 > 4−2d , faz-se um procedimento algébrico preliminar em

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Os Números Reais - parte II
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Notas
4n0
de Aula separado. Trata-se de encontrar x = 1+2n 0
∈ C tal que d < x. Por meio das
propriedade algébricas de R, tem-se as equivalências:
4n0
d< 2n0 +1 ⇔ 2n0 d + d < 4n0 ⇔ d < 4n0 − 2n0 d ⇔
d
d < n0 (4 − 2d) ⇔ n0 > 4−2d .

d
Conjectura-se então que n0 > 4−2d pode servir para o problema, sendo que
a existência de um tal natural é garantido pela Propriedade Arquimediana.
Daqui, segue-se para provar que, de fato, este n0 resolve o problema.

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