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Os Números Reais I

H. Clark
Lição 1 – Os Números Reais I C. Vinagre

Introdução

Nesta lição, as propriedades fundamentais associadas às operações de


adição e multiplicação dos números reais são apresentadas por meio de axi-
omas (1 ). Assume-se que o aluno tenha experiência com o conjunto N dos
números naturais, o conjunto Z dos números inteiros e o conjunto Q dos
números racionais, que são todos subconjuntos de R. Em sı́mbolos:

N = {1, 2, 3, . . .},
Z = {0, 1, −1, 2, −2, 3, −3, . . .},
{ }

O
p
Q = r; r = , p, q ∈ Z, q ̸= 0 .

ÇA˜
q
Sabe que, N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R, por ∅ denota-se o conjunto vazio, (o conjunto
que não possui nenhum elemento) e para todo conjunto A tem-se que ∅ ⊂ A.

Propriedades algébricas de R A
R
Uma operação binária em R é uma função que associa a cada par
A
(a, b) de elementos de R um elemento de R. No conjunto R dos números
EP

reais estão definidas duas operações binárias: a adição é uma operação que
associa a cada par (a, b) o número real a + b, chamado soma de a e b; por
sua vez, a operação de multiplicação associa a cada par (a, b) o produto a · b.
PR

Em sı́mbolos matemáticos, escreve-se:

Operação de adição: + : R × R → R tal que (a, b) 7→ a + b.

Operação de multiplicação: · : R × R :→ R tal que (a, b) 7→ a · b.


EM

Estas operações satisfazem as seguintes propriedades, que são aqui estabe-


lecidas como axiomas.

(A) Axiomas da Adição

(A1) Comutatividade: para todos a, b ∈ R, a + b = b + a.


(A2) Associatividade: para todos a, b, c ∈ R, (a + b) + c = a + (b + c).
(A3) Existência do elemento neutro: existe um elemento em R, deno-
tado 0, tal que a + 0 = a para todo a ∈ R.
(A4) Existência do elemento simétrico: para cada a ∈ R, existe um
elemento em R, denotado −a, tal que a + (−a) = 0.

(M) Axiomas da Multiplicação


1
Axiomas são afirmações aceitas como verdadeiras, sem necessidade de demonstração.

1
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Elementos
de
Análise (M1) Comutatividade: para todos a, b ∈ R, a · b = b · a.
Real (M2) Associatividade: para todos a, b, c ∈ R, (a · b) · c = a · (b · c).
(M3) Existência do elemento neutro: existe um elemento em R, deno-
tado por 1, tal que 1 ̸= 0 e tal que para todo a ∈ R vale 1 · a = a.
(M4) Existência do elemento inverso: para todo a ∈ R, a ̸= 0, existe um
elemento em R, denotado por 1/a (ou a−1 ) tal que a · (1/a) = 1.

(D) Axioma da distributividade da multiplicação em relação à


adição
para todos a, b, c ∈ R vale a · (b + c) = a · b + a · c.

O
Um conjunto X dotado de operações + e · satisfazendo (A), (M) e

ÇA˜
(D) constitui uma estrutura algébrica chamada corpo. Em particular, R é
um corpo.

(
A
♢ Prelúdio 1.1 Enunciados (ou seja, afirmações) da forma
)
R
se P[x] então Q[x] em sı́mbolos: P[x] ⇒ Q[x]
e da forma (⋆)
A
( )
para todo x, se P[x] então Q[x] em sı́mbolos: ∀x, P[x] ⇒ Q[x] ,
EP

onde P[x] e Q[x] são enunciados que se referem a x, são chamados enunciados
condicionais ou implicações.
PR

A maioria das afirmações em Matemática tem a forma de uma implicação.


As afirmações verdadeiras são chamadas Proposições, Lemas, Teoremas ou Co-
rolários, dependendo da situação em que surgem ou da sua utilização. Isto será
explicado no decorrer das Lições.
EM

Em implicações como as de (⋆), o enunciado P[x] é chamado hipótese e


Q[x] é chamado tese ou conclusão.

Por exemplo: os enunciados p se x ∈ R e x + x = x então x = 0 q e


p para todo x ∈ R, se x + x = x então x = 0 q são duas implicações que têm
o mesmo sentido: em ambos, a hipótese é px ∈ R e x + x = xq e a tese é
px = 0q.

Exemplo 1.1 Exemplos de enunciados condicionais:


1. Se x ∈ R e x + x = x então x = 0.
2. Para todos x, y, z ∈ R, se x · y = z então x = z · (1/y).

No enunciado 1, a hipótese é px ∈ R e x + x = xq e a tese é px = 0q.


No enunciado 2, a hipótese é px, y, z ∈ R e x · y = zq e a tese é
px = z · (1/y)q. O primeiro enunciado é verdadeiro e o segundo é falso.

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Atenção: Uma implicação é um enunciado falso exatamente quando a hipótese


é verdadeira e a conclusão é falsa.
Por outro lado, afirmar que uma implicação como as de (⋆) é verdadeira,
não significa simplesmente afirmar que a hipótese, P[x], é verdadeira isolada-
mente, e nem que a conclusão Q[x] é, somente ela, verdadeira. O que se
garante é que Q[x] é verdadeira sob a condição de P[x] ser verdadeira (por isso
“enunciado condicional”).
Mais adiante você vai aprender a justificar a verdade e a falsidade de
enunciados condicionais. (2 )

O
Todas as propriedades dos números reais envolvendo a adição e a mul-
tiplicação podem ser deduzidas por meio de raciocı́nios lógicos a partir dos

ÇA˜
axiomas (A), (M) e (D). No que se segue, afirmações verdadeiras são enun-
ciadas e são apresentadas as técnicas para realizar os raciocı́nios para prová-
las.

A
A primeira técnica mostra como se raciocina para provar que uma pro-
posição na forma condicional é verdadeira. Antes de mais nada, certifique-se
R
de entender o significado de cada enunciado abaixo, pois eles são conhecidos
A
de outras disciplinas.
A ideia principal para provar que um enunciado desta teoria na forma
EP

condicional é verdadeira é: usam-se a hipótese e axiomas e/ou resultados


anteriores (caso existam) para se obter a conclusão. Jamais se pode usar a
conclusão na prova!
PR

Proposição 1.1 Para todos a, b, c ∈ R, tem-se:


(a) (Cancelamento da adição) Se a + c = b + c então a = b.
EM

(b) Se a + a = a então a = 0.
(c) a · 0 = 0.

Prova: (a) A hipótese é: a, b, c ∈ R e a + c = b + c.


Por (A4), existe o número −c. Adicionar −c a ambos os lados da igualdade
a + c = b + c não a altera e resulta (a + c) + (−c) = (b + c) + (−c). Por (A2),
a + (c + (−c)) = b + (c + (−c)). Usando (A4), a + 0 = b + 0. Finalmente, por
(A3), tem-se a tese a = b. 

(b) Por hipótese, a + a = a. Pode-se proceder exatamente como na prova


de (a) acima até obter-se a tese a = 0. Faça como exercı́cio!
Uma outra maneira de provar a afirmação (b) é aplicar o resultado
2
Da mesma forma, quando se diz “se tenho dinheiro então lhe empreto”, não se está
afirmando que se tem dinheiro e nem que se emprestará dinheiro. A afirmação será falsa
exclusivamente se a pessoa que a enuncia tiver dinheiro e não emprestá-lo ao interlocutor.

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Elementos
de
Análise anterior: para isto, é preciso apresentar as condições da hipótese do item
Real (a), para o enunciado (b). Assim, reescreve-se a hipótese a + a = a de forma
a se ter um número para cancelar, como na hipótese de (a). De fato, pode-se
reescrever a + a = a como a + a = 0 + a (note que nada foi alterado). Daı́
e da lei de cancelamento (a), pode-se afirmar então que a = 0. 

(c) Por hipótese, a ∈ R. Pelo item (b) acima, para concluir que a · 0 = 0
basta mostrar que a · 0 + a · 0 = a · 0. Para mostrar que uma igualdade
é verdadeira, basta desenvolver um dos seus membros até obter-se o outro
(jamais se desenvolvem os dois lados ao mesmo tempo!). Assim,
D (A3)

O
a · 0 + a · 0 = a · (0 + 0) = a · 0 .

ÇA˜
Obteve-se um enunciado que tem a forma da hipótese do item (b) para o
número real a · 0. Como (b) já foi provado ser verdadeiro, fica garantido
então que vale a · 0 = 0.
A prova da próxima Proposição é deixada como exercı́cio. Faça-a
A
depois de ter entendido e refeito por si mesmo as provas acima.
R
Proposição 1.2 (Cancelamento da multiplicação) Para todos a, b, c ∈ R,
A
se ac = bc e c ̸= 0 então a = b.
EP

Prova: Atente, ao fazer a prova, para a utilização do Axioma (M4).


Na próxima Proposição, prova-se que 0 é o único número real que
satisfaz o Axioma (A3).
PR

Proposição 1.3 O elemento neutro da adição em R é único.

Prova: Provar a unicidade de um objeto matemático, é usual supor, que


EM

existe um outro objeto com a mesma propriedade e raciocina-se para concluir


que os objetos são iguais. Assim, suponha que existe θ ∈ R tal que

a + θ = a para todo a ∈ R. (∗)

Como 0 é um número real então (∗) vale, em particular, para a = 0, ou seja,

0 + θ = 0. (2∗)

Da mesma forma, como θ ∈ R então o axioma (A3) vale em particular para


a = θ e fornece
θ + 0 = θ. (3∗)
Por (A1), 0 + θ = θ + 0. Daı́, de (2∗) e (3∗) resulta que 0 = θ. Logo, o
elemento neutro da adição é único.
A próxima proposição estabelece que cada número real possui um
único elemento simétrico.

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Proposição 1.4 Se a ∈ R então o elemento simétrico de a é único.

Prova: Por hipótese, a ∈ R. Por (A4), existe −a ∈ R tal que a + (−a) = 0.


Suponha que exista β ∈ R com a mesma propriedade de −a, isto é, a+β = 0.
Logo a + (−a) = a + β. Pela Proposição 1.1 (a), pode-se cancelar a, e assim
−a = β. Logo, o elemento simétrico de a é único.

Observação 1.1 Decorre da Proposição 1.4 que, se c ∈ R e a + c = 0 então


c = −a. Ou seja, para garantir que c ∈ R é o simétrico de a ∈ R basta (é
suficiente), mostrar que a + c = 0. Esta ideia é usada no próximo Exemplo.

Exemplo 1.2 Mostrar que é verdadeira a afirmação: se a, b ∈ R então

O
(−a) · b = −(a · b). Ou seja, (−a) · b é o simétrico de a · b.

ÇA˜
Prova: Por hipótese, a, b ∈ R. Pela Observação 1.1 basta provar que
a · b + (−a) · b = 0. Como já foi comentado, para provar que uma igualdade é
verdadeira, deve-se desenvolver um dos seus membros até obter-se o outro.
Assim, A
a · b + (−a) · b = (a + (−a)) · b = 0 · b = 0 .
R
Nesta sequência, foram utilizadas (D), (A4) e a Proposição 1.1 (c), nesta
A

ordem. Pela Observação 1.1, conclui-se que (−a) · b = −(a · b).


EP

Note que na prova de uma implicação, a tese é a conclusão, a qual


se deseja estabelecer a partir das hipóteses e/ou de resultados já provados
anteriormente. Ao contrário das hipóteses, a conclusão não pode ser usada
PR

no raciocı́nio e não pode ser considerada como fato verdadeiro a priori.


Portanto, não faz sentido afirmar numa demonstração que a conclusão é, de
antemão, verdadeira.
A mesma ideia do Exemplo 1.2 é usada na prova da próxima pro-
EM

posição, e de agora em diante também será usada a notação ab para o


produto a · b.

Proposição 1.5 Para todos a, b ∈ R, tem-se:


(a) a(−b) = −(ab). (b) a = −(−a).
(c) (−a)(−b) = ab. (d) (−1)(−1) = 1.

Prova: (a) Veja o Exemplo (1.2). 

(b) Por hipótese, a ∈ R. Como a + (−a) = 0 é verdade por (A4), então


a = −(−a) , pela Observação 1.1. 

(c) Pode-se raciocinar como no Exemplo 1.2. Ou então usar os itens anteri-
(a) (Ex.1.2) (b)
ores: (−a)(−b) = −((−a)b) = −(−(ab)) = ab. 
(d) É um caso particular de (c) para a = b = 1.

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Elementos
de
Análise Usando idéias contidas nas provas das Proposições anteriores e ra-
Real ciocı́nios análogos prova-se.

Proposição 1.6 (a) O elemento neutro da multiplicação é único, isto é, 1


é o único número real com a propriedade (M3).
(b) Se a ∈ R e a ̸= 0 então o inverso multiplicativo de a é único.

Prova: Exercı́cio. Para (a), lembre que 1 ̸= 0 por (M3). Em (a) e (b), você
deverá usar a Proposição 1.2.

Observação 1.2 Da Proposição 1.6 (b), mostrar que número real b é o

O
inverso multiplicativo de um número real a ̸= 0, ou seja que b = 1/a, é
suficiente provar que ab = 1.

ÇA˜
Esta ideia será utilizada na prova do item (b) da próxima proposição. Antes
disto, no entanto, no próximo Prelúdio, é apresentada uma outra técnica de
prova.
A
R
♢ Prelúdio 1.2 Um tipo de raciocı́nio dedutivo às vezes utilizado para provar
A
que uma implicação
se P[x] então Q[x]
EP

é verdadeira é o chamado raciocı́nio indireto ou raciocı́nio por absurdo. Procede-


se da seguinte forma:
PR

admite-se, como sempre, que a hipótese P[x] é verdadeira e supõe-se


(por absurdo), que a conclusão Q[x] é falsa.

Daı́, busca-se chegar a uma afirmação que contrarie a hipótese, P[x], ou con-
trarie algum fato já provado. Como a contradição (ou absurdo) decorreu da
EM

suposição de que a tese, Q[x], era falsa, conclui-se que Q[x] é verdadeira. As-
sim, o que se desejava provar é fato. Este tipo de raciocı́nio é muito adequado
para a demonstração de certos tipos de enunciados, que você aprenderá a reco-
nhecer com a prática, mas não deve ser, em princı́pio, a primeira técnica a ser
empregada.

Proposição 1.7 Sejam a, b elementos de R.


(a) Se a ̸= 0 então 1/a ̸= 0. (b) Se a ̸= 0 então a = 1/(1/a).
(c) Se ab = 0 e a ̸= 0 então b = 0. (d) Se ab = 0 então a = 0 ou b = 0.

Prova: (a) Por hipótese, a ̸= 0. Logo, por (M4), existe o número real 1/a.
Suponha por absurdo que 1/a = 0. Então a(1/a) = a · 0 = 0. Mas por
(M4), a(1/a) = 1. Destas duas afirmações decorre então que 0 = 1, o que

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contradiz (M3). Portanto, supor que 1/a = 0 leva a uma contradição e este
fato permite concluir que 1/a ̸= 0. 

(b) Por hipótese, a ̸= 0. Por (a), 1/a ̸= 0. Então, como (1/a)a = 1 então,
pela Observação 1.2, resulta que 1/(1/a) = a . 

(c) Por hipótese a · b = 0 e a ̸= 0. Logo existe o número real 1/a, que pode
multiplicar ambos os lados da primeira igualdade para fornecer (1/a)(ab) =
(1/a) · 0. Daı́, por (M2), segue que ((1/a)a)b = 0. Então, por (M4), 1b = 0,
e daı́ por (M3), b = 0. 

(d) Por hipótese a · b = 0. Tem-se que a = 0 ou a ̸= 0. Se a = 0, nada há a

O
provar. Se a ̸= 0 então tem-se b = 0 pelo item (c) acima. Conclui-se então

ÇA˜
que, se vale ab = 0 então necessariamente a = 0 ou b = 0.

A subtração é a operação que associa a cada par (a, b) de números


reais a diferença a − b. A divisão entre dois números reais é a operação
que associa a cada par (a, b) de números reais no qual b ̸= 0, o número real
a/b = a(1/b), que é chamado quociente de a por b . A
R
A operação potenciação de números reais é definida da forma usual, a
A
saber:
a0 = 1; a1 = a e an+1 = an a para todo n ∈ N.
EP

Os elementos de R que podem ser escritos na forma a/b com a, b ∈ Z


e b ̸= 0 são chamados de números racionais. Os números reais que não são
PR

racionais são chamados irracionais. Estes números reais surgem em diversas


situações na Matemática, sendo soluções para equações que não têm resposta
em Q. Por exemplo, pode-se mostrar que a equação (3 )

x2 = 2.
EM

(∗)

não tem solução em Q, isto é, não existe um número racional x que seja
solução de (∗). De fato, suponha por absurdo que existe tal x em Q. Então
existem p, q ∈ Z tais que q ̸= 0, com p e q sem divisores comuns (se não,
bastaria reduzir a fração) e x = p/q. Mas como x2 = 2 então tem-se
p2 = 2q 2 . Assim, p2 é necessariamente par, e portanto p é par, digamos
p = 2m, m ∈ Z. Consequentemente,
4m2 = 2q 2 ou seja q 2 = 2m2 ,

de onde segue que q 2 é par, e daı́ q é par. Portanto, p e q são pares o que é
uma contradição pois, por escolha, eles são primos entre si (não possuem di-
visores comuns). Esta contradição decorre da suposição inicial da existência
3
Uma solução em R para uma equação com uma incógnita é um número real que, ao
substituir a incógnita na equação, fornece uma igualdade verdadeira.

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Elementos
de
Análise de um número racional x satisfazendo x2 = 2. Conclui-se que a equação (∗)
Real não possui solução no corpo Q dos racionais.
Na Lição 2 será provado que o número real positivo x que satisfaz

(∗) existe. Ele será denotado 2 e chamado raiz quadrada (positiva) de

2. Provou-se que 2 não pertence ao conjunto dos números racionais. A
demonstração de que a equação (∗) tem solução em R depende do Axioma do
Supremo, propriedade do conjunto dos números reais que será introduzida

na Lição 2. Pelo que foi visto acima, ter-se-á necessariamente que 2 é um
número irracional.

O
♢ Prelúdio 1.3 O Axioma (A4) permite afirmar que, se um número real c é

ÇA˜
igual ao elemento simétrico de a ∈ R, isto é, se c = −a, então a + c = 0. Por
outro lado, a Observação 1.1 estabelece que: se c ∈ R e a+c = 0 então c = −a.
Ou sejam, valem as duas implicações abaixo, onde a hipótese da primeira é a
conclusão da segunda e vice-versa:
A
R
se c = −a então a + c = 0,
se a + c = 0 então c = −a.
A

Em Matemática, o fato de valerem estas duas implicações é expresso de modo


EP

resumido escrevendo-se
c = −a ⇔ a + c = 0.
PR

(lê-se: “c é o simétrico de a se, e somente se, a + c = 0).

De modo geral, se P[x] e Q[x] são dois enunciados, o enunciado pP[x] ⇔


Q[x]q (lê-se P[x] se, e somente se, Q[x]) indica que os dois enunciado possuem
o mesmo valor lógico, ou seja: um é verdadeiro se, e somente se, o outro
EM

também é, e um é falso exatamente quando o outro é. Diz-se também que os
enunciados são equivalentes. Para provar uma biimplicação é necessário provar
as duas implicações envolvidas.

A ordem em R

As propriedades da relação de ordem, >, em R permitem estabelecer a


noção de desigualdade entre números reais e fazem de R um corpo ordenado,
no sentido que será explicado. Assim como no caso da estrutura algébrica
dos números reais, serão introduzidas certas propriedades básicas de, >,
como axiomas (os Axiomas de Ordem), a partir das quais todas as outras
poderão ser deduzidas.

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Com este fim, assume-se a existência de um subconjunto R∗+ de R, cu-


jos elementos são chamados números positivos. A definição a seguir introduz
a nomenclatura e as notações que serão utilizadas.

Definição 1.1 Se a ∈ R∗+ , diz-se que a é um número real positivo (ou


estritamente positivo) e escreve-se a > 0.
Se a ∈ R∗+ ou a = 0, diz-se que a é um número real não negativo e
escreve-se a ≥ 0.
Se −a ∈ R∗+ , diz-se que a é um número real negativo (ou estritamente
negativo) e escreve-se a < 0.

O
Se −a ∈ R∗+ ou a = 0, diz-se que a é um número real não positivo e
escreve-se a ≤ 0.

ÇA˜
Pela Definição acima, 0 (e somente ele) é ao mesmo tempo um número
real não positivo e não negativo.
(O) Axiomas de Ordem
A
(O1) Para todos a, b ∈ R, se a > 0 e b > 0 então a + b > 0.
R
(O2) Para todos a, b ∈ R, se a > 0 e b > 0 então ab > 0.
A

(O3) Tricotomia: Se a ∈ R então uma, e somente uma, das afirmações é


EP

verdadeira: a > 0 ou a = 0 ou − a > 0 .

A propriedade (O3) é chamada tricotomia, pois reparte R em três


PR

subconjuntos dois a dois disjuntos, ou seja, com a interseção igual a ∅: o


subconjunto R∗+ dos números positivos, o subconjunto {0} e o subconjunto
dos números −a tais que a ∈ R∗+ , que será denotado R∗− e chamado conjunto
dos números reais negativos. Além disso, (O3) estabelece que R é a união
EM

destes três subconjuntos: em sı́mbolos, R = R∗+ ∪ {0} ∪ R∗− .


A noção de desigualdade entre dois elementos de R é definida por meio
da positividade do seguinte modo.

Definição 1.2 Sejam a, b ∈ R.


(i) a > b (ou b < a) significa a − b > 0.
(ii) a ≥ b (ou b ≤ a) significa a − b ≥ 0.

A partir da Definição 1.2, convenciona-se que a < b < c abrevia a < b


e b < c. De modo similar, a ≤ b ≤ c significa a ≤ b e b ≤ c , a ≤ b < c
abrevia a ≤ b e b < c, e assim por diante.
Um corpo F dotado da relação de ordem (parcial), <, com as pro-
priedades acima é chamado de corpo ordenado. Portanto, R é um corpo
ordenado.

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Elementos
de
Análise Algumas propriedades da ordem em R
Real
Proposição 1.8 Sejam a, b ∈ R
(a) Se a > b e b > c então a > c.
(b) Uma, e somente uma, das relações a > b, ou a = b, ou a < b ocorre.
(c) Se a ≥ b e b ≥ a então a = b.

Prova: (a) Por hipótese a > b e b > c. Pela Definição 1.2 tem-se que
a − b > 0 e b − c > 0. Daı́ e por (O1) tem-se (a − b) + (b − c) > 0. Mas
usando (A1),(A2), (A3) e (A4) tem-se que (a − b) + (b − c) = a − c. Logo,


O
de novo pela Definição 1.2, tem-se que a > c.

ÇA˜
(b) Por hipótese, a, b ∈ R. Logo, a − b ∈ R e pela Propriedade de Tricotomia
(O3), exatamente uma das seguintes relações ocorre:

a − b > 0 ou a − b = 0 ou − (a − b) = b − a > 0.

A
Daı́ e pelo item (a) da Definição 1.2 tem-se que uma, e somente uma, das

R
relações a > b ou a = b ou a < b é verdadeira.

(c) Por hipótese, a ≥ b e b ≥ a. Como a ≥ b então exatamente uma das


A

relações é verdadeira, a > b ou a = b; logo, não é verdade que a < b. Como


EP

b ≥ a também é verdade, então vale exatamente uma dentre as duas relações,


b > a ou b = a; portanto, b < a não é verdadeira. Considerando apenas as
relações possı́veis, conclui-se que a = b.
PR

Proposição 1.9 Seja a ∈ R. (i) Se a ̸= 0 então a2 > 0. (ii) 1 > 0.

Prova: (i) Sendo por hipótese a ̸= 0 então pela Tricotomia, a > 0 ou


−a > 0. Será então necessário obter a conclusão desejada em cada um dos
EM

dois casos. Ora, se a > 0 então por (O2) tem-se a2 = aa > 0. E também, se
−a > 0 então por (O2) tem-se (−a)(−a) > 0. Mas pela Proposição 1.5 (c)
tem-se (−a)(−a) = aa = a2 . Assim, a2 > 0 também neste caso. Portanto,
vale a conclusão em qualquer dos casos possı́veis. Logo está demonstrado
que, se a ̸= 0 então a2 > 0. 

(ii) Como 1 = 12 é verdade por (M3) então do item (a) precedente resulta
que 1 > 0.

Proposição 1.10 Sejam a, b, c, d ∈ R.


(a) Se a > b então a + c > b + c.
(b) Se a > b e c > d então a + c > b + d.
(c) Se a > b e c > 0 então ac > bc.
(d) Se a > b e c < 0 então ac < bc.

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(e) Se a > 0 então 1/a > 0.


(f ) Se a < 0 então 1/a < 0.

Prova: (a) Por hipótese a > b, ou seja, a − b > 0. Logo (a + c) − (b + c) =


a − b > 0. Portanto, a + c > b + c. 

(b) Por hipótese a > b e c > d. Logo

a − b > 0 e c − d > 0. (∗)

Como (a + c) − (b + d) = (a − b) + (c − d) então, por (O1) e por (∗) conclui-se


que (a + c) − (b + d) > 0. Logo, pela Definição 1.2, a + c > b + d. 

O
ÇA˜
(c) Por hipótese a > b e c > 0. Então a − b > 0. Daı́, de c > 0 e por (O2)
tem-se ac − bc = (a − b)c > 0. Assim, ac > bc, pela Definição 1.2. 

(d) Exercı́cio.

A
(e) Por hipótese a > 0. Pela Tricotomia, a ̸= 0, de onde segue pela Pro-
posição 1.7 (a), que 1/a ̸= 0. Suponha, por absurdo, que 1/a < 0 (veja
R
o Prelúdio 1.2). Usando o item (d) para b = 0 e c = 1/a, tem-se que
A
a·(1/a) < 0·(1/a), ou seja 1 < 0. Isto contradiz o item (c) da Proposição 1.7.
Portanto, tem-se que 1/a > 0. 
EP

(f) Exercı́cio.

A afirmação demonstrada no próximo exemplo será muito útil no de-


PR

correr do estudo de EAR.

Exemplo 1.3 Se a ∈ R e para todo número real ϵ > 0 vale 0 ≤ a < ϵ, então
a = 0.
EM

Prova: É preciso entender o que é a hipótese: a ∈ R e vale 0 ≤ a < ϵ


para todo número real ϵ > 0 . Suponha, por absurdo, que a ̸= 0. Daı́, pela
tricotomia, exatamente uma das duas relações a < 0 ou a > 0 é verdadeira.
Mas como, por hipótese, a ≥ 0, não pode ocorrer a < 0. Portanto, a > 0.
Sendo a > 0, pode-se fazer ϵ = a na hipótese (isto é possı́vel, pois a hipótese
é verdadeira para todo ϵ > 0 real, logo em particular para ϵ = a). Daı́
obtém-se a < a. Mas isto é um absurdo! Logo, a = 0.

♢ Prelúdio 1.4 Um estudo sistemático do conjunto Z dos números inteiros


já foi realizado em disciplinas anteriores. Lá aprendeu-se os Princı́pios da Boa
Ordenação e da Indução Matemática, sendo que um deles foi introduzido como
Axioma e o outro deduzido dele. Aqui será feita apenas uma recordação deste
último, apresentado como um Teorema.

11
Os Números Reais I
Elementos
de
Análise O Princı́pio da Indução Matemática - PIM, é talvez a mais importante
Real propriedade dos números inteiros (logo, dos números naturais). Na sua versão
mais simples, o PIM fornece uma maneira de provar que uma afirmação do tipo

Para todo número inteiro n ≥ a, P[n] é verdadeira. (⋆)

Na afirmação (⋆), P[n] indica uma propriedade que se refere ao número inteiro
n e a é um número inteiro conhecido. Portanto, o PIM fornece um método de
prova.

Exemplo 1.4 (i) Para todo n ∈ N, n > 0. Aqui, a = 1 e P[n] é a proprie-

O
dade: n > 0.

ÇA˜
(ii) Para todo natural n ≥ 4, 2n < n!. Aqui, a = 4 e P[n] é a propriedade:
2n < n!.

Note a estrutura de enunciado condicional na formulação do Teorema.

A
Teorema 1.1 (Princı́pio da Indução Matemática - PIM) Seja P[n] uma
R
propriedade referente ao número inteiro n e seja a ∈ Z dado. Se P[n] sa-
tisfaz:
A
EP

(1) P[a] é enunciado verdadeiro,

(2) para todo inteiro n ≥ a, se P[n] é verdadeira então P[n+1] é verda-


deira.
PR

Então, P[n] é verdadeira para todos os números inteiros n ≥ a.

Entenda que para usar o PIM na demonstração de que uma propriedade


P[n] é verdadeira para todos os inteiros n ≥ a, onde a é um inteiro dado, é
EM

necessário provar que P[n] satisfaz os itens (1) e (2) acima. Ou seja, que P[n]
está nas condições das hipóteses do PIM. E mais: como o item (2) exige que
pse P[n] é verdadeira para um inteiro n ≥ a então P[n+1] é verdadeiraq,
prová-lo significa provar uma implicação!
Um passo-a-passo para usar o PIM na demonstração de que uma afirmação
do tipo (⋆), são:
[10 ] Identificar a propriedade P[n] e o número inteiro (ou natural) a.

[20 ] Mostrar que vale P[n] para n = a, isto é, que P[a] é uma afirmação
verdadeira.

[30 ] Escrever a Hipótese de Indução - HI, corretamente: “seja n ∈ Z, n ≥ a e


suponha-se que vale P[n]”.

[40 ] Usando HI provar que P[n+1] é verdadeira.

12
Os Números Reais I
H. Clark
C. Vinagre

[50 ] Concluir, pelas etapas 2, 3 e 4 e pelo PIM, que vale P[n] para todo n ∈ Z.

Atenção: Em HI supõe-se que P[n] é verdadeira para um determinado inteiro


n ≥ a e não para todo n. Na verdade, que “vale P[n] para todo n ≥ a” é a
conclusão final, a tese. Portanto, esta não pode ser a HI!!

Exemplo 1.5 Provar que a soma dos n primeiros números naturais é igual a
2 n(n + 1), ou brevemente, que para todo n ∈ N vale
1

1
1 + 2 + · · · + n = n(n + 1). (⋆)
2

O
Prova: Aqui P[n] é a igualdade (⋆) e a = 1 .

ÇA˜
P [1] diz que 1 = 1
2 · 1 · 2, o que é verdade.
1
HI: Suponha que k ∈ N e que valha P[k], ou seja, que 1+2+· · ·+k = k(k+1).
2
Deseja-se provar que P [k + 1] é verdadeira. Ou seja, vale
1 A
1 + 2 + · · · + k + (k + 1) = (k + 1)(k + 2).
R
2
Para mostrar esta igualdade, procede-se como a seguir:
A

1 + 2 + · · · + k + (k + 1) = (1 + 2 + · · · + k) + (k + 1)
EP

(HI) 1
= k(k + 1) + (k + 1)
2
k(k + 1) + 2(k + 1) 1
= = (k + 1)(k + 2).
PR

2 2

Assim vale que 1 + 2 + · · · + k + (k + 1) = 12 (k + 1)(k + 2). Ou seja, P[k+1]


é verdadeira.
Provou-se que: se k ∈ N e P[k] é verdadeira então P[k + 1]. Como
EM

as duas condições da hipótese do PIM foram provadas, o Teorema 1.1 permite


concluir que P[n] é verdadeira para todo n ∈ N.

Observação 1.3 O resultado acima possui uma prova alternativa diferente


da apresentada, que costuma ser apresentada aos estudantes de Ensino Médio
(pesquise!). Este fato não é comum para a maior parte dos enunciados passı́veis
de serem provados por indução.

Exemplo 1.6 Mostrar que: se n ∈ N e n ≥ 4 então 2n < n!.

Prova: Note que aqui a = 4 e P[n] é p2n < n!q.


Para n = 4, P[4] diz que 24 < 4!, ou seja, que 16 < 24. E isto é verdade.
A HI é: suponha que P[n] vale para um determinado natural n ∈ N com
n ≥ 4. Ou seja, suponha que 2n < n! vale para um natural n ≥ 4. Multiplicar

13
Os Números Reais I
Elementos
de
Análise ambos os membros da desigualdade de HI por 2 não a altera (veja a Proposição
Real 1.10 (c)) e fornece 2n+1 = 2n · 2 < n! · 2 . Como 2 < n + 1, pois 4 ≤ n
(verifique!) e n! > 0, resulta n! · 2 < n!(n + 1) = (n + 1)! . Usando as duas
desigualdades e transitividade, vem que 2n+1 < (n + 1)!. Provou-se assim que:
se n ≥ 4 é um natural e P[n] é verdadeira então P[n + 1].
Como as duas condições do Teorema 1.1 foram provadas, conclui-se pelo
PIM que 2n < n! é verdade para todo natural n ≥ 4.

Proposição 1.11 Para todo n ∈ N, n > 0.

O
Prova: Aqui P[n] é a propriedade pn > 0q e a = 1.

ÇA˜
1) P[1] vale, pois 1 > 0 pela Proposição 1.9(b);
2) A HI é: seja k ∈ N (logo k ≥ 1) e suponha que P[k] é verdadeira para
este k, isto é, que k > 0. Como 1 > 0 e pela HI, k > 0, então k + 1 > 0 por
(O1). Provou-se que, para qualquer k ∈ N, P[k] implica P[k+1].
A
Assim, as duas condições da hipótese do PIM são satisfeitas. Resulta
R
dele então que n > 0 para todo n ∈ N .
A
Proposição 1.12 Sejam a, b ∈ R. Se a < b então a < 12 (a + b) < b. Em
EP

particular, se a = 0 tem-se que 0 < 12 b < b.

Prova: Sendo por hipótese a < b então, do item (a) da Proposição 1.10,
PR

2a = a + a < a + b e que a + b < b + b = 2b. Daı́, 2a < a + b < 2b. Pela


Proposição 1.11, 2 > 0, e daı́, pela Proposição 1.10 (e) tem-se que 1/2 > 0.
Aplicando a Proposição 1.10 (c) em 2a < a + b < 2b com c = 1/2 resulta que
1 1 1
a = (2a) < (a + b) < (2b) = b.
2 2 2
EM

Compare o enunciado da próxima proposição, que é consequência da


Proposição 1.12, com o do Exemplo 1.3.

Proposição 1.13 Se a ∈ R e 0 ≤ a < ϵ para qualquer número real ϵ > 0


então a = 0.

Prova: Por hipótese, a ∈ R e 0 ≤ a < ϵ, para todo número real positivo


ϵ. Logo a ≥ 0. Raciocina-se por redução ao absurdo. Suponha, então, que
a > 0. Daı́, pela Proposição 1.12, 0 < a/2 < a. Por outro lado, como 2 > 0,
pela Proposição 1.10 (e) tem-se que 1/2 > 0. A hipótese vale em particular
para ϵ = a/2, pois ela vale para todo número real positivo, e portanto, tem-
se que 0 < a < a/2. Mas pela Tricotomia, é um absurdo valer a < a/2 e
a/2 < a ao mesmo tempo, levando a uma contradição. Logo, não se pode
ter a > 0 no caso acima, e necessariamente tem-se que a = 0.

14
Os Números Reais I
H. Clark
C. Vinagre

Exercı́cios Propostos - EP

Antes de tentar resolver os exercı́cios propostos, é imprescindı́vel para


a aprendizagem, estudar e fazer cuidadosamente sem consultar os exem-
plos e as proposições anteriores!
Ao longo destes exercı́cios x, y ∈ R. Casos particulares serão especifi-
cados. Mostre que:

EP1.1 Se x ̸= 0 e y · x = x então y = 1.
1 1
EP1.2 Se 0 < x < y então 0 < < .
y x
( 2 )

O
EP1.3 xy ≤ x + y 2 /2.

ÇA˜

EP1.4 Se x > 0 e y > 0 então xy ≤ (x + y)/2. Isto significa que a média

geométrica, xy, é menor ou igual à média aritmética, (x + y)/2.
6x − 5
EP1.5 Se x ≤ −10 e ≥ 7 então −61 ≤ x ≤ −10.
x+8
A
EP1.6 Se x < 1, x ̸= −2 e 1/(x + 2) < 1 então x < −2 ou −1 < x < 1.
R
EP1.7 Se para todo ϵ > 0 vale x − y < ϵ então x ≤ y.
A
EP1.8 Mostre que, por meio do princı́pio de indução matemática, que
EP

1 1 1 1
+ + + · · · + n ≤ 1 para todo n ∈ N.
2 4 8 2
EP1.9 Mostre que, por meio do princı́pio de indução matemática, que
( )
PR

xn − y n = (x − y) xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1 ,

para todo n ∈ N. Em particular, se x, y ∈ R∗+ então para todo n ∈ N,


√ √ (√ n
√ √ √ )
x − y = ( n x − n y) xn−1 + n xn−2 y + · · · + n xy n−2 + n y n−1 .
EM

EP1.10 [Desigualdade de Bernoulli] Se x ≥ −1 então (1 + x)n ≥ 1 + nx


para todo n ∈ N.

15
Os Números Reais I
Elementos
de
Análise Resolução dos Exercı́cios Propostos - REP
Real
Agora que você já fez ou pelo menos tentou fazer os exercı́cios propos-
tos, eis suas resoluções e, também, serão feitas algumas obsevações visando
consolidar sua aprendizagem.

REP1.1 Por hipótese, x, y ∈ R, y ̸= 0 e xy = y. Como y ̸= 0 então


por (M4) tem-se 1/y ∈ R, e pode ser multiplicado em ambos os lados da
igualdade acima, pois isto não a altera. Assim, obtém-se (xy) · (1/y) =
y · (1/y). Por (M2) resulta x · (y · (1/y)) = y · (1/y). Por (M4) segue que
x · 1 = 1. Logo, por (M3), conclui-se x = 1.

O
REP1.2 Por hipótese 0 < x < y. Daı́, x > 0 e y > 0. Portanto

ÇA˜
pela Proposição 1.10 (e) tem-se 1/x > 0 e 1/y > 0. Usando que 1/y > 0,
x < y e a Proposição 1.10 (c) obtém-se (1/y) · x < (1/y) · y. Daı́, por
(M3), (1/y) · x < 1. Usando esta desigualdade, que 1/x > 0 e a Proposição
1.10 (c), obtém-se ((1/y) · x) · (1/x) < 1 · (1/x). Por (M2) e (M3) tem-se
A
(1/y) · (x · (1/x)) < 1/x. Por (M4) obtém-se (1/y) · 1 < 1/x. Por (M3)
R
resulta 1/y < 1/x. Daı́, conclui-se que 0 < 1/y < 1/x.
A
Observação 1.4 Todas as passagens do raciocı́nio são explicitadas e as pro-
priedades mencionadas, para o pleno entendimento de quem lê a prova, no caso,
EP

você, aluno. Além disso, quando uma hipótese crucial precisa ser uti-
lizada, ela é citada novamente, como, por exemplo, acontece na
segunda passagem (segundo parágrafo) do raciocı́nio acima. Tome
PR

este cuidado ao provar os itens extras a seguir:

(1) Se x, y ∈ R e x < y < 0 então 1/y < 1/x < 0.

(2) Se x, y ∈ R e x < 0 < y então 1/x < 0 < 1/y.


EM

Observação 1.5 Neste inı́cio, é fortemente recomendável que também menci-


one a cada passo, os Axiomas, Proposições e Exemplos que estão sendo usados,
pois a cada vez que voltar às Lições para revê-los, estará reforçando seu estudo
e ajudando na memorização destes resultados, que acabará acontecendo pela
prática. Perceba que é muito mais fácil entender o raciocı́nio de uma outra
pessoa se ela menciona os resultados que está usando a cada passo- é claro
que é preciso voltar e voltar às Lições para quaisquer dúvidas. Esta atitude -
mencionar ou nomear a propriedade que está sendo usada - é completamente
diferente de “enunciar” a propriedade, o que é desnecessário. Ressalta-se que o
importante não é saber o “número” do Axioma ou Proposição, mas conhecer,
entender e saber aplicar corretamente a propriedade expressa por cada um. No
decorrer do trabalho, gradualmente, será deixado de mencionar as propriedades
mais elementares, fazendo isto somente com as mais importantes. Note por

16
Os Números Reais I
H. Clark
C. Vinagre

exemplo, a solução do próximo exercı́cio.

REP1.3 Por hipótese tem-se que a − b ∈ R. Daı́ e da Proposição 1.9,


resulta que (a − b)2 ≥ 0. A partir daı́ pode-se afirmar que (4 ):

(a − b)2 ≥ 0 (∗)
1( 2 )
∴ a2 − 2ab + b2 ≥ 0 ∴ a2 + b2 ≥ 2ab ∴ a + b2 ≥ ab.
2
Na última desigualdade usou-se que 1/2 > 0 e o Exercı́cio 1(b) acima. 

Atenção: Neste item, para descobrir que se deve partir de (∗), faz-se no

O
rascunho, uma “conta de trás para frente” que, não é a demonstração

ÇA˜
e portanto não deve aparecer nela! O que vai aparecer na demonstração é a
conta de “frente para trás”!!!!
Na demonstração mesmo, atentar que não é o caso de se usar p⇔q pois
só se está pedindo a implicação no sentido p⇒q: Por exemplo, na primeira
( )
A
passagem tem-se que p(a − b)2 ≥ 0 implica 12 a2 + b2 ≥ abq. É muito im-
R
portante ler e entender de onde se deve partir (hipótese) e onde se deve chegar
(conclusão). Releia a Lição 1 para tirar quaisquer dúvidas, se precisar.
A

REP1.4 Por hipótese, x e y são reais positivos. Então xy > 0 e disto resulta

EP

que xy ∈ R. (5 ) Tem-se também, como no item anterior que a Proposição


1.9 fornece (x − y)2 ≥ 0. Logo x2 − 2xy + y 2 ≥ 0. Agora, adicionando 4xy
a ambos os lados da desigualdade desta última desigualdade, obtém-se
PR

x2 + 2xy + y 2 ≥ 4xy ∴ (x + y)2 ≥ 4xy.

Como (x + y)2 ≥ 4xy ≥ 0 pode-se extrair a raiz quadrada de ambos os


√ √
membros da desigualdade para obter-se (x + y)2 ≥ 4xy, o que é o mesmo
EM


que afirmar que |x + y| ≥ 2 xy (6 ). Como x + y > 0 pois x > 0 e y > 0

então |x + y| = x + y. Tem-se então a conclusão desejada, x + y ≥ 2 xy.
6x − 5
REP1.5 Por hipótese: x ∈ R, x ≤ −10 e ≥ 7. Não se pode
x+8
4
O sı́mbolo p∴q significa “logo”, “portanto”, “daı́”, “segue daı́ que”, “então tem-se
que”, “o que implica”, “o que fornece” e outras acepções no mesmo sentido. É o adequado
de ser usado neste caso. O sı́mbolo p⇒q é mais apropriado quando se precisa mencionar o
enunciado completo p P(x) ⇒ Q(x)q, que simboliza a implicação “se P(x) então Q(x)”.
Vamos assim aprimorando o uso da linguagem matemática.
5
A prova da existência da raiz quadrada de números positivos está feita na Lição 2.
As propriedades usadas neste exercı́cio precisam já ser conhecidas e algumas delas serão
recordadas na Lição 2. Se tiver dúvidas, estude-as antes de voltar a este exercı́cio. Esta
situação é uma exceção, a regra é não usar conceitos ou resultados que não tiverem sido
introduzidos na Lição. Propriedades elementares da radiciação e potenciação também
serão usadas no último exercı́cio deste EP.

6
A propriedade ∀x ∈ R, x2 = |x| usada aqui será provada na Lição 2

17
Os Números Reais I
Elementos
de
6x − 5
Análise afirmar que 6x − 5 ≥ 7(x + 8) (por que?) Porém vale − 7 ≥ 0. Daı́,
x+8
Real
6x − 5 − 7x − 56 −x − 61
≥0 o que equivale a ≥ 0.
x+8 x+8
Por propriedade de ordem

p−x − 61 ≥ 0 e x + 8 > 0q ou p−x − 61 ≤ 0 e x + 8 < 0q

Daı́ px ≤ −61 e x > −8q ou px ≥ −61 e x < −8q. Como não existe
x ∈ R satisfazendo px ≤ −61 e x > −8q segue que −61 ≤ x < −8. Como
por hipótese, x ≤ −10, então −61 ≤ x < −10, como se queria.

O
Observação 1.6 Note que (6x − 5)/(x + 8) ≥ 7 não implica necessariamente

ÇA˜
6x − 5 ≥ 7(x + 8). Isto só vale no caso em que x + 8 > 0, isto é, x > −8.
No caso, x < −8 o que vale é 6x − 5 ≤ 7(x + 8). Como não se sabe qual das
duas opções é a verdadeira, trabalha-se com a formulação alternativa acima,
que dispensa saber o sinal de x + 8.
A
Observe também que se a conclusão fosse −70 ≤ x < −10, bastaria,
R
depois de se concluir que −61 ≤ x < −8, raciocinar que: como −70 ≤ −61 e,
por hipótese, x ≤ −10 então −70 ≤ x < −10.
A

Tarefa - Usando as propriedades de R e procedendo de modo similar ao


EP

feito acima, você deverá ser capaz de mostrar que:


4 8x − 3 11
Se x ∈ R, x > e < 5 então x > .
4x − 5
PR

3 6
Resolvendo esta tarefa você deverá obter que:
11 5 11 5
px> e x > q ou p x < e x < q.
6 4 6 4
EM

Daı́ se tem
11 5
px> q ou p x < q.
6 4
Como não se pode ter x < 5/4, pois por hipótese x > 4/3 então vale
x > 11/6.

Observação 1.7 Note que nos raciocı́nios desenvolvidos acima não foram in-
dicadas explicitamente os Axiomas e Proposições utilizados. Em contrapartida,
todas as passagens foram apresentadas com clareza, de forma a não deixar
dúvidas para você, leitor.

REP1.6 Por hipótese, x ∈ R, x < 1, x ̸= −2 e 1/(x + 2) < 1. Como no


1
exercı́cio anterior, − 1 < 0. Daı́,
x+2
1−x−2 −1 − x 1+x
<0 ∴ <0 ∴ > 0.
x+2 x+2 x+2

18
Os Números Reais I
H. Clark
C. Vinagre

Na segunda desigualdade acima, multiplicou-se ambos os membros da desi-


gualdade por (-1) e obteve-se a desigualdade seguinte, que é equivalente.
Por propriedade dos números reais (atente para a correta utilização
dos conectivos “e” e “ou”), tem-se que

p1 + x > 0 e x + 2 > 0q ou p1 + x < 0 e x + 2 < 0q.

Daı́ px > −1 e x > −2q ou px < −1 e x < −2q. Ou seja,


px > −1q ou px < −2q. Como por hipótese x < 1, chega-se a −1 < x < 1
ou x < −2, como se queria.

REP1.7 Por hipótese: x, y ∈ R e x − y < ϵ para todo ϵ > 0. Suponha, por

O
absurdo (7 ), que x > y. Daı́, x − y > 0. Portanto, fazendo em particular,

ÇA˜
ϵ = x − y na hipótese, tem-se x − y < x − y. Isto é um absurdo pela
tricotomia! Logo, x ≤ y.
1 1 1 1
REP1.8 Note que P [n] é a desigualdade p + + + · · · + n ≤ 1q .
2 4 8 2
1 1 1
• quando n = 1 tem-se = 1 = ≤ 1. Assim, P [1] é válida;
2 2 2
A
R
• HI: seja n um número natural e suponha que a desigualdade P[n] é válida.
A
Ou seja, que
1 1 1 1
P [n] : + + + · · · + n ≤ 1. (HI)
EP

2 4 8 2
é verdadeira. Deve-se provar que
1 1 1 1 1
+ + + · · · + n + n+1 ≤ 1
PR

P [n + 1] :
2 4 8 2 2
é verdadeira. Para conseguir usar a (HI), reescreve-se o membro à esquerda
da desigualdade que se quer provar, assim
1 1 1 1 1 1 1[1 1 1 1]
EM

+ + + · · · + n + n+1 = + + + · · · + n−1 + n
2 4 8 2 2 2 2 2 4 2 2
1 1
≤ + · 1 (usou-se nesta passagem a HI)
2 2
= 1.

Portanto, P [n + 1] é verdadeira. Como o natural n inicial era arbitrário,


provou-se então que para todo n ∈ N, P[n] ⇒ P[n+1].
Logo, pelas duas etapas acima e pelo PIM, tem-se que P[n] é válida
para todo natural n.

REP1.9 Note que P[n] é, para todo n ∈ N, a igualdade


( )
xn − y n = (x − y) xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1 . (⋆)

• Quando n = 1 tem-se x1 − y 1 = x − y, o que é verdade.


7
Prelúdio 1.2

19
Os Números Reais I
Elementos
de
Análise • Suponha, por hipótese, a igualdade válida para um natural n qualquer
Real fixado. Ou seja, que
( )
xn − y n = (x − y) xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1 . (HI)

Deseja-se provar que


( )
xn+1 − y n+1 = (x − y) xn + xn−1 y + · · · + xy n−1 + y n . (2⋆)

De fato,

xn+1 − y n+1 = xn+1 − xn y + xn y − y n+1 = xn (x − y) + y(xn − y n ). (3⋆)

Usando (HI) no último termo do lado direito de (3⋆),

O
xn (x − y) + y(xn − y n ) =

ÇA˜
( )
xn (x − y) + y(x − y) xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1 =
( ( ))
(x − y) xn + y xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1 =
( )
(x − y) xn + xn−1 y + · · · + xy n−1 + y n .
A
Substituindo, esta igualdade em (3⋆) obtém-se (2⋆). Portanto, P [n + 1] é
R
verdadeira. Como o natural n inicial era arbitrário, provou-se então que
A
para todo n ∈ N, P[n] ⇒ P[n+1].
Logo, pelas duas etapas acima e pelo PIM, tem-se que P[n] é válida
EP

para todo natural n. 


A igualdade
√ √ (√ √ √ √ )
PR

n
x − y = ( n x − n y) xn−1 + n xn−2 y + · · · + n xy n−2 + n y n−1 (4⋆)

é uma consequência imediata da igualdade (⋆). Com efeito, sejam x, y ∈ R∗+


e n ∈ N. Usando propriedades da potenciação e radiciação, pode-se escrever
EM

x = (x1/n )n e y = (y 1/n )n . Como x, y são positivos, não há problemas com


a raiz n-ésima. Tem-se, também, que
( 1/n )n−1 ( n−1 )1/n √
n
( )n−1 √
x = x = xn−1 e que y 1/n = n y n−1 .
Aplicando (⋆) para x1/n e y 1/n no lugar de x e y, obtém-se
(⋆)
x − y = (x1/n )n − (y 1/n )n =
( )(
x1/n − y 1/n (x1/n )(n−1) + (x1/n )(n−2) (y 1/n ) +
)
. . . + (x1/n )(y 1/n )(n−2) + (y 1/n )(n−1) =
(√ √ ) ( (n−1) 1/n
n
x − y (x
n
) + (x(n−2) )1/n (y 1/n ) +
)
· · · + (x1/n )(y (n−2) )1/n + (y (n−1) )1/n =
√ √ (√ n
√ √
( n x − n y) xn−1 + n xn−2 y + n xn−3 y 2 +
√ √ )
· · · + n xy n−2 + n y n−1 .

20
Os Números Reais I
H. Clark
C. Vinagre

Logo (4⋆) é fato.

REP1.10 Note que P[n] é p(1 + x)n ≥ 1 + nxq.


• Quando n = 1 tem-se (1 + x)1 = 1 + x, o que é verdade.
• Suponha, por hipótese, que P[n] é válida para um natural n arbitrário,
fixado. Ou seja,
(1 + x)n ≥ 1 + nx. (HI)

Deseja-se provar que P[n+1]: (1 + x)n+1 ≥ 1 + (1 + n)x é verdade. De fato,


(1 + x)n+1 = (1 + x)(1 + x)n . Usando a (HI) no segundo termo da igualdade
precedente, tem-se: (1 + x)n+1 ≥ (1 + x)(1 + nx). Como

O
(1 + x)(1 + nx) = 1 + x + nx + nx2 e nx2 ≥ 0,

ÇA˜
então (1+x)(1+nx) ≥ 1+x+nx. Logo, (1+x)n+1 ≥ 1+(1+n)x. Portanto,
P [n + 1] é verdadeira. Como o natural n inicial era arbitrário, provou-se
então que para todo n ∈ N, P[n] ⇒ P[n+1].
A
Logo, pelas duas etapas acima e pelo PIM, tem-se que P[n] é válida
R
para todo natural n.
A
EP
PR
EM

21
Os Números Reais I
Elementos
de
Análise Complementos - C
Real
O objetivo dos “Complementos” é trazer mais informações sobre o
assunto abordado nesta Lição. É uma boa tarefa buscar outros fontes na
“Biblioteca” quando não conseguir resolvê-los com os recursos já adquiridos.
Alguns são totalmente semelhantes aos até aqui estudados, outros serão
resolvidos.
x z xt + yz
C1.1 Se x, y, z, t ∈ R com y, t não nulos então + = .
y t yt
C1.2 [Desigualdade de Cauchy] Mostre que, se a1 , . . . , an e b1 , . . . , bn são
( )( )
números reais então (a1 b1 + · · · + an bn )2 ≤ a21 + · · · + a2n b21 + · · · + b2n

O
para todo n ∈ N.

ÇA˜
C1.3 Mostre que, se x ∈ R, x < 1, x ̸= −2 e 1/(x + 2) < 1 então
x < −2 ou −1 < x < 1.
1 ( 1 )2 ( 1 )n−1 −n − 2
C1.4 Prove que 1 + 2 + 3 + ··· + n = 4 + n−1 para
todo n ∈ N.
2 2 2
A 2
R
A
EP
PR
EM

22

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