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Aula 3 – 14 de Agosto de 2023

Prof. Antonio Caminha M. Neto


14 de agosto de 2023

Exemplo 1. Seja dado n ∈ N. Se C denota o conjunto dos números com-


plexos, definimos

Cn = {z = (z1 , z2 , . . . , zn ); zj ∈ C, para 1 ≤ j ≤ n}.

Para z = (z1 , . . . , zn ), w = (w1 , . . . , wn ) ∈ Cn , e α ∈ R, as igualdades

z + w = (z1 + w1 , . . . , zn + wn ) e αz = (αz1 , . . . , αzn )

definem, em Cn , operações + : Cn × Cn → Cn e · : R × Cn → Cn que tornam


Cn um espaço vetorial real. (Exercı́cio!)
Exemplo 2. Se X é um conjunto não vazio e

F(X; R) = {f : X → R; f é função},

então F(X; R) é um espaço vetorial real, quando munido com as operações


usuais de adição de funções reais e multiplicação de uma função real por uma
constante real, isto é, tais que, para f, g ∈ F(X; R) e α ∈ R,

(f + g)(x) = f (x) + g(x) e (αf )(x) = αf (x),

para todo x ∈ X.
Prova. Chequemos a validade de algumas das condições definidoras de um
espaço vetorial, deixando a verificação das demais como exercı́cio para o
leitor.
Para f, g ∈ F(X; R) e x ∈ X, segue da comutatividade da adição de
números reais que

(f + g)(x) = f (x) + g(x) = g(x) + f (x) = (g + f )(x);


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logo, f + g = g + f .
Para f, g, h ∈ F(X; R) e x ∈ X, a associatividade da adição de números
reais fornece
(f + (g + h))(x) = f (x) + (g + h)(x) = f (x) + (g(x) + h(x))
= (f (x) + g(x)) + h(x) = (f + g)(x) + h(x)
= ((f + g) + h)(x);

logo, f + (g + h) = (f + g) + h.
Denotemos por 0 : X → R a função nula, ou seja, tal que 0(x) = 0 para
todo x ∈ X. Para f ∈ F(X; R), temos

(f + 0)(x) = f (x) + 0(x) = f (x)

para todo x ∈ X, de sorte que f + 0 = f ; logo, a função nula é o elemento


neutro da operação de adição de funções.

Exemplo 3. Para k ∈ N, seja Ik = {j ∈ N; 1 ≤ j ≤ k}. Dados m, n ∈ N,


considere o produto cartesiano Xmn = Im ×In = {1, 2, . . . , m}×{1, 2, . . . , n},
formado pelos pares ordenados (i, j), tais que 1 ≤ i ≤ m e 1 ≤ j ≤ n.
Denotamos o espaço vetorial F(Xmn ; R) por M (m × n; R), de forma que um
elemento de M (m × n; R) é uma função A : Xmn → R, denominada uma
matriz m × n. Escrevendo aij para denotar a imagem do par ordenado (i, j)
pela função A, isto é, pondo aij = A(i, j), para 1 ≤ i ≤ m e 1 ≤ j ≤ n,
obtemos a notação usual
 
a11 a12 · · · a1n
 a21 a22 · · · a2n 
A=  ··· ··· ··· ··· ,

am1 am2 · · · amn

e dizemos que A = (aij ) é uma matriz de m linhas e n colunas. Os


números reais aij são as entradas da matriz A, que, por vezes, será dita
uma matriz real m × n.
Sejam dadas A = (aij ) e B = (bij ) duas matrizes reais m × n, e α ∈ R.
Uma vez que o espaço vetorial M (m × n; R) é um caso particular do espaço
vetorial mais geral F(X; R) do exemplo anterior, temos

A + B = (aij + bij ) e αA = (αaij )


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para todos 1 ≤ i ≤ m, 1 ≤ j ≤ n. De outro modo,


     
a11 · · · a1n b11 · · · b1n a11 + b11 ··· a1n + b1n
 a21 · · · a2n   b21 · · · b2n   a21 + b21
  ··· a2n + b2n 
 ··· ··· ··· + ··· =
   
··· ···   ··· ··· ··· 
am1 · · · amn bm1 · · · bmn am1 + bm1 ··· amn + bmn
e    
a11 a12 ··· a1n αa11 αa12 ··· αa1n
 a21 a22 ··· a2n   αa21 αa22 ··· αa2n 
α
 ··· ···
= .
··· ···   ··· ··· ··· ··· 
am1 am2 ··· amn αam1 αam2 ··· αamn
Em particular, a adição de matrizes m × n goza de todas as propriedades
constantes da definição de espaço vetorial real (comutatividade, associativi-
dade etc), o mesmo sucedendo para a multiplicação de uma matriz m × n por
um escalar.
Observação 4. Ainda em relação ao exemplo anterior, denotamos M (n ×
n; R) simplesmente por M (n; R), e dizemos que A ∈ M (n; R) é uma matriz
quadrada de ordem n.
Para uso futuro, é importante observar que tudo o que fizemos até aqui,
nesta seção, permanece válido se trocarmos o conjunto R dos números reais
pelo conjunto C dos números complexos. Em particular, trocando R por C na
definição de espaço vetorial real, obtemos o importante conceito de espaço
vetorial complexo, para o qual permanecem válidas as propriedades (1) a
(12), elencadas acima.
De outra forma, a diferença fundamental entre as noções de espaço veto-
rial real e espaço vetorial complexo reside no seguinte fato: para munirmos
um certo conjunto não vazio V de uma estrutura de espaço vetorial real, te-
mos que definir uma maneira de multiplicar os elementos de V por números
reais, maneira esta que satisfaça os axiomas dos itens (d) e (e) da definição
de espaço vetorial real; por outro lado, para munirmos V de uma estrutura
de espaço vetorial complexo, temos que definir uma maneira de multiplicar
os elementos de V por números complexos, tal que esta multiplicação nova-
mente satisfaça os axiomas dos itens (d) e (e) da definição de espaço vetorial
real, ao trocarmos α, β ∈ R por α, β ∈ C.
Exemplo 5. Pode ocorrer de um mesmo conjunto não vazio poder ser mu-
nido com estruturas de espaço vetorial real e espaço vetorial complexo, e o
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exemplo mais simples desse fenômeno é fornecido por Cn (n ∈ N). Real-


mente, vimos no exemplo 1 que Cn pode ser munido com uma estrutura de
espaço vetorial real. Por outro lado, para munir Cn com uma estrutura de
espaço vetorial complexo, defina + : Cn × Cn → Cn como naquele exem-
plo e · : C × Cn → Cn pondo αz = (αz1 , . . . , αzn ), para todos α ∈ C e
z = (z1 , . . . , zn ) ∈ Cn . Deixamos ao leitor a tarefa de verificar que, munido
com tais operações, Cn é um espaço vetorial complexo. Mais adiante vere-
mos que, ao considerarmos Cn como espaço vetorial real e espaço vetorial
complexo, obtemos dois objetos bem diferentes.
Exemplo 6. Trocando R por C nos exemplos 2 e 3, obtemos os espaços
vetoriais complexos F(X; C) = {f : X → C; f é função} (X um conjunto
não vazio), das funções complexas com domı́nio X, e M (m × n; C), das
matrizes m × n com entradas complexas. As operações de adição de vetores
e multiplicação de vetores por escalares (números complexos) são análogas às
definidas naqueles exemplos.
Observação 7. Concluı́mos esta seção observando que tudo o que fizemos
aqui pode ser generalizado, se considerarmos espaços vetoriais sobre um corpo
K qualquer. Aqui, dizemos que um conjunto K é um corpo se K tiver pelo
menos dois elementos 0 e 1, e estiver munido de operações + : K × K → K
e · : K × K → K, respectivamente denominadas adição e multiplicação,
as quais satisfazem os seguintes axiomas:
(i) A adição é comutativa, associativa e tem 0 por elemento neutro.

(ii) Todo x ∈ K possui um inverso aditivo.

(iii) A multiplicação é comutativa, associativa e tem 1 por elemento neutro.

(iv) Todo x ∈ K \ {0} possui um inverso multiplicativo.

(v) A multiplicação é distributiva em relação à adição.


Como nas propriedades (5) e (6), mostra-se que x · 0 = 0 para todo x ∈ K,
e que x · y = 0 ⇒ x = 0 ou y = 0, para todos x, y ∈ K.
Os conjuntos R e C são exemplos de corpos, assim como o é o conjunto
Q dos números racionais. Para uma classe infinita de exemplos, fixe um
número primo p (recorde que há infinitos primos) e defina
√ √
Q( p) = {a + b p; a, b ∈ Q}.
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Munindo Q( p) com as operações usuais de adição e multiplicação de núme-

ros reais, e utilizando o fato de que p é um número irracional, não é difı́cil

mostrar que Q( p) é um corpo.

Partindo daqui, dado um corpo arbitrário K, pode-se definir e estudar as


propriedades de um espaço vetorial sobre K exatamente como nos casos
real ou complexo. É o que, em geral, faremos a seguir.
Por fim, os exemplos de espaços vetoriais dados acima deixam claro que
o nome vetor, emprestado a um elemento tı́pico de um espaço vetorial V
sobre um corpo K, não guarda, em princı́pio, nenhuma relação com vetores
geométricos em Rn (para algum n ∈ N). Nós utilizamos esse nome apenas
para enfatizar a semelhança entre as propriedades que as operações de um
espaço vetorial sobre K com aquelas envolvendo vetores geométricos em Rn .

Exercı́cios
1. Capı́tulo 1 do livro do Elon.

2. Capı́tulos 1 e 4 do livro do Lipschutz (Schaum).

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