Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
António Machiavelo
Observações:
• A associatividade assegura que o inverso de cada elemento é único: dado a ∈ G, se a′1 e a′2
satisfazem ambos as igualdades em 3, então a′1 = a′1 · (a · a′2 ) = (a′1 · a) · a′2 = a′2 (porquê?).
Pode pois falar-se no inverso de um elemento num grupo.
Exemplos:
• São grupos:
(Z, soma usual); (Q, soma usual); (R, soma usual); (C, soma usual);
(R \ {0}, produto usual); (C \ {0}, produto usual);
(Rn , soma de vectores); (Mn (R), soma de matrizes), onde Mn (R) designa o conjunto
das matrizes n × n com entradas reais;
(GLn (R), produto de matrizes), onde GLn (R) designa o conjunto das matrizes invertı́veis
n × n com entradas reais.
• Não são grupos:
(N, soma usual); (Z, produto usual); (Z \ {0}, produto usual);
(R, produto usual); (C, produto usual); (Mn (R), produto de matrizes).
Definição 1.2 Um grupo (G, ·) diz-se abeliano quando a operação · é comutativa, ou seja
quando satisfaz: ∀a, b ∈ G a · b = b · a.
Exercı́cio: Para os grupos acima referidos, averigue quais são abelianos e quais são não-abelianos.
∗∗∗∗∗∗∗
3. ∀a, b, c ∈ A : (a + b) · c = a · c + b · c ∧ a · (b + c) = a · b + a · c
[ distributividade de · relativamente a + ]
Observação: Um anel é um tripleto (A, +, ·), constituı́do por um conjunto munido com duas
operações que satisfazem as condições acima referidas, mas quando é claro quais as operações
envolvidas, ou quando se está a referir um anel em abstracto, diz-se simplesmente “A é um
anel”.
Definição 1.4 Um anel diz-se comutativo se a operação · for comutativa.
i) ∀a ∈ A 0 · a = 0;
Demonstração:
i) 0 · a = (0 + 0) · a = 0 · a + 0 · a =⇒ 0 · a = 0 (porquê?).
Um conjunto com um único elemento, {♠}, é obviamente um anel tomando para ‘adição’ e
para ‘multiplicação’ a mesma operação, que tem de ser a única operação que pode ser definida
num tal conjunto: (♠, ♠) 7→ ♠. “Este” anel diz-se “o” anel trivial ou anel zero, escrevendo-se
A = 0 quando se quer indicar que o anel A é trivial. Observe que num anel trivial 1 = 0.
Proposição 1.6 A ̸= 0 =⇒ 1 ̸= 0.
Definição 1.7 Um anel comutativo K diz-se um corpo se K \ {0} for não-vazio e (K \ {0}, ·)
for um grupo abeliano. Isto é, um corpo é um conjunto K com pelo menos dois elementos,
munido de duas operações, usualmente designadas por + e · , tais que (K, +) e (K \ {0}, ·) são
grupos abelianos (onde 0 designa o elemento neutro para +) e · é distributiva relativamente a +.
Exemplos:
3. Mn×n (R) (n ∈ N), o conjunto das matrizes n × n com entradas reais, munido da soma e
multiplicação usuais de matrizes, é um anel unitário, que é não-comutativo para n ≥ 2.
(f + g)(x) := f (x) + g(x) e (f · g)(x) := f (x)g(x), para todo x ∈ I (f, g ∈ C(I, R))
é um anel.
como nas equações), denota-se por A[x] o conjunto das expressões formais a0 + a1 x + · · · + an xn ,
com n ∈ N0 , ai ∈ A (0≤i≤n), a que se dá o nome de polinómios, sendo estes completamente
determinados pelos seus coeficientes, ou seja a0 + · · · + an xn = b0 + · · · + bm xm se e só se m = n
e ai = bi , para todo i. A escolha do sı́mbolo de adição e da justaposição dos coeficientes com as
potências formais xn para “marcar a posição” dos vários coeficientes (em vez de, por exemplo,
dar os polinómios como sequências de elementos de A separados por vı́rgulas) é porque há a
intenção de definir operações algébricas de adição e multiplicação entre polinómios de maneira
coerente com estes sı́mbolos por forma a que estas operações correspondam às operações do anel
A quando x é substituı́do por um qualquer elemento de A. Assim, o conjunto A[x] é munido
da adição dada por:
(a0 + a1 x + a2 x2 + · · · ) + (b0 + b1 x + b2 x2 + · · · ) :=
= (a0 + b0 ) + (a1 + b1 )x + (a2 + b2 )x2 + · · · ) (ai ,bj ∈A, para todos i,j)
e da única multiplicação tal que xm · xn = xm+n (∀m,n∈N0 ) e que é distributiva relativamente à
adição acabada de definir, i.e. a operação dada por:
(a0 + a1 x + a2 x2 + · · · ) · (b0 + b1 x + b2 x2 + · · · ) :=
O conjunto A[x] munido das operações acima definidas é um anel (verifique-o!), a que se
chama o anel dos polinómios com coeficientes em A, ou simplesmente o anel dos po-
linómios sobre A.
Trabalhar com polinómios definidos como acima tem, por vezes, inconvenientes técnicos.
Por exemplo, ao somar ou multiplicar dois polinómios genéricos a0 + a1 x + · · · + an xn e b0 +
b1 x + · · · + bm xm é necessário saber se n > m, n = m ou n < m, o que conduz à sempre
desagradável subdivisão em casos. Na análise de problemas um pouco mais complexos esses
inconvenientes podem-se revelar insuportavelmente aborrecidos. Assim, e por razões de ordem
técnica, repita-se, é por vezes útil definir os polinómios com coeficientes num anel A como
sendo as aplicações de N0 em A com suporte finito, o que quer dizer que são não-nulas apenas
para um número finito de elementos de N0 . Mais precisamente: dado f : N0 → A, o conjunto
{n ∈ N0 : f (n) ̸= 0} diz-se o suporte de f . Assim, A[x] pode ser também definido como o
conjunto {f : N0 → A : f tem suporte finito }, munido das operações dadas por:
X
(f + g)(n) := f (n) + g(n), (f · g)(n) := f (i)g(j), para todo n ∈ N0 .
i+j=n
Esta definição tem também a vantagem dos elementos de A[x] serem definidos como entida-
des matemáticas genuı́nas e não meramente como “expressões da forma [...], usando um sı́mbolo
abstracto”. Mais ainda, é imediatamente generalizável a polinómios em várias indeterminadas,
tornando o seu tratamento muito mais simpático:
Definição 2.1 Um polinómio em n indeterminadas com coeficientes num anel A é uma aplicação
f : Nn0 → A com suporte finito, i.e. tal que o conjunto {v ∈ Nn0 : f (v) ̸= 0} é finito.
!
X X X
((f · g) · h)(n) = (f · g)(i)h(j) = f (k)g(l) h(j) =
i+j=n i+j=n k+l=i
X X X
= f (k)g(l)h(j) = (porquê?) = f (k)g(l)h(j),
i+j=n k+l=i k+l+j=n
enquanto que:
X X X
(f · (g · h))(n) = f (k)(g · h)(i) = f (k) g(l)h(j) =
k+i=n k+i=n l+j=i
X X X
= f (k)g(l)h(j) = (porquê?) = f (k)g(l)h(j),
k+i=n l+j=i k+l+j=n
Exemplo: O polinómio 21 x3 − x + 1
3 ∈ Q[x] é um polinómio cúbico com coeficiente guia igual a
1
2, não sendo pois mónico, e com termo independente igual a 13 .
n
ci xi ∈ A[x], um elemento α ∈ A diz-se um zero, ou
P
Definição 2.3 Dado um anel A e f =
i=0
n
ci αi = 0.
P
uma raiz, do polinómio f quando f (α) :=
i=0
Exercı́cios:
Finalmente, um elemento p ∈ A \ (A∗ ∪ {0}) diz-se primo se sempre que dividir um produto,
dividir pelo menos um dos factores, ou seja se satisfizer:
∀a, b ∈ A p | ab =⇒ p | a ∨ p | b.
Exemplos:
• Z∗ = {±1}.
• Mostra-se que no anel Z[i] há também uma versão do algoritmo de Euclides, o que assegura
que os primos são exactamente os irredutı́veis e que há factorização única em primos, como
no anel Z.
• Em Z[i], 3 é primo, mas 5 é composto, tendo-se 5 = (2 + i)(2 − i), sendo cada um destes
factores um primo de Z[i].
√ √
• No anel Z[ −5] := {a + b i 5 : a, b ∈ Z} existem irredutı́veis que não são primos. Por
√ √ √ √
exemplo, 2 é irredutı́vel e 2 | (1 + i 5)(1 − i 5), mas 2 ∤ (1 + i 5) e 2 ∤ (1 − i 5).
√
• Z[ −5]∗ = {±1}.
√ √
• Mostra-se que o anel Z[ 5] := {a + b 5 : a, b ∈ Z} tem uma infinidade de unidades.
4 O Critério de Eisenstein
Nesta secção vamos expor um critério de irredutibilidade para polinómios com coeficientes
racionais, que permite dar exemplo de polinómios irredutı́veis em Q[x] com grau arbitrariamente
grande.
Definição 4.1 Um polinómio f ∈ Z[x] diz-se primitivo se o máximo divisor comum dos seus
coeficientes for igual a 1.
Lema 4.2 (Lema de Gauss) Se f, g ∈ Z[x] forem ambos primitivos, então f g é também
primitivo.
r := min{i ∈ N0 : p ∤ ai },
s := min{j ∈ N0 : p ∤ bj },
Lema 4.3 Todo o polinómio f ∈ Q[x] \ {0} tem uma única decomposição na forma f = cf f ∗
com cf ∈ Q+ e f ∗ ∈ Z[x] primitivo.
Exemplo: 52 x3 + 47 x − 2 = 2
35 (7x
3 + 10x − 35) é uma tal decomposição.
n
ai
xi , com ai ∈ Z, bi ∈ N e an ̸= 0. Então g = b0 b1 · · · bn f ∈ Z[x].
P
Demonstração: Seja f = bi
i=0
d 1
Seja d o máximo divisor comum dos coeficientes de g. Tem-se então que f = b0 b1 ···bn d g é
uma decomposição na forma pretendida.
Para provar a unicidade, sejam a, b ∈ Q+ ; g, h ∈ Z[x] primitivos e tais que f = ag = bh.
a
Sejam u, v ∈ Z tais que (u, v) = 1 e b = uv . Então ug = vh e basta agora observar que o máximo
divisor comum dos coeficientes de ug é u, enquanto o máximo divisor comum dos coeficientes
de vh é v, para concluir que u = v. Resulta que a = b e, por conseguinte, g = h. □
Demonstração: Suponhamos que o resultado não era verdadeiro e sejam g, h ∈ Q[x] tais que
f = gh com 0 < gr(g), gr(h) < gr(f ). Então, como cg ch = cgh = cf ∈ Z, ter-se-ia que
f = (cg ch g ∗ )h∗ era uma decomposição de f em Z[x], contradizendo a irredutibilidade de f . □
n
ai xi ∈ Z[x] for tal que existe um número
P
Teorema 4.7 (Critério de Eisenstein) Se f =
i=0
r
X s
X
g= bi xi ∈ Z[x] e h= cj xj ∈ Z[x],
i=0 j=0
P
com r = gr(g) < n e s = gr(h) < n. Relembre que ak = bi cj .
i+j=k
Observação: É fácil ver que resulta do que se viu acima que se f ∈ Z[x] satisfizer as hipóteses
do critério de Eisenstein e for primitivo, então é irredutı́vel em Z[x].
Observação: Uma forma embrionária deste resultado aparece num texto de 1629 de Albert
Girard (1592–1632), sem qualquer justificação. O facto de G. W. Leibniz (1646–1716), em
1702, dar o exemplo (relacionado com o problema de integrar funções racionais):
√ √
x4 + a4 = (x2 + a2 −1)(x2 − a2 −1)
√ √ √ √
q q q q
= x + a − −1 x − a − −1 x+a −1 x−a −1 ,
afirmando que quando se multiplica quaisquer dois destes quatro factores não se obtém nenhum
polinómio quadrático com coeficientes reais, o que não é verdade (porquê?), mostra que o resultado
ainda estava longe de ser completamente intuı́do no inı́cio do século XVIII.
Segue-se uma breve cronologia das tentativas de demonstração do Teorema Fundamental da
Álgebra:
1746: primeira tentativa de demonstração, usando técnicas analı́ticas, publicada por Jean le
Rond d’Alembert (1771–83), mas a demonstração é incompleta, pois assume coisas que
não são justificadas;
1795: Laplace (1749–1827) publica demonstração que sofre do mesmo problema de assumir
implicitamente coisas que não são justificadas;
Não é difı́cil ver que do Teorema 5.1 resulta que todo o polinómio não-constante de C[x] se
pode escrever como um produto de polinómios do primeiro grau e, daqui, que todo o polinómio
não-constante de R[x] pode ser escrito como um produto de polinómios do primeiro grau e
polinómios do segundo grau com discriminante negativo, o que justifica a afirmação feita na
primeira frase desta secção.
Exercı́cios sobre Polinómios
Tópicos de Matemática Elementar
2023–2024
4. Diga quais das afirmações seguintes são verdadeiras e quais são falsas, justificando a sua
resposta:
(a) (f + g)′ = f ′ + g ′ ;
(b) (f g)′ = f ′ g + f g ′ ;
(c) (λf )′ = λf ′ .
6. Dado um corpo K e α ∈ K, diz-se que α é uma raiz múltipla de f ∈ K[x] se (x − α)2 | f .
(a) Mostre que f ∈ K[x] não tem raı́zes múltiplas se e só se (f, f ′ ) = 1, onde f ′ é a
derivada formal de f definida no exercı́cio anterior.
(b) Mostre que um polinómio irredutı́vel de Q[x] não tem raı́zes múltiplas em C.
2 5
7. Mostre que os polinómios 27x4 + 6x2 − 3 e 16x5 − 5x − 2 são irredutı́veis em Q[x].
n
ai xi ∈ K[x], com an ̸= 0, é
P
8. Seja K um corpo qualquer. Mostre que se o polinómio
i=0
n
an−i xi é também irredutı́vel.
P
irredutı́vel, então o polinómio
i=0
10. Leibniz, num artigo de 1702, afirma que nem todo o polinómio de coeficientes reais pode
ser decomposto num produto de polinómios do primeiro e do segundo grau, oferecendo
como exemplo o polinómio x4 + a4 (a ∈ R), observando que
√ √
x4 + a4 = x2 + a2 −1 x2 − a2 −1
√ √ √ √
q q q q
= x + a − −1 x − a − −1 x+a −1 x−a −1
e afirmando que nenhum par destes quatro factores, quando multiplicado, dá um polinómio
quadrático com coeficientes reais. Explique porque é que esta afirmação de Leibniz é falsa,
exibindo explicitamente dois factores cujo produto é um polinómio de coeficientes reais.
11. Mostre que não há uma infinidade de números primos da forma n4 + 4.
[Sugestão: Use a sua resolução do exercı́cio anterior!]