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14a aula

8 de Novembro de 2023
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O cálculo de limites de funções fica por vezes mais simples se


pudermos reformular a definição de limite em termos de sucessões.

Teorema: Sejam f : A → R uma função, a um ponto de


acumulação de A pela esquerda e pela direita, e
L ∈ R ∪ {−∞, +∞}. Então

lim f (x) = L
x →a

se e só se para toda a sucessão (an )n ∈ N de elementos de A,


convergente para a por valores diferentes de a, se tem

lim f (an ) = L.
n → +∞
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Vale um teorema análogo para limites laterais e para

lim f (x) = L ∈ R ∪ {−∞, +∞}


x → +∞

ou
lim f (x) = L ∈ R ∪ {−∞, +∞}.
x → −∞
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Exemplo

Seja f : R → R dada por f (x) = bxc.

Verifiquemos, com ajuda deste Teorema, que para todo o a ∈ Z

lim bxc
x →a

não existe.
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Dado a ∈ Z, consideremos as sucessões a + n1 n e a − n1 n , que


 

convergem para a por valores diferentes de a. Então


 1
lim f a+ =a
n → +∞ n
enquanto que
 1
lim f a− = a − 1.
n → +∞ n

Logo limx → a bxc não existe.


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Exemplo

O Teorema também permite concluir que


1
lim sen
x →0 x
não existe.
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2

Consideremos a sucessão nπ n
, que converge para 0 por valores
diferentes de 0. Então a sucessão
!
 1    nπ 
sen 2 = sen

2 n
n

é 
 1
 se existe k ∈ N ∪ {0} tal que n = 4k + 1
−1 se existe k ∈ N ∪ {0} tal que n = 4k + 3

0 se n é par.

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Logo a sucessão sen nπ 2 tem subsucessões com limites
n
distintos, e portanto não tem limite.

1

Consequentemente, pelo Teorema, limx → 0 sen x não existe.
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Exemplo

Seja f : R → R dada por


(
x se x ∈ Q
f (x) =
−x se x ∈
/ Q.

Então limx → 0 f (x) = 0 uma vez que, dado ε > 0, existe δ = ε tal
que
0 < |x| < δ = ε ⇒ |f (x)| = |x| < ε.

Contudo, se a 6= 0, o limx → a f (x) não existe.


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De facto, se a 6= 0, podemos considerar uma sucessão estritamente


decrescente (an )n de racionais convergente para a (porque Q é
denso em R) e uma sucessão estritamente decrescente (bn )n de
irracionais convergente para a (porque R \ Q é denso em R), e
tem-se:

lim f (an ) = lim an = a


n → +∞ n → +∞

mas
lim f (bn ) = lim −bn = −a 6= a.
n → +∞ n → +∞
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Exemplo
Seja f : R → R dada por
(
1 se x ∈ Q
f (x) =
0 se x ∈
/ Q.

Então
lim f (x) = 1
x →0 e x ∈Q
e
lim f (x) = 0.
x →0 e x ∈
/Q

Logo o limx → 0 f (x) não existe. De facto, para todo o a ∈ R, não


existe o limx → a f (x).
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Demonstração do Teorema

Farei a demonstração para o caso em que L ∈ R e a é ponto de


acumulação de A pela esquerda e pela direita, sendo o argumento
análogo para os outros casos (L = ±∞; a = ±∞).

(só se)

Suponhamos que limx → a f (x) = L ∈ R e que (an )n é uma


sucessão de A ∩ (R \ {a}) que converge para a por valores
diferentes de a.
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Então:

• Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

x ∈A e 0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − L| < ε.

• Para este δ existe p ∈ N tal que

n>p ⇒ 0 < |an − a| < δ.


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E, portanto, dado ε > 0, existe p ∈ N tal que

n>p ⇒ 0 < |an − a| < δ ⇒ |f (an ) − L| < ε.

O que confirma que

lim f (an ) = L.
n → +∞
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(se)

Suponhamos que para toda a sucessão (an )n de elementos de A


que converge para a por valores distintos de a se tem

lim f (an ) = L
n → +∞

mas limx → a f (x) 6= L.

Então existe ε0 > 0 tal que, para todo o δ > 0, encontramos


xδ ∈ A satisfazendo
0 < |xδ − a| < δ

e
|f (xδ ) − L| > ε0 .
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1
Em particular, se δ = n com n natural qualquer, existe xn ∈ A tal
que
1
0 < |xn − a| <
n
mas
|f (xn ) − L| > ε0 .

Então tem-se limn → +∞ xn = a, xn 6= a para todo o n, mas

lim f (xn ) 6= L
x →a

o que contradiz a hipótese. Logo devemos ter limx → a f (x) = L.


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Limites e operações com funções

Sejam α ∈ R ∪ {−∞, +∞} e `1 , `2 constantes de R. Supomos


no que se segue que f + g e fg estão definidas e, no caso em que
α ∈ R, que este é um ponto de acumulação (pela esquerda e pela
direita) dos domı́nios de f , g , fg e f + g .

• Se limx → α f (x) = `1 e limx → α g (x) = `2 , então


limx → α (f + g )(x) = `1 + `2 .
• Se limx → α f (x) = `1 e limx → α g (x) = `2 , então
limx → α (fg )(x) = `1 `2 .
1
• Se limx → α f (x) = `1 6= 0, então limx → α f (x) = `11 .
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Demonstração de um dos itens


Suponhamos que `1 , `2 ∈ R e que (an )n é uma sucessão dos
domı́nios de f e de g com limite a por valores diferentes de a.
Então, pelo Teorema anterior,

lim f (an ) = `1 e lim g (an ) = `2 .


n → +∞ n → +∞

Logo, como vimos no capı́tulo das sucessões,

lim f (an ) + g (an ) = `1 + `2 .


n → +∞

Como (an )n é qualquer sucessão nas condições descritas, obtemos

lim f (x) + g (x) = `1 + `2 .


x →a
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Exemplos

• Para todo o a ∈ R,

x 3 + 7x 5 a3 + 7a5
lim =
x →a x2 + 1 a2 + 1

• Como o limite quando x tende para a não considera a,

x2 − 4 (x − 2)(x + 2)
lim = lim = lim (x − 2) = −4
x → −2 x +2 x → −2 x +2 x → −2
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5 bxc 0
• limx → 0+ x = limx → 0+ x =0

5 bxc −5
• limx → 0− x = limx → 0− x = +∞
p
• limx → 1 (bxc + x − bxc) = ?

Quando x está perto de 1 mas é estritamente maior do que 1,


tem-se bxc = 1, logo

x − bxc = x − 1
p √
x − bxc = x −1
p √
lim (bxc + x − bxc) = lim + (1 + x − 1) = 1.
x → 1+ x →1
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Quando x está perto de 1 mas é estritamente menor do que 1,


tem-se bxc = 0, logo

x − bxc = x
p √
x − bxc = x
p √
lim (bxc + x − bxc) = lim x = 1.
x → 1− x → 1−

p
E, portanto, limx → 1 (bxc + x − bxc) = 1.
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Nota

Também se tem:

• Se limx → α f (x) = +∞ e limx → α g (x) = +∞, então


limx → α (f + g )(x) = +∞.
• Se limx → α f (x) = +∞ e limx → α g (x) = +∞, então
limx → α (fg )(x) = +∞.
1
• Se limx → α f (x) = +∞, então limx → α f (x) = 0.
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Mais geralmente:

• (+∞).(+∞) = (−∞).(−∞) = +∞

• (+∞).(−∞) = (−∞).(+∞) = −∞

• (+∞) + (+∞) = +∞

• (−∞) + (−∞) = −∞

• `∈R ⇒ ` + ∞ = +∞ + ` = +∞
• `∈R ⇒ ` + (−∞) = (−∞) + ` = −∞
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• `∈R ⇒ `/(+∞) = `/(−∞) = 0


• ` ∈ R \ {0} ⇒ `.(+∞) = (+∞).` = (sinal de `) ∞

• ` ∈ R \ {0} ⇒ `.(−∞) = (−∞).` = − (sinal de `) ∞

• ` ∈ R \ {0} ⇒ (+∞)/` = (sinal de `) ∞

• ` ∈ R \ {0} ⇒ (−∞)/` = − (sinal de `) ∞


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Composição de funções
Quanto à operação de composição, temos de ter mais cuidado.

Esperamos que seja válida a seguinte afirmação:

Sejam f : A → B e g : B → C funções e a um ponto de


acumulação de A. Se
• limx → a f (x) = `
• ` é ponto de acumulação de B
• limt → ` g (t) = γ

então
lim (g ◦ f )(x) = γ.
x →a
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Mas isso não é verdade em geral.

Sejam f : R → R tal que f (x) = 1 para todo o x e g : R → R


dada por (
5 se t 6= 1
g (t) =
3 se t = 1
Então, dado a ∈ R, tem-se
• limx → a f (x) = 1 = `
• ` = 1 é ponto de acumulação de R
• limt → `=1 g (t) = 5 = γ

mas
lim (g ◦ f )(x) = lim g (1) = 3 6= γ.
x →a x →a
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O que podemos afirmar é que:


Sejam f : A → B e g : B → R duas funções, e consideremos um
ponto de acumulação a de A. Suponhamos que:
• limx → a f (x) = `.

• Existe r > 0 tal que 0 < |x − a| < r ⇒ f (x) 6= `.


• ` é ponto de acumulação de B.

• limt → ` g (t) = γ.

Então limx → a (g ◦ f )(x) = γ.


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A demonstração é imediata a partir das definições.


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Exemplo

Sejam f (x) = x 3 − x e g (x) = |x| para x ∈ R.

Para todo o b ∈ R, tem-se

lim |x| = |b|


x →b

porque
∀ x, b ∈ R |x| − |b| 6 |x − b|

e, portanto, dado ε > 0, existe δ = ε tal que

0 < |x − b| < δ ⇒ |x| − |b| 6 |x − b| < δ = ε.


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Consideremos agora a = −2. Note-se que

lim x 3 − x = −6
x → −2

e que

x 3 − x + 6 = (x + 2) (x 2 − 2x + 3) = 0 ⇔ x = −2.

Logo existe r = 1 (ou outro valor de r > 0) tal que

0 < |x +2| < 1 ⇔ x ∈ ]−3, −1[ \{−2} ⇒ x 3 −x +6 6= 0.

Então

lim (g ◦ f )(x) = lim |x 3 − x| = | − 6| = 6.


x → −2 x → −2
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Limites e ordem I

Sejam a é um ponto de acumulação de A pela esquerda e pela


direita, e f : A → R, g : A → R funções de domı́nio A tais que:

• Para todo o x ∈ A \ {a}, tem-se f (x) 6 g (x).

• Existem os limites limx → a f (x) e limx → a g (x).

Então
lim f (x) 6 lim g (x).
x →a x →a
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A demonstração resulta da relação entre os limites de funções e o


limite de sucessões, e do que provámos no contexto das sucessões.

A propriedade I pode reformular-se para limites laterais e limites


em ±∞.
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Notem que se, mesmo que para todo o x ∈ A \ {a} se tenha


f (x) < g (x), a conclusão continua a ser

lim f (x) 6 lim g (x).


x →a x →a

Por exemplo, para todo o x ∈ R \ {0} tem-se x 2 > 0. Contudo,

lim x 2 = 0.
x →0
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Limites e ordem II

Sejam a é um ponto de acumulação de A pela esquerda e pela


direita, e f : A → R, g : A → R, h : A → R funções de domı́nio A
tais que:

• Para todo o x ∈ A \ {a}, tem-se f (x) 6 g (x) 6 h(x).

• limx → a f (x) = limx → a h(x).

Então limx → a g (x) existe e

lim f (x) = lim g (x) = lim h(x).


x →a x →a x →a
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A demonstração resulta da relação entre os limites de funções e o


limite de sucessões, e do que provámos no contexto das sucessões.

A propriedade II pode reformular-se para limites laterais e limites


em ±∞.
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Limites e ordem III

Lembram-se de termos visto que as sucessões monótonas são


especiais porque têm sempre limite (que é finito se são limitadas, e
é ±∞ caso contrário)?

O análogo para funções mais gerais é o resultado seguinte (que


admite reformulações para outros domı́nios de f que não R).
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Teorema: Sejam f : R → R uma função monótona e a ∈ R.


Então:
• Existem e são finitos os limites

lim f (x) e lim f (x).


x → a− x → a+

• Se f é crescente,

lim f (x) 6 f (a) 6 lim + f (x).


x → a− x →a

• Se f é decrescente,

lim f (x) > f (a) > lim + f (x).


x → a− x →a

• Existem os limites limx → +∞ f (x) e limx → −∞ f (x).


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Demonstração no caso de f ser crescente


Verifiquemos que

lim f (x) = sup {f (x) : x < a}


x → a−

e, analogamente, que

lim f (x) = inf {f (x) : x > a}.


x → a+

Comecemos por notar que o conjunto

D = {f (x) : x < a}

é não vazio e majorado por f (a) porque f é crescente em


] − ∞, a]. Logo tem supremo, s.
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Sobre s, podemos desde já afirmar que s 6 f (a).

Além disso, dado ε > 0, o número real s − ε não é majorante de


D. Logo existe f (x0 ) ∈ D tal que

s − ε < f (x0 ) 6 s.

Então, como f é crescente, se considerarmos δ = a − x0 > 0,


tem-se

−δ < x−a < 0 ⇒ x0 < x < a ⇒ s−ε < f (x0 ) 6 f (x) 6 s.

O que confirma que


lim f (x) = s.
x → a−
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A demonstração de que existe limite à direita e é finito, igual a

lim f (x) = inf {f (x) : x > a}


x → a+

é idêntica.

E note-se que também provámos que

lim f (x) 6 f (a) 6 lim + f (x).


x → a− x →a
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Quanto aos limites de f quando x → ±∞, a prova de que existem


é semelhante, alterando-se o argumento anterior apenas nas
definições usadas.

Verifiquemos que existe limx → +∞ f (x).

Caso 1: A imagem Imf de f é um conjunto majorado.

Seja S o supremo de Imf = {f (x) : x ∈ R}.

Dado ε > 0, o número real S − ε não é majorante de Imf . Logo


existe f (x0 ) ∈ Imf tal que

S − ε < f (x0 ) 6 S.
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Então, como f é crescente, se considerarmos δ = |x0 | + 1 > 0,


tem-se

x >δ ⇒ x > x0 ⇒ f (x) > f (x0 )

⇒ S − ε < f (x0 ) 6 f (x) 6 S < S + ε.

O que confirma que


lim f (x) = S.
x → +∞
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Caso 2: A imagem Imf de f não é um conjunto majorado.

Ou seja, dado ε > 0, existe f (x0 ) ∈ Imf tal que

f (x0 ) > ε.

Então, como f é crescente, se δ = |x0 | + 1 > 0, tem-se

x >δ ⇒ x > x0 ⇒ f (x) > f (x0 ) > ε.

O que mostra que


lim f (x) = +∞.
x → +∞
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Exemplo

• Seja f : R → R dada por


(
x se x 6 0
f (x) =
x +1 se x > 0

Então f é crescente e

lim f (x) = 0 = f (0) < lim + f (x) = 1.


x → 0− x →0
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Exemplo

• Seja f : R → R dada por



3
 x −2
 se x < 0
f (x) = 1
2 se x = 0

 3
x +1 se x > 0

Então f é crescente e
1
lim f (x) = −2 < f (0) = < lim f (x) = 1.
x → 0− 2 x → 0+
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Os próximos exemplos mostram que não podemos dispensar a


hipótese de f ser globalmente monótona.

Isto é, sem esta hipótese, o Teorema anterior pode falhar.


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Exemplo

• Seja f : R → R dada por


(
− x1 se x 6= 0
f (x) =
0 se x = 0

Então f não é monótona em ] − ∞, 0], embora seja crescente em


] − ∞, 0[, e
lim f (x) = +∞.
x → 0−
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Exemplo

• Seja f : R → R dada por


(
sen x1 se x 6= 0
f (x) =
0 se x = 0

Então f não é monótona em [0, +∞[ e limx → 0+ f (x) não existe.


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Exemplo

• Seja f : R → R dada por

f (x) = sen x.

Então f não é monótona e limx → +∞


 f (x) não existe, uma vez que
π
as sucessões (2nπ)n ∈ N e 2 + 2nπ tendem ambas para +∞
n∈N
mas
π 
lim sen (2nπ) = 0 e lim sen + 2nπ = 1.
n → +∞ n → +∞ 2

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