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OS LIMITES PLANETÁRIOS E A PROTEÇÃO AMBIENTAL POR VIA

REFLEXA.
Sophia Fernandes Ary2*(IC), Ariadna Fernandes Silva2, Andiara Fernandes Ary2(IC), Gina Vidal
Marcílio Pompeu3 (PO), Guilherme Bandeira Menezes1 (IC), Paula Ellen Cruz Pinto(IC)2
1. Universidade de Fortaleza – Programa de Iniciação Científica Cnpq-PIBIC
2. Universidade de Fortaleza – Iniciação Científica Voluntária
3. Universidade de Fortaleza – Professor do Curso de Direito

Palavras-chave: Direito Ambiental. Limites Planetários. Via Reflexa. Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Economia Donut

Resumo

O Antropoceno intensificou a degradação ambiental e a dilapidação dos direitos da natureza. Por


corolário, discursos ecocêntricos surgiram com o escopo de afirmar os limites planetários, em
respeito ao princípio da sustentabilidade. Por meio deste artigo, pretende-se analisar a urgência
da proteção ambiental e a necessidade de incluir os índices dos limites planetários na seara
ambiental para a efetivação dos direitos ecológicos. A pesquisa objetiva apontar o relacionamento
entre os direitos humanos e os direitos ambientais como justificativa para a priorização dos
direitos ecológicos. A metodologia envolve pesquisa interdisciplinar, com orientação
epistemológica na teoria crítica, a congregar teoria e práxis na articulação do Direito Ambiental,
Constitucional e Econômico, com as técnicas de análise documental, estatística e de revisão
bibliográfica.

Introdução

A pesquisa analisa a degradação ambiental, acentuada pelo Antropoceno,


substancialmente nos últimos 20 anos em que a intervenção antrópica ganhou contornos
ecológicos. Ademais, investiga o movimento que aponta a revolução doutrinária e jurisprudencial
para estabelecer os limites planetários, alicerçados no in dubio pro natura e nos dados estatísticos
que indicam o rompimento com a corrida econômica ilimitada.
Não obstante a não conceituação de “Desenvolvimento humano”, o termo tem sido
utilizado como sinônimo de “Crescimento econômico” na geopolítica mundial. A ideia de expansão
quantitativa entranhou-se de forma equivocada com o paradigma de lapidação qualitativa, de
modo que qualquer discurso ecocêntrico é assimilado como utópico e desmembrado da realidade
financeira.
A perquirição objetiva demonstrar a necessidade de efetivar o Ecocentrismo para a
sobrevivência planetária. Com base na interdependência entre os direitos ambientais e os direitos
humanos, são desnudadas a relevância do estudo e as razões que incluem a questão ambiental
como quesito de efetivação do Patamar Mínimo Civilizatório e da Dignidade da Pessoa Humana,
fulcros do Estado Constitucional Contemporâneo.
Nessa vertente, a soberania estatal enseja o questionamento acerca do limite do Direito
Internacional exigir a adequação às pautas ambientais. Sob essa ótica, a conciliação entre
crescimento econômico e desenvolvimento humano repousa na delimitação dos limites
planetários, viabilizando as atividades econômicas de maneira sustentável e suscitando a
universalização de tal paradigma.

Metodologia

O escopo do artigo concretizar-se-á mediante pesquisa qualitativa, por intermédio de


raciocínios indutivo e dedutivo, bem como com a utilização de técnicas de revisão bibliográfica,
estatística e documental, com base nas decisões judiciais em defesa do movimento que viceja
para a afirmação da natureza como sujeito de direitos. Ademais, a pesquisa circunda
interdisciplinaridade entre Estado, Meio Ambiente e Economia, com o escopo de reverberar para a
necessidade do estabelecimento dos limites planetários.

Resultados e Discussão

1.Proteção Ambiental por via reflexa / ricochete

Denominado pela Doutrina Francesa de “préjudice d'affection” ou “dommage par ricochet”,


a proteção Ambiental por via reflexa ou por ricochete traduz-se na demonstração de que a
justificativa do direcionamento de políticas públicas para a pauta ambiental ancora razões nas
inter-relações entre o Direito Ambiental e os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais. Em outras palavras, haja vista a polemicidade no que tange à afirmação da natureza
como sujeito de direitos, o reconhecimento de que as violações ambientais afetam indiretamente
os direitos dos seres humanos, vocábulo que advém de ‘humus’, evidenciando a interdependência
entre os seres da terra e o meio ambiente, colabora com a tese de que os direitos ecológicos são
litigáveis.
Nessa lógica, o greening dos direitos positivados é alicerçado no direto relacionamento
entre o meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos fundamentais, uma vez que, “Na
dimensão coletiva da proteção ambiental, o meio ambiente humano transforma-se em bem
comum, resultado do esverdeamento dos direitos econômicos, sociais e culturais. Tal dimensão
tem implicado a tendência de se proteger grupos e coletividades em estado de vulnerabilidade
decorrente da degradação ambiental.” (MAZZUOLI & TEIXEIRA, 2013, p. 208).
Nesse tocante, o pioneirismo do Pacto de San Salvador, protocolo adicional à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, ao prever, em seu artigo 11, o direito a um meio ambiente
sadio como um direito humano, o qual tem força normativa no cenário nacional sugerindo o
controle de convencionalidade, comungou e materializou originariamente a tese da proteção
ambiental por via reflexa.
Em compasso, malgrado a não inclusão de cláusulas protetivas aos direitos ambientais na
Convenção Europeia de Direitos Humanos, diversos julgados pela corte demonstram a interseção
entre os direitos ambientais e a proteção aos direitos humanos, a exemplo do caso Powell e
Rayner v. Reino Unido, apreciado em 1990. Desse modo, em que pese o não reconhecimento da
corte da titularidade da natureza, os danos ambientais que afetam os seres humanos de maneira
indireta são reivindicados. Ademais, na Opinião Consultiva 23/2017, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) explicitamente frisou as inter-relações entre os direitos ambientais e os
humanos. Em conformidade, Ingo Sarlet comenta:
O reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia
que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos
os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta,
ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em
última análise, exigência da vida humana e de uma vida humana com dignidade,
tudo a apontar para o reconhecimento do que se poderia designar de uma
dimensão ecológica ou ambiental da dignidade da pessoa humana. (SARLET,
2011, p. 31).
Conforme pesquisa realizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL), 94.910 pessoas foram afetadas por desastres ambientais na última década,
demonstrando o desequilíbrio ecológico que perdura nos ecossistemas planetários e a premência
da destinação orçamentária aos direitos ambientais, tendo em vista que “um direito legal só existe
quando e se tem custos orçamentários” (HOLMES & SUNSTEIN, 2019, p.259).

2. Limites Planetários
Em 2009, o Stockholm Resilience Centre, instituto de pesquisa da Universidade de
Estocolmo, realizou um estudo com o intuito de estabelecer os limites planetários por meio da
análise de nove processos. A metodologia da pesquisa envolveu 28 cientistas sob a liderança do
então diretor Johan Rockström, os quais elaboraram a figura abaixo:
Os nove processos (Destruição do Ozônio, Perda da integridade da biosfera, Poluição
química e liberação de novas entidades, Mudanças climáticas, Acidificação dos oceanos,
Consumo de água doce e o ciclo hidrológico global, Mudança no sistema de terra, Fluxos de
nitrogênio e fósforo para a biosfera/oceanos e Carregamento de aerossóis) elencados foram
organizados em nove fatias do globo, as quais foram entrecortadas em limites: a área verde indica
que os níveis estão seguros; a área amarela representa que os riscos aumentaram; e a área
vermelha simboliza alto risco. As fronteiras são baseadas na resiliência do meio ambiente, ou
seja, na capacidade de retornar ao estado natural após uma perturbação no sistema.
Nesse tocante, os tópicos escolhidos não se restringem ao impacto produzido no meio
ambiente, mas influem na saúde humana e na qualidade de vida na terra, comungando com a
proteção ambiental por ricochete e justificando, por conseguinte, a inclusão do gráfico nos
objetivos dos países. A urgência da implantação é desnudada pelo fato de que alguns limites já
foram violados, uma vez que
Our preliminary analysis indicates that humanity has already transgressed three
boundaries (climate change, the rate of biodiversity loss, and the rate of
interference with the nitrogen cycle). There is significant uncertainty surrounding
the duration over which boundaries can be transgressed before causing
unacceptable environmental change and before triggering feedbacks that may
result in crossing of thresholds that drastically reduce the ability to return within
safe levels. (…) The concept of planetary boundaries provides a framework for
humanity to operate within this paradox. (Rockström & Steffen & Noone & Persson
& Chapin & Lambin & Lenton & Scheffer & Folke & Schellnhuber & Nykvist & De
Wit & Hughes & van der Leeuw & Rodhe, S. Sörlin & Snyder & Costanza & Svedin
& Falkenmark & Karlberg & Corell & Fabry & Hansen & Walker & Liverman &
Richardson & Crutzen & Foley; 2009, p. 23)
Nesse entendimento, inspirada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU,
Kate Raworth elaborou o conceito de Economia Donut, criando um novo modelo econômico
galgado nos limites planetários, o qual já foi aderido pelo governo da cidade de Amsterdam. Como
alternativa ao “crescimento a qualquer custo”, a teoria econômica desenvolvida na Universidade
de Oxford objetiva assinalar a relação econômica-ambiental. A metáfora sugere que a parte
central do Donut diz respeito aos níveis desejáveis, enquanto a borda simboliza os limites
planetários, como demonstrado no gráfico abaixo:

Desse modo, a interconetectividade do planeta e a urgência do diálogo entre as cortes na


tutela ambiental internacional revelam a imprescinbilidade dos limites planetários, como elucida
Mumta Ito:
In the past few decades, science has moved away from seeing the world as a
machine best understood by analysing its discrete parts - to seeing the world as a
dynamic and fluid interconnected community of life best understood by thinking in
terms of patterns and relationships. Science also acknowledges that Nature
sustains life through ecological principles that are generative rather than extractive.
(ITO, 2019, p.9)

Conclusão

Sob as rédeas do capitalismo e embebedados pelo crescimento econômico, a negligência


atinente à preservação ambiental tornou-se realidade. Em conformidade, o surgimento do Novo
Constitucionalismo Latino-Americano e a consolidação jurisprudencial dos direitos ambientais
representou o contraponto às práticas antropocêntricas. Desse modo, o estabelecimento dos
limites planetários converge com a necessária conciliação entre a liberdade econômica e a
proteção ambiental.
Nesse sentido, o direito coletivo ao meio-ambiente e a vertente ecológica da Dignidade da
Pessoa Humana embasam a exigibilidade do rompimento com o Antropoceno. Em oposição à
dicotomia entre os seres humanos e a natureza, o impacto gerado pelas violações ambientais aos
direitos humanos positivados, como os direitos à vida, à moradia, à liberdade, à cultura, à água, à
alimentação, à propriedade e à saúde, são arguidos para a defesa ambiental.
Pela via reflexa, a persecução do Patamar Mínimo Civilizatório perpassa pela proteção
ambiental, haja vista que indiretamente os discursos ecocêntricos são humanos. A finitude dos
recursos naturais objetiva demonstrar a urgência de Estados Ecocêntricos limitados por normas
que se baseiem nos limites planetários e na observação habitual dos níveis, evitando desastres
imprevisíveis.

Referências

DE SAN SALVADOR, Protocolo. Protocolo adicional a la convención americana sobre derechos


humanos em matéria de derechos económicos, sociales y culturales, “protocolo de san salvador”.

HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. O custo dos direitos: por que a liberdade depende
dos impostos / tradução de Marcelo Brandão Cipolla. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2019.

ITO, Mumta. Nature’s Rights: Why the European Union Needs a Paradigm Shift in Law to
Achieve Its 2050 Vision. In: Sustainability and the Rights of Nature in Practice. CRC Press, 2019.

Mazzuoli, Valerio de Oliveira e Teixeira, Gustavo de Faria Moreira. O direito internacional do


meio ambiente e o greening da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Revista
Direito GV [online]. 2013, v. 9, n. 1 [Acessado 22 Agosto 2021] , pp. 199-241. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S1808-24322013000100008>. Epub 18 Out 2013. ISSN 2317-6172.
https://doi.org/10.1590/S1808-24322013000100008.

Rockström, J., W. Steffen, K. Noone, Å. Persson, F. S. Chapin, III, E. Lambin, T. M. Lenton, M.


Scheffer, C. Folke, H. Schellnhuber, B. Nykvist, C. A. De Wit, T. Hughes, S. van der Leeuw, H.
Rodhe, S. Sörlin, P. K. Snyder, R. Costanza, U. Svedin, M. Falkenmark, L. Karlberg, R. W. Corell,
V. J. Fabry, J. Hansen, B. Walker, D. Liverman, K. Richardson, P. Crutzen, and J. Foley. 2009.
Planetary boundaries: exploring the safe operating space for humanity. Ecology and
Society 14(2): 32. [online] URL: http://www.ecologyandsociety.org/vol14/iss2/art32/
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Fededal de 1988. 9. ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2011.

Agradecimentos

Agradecemos à Profa. Gina Vidal Marcílio Pompeu, pela orientação e por todos os ensinamentos
que possibilitaram a elaboração do presente artigo. Agradecemos ao PROBIC/FEQ e à
Universidade de Fortaleza (UNIFOR) pela oportunidade e excelência.

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