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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DISCIPLINA: HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA II


ALUNOS: BRYAN WILLIANS FARIA TELES E GABRIELLE REGINATTO
DO CARMO
ANO: 2021
A formação do subúrbio carioca a partir da perspectiva de modernização
europeia: as denúncias de Lima Barreto.
Começar a entender o subúrbio carioca é pensar na passagem da Monarquia para a
República. Ainda no século XIX, com os ideais positivistas e o mundo discutindo sobre
civilização e barbárie, o então recém-nascido Brasil republicano precisava “arrumar a casa”, e
isso significou, então, colocá-lo aos moldes da modernidade. Esse era representado pela
importação de um imaginário europeu.
A centralidade de um discurso que procurou apagar vestígios de um passado
escravocrata não por entender a escravidão como um grande momento ruim de nossa História,
e sim pois ela não combinava com a nova roupagem brasileira, que era sobretudo de
progresso, materializou-se não somente no discurso, mas também nos feitos. A cidade, um
local que assumiria, então, uma centralidade e ditaria os rumos da civilidade, não estava de
acordo com esse status.
O centro urbano carioca sofreu, no tempo em questão, processos intensos de
mudanças. Palco de projetos urbanísticos, foi sendo reformado a partir dos moldes
eurocêntricos da estética burguesa com teatros, cinemas e grandes construções. A Bella
Époque, no Rio de Janeiro, foi acompanhada pelo surgimento de uma cultura urbana muito
pautada na estética. Assemelhar-se a Paris foi, então, o sinal de beleza dessa nova era, assim
como a aceleração do tempo na cidade.
Acontece que, no campo das ideias, essas transformações encontraram um grande
problema: a realidade. A região que hoje conhecemos como Centro da Cidade era habitada por
diversos grupos, que iam desde a classe média alta aos mais pobres. Essa heterogeneidade não
combinava com o projeto de país refletido nas mudanças da então Capital. Precisava-se,
portanto, apagar, eliminar e remanejar essa população.
Nesse processo de reconfiguração urbana, as regiões mais afastadas do Centro foram
protagonistas. Bondes elétricos, construções grandiosas e aterramento de avenidas e morros
despejaram diversas famílias de suas residências, delimitando o espaço da cidade a qual elas
poderiam circular. Totalmente ao contrário do que se pregavam nos ideais de igualdade,
liberdade e civilização que fundaram nossa República, não havia espaço para todos. Os
subúrbios, então, entram em cena.
Diferentemente do que é visto em países como os Estados Unidos da América, o qual
os subúrbios representam um espaço para as classes médias e altas viverem afastadas do caos
e desordem das cidades, no Rio de Janeiro, o início de povoamento dessas áreas conta com a
vinda daqueles que foram negados pela urbanização. Não por coincidência, Lilia Schwartz
(2017) nos mostra que o aumento da população suburbana se deu justamente dessa época de
início de modernização, entre os anos de 1890 e 1906.
De começo, as áreas mais ocupadas eram aquelas próximas ao Centro, mas, com o
desenrolar do processo modernizador, as mais afastadas também sofreram com o aumento
populacional. Lima Barreto, literato suburbano carioca que viveu essas transformações, fez de
sua literatura uma verdadeira fonte para estudarmos essa questão. Podemos utilizá-lo na
História se assimilarmos o raciocínio de Nicolau Sevcenko (1983, p.20) que
“Fora de qualquer dúvida, a Literatura é antes de mais nada um produto
artístico, destinado a gradar e comover; mas como se pode imaginar uma árvore sem
raízes, ou como pode a qualidade dos seus frutos mão depender das características
do solo, da natureza, do clima e das condições ambientais?” (SEVCENKO,1983,
p.20)
Ao falar sobre o subúrbio do então Distrito Federal, descreve um lugar de pluralidades
o qual conviviam membros de classes médias e baixas, pobres, egressos da escravidão que
tentavam erguer-se na sociedade brasileira, operários, entre outros.
Os grupos que formaram o tecido social do subúrbio tomaram as régias de sua cultura,
mas nunca isolada, sempre conectada. Essa conexão era indiscutivelmente com o Centro, já
que havia uma movimentação econômica, social e cultural entre esses dois polos. Como um
grande marco material desse momento, a ferrovia, inaugurada em 1858, ganha destaque. Ligar
o subúrbio a Central pela malha ferroviária era percorrer diversos bairros do Rio de Janeiro, e
banhar a capital na modernização.
A formação dos subúrbios cariocas estaria, então, na esteira do processo de importação
da modernidade europeia. Com a “regeneração” do Centro, os locais ao seu redor, aqui em
questão aqueles que estão à beira da linha do trem, receberam esse contingente populacional
que não encaixava no projeto civilizador da Capital. Para Sevcenko (1983),
“acompanhar o progresso significava somente uma coisa: alinhar-se com
os padrões e o ritmo de desdobramento da economia europeia, onde “nas indústrias e
no comércio o progresso do século foi assombroso, e a rapidez desse progresso
miraculosa.” (SEVCENKO, 1983, p. 29)
A expulsão foi dada em movimentos de desapropriação, demolição, alargamento de
ruas, e criminalização de costumes considerados “selvagens”. Tudo o que era popular, era
reprimido, até mesmo a vestimenta. Dessa época, encontramos registros de um homem que
foi preso pelo crime de não estar de colarinho, e outros por andarem descalços pelo Centro da
Cidade.
A famosa reforma encabeçada por Pereira Passos foi o pontapé para esse movimento
que foi continuado por seus sucessores. O “Bota-Abaixo”, a obrigatoriedade da vacinação e
uma verdadeira crise de habitação, foram eventos que nos servem como indicativos de
encaixe aos moldes estrangeiros, tanto no campo filosófico quanto no material.
Lima Barreto, em seu conto “Clara dos Anjos”, publicado anos após sua morte,
retratada a tomada de consciência de uma adolescente negra grávida que se vê rejeitada pela
família branca do pai de seu filho. A fala final da protagonista ”Mãe, nós não somos nada
nessa vida.”, pode ser relacionada com a denúncia, pelo autor, da vigência do racismo
científico, bem característico da modernidade, muito presente na época de sua escrita, e que
foram responsáveis pelo alargamento do preconceito racial.
Em uma crônica intitulada “Bailes e Divertimentos suburbanos”, Lima Barreto tece
críticas à importação de costumes e tradições estrangeiras. Ferrenho defensor da produção
nacional, utilizou-se da escrita para criticar a adequação aos moldes europeus e norte-
americanos. Na obra em questão, chega a provocar o seguinte questionamento: “O subúrbio
civiliza-se, diria o saudoso Figueiredo Pimental, que era também suburbano; mas de que
forma, santo Deus?”.
Assim, conseguimos enxergar a contribuição de Lima para a história da formação dos
subúrbios cariocas. Indo além, sua produção literária faz uma denúncia sobre as régias
tomadas pela modernização do país. Essa leva de adequação aos costumes burgueses
reconfigurou a cidade e montou uma hierarquia espacial e social. O Centro, portanto, assumiu
o papel de um centro civilizatório, e suas margens, ou seja, os subúrbios, era o espaço para a
barbárie.
REFERÊNCIAS
GAGLIARDO, Vinicius Cranek. Uma Paris dos Trópicos?: perspectivas da
europeização do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora Alameda, 2014.
SWARCHZ, Lilia Moritz (org). Contos Completos de Lima Barreto. São Paulo:
Editora Companhia das Letras, 2010.
GUIMARÃES, Manuel Luís Salgado. “Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o
projeto de uma história nacional”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1: 5-27, 1988.
SWARCHZ, Lilia Moritz. “Da minha janela vejo o mundo passar: Lima Barreto, o
centro e os subúrbios”. Estudos Avançados. São Paulo, v.31, n.91, 2017.
BARRETO, Lima. Bailes e divertimentos suburbanos. Gazeta de Notícias, Rio de
Janeiro, 7 fev. 1922, p.2.
BARRETO, Lima. O moleque. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.) Contos completos de
Lima Barreto. São Paulo: Cia. das Letras, 2010a. p.141-51.
BARRETO, Lima. Clara do Anjos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
SEVCECNKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
primeira República. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

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