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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

SOCIEDADE BRASILEIRA DE FÍSICA


PROGRAMA NACIONAL DE MESTRADO PROFISSIONAL EM
ENSINO DE FÍSICA

FÍSICA E HISTÓRIA: EXPERIMENTO DE TORRICELLI

JARDES MARTINS ALVES

NATAL – RN

2018
JARDES MARTINS ALVES

FÍSICA E HISTÓRIA: EXPERIMENTO DE TORRICELLI

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Física
(MNPEF) Polo UFRN – da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ensino de Física.

Orientadora: Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo

NATAL/RN 2018

JARDES MARTINS ALVES


FÍSICA E HISTÓRIA: EXPERIMENTO DE TORRICELLI

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Física
(MNPEF) Polo UFRN – da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ensino de Física.

__________________________________________________________
Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo – Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

__________________________________________________________
Prof. Dr. Ciclamio Leite Barreto – Examinador Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

__________________________________________________________
Profa. Dra. Carolina Gual da Silva – Examinador Externo
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Alves, Jardes Martins.


Física e História: Experimento de Torricelli / Jardes Martins
Alves. - 2018.
210f.: il.

Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Departamento de Física Teórica e Experimental/Escola de
Ciências e Tecnologia, Programa Nacional de Mestrado
Profissional em Ensino de Física, Natal, 2018.
Orientador: Dra. Juliana Mesquita Hidalgo.

1. Narrativas Didáticas - Dissertação. 2. História e Filosofia


da Ciência no Ensino - Dissertação. 3. Concepções alternativas -
Dissertação. 4. Pressão Atmosférica - Dissertação. 5. Natureza da
Ciência - Dissertação. I. Hidalgo, Juliana Mesquita. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 53:37.016

Elaborado por Raimundo Muniz de Oliveira - CRB-15/429


RESUMO

Tem-se presenciado nas ultimas décadas a consolidação da defesa da inserção


didática da História e da Filosofia da Ciência. Seguindo essa tendência, livros
didáticos vêm incluindo em seu escopo alguns elementos históricos relacionados
aos conteúdos científicos. Apesar da intenção de atender às demandas da
legislação educacional em termos de contextualização histórica, a falta de critérios e
de atenção à historiografia da ciência acaba por dar espaço a uma inserção
inadequada de elementos histórico-filosóficos. Esses equívocos se traduzem, por
exemplo, na formação de visões simplistas sobre a ciência. Nesse sentido, a análise
do conteúdo relativo ao experimento de Torricelli em livros didáticos, revelou
diversas falhas e distorções. Partindo das inadequações observadas, e, por outro
lado, tendo como fundamentos textos historiográficos confiáveis, foram elaboradas
três narrativas histórico-filosóficas para utilização na Educação Básica. Essas
narrativas, que têm como foco o desenvolvimento histórico do conceito de pressão
atmosférica e, em especial, o experimento de Torricelli, fazem parte de uma
sequência didática elaborada no sentido de colaborar com o ensino dos referidos
temas científicos. O produto educacional foi aplicado em turmas do ensino médio
regular em escola pública de Natal, demonstrando-se satisfatório face aos objetivos
de ensino almejados.

Palavras-chave: Narrativas Didáticas. História e Filosofia da Ciência no Ensino.


Concepções alternativas. Pressão Atmosférica. Natureza da Ciência.
ABSTRACT

In the last decades, there has been a consolidation of the defense of the didactic
insertion of History and Philosophy of Science. Following this trend, textbooks have
included in their scope some historical elements related to scientific content. Despite
the intention to meet the demands of educational legislation in terms of historical
contextualization, the lack of criteria and attention to the historiography of science
ends up giving way to an inadequate insertion of historical-philosophical elements.
These misconceptions translate, for example, into the formation of simplistic views
about science. In this sense, the analysis of the content related to Torricelli's
experiment in textbooks revealed several flaws and distortions. Based on the
inadequacies observed, and on the other hand, based on reliable historiographic
texts, three historical-philosophical narratives were developed for use in Basic
Education. These narratives, which focus on the historical development of the
concept of atmospheric pressure and, in particular, the Torricelli experiment, are part
of a didactic sequence elaborated in order to collaborate with the teaching of the
mentioned scientific subjects. The educational product was applied in regular high
school classes in Natal public school, where it was satisfactory in relation to the
desired teaching objectives.

Keywords: Didactic Narratives. History and Philosophy of Science in Teaching.


Alternative conceptions. Air pressure. Nature of Science.
Lista de ilustrações

Figura 1: Ilustração do experimento de Berti. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Figura 2: Desenho contido na carta de Torricelli a Ricci. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Figura 3: Café embalado a vácuo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

Figura 4: Embalagem de palmito com lacre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

Figura 5: Representação do vídeo “Máquina de embalar e selar produtos alimentares


a vácuo”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

Figura 6: Bebedouro de passarinhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Figura 7: Representações do vídeo “Experiência de Torricelli. FisQuiWeb”. . . . . . . 67

Figura 8: Experimento com a garrafa furada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

Figura 9: Experimento com a garrafa contendo líquido colorido. . . . . . . . . . . . . . . . 72

Figura 10: Quadro com respostas dos grupos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76

Figura 11: Quadro com respostas dos grupos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76

Figura 12: Pote de milho com tampa “abre fácil”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

Figura 13: Exibição do vídeo “Máquina de embalar a vácuo”. . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

Figura 14: Bebedouros de passarinho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .81

Figura 15: Representação do vídeo “Experiência de Torricelli. FisQuiWeb”. . . . . . . 83

Figura 16: Aspecto da primeira narrativa histórico-pedagógica. . . . . . . . . . . . . . . . .84

Figura 17: Aspecto da terceira narrativa histórico-pedagógica. . . . . . . . . . . . . . . . . 87


Lista de quadros

Quadro 1: Resumo da sequência didática. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .56

Quadro 2: Objetivos específicos por situação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

Quadro 3: Sugestão de questões para a situação 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

Quadro 4: Sugestão de questões para a situação 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

Quadro 5: Sugestão de questões para a situação 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

Quadro 6: Sugestão de questões para a situação 4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Quadro 7: Objetivos específicos para cada parte da segunda etapa. . . . . . . . . . . . 65

Quadro 8: Sugestão de questões para a primeira parte.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .68

Quadro 9: Conteúdos abordados pelas narrativas histórico-pedagógicas. . . . . . . . .69

Quadro 10: Objetivos específicos da terceira etapa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

Quadro 11: Situações-problema previstas para a terceira etapa.. . . . . . . . . . . . . . . 72

Quadro 12 – Respostas sobre a abertura do café embalado a vácuo. . . . . . . . . . . .92

Quadro 13 – Respostas sobre a relação entre o tipo de embalagem e o ruído. . . . .92

Quadro 14 – Respostas sobre a abertura da embalagem “abre fácil”. . . . . . . . . . . .93

Quadro 15 – Respostas sobre a aderência inicial do lacre na tampa “abre fácil”. . . 94

Quadro 16 – Respostas sobre o funcionamento do bebedouro de pássaros. . . . . . 96

Quadro 17 – Respostas sobre o bebedouro mais longo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

Quadro 18 – Respostas sobre o limite do tamanho do tubo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Quadro 19 – Respostas sobre a troca por um líquido mais pesado. . . . . . . . . . . . . 98

Quadro 20 – Respostas sobre a relação entre o bebedouro e o experimento de


Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
Quadro 21 – Respostas sobre o conteúdo do topo do tubo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99

Quadro 22 – Respostas sobre sustentação do mercúrio no experimento de Torricelli.


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

Quadro 23 – Respostas sobre a troca do mercúrio por água no experimento de


Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Quadro 24 – Respostas sobre a troca do mercúrio por água no experimento de


Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

Quadro 25 – Respostas sobre a prioridade de Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

Quadro 26 – Respostas sobre os antecedentes de Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . 103

Quadro 27 – Respostas sobre possíveis argumentos de Torricelli. . . . . . . . . . . . . 103

Quadro 28 – Respostas sobre aspectos que chamaram a atenção. . . . . . . . . . . . 107

Quadro 29 – Considerações sobre concordância, discordância, confronto e


aceitação de ideias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .108

Quadro 30 – Comentários sobre a ciência como construção individual ou coletiva. . .


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

Quadro 31 – Comentários sobre provisoriedade ou permanência do conhecimento


científico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .109
SUMÁRIO

RESUMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .iv

ABSTRACT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v

CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

CAPÍTULO 2 - BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA.. . . . . . . . . . . . . . . . .18

2. 1 Eleatas e atomistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2. 2 Aristóteles sobre o vácuo: refutando os argumentos atomistas......... . . . . . . . . 19

2. 3 Do período pós-Aristóteles à Revolução Cientifica. . . . . . . ..... . . . . . ...... . . . . . .21

2. 4 O desenvolvimento do conceito de pressão atmosférica. . . ...... . . . . . . . . . . . . 25

2. 5 O experimento de Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28

CAPÍTULO 3 - O EXPERIMENTO DE TORRICELLI NO CONTEXTO


EDUCACIONAL . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...33

3. 1 Análise dos livros didáticos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34

3.1.1 CENTRALIZAÇÃO NA FIGURA DE TORRICELLI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

3.1.2 A “CÂMARA BAROMÉTRICA”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

3.1.3 OS ANTECEDENTES E O CONTEXTO CIENTÍFICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

3.1.4 O EMPIRISMO-INDUTIVISMO PERMEANDO A DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . .46

3.1.5 EXPERIMENTO CRUCIAL? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49

3.1.6 OUTRAS CONSIDERAÇÕES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52

CAPÍTULO 4 - DESCRIÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL. . . . . . . . . . . . . . . . 54


4. 1 A sequência didática em linhas gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4. 2 As etapas da sequência didática. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .56
4.2.1 PRIMEIRA ETAPA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

Primeira etapa: Situação 1 – Embalagem de café. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..57

Primeira etapa: Situação 2 – Embalagem com lacre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..59

Primeira etapa: Situação 3 - Vídeo – Máquina de embalar a vácuo. . . . . . . . . . . .....61

Primeira etapa: Situação 4 - Bebedouro de passarinhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....62


4.2.2 SEGUNDA ETAPA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

Segunda etapa - Parte 1: Vídeo - Experimento de Torricelli. . . . . . . . . . . . . . . . . .....65

Segunda etapa – Parte 2: Utilização de narrativas histórico-pedagógicas. . . ......... 68

4.2.3 TERCEIRA ETAPA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

CAPÍTULO 5 - RELATO FUNDAMENTADO DA APLICAÇÃO DO PRODUTO


EDUCACIONAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74

5.1 Aspectos gerais da realização da intervenção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

5. 2 Comentários sobre respostas, dinâmica e interação dos alunos. . . . ....... . . . . 91

5.2.1 PRIMEIRA ETAPA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Primeira etapa: Situação 1 – Embalagem de café. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .91

Primeira etapa: Situação 2 – Embalagem com lacre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93

Primeira etapa: Situação 3 - Vídeo – Máquina de embalar a vácuo. . . . . . . ..... . . . 95

Primeira etapa: Situação 4 - Bebedouro de passarinhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . 95

5.2.2 SEGUNDA ETAPA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Segunda etapa - Parte 1: Vídeo - Experimento de Torricelli. . . . . . . . . . . . . .... . . . .99

Segunda etapa – Parte 2: Utilização de narrativas histórico-pedagógicas. . . .........102

5.3 Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .110

REFERÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .113

APÊNDICE 1 – PRODUTO EDUCACIONAL – VERSÃO DO PROFESSOR. . . . . 117

APÊNDICE 2– PRODUTO EDUCACIONAL – VERSÃO DO ALUNO.......... . . . . . 171


11

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

O ensino de ciências vem passando por mudanças nos últimos tempos.


Muitos autores vêm defendendo mudança de paradigmas. Questiona-se um
ensino exclusivamente focado nos produtos finais da ciência (conceitos
científicos e fórmulas), dissociado dos processos, contextos e dilemas
presentes na história do desenvolvimento cientifico. Dentre outros aspectos,
tem-se como consequência desse ensino de ciências descontextualizado a
formação de alunos que sustentam visões simplistas de ciência (GIL PÉREZ et
al., 2001; SILVA, 2006; PAGLIARINI; BATISTA et al., 2007; MARTINS,2007).

Em muitos casos, a inserção da História da Ciência em sala de aula é


carregada de vícios e distorções. Muitas dessas distorções são herdadas de
livros didáticos que trazem uma história caricaturada, linear, reduzida a nomes
de cientistas famosos e datas de grandes descobertas. Pseudo-histórias são
comuns nesses recursos didáticos. A História da Ciência usual nos livros
didáticos se alicerça em concepções simplistas sobre a ciência e o seu
funcionamento, reforçando para alunos e professores tais concepções e
estereótipos sobre a própria figura do cientista (PAGLIARINI; SILVA, 2006).

Décadas atrás, o pesquisador Michael Matthews, já preocupado com a


situação do ensino de ciências, comentou sobre a evasão e os significativos
índices de analfabetismo científico. Propondo uma resposta a essa situação fez
o seguinte posicionamento quanto à importância do uso de história, filosofia e
sociologia da ciência no ensino:

A história, a filosofia e a sociologia da ciência não têm todas as


respostas para essa crise, porém possuem algumas delas:
podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses
pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem
tomar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas,
permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento
crítico; podem contribuir para um entendimento mais integral de
matéria científica, isto é, podem contribuir para a superação do
mar de falta de significação que se diz ter inundado as salas de
12

aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem


que muitos cheguem a saber o que significam; podem melhorar
a formação do professor auxiliando o desenvolvimento de uma
epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de
uma maior compreensão da estrutura das ciências bem como
do espaço que ocupam no sistema intelectual das coisas.
Sendo esta epistemologia a origem do tipo de entendimento da
disciplina. (MATTHEWS, 1995, p. 165).

Porém, o uso de qualquer história da ciência não é o caminho adequado


para os resultados apontados por Mathews. A utilização de uma história
anacrônica, caricaturada, hagiográfica pode contribuir para o fomento de uma
visão individualista e elitista de ciência (HIDALGO et al., 2018)1.
A legislação educacional brasileira reconhece a importância da inserção
de história e filosofia da ciência no ensino, mas entende que essa inserção não
pode ser desprovida de critérios balizadores, pelos quais as ações em sala de
aula possam ser guiadas. Nesse sentido, a Base Nacional Curricular Comum e
os editais do PNLD apresentam algumas considerações sobre a história da
ciência a ser utilizada no contexto educacional, além de apontarem exemplos
do que deve ser evitado no ensino:

[...] os contextos histórico e social, e também o contexto


cultural, se constituem como cenário para a construção de
sentidos e significados para o conhecimento da Física e das
outras ciências (BRASIL, 2006, p. 49)

É importante, porém, que esse recurso [História da Ciência]


não fique limitado à descrição de fatos ocorridos no passado ou
à apresentação de biografias [...] (BRASIL, 2006, p. 86).

Quando os conteúdos disciplinares são apresentados nos livros


didáticos, a sequência das transformações pelas quais

1
A História da Ciência do tipo hagiográfica faz apologia às virtudes heroicas e grandes realizações dos
pesquisadores, retratando-os como “santos” (de onde provém o termo “hagiografia”, ou história dos
santos). A história anacrônica descreve os fatos do passado com base no que atualmente é aceito. A
história Pedigree busca precursores da ciência. Os historiadores da ciência das décadas iniciais do século
XX costumavam escrever de acordo com as referidas perspectivas (ALFONSO-GOLDFARB, 1994).
13

passaram acaba mascarando dificuldades, e eles são


mostrados tão simplificados que parece ao aluno ser
necessário apenas decorar as fórmulas e os principais
conceitos, sem a necessidade de perguntar de onde vieram
esses saberes. (BRASIL, 2006, p. 49).

Dada sua condição [do conhecimento] de ser produto histórico-


cultural, isto é, de ser produzido e elaborado pelos homens por
meio da interação que travam entre si, no intuito de encontrar
respostas aos mais diversificados desafios [...] o conhecimento
articula-se com os mais variados interesses. [...] a produção,
elaboração e disseminação do conhecimento não são neutras
[...] (BRASIL, 2013, p. 180).

[...] o conhecimento contemporâneo guarda em si a história da


sua construção. O estudo de um fenômeno, de um problema
[...] está articulado com a realidade em que se insere (BRASIL,
2013, p. 183).

[...] será excluída a obra que não apresentar, em seu conjunto:


[...] 6. a história da ciência muito além de nomes ou datas,
explorando o contexto social, cultural, econômico e político em
que ocorreu a produção científica. (BRASIL, 2017, p. 46)

Não se deve caracterizar o “fazer ciência” como uma sequência


rígida e linear de passos pré-estabelecidos. [...]. O caráter
coletivo e comunitário da prática da Física é algo que merece
ser ressaltado (BRASIL, 2015, p. 205).

A legislação educacional se preocupa em mencionar a importância do


contexto histórico, social e cultural da produção cientifica. Reconhece um
referencial no aprendizado dos conceitos científicos, levando sentido e
significado ao assunto abordado nas disciplinas de ciências naturais. Trata-se
de fornecer um norte e uma consciência sobre a situação na qual o
conhecimento científico foi produzido, permitindo uma compreensão
contextualizada dos conceitos. Para atingir esse fim, a simples citação pontual
14

de dados biográficos de pesquisadores, fatos ocorridos e “curiosidades da


ciência”, não é suficiente nem aconselhável.

Tem-se, também, uma preocupação por parte da legislação educacional


em caracterizar a ciência como uma construção humana e coletiva,
distanciando-se de uma visão de ciência neutra, individualista e elitista. Não é
suficiente apresentar apenas o produto pronto da ciência, excluindo quaisquer
nuances do processo de construção do conhecimento científico. Essa prática
comum no contexto educacional esconder as dificuldades enfrentadas na
formação dos conceitos. A ciência que se deseja apresentar é resultado da
colaboração entre pesquisadores, imbuídos de crenças e valores pessoais, em
busca de respostas para problemas de sua época, enfrentando adversários de
suas convicções, buscando atender a interesses e expectativas pessoais e
coletivas. Desta forma, não é concebível a apresentação de uma ciência
neutra, que não reflete a influência de seus construtores. Outra recomendação
assinalada pela legislação reflete o intuito de não apresentar o “fazer ciência”
como uma sequência de passos rígidos e pré-determinados, o “método
cientifico”.

Como a legislação educacional vigente e os editais do PNLD exigem a


consideração da História e Filosofia da Ciência, livros didáticos costumam
trazer elementos histórico-filosóficos. Porém, muitos livros acabam falhando na
forma como a História da Ciência é apresentada e passam adiante uma
distorção do processo de construção do conhecimento (PAGLIARIN; SILVA,
2006; BATISTA et al., 2007). São propagadas visões de ciência simplistas em
episódios históricos imersos em narrativas empiristas indutivistas, exatamente
na forma que a legislação educacional pretende evitar. O professor precisaria
estar ciente desses problemas, e munido de habilidades e critérios para uma
escolha consciente de seus materiais didáticos (PENA; TEIXERA, 2013).

Considerando parâmetros acadêmicos e documentos educacionais para


a inserção didática da História e Filosofia da Ciência, este trabalho propõe uma
15

sequência didática cujo foco é o experimento de Torricelli (ver APÊNDICE 1)2.


A abordagem faz uso de narrativas histórico-pedagógicas, elaboradas a partir
da consulta de fontes da História da Ciência. Busca atuar em lacunas notadas
na análise de livros didáticos, especialmente em relação ao conceito físico
pressão atmosférica, o qual não foge ao padrão usual observado nesses
recursos:

[...] a História da Ciência geralmente se resume a quadros


ilustrativos e informações, como nomes de pesquisadores
considerados mais relevantes, suas datas de nascimento,
morte, nacionalidade e descobertas. No que concerne ao
conteúdo pressão atmosférica, essas informações muitas
vezes são centralizadas na figura de Evangelista Torricelli.
(HIDALGO et al., 2018, p. 107).

A natureza simplista das informações, bem como o tom segundo essas


são dispostas, acabam caracterizando uma história pautada por fundamentos
historiográficos desatualizados:

Tomando como base a Historiografia da Ciência, podem ser


percebidas características de uma História da Ciência
Pedigree. Há centralização na busca de precursores do
conhecimento científico: “Quem, pela primeira vez, percebeu”,
“O primeiro experimento”, “foi a primeira pessoa a”. A ênfase
está na sinalização de que o personagem Torricelli e seu
experimento representam um marco para a ideia de pressão
atmosférica a ser (re) conhecido e referenciado. (HIDALGO et
al., 2018, p. 108).

Tantos outros problemas são encontrados nas referências ao


experimento de Torricelli em livros didáticos (ver Capítulo 3). Considerando tais
inadequações, as narrativas histórico-filosóficas elaboradas para utilização na
sequência didática foram produzidas de acordo com uma perspectiva
diacrônica, tendo em vista fundamentos historiográficos atualizados.

2
Esses parâmetros são aprofundados ao longo do Capítulo 3, que traz especificamente uma visão crítica
sobre a forma como o experimento Torricelli é apresentado em livros didáticos, bem como no decorrer
do Capítulo 4, que apresenta de modo fundamentado o produto educacional.
16

A sequência didática tem inspiração no modelo dos três momentos


pedagógicos (3MP) (DELIZOICOV, 2001; MUENCHEN; DELIZOICOV, 2014;
ALBUQUERQUE, 2015). Apesar de não haver a intenção de seguir à risca
esse modelo, seu espirito construtivista e as intenções almejadas em seu uso
constituem um importante parâmetro de referência para a construção da
sequência didática aqui apresentada. Por isso, a sequência é iniciada a partir
de situações-problema apresentadas aos alunos para que discutam, se
conscientizem sobre seus próprios saberes e percebam eventuais
necessidades de ampliá-los. Seguindo adiante, passa-se por etapas de
construção coletiva de novos conhecimentos. E, concluindo, novas situações-
problema permitem colocar em prática saberes construídos, extrapolando a
problemática inicial.

O presente trabalho foi dividido em cinco capítulos. No CAPÍTULO 2


tem-se um apanhado histórico do desenvolvimento do conceito de pressão
atmosférica, o qual se insere nos debates sobre a existência do vazio. A
discussão é iniciada na Antiguidade, em período anterior a Aristóteles,
prossegue ao longo do Período Medieval e chega à Revolução Científica, nos
trabalhos de autores como Blaise Pascal e René Descartes. O capitulo traz
uma concatenação de debates e expõe o contexto no qual o conceito de
pressão atmosférica e o experimento de Torricelli surgiram.

O CAPÍTULO 3 traz uma análise do conteúdo referente ao experimento


de Torricelli apresentado por livros didáticos do Ensino Médio. Destaca-se,
dentre outros aspectos, uma história anacrônica, pedigree, centralizada na
figura de Torricelli, apresentado como um gênio isolado, que desenvolveu
repentinamente um experimento para medir a pressão atmosférica. A análise
realizada destaca distorções históricas, fundamentação historiográfica
desatualizada e visões simplistas sobre a natureza da ciência. As lacunas
observadas são motivações para a composição do produto educacional
proposto.

O CAPITULO 4 apresenta o produto educacional desenvolvido com


base em uma história diacrônica da ciência. Partindo dos problemas
constatados na análise de materiais didáticos, apresenta-se a fundamentação
17

didático-pedagógica e uma explicação detalhada da sequência didática


elaborada. Apontam-se as funcionalidades e os objetivos almejados. O produto
educacional encontra-se nos APÊNDICES 1 e 2.

O CAPITULO 5 traz o relato de experiência da aplicação do produto em


escola estadual da rede pública de Natal. São expostos detalhadamente os
procedimentos adotados na aplicação, as reações e atitudes dos alunos no
desenrolar das aulas. São apresentados os resultados da aplicação,
destacados diálogos e duvidas apresentadas pelos estudantes. Realiza-se uma
análise das respostas escritas registradas pelos alunos. Apontam-se
concepções alternativas e elementos relacionados ao desenvolvimento dos
saberes ao longo da intervenção. Considerações finais são realizadas no
fechamento desse capítulo.
18

CAPÍTULO 2

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

2. 1 Eleatas e atomistas
O surgimento do conceito de pressão atmosférica se interliga a um
debate de longa data sobre a existência do vazio. Na Antiguidade, filósofos
discutiam sobre esse tema. Argumentos em defesa e contra a existência do
vazio eram utilizados. Platão foi um dos envolvidos nesse debate:

[Ele] acreditava na possibilidade da existência de um vazio,


porém afirmava que, na natureza, só poderiam existir em
pequeníssimos espaços que separavam as partículas últimas
dos corpos. Considerava que, não podendo existir o vazio,
mais além da atmosfera, os espaços celestes estão ocupados
por um ar mais tênue: o éter. (SCHURMANN apud LONGHINI,
2001, p. 239).

Na Antiguidade, duas correntes filosóficas principais, os eleatas e os


atomistas, se envolveram nas discussões. Na região grega da Eléa, os filósofos
eleatas, dos quais Parmênides no final do século VI a.C. foi um dos
representantes principais, afirmavam a unidade do mundo (SOLAZ-
PORTOLÈS, 1997). Acreditavam que tudo o que era captado pelo sensorial era
ilusório. Portanto, mudanças, transitoriedades e os movimentos eram irreais.
Eles acreditavam que apenas o que era captado pela razão era confiável, pois,
para eles, esta era imutável. Os atomistas, por sua vez, confiavam no sensorial
e consideravam que o universo era formado por átomos e espaços vazios.
Representante dessa forma de pensar, Leucipo, no século V a.C., dizia que o
átomo era sólido, indestrutível e possuía a plenitude do Ser (SOLAZ-
PORTOLÈS, 1997).

Ambos os grupos, eleatas e atomistas, consideravam o vazio como


condição necessária ao movimento. Porém, os eleatas não acreditavam na
existência do movimento e, portanto, negavam que o vazio existisse. O
argumento a seguir mostra a visão dos eleatas quanto ao vazio:

Nada dele é vazio. Pois aquilo que é vazio é nada. Ora, aquilo
que nada é não poderia existir. E ele não se move. Pois não
pode ceder em nenhum ponto, já que é cheio. Pois se existisse
um vazio, ele cederia no vazio; mas como o vazio não é uma
coisa que exista, ele não tem onde ceder. (Melissos, fragmento
19

7 Oiels, extraído do comentário de Arist6teles, 112, 6.1 apud


MARTINS, 1989, p. 10).

Já os atomistas admitiam a existência do vazio. Confiavam nas


experiências sensoriais e afirmavam a veracidade dos movimentos,
diferentemente dos eleatas. Consideravam que o vazio existia entre os átomos
possibilitando as mudanças de posição entre eles. Como exemplo, Sextus
Empiricus afirmava:

[...] se o vazio não existe, o movimento também não deveria


existir, pois o móvel não teria um lugar para onde passar, se
todas as coisas estivessem cheias e compactadas; assim,
como o movimento existe, o aparente não dá um testemunho
que contrarie o fato opinado não-evidente. (SEXTUS
EMPIRICUS, Contra os lógicos, livro I, 213-4 apud MARTINS,
1989, p.11).

2. 2 Aristóteles sobre o vácuo: refutando os argumentos atomistas

Atomistas e eleatas concordavam com a premissa de que o vazio seria


necessário para a ocorrência do movimento (o qual nem existia, para os
eleatas). Aristóteles negava esta premissa. O filósofo acreditava que:

Os corpos homogêneos só podiam pôr-se em movimento à


mercê de motores externos, constando de um motor e aquele
que era movido. Assim, os corpos homogêneos, como uma
pedra lançada por uma catapulta, nunca se moviam livremente.
Quando a pedra abandonava a catapulta, mantinha-se em
movimento graças ao ar (que era considerado na Antiguidade e
na Idade Média como espírito, e não como matéria, pela maior
parte dos filósofos da época) que se precipitava por detrás dela
para evitar a formação de um vazio. (MASON apud LONGHINI;
NARDI, 2000, p. 64-65)

A análise de Aristóteles a respeito do tema se deu, segundo Martins (1989),


em três partes, nas quais ele defendeu a inexistência do vazio:

 Primeiro, ele tomou a definição de espaço e afirmou que a própria


concepção de um espaço vazio era impossível;
20

 Segundo, procurou mostrar que todos os fenômenos utilizados pelos


atomistas para mostrar a existência do vácuo podiam ser explicados
sem a hipótese do vácuo;

 Por fim, apresentou novos argumentos, nos quais apontou a ocorrência


de absurdos caso o vazio fosse tomado como existente.

Aristóteles afirmou que o espaço ocupado por um corpo era determinado


a partir dos corpos que o circundavam. Logo, o volume de um corpo era
determinado por um envoltório ou “recipiente”. A partir dessa definição
Aristóteles considerou inconcebível a existência do vazio, por chocar-se com a
própria definição de espaço. Contra a existência do vazio, ele apontou:

[...] Os que sustentam que o vazio existe consideram-no como


um tipo de local ou recipiente que está cheio quando contém o
recheio que é capaz de conter e vazio quando está privado
dele [...] (ARISTÓTELES. Fisica IV. cap, 6. 213a 1'-17 apud
MARTINS, 1989, p. 12).

Na segunda parte de sua analise, Aristóteles discorreu sobre


mecanismos alternativos na explicação dos movimentos, a fim de substituir a
presunção de que o vazio seria necessário para a ocorrência dos movimentos.
Para Aristóteles, os movimentos eram possíveis, sem a ocorrência do vazio,
porque os corpos possuíam a capacidade de efetuar uma troca mutua de
posição. Um peixe nadando trocava simultaneamente de posição com a água
(MARTINS, 1989). Nas palavras de Aristóteles:

Mas o movimento de um local para outro não exige o vácuo.


Pois os corpos podem ceder espaço um ao outro
simultaneamente. mesmo não havendo um intervalo que os
separe ou além dos corpos que estão em movimento. E isto
torna-se claro na rotação de corpos contínuos e na dos
líquidos. (ARISTÓTELES, Física 214a 28-31 apud MARTINS,
1989, p. 12).

Tentando refutar os argumentos dos atomistas, Aristóteles se referiu aos


fenômenos de dilatação e contração e, crescimento (de um animal ou planta).
Para os atomistas, a existência de espaços vazios internos à matéria permitia a
ocorrência de fenômenos como a dilatação e a contração. Ainda para os
atomistas, como dois corpos não podiam ocupar o mesmo lugar, o processo de
21

crescimento dependia da existência de espaços vazios a serem ocupados


pelos alimentos ingeridos. Contrariamente a esses argumentos, Aristóteles
afirmou que a dilatação e a contração podiam ocorrer pela absorção ou
expulsão daquilo que havia dentro do corpo. Uma esponja cheia de água podia
se contrair expulsando a água do seu interior. Em relação ao fenômeno do
crescimento, Aristóteles defendeu que este poderia ocorrer por uma mudança
qualitativa da matéria constituinte dos seres vivos.

Outro argumento defendido pelos atomistas, e rebatido por Aristóteles,


foi a necessidade de existirem poros nos materiais transparentes para permitir
a passagem da luz, e nos corpos em geral a passagem do som (MARTINS,
1989). Aristóteles, ao contrário dos atomistas, defendia a natureza imaterial do
som e da luz. Por consequência, negou a necessidade de existência de poros
para a propagação de luz e som através da matéria.

Ainda em suas críticas aos que advogavam a existência do vazio,


Aristóteles relacionou essa hipótese a inconsistências no movimento,
baseando-se em sua própria dinâmica. O filosofo afirmou que o movimento
violento (não natural) dependia de uma causa externa. No caso de um
lançamento, o próprio ar seria esta causa externa para a manutenção do
movimento. No vácuo, o movimento não seria possível, por inexistência de
causa. Além disso, para Aristóteles, se fosse possível o movimento no vácuo, a
a velocidade do corpo seria infinita, uma vez que a velocidade deveria ser
inversamente proporcional à resistência do meio. A velocidade infinita era
inconcebível para os gregos (MARTINS, 1989; SOLAZ-PORTOLÈS, 1997).

2. 3 Do período pós-Aristóteles à Revolução Cientifica

Os filósofos posteriores a Aristóteles deram continuidade aos debates a


respeito do vácuo. Lucretius, no primeiro século I d. C., retomou argumentos
semelhantes aos atomistas em favor do vácuo: era necessário para que
houvesse movimento, para explicar a penetração da água em corpos sólidos,
22

bem como as diferenças de densidade3 (MARTINS, 1989, p.16). Lucretius


propôs uma forma de criar vácuo. Segundo o autor, se duas placas grandes e
unidas face a face fossem separadas bruscamente, seria impossível que o ar
chegasse ao centro das placas imediatamente e, portanto, por um curto
período haveria ali um espaço vazio (LONGHINI; NARDI, 2000).

Ainda no século I d. C., Heron de Alexandria compôs argumentos


atomistas e aristotélicos sobre o vácuo. Ele defendia que havia vazio
descontínuo na matéria, mas aceitava que a criação de um vazio contínuo era
impossível devido à resistência da natureza. Heron explicou esta
impossibilidade na descrição do funcionamento de um sifão: “Se retiramos o ar
do sifão através da extremidade externa, a água irá imediatamente seguir por
causa da impossibilidade de um vácuo contínuo no sifão [...]” (HERON de
Alexandria, Pneumatica apud MARTINS, 1989, p. 17).

No século VI d.C., o pensador medieval Philophonos propôs ideias sobre


o movimento que contrariavam algumas posições defendidas por Aristóteles.
Segundo Philophonos, o movimento de um corpo lançado não dependeria de
uma causa externa para se manter. Para ele, uma força motriz seria transferida
para o corpo e se extinguiria quer este estivesse ou não no vácuo. Seguindo a
linha de oposição a alguns pensamentos aristotélicos, no século XII d.C., o
pensador árabe Avempace propôs que a velocidade de um corpo no vácuo
seria finita, dado que ele atravessaria certo espaço finito em um intervalo de
tempo finito (SOLAZ-PORTOLÈS, 1997).

Ainda que houvesse contra-argumentos aos pontos apresentados por


Aristóteles, as concepções defendidas pelo filósofo continuavam sendo as mais
aceitas. Entre os árabes, Avicena era um dos defensores do horror ao vácuo
(LONGHINI; NARDI, 2000). Ele utilizou a explicação do sifão para argumentar
a favor do repudio da natureza ao vácuo:

A água se mantém no tubo retentor quando seu orifício


superior é tapado, pois a água não pode se separar do
recipiente, já que o espaço não pode permanecer vazio e as

3
A diferença de peso entre corpos que ocupavam o mesmo espaço era explicada com base na
quantidade de vazio em cada um daqueles corpos. Corpos de densidades diferentes possuíam
quantidades diferentes de vazio.
23

superfícies dos corpos não podem se separar a não ser


colocando-se algo no lugar. (AVICENNE, Le livre de Science,
vol. 2, pp. 26-7 apud MARTINS, 1989, p. 18).

Nesta mesma perspectiva, no século XIV, o pensador francês Jean


Buridan recorreu a argumentos empíricos contrariamente à existência do vácuo
(MARTINS, 1989; SOLAZ-PORTOLÈS, 1997). Ainda que se opusesse a
aspectos da dinâmica aristotélica, Buridan citou o horror ao vazio ao comentar
a respeito do experimento do canudo:

Coloque-se um junco, com uma extremidade no vinho e a outra


na boca. Sugando o ar do canudo, atrai-se o vinho para cima,
embora ele seja pesado. Isso acontece porque é necessário
que algum corpo sempre venha logo depois do ar que é
sugado para cima. para evitar a formação de um vácuo.
Devemos, portanto, admitir que um vácuo não é naturalmente
possível, [...]. (BURIDAN, Questiones super octo physicorum
libros Aristotelis, livro IV, q. 8, foi. 73 verso, cal. 1 - apud
MARTINS, 1989, p. 19).

Outros argumentos fizeram oposição às concepções de Aristóteles.


Giambattista Benedetti acreditava que Aristóteles estava errado em considerar
que o vazio não existia. Para Benedetti, o argumento de que no vácuo um
corpo poderia adquirir velocidade infinita era falso. A velocidade de um corpo
seria proporcional ao seu peso diminuído da resistência do meio. Portanto, a
inexistência de um meio não implicaria uma velocidade infinita (SOLAZ-
PORTOLÈS, 1997).

Experimentos imaginários foram adotados propostos com o fim de


discutir as concepções então defendidas. Para discutir sobre a natureza do
horror ao vazio, Marsilius de Inghen propôs um experimento mental de
significativa relevância:

[...] consistia em resfriar um recipiente totalmente cheio com


água, no intuito de congelá-la. Acreditava-se que a água ao
congelar-se diminuiria seu volume formando um espaço vazio
no recipiente. Por outro lado, alguns opositores do vácuo
afirmavam que o recipiente quebraria se a água se congelasse;
ou que a água não se solidificaria, para evitar o surgimento de
um espaço vazio. (SCHMITT, 1966 apud LONGHINI, 2001, p.
242).
24

De acordo com Marsilius, uma vez que a natureza não permitia espaços
vazios, então a condensação não iria ocorrer. Francisco de Toledo, por sua
vez, discordava. Ele afirmava que o espaço deixado pela condensação não
ficaria vazio, mas sim ocupado por vapores “sutis” (MARTINS,1989, p.21).

O horror ao vácuo foi defendido por pensadores que, em outros


aspectos, tornaram-se famosos pela oposição a paradigmas tradicionais. O
filósofo Francis Bacon, por exemplo, afirmou que:

[...] não podemos determinar com certeza se existe um vácuo,


seja extenso ou misturado à matéria. No entanto, estamos
convencidos de que é falsa a razão indicada por Leucipo e
Demócrito para a introdução de um vácuo (a saber, que de
outra forma o mesmo corpo não poderia compreender e
preencher espaços maiores e menores). (BACON, Novum
organum, livro 11, af. 48; p. 187 apud MARTINS, 1989, p. 22).

Bacon descreveu a hipótese do horror ao vácuo em seus trabalhos:

[...] o movimento de conexão pelo qual os corpos não permitem


ser separados em ponto nenhum do contato de outro corpo,
deliciando-se, por assim dizer, no mútuo contacto e conexão.
Isso é o que as escolas chamam de um movimento para
prevenir o vácuo. Ocorre quando a água é puxada por sucção
ou por uma seringa, a carne por ventosas, ou quando a água
permanece sem escapar por jarras perfuradas, a menos que a
boca seja aberta para deixar o ar entrar, assim como inúmeros
exemplos de natureza semelhante. (BACON, Novum organum,
livro 11, af. 48; p. 180 apud MARTINS, 1989, p. 22).

René Descartes, um dos pensadores mais influentes no período,


também se opunha à existência do vazio. Para Descartes, atributos como
extensão (largura, comprimento, profundidade), caracterizavam um corpo
material, negando a possibilidade de conceber um “espaço vazio”:

Quanto ao vazio, no sentido que os Filósofos dão a essa


palavra, ou seja, um espaço onde não existe nenhuma
substância, é evidente que não existe nenhum ponto do espaço
no universo que seja assim, pois a extensão do espaço ou do
lugar interno não difere da extensão do corpo. E como, apenas
por ser extenso em comprimento, largura e profundidade,
podemos concluir que um corpo é uma substância (pois
concebemos que não é possível que aquilo que nada é tenha
extensão). devemos concluir o mesmo em relação ao espaço
que se supõe vazio: ou seja. que. já que existe extensão nele.
25

ai existe também necessariamente substância. (DESCARTES.


Principes. 2ª parte. p. 16 apud MARTINS, 1989, p. 22).

Fenômenos como a condensação e a rarefação podiam, segundo


Descartes, ser explicados sem recorrer à existência do vácuo. Um corpo
aumentaria ou diminuiria de tamanho, pela entrada ou saída de algo pelos seus
poros.

2. 4 O desenvolvimento do conceito de pressão atmosférica

Mesmo com a força dos argumentos e posições defendidas por


Aristóteles, novas explicações começaram a surgir para fenômenos atribuídos
ao horror ao vácuo. A ideia de pressão do ar foi utilizada para reinterpretar
experimentos conhecidos.

Desde Arquimedes, os conceitos envolvidos na hidrostática vinham


sendo desenvolvidos. Na Revolução Científica, Simon Stevin, tomando os
textos de Arquimedes, afirmou que os corpos imersos em água eram
pressionados por todos os lados. Essa afirmação estendida para o ar por Isaac
Beeckman. Ele explicou que os fenômenos aparentemente decorrentes do
esforço da natureza para evitar o vazio eram, na realidade, causados pela
pressão exercida pelo ar:

Qual é a razão pela qual os corpos se movem em qualquer


direção, de tal forma a evitar a existência de um vazio na
natureza? Respondo: ocorre que o ar, do mesmo modo que a
água, pressiona as coisas e as comprime de acordo com a
altura do ar acima. Mas algumas coisas permanecem
imperturbadas e não se movem porque são igualmente
comprimidas por todos os lados pelo ar sobre elas, assim como
nossos mergulhadores são comprimidos pela água.
(BEECKMAN, Joumal tenu par fui de 1604 à 1634, vai. I, p. 36;
apud MARTINS, 1989, p. 24).

As concepções de Beeckman sobre a pressão exercida pelo ar podem


ter influenciado René Descartes: “É provável que Beeckman tenha influenciado
Descartes que, apesar de não aceitar o vácuo, admitia a idéia da pressão
atmosférica [...]” (Martins, 1989, p. 25). Descartes, por sua vez, pode ter
influenciado Blaise Pascal, com quem teve um encontro para debater sobre a
existência do vazio.
26

Um fator de notada importância para o desenvolvimento do conceito de


“pressão atmosférica” durante a Revolução Cientifica foi o avanço do uso de
bombas aspirantes, por volta de 1630 (LONGHINI; NARDI, 2000). O emprego
de técnicas para movimentar a água era cada vez mais comum naquele
período:

A água era transportada para fora das minas para os serviços


de água de cidades e aldeias por bombas de força do tipo de
um pistão simples, gigantescas seringas por assim dizer, e por
bombas de elevação. (CONANT 1947, p.50 apud LONGHINI,
2001, p. 244).

Um problema surgiu a partir dessa técnica. Notou-se que as bombas não


conseguiam aspirar água além de uma altura de pouco mais de 10 metros.
Esse problema era recorrente na drenagem de minas espalhadas pela Europa.

O problema da elevação da água foi de grande repercussão no contexto


científico dos debates sobre o vazio. Um episódio nesse sentido envolveu
Galileu Galilei. Em 1630, o pesquisador Giovanni Baliani enviou uma carta a
Galileu relatando o insucesso no uso de um sifão para levar agua de um vale a
outro, passando por uma colina de cerca de 20 metros de altura:

Andei pensando se poderia ocorrer que o canal ou sifão


possua alguns poros pelos quais não possa passar a água nem
mesmo o ar, a não ser com grande violência; por isso, quando
o tubo está cheio, a água pressiona tanto Que faz tanta força
Que o ar entra pelos poros que estão na parte superior. de
modo Que a água possa descer... sem Que surja um vácuo.
Tendo descido, portanto (aproximadamente à metade),
restando no tubo apenas essa água, ela não tem a força de
fazer tanta violência ao ar Que possa forçá-lo a entrar pelos
poros acima indicados. (BALlANI, apud apud MARTINS, 1989,
p. 26).

Para explicar o ocorrido, Galileu fez uma analogia. Ao puxar a água por
um sifão, na opinião de Galileu, a coluna de água se comportava como uma
corda ao ser erguida. Se muito longa, a corda de rompia. Da mesma forma, a
coluna de água, se “quebrava”, não subindo mais. A altura limite relatada por
Galileu era de cerca de doze metros. Galileu propôs, assim, uma ação limitada
do vácuo. A altura da coluna de líquido que o “puxão” do vazio era capaz de
erguer dependia da densidade desse líquido.
27

Baliani discordou da explicação dada por Galileu. Ele havia passado a


acreditar na possibilidade de um vácuo continuo, produzido naturalmente. Em
correspondência enviada a Galileu, afirmou:

Já não possuo a opinião vulgar de que o vácuo é impossível,


mas não acreditava que se pudesse produzir o vácuo em tanta
quantidade e tão facilmente. E para não deixar de lhe dizer
minha opinião sobre isso, tenho acreditado que o vácuo pode
ser produzido naturalmente desde a época em que encontrei
que o ar tem um peso sensível e que Vossa Senhoria me
ensinou em uma carta sua o modo de encontrar seu peso
exato [...]. Para explicar-me melhor, já que, se o ar pesa, a
única diferença entre o ar e a água é a quantidade, é melhor
falar sobre a água, cujo peso é mais sensível, porque o mesmo
deverá acontecer com o ar. (BALIANI, apud MARTINS, 2001,
p. 27).

Continuando sua argumentação, Baliani novamente recorre ao


paralelismo entre água e ar:

Penso que o mesmo ocorre no ar, pois estamos no fundo de


sua imensidão e não sentimos nem seu peso nem a
compressão que há por todos os lados. pois nosso corpo foi
feito por Deus de tal qualidade que possa resistir muita bem a
essa compressão sem sentir ofensa - sendo que ele é
necessário e não se poderia ficar sem ele. Creio que, mesmo
se não tivéssemos que respirar, não poderíamos ficar no
vácuo; mas, se estivéssemos no vácuo, então sentiríamos o
peso do ar que tivéssemos sobre a cabeça, o qual creio ser
enorme. Pois, embora suponha que o ar é mais leve a maiores
alturas, creio que a sua imensidão é tal que, por pouco que
seja seu peso, deve-se admitir que se sentiria o de todo o ar
que está acima. Esse peso é muito grande, mas não infinito - e,
portanto, determinado. Com força proporcional a ele, seria
possível superá-lo e assim causar o vácuo. Quem quisesse
encontrar essa proporção precisaria saber a altura do ar e seu
peso em cada altura. Mas, seja como for, eu realmente o
julgava tal que, para causar o vácuo, imaginava que fosse
necessária uma violência maior do que aquela que pode ser
feita pela água no tubo com menos de 80 pés. (BALIANI, apud
MARTINS, 2001, p. 28).

O efeito citado por Baliani oferecia uma explicação para o funcionamento


do sifão, na medida em que o peso do ar empurrava a coluna de água até certa
altura. A postura assumida por Baliani em muito se assemelhava à de
Beeckman. Galileu, por outro lado, não mudou de opinião. Publicou sobre a
28

ação limitada do vácuo na obra “Duas novas Ciências”, em 1638. Nas palavras
do personagem Salviati temos: “Isto é precisamente o que ocorre; esta
elevação fixa de dezoito cúbitos é verdadeira para qualquer quantidade de
água, seja a bomba grande ou pequena, ou mesmo tão fina quanto uma palha
[...].” (GALlLEO, apud MARTINS, 1989, p.33). Na mesma obra, Galileu cita um
experimento para defender o efeito do horror ao vácuo:

Se você toma duas placas lisas e altamente polidas de


mármore, metal ou vidro, e as coloca face a face, elas
deslizarão uma sobre a outra com a maior facilidade,
mostrando conclusivamente que nada existe de natureza
viscosa entre elas. Mas quando tentar separá-las distanciando-
as rapidamente [...] você descobrirá que as placas exibem tal
repugnância pela separação, que a superior carrega a inferior
consigo e a mantém erguida indefinidamente, mesmo quando a
inferior é grande e pesada. Este experimento mostra a aversão
da natureza pelo espaço vazio, mesmo durante o breve
momento exigido para que o ar exterior corra e preencha a
região entre as duas placas. Também se observa que, se as
duas placas não são completamente polidas, seu contato é
imperfeito, de modo que, quando se tenta separá-las
lentamente, a única resistência oferecida é a do peso; se, no
entanto, o puxão é rápido, a placa inferior sobe, mas
rapidamente cai, tendo seguido apenas o intervalo de tempo
muito curto exigido para a expansão da pequena quantidade de
ar entre as placas, em consequência de seu não ajuste, e para
a entrada de ar circundante. Esta resistência que é exibida
entre as duas placas está sem dúvida presente também entre
as placas de um sólido e entra, pelo menos em parte, como
uma causa concomitante de sua coerência (GALILEU, Discorsi,
p.34 apud MARTINS, 1989, p.30).

2. 5 O experimento de Torricelli

As discussões envolvendo o vácuo motivaram outros autores


(LONGHINI; NARDI, 2000). Em Roma, um grupo de pesquisadores
desenvolveu um experimento que viria a ser o predecessor do famoso
experimento de Torricelli (MARTINS, 1989). Raffael Magiotti foi, provavelmente,
o idealizador do experimento conduzido por Gasparo Berti. O experimento ficou
conhecido como o “experimento do sifão de Berti”:
29

Este distinto Gasparo, de quem falei,


ergueu um tubo de chumbo AB
bastante longo fora da torre de sua
casa, na parede onde estão as
escadas, prendendo-o por meio de
cordas amarradas a cravos de ferro.
Sou obrigado a dizer que não me
lembro exatamente de seu
comprimento, mas sei que deve ter
sido mais (apenas um pouco mais) do
que quarenta palmos. A extremidade
superior A do tubo estava defronte a
uma das janelas da torre e a inferior B
estava próxima ao solo; era provida de
uma torneira R de latão, que estava
dentro do tonel EF propositalmente
Figura 01 – Ilustração do experimento cheio de água. Na extremidade
de Berti (MARTINS, 1989, p. 34). superior A era adaptado e

cuidadosamente unido e colado um recipiente de vidro em forma de


um frasco, bastante grande mas muito sólido, possuindo dois
gargalos e bocas, a mais larga embaixo - na qual era inserido o
extremo A do tubo, como em um encaixe; a mais estreita, em C, de
chumbo ou estanho, como é usual, era bem feita, de modo que se
lhe adaptava bem a haste do parafuso de latão D, sendo este o mais
sólido tipo de rolha e o mais adequado para o assunto em questão.

Estando isso pronto, com a torneira R fechada e o tonel EF


cheio com água até aproximadamente a metade, o tubo todo, assim
como o recipiente de vidro, eram enchidos por cima, através da
abertura C, bem no topo. Então, a abertura C era fechada com o
parafuso D, para selar todo o aparelho.

Por fim, quando a torneira R foi aberta, a água fluiu


(contrariamente à esperança de muitos) do tubo para o tonel EF, até
(enchê-lo) a uma altura facilmente observável; mas nem toda ela fluiu
e logo ficou parada. Isso era claro, pois foi feita uma marca no tonel
na superfície da água e no dia seguinte se descobriu que a água nela
havia permanecido exatamente na marca, embora a torneira R
permanecesse aberta todo o tempo. Então, depois que esta torneira
R foi novamente fechada cuidadosamente, o parafuso D foi tirado de
cima. E logo que ele foi retirado o ar entrou com grande ruído,
preenchendo o espaço antes abandonado pela água. Então,
descendo um fio, determinou-se quanta água havia dentro, ou
melhor, a que altura a água havia permanecido no tubo. Descobriu-
se que ela ficara a cerca de 18 cúbitos acima do nível da água no
30

tonel, na marca l. (MAIGNAN, Cursus philosophicus, apud MARTINS,


1989, p. 34).

Algumas modificações nesse experimento decorreram de questionamentos


aos seus resultados. Uma delas foi a adaptação de um tubo sinuoso ao tubo AB (ver
FIGURA 1), estando uma das extremidades daquele tubo em AB e, na outra
extremidade, uma torneira G, acoplada a um recipiente com água. Após o
procedimento supramencionado, a torneira G era aberta e a agua contida no
recipiente acoplado seguia para o tubo AB. Outra adaptação foi a inclusão de um
sino no interior do frasco de vidro preso ao ponto A. Aceitava-se que o som somente
se propagava em meios materiais. Assim, se ocorresse a formação de vácuo,
esperava-se não ouvir o som do sino quando este fosse acionado por um imã
externo ao experimento. Quando o experimento foi realizado, o som do sino pode
ser ouvido, contrariando as expectativas iniciais. Argumentou-se,, contudo, que as
vibrações do sino se transmitiram por meio do vidro ao qual o sino estava preso
(MARTINS, 1989).

O experimento de Berti chegou ao conhecimento de outros pesquisadores,


como Evangelista Torricelli e Vincenzo Viviani, ambos discípulos de Galileu Galilei.
Alguns detalhes tornavam difícil a observação dos resultados. Como o experimento
utilizava água, o tubo era tão longo a ponto de atingir em altura o segundo andar de
uma casa. Um tubo com esse comprimento não podia ser feito de vidro. Utilizava-se,
então, chumbo, o que dificultava a visualização do interior do tubo.

Para lidar com estes contratempos, Torricelli substituiu por mercúrio a água.
Isso possibilitou a utilização de tubos com apenas 1 metro de comprimento, os quais
podiam se fabricados com vidro, permitindo, então, a visualização do experimento. A
ideia de utilizar mercúrio no lugar de água não foi necessariamente de Torricelli. A
sugestão pode ter sido de Viviani ou próprio Galileu (MARTINS, 1989).

Com as modificações, a execução do experimento se tornou mais fácil. A


montagem, então portátil, facilitou sua divulgação. Outro ponto a se destacar foi a
interpretação de Evangelista Torricelli para o experimento. Torricelli defendia a
pressão atmosférica como causa para a sustentação da coluna de mercúrio. Em sua
carta a Michelangelo Ricci, Torricelli expressou sua posição:
31

Tentei, portanto, com esse princípio, explicar todo tipo de


repugnância sentida nos vários efeitos atribuídos ao vácuo, não
tendo, até agora, encontrado nada que não dê certo. Sei que
surgirão muitas objeções a V.S., mas espero também que as
superará pensando. Minha principal intenção, no entanto, não teve
sucesso - a de conhecer quando o ar é mais grosso e pesado e
quando é mais sutil e leve com o instrumento EC, pois o nível AB se
altera por uma outra causa (que eu não poderia acreditar). ou seja,
pelo calor e frio - e muito sensivelmente, como se o vaso AE
estivesse cheio de ar. (TORRICELLI, apud MARTINS, 1989, p. 156).

Torricelli recorreu ao conceito de pressão atmosférica para explicar o


funcionamento das bombas aspirantes e suas limitações de altura, em substituição à
usual explicação fundamentada na hipótese do horror ao vazio (SOLAZ-
PORTOLÈS, 1997). As cartas de Torricelli foram copiadas e divulgadas na Europa,
de modo que o experimento tornou-se conhecido e reproduzido por vários
pesquisadores.

Pelo exposto até aqui, pode-se ver que o desenvolvimento do conceito de


pressão atmosférica não dependeu exclusivamente de Torricelli. Ele foi um
personagem importante entre outros abordados no presente texto, o qual, por
limitações, ainda apresenta apenas uma parcela dos envolvidos nesses episódios
históricos. Ademais, os defensores do horror ao vácuo não deixaram de defender
essa hipótese após o experimento de Torricelli.

Em 1646, na cidade de Rouen, Blaise Pascal assistiu à execução do


experimento de Torricelli. O pesquisador passou a trabalhar na questão do vácuo.
Passaram-se três anos de estudo até que publicou os “Tratados sobre o equilíbrio
dos líquidos e sobre o peso da massa do ar” (MARTINS, 1989).

Durante este período, Pascal reproduziu o experimento muitas vezes e se


comunicou com vários pesquisadores, os quais propuseram modificações e novos
experimentos. Pascal solicitou ao seu cunhado, Florin Périer, que conduzisse a
realização do experimento de Torricelli na base e no alto da montanha Puy-de-
Dôme. A ideia de realizar esse experimento teria sido apresentada a Pascal por
René Descartes, que atribuía o efeito observado no experimento de Torricelli à
atuação da pressão do ar, embora não admitisse a formação de vazio no alto do
tubo. Os resultados ocorreram de acordo com a expectativa, isto é, à medida que se
subia o Puy-de-Dôme a coluna de mercúrio no experimento de Torricelli ficava
32

menor. Mesmo assim, as discussões prosseguiram (MARTINS, 1989; LONGHINI;


NARDI, 2000; LONGHINI; NARDI, 2009).

Blaise Pascal publicou descrições sobre os experimentos que realizou,


defendeu a ocorrência do vazio no topo do tubo do experimento de Torricelli e
defendeu a interpretação de que a pressão do ar causava a sustentação da coluna
de mercúrio. Com o passar do tempo e a contribuição de vários personagens, essas
interpretações se fortaleceram e as explicações fundamentadas no “horror ao vácuo”
deram lugar a outras, fundamentadas na pressão do ar.
33

CAPÍTULO 3

O EXPERIMENTO DE TORRICELLI NO CONTEXTO EDUCACIONAL4

Mesmo sem o conhecimento profundo do desenvolvimento histórico de


conceitos científicos, é possível perceber algumas lacunas na História da Ciência
apresentada em livros didáticos. Certos indícios de fragilidade são evidenciados na
ausência de respostas a questionamentos aplicáveis aos diversos conteúdos
científicos:
 Quais situações ou problemas fomentaram o desenvolvimento do referido
conceito abordado?
 Quais concepções científicas sobre os fenômenos citados precederam o atual
conhecimento sobre esses fenômenos?
 O conceito científico abordado surgiu a partir de uma descoberta pontual de
um único personagem ou foi desenvolvido coletivamente? Como isso
ocorreu? Houve controvérsias?

Utilizamos esse tipo de questionamento na análise de uma amostra de livros


do Ensino Médio5, tendo foco especificamente no conteúdo de pressão atmosférica.
Examinamos, ainda, esse conteúdo específico nos materiais didáticos à luz de
fundamentos da historiografia atual. Os fundamentos da nova historiografia fazem
referência, por exemplo, à rejeição de histórias anacrônicas, de narrativas
apologéticas a “grandes personagens” e suas descobertas repentinas e de
narrativas que descrevem ideias de outras épocas de modo linear como se tudo
fluísse diretamente em direção a teorias atualmente aceitas (MARTINS, 2004;
FORATO et al., 2011).6 Por fim, aprofundando a discussão, recorre-se a fontes
primárias e secundárias da História da Ciência relacionadas ao desenvolvimento

4
Os resultados apresentados nesse capítulo fazem parte de artigo do qual o mestrando é
um dos autores: HIDALGO, J. M.; ALVES, J. M.; SOUZA, F. A.; QUEIROZ, D. M. Queiroz “A
história da ciência (distorcida ou ausente) em livros didáticos: o conteúdo sobre o
‘experimento de Torricelli’ como estudo de caso”. ALEXANDRIA: Revista de Educação em
Ciência e Tecnologia, v. 11, n. 1, p. 101-124, maio. 2018.
5
Para as análises foi utilizada uma amostra de livros do Ensino Médio, usualmente
disponíveis no mercado editorial. Não houve a pretensão de contemplar todos os livros
aprovados em editais do PNLD.
6
A referência a tais inadequações não significa adotar a perspectiva de que existe “a real
história da ciência” a ser confrontada com “a história fictícia dos livros didáticos”. Não se
assume aqui uma visão “objetivista” da realidade histórica.
34

desse conceito, a fim de contrapor os equívocos históricos notados nos livros


analisados.

3. 1 Análise dos livros didáticos

3.1.1 CENTRALIZAÇÃO NA FIGURA DE TORRICELLI

Normalmente os livros didáticos de Física costumam dar pouca importância à


História da Ciência, ou tratá-la de modo decorativo ou acessório. Em alguns casos,
textos curtos de conteúdo histórico são colocados em apêndices com títulos
característicos como “Física tem história”, “Para saber mais. Sempre foi assim?”.
Esse procedimento evidencia o caráter meramente acessório da História da Ciência,
que aparece de forma não integrada ao conteúdo de Física.
Quando presente ao longo dos capítulos, a História da Ciência geralmente se
resume a quadros ilustrativos e informações, como nomes dos principais
pesquisadores (na visão do autor), suas datas de nascimento, morte, nacionalidade
e feitos. Quando se trata de pressão atmosférica, essas informações costumam ser
centralizadas na figura de Evangelista Torricelli. Vejamos alguns exemplos:

Quem, pela primeira vez, percebeu que o ar exercia pressão e


propôs uma experiência para medir a pressão atmosférica foi o físico
italiano Evangelista Torricelli (1608-1647). (TORRES et al., 2010, p.
154)7

O primeiro experimento para medir a pressão atmosférica foi


elaborado por um discípulo de Galileu, o físico italiano Evangelista
Torricelli (1608-1647). (OLIVEIRA et al., 2011, p. 247)

O físico italiano Torricelli (Contemporâneo e amigo de Galileu) foi a


primeira pessoa a fazer uma experiência para medir o valor da
pressão atmosférica. (MÁXIMO; ALVARENGA, 2003, p. 94)

7
O mesmo texto aparece em edição anterior da obra, de 2005.
35

Isso pode ser feito repetindo-se um experimento realizado pelo


matemático e físico italiano Evangelista Torricelli, em 1643.
(SAMPAIO; CALÇADA, 2008, p. 198);

Informações que associam o conhecimento científico a seres humanos,


trazendo à tona características dos pesquisadores comuns a qualquer pessoa, em
princípio, poderiam contribuir para uma visão de ciência mais humanizada. No
entanto, essa potencialidade não parecer ser considerada. Esses elementos não são
incluídos em livros didáticos em perspectiva formativa consistente, relacionada à
Natureza da Ciência. Sua mera citação não caracteriza a realização de uma
abordagem histórica.
Utilizando fundamentos historiográficos atualizados podemos qualificar as
informações trazidas por trechos de livros didáticos. Neles podem ser percebidas
características de uma História da Ciência Pedigree. Há centralização na busca de
precursores do conhecimento científico: “Quem, pela primeira vez, percebeu”, “O
primeiro experimento”, “foi a primeira pessoa a”. A ênfase está na sinalização de que
o personagem Torricelli e seu experimento representam um marco para a ideia de
pressão atmosférica a ser (re) conhecido e referenciado.
Didaticamente, esse estilo contribui para o fortalecimento de visões
individualistas da ciência, em detrimento de uma visão de ciência construída
coletivamente. Referências usuais dão a Evangelista Torricelli o protagonismo de
evidenciar a influência da pressão atmosférica nos fenômenos do dia a dia, sem
haver qualquer referência à colaboração de outros personagens. Mas seria, de fato,
correto afirmar que Torricelli foi quem “pela primeira vez, percebeu que o ar exercia
pressão” (TORRES et al., 2010, p. 154)?
Segundo historiadores da ciência, a ideia de pressão do ar é anterior aos
trabalhos de Torricelli. Seria inviável centralizar todos os resultados em um único
personagem:

No início do século XVII, algumas pessoas já pensavam sobre o


peso do ar e a pressão atmosférica. Um deles foi Isaac Beeckman,
um holandês, que é bem conhecido pelos seus trabalhos com
Descartes. (MARTINS, 1989a, p. 24; grifo nosso)
36

As considerações de Isaac Beeckman (1588-1637) sobre a pressão do ar,


além de serem anteriores a Torricelli, foram também realizadas a partir de pilares
fornecidos por outros pesquisadores. Ele tomou como base contribuições do seu
mentor Simon Stevin (1548-1620) à hidrostática (LONGHINI; NARDI, 2002, p.74).
Fazendo analogia entre os comportamentos do ar e da água, Beeckman explicou:

Mostrei que o ar é pesado, que ele nos pressiona de todos os lados


de um modo uniforme, de modo que não sofremos por essa pressão
e que essa gravidade é a causa daquilo que se chama horror ao
vazio[...]. [...] as coisas se precipitam com grande poder para um
lugar vazio, por causa da grande altura do ar que está acima delas e
pelo que daí resulta (BEECKMAN, Mathematico-physicarum
meditationem apud MARTINS, 1989a, p. 25).

O uso da ideia de pressão do ar teve seu inicio no período da Revolução


Científica, aplicada na explicação do funcionamento de ventosas, sifões, canudos
para sorver líquidos e bombas de água. Esse principio foi expresso inclusive por
Torricelli: “Tentei, portanto, com esse princípio [pressão atmosférica], explicar todo
tipo de repugnância sentida nos vários efeitos atribuídos ao vácuo, não tendo, até
agora, encontrado nada que não dê certo” (TORRICELLI, Carta a Michelangelo Ricci
apud MAGIE, 1969, p. 71) 8.
Apesar das evidencias a respeito dos antecedentes de Torricelli, encontra-se
em um dos livros didáticos analisados um comentário equivocado, o qual ignora a
existência de explicações para esse tipo de fenômeno anteriormente a Torricelli:

Ao bombear água de poços através de bombas aspirantes, verifica-


se que ela sobe dentro do tubo até uma altura de aproximadamente

8
Livros didáticos costumam mencionar a subida do líquido no canudo, mas apenas a
explicação atual é apresentada: “A pressão atmosférica atua na superfície do líquido,
fazendo-o subir” (MÁXIMO; ALVARENGA, 2011, p. 241); “[...] devemos sugar o ar que
existe no canudo. Feito isso, a ação da pressão atmosférica sobre a superfície líquida atua
empurrando o líquido” (SANT’ANNA et al., 2010, p. 321; esse trecho se assemelha ao
contido na edição de 2013 da mesma obra); “Então, você não chupa o refresco, como
muitas pessoas pensam. É a pressão atmosférica que o empurra para sua boca” (MÁXIMO;
ALVARENGA, 2003, p. 93); “O que fazemos é aumentar levemente o volume de nosso tórax
[...] a pressão atmosférica torna-se maior que a pressão do ar dentro dos pulmões e o
líquido é empurrado para cima no canudinho” (SAMPAIO; CALÇADA, 2008, p. 199). O
exemplar mais antigo analisado nessa pesquisa traz, além do canudo, o funcionamento de
uma seringa como “Aplicações da experiência de Torricelli” (PARANÁ, 1999, p. 403).
37

10,3m, e não mais que isso. Durante muito tempo esse fato ficou
sem explicação. No século XVII, Torricelli resolveu o problema
através da seguinte experiência [...]. (PARANÁ, 1999, p. 402-403;
grifo nosso)

O exemplar citado ignora a explicação geralmente utilizada naquela época.


Considerava-se que, nas bombas, a água subia devido a uma ação da natureza no
sentido de evitar a formação de espaços vazios. Na mesma época surgiu uma
explicação alternativa. Sugeriu-se que o ar era sugado dos canos pelas bombas,
gerando uma redução na pressão interna; a água era então pressionada pela
atmosfera externa aos canos o que a forçava subir por estes. Havia também outras
explicações sustentadas por estudiosos da época, uma delas era a existência de
uma espécie de “puxão” exercido pelo vazio. Houve, portanto, uma pluralidade de
ideias.
Na década de 1630, o pesquisador Giovanni Baliani (1582-1666), recorreu a
Galileu Galilei (1564-1642) para discutir sobre o não funcionamento de um sifão
(MARTINS, 1989a, p. 27). A intenção era fazer a água passar de um vale a outro,
por meio de um sifão que subiria uma colina de pouco mais de 20 metros. Os dois
lados do sifão foram preenchidos com água e tampados na parte inferior. Quando
destampados, a água saiu completamente pelos dois lados e não se obteve o efeito
desejado.
A explicação de Galileu para a ineficiência se baseava em um limite para a
“força do vácuo”. Segundo ele a “força do vácuo” era suficiente para elevar uma
coluna de água com uma bomba até no máximo pouco mais de dez metros. A altura
máxima era inversamente proporcional ao peso específico do líquido. O efeito foi
funcionalmente comparado ao “esticamento” de uma corda por Galileu:

E, de fato, a coisa que é atraída pela bomba não é uma coluna de


água presa na parte superior e esticada mais e mais até que
finalmente atinge-se um ponto no qual ela quebra como uma corda,
por conta do seu peso excessivo? (GALILEU, Duas Novas Ciências
apud MAGIE, 1969, p. 69).
38

No contexto dessa discussão, Baliani fez algumas considerações sobre o


peso do ar e a possibilidade de formar um espaço vazio:

[...] estamos no fundo de sua imensidão [do ar] e não sentimos nem
seu peso nem sua compressão que há por todos os lados [...]. Esse
peso é muito grande, mas não infinito – e, portanto, determinado.
Com força proporcional a ele, seria possível superá-lo e assim
causar o vácuo. (BALIANI apud MARTINS, 1989a, p. 28)

As contribuições de Beeckman, Baliani e diversos outros personagens ao


desenvolvimento do conceito de pressão atmosférica não costumam ser
mencionadas em livros de Física. Centralizando as informações históricas na figura
de um único pesquisador, alguns livros afirmam que: “Torricelli ainda obteve a
primeira maneira de produzir o vácuo no interior de um tubo” (GONÇALVES FILHO;
TOSCANO, 2013, p. 136).
É comum a apresentação de um conteúdo cientifico sem qualquer menção
aos problemas que lhe originaram. Mesmo quando o exemplar possui a intenção de
agregar informações históricas, percebe-se a forte ênfase na figura de Torricelli com
a descrição do seu famoso experimento deslocado do contexto, como ocorre na
coleção Física em contextos: pessoal, social e histórico. Os antecedentes e as
motivações não são citados (OLIVEIRA et al., 2011, p. 246-247). Chama a atenção o
fato de o material referido privilegiar a abordagem histórica para grande parte do
conteúdo, mas não concretizar tal abordagem nesse caso. Com essa falta nítida,
são inadequadas as orientações ao professor de que o Capítulo 8 contribui para que
o estudante possa “compreender a construção do conhecimento físico como um
processo histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e
econômicas de uma época” (OLIVEIRA et al., 2011, p. 68).
Alguns poucos exemplares fazem alusão ao contexto cientifico no qual o
conceito de pressão atmosférica foi formado. No exemplar Física para o Ensino
Médio há referências a esse contexto. Porém, o problema da elevação da água a
uma altura superior a 10 m é associado a Torricelli, e não a uma construção coletiva.
O debate entre Baliani e Galileu é esquecido (YAMAMOTO, FUKE, 2013, p. 299) 9.

9
Os comentários citados nessa análise se aplicam também à edição de 2010 da mesma
obra.
39

Em outro caso onde o contexto é explorado, temos uma nova distorção na


qual a discussão entre Baliani e Galileu não é citada. Refere-se apenas à hipótese
aceita por esse último e de forma nebulosa:

Galileu Galilei, em 1638, no livro ‘Duas novas ciências’, apresentou a


ideia de um limite para a compreensão da existência o vácuo. Em
sua hipótese, esse limite estaria relacionado à altura máxima atingida
por uma coluna de água. Galileu parece ter-se interessado pelo
assunto depois de um jardineiro ter dito a ele ser impossível elevar
uma coluna de água acima de uma altura de 18 braças
(aproximadamente 10 m). Galileu observou que, de fato, não era
possível [...]. (SANT’ANNA et al. , 2013, p. 211- 212; grifo nosso)10.

A forma como o livro se expressa sobre a proposta de Galileu (“um limite para
a compreensão da existência o vácuo”) é obscura. Mesmo os trabalhos acadêmicos
de historiadores da ciência são mais acessíveis em suas explicações: “Galileu
admitia a existência de uma certa resistência à formação do vácuo; mas supunha
que essa resistência era finita, mensurável; e que, portanto, o vazio podia ser
formado por uma força finita” (MARTINS, 1989a, p. 32). Também trabalhos
acadêmicos caracterizados como subsídios para o ensino de Física trazem
referências mais adequadas ao episódio histórico (LONGHINI; NARDI, 2002, p. 66).
Nas seções seguintes analisaremos mais detalhadamente, do ponto de vista
histórico, outras informações encontradas11.

3.1.2 A “CÂMARA BAROMÉTRICA”

10
Os comentários citados nessa análise se aplicam também à edição de 2010 da mesma
obra.
11
Do ponto de vista historiográfico outros pontos poderiam ser mencionados sobre os
trechos transcritos nessa seção. De forma anacrônica, os pesquisadores são ditos “italianos”
em época na qual a Itália não existia como país, isto é, não era unificada. De forma análoga,
é inadequado escrever: “O físico alemão Otto von Guericke foi um árduo defensor da
existência do vácuo” (KAZUHITO; FUKE, 2013, p. 304; grifo nosso). Apontar esses casos de
anacronismo não se reduz a um mero preciosismo histórico. Salvo melhor juízo, considera-
se aqui o relacionamento coerente entre as disciplinas escolares. O estudante do Ensino
Médio estuda os processos de unificação da Itália e da Alemanha ocorridos no século XIX.
40

Em livros didáticos, a formação de vácuo no topo do tubo do experimento de


Torricelli costuma ser afirmada categoricamente e sem maiores explicações quanto
à importância histórica dessa circunstância. Analisemos alguns recortes:

[...] verificou que a coluna de mercúrio atingia a altura de 76 cm,


restando o vazio acima do mercúrio, região essa denominada
câmara barométrica. (NICOLAU et al., 2009, p. 428) 12

A parte superior ficou vazia, isto é, criou-se ali um vácuo. Na


realidade, esse vazio não é perfeito, pois um pouco de mercúrio
evaporava, preenchendo o espaço. Mas a pressão desse vapor é tão
pequena que podemos admitir que nessa região há um vazio
“aproximado”, sendo a pressão ali quase nula (Px = 0). (SAMPAIO;
CALÇADA, 2008, p. 198).

Os trechos citados sugerem que na época de Torricelli era trivial a afirmação


de que a parte superior do tubo estava vazia ou que houvesse um vazio
“aproximado”. Transmitem a ideia de que a ocorrência do vazio é um fato
incontestável.
Historicamente, o experimento de Torricelli era ligado ao contexto de
argumentação contrária à concepção de horror ao vazio. A controvérsia sobre a
existência do vazio perdurou muito na História da Ciência (GRANT, 1981; MARTINS,
1989a; LONGHINI; NARDI, 2002).
Na Antiguidade, Aristóteles e os filósofos eleatas tomaram uma posição
contrária à existência do vazio. Já os atomistas sustentavam que o vazio existia. Os
eleatas afirmavam que o vazio só precisaria existir caso movimento também
existisse. Mas, para os eleatas o movimento era uma percepção sensorial ilusória,
não acreditavam que o movimento existisse de fato. Contrariamente, os atomistas
consideravam que o movimento de um objeto era um fato e não uma ilusão, sendo o
vazio necessário para a existência do movimento.
Aristóteles defendia intensamente uma visão de mundo pleno (o plenismo),
sem espaços vazios, contrariando a visão atomista. Definiu espaço como sendo

12
Em imagem apresentada na edição de 2012 de obra dos mesmos autores, registra-se o
termo “vazio Torricelliano” em referência ao alto do tubo invertido (NICOLAU et al., 2012, p.
243).
41

intrinsecamente relacionado à matéria, e, portanto, tornando inconcebível a


existência de “espaço vazio”. Examinou argumentos atomistas e todos os
fenômenos utilizados para justificar a existência do vazio como a compressão, a
propagação da luz, o movimento e outros. Defendeu que todos eles podiam ser
explicados sem haver a necessidade de ocorrência do vazio. No caso do
movimento, por exemplo, Aristóteles usou o chamado “argumento da troca mútua”.
Sugeriu que os corpos cediam lugar um ao outro simultaneamente.
Ainda que Aristóteles tenha sido muito influente ao longo dos séculos que o
sucederam, as considerações sobre a temática do vazio sempre passou por muitas
controvérsias. No século I d. C., Heron de Alexandria propôs argumentos empíricos
para sustentar a concepção da existência de vazios na matéria. Contudo, também
defendeu a “impossibilidade de um vácuo contínuo” (HERON, Pneumatica apud
MARTINS, 1989a, p. 17).
A influência aristotélica era evidente nas discussões medievais, sendo a
negação do vazio o discurso dominante, mas não absoluto. O árabe Avicena e o
francês Jean Buridan utilizaram elementos do cotidiano da época (como sifões e
canudos para sorver líquidos), bem como articularam experimentos imaginários,
reforçando com exemplos “o horror ao vazio”.
A pesar da dominância do “horror ao vazio, a existência de vácuo era adotada
por alguns pensadores. O francês Nicholas de Autrecourt foi um deles. Argumentou
durante o movimento de um corpo o ar a sua frente se condensava nos espaços
vazios internos à matéria “ar”. Ainda no medievo, outros pesquisadores se
envolveram na discussão. Marsilius de Inghen sugeriu com um experimento
imaginário importante. Sua proposição era a seguinte: colocando certo volume de
água intensamente fria num recipiente de interior côncavo, totalmente fechado e
completado com ar, a condensação dessa porção de ar deveria levar à formação de
espaços vazios no interior do recipiente. Mas, segundo Marsilius, a natureza não
permitiria o vazio, logo a condensação somente ocorreria se o recipiente se
quebrasse, e permitisse a entrada do ar.
O experimento chamou de Telesio e Patrizi, os quais defendiam uma posição
oposta a de Marsilius. Ambos propuseram uma nova versão na qual o recipiente
côncavo e fechado, estaria completamente cheio de água. Imaginaram que a água
iria se contrair ao ser congelada, ocupando, assim, um espaço menor (como se
considerava na época). O resultado seria a formação de um espaço vazio dentro do
42

recipiente. Houve algumas discordâncias quanto a essa proposição. Francisco de


Toledo argumentou que o espaço livre ficaria cheio de “vapores sutis” inviabilizando
a formação de espaços vazio. Outros disseram que o recipiente se quebraria
evitando o vazio. E ainda, houve afirmações de que água nem se congelaria, para
evitar o vazio.
Fortemente baseado em argumentos empíricos, o chamado “horror ao vazio”
era um conceito tradicional no período da revolução cientifica. Esse contexto parece
ser irrelevante ou mesmo desconhecido para os autores dos livros didáticos. Não
costuma haver menção à controvérsia sobre a existência do vazio. E quando algum
exemplar foge desse padrão, fazem referências distorcidas:

Por mais de vinte séculos, acreditou-se que a natureza teria horror


ao vácuo. No século IV a.C., Aristóteles afirmou que a existência do
vazio seria impossível e, ao longo da Idade Média, essa ideia
transformou-se em dogma, verdade inquestionável. Nesse período
da história da humanidade, a menção a existência do vazio era
considerada um grave erro. Galileu Galilei, em 1638, no livro Duas
novas ciências, apresentou a ideia de um limite para a compreensão
da existência o vácuo. (SANT’ANNA et al., 2013, p. 211- 212; grifo
nosso).

O trecho acima faz parte de um texto de quase uma página, intitulado “A


natureza e o suposto horror ao vácuo”, alocado no livro na forma de box. Transmite
a impressão equivocada de que Aristóteles fez uma mera afirmação, sem expor
seus fundamentos, e fora de um contexto de debate. Erroneamente, indica a
inexistência de questionamentos ao horror ao vazio durante o período antecedente à
Revolução Científica. Acaba por fazer alusão a uma atribuição de valor inferior às
posições do passado “dogmático” frente ao que seria defendido no século XVII.

3.1.3 OS ANTECEDENTES E O CONTEXTO CIENTÍFICO

Ao longo do século XVII, as discussões sobre o vazio prosseguiram. A defesa


do vazio ganhou maior destaque quando os argumentos atomistas foram retomados.
Novos experimentos e novas propostas surgiram em meio à visão de que o ar
43

exercia pressão. O experimento de Gasparo Berti (1600-1643), virtualmente ausente


em livros didáticos, foi realizado em 1641, sendo um antecedente importante para o
trabalho de Torricelli (MARTINS, 1989a, p. 34; LONGHINI; NARDI, 2002, p. 67).
No exemplar de material didático que contém o texto “A natureza e o suposto
horror ao vácuo”, o experimento de Berti, que utilizava água no procedimento, não é
mencionado. Indica-se que “Torricelli substituiu a água por argento-vivo (mercúrio)”
(SANT’ANNA et al., 2010, p. 320). Contudo, o material não explica o porquê da
“substituição”. Parece que, de repente, com o objetivo de medir a pressão
atmosférica, Torricelli montou aquele experimento bastante específico, inclusive
usando mercúrio no lugar de água13, embora essa fosse mais acessível. A
montagem que inspirou Torricelli é esquecida.
Berti utilizou um longo tubo de chumbo, com altura suficiente para de o solo
alcançar o segundo andar de uma edificação. O tubo, totalmente preenchido com
água, estava apoiado verticalmente em um tonel de água. Quando a torneira da
base do tubo foi aberta, apenas uma parte da água fluiu para o tonel. Oura parte da
água permaneceu no tubo. Historicamente, o experimento de Berti priorizou a
discussão sobre o conteúdo da região superior do tubo: estaria este vazio?
(MARTINS, 1989a, p. 35).
O tubo não permitia a visualização de seu conteúdo. Além disso, naquela
época não era possível produzir tubos tão longos quanto o utilizado no experimento.
Ao substituir água por mercúrio a montagem tornou-se portátil e o conteúdo visível.
Historicamente, há suspeitas de que Vincenzo Viviani (1622-1703) teria
realizado o experimento com mercúrio antes de Torricelli. Ambos eram seguidores
de Galileu Galilei, mencionado anteriormente. Não se sabe quem especificamente
teve a ideia da troca do líquido: “É possível que a própria ideia de utilizar mercúrio,
ao invés de água, tivesse sido de Viviani ou de Galileu” (MARTINS, 1989a, p. 36).
Sobre Viviani há raras indicações em materiais didáticos:

13
Alguns exemplares comentam sobre a possibilidade de realizar com água o experimento
de Torricelli, mas não citam que isso foi de fato realizado e o antecedeu: “Se a experiência
de Torricelli for realizada com água (ao nível do mar), a altura da coluna líquida será de
10,3m” (MÁXIMO; ALVARENGA, 2011, p. 240); “Caso reproduzíssemos o experimento
utilizando água em vez de mercúrio, a coluna no tubo teria altura 13,6 vezes maior [...]”
(SANT’ANNA et al., 2010, p. 324); “Se o mercúrio usado na experiência de Torricelli for
substituído por água [...]” (KANTOR et al., 2010, p. 238).
44

[...] Vincenzo Viviani (1622-1703), físico e matemático italiano,


encheu boa parte de um tubo de cerca de 1 m com mercúrio líquido
(Hg), tampou-o e em seguida colocou-o invertido dentro de uma cuba
também contendo mercúrio. Após destampar o tubo, o nível do
mercúrio dentro do tubo desceu e estabilizou-se a uma altura de 76
cm [...]. Torricelli e Viviane notaram também que a altura da coluna
de mercúrio que se mantinha no tubo dependia da altitude em que a
experiência fosse realizada. (YAMAMOTO; FUKE, 2013, p.299).

A passagem anterior foi extraída de um texto disposto em apêndice no livro


Física para o Ensino Médio. As informações históricas, dispostas com um tom de
certeza, podem transmitir a impressão de uma parceria entre Viviani e Torricelli,
oposto ao tom hipotético utilizado por historiadores da ciência.
Ainda há mais a ser considerado sobre a contextualização. Os objetivos do
experimento de Berti estavam relacionados com a controvérsia sobre o vazio. O
próprio Torricelli, inspirado pela montagem de Berti, inseria explicitamente seu
experimento com o mercúrio no mesmo contexto de discussão.
Em carta de 1644 ao pesquisador Michelangelo Ricci, onde descreve seu
experimento, Evangelista Torricelli menciona que não havia consenso sobre a
existência do vazio. Suas motivações, decorrentes do engajamento na controvérsia
do vazio, vieram à tona.

Muitos disseram que o vazio não existe, outros que de fato existe
apesar da repugnância da natureza e com dificuldade; eu não
conheço alguém que tenha dito que exista sem dificuldade e sem
uma resistência da natureza. Aceito a existência do vácuo, mas ele
ocorre com alguma resistência na natureza (TORRICELLI, Carta a
Ricci apud MAGIE, 1969, p.71).

Na carta, Torricelli recorreu a argumentos empíricos a respeito do espaço


superior do tubo. Entre outros argumentos, sustentou que a parte superior do tubo,
desocupada devido à descida do mercúrio, podia ser novamente preenchida, o que
indicaria o estado vazio inicial daquela região. A complexidade da afirmação de
Torricelli se contrapõe com a descrição presente em livros didáticos.
45

Os livros de Física passam a ideia de que o experimento de Torricelli surgiu do


nada. Torricelli foi um gênio, descobriu sozinho o que sabemos hoje. Em contraste
com essa impressão, historicamente o experimento esteve ligado a uma
controvérsia coletiva de construção de conhecimento.
O trabalho de Torricelli não pode ser caracterizado como uma simples medida
da pressão atmosférica, contrariamente ao afirmado por alguns exemplares: “A
experiência de Torricelli (físico e matemático italiano) consiste na determinação da
pressão atmosférica num determinado local” (KANTOR et al., 2010, p. 238).
Diferentemente, nas palavras do próprio Torricelli:

Não fui capaz de concretizar minha intenção principal, isto é,


reconhecer quando a atmosfera é mais densa e mais pesada e
quando é mais sutil e mais leve, porque o nível AB no instrumento
EC varia por alguma outra razão (o que eu não teria acreditado)
especialmente como se fosse sensível ao frio ou ao calor,
exatamente como se o tubo AE estivesse cheio de ar (TORRICELLI,
Carta a Ricci apud MAGIE, 1969, p. 72).

Figura 02 – Desenho contido na carta de


Torricelli a Ricci (apud MAGIE, 1969, p. 72)

Percebe-se que Torricelli não obteve sucesso imediato na medida da pressão


atmosférica, muito embora seja essa a impressão deixada pelos livros didáticos:
46

[...] afirmou que a medida da pressão atmosférica, ao nível do mar,


equivalia a 76 cm de mercúrio. [...] percebeu que a altura do mercúrio
no tubo podia variar ligeiramente de um dia para o outro, o que
evidenciava pequenas mudanças na própria pressão atmosférica. [...]
(GONÇALVES FILHO; TOSCANO, 2013, p. 136).

Os escritos originais de Torricelli deixam evidências de que o próprio


pensador não finalizou categoricamente suas conclusões sobre o experimento, ao
contrário do que costuma ser indicado em materiais didáticos (BONJORNO et al,
2013; DOCA et al., 2010; FERRARO; SOARES, 2003; GASPAR, 2011).

3.1.4 O EMPIRISMO-INDUTIVISMO PERMEANDO A DESCRIÇÃO

Durante muito tempo esse fato [funcionamento das bombas


aspirantes] ficou sem explicação. No século XVII, Torricelli resolveu o
problema através da seguinte experiência [...]. (PARANÁ, 1999, p.
402-403)

Ao destampar o tubo, Torricelli verificou que a coluna liquida desceu,


estacionando a uma altura de 76 cm acima do nível do mercúrio no
recipiente [...]. Concluiu, então, que a pressão atmosférica, [...],
atuando na superfície do líquido no recipiente, equilibrava a coluna
de mercúrio. Portanto, o valor da pressão atmosférica equivale à
pressão exercida por uma coluna de mercúrio de 76 cm de altura.
(MÁXIMO, ALVARENGA, 2003, p. 94)

O físico italiano Evangelista Torricelli (1608-1647), contemporâneo e


amigo de Galileu, realizou uma famosa experiência que, além de
demonstrar que a pressão atmosférica existe realmente, permitiu a
determinação do seu valor. [...]. Torricelli verificou que a coluna
líquida descia, até estacionar a uma altura de cerca de 76 cm acima
do nível do mercúrio no recipiente. Concluiu, então, que a pressão
atmosférica, pa, atuando na superfície do líquido no recipiente,
conseguia equilibrar a coluna de mercúrio. Observe que, acima do
mercúrio, no tubo, temos vazio [...]. (MÁXIMO; ALVARENGA, 2011,
p. 239)
47

[...] concluiu corretamente que essa coluna de mercúrio era


equilibrada pela pressão atmosférica exercida na superfície livre da
cuba, ao nível do mar, onde realizou o experimento. (GASPAR, 2011,
p. 333)

Verificou que, no local em que fez o experimento, a coluna de


mercúrio desceu até se manter a 76 cm do nível de mercúrio no
recipiente. Concluiu, daí, que a pressão exercida pelo ar, isto é, a
pressão atmosférica no ponto A (pA ), equivalia à pressão exercida no
ponto B (pB ) por uma coluna de mercúrio com 76 cm de altura.
(TORRES et al., 2010, p. 154)

Torricelli concluiu da experiência que a pressão do ar sobre a


superfície livre do mercúrio no recipiente era igual a pressão dos 76
cm de mercúrio contidos no tubo. (NICOLAU et al.; 2009, p. 428)

Torricelli mediu a altura da coluna de mercúrio no tubo e encontrou


76 cm. Considerou, então, tal valor como a medida da pressão
atmosférica ao nível do mar. (SANT’ANNA et al, 2010, p. 318)

As referências em livros didáticos costumam não indicar que houve


interpretações diferentes para o fenômeno da sustentação do mercúrio. Transparece
a unanimidade de uma concepção. Parece que as conclusões “obtidas no
experimento” foram aceitas sem qualquer oposição.
Poderia ser diferente, isto é, havia possibilidade de contradizê-las? O leitor das
passagens citadas anteriormente será induzido a pensar que não.
Os trechos citados parecem sugerir que de fato “observava-se” que a
sustentação da coluna de mercúrio devia-se a algo externo, a pressão atmosférica.
O experimento teria, então, gerado o conhecimento, mostrando esse resultado, “a
verdade”.
Torricelli percebeu que o mercúrio não descia completamente e que havia um
vazio na parte superior do tubo. A pressão atmosférica atuava sobre o metal liquido
(STEFANOVITS, 2013). Mediu a pressão atmosférica, causa inequívoca da
sustentação do mercúrio: “Outra consequência importante desse experimento é a
48

descoberta de que o ar tem um peso cujo valor pode ser determinado”


(GONÇALVES FILHO; TOSCANO, 2013, p. 136). Para isso, “idealizou um
experimento muito simples e engenhoso” (GONÇALVES FILHO; TOSCANO, 2013,
p. 135). O “experimento de Torricelli” é uma medida da pressão atmosférica
(NICOLAU et al., 2012; STEFANOVITS, 2013).
Seriam essas indicações adequadas do ponto de vista histórico?
Tem-se nessas citações uma História com características Whig, dando
exclusivo destaque às ideias “vencedoras”. Nela ocorre uma substituição das
motivações, escolhas, problemas e objetivos originais de Torricelli, relacionados aos
arcabouços científicos do passado, por uma descrição resumida de resultados,
anacrônica, enquadrada à visão científica prevalecente. No chamado whiguismo, o
passado é julgado de acordo com parâmetros posteriores. Torricelli “concluiu
corretamente” (GASPAR, 2011, p. 333).
Tem-se o ensino de produtos prontos da ciência, sem as controvérsias que
lhe deram origem. Há uma pseudo-história - narrativa equivocada formada de
deturpação de fatos - que gera uma imagem simplista acerca da ciência (ALLCHIN,
2003). Não transparecerem hesitações e questionamentos. Influenciados por uma
postura empirista-indutivista, os livros ingenuamente sugerem que o experimento
mostra (sem necessidade de interpretações) a atuação da pressão atmosférica, não
havendo espaço para outras explicações.
Poucos exemplares destacam o trabalho do pesquisador no experimento,
permitindo o vislumbre de traços mais complexos da Natureza da Ciência: “Torricelli
interpretou esse resultado afirmando que o que mantinha a coluna nessa altura era a
pressão atmosférica” (SAMPAIO; CALÇADA, 2008, p. 198; grifo nosso). Embora não
fale de outras possíveis interpretações, a narrativa contida no recorte anterior
tangencia a postura mantida por Torricelli ao expressar sua opinião sobre a causa
da sustentação da coluna de mercúrio:

Costuma ser dito como explicação para o fato de que o tubo AE


permanece vazio e o mercúrio, embora pesado, seja sustentado no
tubo AC, que, como se acredita até agora, a força que impede que o
mercúrio caia, como naturalmente o faria, é interna ao tubo AE, e
provém do vazio ou de alguma substância extremamente rarefeita;
mas afirmo que é externa, e que essa força vem de fora. Sobre a
49

superfície do líquido que está na bacia repousa o peso de uma


[coluna de] altura de cinquenta milhas de ar; então, e se no tubo CE,
no qual o mercúrio não sofre tendência ou repugnância alguma, nem
mesmo mínimas, a estar lá, devesse entrar e subir uma coluna alta o
suficiente para entrar em equilíbrio com o peso do ar exterior que o
força a subir? (TORRICELLI, Carta a Ricci apud MAGIE, 1969, p. 72)

O próprio Torricelli afirmava que existiam na época diferentes opiniões sobre


a causa da sustentação do mercúrio. Era partidário de uma compreensão dissidente
(“mas afirmo que”) – a causa era externa, o mercúrio era empurrado pelo ar -
enquanto que a visão dominante (“Costuma ser dito”, “como se acredita até agora”)
se relacionava ao horror ao vazio, uma causa interna.

3.1.5 EXPERIMENTO CRUCIAL?

São poucas as vezes em que algum exemplar menciona o horror ao vácuo.


No entanto, mesmo nesses casos há distorções.
O livro Física para o Ensino Médio apresenta o box “A Física na História: A
pressão atmosférica e a invenção do barômetro”. O texto traz o experimento de
Torricelli como um “experimento crucial”, responsável por “derrubar” o horror ao
vácuo:

Com a realização desse experimento, Torricelli e Viviane


comprovaram que o ar tem peso, inventaram o barômetro (medidor
da pressão atmosférica) e fizeram cair por terra a afirmação de
Aristóteles de que a natureza “tem horror ao vácuo”- a tal ‘horror nos
referiremos mais adiante. (YAMAMOTO; FUKE, 2013, p.299)14

14
No manual do professor (KAZUHITO; FUKE, 2013, p. 445-446) há o seguinte destaque:
“Atividade sugerida: o experimento de Torricelli”. O objetivo da atividade seria fazer “uso de
experimentos para auxiliar na compreensão do problema enfrentado por Torricelli, que
originou o barômetro. Para isso, os experimentos visam auxiliar na relação entre a diferença
de pressão e altura da coluna do líquido e mostrar de que modo a densidade também
influencia essa altura”. No item preparação e aplicação sugere-se a leitura do texto “A Física
na História” para discutir com os alunos “sobre o que eles entenderam da leitura” e
“estabelecer o paralelo entre a altura da coluna de mercúrio e água e as respectivas
densidades”. As indicações aos professores são vagas, não direcionando para a construção
do conhecimento. O texto histórico, em si, é pouco claro, possivelmente mesmo para o
professor. Não há indicação de fontes consultadas. Os experimentos propostos seriam, por
exemplo: 1) tomar suco com canudo maior ou menor, notando qual seria mais fácil; 2)
50

Posteriormente no mesmo capítulo a explicação sobre o “horror ao vácuo”


resume-se à afirmação: “Acreditava-se que a natureza preenchia imediatamente,
sem medir esforços, todos os espaços vazios que não contivessem matéria”
(YAMAMOTO; FUKE, 2013, p.304). Essa afirmação está contida em outro box Física
na História, intitulado “A experiência dos Hemisférios de Magdeburg”. O texto traz a
experiência de Magdeburg como argumento empírico favorável à existência do
vácuo15, contradizendo a passagem anterior, a qual havia citado o experimento de
Torricelli como o responsável pelo (suposto) encerramento da controvérsia. Assim, a
hipótese anteriormente dita “derrubada” pelo experimento de Torricelli “ainda
prevalecia”:

Em sua época [de von Guericke] a ideia de Aristóteles de que a


natureza tem ‘horror ao vácuo’ ainda prevalecia (YAMAMOTO;
FUKE, 2013, p. 304).

As expressões “acreditava-se” e “ainda” tendem a desqualificar o “horror ao


vácuo”, indicando que o mesmo deveria ter sido abandonado face aos inequívocos
resultados experimentais.
As evidências históricas indicam que a discussão sobre o vazio permaneceu,
não tendo o experimento de Torricelli derrubado o “horror ao vazio”. Posteriormente,
Blaise Pascal (1623-1662) referiu-se a essa hipótese tradicional, descrevendo novos
experimentos. Retomou os argumentos de Torricelli:

As opiniões estavam divididas, uns estavam satisfeitos por dizer que


ela [a natureza] simplesmente o evita, os outros sustentavam que ela
não o podia sofrer [o vazio], eu trabalhei no meu resumo do tratado

assoprar o canudo em lata contendo água e depois álcool. As indicações ao professor não
colaboram para uma problematização. Pelo contrário, sintetizam respostas únicas: “Foi mais
difícil assoprar com água ou com álcool? Justifique. Resposta possível: com a água, porque
ela possui densidade maior”.
15
Poucos exemplares citam a experiência de Magdeburg: a separação de hemisférios de
uma esfera oca necessitou de 16 cavalos (SANT’ANNA et al., 2010, p. 312; MÁXIMO;
ALVARENGA, 2003, p. 93; MÁXIMO; ALVARENGA, 2011, p. 241). Não costumam indicar
seu papel na discussão sobre o vazio.
51

do Vácuo para destruir aquela última opinião, e creio que as


experiências que eu relatei são suficientes [...] (PASCAL, 1648, p. 3).

Apesar da pretensão de Pascal, sua troca de correspondência com o Padre


Noël é um indicativo da continuidade da controvérsia (MARTINS, 1989b, p. 65-69).
Para Noël, uma matéria sutil preenchia o espaço aparentemente vazio nos tubos.
Nöel havia sido professor de René Descartes, para quem a impossibilidade do vazio
decorria de sua própria definição de espaço intrinsecamente relacionado à matéria.
As referências a Blaise Pascal em livros didáticos costumam ser raras e
isoladas de debates e é incomum que se apontem relação entre os trabalhos de
Pascal e Torricelli. No geral, apenas apresentam o enunciado pronto do Princípio de
Pascal.
Florin Périer, cunhado de Pascal, realizou o experimento de Torricelli em
diferentes altitudes, ao longo da montanha Puy-de-Dôme, na França. O próprio
Pascal, partidário da interpretação de Torricelli, solicitou a execução do experimento
tendo em vista a controvérsia persistente na época. Partindo da ideia de que a
pressão diminuía com a altitude, Pascal supunha que a coluna de mercúrio seria
menor à medida que subissem a montanha. Se o “puxão do vazio” fosse
responsável pela sustentação da coluna, essa não deveria variar durante a subida
do Puy-de-Dôme. Pascal reagiu de forma entusiasmada ao relato de Périer sobre o
decréscimo da coluna de mercúrio (PASCAL, 1648).
O experimento do Puy-de-Dôme raramente é mencionado em livros didáticos.
Quando é citado, afirmam erroneamente que Blaise Pascal “repetiu a experiência no
alto de uma montanha e verificou que o valor de p a era menor do que ao nível do
mar” (MÁXIMO; ALVARENGA, 2011, p. 239)16. Contrariamente à versão do
exemplar, a concepção de que a pressão diminuía com a altitude foi ponto de partida
para Pascal e não um aspecto “verificado”. A intenção de Pascal era oferecer
respostas sobre a causa da sustentação da coluna de mercúrio e não fazer uma
medida da pressão atmosférica.
Assim, pode-se notar que a História da Ciência é mais complexa e
potencialmente interessante do ponto de vista didático do que os livros costumam

16
O trecho aparece em volume único dos mesmos autores (MÁXIMO; ALVARENGA, 2003,
p. 94).
52

expor. Para seu uso em sala de aula, a consulta a trabalhos especializados é


imprescindível.

3.1.6 OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Anacronismo, pseudohistória, ausência de explicações dadas pelos


pensadores do passado e uma abordagem descontextualizada do experimento são
geralmente notados nos materiais didáticos. Notou-se que geralmente o conceito de
pressão atmosférica é enunciado como um produto pronto, cujo processo de
construção é desconhecido. As escassas referências históricas nos livros didáticos
são insuficientes para tratar do desenvolvimento desse conceito. As distorções e os
equívocos, aparentemente comuns, possuem implicações significativas para a área
da educação em ciências. Sobretudo, percebe-se que os exemplares analisados não
cumprem com o papel didático que se espera da História da Ciência segundo a
legislação educacional, os editais do PNLD e as indicações acadêmicas
especializadas.
O produto educacional proposto na presente dissertação se opõe a uma visão
de ciência aproblemática (ver APÊNDICE 1). Tendo como ponto de partida a
discussão de fenômenos físicos presentes no cotidiano do aluno, a sequência
didática traz uma abordagem histórico-filosófica sobre o experimento de Torricelli.
Considera-se que a História da Ciência, e, particularmente, os episódios históricos
que circundam o (já onipresente) experimento de Torricelli, podem levar o aluno a
pensar e refletir:

[...] procurar se inteirar de como se pensava em cada época, deixar


de lado, temporariamente, nossas certezas, penetrando na real
efervescência histórica. Essa história nos ensinará mais sobre o
vazio e a pressão atmosférica, mais sobre a história do pensamento
humano, mais sobre o caminho seguido pelos pesquisadores, sobre
suas tentativas, hesitações, falhas e sucessos. E, espero, ensinará
que nada é tão claro e simples quanto pensávamos antes e que nada
do que aceitamos foi jamais provado. É preciso abandonar nossa
arrogância usual de que nós, os modernos, chegamos à verdade,
para que se torne possível captar o outro lado da história. Só assim
53

será possível ver que aqueles que negavam o vazio não eram tolos
ou loucos. (MARTINS, 1989a, p. 9).
54

CAPÍTULO 4

DESCRIÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

4. 1 A sequência didática em linhas gerais

A sequência didática Física e História: Experimento de Torricelli é direcionada


ao Ensino Médio. Tem como foco contribuir com elementos para o ensino do
conceito físico de pressão atmosférica, e, mais especificamente, explora o
experimento de Torricelli. Tendo em vista algumas das deficiências demonstradas
no Capítulo 3 em livros didáticos, as etapas que a compõem trazem à tona possíveis
concepções alternativas que se manifestam em fenômenos cotidianos relacionados
a esse conceito físico, remetem ao contexto histórico como parte indissociável do
ensino do próprio conceito físico e abordam questões relacionadas à natureza do
conhecimento científico.
As chamadas concepções alternativas (CAs), segundo Silveira (1992), são
concepções próprias dos alunos, que costumam estar em desacordo com a ciência
atual. Podem guardar alguma semelhança com conceitos científicos do passado,
embora não sejam estritamente equivalentes a estes, elaborados em outros
contextos históricos específicos e muitas vezes circunscritos a arcabouços
científicos de alta complexidade. As concepções alternativas são resistentes a
mudanças e não deveriam ser ignoradas:

[...] o conhecimento não é transferido para a mente das pessoas, e sim


construído a partir de ideias previamente estabelecidas por elas. [...] Os
alunos vêm para as salas de aula com ideias prévias sobre tópicos a serem
trabalhados, ideias estas construídas espontaneamente através de sua
interação com a natureza ou nas relações sociais. [...] Por elas serem
construídas espontaneamente, na maioria das vezes, estão em discordância
com o conhecimento cientificamente aceito, logo, também diferenciado
daquele ensinado pelos professores nas aulas de Ciências. Porém, isso não
quer dizer que elas estejam totalmente incorretas e devam ser deixadas de
lado no processo de ensino e aprendizagem, mas sim, que são o ponto de
partida deste mesmo processo (LONGHINI; NARDI, 2009, p. 9).
55

A estrutura da sequência didática proposta tem como ponto de partida deixar


que os alunos se expressem frente a situações do cotidiano, tomadas para
problematização inicial. Essas situações são, aos poucos, resgatadas nas outras
etapas da sequência e servem de contexto para a construção do conhecimento
físico em estreita conexão com o conhecimento histórico.
A sequência didática é inspirada nos chamados “três momentos
pedagógicos”: problematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do
conhecimento. Os três momentos são assim descritos:

Problematização Inicial: apresentam-se questões ou situações


reais que os alunos conhecem e presenciam e que estão envolvidas
nos temas. Nesse momento pedagógico, os alunos são desafiados a
expor o que pensam sobre as situações, a fim de que o professor
possa ir conhecendo o que eles pensam. Para os autores, a
finalidade desse momento é propiciar um distanciamento crítico do
aluno ao se defrontar com as interpretações das situações propostas
para discussão, e fazer com que ele sinta a necessidade da
aquisição de outros conhecimentos que ainda não detém.
Organização do Conhecimento: momento em que, sob a
orientação do professor, os conhecimentos de física necessários
para a compreensão dos temas e da problematização inicial são
estudados.
Aplicação do Conhecimento: momento que se destina a abordar
sistematicamente o conhecimento incorporado pelo aluno, para
analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram
seu estudo quanto outras que, embora não estejam diretamente
ligadas ao momento inicial, possam ser compreendidas pelo mesmo
conhecimento. (MUENCHEN; DELIZOICOV, 2014, p. 620; grifo
nosso)

A sequência didática Física e História: Experimento de Torricelli possui


inspiração nesse modelo, mas não o segue à risca. O professor atua como mediador
em etapas nas quais essas intenções podem ocorrer simultaneamente, ainda que de
forma planejada e com objetivos bem definidos.
56

Atividade Objetivo Material


Situação 1 Problematizar a situação de abertura da Café embalado a vácuo,
Primeira etapa embalagem, de café, questionando sobre o tesoura.
ruído percebido. Deixar que os alunos
exponham suas concepções sobre a situação e
sobre a expressão “embalado a vácuo”.
Situação 2 Problematizar o funcionamento das embalagens Potes com tampa do tipo
Primeira do tipo abre fácil. Deixar que os alunos abre fácil, extrato de
Etapa exponham suas concepções sobre a situação. tomate, milho, ervilhas.
Situação 3 Perceber no processo de embalagem a vácuo a Computador, projetor.
Primeira retirada de ar. Relacioná-lo às situações
Etapa anteriores de abertura das embalagens (O ruído
representa entrada ou saída de ar? O que
ocorre quando o lacre é retirado na segunda
situação)
Situação 4 Problematizar o fenômeno de sustentação da Bebedouro de passarinho,
Primeira coluna de água. Deixar que os alunos garrafa com água, copos
Etapa exponham suas concepções sobre a situação. descartáveis.
Promover questionamentos introdutórios ao
experimento de Torricelli.
Parte 1 Iniciar o contato com o experimento de Torricelli Computador, projetor.
Segunda e preparar o aluno para o trabalho com o
Etapa contexto histórico desse experimento, retomar
elementos da primeira etapa.
Parte 2 Problematizar o experimento de Torricelli no que Cópias das narrativas
Segunda diz respeito ao contexto histórico. Contextualizar histórico-pedagógicas
Etapa o experimento. Organizar conhecimentos sobre elaboradas para a
a pressão atmosférica e o experimento de sequência didática Física
Torricelli à luz da contextualização histórica. e História: Experimento de
Utilizar os episódios históricos visando à Torricelli.
aproximação de visões mais sofisticadas da
ciência.
Terceira Estimular que os alunos tentem aplicar os Cópias dos enunciados
Etapa conhecimentos construídos ao longo das etapas das situações-problema
anteriores. Permitir que os alunos explorem
situações na quais ocorrem fenômenos físicos
análogos aos observados no experimento de
Torricelli.
Quadro 1 – Resumo da sequência didática.

4. 2 As etapas da sequência didática

4.2.1 PRIMEIRA ETAPA

Trata-se de uma etapa de problematização inicial. Sugere-se que os alunos


sejam organizados em grupos com quatro a cinco componentes para a discussão de
algumas situações que se relacionam à pressão atmosférica e ao vácuo. Essa
primeira etapa é composta de objetivos e funções que excedem aqueles dos Três
Momentos Pedagógicos. Nela os alunos são preparados para conhecer e
57

compreender o contexto científico que envolveu a construção do experimento de


Torricelli. Também são trabalhadas questões com o objetivo de quebrar possíveis
visões equivocadas sobre a natureza da ciência. E, além desses objetivos, também
se tem o inicio das abordagens às CAs, como mencionado anteriormente. O quadro
2 traz resumidamente cada situação associada aos seus objetivos específicos.

Situação Objetivo Especifico


1 – Café embalado a vácuo Problematizar a situação de abertura da
embalagem, questionando sobre o ruído
percebido. Deixar que os alunos exponham
suas concepções sobre a situação e sobre a
expressão “embalado a vácuo”.
2 – Pote com tampa do tipo abre fácil Problematizar o funcionamento das
embalagens do tipo abre fácil. Deixar que os
alunos exponham suas concepções sobre a
situação.
3 – Vídeo “Máquina de embalagem a vácuo” Perceber no processo de embalagem a vácuo
a retirada de ar. Relacioná-lo às situações
anteriores de abertura das embalagens (O
ruído representa entrada ou saída de ar? O
que ocorre quando o lacre é retirado na
segunda situação)
4 – Bebedouro de passarinho Problematizar o fenômeno de sustentação da
coluna de água. Deixar que os alunos
exponham suas concepções sobre a
situação. Promover questionamentos
introdutórios ao experimento de Torricelli.
Quadro 2 – Objetivos específicos por situação.

A seguir, as situações que compõem a primeira etapa da sequência didática


serão detalhadas.

Primeira etapa: Situação 1 – Embalagem de café

Nessa primeira etapa é proposta a utilização de produtos à venda em


supermercados, conhecidos pelos alunos, como café embalado a vácuo. Sugere-se
utilizar também frascos de extrato de tomate, palmito, milho, ervilha ou outras
conservas, acondicionadas em embalagens com tampas do tipo “abre fácil”, que
contêm um lacre na parte superior.
Na primeira situação é disponibilizado para cada grupo um pacote de café
embalado a vácuo. Os alunos podem manusear a embalagem, tendo a liberdade
de conhecer o objeto de estudo.
Esses produtos quando abertos produzem um som característico que indica a
entrada de ar na embalagem. Para esse tipo de situação, costumam ser mapeadas
58

pela literatura concepções alternativas relacionadas à existência de ar dentro da


embalagem (a vácuo), sendo a saída do ar responsável pelo ruído observado.
Pesquisa empírica realizada por Fonseca (2017) registrou que, apesar do contato
com a expressão “embalado a vácuo”, cerca de 30% dos alunos de uma turma do
Ensino Médio em escola pública brasileira sustentavam essa explicação para o ruído
observado na abertura da embalagem. Na mesma pesquisa, dentre os alunos que
conceberam a inexistência de ar dentro da embalagem, notou-se a afirmação de que
o ar sofre um “puxão” exercido por alguma força interna ao pacote.

Figura 2: Embalagem de café a vácuo.


Fonte: Foto realizada pelo autor.

O trabalho com concepções alternativas é um dos grandes motivadores para


a abordagem histórica da ciência, pela inspiração decorrente do paralelo relativo
entre as concepções dos alunos e as ideias científicas do passado.
No quadro 3, a seguir, são apresentados alguns possíveis procedimentos e
questionamentos a serem desenvolvidos com os alunos.

Primeira etapa: Situação 1 – Embalagem de café

 Abram a embalagem fazendo um pequeno buraco com uma tesoura.


O que vocês observam? Há algum ruído? O que esse ruído significa?
 O que quer dizer “embalado a vácuo”?
 Por que embalar a vácuo o café? Vocês conhecem outros produtos embalados a vácuo?
 Que relação há entre “embalado a vácuo” e o ruído observado inicialmente?

Quadro 3 – Sugestão de questões para a situação 1.


59

A intenção desse momento não é colher respostas “exatas” do ponto de vista


científico para as questões propostas, mas sim estimular que os estudantes reflitam
sobre fenômenos do cotidiano, manifestem suas dúvidas e suas certezas e tentem
construir suas próprias explicações.
O encadeamento de questões pode promover com a ajuda da mediação a
percepção de possíveis impasses em seus saberes pelos próprios estudantes. Um
grupo, por exemplo, pode relacionar o ruído a uma possível saída de ar. Essa é uma
concepção alternativa comum para a situação. Mas, nesse caso, e se para o
questionamento sobre o que significa “embalado a vácuo” o grupo afirmar que nesse
tipo de embalagem o ar é retirado para melhor conservação do produto? Se a
embalagem inicialmente não contém ar, o ruído notado ao abri-la não poderia ser
explicado pela saída do ar.

Primeira etapa: Situação 2 – Embalagem com lacre


A segunda discussão, tal qual a primeira, promove a interação dos estudantes
com objetos comuns ao cotidiano em situação que envolve fenômeno relacionado à
pressão atmosférica. No caso, potes de conservas ou extrato de tomate com tampa
do tipo “abre fácil” os quais só podem ser abertas com facilidade após a remoção do
lacre sobre a tampa. Tal recomendação costuma vir escrita ao redor do lacre. Cada
grupo recebe um frasco ainda fechado de conserva ou extrato de tomate os quais
serão manuseados pelos alunos segundo instruções fornecidas pelo
professor/mediador.
O quadro 4, apresentado a seguir, apresenta sugestão de questionamentos
que podem ser direcionados para discussão inicial nos grupos.
60

Figura 3: Embalagem de palmito com lacre.


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Primeira etapa: Situação 2 – Embalagem com lacre

 Observem o frasco e verifiquem o lacre na tampa superior. Como funciona esse tipo
de embalagem? Para que serve o lacre na tampa do produto?
 Há uma orientação ao consumidor sobre como realizar a abertura da tampa? Que
orientação é essa?
 Tentem abrir a embalagem sem retirar o lacre. Vocês conseguem? Por quê? Por que
a embalagem não abre se o lacre não é removido?
 Retirem o lacre. O que vocês notam? Algum ruído? O que isso significa? Alguma
modificação na tampa?
 Tentem agora abrir a embalagem após a retirada do lacre. Qual a diferença em
relação a quando tampa estava com lacre? Por que é necessário retirá-lo para
abrirmos a embalagem?
 Será que inicialmente o lacre estava colado?
 Existe alguma relação entre a parte interna e a parte externa do pote que poderia
explicar a fixação inicial do lacre? Tentem explicar como o pote é fechado, para que
serve o lacre e como ele fica preso à tampa.

Quadro 4 – Sugestão de questões para a situação 2.

Ao iniciar essa etapa, os alunos removem o lacre seguindo a orientação do


professor. Tal ato resulta em algumas alterações na embalagem, as quais estarão
expostas à percepção dos alunos, além da eventual ocorrência de um barulho
similar ao ocorrido na primeira situação analisada por eles. Alguns questionamentos
propostos remetem ao exterior da embalagem, uma vez que existe a possibilidade
de que os alunos dirijam a atenção exclusivamente para o interior das mesmas, o
que configura uma concepção alternativa relativamente comum.
Considerando os resultados de pesquisas sobre concepções alternativas, é
notável que muitos estudantes desconhecem o significado da expressão “embalado
a vácuo”. Em pesquisa empírica que questionou estudantes do Ensino Médio sobre
a necessidade de abertura do lacre da embalagem de palmito foram notadas
61

explicações do tipo: a abertura do lacre liberaria a pressão interna ou o ar de dentro


que exerce pressão, facilitando ou permitindo a abertura (FONSECA, 2017, p. 90).
Os questionamentos propostos nessa etapa da sequência didática remetem
à percepção da atuação da pressão atmosférica. As concepções alternativas
emergentes desse âmbito de percepção costumam não ser visionadas nem por
professores e nem pelos livros didáticos. É uma lacuna que passa despercebida não
fossem as pesquisas empíricas que detectaram a ocorrência.

Primeira etapa: Situação 3 - Vídeo – Máquina de embalar a vácuo


Dando prosseguimento à problematização iniciada com a discussão a partir
da embalagem de produtos alimentícios, propõe-se uma terceira situação, na qual
um vídeo é apresentado à turma para discussão coletiva.

Figura 4: Representação do vídeo “Máquina de embalar e selar produtos alimentares a vácuo”. Fonte:
Imagem obtida pelo autor por captura de tela.

O vídeo mostra o funcionamento de uma máquina de embalar a vácuo


(disponível em https://www.youtube.com/watch?v=GaZ55haKwME). A situação traz
à memória a embalagem de café utilizada inicialmente nas discussões.
62

Primeira etapa: Situação 3 - Vídeo – Máquina de embalar a vácuo


 O que está ocorrendo no vídeo?
 Para que serve essa máquina?
 O que está sendo retirado da embalagem de alimento?
 O que ocorrerá quando a embalagem for aberta pelo consumidor?
 Que relação há com os casos discutidos anteriormente?

Quadro 5 – Sugestão de questões para a situação 3.

Os questionamentos sugeridos no quadro 5 pretendem retomar o que foi


discutido anteriormente de modo que os alunos sejam levados a ensaiarem
explicações para a situação observada no vídeo, estabelecendo conexões com as
situações anteriores.
As questões sugeridas oportunizam que os alunos relacionem o ar extraído
no processo de funcionamento da máquina ao ruído notado na abertura da
embalagem de café, sobre o qual haviam sido questionados anteriormente.
Em conjunto, as três situações iniciais problematizam situações que
colaboram para a percepção da pressão atmosférica em processo mediado pelo
professor. As situações-problema aludidas até aqui pretendem que os alunos sejam
levados a refletir sobre elementos físicos que se relacionam ao experimento de
Torricelli, despertando suas percepções e concepções existentes sobre o assunto.

Primeira etapa: Situação 4 - Bebedouro de passarinhos

Concluindo o ciclo inicial de problematização, a quarta situação busca


aproximar os alunos do “contexto” do experimento de Torricelli, e, mais
especificamente, guarda relação com um antecedente deste praticamente ausente
dos livros didáticos, o experimento de Berti. Como discutido no Capítulo 3, o
contexto do experimento de Torricelli é qualitativamente desfavorecido quando
chega a ser abordado em materiais didáticos. Ainda mais difícil é que se encontre
alguma menção ao experimento de Berti, o qual inspirou do experimento de
Torricelli. Dentro da sequência, o contexto é trabalhado em fases. Primeiro o aluno é
levado a notar possíveis lacunas em seu conhecimento. Posteriormente, é
aproximado dos episódios históricos relacionados.
Nessa situação, um bebedouro de passarinhos e uma porção de água são
fornecidos aos alunos, novamente organizados em grupos. Tal como no bebedouro
de passarinhos, no experimento de Torricelli e no experimento de Berti ocorrem a
sustentação de colunas de líquido. No experimento de Torricelli, o líquido utilizado é
63

o mercúrio, ao passo que o experimento de Berti, anterior àquele, utiliza água. Esses
dois experimentos são tratados nas narrativas históricas propostas para utilização
em etapa posterior da sequência didática.

Figura 5: Bebedouros de passarinho


Fonte: Foto realizada pelo autor.

O quadro 6, a seguir, traz sugestões de procedimentos e questionamentos para a


presente situação.

Primeira etapa: Situação 4 - Bebedouro de passarinhos

Encham totalmente o bebedouro com água, encaixem a peça inferior de plástico e coloquem o
bebedouro na posição em que costuma ser utilizado em viveiros.
 O que vocês observam a respeito da água no interior do bebedouro? Ela escoa
totalmente? Permanece água dentro do bebedouro?
 O que ocorre? Por que isso ocorre? Tente explicar o que ocorre no bebedouro.
 E se usássemos um bebedouro mais longo e inicialmente cheio de água... o que
ocorreria?
 Se pudéssemos construir um tubo ainda mais longo ... há um limite para o
comprimento da coluna de água que pode ser sustentada?
 E se outro líquido bem mais pesado que a água fosse usado?

Quadro 6 – Sugestão de questões para a situação 4.

Após a montagem, os grupos poderão observar que uma coluna de água


permanece sustentada no bebedouro. Inicialmente serão estimulados a construírem
explicações para aquela situação.
De acordo com pesquisas empíricas realizadas com alunos do Ensino Médio,
é comum observar explicações para esse tipo de fenômeno de sustentação da
coluna de líquido que remetem exclusivamente a fatores internos ao tubo ou a
interações no próprio líquido. Nesses casos, não há um direcionamento para fatores
externos ao tubo e a pressão atmosférica não é citada. Com base nessas pesquisas
é possível cogitar que surjam explicações do tipo: o líquido da parte em que o
64

passarinho bebe a água segura o líquido do tubo ou, ainda, o líquido não transborda
por causa do vazio no topo do bebedouro (FONSECA, 2017, p. 174 e p.177). Essa
última explicação guarda semelhança com o “puxão do vazio”, concepção histórica a
ser tratada em narrativa histórica proposta para essa sequência didática (ver
APÊNDICE 1).
Considerando, portanto, que o estudante pode formular explicações baseadas
em concepções alternativas para fenômenos como a sustentação da coluna de
líquido no bebedouro de passarinho, é interessante que essas sejam trazidas à tona
anteriormente ao contato com o experimento de Torricelli. E, por outro lado, caso o
estudante apresente explicações para o funcionamento do bebedouro que se
aproximem da visão científica atual, a problematização sugerida permite que essas
venham à tona de modo que nas próximas etapas possam ser relacionadas ao
experimento de Torricelli.
Em seguida aos questionamentos sobre a situação do bebedouro em si, a
mediação passa a extrapolar a situação observada inicialmente. Sugere-se cogitar a
possibilidade de utilização de outro líquido, ou ainda, solicita-se refletir sobre a
existência de um limite de comprimento para a coluna de água sustentada.
Esses momentos de extrapolação da situação inicial observada remontam à
própria construção histórica do experimento de Torricelli. Esses questionamentos
remetem a episódios históricos relacionados às pesquisas de personagens como
Gasparo Berti, Galileu e Evangelista Torricelli, que serão contempladas nas
narrativas históricas propostas para essa sequência didática. Em conjunto, as
reflexões sugeridas para essa quarta situação se relacionam, em essência, a tentar
explicar porque uma coluna, seja de água ou de outro líquido, é sustentada.

4.2.2 SEGUNDA ETAPA

Nessa etapa da sequência didática se entrecruzam momentos em que os


estudantes são levados a perceberem lacunas em seus saberes a momentos em
que são guiados na construção de novos conhecimentos. Essa etapa é composta
por duas partes. A primeira parte aborda o experimento de Torricelli estimulando
conexões que permitem relacioná-lo às atividades já realizadas previamente na
sequência didática. Ao mesmo tempo, traz elementos que preparam o caminho para
a utilização das narrativas históricas propostas para a sequência didática.
65

Partes Objetivo
Parte 1: Vídeo - Experimento de Torricelli Iniciar o contato com o experimento de
Torricelli e preparar o aluno para o trabalho
com o contexto histórico desse experimento,
retomar elementos da primeira etapa
Parte 2: Utilização de narrativas histórico- Problematizar o experimento de Torricelli no
filosóficas que diz respeito ao contexto histórico.
Contextualizar o experimento. Organizar
conhecimentos sobre a pressão atmosférica e
o experimento de Torricelli à luz da
contextualização histórica. Utilizar os
episódios históricos visando à aproximação
de visões mais sofisticadas da ciência.

Quadro 7 – Objetivos específicos para cada parte da segunda etapa.

Segunda etapa - Parte 1: Vídeo - Experimento de Torricelli

Na primeira parte dessa etapa sugere-se a apresentação de vídeo no qual um


experimento, o experimento de Torricelli, é realizado
(https://www.youtube.com/watch?v=BSo9fSTJcEE). O vídeo musicado mostra um
indivíduo realizando um experimento com um tubo de vidro de um metro e mercúrio.
Após a execução da montagem, o indivíduo realiza a medida da coluna de mercúrio
sustentada no interior do tubo. A referência a Torricelli aparece apenas no início do
vídeo, com a apresentação de quadro que retrata o pesquisador, local de
nascimento e período em que viveu. Tais informações, embora mínimas,
evidenciariam a existência de um ser humano associado ao experimento. Nessa
sequência, são o ponto de partida para questionamentos que evidenciariam a
ciência como construção humana, imersa em um contexto.
O quadro 8, a seguir, traz questionamentos para que os alunos discutam em
grupos, seguindo o mesmo procedimento adotado na etapa anterior da sequência
didática.
66

Segunda etapa - Parte 1: Vídeo - Experimento de Torricelli

 O que está ocorrendo no vídeo?


 Há alguma relação entre esse experimento e o bebedouro de passarinho, que
observamos anteriormente?
 O que o pesquisador está medindo? Por que será que ele faz isso? O que significa
essa medida?
 Quando o pesquisador vira o tubo no recipiente, o que fica na parte de cima do tubo?
 Nesse experimento, o líquido utilizado é o mercúrio. Por que o mercúrio não desce
totalmente? É algo dentro do tubo que causa isso? Ou algo fora dele? Ou ambas as
situações?
 E se nesse experimento trocássemos o mercúrio do recipiente e do tubo por água,
mantendo os mesmos volumes inicialmente? O que ocorreria?
 Vocês já conheciam este experimento?
 No início do vídeo aparece um quadro com a imagem de um pesquisador. Quem é?
Em que época ele viveu? Onde?
 Qual a relação dele com esse experimento?
 De onde teria vindo a ideia de fazer esse experimento exatamente dessa maneira? Por
que será que ele fez esse experimento na época?

Quadro 8 – Sugestão de questões para a Parte 1 da segunda etapa.

Haverá entre os alunos de cada grupo uma discussão sobre estas questões,
sendo possível que se tenha uma eventual multiplicidade de respostas. Aqui é
esperado que os alunos reflitam sobre possíveis relações entre o fenômeno
observado no vídeo e as situações cotidianas (abertura das embalagens a vácuo e a
sustentação da coluna de água no bebedouro de passarinho) discutidas na etapa
anterior sem que considerações científicas formais sobre o experimento sejam
simplesmente fornecidas pelo professor.
O conteúdo do vídeo apresenta o experimento de Torricelli simplesmente
como uma medida da pressão atmosférica. Caso os estudantes já tenham tido
contato em sala de aula com esse experimento (e se lembrem do que estudaram),
possivelmente irão ensaiar em resposta a alguns questionamentos uma descrição
nos mesmos moldes do vídeo, já que essa visão é reforçada pelos livros didáticos.
Essa descrição simplista será, posteriormente, objeto de questionamento de uma
das narrativas históricas propostas para a sequência didática.
67

Figura 6: Representações do vídeo “Experiência de Torricelli. FisQuiWeb””. Fonte: Imagem obtida


pelo autor por captura de tela.

Contrariam o que parece simples e óbvio em livros didáticos e no referido


vídeo, os resultados de pesquisas empíricas realizadas com estudantes do Ensino
Médio. Há grande dificuldade na compreensão da sustentação da coluna de líquido
em situações análogas ao experimento de Torricelli. Fonseca (2017), em sua
pesquisa empírica, relata resultados observados em resposta a questionamento a
alunos do Ensino Médio. Em situação análoga ao experimento de Torricelli, os
alunos foram questionados a respeito da sustentação de coluna de água em garrafa
PET emborcada em recipiente com água. Para cerca de 40% dos alunos, a água
não escoaria totalmente de dentro da garrafa devido a uma interação entre a água
do recipiente e a água dentro da garrafa. Houve também referência ao vácuo interno
da garrafa impedir a descida da água por exercer algum tipo de força. Houve, ainda,
a afirmação de que a coluna de água não poderia descer para evitar a formação do
vazio. Apenas 15% dos alunos explicaram o fenômeno de modo mais próximo à
explicação científica atual. Após a intervenção didática realizada por Fonseca, cerca
de 50% dos alunos explicaram satisfatoriamente o experimento de Torricelli. Por
outro lado, notou-se a persistência de concepções alternativas nas explicações.
Nesse sentido, na sequência didática proposta, justifica-se estimular que os
alunos reflitam a respeito da sustentação da coluna de mercúrio, que imaginem
sobre a utilização de outros líquidos e que tentem estabelecer conexões com o
funcionamento de objetos do cotidiano como o bebedouro de pássaros. Pretende-se
colaborar com o ensino do conteúdo pressão atmosférica uma vez que se busca
explorar a relação entre a sua medição e seu papel na sustentação da coluna de
líquido.
68

Outro aspecto importante relacionado ao experimento de Torricelli diz


respeito ao que havia na parte superior do tubo. Os livros didáticos simplesmente
trazem a afirmação de que havia vácuo nessa região. Nessa etapa da sequência
didática os estudantes são inquiridos a esse respeito. Considerando o resultado de
pesquisas empíricas, é possível que alguns estudantes justifiquem a sustentação da
coluna de mercúrio por meio de explicações que se relacionam ao conteúdo da parte
superior do tubo: “Que o espaço que está acima do mercúrio é preenchido pelo ar
porque a natureza tem horror ao vazio. Também para completar o lugar do vazio”
(FONSECA, 2017, p. 88). Essas explicações guardam semelhança com algumas
concepções históricas plenistas que serão abordadas nas narrativas históricas. Será
destacado, ainda, que na época de Torricelli havia uma controvérsia sobre o que
ocupava a região superior do tubo. Além disso, a explicação da sustentação da
coluna de mercúrio baseada na atuação da pressão atmosférica não era única, nem
a mais aceita na época de Torricelli.
Solicitar que os alunos reflitam sobre as inspirações de Torricelli para a
realização daquela montagem significa colocá-los em cheque frente a perguntas
sem respostas. A preferência pela utilização do mercúrio raramente é explicada no
contexto escolar, e como apontado anteriormente pouco e mal explorado em livros
didáticos. As narrativas históricas propostas para essa sequência didática irão se
contrapor a essas lacunas. Assim, os últimos questionamentos apresentados no
quadro 8 preparam caminho para a contextualização histórica do experimento de
Torricelli.

Segunda etapa – Parte 2: Utilização de narrativas histórico-filosóficas

No momento subsequente dessa etapa, sugere-se que os alunos sejam


organizados em grupos. Cada grupo recebe três textos históricos, os quais têm
como foco central o experimento de Torricelli, e foram compostos para utilização na
sequência didática.
Os textos foram elaborados a partir da consulta às seguintes fontes, as quais
podem ser recomendadas para aprofundamento do professor: MARTINS, 1989;
SOLAZ-PORTOLÈS, MORENO-CABO, 1997; LONGHINI, NARDI, 2000; MARTINS,
2005; OLIVEIRA, 2013.
69

A história relacionada ao desenvolvimento do conceito de pressão


atmosférica e, particularmente, ao experimento de Torricelli é extensa e envolve
múltiplos colaboradores. Diversas situações poderiam ser exploradas em atividades
didáticas. Foram realizados recortes históricos que permitem um panorama do
contexto científico que permeou o trabalho de Torricelli. Em especial, são trazidos
elementos acerca das discussões sobre a hipótese do horror ao vazio, sobre a ideia
de pressão atmosférica e sua aplicação a fenômenos então explicados pela primeira
hipótese. Esses recortes trazem sinteticamente alusões a Isaac Beeckman,
Gasparo Berti, Galileu Galilei, Giovanni Baliani, Michelangelo Ricci e Vincenzo
Viviani.
Nas narrativas, as alusões aos episódios permitem abordar temáticas
relativas à natureza da ciência. Podem ser tomadas como contexto para que o
professor problematize algumas visões ingênuas sobre a ciência: a visão
individualista e elitista, na qual a ciência é apresentada como a criação de um gênio
isolado desconsiderando a colaboração; a visão aproblemática e ahistórica, que
ignora problemas e controvérsias relacionados ao desenvolvimento da ciência; a
concepção empírico-indutivista e ateórica, a qual desconsidera o papel das
hipóteses prévias como orientação nas investigações (PEREZ et al., 2001).
O quadro a seguir traz um resumo dos conteúdos e objetivos de cada um
desses textos, que estão dispostos no produto educacional (ver APÊNDICE 1).

TEXTO 1 – Introduz a temática do conjunto de textos. Traz trechos de livros didáticos que
comentam sobre o experimento de Torricelli. Problematiza-os, evidenciando lacunas nessas
descrições. Estimula a imaginação dos estudantes em relação a elementos ausentes nas
descrições e gera dúvidas. Abre caminho para os dois textos seguintes.

TEXTO 2 – Traz outros personagens associados à história subjacente ao experimento de


Torricelli. Colabora com informações sobre questionamento anterior: Torricelli não foi o único a
pensar sobre pressão atmosférica; Isaac Beeckman também havia pensado. Problematiza a
visão de pesquisador isolado. Traz elementos que sugerem a colaboração entre
pesquisadores. Menciona o diálogo por cartas entre Giovanni Baliani e Galileu Galilei (mestre
de Torricelli). Traz as interpretações divergentes dos dois pesquisadores para o problema do
sifão inoperante: horror ao vácuo e pressão atmosférica. Enfatiza a importância da hipótese do
horror ao vácuo na época, que será contexto de motivação para o experimento de Torricelli.

TEXTO 3 – Contextualiza historicamente as discussões sobre o vazio. Explica o horror ao


vazio como pressuposto para explicar muitos fenômenos que, posteriormente, foram
explicados de outra forma, com a ideia de pressão atmosférica. Traz o experimento de Berti,
elaborado para discutir sobre a possibilidade de formação de espaços vazio. A partir desse
experimento, que utilizava água e um longo tubo, apresenta as motivações para o experimento
de Torricelli: com o mercúrio (mais pesado), a possibilidade de usar um tubo menor. A ideia
teria partido de Galileu. Contextualiza a contribuição de Torricelli. Ele se opôs à explicação
baseada no horror ao vácuo para a sustentação da coluna de mercúrio e interpretou seu
70

experimento a partir da ideia de pressão atmosférica. Procura desconstruir a ideia de gênio


isolado e descoberta da pressão atmosférica no experimento. Sugere que a interpretação de
Torricelli não foi aceita imediatamente e as discussões prosseguiram mesmo após o
experimento.
Quadro 9 – Conteúdos abordados pelas narrativas histórico-pedagógicas.

Os textos são permeados por questões responsáveis por guiar a atenção


dos alunos para determinadas situações-foco a serem discutidas em grupo durante
a leitura. Essas questões são destacadas em quadros coloridos. A cada conjunto de
questões propostas ao longo de um texto, o grupo deve parar a leitura e discutir
sobre o problema proposto. À medida que a leitura se desenvolve, as reflexões
suscitadas pelas questões podem estimular a imaginação dos estudantes, deixando-
os sem respostas até as leituras subsequentes, ou, ainda, podem colaborar para a
organização do conhecimento.
Parte dos questionamentos sugeridos para o primeiro texto busca
problematizar o experimento de Torricelli no que diz respeito ao seu contexto.
Sinalizam ao estudante a insuficiência em seus saberes, ainda que estejam de
posse de trechos de livros didáticos que mencionem o experimento.
Ainda para esse texto, são propostas questões que buscam colaborar com o
ensino do conhecimento físico em si, uma vez que se tem notado em pesquisas
empíricas com estudantes do ensino médio dificuldades de compreensão do
mecanismo responsável pela sustentação da coluna de mercúrio.
As questões propostas para o segundo texto, ao mesmo tempo em que
trazem elementos problematizadores, já inserem os estudantes em um processo de
organização do conhecimento, inclusive resgatando contribuições da etapa anterior
das discussões. Por exemplo, sugere que sejam pensadas relações entre o
mecanismo de funcionamento do bebedouro de pássaros e a sustentação da coluna
de mercúrio no experimento de Torricelli.
O processo de organização abrange tanto o conhecimento físico, como o
histórico. Lacunas observadas na problematização sobre o contexto histórico no
primeiro texto começam a ser preenchidas. Esse processo é finalizado com
reflexões sugeridas pelo terceiro texto.
Outro aspecto importante a ser notado diz respeito à aplicação do
conhecimento. Uma das questões propostas no segundo texto, por exemplo, solicita
que os estudantes retornem à situação de abertura da embalagem de café. Devem
71

elaborar duas explicações para o que ocorre, cada uma aplicando um ponto de vista:
a visão de Beeckman sobre a pressão atmosférica e a concepção do horror ao
vácuo.
Pretende-se que, no trabalho em sala de aula com os textos, Física e História
se relacionem intrinsecamente, de modo que o ensino do experimento de Torricelli
se beneficie dessa interligação. Parte-se do princípio de que a História e a Filosofia
da Ciência contribuem para “uma compreensão melhor dos conceitos científicos por
traçar seu desenvolvimento e aperfeiçoamento” (MATTHEWS, 1995, p. 172) e que
“a compreensão dos conhecimentos físicos está intrinsicamente relacionada ao
entendimento dos problemas a que tais conhecimentos buscaram responder”
(MATTHEWS, 1994, p. 50).

4.2.3 TERCEIRA ETAPA

Atividade Objetivo Especifico


Situações-problema Permitir que os alunos explorem situações na
quais ocorrem fenômenos físicos análogos
aos observados no experimento de Torricelli.
Colocar em prática o conhecimento
construído ao longo das etapas anteriores.
Quadro 10 – Objetivos específicos da terceira etapa.

Nessa última etapa, sugere-se que os alunos abordem alguns problemas


propostos que guardam relações estreitas com o experimento de Torricelli, foco
central da sequência didática. Essa etapa se caracteriza pela aplicação de
conhecimentos construídos ao longo das etapas anteriores. Os problemas sugeridos
foram baseados em testes aplicados por FONSECA (2017, p. 174 e 177).
Sugere-se que os alunos estejam organizados em grupos com 4 ou 5
componentes. Com os grupos formados, o professor apresenta aos alunos duas
situações-problema (ver quadro 1).
72

Terceira etapa: Situações – problema

 Com um prego aquecido fizemos pequenos furos no fundo de uma garrafa plástica.
Em seguida, colocamos a garrafa de pé em uma bacia com água. Enchemos a garrafa
com água e a fechamos com sua tampa. Suspendemos a garrafa sobre a bacia,
segurando-a até que deixar de pingar. Mesmo com os furos no fundo da garrafa, a
água não escorre do interior da garrafa. Como poderíamos explicar que a água não
escorra de dentro de uma garrafa furada no fundo?

Experimento com a garrafa furada


(foto realizada pelo autor)

 Colocamos um pouco da água em uma garrafa e em um recipiente transparente.


Misturamos corante verde à água para melhor visualização. Em seguida, colocamos a
garrafa de ponta cabeça dentro do recipiente. A água que está na garrafa não escoa
totalmente para baixo.

Experimento com a garrafa contendo


líquido colorido
(desenho realizado pelo autor)

Quadro 11 – Situações-problema previstas para a terceira etapa.

Cada grupo pode se dedicar à discussão de apenas uma situação-problema,


havendo na turma pelo menos dois grupos com uma questão. Inicialmente, de forma
autônoma, sem interferência do professor, os componentes de cada grupo discutem
73

entre si a questão proposta e elaboram uma conclusão. Em seguida as conclusões


são compartilhadas com toda a turma, em registro escrito em quadro.

Em geral, a sequência didática remove o papel passivo do aluno, fazendo-o


interagir com os demais colegas sobre as diferentes dimensões exploradas ao longo
da etapa. Dessa forma, tem-se uma opção de trabalho mais elaborada sobre os
fenômenos físicos, na qual a HFC não aparece como mera coadjuvante, ao contrário
do que se observa usualmente em livros didáticos.
74

CAPÍTULO 5

RELATO FUNDAMENTADO DA APLICAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

5.1 Aspectos gerais da realização da intervenção

No mês de março de 2018, a sequência didática Física e História: o


experimento de Torricelli foi aplicada no Colégio Estadual do Atheneu Norte-
Riograndense, em turmas da 1ª série do ensino médio regular. A aplicação contou
com auxílio do professor Daniel de Medeiros Queiroz, responsável pela disciplina de
Física das primeiras séries do Atheneu. O professor Daniel de Medeiros vem
desenvolvendo dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências Naturais e Matemática, na mesma linha de pesquisa e área temática
nas quais o produto educacional deste trabalho se insere. O professor colaborou na
construção da sequência didática aplicada no Atheneu, dando opiniões e sugerindo
melhorias, o que se mostrou uma contribuição profícua.

Uma das salas de informática da escola foi reservada para a aplicação. Nela
estavam organizadas oito mesas com seis cadeiras cada, a fim de receber os oito
grupos de cinco integrantes. No entanto, devido a alguns contratempos com a
coordenação da escola e à falha quase generalizada dos aparelhos de ar-
condicionado da escola, utilizaram-se diferentes salas de aula no decorrer da
aplicação.

Para registro neste relato fundamentado foram escolhidas as turmas A e B,


dentre as turmas de 1ª série nas quais o produto foi aplicado. Com o
prosseguimento da aplicação, percebeu-se que os resultados obtidos nas turmas
foram similares em muitos aspectos. O relato construído versará sobre as
experiências da turma B, com acréscimos relativos à turma A no que se refere a
particularidades como reações, dúvidas, percepções diferenciadas dos alunos, etc.

A aplicação da sequência didática iniciou-se numa terça-feira, dia 6 do mês


de março de 2018. Antes da entrada dos alunos foram colocadas em cada mesa
uma tesoura e uma cópia da versão do aluno da sequência didática (ver APÊNDICE
2). Enquanto se reuniam e se organizavam, cada grupo recebeu um material
impresso para registro escrito dos resultados das discussões sobre as questões
propostas.

A primeira situação da primeira etapa trataria da discussão sobre o pacote de


café embalado a vácuo. O objetivo seria problematizar a situação de abertura da
embalagem. Os alunos seriam questionados sobre o ruído percebido, de modo que
expusessem suas concepções sobre a situação e sobre a expressão “embalado a
vácuo”.
75

Solicitou-se previamente aos alunos que trouxessem os pacotes de café


embalado a vácuo. Com os grupos unidos, a aula foi iniciada e os alunos receberam
as primeiras instruções. Foram orientados à leitura, na cópia da versão do aluno da
sequência didática, do tópico referente à primeira situação da primeira etapa (ver
APÊNDICE 2). Para a tarefa de leitura foi determinado um tempo de cinco minutos.
A leitura foi realizada em tempo hábil e sem resistência por parte dos alunos.

Concluída a leitura, os alunos estavam a par da dinâmica proposta. Foram,


então, orientados à abertura da embalagem de café, por meio de um pequeno furo a
ser realizado em local exemplificado. Para criar um ambiente mais propicio à
observação, desligou-se o ar condicionado a fim de minimizar os ruídos na sala. O
professor recomendou atenção àquele momento. Orientou aos alunos que
observassem visualmente a abertura da embalagem, e que acompanhassem esse
processo atentamente com a audição e o tato.

Curiosos e atentos, muitos se aproximaram da embalagem para ouvir melhor


o que poderia acontecer naquele momento. O ruído gerado na abertura de cada
embalagem era audível para toda a sala. Os integrantes dos grupos sorriam um para
os outros. Apertavam e olhavam a embalagem, comentando entre si sobre aquele
processo.

Após todos os grupos abrirem a embalagem, o professor voltou a ligar o ar


condicionado. Foi pedido que os alunos respondessem, em cinco minutos, às três
primeiras questões do material apostilado referentes àquela situação. A interação
dentro dos grupos ocorreu de forma espontânea, com demonstração de interesse
pela discussão. Decorridos os cinco minutos, mais duas questões foram
acrescentadas para discussão (ver APÊNDICE 1). Grupos que iam chegando a um
consenso eram convidados a escreverem suas respostas no quadro, onde havia um
espaço separado para cada grupo17.

17
No quadro os alunos escreveram: “Grupo 1: O ruído foi feito pela entrada de ar na
embalagem; A embalagem a vácuo é feia através da remoção do ar da embalagem. Grupo
2: Que quando abrimos o pacote o ar entrou e o conteudo do pacote ficou mole; Sim, o ar
entrando pelo furo; Quando não tem ar dentro do pacote. Grupo 3: A embalage a vacuo do
café garante a conservação do aroma e do sabor, mantendo a qualidade do produto. Grupo
4: Sim, ouvimos o ruido e aparentemente o café ficou “mole”, perdeu seu aspecto “tijolo”;
Tinha todo ar dentro do café fazendo pressão, fazendo a embalagem ficar dura, e ao
perfurar o pacote. Grupo 5: Houvi o ruído significando que saiu ar da embalagem, com o ar
o café estava comprimido e qundo houve a liberação do ar o café se espalhou. Grupo 6: Há
ruído, o pacote não está mais sobre pressão, gerada pelo vácuo, já o ar pode entrar na
embalagem. Grupo 7: É uma embalagem que não há presença de ar dentro por isso quando
se abre há o ruído da entrada do ar, e por isso o pacote de café ficou mais mole. Grupo 8:
Houve um ruído que significou que o ar tava entrando na embalagem. A vácuo significa que
todo o ar da embalagem e removido. Ao abrir o café o ar entrou.”.
76

Figura 10: Quadro com respostas dos grupos.


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Figura 11: Quadro com respostas dos grupos.


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Após todos os grupos terem escrito suas conclusões no quadro, o professor


iniciou a discussão coletiva. Ele leu a conclusão de cada grupo e, então, questionou
os integrantes respectivos sobre detalhes de suas respostas. Enquanto lia as
conclusões, chamava a atenção para quais grupos concordavam entre si, destacava
se havia uma opinião majoritária em algum ponto e apontava discordâncias. O
77

tempo disponível para essa aula foi exato para a aplicação da situação prevista na
primeira situação da primeira etapa. Com a exposição das respostas dos grupos,
esse momento da intervenção foi finalizado.

No dia seguinte, isto é, na quarta-feira, 7 de março, ocorreu o prosseguimento


da intervenção didática. A segunda situação da primeira etapa trataria da situação
do pote com tampa do tipo “abre fácil”. O objetivo específico seria problematizar o
funcionamento das embalagens do tipo “abre fácil”. Os alunos seriam questionados
sobre a abertura da embalagem, de modo que expusessem suas concepções sobre
a situação.

Orientados a se manterem nos mesmos grupos no decorrer de toda a


aplicação, os alunos já entraram em sala buscando esse tipo de organização. Cada
grupo estava munido de uma embalagem “abre fácil”. Iniciando a aula o professor
chamou a atenção para as inscrições nas embalagens, incluindo indicações escritas
sobre a remoção da tampa.

Os alunos observaram e, em seguida, lhes foi pedido que tentassem abrir os


potes sem remover o lacre de borracha contido no centro de cada tampa. Concluída
a tentativa mal sucedida, o professor solicitou que se fizesse silêncio e orientou os
grupos a removerem os lacres. Enquanto os lacres eram removidos, podia-se ouvir o
ruído produzido. Em seguida, os grupos retiraram as tampas, constatando a
facilidade de fazê-lo após a remoção do lacre.

Figura 12: Pote de milho com tampa “abre fácil”.


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Na turma A, os alunos receberam as mesmas instruções. Contudo,


entenderam que deveriam abrir os potes a todo custo, sem a remoção do lacre.
78

Alguns grupos utilizaram força bruta. Outros tentaram ensaiar alguma técnica.
Depois de algum tempo e de muita dificuldade, cinco grupos conseguiram abrir os
potes. Quando o último grupo finalmente abriu o pote houve uma salva de palmas.
Nas discussões, todos testemunharam que a remoção do lacre teria sido mais fácil,
já que houve grande dificuldade para abrir a embalagem.

Nas duas turmas, prosseguiu-se a discussão nos grupos tendo como


referência as questões propostas para a situação dois (ver APÊNDICE 1). Um dos
questionamentos remetia à relação entre as partes interna e externa do pote de
tampa abre fácil. As questões foram lidas pelo professor e comentadas para melhor
compreensão da turma. Abriu-se a cada grupo a opção de elaborar uma resposta
única e geral para as questões a serem discutidas. Enquanto as discussões
prosseguiam, o professor foi informado de que um estudante havia desmaiado na
escola, em decorrência do calor excessivo e mau funcionamento do sistema de ar-
condicionado. Os estudantes do Atheneu haviam sido liberados, mas a turma
permaneceu até o término da situação dois da aplicação. Tendo em vista a situação
observada na escola, para concluir a aula com celeridade, os alunos não foram aos
quadros para exposição das respostas. Eles leram as conclusões às quais
chegaram. As respostas de cada grupo foram acompanhadas e comentadas.

Um dos grupos, ao responder sobre a abertura da embalagem, fez menção à


diminuição da pressão no sentido do exterior para o interior da embalagem,
afirmando juntamente que o ar entraria. É notável, porém já esperado de acordo
com a literatura acerca das concepções alternativas sobre esse tipo de fenômeno
(FONSECA et al, 2017), que alguns alunos acreditassem que o ar, supostamente
existente no interior das embalagens a vácuo, estivesse segurando a tampa18.
Segundo esses alunos, a saída do ar seria responsável pelo ruído observado na
abertura da embalagem. Observou-se, ainda, que um grupo ficou dividido quanto a
se havia ou não vácuo dentro do pote. Um componente defensor da existência de
vácuo dentro do pote, acreditava ser justamente o vácuo o responsável por certa
pressão que prendia a tampa. Segundo esse aluno, a entrada de ar eliminava esse
efeito.
18
Em pesquisa empírica, alguns estudantes do Ensino Médio foram questionados sobre a
necessidade da remoção do lacre na abertura da embalagem de palmito. Foram obtidas
explicações do tipo: a abertura do lacre liberaria a pressão interna ou o ar de dentro que
exerce pressão, facilitando ou permitindo a abertura (FONSECA, 2017, p. 90).
79

A segunda situação foi finalizada com a exposição oral das conclusões de


todos os grupos, os quais saíram mais cedo da escola à liberação das turmas.

Na terça-feira, dia 13 de março, a terceira situação da primeira etapa da


intervenção foi aplicada. Previa-se a exposição do vídeo “Máquina de embalagem a
vácuo”19 (ver APÊNDICE 1). O objetivo específico dessa situação seria perceber, no
processo de embalagem a vácuo, a retirada de ar, relacionando-o às situações
anteriores de abertura das embalagens: O ruído representa entrada ou saída de ar?
O que ocorre quando o lacre é retirado na segunda situação?

Habituados à dinâmica das aulas precedentes, os alunos se organizaram nos


grupos esperando instruções. Na sala, já estavam posicionados o projetor e o
computador para exibição do vídeo. O professor comentou sobre o que se tratava o
vídeo e, em seguida, exibiu-o para que os alunos assistissem.

Figura 13: Exibição do vídeo “Máquina de embalar a vácuo”


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Todos se concentraram enquanto assistiam ao vídeo e alguns poucos


comentários foram ouvidos. Terminada a primeira exibição, perguntou-se se
desejavam ver o vídeo novamente. De pronto responderam positivamente, e
assistiram ainda com mais atenção à segunda exibição.

Em seguida, o professor indicou quais questões deveriam ser discutidas pelos


grupos e fez uma rápida leitura dessas questões. As discussões em grupo

19
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=GaZ55haKwME>.
80

prosseguiram. Vários alunos demonstraram-se ativos no debate, enquanto outros


perceptivelmente tiveram um envolvimento menor.

Finalizadas as discussões em grupos, iniciou-se o momento de exposição


coletiva das conclusões formuladas. Por uma questão de melhor aproveitamento do
tempo, o professor não solicitou que as conclusões fossem transcritas para o
quadro. Cada um dos grupos foi ouvido.

Em geral, até então os alunos haviam respondido com mais facilidade ao que
era proposto. Sempre formulavam alguma explicação para qualquer problema
aparente. Não demonstravam dificuldades ou dúvidas. No entanto, a exibição do
vídeo trouxe informações que os fizeram lembrar as respostas às situações
precedentes e, às vezes, desafiá-las.

Quando a exposição das conclusões chegou ao fim, o professor chamou a


atenção para o fato de que era unânime entre os grupos a conclusão de que havia a
retirada do ar no processo de embalagem a vácuo e, entrada de ar na ocasião de
abertura da embalagem. Haviam mudado de opinião os grupos que anteriormente
descreveram que o ar saía das embalagens a vácuo quando essas eram abertas.

Na aula seguinte, ocorrida na quarta-feira 14 de março, a situação quatro da


primeira etapa foi iniciada. A discussão giraria em torno do funcionamento de
bebedouros de passarinhos usuais em gaiolas. O objetivo específico seria
problematizar o fenômeno de sustentação da coluna de água. Pretendia-se que os
alunos expusessem suas explicações para esse fenômeno. Seriam promovidos
questionamentos introdutórios ao experimento de Torricelli.
Para essa etapa da intervenção, dispunha-se em sala de uma jarra com água
e um bebedouro de passarinho para cada grupo. Iniciando a aula, questionou-se
sobre quem criava ou cuidava de pássaros em casa. Um aluno respondeu
afirmativamente e foi escolhido para executar uma demonstração de como se
deveria proceder com o manuseio dos bebedouros. Em seguida, o professor passou
de grupo em grupo enchendo os bebedouros, sendo os alunos responsáveis por
montá-los.
81

Figura 14: Bebedouros de passarinho


Fonte: Foto realizada pelo autor.

O professor leu as questões a serem debatidas pelos grupos e comentou


cada uma, ainda mais detalhadamente do que nas atividades anteriores. Havia um
maior número de questões a serem discutidas, e as observações requeriam um
maior grau de abstração.

Tornou-se notória a dificuldade dos alunos em entender e desenvolver cada


questão proposta. Inclusive, a dificuldade pareceu despertar o interesse de alunos
que anteriormente estavam mais passivos durante as discussões nos grupos. Uma
evidência dessa maior participação foi o próprio barulho produzido pela turma -
muitas vozes e poucos sorrisos. Muitos alunos estavam manifestando suas
percepções, e poucos se mostravam dispersos em ocupações paralelas.

Durante esse momento de discussão nos grupos, alguns alunos pediram


esclarecimento sobre duas questões especificamente: a situação que sugeria pensar
sobre a troca da água por um líquido mais pesado e a situação que pensar sobre se
havia um tamanho máximo para a coluna de água no bebedouro. Sendo as dúvidas
comuns aos grupos, o professor comentou com a classe sobre a densidade dos
líquidos e encaminhou-os a especular sobre a relação entre esse fator e o tamanho
da coluna de líquido. Fazê-los pensar sobre essas questões era relevante, pois
estavam diretamente ligadas com os experimentos de Torricelli e de Berti, os quais
foram abordados nas narrativas históricas em etapa subsequente.
82

Finalizada a discussão, os grupos expuseram seus resultados. Na turma B


todos os grupos responderam de forma sucinta a todas as questões. Na turma A,
alguns grupos quiseram refazer a montagem do bebedouro e a observação da
coluna de água estável. Demonstravam muitas dificuldades e sentiram necessidade
de repetir o procedimento em busca de solução para as dúvidas remanescentes.
Mesmo com interesse e empenho perceptíveis, houve grupos que não conseguiram
responder a todas as questões propostas. Eles reconheciam verbalmente que lhes
faltava saber de algo mais.

Nesse sentido, atingiu-se justamente o objetivo pretendido naquela atividade,


uma vez que se pretendia que os alunos fossem desafiados e se sentissem
instigados a buscar respostas, ainda que não as obtivessem de forma completa. A
situação motivou o comentário do professor aos alunos: “Há momentos nos quais
temos falta de conhecimento para explicar o que vemos”.

Na segunda-feira, 19 de março, teve início a segunda etapa da intervenção.


Para a primeira parte, previa-se a exibição do vídeo “Experimento de Torricelli” 20. O
objetivo pretendido era Iniciar o contato com o experimento de Torricelli, preparando
os alunos para o trabalho com o contexto histórico desse experimento. Elementos da
primeira etapa da intervenção seriam retomados.
O professor realizou alguns comentários e iniciou a exibição do vídeo. Os
alunos mantiveram-se atentos. Em seguida, as questões a serem desenvolvidas
foram lidas e comentadas pelo professor, no intuito de favorecer a compreensão da
turma. Enquanto as questões eram comentadas, os alunos solicitaram que o vídeo
fosse exibido uma segunda vez. Ao longo dessa segunda exibição, o professor
ressaltou os pontos centrais das questões propostas.

20
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BSo9fSTJcEE>: acesso em 12 de
janeiro de 2018.
83

Figura 15: Representação do vídeo “Experiência de Torricelli. FisQuiWeb”


Fonte: Imagem obtida pelo autor por captura de tela.

Finalizada a exibição do vídeo, os alunos passaram a discutir as questões em


grupos. O vídeo permaneceu parado na cena inicial onde havia uma imagem de
Torricelli com seu nome e informações de nascimento e falecimento (Figura 14).

Alguns grupos questionaram sobre o que seria o mercúrio. Os que conheciam


termômetros de mercúrio se lembraram, quando esse instrumento era mencionado
como exemplo. Alguns alunos perguntaram se no vídeo o mercúrio se misturava
com a água, confundindo o brilho do mercúrio com uma coluna de água. Foi
necessário explicar que o experimento de Torricelli utilizava apenas o mercúrio.
Observou-se que, em todos os grupos, quando um ou dois integrantes entendiam as
explicações, eles logo compartilhavam com os colegas usando a linguagem própria
de seu cotidiano, colaborando para a elucidação de eventuais dúvidas.

Concluída a discussão em grupos, os estudantes expuseram suas


conclusões. Ao compararem o experimento de Torricelli com o bebedouro de
passarinhos, todos concordaram sobre a semelhança entre as duas situações.
Discutiram e discordavam entre si sobre a existência de ar no topo da coluna de
mercúrio. A turma ficou dividida em relação a esse aspecto.

O prosseguimento da segunda etapa da intervenção teve início na terça-feira,


dia 14 de março. Previa-se a utilização de narrativas histórico-pedagógicas (ver
APÊNDICE 1), de acordo com os seguintes objetivos: problematizar o experimento
de Torricelli no que diz respeito ao contexto histórico; organizar os conhecimentos
sobre a pressão atmosférica e o experimento de Torricelli à luz da contextualização
84

histórica; utilizar os episódios históricos visando à aproximação de visões mais


sofisticadas da ciência.

Para cada grupo foram disponibilizadas quatro cópias dos textos. Foram
estipulados dez minutos para que todos fizessem a leitura da primeira narrativa. Os
alunos foram receptivos à atividade de leitura e concluíram antes do tempo
determinado.

Em seguida, o professor leu as questões propostas, fazendo comentários


necessários para uma melhor compreensão. Nesse primeiro momento com as
narrativas, não demonstraram grandes dúvidas ou problemas. Não se queixaram de
dificuldades no entendimento do texto. Consideraram a linguagem compreensível,
acessível. Os alunos realizaram as discussões em grupo e se prolongaram nessa
tarefa. Por isso, não puderam expor suas conclusões na mesma aula.

Figura 16: Aspecto da primeira narrativa histórico-pedagógica (ver APÊNDICE 1).


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Na quarta-feira, 21 de março de 2018, deu-se continuidade aos trabalhos com a


primeira das três narrativas histórico-pedagógicas (ver APÊNDICE 1). Os alunos
retomaram e concluíram as discussões da aula anterior. Em seguida, expuseram
suas conclusões.
85

Apesar de, inicialmente, os alunos não terem demonstrado dificuldade na


leitura da narrativa, as respostas dadas por eles às questões desse primeiro texto
descortinavam problemas de interpretação. Essa primeira narrativa tem um tom claro
de questionamento quanto à forma como a história de Torricelli é apresentada nos
trechos de livros didáticos citados. Porém, muitos deles aparentaram não perceber
esse tom.

Uma minoria desconfiou que Torricelli deveria ter algum antecedente para
falar sobre pressão atmosférica, de modo que essa ideia não teria surgido
repentinamente, de um único autor. Seis grupos dos oito apresentaram respostas a
todas as questões propostas. As questões deixadas sem resposta pelos demais
grupos eram exatamente as que exigiam uma interpretação física das situações.

Finalizada a aula do dia 21 de março de 2018, houve um período de


interrupção por cerca de um mês na aplicação da sequência didática devido a uma
paralisação dos professores21. Durante esse período, os alunos perderam o contato
com a sequência didática. Dessa forma, havia o risco de perdas significativas no
processo de construção do conhecimento. A turma B havia trabalhado apenas com a
primeira narrativa (de uma sequência de três textos). Já a turma A conseguiu ler e
responder a questões da segunda narrativa antes da paralisação.

Na terça-feira, 24 de abril de 2018, a aplicação da sequência didática foi


retomada. O professor considerou necessário retomar os trabalhos previamente
realizados. Pediu, então, que os alunos relessem a primeira narrativa e as
anotações feitas por eles a respeito das questões propostas. Enquanto os grupos se
organizavam para seguir as orientações, ficou perceptível que o período transcorrido
sem aulas afetou o comportamento e o envolvimento da turma. A atenção e o
interesse dos alunos diminuíram, a tal ponto que o professor precisou intervir
comentando a esse respeito.

Na turma A, a retomada incluiu não apenas o primeiro texto, mas também o


segundo. Os grupos da turma A deram prosseguimento às questões da segunda
narrativa. Em seguida, os resultados obtidos foram compartilhados em discussão
coletiva.

21
A paralisação se deu por conta de reinvindicações salariais e melhoria na infraestrutura
das escolas.
86

Os alunos da turma B retomaram os trabalhos realizados com a primeira


narrativa e, em seguida, foram orientados à leitura da segunda. O professor adotou
o mesmo procedimento de ler e comentar as questões propostas. Em particular, deu
atenção especial ao episódio do sifão inoperante, motivo de divergências conceituais
entre Galileu e Baliani na segunda narrativa (ver APÊNDICE 1). O professor utilizou
o quadro branco para fazer uma ilustração dos dois vales mencionados na narrativa.
Entre eles fez uma representação do sifão e do sentido em que a água deveria
correr. Especificou as alturas mencionadas e expressou o fenômeno alvo das
discussões entre Baliani e Galileu. Mencionou as diferentes opiniões dos dois
pensadores e os conceitos nos quais se baseavam.

Aproveitando a discussão do episódio histórico, o professor buscou


problematizar a visão empirista-indutivista da ciência, usual no contexto escolar.
Perguntou se a observação em si fornecia a resposta ao problema ou se cada um
dos pensadores fazia a observação segundo seus conhecimentos prévios,
fornecendo cada um uma interpretação. Os alunos responderam bem a essa
iniciativa de discutir sobre Natureza da Ciência, e expressaram boa compreensão
sobre o episódio. Em seguida, em grupos, passaram a responder às questões sobre
a segunda narrativa. Solicitaram esclarecimentos sobre o termo “principio”, no
contexto das questões sugeridas22.

O tempo disponível nessa aula não foi suficiente para a continuidade das
discussões. A segunda narrativa foi retomada na quarta-feira, 25 de abril de 2018.
As questões remanescentes foram lembradas e os alunos deram continuidade.
Percebeu-se a necessidade de revisar os comentários sobre o caso do sifão
inoperante, já que os alunos pareciam carecer de mais algumas explicações. Com o
prosseguimento das atividades em grupos, finalmente as conclusões sobre aquela
narrativa puderam ser compartilhadas.

Em geral, notou-se acentuada melhora no nível de interpretação dos textos.


As posições assumidas pelos grupos ficaram mais coerentes, e o entendimento das
questões foi superior em comparação ao apresentado no trabalho com o texto
anterior. No entanto, dois grupos mostraram uma tendência a misturar as

22
Trata-se da questão: Baliani e Galileu partiram de princípios distintos e discutiram o não
funcionamento do sifão. Que princípios foram esses?
87

interpretações concorrentes, de Galileu e Baliani. Alguns grupos não responderam à


ultima questão.

Os trabalhos com a terceira narrativa histórico-pedagógica tiveram início na


quinta-feira, 26 de abril de 2018. Realizou-se a leitura do texto (ver APÊNDICE 1).
Não houve problemas no momento de leitura. No entanto, ficou perceptível o
desinteresse de alguns alunos. Um número restrito deles não leu e, posteriormente,
só visitou alguns trechos do texto.

Realizadas as devidas orientações, as discussões nos grupos prosseguiram


em sequência. Como a terceira narrativa contava com mais questões que as
previamente estudadas, foi necessário um período maior de discussão. Foram
deixadas para a aula subsequente, as questões relacionadas à Natureza da Ciência,
as quais requeriam a retomada de aspectos das três narrativas então estudadas.

Figura 17: Aspecto da terceira narrativa histórico-pedagógica (ver APÊNDICE 1).


Fonte: Foto realizada pelo autor.

Embora coerente com o conteúdo trazido pela narrativa, alguns grupos


estranharam a questão a respeito da expectativa de Torricelli sobre a aceitação das
suas ideias23. O professor, então, aproveitou a oportunidade para abordar a temática
Natureza da Ciência.

23
Trata-se da questão: Sobre a aceitação de suas ideias, qual era a expectativa de
Torricelli? Por quê?
88

Utilizando uma situação acessível aos alunos, o professor indagou sobre se


um argumento colocado a favor ou contra algum tema polêmico seria aceito sem
oposição. Um aluno, então, afirmou que seria aceito sem resistência se o argumento
fosse comprovado ou quando provava algo.

O caráter empirista-indutivista, observado no comentário do aluno, foi tomado


pelo professor para dar continuidade à discussão. O professor indagou sobre se,
após tantos anos acreditando que a natureza não admitia espaços vazios, os
pesquisadores abandonariam essa concepção majoritária para acreditar no espaço
vazio.

Trazendo um comentário com sentido próximo ao do aluno anterior, outro


estudante afirmou que o espaço vazio deveria ser aceito por se tratar de um “fato”. O
professor, então, retorquiu lembrando que na época de Torricelli o horror ao vácuo
era “fato”, enquanto que atualmente não. Oportunamente, a discussão foi dirigida
para a temática “provisoriedade do conhecimento”, e os alunos puderam
compreender contextualmente a questão proposta no texto.

Ainda nessa aula, alguns grupos demonstraram dúvidas sobre o


questionamento a respeito da inserção de Torricelli no contexto das discussões a
respeito do horror ao vácuo24. Percebendo a necessidade de esclarecimentos, o
professor fez algumas considerações e exemplificações com base no próprio texto.
Todos voltaram às discussões nos grupos e, desse momento em diante, novas
dúvidas não foram apresentadas.

Na sexta-feira, 27 de abril 2018, os trabalhos nos grupos foram retomados. As


questões específicas sobre a temática Natureza da Ciência foram lidas e
comentadas pelo professor. Possivelmente em decorrência do pequeno debate
ocorrido na aula anterior, os alunos não manifestaram dificuldades em lidar com
essa temática. Após quinze minutos de aula, todos haviam concluído e iniciou-se a
exposição dos resultados.

Durante a discussão coletiva ficou evidente a melhora no nível de


interpretação dos textos e na qualidade dos comentários e das respostas. As

24
Trata-se da questão: Considerando os antecedentes do experimento de Torricelli e os
objetivos do próprio Torricelli ao realizar esse trabalho, explique como ele pode ser inserido
no contexto das discussões sobre o horror ao vazio.
89

conclusões estavam mais consistentes, menos genéricas. Havia certa convergência,


embora não houvesse indícios de cópia. Nas questões acerca da temática Natureza
da ciência25, os alunos perceberam a ciência como construção humana coletiva e
reforçaram o caráter provisório do conhecimento científico.

No dia 30 de abril de 2018, a conclusão da intervenção ocorreu com a


aplicação da terceira etapa da sequência didática. Previa-se a apresentação de
situação-problema a ser enfrentada pelos alunos, de modo que colocassem em
prática o conhecimento construído ao longo das etapas anteriores. O objetivo dessa
atividade seria permitir que os alunos explorassem situações nas quais ocorrem
fenômenos físicos análogos aos observados no experimento de Torricelli.

O produto educacional propõe duas situações-problema (APÊNDICE 1). Por


motivo de restrições de tempo, escolheu-se apenas um deles. Uma garrafa com
pequenos furos no fundo (no caso, cinco furos) foi completamente preenchida com
água. Quando tampada, a água não escorre. Quando aberta, a água escorre pelos
furos.

Essa situação foi apresentada na intervenção. Obteve-se uma bacia e uma


jarra com água na escola. A garrafa foi levada já com os furos, feitos com um
pequeno prego aquecido. Os furos foram mostrados a todos. Em seguida, um aluno
foi convidado para segurar a garrafa, enquanto a mesma era preenchida com água e
tampada. Coube ao próprio aluno que segurava a garrafa, manuseá-la, abrindo e
fechando a tampa. A demonstração foi muito bem recebida pelos alunos, que
passaram a brincar, abrindo e fechando a garrafa várias vezes consecutivamente.
Muitos deles riam e se admiravam.

Após a demonstração interativa, os alunos foram convidados a explicar o


efeito presenciado. Em pouco tempo haviam chegado às suas respostas. A maior
parte dos grupos atribuiu à pressão atmosférica o motivo de a água não escorrer
enquanto a tampa da garrafa permanecia fechada. Três grupos se referiram à
impossibilidade de o ar trocar de lugar com a água. Esse seria, segundo esses
grupos, o motivo para a água não escorrer enquanto a garrafa estava tampada.

25
Trata-se das questões: Considerando os elementos trazidos pelos três textos, reflita sobre
os seguintes temas - A concordância e a discordância entre os pesquisadores, a aceitação
de ideias e confronto entre ideias distintas; Ciência como construção individual ou coletiva;
Conhecimento científico permanente ou provisório.
90

Finalizando a intervenção didática, o professor apresentou aos alunos a explicação


baseada no conceito de pressão atmosférica, fazendo referência a citações
presentes na segunda narrativa.
91

5. 2 Comentários sobre respostas, dinâmica e interação dos alunos

5.2.1 PRIMEIRA ETAPA

Primeira etapa: Situação 1 – Embalagem de café

No decorrer da aplicação, os alunos se organizaram e estabeleceram


dinâmicas distintas para responder às questões. Notou-se que algumas vezes um
integrante de um grupo tomava a liderança e fazia uma espécie de mediação
“improvisada”. Não impunha sua opinião, mas pedia que cada um se posicionasse,
organizando o debate. Alguns grupos discutiam por curto período de tempo e
dividiam as questões entre os integrantes. Outros grupos tinham suas posições
estabelecidas por um ou dois integrantes, dado o pouco envolvimento dos demais
membros.

Todas as situações e as etapas estavam permeadas de questões a serem


desenvolvidas em grupo, o que desde o início caracterizou as aulas. Os recorrentes
momentos de reflexão tiveram impacto nas atitudes dos integrantes dos grupos.
Passaram a ser mais responsáveis pelo desenvolvimento de seus próprios
conhecimentos, tornando-se figuras ativas do aprendizado. Esse aspecto levou a
outra característica das aplicações, com a diminuição do protagonismo do
professor/mediador e o aumento do protagonismo dos alunos.

Nas primeiras situações, os alunos expuseram respostas mais vagas. Ainda


estavam por desenvolver uma percepção quanto aos objetivos pretendidos com as
aulas. A primeira etapa não fornecia tantos subsídios aos alunos, a fim de que eles
expusessem suas impressões e formulassem explicações a partir de seus
conhecimentos prévios. As primeiras reações foram de dúvidas. Transpareciam a
falta de hábito de lidar com questões propostas sobre situações.

Na primeira situação da primeira etapa, houve a discussão sobre a abertura


do café embalado a vácuo. As primeiras questões propostas para os alunos foram:
“O que vocês observam? Há algum ruído? O que esse ruído significa?”. O quadro
abaixo apresenta as respostas elaboradas pelos grupos. Na turma A, foram
compostos oito grupos nomeados AG1, AG2, e assim por diante. Na turma B, o
mesmo tipo de nomenclatura foi adotado (BG1, BG2, etc.)
92

Respostas Grupos
Houve um ruído. Causado pela saída de ar. AG4; BG5
AG1; AG2; AG3; AG5; AG6;
Houve um ruído. Causado pela entrada de ar. AG7; AG8; BG1; BG2; BG4;
BG7; BG8
Houve um ruído. Causado pela saída do vácuo. BG3

Houve um ruído. Causado pelo fim da pressão do vácuo na


BG6
embalagem permitindo a entrada de ar

Quadro 12 – Respostas sobre a abertura do café embalado a vácuo.

Doze grupos, dentre os dezesseis observados, fizeram referência à entrada


do ar como causadora do ruído. O grupo BG6 também foi nessa direção, mas se
referiu na resposta a uma “pressão do vácuo na embalagem”. Os grupos BG3 e BG6
consideraram que a ação do vácuo promovia a compressão da embalagem. Atribuir
ao vácuo uma espécie de força ou sucção é usual, no senso comum (FONSECA et
al, 2017). Já o grupo AG4 concluiu que “o café não é totalmente a vácuo” e,
portanto, a abertura do café “liberou o ar interno”. O BG5 explicou que havia uma
ação do ar interno à embalagem para comprimir o café, como se o ar fosse um
elemento de aderência interna na embalagem. A abertura da embalagem faria o ar
sair, segundo esse grupo.

Um questionamento posterior propôs de forma explícita que se pensasse na


relação entre o ruído e o tipo de embalagem: “Que relação há entre ‘embalado a
vácuo’ e o ruído observado inicialmente?” As respostas dos grupos estão
apresentadas no quadro a seguir.

Respostas Grupos
O ruído é causado pela entrada de ar, já que
AG4
o produto foi embalado sem ar.
“Embalado a vácuo” se refere à ausência de
ar na embalagem. O ruído ocorre pela saída AG1; AG2; AG6; AG7; AG8; BG1
da pressão do pacote.
AG3; AG5; BG2; BG3; BG4; BG5; BG6; BG7;
Não respondeu.
BG8

Quadro 13 – Respostas sobre a relação entre o tipo de embalagem e o ruído.


93

Na questão anterior, AG4 havia mencionado que a embalagem não estava


isenta de possuir ar. O ruído seria causado pela saída do ar. Nessa questão
subsequente, no entanto, o grupo afirmou o contrário. O ruído seria causado pela
entrada do ar. O produto estaria embalado sem ar.

Os grupos AG1, AG2, AG6, AG7, AG8 e BG1, que anteriormente haviam
citado a “entrada do ar” como causa do ruído, nessa questão subsequente citaram a
“saída da pressão do pacote”, como causa para esse fenômeno. Atribuir certa
“pressão”, uma espécie de sução realizada pelo vazio, faz parte do repertório de
concepções alternativas sobre esse tipo de fenômeno. Na intervenção, buscou-se
compreender melhor o que pensavam. Quando questionados sobre suas respostas,
eles não explicaram o que seria a pressão que afirmaram ter sido liberada.
Permaneceram, no entanto, reconhecendo que a embalagem a vácuo não continha
ar.

Os demais grupos não se manifestaram acerca desse questionamento,


incluindo seis que haviam respondido adequadamente à questão anterior.
Interessante notar, ainda, que deixaram de se manifestar alguns grupos que haviam
respondido prontamente, mas de modo que expressavam concepções alternativas
na primeira questão. Aparentemente eles próprios já estavam revendo suas
concepções.

Primeira etapa: Situação 2 – Embalagem com lacre

As questões subsequentes se referem ao pote com tampa do tipo abre fácil:


“Tentem abrir a embalagem sem retirar o lacre. Vocês conseguem? Por quê? Por
que a embalagem não abre se o lacre não é removido?”. As respostas elaboradas
pelos grupos estão expostas no quadro a seguir.

Respostas Grupos
Não, por causa da pressão. AG1; AG2; BG4; BG5; BG7; BG8
Não abriu. BG1; BG3
Não, por causa da pressão sobre a
BG2
embalagem.
Sim. Com dificuldade. AG3; AG4; AG5; AG6; AG7; AG8
94

Não respondeu. BG6


Quadro 14 – Respostas sobre a abertura da embalagem “abre fácil”.

Os grupos que conseguiram abrir a embalagem sem a remoção do lacre se


concentraram em explicar o método utilizado por eles e falaram da dificuldade
encontrada no ato de abrir o pote. Não tentaram explicar o porquê dessa dificuldade.

A maior parte dos grupos não conseguiu abrir o pote sem a remoção do lacre.
Dentre os que se referiram a uma “pressão”, a maioria apontou a existência de uma
pressão dentro do pote. Os grupos se mostraram confusos diante da necessidade
de explicar o que ocorria nessa situação. BG7 e BG8 concordaram que a pressão
era causada pelo ar dentro da embalagem. O ar seria responsável por puxar a
tampa, o que deixaria de ocorrer com a remoção do lacre. De todos os grupos
presentes nas duas turmas, apenas BG2 afirmou haver uma pressão externa sobre
a embalagem. No entanto, quando seus integrantes foram questionados, um deles
afirmou que se tratava de uma pressão interna, em contradição com o que havia
sido escrito.

Outra questão foi apresentada para debate na mesma situação: “Existe


alguma relação entre a parte interna e a parte externa do pote que poderia explicar a
situação inicial de aderência do lacre? Tentem explicar como o pote é fechado, para
que serve o lacre e como ele fica preso à tampa”. As respostas apresentadas pelos
grupos estão expostas a seguir.

Respostas Grupos
A pressão suga o lacre através do buraco na
AG3; AG7
tampa
Dentro do pote há uma pressão que mantem
AG4; AG6; AG8
o pote fechado.
O lacre é mantido pela pressão do ar
AG5; BG6
tentando entrar no pote
Uma máquina aperta o lacre AG2.
O vácuo tenta puxar a borracha para dentro AG1
Não respondeu. BG1; BG2; BG3; BG4; BG5; BG7; BG8
Quadro 15 – Respostas sobre a aderência inicial do lacre na tampa “abre fácil”.
95

Sete grupos dentre os dezesseis que participaram da intervenção


demonstraram dificuldade frente à situação e não se expressaram acerca do
questionamento.

Notou-se a tendência a dirigir a atenção para o interior do pote. Porém, dois


grupos, AG5 e BG6, fugiram dessa tendência e atribuíram à ação do ar externo a
responsabilidade pela pressão sobre o lacre. BG6, em questão anterior, havia citado
que na abertura da embalagem de café ocorria o “fim da pressão do vácuo na
embalagem”. Nessa outra questão, posteriormente, o grupo parecia estar
construindo uma nova interpretação ao citar a pressão externa do ar para explicar a
aderência do lacre da tampa “abre fácil”.

Nas respostas dos grupos, percebe-se, ainda, a tendência ao uso do termo


“pressão” como “puxão”. Haveria uma “pressão dentro do pote” que o manteria
fechado. O “vácuo tenta puxar a borracha” para dentro ou, ainda, a “pressão suga o
lacre”. Como concepção alternativa, o puxão exercido pelo vácuo, encontra relativa
analogia em concepções adotadas historicamente ao longo dos debates sobre esse
tipo de fenômeno físico.

Primeira etapa: Situação 3 - Vídeo – Máquina de embalar a vácuo

Na atividade acerca do vídeo da máquina de embalar a vácuo, as respostas


dos grupos foram bastante uniformes. Todos concordaram quanto à remoção do ar
de dentro da embalagem e com a entrada dele por ocasião da abertura da
embalagem. Todos perceberam satisfatoriamente a conexão entre as três situações
estudadas: a embalagem de café, a tampa abre fácil e a máquina de embalar. Após
a discussão sobre o vídeo, percebeu-se que a afirmação anteriormente realizada por
alguns grupos sobre a saída de ar da embalagem de café foi revista e
adequadamente alterada.

Primeira etapa: Situação 4 - Bebedouro de passarinhos

A quarta situação proposta na primeira etapa versou sobre a sustentação da


coluna de água no bebedouro de passarinhos. Os grupos deveriam explicar o que
96

ocorria quando o bebedouro era montado e porque isso ocorria. A seguir estão
expostas as conclusões dos grupos.

Respostas Grupos
A água não escoa totalmente. AG1; AG3; AG6; BG2; BG6
O ar entra e empurra a água. AG2; AG7; BG7
A força gravitacional não deixa a água subir. AG4
A água não escapa por causa da pressão. AG8; BG1
Quando viramos o bebedouro subiram
algumas bolhas de pressão, fazendo assim BG3
com que o ar que restava saísse.
A água que desceu deixou o espaço interior
do bebedouro vazio e por não possuir ar não BG5
possui pressão sobre a água para ele escoar.
Tem uma rampa que exerce pressão. BG8
Uma barreira faz a água externa entrar em
AG5
equilíbrio com a água interna.
Quadro 16 – Respostas sobre o funcionamento do bebedouro de pássaros.

Cinco grupos apenas relataram por escrito o que observaram, sem tentar
explicar o fenômeno físico. Na discussão coletiva, o grupo BG6 explicou que havia
ar internamente, mas ainda assim a força interna era insuficiente para fazer descer a
coluna de água. De maneira semelhante, o grupo BG5 citou a ausência de uma
pressão sobre a coluna de água. No entanto, esse grupo divergiu do anterior ao
afirmar que havia vácuo no topo do bebedouro.

As respostas escritas dos grupos AG2, AG7 e BG7 tendiam a afirmar a ação
do ar externo sobre a água, sustentando a coluna de líquido. No entanto, ao
comentar sua resposta durante a aula, o grupo AG7 afirmou que o ar no topo do
bebedouro de passarinhos era responsável por puxar a coluna de água 26.

De acordo com as respostas escritas dos grupos AG8 e BG1, uma pressão
seria responsável por manter a água dentro do bebedouro. Porém, na discussão
coletiva das respostas os grupos divergiram quanto às explicações. O grupo BG1

26
De acordo com pesquisas empíricas realizadas com alunos do Ensino Médio, é comum
observar explicações para esse tipo de fenômeno de sustentação da coluna de líquido
remetendo exclusivamente a fatores internos ao tubo ou a interações dentro do próprio
líquido. Nesses casos, não haveria um direcionamento para fatores externos ao tubo e a
pressão atmosférica não seria citada. (FONSECA, 2017, p. 174 e p.177).
97

referiu-se à ação de uma pressão externa sobre o bebedouro como responsável por
não permitir a saída da água. Quando questionados sobre a natureza dessa
pressão, um integrante afirmou se tratar da pressão do ar. Outro integrante do
mesmo grupo, sentindo-se inseguro quanto a essa afirmação, preferiu afirmar o
desconhecimento da natureza da pressão. Já o grupo AG8, na discussão, preferiu
explicar a descida da coluna de água referindo-se à entrada de bolhas de ar. Essas
seriam responsáveis por fazer descer a coluna de água e ocupariam o lugar do
líquido dentro do bebedouro.

Os grupos AG5 e BG8 desde o momento da montagem do bebedouro já


demonstravam atenção em relação ao formato da base do bebedouro, onde há um
ligeiro aclive próximo à saída da água. Em suas respostas escritas, um grupo referiu-
se ao aclive como barreira e o outro como rampa27. Perguntados sobre aquele
detalhe, pareciam pensar que se tratava de um “truque” usado no bebedouro para
gerar o efeito observado.

A questão subsequente propunha um esforço de imaginação: “E se


usássemos um bebedouro mais longo e inicialmente cheio de água... o que
ocorreria?”

Respostas Grupos
AG; AG2; AG3; AG7; AG8; BG1; BG2; BG3;
Aconteceria a mesma coisa.
BG4; BG5; BG8
A água no bebedouro maior cairia. AG4; BG7
A água iria escorrer, pois teria mais água do
BG6
que ar.
Não vazaria, pois a base impede a saída de
AG6
muita agua.
Não respondeu. AG5
Quadro 17 – Respostas sobre o bebedouro mais longo.

A abstração sugerida serviria como antecipação à reflexão sobre o


experimento de Berti abordado nas narrativas histórico-filosóficas. A maioria dos
grupos não notou quaisquer diferenças entre o observado nos bebedouros e a

27
Ainda com base na pesquisa de Fonseca (2017b), as explicações dadas pelos alunos
para o bebedouro de passarinho costumam ser do tipo: o líquido da parte em que o
passarinho bebe a água segura o líquido do tubo ou, ainda, o líquido não transborda por
causa do vazio no topo do bebedouro.
98

suposição proposta. AG4 e BG7, por outro lado, comentaram sobre o esvaziamento
do tubo. O grupo BG6 pareceu ensaiar resposta semelhante.

A questão da mesma etapa propunha um novo esforço de imaginação, dando


continuidade à linha de raciocínio já iniciada: “Se pudéssemos construir um tubo
ainda mais longo... há um limite para o comprimento da coluna de água que pode
ser sustentada?”. As respostas apresentadas pelos grupos estão registradas no
quadro a seguir:

Respostas Grupos
Não há limite. AG1; AG2; AG6; AG7; BG1; BG7; BG8
Há um limite. AG4; BG2; BG3; BG4; BG6
Não respondeu. AG3; AG5; AG8; BG5
Quadro 18 – Respostas sobre o limite do tamanho do tubo.

Mediante a situação proposta, os grupos se limitaram a responder apenas se


haveria ou não um limite, sem apresentar explicações. Alguns grupos simplesmente
se eximiram de tentar responder. Embora esses resultados sejam aparentemente
negativos, eles não destoem dos objetivos pedagógicos previstos para essa etapa
da sequência didática: antecipar pontos abordados pelas narrativas históricas e
sensibilizar os alunos quando à necessidade de buscar conhecimento, face à
insuficiência de seus próprios recursos para explorar as situações propostas.

Ainda em prosseguimento, outra situação proposta também buscava preparar


os alunos para um contato mais aprofundado com o experimento de Torricelli: “E se
outro líquido bem mais pesado que a água fosse usado?” As respostas dos grupos
são apresentadas no quadro a seguir:

Respostas Grupos
AG1; AG2; AG4; AG6; AG7; BG1; BG2; BG3;
Aconteceria a mesma coisa.
BG5; BG7; BG8
Iria escorrer pelo tubo. BG6
Iria entupir a saída de água. BG4
Não respondeu. AG3; AG5; AG8
Quadro 19 – Respostas sobre a troca por um líquido mais pesado.

Novamente, notou-se que os alunos manifestavam dificuldade para refletir


sobre a situação proposta. Eles próprios se deram conta da insuficiência dos seus
99

conhecimentos. O exercício de abstração se revelou um desafio não usual a esses


estudantes. A percepção desses aspectos foi significativa para os aplicadores, bem
como para os próprios alunos.

5.2.2 SEGUNDA ETAPA

Segunda etapa - Parte 1: Vídeo - Experimento de Torricelli

A segunda etapa da sequência didática possuía objetivos diferentes, pois


trazia situações nas quais os alunos podiam construir recursos que permitiriam
preencher lacunas em seus conhecimentos. Após a exibição do vídeo do
experimento de Torricelli, os alunos foram incitados a estabelecerem conexões entre
os fenômenos físicos: “Há alguma relação entre esse experimento e o bebedouro de
passarinho, que observamos anteriormente?”. Os grupos perceberam a semelhança
entre as duas situações como indicam as respostas a seguir, bem como a exposição
dessas em discussão coletiva.

Respostas Grupos
AG1; AG 3; AG4; AG5; AG6; BG1; BG2; BG3;
Sim, ocorre o mesmo.
BG4; BG8
Há uma relação/ São semelhantes. AG 2; AG7; BG5; BG6; BG7
Sim, a pressão segura o líquido. AG8
Quadro 20 – Respostas sobre a relação entre o bebedouro e o experimento de Torricelli.

Com o intuito de antecipar uma controvérsia abordada nas narrativas


histórico-pedagógicas questionou-se: “Quando o pesquisador vira o tubo no
recipiente, o que fica na parte de cima do tubo?”

Respostas Grupos
AG1; AG2; AG3; AG4; AG5; AG7; AG8; BG1;
O ar.
BG2; BG3; BG7
Fica vácuo. AG6; BG4; BG5; BG6; BG8
Quadro 21 – Respostas sobre o conteúdo do topo do tubo.
100

Ao longo da discussão sobre esse aspecto do experimento de Torricelli, pôde-


se perceber que os alunos faziam referência ao bebedouro de pássaros, o que
demonstra que perceberam efetivamente a relação entre as duas situações físicas.
As opiniões se dividiram, como se pode notar, no quadro exposto anteriormente.
Controvertida, do ponto de vista histórico, a questão possuía importância por tratar
do tema central de debates nos quais se inseriram Torricelli, Berti, Galileu, Baliani e
outros pesquisadores citados nas narrativas histórico-filosóficas.

A questão subsequente retomava a discussão realizada na situação do


bebedouro de passarinho: “Nesse experimento, o líquido utilizado é o mercúrio. Por
que o mercúrio não desce totalmente? É algo dentro do tubo que causa isso? Ou
algo fora dele? Ou ambas as situações?”. Os grupos responderam da seguinte
forma:

Posição dos alunos Grupos


Por causa da pressão. AG8; BG4; BG8
Por causa da densidade. BG1; BG2; BG3
Porque o limite do mercúrio é igual à
AG1
passagem do tubo.
Quando vira cria uma película de ar que não
AG2
permite que o mercúrio escoe.
Não ocorreria o mesmo processo da água,
assim o mercúrio não se sustentaria no AG3
recipiente.
Porque a pressão de fora e a de dentro
AG6
ficaram no mesmo nível.
A água que está embaixo sustenta o mercúrio
e quando o recipiente é virado rapidamente AG7
não dá tempo do mercúrio descer.
O que ocorre é a falta de pressão interna
devido ao vácuo na parte superior do tubo e a BG5
pressão do ar externo.
Não respondeu. AG4; AG5; BG6; BG7
Quadro 22 – Respostas sobre sustentação do mercúrio no experimento de Torricelli.

Nota-se que, em geral, os grupos tiveram dificuldade para explicar a situação.


Três grupos, AG8, BG4 e BG8, se referiram à pressão como responsável pela
101

sustentação da coluna de mercúrio. Desses, os grupos AG8 e BG4 acabaram por


não dar explicações sobre o significado dessa pressão. Já o grupo BG8, quando
questionado, afirmou se tratar de uma pressão interna causada pelo vácuo, como se
esse puxasse a coluna e a sustentasse28. As respostas dos grupos AG6 e BG5
chamam a atenção por se aproximarem de visões científicas atuais29. Parecem
refletir a construção de um novo tipo de interpretação à medida que as situações
foram abordadas.

Ainda nesse momento inicial da segunda etapa questionou-se: “E se nesse


experimento trocássemos o mercúrio do recipiente e do tubo por água, mantendo os
mesmos volumes inicialmente? O que ocorreria?”. A questão era semelhante àquela
utilizada na situação do bebedouro de passarinhos. Permitiria uma conexão entre as
duas situações e colaboraria para preparar os alunos para as discussões presentes
nas narrativas históricas. As respostas obtidas encontram-se no quadro a seguir:

Posição dos alunos Grupos


Ocorreria o mesmo. AG7; AG8; BG4; BG5; BG6; BG8.
Escorreria mais rápido. BG1; BG7.
A água não iria escorrer. BG2.
A água desceria totalmente. AG6.
Não respondeu. AG1; AG2; AG3; AG4; AG5; BG3.
Quadro 23 – Respostas sobre a troca do mercúrio por água no experimento de Torricelli.

De modo geral, os alunos permaneceram concedendo respostas limitadas e


sem maiores explicações. Seis grupos identificaram que a situação seria
semelhante. Esses grupos, no entanto, não fizeram comentário sobre o eventual
tamanho da coluna de água. Importante notar que seis grupos não responderam ao
que foi solicitado e quatro grupos não trouxeram respostas adequadas do ponto de
vista físico.

28
Fonseca (2017b), em sua pesquisa empírica, relata resultados observados em resposta a
questionamento a alunos do Ensino Médio. Em situação análoga ao experimento de
Torricelli, os alunos foram questionados a respeito da sustentação de coluna de água em
garrafa PET emborcada em recipiente com água. Houve referência ao vácuo interno da
garrafa impedir a descida da água por exercer algum tipo de força. Houve, ainda, a
afirmação de que a coluna de água não poderia descer para evitar a formação do vazio.
29
Na pesquisa empírica relatada por Fonseca (2017b), apenas 15% dos alunos explicaram
o fenômeno de modo mais próximo à explicação científica atual.
102

Por fim, como preparação para a contextualização histórica a ser trazida pelas
narrativas, questionou-se: “De onde teria vindo a ideia de fazer esse experimento
exatamente dessa maneira? Por que será que ele fez esse experimento na época?”.

Respostas Grupos
Estudar ou entender o vácuo. AG6
Para descoberta de um método. BG2; BG6
Provar a pressão atmosférica. BG5
AG1; AG2; AG3; AG4; AG5; AG7; AG8; BG1;
Não respondeu.
BG3; BG4; BG7; BG8
Quadro 24 – Respostas sobre a troca do mercúrio por água no experimento de Torricelli.

Observando o quadro de respostas, nota-se que em geral os grupos


desconheciam os motivos que impulsionaram o experimento de Torricelli. O vídeo
exibido não trazia esse tipo de informação. E, no máximo, poderia causar a
impressão registrada pelo grupo BG5: provar a pressão atmosférica. Apenas o grupo
AG6 sinalizou o vácuo como tema do experimento de Torricelli, reforçando esse
aspecto que o grupo vinha lembrando desde situações anteriores.

Segunda etapa – Parte 2: Utilização de narrativas histórico-pedagógicas

Nos momentos anteriores, as questões estavam mais centradas nas


concepções dos alunos a respeito de situações envolvendo fenômenos físicos,
levando à utilização de conhecimentos prévios e à conexão entre fenômenos de
mesma natureza.

O trabalho com as narrativas mostrou-se diferente das situações precedentes.


As questões propostas dependiam da capacidade de interpretação dos alunos.
Geralmente, buscou-se verificar o que os alunos entenderam ou aprenderam com os
textos.

Para a primeira narrativa histórica, algumas questões de sensibilização


visavam à contestação de relatos no próprio texto: “De acordo com a primeira
citação, Torricelli percebeu que ‘o ar exercia pressão e propôs uma experiência para
medir a pressão atmosférica’. [1] Será que Torricelli foi mesmo o primeiro a pensar
103

em pressão atmosférica? Será que ele foi o único a pensar a este respeito?”; [2]
Como Torricelli poderia propor aquela montagem experimental tão específica do
nada, sem nenhuma inspiração anterior?.

As respostas apresentadas pelos alunos estão registradas nos quadros a


seguir:

Respostas Grupos
Ele não foi o primeiro nem o único a pensar AG1; AG2; AG3; AG4; AG5; AG6; AG8; BG1;
em pressão atmosférica. BG6.
Não, pois ele teve colaboração de outros BG2; BG3.
personagens.
Ele foi o primeiro e único. BG4.
Ele foi o primeiro. BG5; BG7; BG8.
Não respondeu. AG7.
Quadro 25 – Respostas sobre a prioridade de Torricelli.

Respostas Grupos
Ele foi inspirado por alguém ou algo que viu. AG4; AG6; AG8; BG1; BG2; BG5; BG5; BG7
A inspiração veio de sua curiosidade. AG2; AG3; BG4
A inspiração veio de si próprio; BG3; BG6
Não respondeu. AG1; AG5; AG7; BG8
Quadro 26 – Respostas sobre os antecedentes de Torricelli.

Como se pode notar, boa parte dos grupos desconfiava que Torricelli havia se
inspirado em precedentes e não teria sido o primeiro nem o único. As alegações
contrárias vieram de poucos grupos.

Em prosseguimento da narrativa, constavam os seguintes questionamentos:


“De acordo com a segunda citação, Torricelli concluiu que havia vácuo no topo do
tubo. Como será que ele chegou a essa conclusão? Que importância teria para
Torricelli essa conclusão?”.

Respostas Grupos
Porque não tem a possibilidade de entrar ar. AG1; AG2; AG4; AG5; AG6; BG7
Olhando, ele supôs que havia vácuo, ele BG8
104

concluiu que a pressão atmosférica era a


responsável pelo equilíbrio da coluna.
Quando ele fez o experimento e notou que lá BG3; BG4; BG5; BG6
em cima não existia nada e era simplesmente
vácuo.
O mercúrio trancou a passagem do ar, pois é AG8
um metal pesado. Para provar sua teoria.
Fazendo o experimento ele chegou a essa AG3; BG1; BG2
conclusão. Comprovar sua teoria.
Não respondeu. AG7
Quadro 27 – Respostas sobre possíveis argumentos de Torricelli.

Ao chamar a atenção para o topo do tubo no experimento de Torricelli, a


questão prepara caminho para as discussões trazidas pela narrativa seguinte.
Interessante notar que o argumento “não tem possibilidade de entrar ar”, contido nos
registros escritos de seis grupos (AG1; AG2; AG4; AG5; AG6; BG7), foi usado
historicamente.

Quatro grupos (BG3; BG4; BG5; BG6), por outro lado, pareciam conceber que
o experimento trazia uma resposta óbvia e clara sobre o vácuo no alto do tubo.
Outros três grupos (AG3; BG1; BG2) também se encaminharam para uma posição
empirista-indutivista, ao trazerem o experimento como fonte dessa informação e
comprovação. Já o grupo BG8 deu certo tom de interpretação e não de obviedade à
conclusão. Referiu-se a uma suposição de Torricelli (“ele supôs que havia vácuo”).

As questões subsequentes dependiam muito mais das habilidades


interpretativas dos alunos. Em relação a essa primeira narrativa histórico-filosófica,
os grupos tiveram dificuldade nesse processo, inclusive na compreensão das
perguntas propostas. Era o primeiro momento com os textos. Embora não avessos à
leitura, pareciam estar se adaptando aos novos tipos de questões, as quais exigiam
habilidades interpretativas.

Já na atividade com o segundo texto, embora as questões fossem da mesma


natureza, a maioria dos grupos apresentou um bom desempenho na leitura e
interpretação. As respostas obtidas foram muito semelhantes. De certo modo não
houve discordâncias entre os grupos, poucas foram as respostas que fugiam ao
padrão esperado. Para esse texto foram propostas as seguintes questões:
105

Baliani e Galileu partiram de princípios distintos e discutiram o não


funcionamento do sifão. Que princípios foram esses? Quais as explicações
dos dois pesquisadores para esse mesmo fenômeno?

O texto cita a concepção do “horror ao vazio”. Tente explicá-la a partir da


leitura realizada.

O “horror ao vácuo” foi uma concepção científica muito importante no


passado, mas não é mais aceito atualmente. Quando discutimos sobre o café
embalado a vácuo, notamos um barulho quando as embalagens foram
abertas.

Considere a afirmação de Isaac Beeckman e tente explicar o que ocorre na


abertura dessas embalagens: “Mostrei que o ar é pesado [...]. [...] as coisas
se precipitam com grande poder para um lugar vazio, por causa da grande
altura do ar que está acima delas e pelo que daí resulta”.

Coloque-se, agora, no lugar de um pesquisador do passado e imagine que a


natureza tivesse “horror ao vazio”. Tente explicar o que ocorreria na abertura
da embalagem, segundo esse ponto de vista.

As questões auxiliaram na mediação da leitura e interpretação das narrativas.


Os alunos tiveram uma percepção adequada do conteúdo histórico apresentado nas
narrativas. Durante a aplicação, muitos comentavam sobre detalhes dos textos,
situações e demonstravam surpresa com a existência de muitos personagens na
história apresentada. Perceberam os embates travados e suas dimensões. Na última
questão sobre esse segundo texto (exposta anteriormente), um grupo chegou a
mencionar que de acordo com a concepção de “horror ao vazio” as embalagens a
vácuo sequer deveriam existir. Embora o resultado geral até então tenha sido
satisfatório, alguns grupos persistiam com dificuldade em relação à ideia de pressão
atmosférica. Esses não responderam à penúltima questão (exposta anteriormente)
ou o fizeram com dificuldade. A expectativa era que com a continuidade da
aplicação essas dúvidas pudessem ser dirimidas.

As questões referentes à terceira narrativa histórico-filosófica possuíam as


mesmas características das aplicadas previamente:
106

Considerando os antecedentes do experimento de Torricelli e os objetivos do


próprio Torricelli ao realizar esse trabalho, explique como ele pode ser
inserido no contexto das discussões sobre o horror ao vazio.

Ao comentar sobre o seu experimento da carta ao pesquisador Michelângelo


Ricci, Torricelli trata de discutir dois assuntos: 1) a formação ou não do vazio;
2) a questão da sustentação da coluna do mercúrio. O que Torricelli
argumentou sobre esses dois assuntos? Sobre a aceitação de suas ideias,
qual era a expectativa de Torricelli? Por quê?

Nesse texto aparece um experimento que antecedeu e serviu de inspiração


para o experimento de Torricelli. Que experimento foi esse? Quem o realizou?
Qual o objetivo desse experimento? Quais foram às conclusões do
pesquisador? Essas conclusões foram totalmente aceitas? Explique

Que semelhanças e diferenças havia em relação ao experimento realizado


por Torricelli? Que alteração Torricelli realizou e por que ele fez isso? De
onde teriam saído às ideias para essas mudanças?

Ainda que cada grupo as respondesse de modo peculiar às preferências e


experiências de seus integrantes, houve certa uniformidade nas respostas e, em
geral, observou-se crescente melhora no nível de representação. Apenas a primeira
questão gerou dificuldade entre os grupos, de modo que o professor interveio
oferecendo novas explicações.

Em etapa anterior da aplicação da sequência didática, após a exibição do


vídeo sobre o experimento de Torricelli, os alunos não souberam responder quando
questionados acerca das motivações do pesquisador. A partir da discussão desse
terceiro texto, essas motivações foram percebidas pelos alunos. O mesmo processo
de elucidação ocorreu em relação a outros aspectos: a relevância da discussão
sobre o espaço no topo da coluna de mercúrio, os antecedentes de Torricelli, as
inspirações e referências anteriores a Torricelli à pressão do ar, as resistências
enfrentadas pelos pesquisadores.

Tais elementos históricos parecem ter refletido nas concepções dos alunos
sobre a natureza da ciência, sendo essa temática contemplada nas últimas questões
sobre o terceiro texto. A primeira delas questionava: “Os três textos em conjunto
trazem informações sobre o desenvolvimento e a aceitação do conceito de pressão
107

atmosférica. Que aspectos chamam a sua atenção?”. As respostas apresentadas


pelos alunos encontram-se no quadro a seguir.

Respostas Grupos
Como cada conhecimento se liga e evolui AG5
com o tempo.
Tudo, o horror ao vazio, a pressão BG5; BG7
atmosférica, as mudanças de experimentos
etc.
As descobertas dos pesquisadores. AG1
Como o ar pode ter uma força tão grande que AG2
segura algo pesado.
A criatividade e a genialidade do pesquisador BG1
e a curiosidade a fim de encontrar respostas
para o questionamento.
O experimento de Berti, pela forma como fez BG4
o experimento.
As discordâncias e diferentes concepções BG6
sobre o mesmo assunto e experimentos, e a
forma como eles pensavam na época.
Não respondeu. AG3; AG4; AG6; AG7; AG8; BG2; BG3; BG8
Quadro 28 – Respostas sobre aspectos que chamaram a atenção.

Metade dos grupos observados não respondeu a essa questão. Dos que
emitiram uma opinião, percebe-se que boa parte se surpreendeu exatamente com
aspectos da ciência até então desconhecidos por eles: criatividade, curiosidade,
divergências, a construção do conhecimento, etc. Um dos grupos expressou sua
admiração pelo experimento de Berti, antecedente do experimento de Torricelli.
Outro citou o horror ao vácuo e a pressão atmosférica. Em outra direção, um dos
grupos citou um efeito físico como algo que chamava a atenção. O grupo percebeu e
se surpreendeu com a relação entre o peso do ar e as situações apresentadas ao
longo da intervenção.

As questões subsequentes pediam que, considerando os elementos trazidos


pelos três textos, os alunos refletissem sobre alguns temas. O quadro a seguir
registra as considerações dos grupos em relação à concordância e à discordância
entre os pesquisadores, à aceitação de ideias e ao confronto entre ideias distintas.
108

Respostas Grupos
Existem discordâncias. AG1; AG8; BG7.
Sempre vai existir alguém discordando. AG2; AG7.
Entre os pesquisadores existem várias
BG1.
opiniões.
Havia muita discordância entre pesquisadores
de ideias distintas e as novas ideias sempre AG5.
sofrem objeções.
Tanto há concordância, como também há
BG5; BG8.
discordância.
Quando é exposta uma nova ideia,
pensamento ou pesquisa é normal que haja
contestações da parte de outros cientistas e BG6.
pesquisadores. Isso porque á uma ideia nova,
então uma ideia pode confrontar com outra.
A concordância é que ambos tinham horror
AG4.
ao vazio.
Não respondeu. AG3; AG6; BG2; BG3; BG4.
Quadro 29 – Considerações sobre concordância, discordância, confronto e aceitação de
ideias.

Dos dezesseis grupos, dez apontaram a ocorrência de discordâncias entre os


pesquisadores. Os grupos AG5 e BG6 comentaram sobre a resistência a novas
proposições na ciência. Ou seja, partindo do conteúdo histórico específico abordado
nas narrativas, os dois grupos fizeram generalizações e expuseram aspectos
relevantes sobre a natureza da ciência. Cinco grupos não fizeram comentários e
AG4 aparentou não ter entendido o sentido do enunciado.

Ainda considerando os elementos trazidos pelos três textos, propôs-se que os


alunos refletissem sobre a ciência como construção individual ou coletiva. Os
resultados obtidos são apresentados no quadro a seguir:

Respostas Grupos
Coletiva, pois sempre teve apoio de outros
pesquisadores que concordaram com a AG1
experiência.
Coletivo. São diversos personagens e
AG2; AG3; AG5; BG1
opiniões que juntas formam a ciência.
Coletiva, pois um completa o trabalho do AG8; BG3; BG5
109

outro.
Coletiva. AG6
Construção individual. BG7
Um pouco dos dois. BG8
Não respondeu. AG4; AG7; BG2; BG4; BG6
Quadro 30 – Comentários sobre a ciência como construção individual ou coletiva.

Nove dos dezesseis grupos identificaram a ciência como construção coletiva.


A colaboração entre os pesquisadores pode ser notada nos comentários desses
grupos: “São diversos personagens e opiniões que juntas formam a ciência”; “pois
um completa o trabalho do outro”. Um grupo comentou que a ciência é uma
construção individual e coletiva simultaneamente. Cinco grupos não fizeram
comentários e apenas um grupo registrou a ciência como atividade individual.

Por fim, o último ponto a ser discutido levando em conta os elementos


trazidos pelos três textos foi a provisoriedade ou permanência do conhecimento
científico. Os comentários dos grupos estão assinalados no quadro a seguir.

Respostas Grupos
O conhecimento é provisório, pois ele muda AG1; AG2; AG3; AG5; AG7; AG8; BG1; BG3;
com o passar do tempo. BG6; BG8; AG6; BG7
Provisório, pois vai avançando cada vez mais. BG5
Não respondeu. AG4; BG2; BG4
Quadro 31 – Comentários sobre provisoriedade ou permanência do conhecimento científico.

Treze grupos registraram a provisoriedade do conhecimento científico. Um


dos grupos, adicionalmente, comentou sobre essa mudança em sentido progressivo,
pois o conhecimento seguiria avançando cada vez mais. Três grupos não se
manifestaram sobre o assunto.

Em geral, os comentários observados nas turmas sobre questões


relacionadas à natureza da ciência indicam positivamente que os alunos estavam
construindo visões mais complexas sobre a ciência. Além disso, como relatamos na
primeira seção do presente capítulo, na situação-problema sugerida como discussão
final, os alunos apresentaram resultado bastante satisfatório, pois, em geral,
atribuíram o efeito observado à pressão atmosférica.
110

5.3 Considerações finais

Muitos autores abordam em seus trabalhos a necessidade de uma melhor


formação dos professores no tocante à utilização da História e Filosofia da Ciência
no ensino (MATTHEWS, 1995; GIL PÉREZ et al., 2001; SILVA, 2006; MARTINS,
2007; VITAL; GUERRA, 2014; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2015;
OLIVEIRA; DRUMMOND, 2015).

Equívocos decorrentes da falta de preparo dos professores são mencionados.


É comum que os professores se apoiem apenas nos livros didáticos como referência
para a inserção de elementos histórico-filosóficos (PENA; TEIXERA, 2013). Em
geral, nos livros didáticos usuais no mercado, a utilização inadequada da História da
Ciência como mera ilustração não contribui para a alfabetização científica dos
alunos. E, mesmo possuindo boas intenções em relação a inserir elementos
histórico-filosóficos, ao procurarem outras fontes, os professores se deparam com a
escassez de trabalhos especializados acessíveis e de boa qualidade, e, por
despreparo, acabam adotando recursos dotados de equívocos históricos,
carregados de mitos e caricaturas sobre o fazer científico. Esses recursos costumam
trazer visões simplistas sobre a Natureza da Ciência, na contramão das
considerações acadêmicas que sinalizam de forma consensual a importância da
inserção didática dessa temática (BOAS et al, 2013).

Nesse contexto de inquietações, o produto educacional apresentado objetiva


contribuir, dentro de suas possibilidades, como um material acessível ao professor
para a inserção didática de elementos histórico-filosóficos relacionados ao tema
“pressão atmosférica”. O produto tem como foco, mais especificamente, o
experimento de Torricelli. Conta com orientações detalhadas e fundamentadas para
o professor, destacando, por exemplo, indicações relativas a concepções
alternativas. Os objetivos propostos em cada etapa são fundamentados à luz de
referenciais teóricos para o ensino.

A abordagem histórico-filosófica materializada no produto educacional foge da


mera utilização ilustrativa de elementos históricos, passivamente inseridos no trato
do conteúdo científico. Visa, por outro lado, trazer contribuições que permeiam a
compreensão do conceito físico em foco, bem como promover a aproximação em
relação a discussões relativas à Natureza da Ciência.
111

Partindo de situações que envolvem objetos comuns da vida cotidiana, os


alunos, por aproximação, vislumbram um pouco do trabalho e dos problemas
enfrentados pelos personagens históricos incluídos nas narrativas histórico-
filosóficas. Essa soma de fatores busca envolver o aluno, levá-lo a se conectar com
um contexto de problemas por vezes esquecidos no ensino canônico do tema
“pressão atmosférica”. Ao longo desse processo, os estudantes podem apresentar
suas próprias explicações para determinados fenômenos físicos cotidianos, o que
possivelmente, como na aplicação realizada, traz à tona a manifestação de
concepções alternativas. No decorrer das etapas da sequência didática,
paulatinamente, as explicações científicas atuais são introduzidas de maneira
contextualizada, como alternativa e possibilidade de interpretação coerente para as
situações discutidas.

Para esse processo dialógico, tomam-se como inspiração teórica os três


momentos pedagógicos (Muenchen; Delizoicov, 2012). O primeiro momento é
fundamentado na exposição das concepções prévias dos alunos a partir do trabalho
com situações-problema. O aluno pode tomar consciência do seu próprio
conhecimento. O professor, por sua vez, pode tomar conhecimento das concepções
prévias dos alunos, de modo a interagir adequadamente (de acordo com a realidade
constatada) nas etapas subsequentes da intervenção didática. Ao longo do trabalho
com as narrativas, pode, por exemplo, utilizar trechos específicos de modo a
relacionar (guardadas as devidas diferenças) tais concepções alternativas a teorias
científicas do passado. Dúvidas manifestadas pelos estudantes podem ser um ponto
de partida para a construção do conhecimento.

As narrativas histórico-filosóficas, acompanhadas de questões associadas,


compõem um conjunto integral para a compreensão de elementos do
desenvolvimento histórico do conceito de pressão atmosférica e para a discussão
contextualizada sobre a Natureza da Ciência. Os textos foram elaborados de modo
que, durante as atividades de leitura e discussão, o aluno seja uma figura ativa na
construção de seu próprio conhecimento, interagindo com os próprios textos e com
os componentes dos grupos. A colaboração, notadamente evidenciada no trabalho
de diversos personagens históricos na construção do conhecimento físico, é também
um aspecto central na dinâmica de aplicação da sequência de didática com a
formação de grupos de discussão.
112

O produto educacional proposto não se caracteriza como um manual rígido a


ser seguido à risca pelo professor. Cada profissional educador encontra-se inserido
em um diferente contexto de ensino, com especificidades, limitações e obstáculos
próprios. Consciente do seu contexto escolar, o professor poderá fazer as
adaptações necessárias ao atendimento dos seus alunos.

A interação entre os alunos e entre esses e o professor foi elemento central


na aplicação do produto educacional realizada no Colégio Estadual do Atheneu
Norte-Riograndense. No decorrer da aplicação, as dúvidas manifestadas pelos
alunos oportunizavam o diálogo com o professor. Interesse e receptividade podem
ser notados no relato apresentado nessa dissertação. A abordagem foi bem
recebida pelos alunos, que se mostraram atuantes em grande parte do tempo.
Alguns chegaram a relatar que estavam gostando das aulas, outros falaram de sua
preferência por esse tipo de abordagem. Como demonstrado no item 5. 2
Comentários sobre respostas, dinâmica e interação dos alunos, os alunos
experimentaram uma mudança na visão de ciência que vinham demostrando até a
utilização das narrativas histórico-filosóficas, posteriormente passaram a descrever
uma ciência mais humanizada construída coletivamente, passiva de dilemas e com a
provisoriedade do conhecimento. Lá também encontramos as evidências do
abandono e/ou mudanças das CAs, como pretendido, resultando na adoção do
conceito de pressão atmosférica na interpretação da situação-problema utilizada na
terceira etapa da aplicação, como relatado anteriormente. Por fim, a aplicação
mostrou-se satisfatória no que diz respeito ao ensino sobre a Natureza da Ciência e
o conceito de pressão atmosférica.
113

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APÊNDICE 1 - PRODUTO EDUCACIONAL – VERSÃO DO PROFESSOR


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APÊNDICE 2 - PRODUTO EDUCACIONAL – VERSÃO DO ALUNO


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