Você está na página 1de 9

WHISTLEBLOWER

O DENUNCIANTE NO DIREITO PENAL


ANDRÉ PAULO ANTUNES FONTES

ELABORAÇÃO DE ENTRADA PARA ENCICLOPÉDIA JURÍDICA NO ÂMBITO DA


CADEIRA DE INTRODUÇÃO À METODOLOGIA CIENTÍFICA II

ESPECIALIDADE DE DIREITO PENAL

REGÊNCIA PELA PROFESSORA DOUTORA ANA ISABEL CRUZ SOARES PINTO

LISBOA
2022
WHISTLEBLOWER
O DENUNCIANTE NO DIREITO PENAL
ANDRÉ PAULO ANTUNES FONTES

ELABORAÇÃO DE ENTRADA PARA ENCICLOPÉDIA JURÍDICA NO ÂMBITO DA


CADEIRA DE INTRODUÇÃO À METODOLOGIA CIENTÍFICA II

ESPECIALIDADE DE DIREITO PENAL

REGÊNCIA PELA PROFESSORA DOUTORA ANA ISABEL CRUZ SOARES PINTO

LISBOA

2022

2
Índice

Introdução ..................................................................................................................................4
I. O Conceito de whistleblower em Direito Penal ..................................................................5
1. Origem histórica .............................................................................................................5
Conclusão ....................................................................................................................................8
Bibliografia .................................................................................................................................9

3
Introdução
Se os estrangeirismos sempre fizeram parte do dialeto português, mais complexos se
tornam quando inexiste uma tradução direta para a nossa língua portuguesa. Ao longo dos
últimos anos, vários foram os juristas que escreveram sobre a questão relativa ao
whistleblowing, que ora pretendemos definir no campo do direito penal.

Ao longo do presente estudo, pugnamos responder às presentes questões, a saber, a


origem histórica do termo, como o definir em abstrato, como o mesmo se compatibiliza
e, quiçá, se reproduz na nossa lei penal e, por último, como esta lei penal poderia
eventualmente ser aprimorada a fim de melhor transpor a ideia subjacente ao
whistleblowing.

4
I. O Conceito de whistleblower em Direito Penal

“Whistleblower”, termo não diretamente reconhecido pelo legislador penal português,


mas amplamente adotado pela doutrina nacional e internacional, poder-se-á traduzir para
a expressão portuguesa “denunciante anónimo”, conforme atual redação do n.º 6 do Art.º
246.º, do Código de Processo Penal.

1. Origem histórica
A sua origem remonta ao século XIX, nos Estados Unidos da América, durante a Guerra
Civil, encontrando-se plasmado na lei False Claims Act, datada de 1863. A fim de
proteger entidades públicas alvo de fraude, podiam os particulares interpor ações, em seu
nome mas no interesse daquela entidade pública1, recompensando-se o denunciante no
valor de uma percentagem dos valores ilícitos recuperados2.

Em suma, independentemente do ramo do Direito, contornos e mecanismos propostos,


poder-se-á parafrasear NUNO BRANDÃO quando descreve o whistleblower como
aquele sujeito que “sinaliza um comportamento ilegal ou irregular ocorrido no quadro de
uma organização, pública ou privada, com a qual tem ou teve algum vínculo”3.

2. Enquadramento no sistema penal português

Com base na génese da supracita delimitação, bem como nos casos paradigmáticos da
América do Norte que cunharam o termo, afigurar-se-ia o whistleblower como
denunciante lato sensu, pese, no entanto, que a componente de anonimato, enquanto
proteção da privacidade do denunciante como meio de o proteger de eventuais represálias,
se demonstra essencial para efeitos da aplicabilidade deste mecanismo no nosso
ordenamento jurídico4.

1
Cf. BRANDÃO, Nuno, “O whistleblowing no ordenamento jurídico português”, Revista do Ministério
Público 161, 2020, p. 100.
2
Cf. SIMÕES, Sandra H. V. M. M., “Crime de Corrupção – algumas especificidades da sua investigação
– Denúncia anónima e Whistleblowing”, Dissertação de Mestrado, FDUL, 2016, p. 34.
3
BRANDÃO, Nuno, “O whistleblowing…”, p. 99.
4
Cf. Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, disponível em: https://eur-
lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019L1937&from=en. Consultado a 14/06/2022.

5
A lei penal tardou em adotar um regime de anonimato para a pessoa do denunciante,
potencialmente numa tentativa do legislador português de se afastar da tradição do Estado
novo da figura do informador5. Só pela Reforma de 2007 foi aditado, através dos ns.º 5,
6, e 7, ao Art.º 246.º, do CPP, o mecanismo de denúncia anónima que, a bom rigor, não
se poderá considerar uma verdadeira denúncia à luz do postulado no preceito, faltando
justamente o requisito geral de identificação, previsto no seu n.º 2.

Deste modo, resulta que a denúncia anónima não poderá originar em si mesma a abertura
de Inquérito, para tal estando adstrita à verificação alternativa dos pressupostos
plasmados nas als. a) e b), do seu n.º 6, a saber, “Dela se retirarem indícios da prática de
crime; ou Constituir crime”. Noutros termos, requer-se que o Ministério Público aprecie
e valore o teor da denúncia anónima, concluindo da mesma se retirar, ou não, uma notícia
de crime6.

3. Questões jus-doutrinárias relativas à figura do whistleblower no CPP

Numa perspetiva jus-doutrinária, vários problemas são suscitados pela forma como a
figura do whistleblower – de forma manifestamente indireta e sem clara tradução por
parte do legislador – é regulada na lei processual penal portuguesa.

Dado o receio do denunciante em vir a ser alvo de represálias, a figura assume especial
relevo no despoletar de processos-crime relativos a corrupção, tendo-se traduzido no meio
que deu início a 31,4% de todos os processos relativos aos crimes de corrupção,
participação económica em negócio e peculato no ano de 2010, segundo relatório do
ISCTE/PGR7. Ainda assim, a verdade é que a sua previsão legal não sofreu qualquer
alteração por via da Lei n.º 94/2021, que veio aprovar medidas previstas na Estratégia
Nacional Anti-Corrupção, alterando e aditando amplamente o Código de Processo Penal.

Mais concretamente, uma possível crítica a apontar ao regime deriva da própria


manutenção da conceção de anonimato, contraposta ao caminho para a confidencialidade
dos dados do denunciante que assim queira, passível de alcançar através da garantia de

5
Cf. SIMÕES, Sandra, “Crime de Corrupção…”, p. 44.
6
AGOSTINHO, Patrícia N., “Notícia do crime ou notícia de crime – o caso particular das “denúncias”
anónimas”, Revista do CEJ, n.º 1, 2020, p. 67.
7
Cf. SIMÕES, Sandra, “Crime de Corrupção…”, p. 49.

6
normas de proteção de dados, defendida na Deliberação n.º 765/2009, da Comissão
Nacional de Proteção de Dados, com caráter geral8.

Tal alteração permitiria, em concreto, o acompanhamento pelo denunciante do andamento


do processo que, uma vez realizado, deixará de saber se daquela se veio a despoletar
(indiretamente) Inquérito9, problema especialmente marcado quando, em caso de não se
verificar qualquer dos pressupostos do n.º 6, do Art.º 246.º, CPP, a denúncia é destruída,
conforme n.º 7. Por último, a mudança de paradigma na forma como a privacidade do
denunciante é assegurada conduziria ainda a que a posição do whistleblower se
materializasse numa verdadeira denúncia, independente da verificação de quaisquer
pressupostos díspares à denúncia assinada e, eventualmente, acompanhada da vontade de
constituição como Assistente, conforme atualmente se verifica para o regime de
anonimato.

8
Cf. SIMÕES, Sandra, “Crime de Corrupção…”, p. 48.
9
BRANDÃO, Nuno, “O whistleblowing…”, p. 106.

7
Conclusão
Em sede de Direito Penal, largas vezes o despoletar de processos-crime depende da
denúncia de quem, não tendo o dever de o fazer, entende ainda assim comunicar a situação
de delito às autoridades competentes. Não menos estranho é que, quem o faz, receia
legitimamente vir a sofrer represálias por parte daqueles visados como agentes
criminosos.

Competirá, sem dúvida, ao Estado providenciar que, por um lado, seja possível
prosseguir, investigar e combater o crime através de denúncias; por outro, assegurar a
segurança do denunciante face a eventuais tentativas de retaliação que, existindo espaço
às mesmas, coagirão o denunciante a não participar o ilícito.

Se o estrangeirismo que aqui procurámos sucintamente definir é amplamente acolhido


junto da doutrina, por clara influência do direito internacional, não é fácil encontrar uma
clara tradução que o enquadre, no âmbito do direito nacional, com a atual redação aposta
pelo legislador aos tipos de denúncia previstos no CPP.

Assim, não só o tema teve origem nos Estados Unidos da América, como é amplamente
abordado em sede de Direito da União Europeia enquanto um mecanismo de denúncia de
ilícitos por terceiros com ou sem ligação ao agente criminoso, pressupondo um dever
estadual de proteção do denunciante. Por fim, a lei nacional peca pela simplicidade e
subordinação do mecanismo, através do regime de denúncia anónima, à apreciação pelo
Ministério Público, podendo a mesma ser descartada sem meio de permitir ao denunciante
de exercer o contraditório ou tão pouco conhecer do movimento do processo.

8
Bibliografia

AGOSTINHO, Patrícia N., “Notícia do crime ou notícia de crime – o caso particular das
“denúncias” anónimas”, Revista do CEJ, n.º 1, 2020.

BRANDÃO, Nuno – “O whistleblowing no ordenamento jurídico português” . In: Revista do


Ministério Público 161. 2020, pp. 99-113.

GONÇALVES, Maria Maia – “Código Penal Português – Anotado e comentado – Legislação


complementar”. Coimbra: Almedina Editora, 2005.

SIMÕES, Sandra H. V. M. M., “Crime de Corrupção – algumas especificidades da sua


investigação – Denúncia anónima e Whistleblowing”, Dissertação de Mestrado, FDUL, 2016.

Você também pode gostar