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A parte II contém diálogos sobre diálogos, O que acontece quando, removidas as barreiras

isto é, reflexões sobre os diálogos entre entre terapeutas e clientes, todos participam
clientes, terapeutas e equipes de consultoria, Um aplauso antecipado para PROCESSOS REFLEXIVOS de um diálogo sobre mudança e até mesmo
que distinguem esta inovadora abordagem de terapeutas e clientes trocam de lugares? Este
terapia. À medida que os papéis são trocados livro conta como se dá este processo que muda
e os participantes oferecem definições do Se você estiver preparado para introduzir algum frescor e papéis, regras e expectativas da terapia.
problema e possíveis soluções, ficam abaladas emoção em sua prática clínica, este é seu livro. Processos
algumas ideias tradicionais sobre um estudo reflexivos expõe o desenvolvimento, a teoria e a aplicação Operando dentro do formato do reflecting
de caso. Os leitores perceberão que esta de uma alternativa poderosa para a terapia de família team, profissionais encontram seus clientes
nova perspectiva estimulará seus próprios vigente atualmente. O “convite” à família para participar sem hipóteses prévias. Juntos eles se engajam
pensamentos sobre terapia, possibilitando-lhes numa conversa que se torna uma busca pelo
da terapia transfere a terapia do “fazer para” para o
trilhar novos caminhos. ainda-não-visto, pelo ainda-não-pensado, e
“fazer com”, tornando-a um projeto conversacional e
por compreensões alternativas do que tenha
colaborativo.
Como esta abordagem está em evolução, o sido definido como problemático. À medida
Processos reflexivos descreve a essência dessa mudança
autor acrescentou, no último capítulo, mais que clientes e terapeutas trocam de lugares
um epílogo aos epílogos da edição norte- revolucionária na prática e na teoria da terapia de família. e vários membros do grupo participam da
americana. É leitura obrigatória para todos os clínicos. conversa, ampliam-se as possibilidades de
Harold A. Goolishian, Ph.D. mudança.
Tom Andersen, psiquiatra, foi professor do
Institute of Community Medicine, University Este livro descreve a evolução dessa estratégia
of Tromsø, Noruega, além de conferencista em Tromsø, Noruega. A primeira parte começa
internacional. Esteve no Brasil - Rio de Janeiro com a descrição do setting onde se desenvolveu
e São Paulo - em abril de 1995, onde ministrou o reflecting team, sua história e sua evolução.
workshops e prestou consultoria a profissionais A seguir são detalhados conceitos básicos e
de terapia de família. considerações práticas.

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2ª edição ampliada

Tradução
Rosa Maria Bergallo

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ITF-RJ | NOOS

Copyright © 1991 Tom Andersen

Todos os direitos reservados. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume


no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, me-
cânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão ex-
pressa da editora.

Produção editorial: Anna Carla Ferreira


Revisão: Aline Canejo, Amanda Simões e Roberta Fernandes
Capa: Claudia Solano
Diagramação e projeto gráfico do miolo: Abreu’s System

A544p Andersen, Tom

Processos reflexivos / Tom Andersen; tradução: Rosa Maria


Bergallo. Rio de Janeiro: Instituto Noos: ITF, 2002. 2ª edição

ISBN: 978-85-86132-03-2
Tradução de: Reflecting team: dialogues and dialogues about
the dialogues
Inclui bibliografia

1. Psicoterapia familiar. 2. Equipes de assistência em saúde


mental. 3. Comunicação na psicologia. I. Instituto de Pesquisas
Sistêmicas e Desenvolvimento de Redes Sociais. II. Instituto de
Terapia de Família. III. Título.

CDD-616.89156

Instituto Noos – Instituto de Pesquisas Sistêmicas e Desenvolvimento de Redes Sociais


Rua Álvares Borgerth, 27 – Botafogo – 22270-080
Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Tel.: (21) 2197-1500
www.noos.org.br
noos@noos.org.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

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dedicado
às montanhas vibrantes
à mística da luz
ao sopro dos ventos e
à alegria da água jorrando

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Sumário

Prefácio no ano de dois mil e dois 9


Tom Andersen

Apresentação à edição brasileira 13


Teresa Cristina Diniz

Prefácio à edição americana 15


Jürgen Hargens

Introdução 17
Agradecimentos 21

Parte 1
A equipe reflexiva

O contexto e a história da equipe reflexiva 25


Conceitos básicos e construções práticas 40
Diretrizes para a prática 73

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Parte 2
Diálogos sobre os diálogos

Mike e várias definições de um problema 109


Falando sobre abandonar, ser abandonado e ser
excluído: quatro conversas reflexivas 118

Parte 3
Epílogos

Epílogo I: Terminar este livro é um novo começo 145


Epílogo II: Reflexões sobre o livro dois anos mais tarde 153
Epílogo III: Reencontro com o livro em 1994;
seis anos depois 165
Uma colaboração de algo chamado psicoterapia 198

Bibliografia 223

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Prefácio no ano de dois mil e dois

E ste livro foi traduzido para nove línguas, sendo uma


delas o português. A princípio, essa grande divulga-
ção foi uma enorme surpresa para mim. Mas, com o passar do
tempo, entendi que não somente a simplicidade das conversas
reflexivas como também a filosofia correspondente são uma
alternativa para a maior parte das psicoterapias.
A simplicidade está no fato de que o terapeuta concentra-
-se em receber o que o Outro deseja que ele receba. O terapeu-
ta repassa, então, para o Outro o que aconteceu com ele ao
receber o que o Outro lhe passou. O que poderia receber do
Outro são todas as suas expressões, palavras, sorrisos, olhares,
apertos de mão, emoções etc.
Esta simples modalidade terapêutica deixa de lado todos
os tipos de atividades instrutivas, que são tão comuns nas ou-
tras modalidades terapêuticas.
A filosofia baseia-se na ideia de que nós, seres humanos,
vivemos, antes de tudo, como participantes em relação com os
outros. Nesta função de participantes, o que fazemos, por
exemplo, o falar, não só nos conecta aos outros, aquilo que ex-

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pressamos pela fala também cria um significado e informa a
nós e aos outros. Acima de tudo, o que expressamos molda
nossa vida e nosso entendimento.
Esta filosofia é um tanto diferente da suposição básica an-
terior, cuja ideia era que aquilo que a pessoa diz e faz vem de
dentro dela, de uma essência interior e que a linguagem trans-
fere passivamente os pensamentos de uma pessoa para a outra.
Uma vez que tanto esta modalidade de trabalho como
sua filosofia têm sido aplicáveis em tantas circunstâncias dife-
rentes, prefiro, agora, chamar o livro de “Processos Reflexivos
Abertos”.*
Em primeiro lugar, fiquei surpreso pelo fato de que paí-
ses que estiveram sob regimes opressores fossem tão atraídos
por conversas reflexivas abertas. Agora compreendo que essas
conversas abertas abrangem não somente uma abertura como
também igualdade e solidariedade, que são elementos de natu-
reza política.
Muitas outras terapias incluem controle e poder, elemen-
tos políticos diferentes dos citados anteriormente.
Os terapeutas que se engajam nas conversas reflexivas
abertas são, antes de tudo, incentivados a desenvolver a capa-
cidade de sentir os relacionamentos em seus corpos. A capaci-
dade de compreender e explicar racionalmente também é ne-
cessária, mas vem em segundo e terceiro lugares depois dessa
aptidão em experienciar no corpo.
Para aprender a sentir no próprio corpo, enfatizo a neces-
sidade de se expor à realidade para uma experiência com o
próprio corpo. Ler e pesquisar também são importantes, mas
vêm em segundo e terceiro lugares.

* N.E. Por se tratar de uma reedição, ficamos impossibilitados de atender ao


desejo do autor.

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Uma parte da realidade que foi estimulante, deixando
boas e agradáveis lembranças, foi a visita ao Brasil. As discus-
sões criativas com diferentes plateias brasileiras e o trabalho
com as equipes locais foram de inestimável valor. Em São Pau-
lo, aprender com Marília de Freitas Pereira, Celia Bernardes,
Maria Cecília Barbas e Helena Maffei Cruz a forma como tra-
balhavam com pessoas sem teto, e a sensibilidade de Paula
Ayub e suas companheiras interagindo com crianças autistas e
suas famílias foram experiências de enorme significado para
mim. Essas experiências são apenas dois exemplos entre mui-
tos outros.
E, certamente, ouvir durante as noites o quebrar das on-
das nos mares brasileiros, ver, por toda a parte, os sorrisos aco-
lhedores das pessoas, sentir a brisa agradável do Brasil, sabore-
ar a caipirinha, ficar emocionado com a proximidade das
atentas plateias brasileiras, todas essas experiências consolida-
ram-se fortemente em partes muito, muito ricas da minha
vida.
E o inesquecível! Na conferência do Rio de Janeiro, em
2002, na qual Peggy Penn, Gianfranco Cecchin e eu falamos,
tive de sair uma hora antes do final. Quando disse adeus, 300
pessoas se levantaram e cantaram “Trem das Onze”, meu sam-
ba favorito!
A emoção foi tão grande que acabei chorando.
No caminho para o aeroporto, minha mãe que morreu há
12 anos, e costumava ser muito crítica, reapareceu e me disse:
“Você fez um bom trabalho no Brasil!”

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Apresentação à edição brasileira

A s ideias de Tom Andersen vêm influenciando nosso


trabalho clínico desde 1990, quando, pela primeira
vez no Instituto de Terapia de Família – RJ, uma equipe de te-
rapeutas compartilhou suas reflexões enquanto a família que
estava sendo atendida observava através do espelho unidire-
cional. A repercussão desta troca de lugares levou-nos a pro-
curar subsídios teóricos que dessem conta de explicar as mu-
danças que ocorreram no sistema e no processo terapêutico a
partir daquele episódio.
Em 1991, a publicação da edição norte-americana de Re-
flecting team, dialogues and dialogues about dialogues possibi-
litou-nos também experimentar e desenvolver essa nova for-
ma de estar na clínica em contextos de aulas, supervisões,
treinamento de alunos e consultorias a grupos de trabalho de
outras áreas profissionais.
O desejo de trazer Tom Andersen ao Brasil concreti-
zou-se em março de 1995. Pudemos vivenciar a potência de
suas intervenções respeitosas e firmes na consultoria que ele
prestou a uma equipe multidisciplinar que viu as questões

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formuladas no pedido inicial se dissolverem ao final do
processo.
Apesar das enormes diferenças de língua, país, clima,
cultura, Tom Andersen conseguiu comunicar-se conosco com
incrível facilidade. A simplicidade de sua fala vai desvelando a
complexidade de seu pensamento; e a maturidade de sua prá-
tica o leva a formular suas articulações teórico-clínicas numa
linguagem que induz à reflexão, ao diálogo e ao metadiálogo.
A impossibilidade de conseguirmos um(a) tradutor(a)
do norueguês, como queria Tom Andersen, levou-nos a utili-
zar a edição norte-americana como texto-base. Procuramos,
no entanto, preservar ao menos o sotaque de seu inglês-norue-
guês, como diz Jürgen Hargens no Prefácio mantido nesta edi-
ção. Para isto, solicitamos à tradutora que tentasse ser o mais
fiel possível à sua forma original e peculiar de expressão mes-
mo em detrimento de construções mais elegantes de nossa lín-
gua escrita.
Esta edição brasileira recebeu o título de Processos reflexi-
vos por recomendação do autor que assim prefere nomear seu
trabalho atual. Alguns capítulos da edição americana foram
retirados e um novo capítulo final foi adicionado. Nele, o autor
expõe as mudanças que, nos últimos anos, ocorreram em sua
prática, descrevendo os processos que o levam a formular no-
vas ideias, novas questões, novas posturas, novos... novos...
deixando abertas as possibilidades para novos capítulos finais.
Sempre em busca de diferenças que façam diferença.

Teresa Cristina Diniz


Rio de Janeiro, junho de 1996

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Prefácio à edição americana

D evo agradecer a Tom Andersen sua boa vontade em


escrever esta história sobre a equipe reflexiva – uma
abordagem terapêutica que se tornou bem conhecida em todo
o mundo. Algumas vezes, a concepção de equipe reflexiva foi
interpretada como um “método”, mas Tom Andersen torna
muito claro que é uma maneira de pensar. Esta(Sua) maneira
de pensar leva inevitavelmente a esse tipo de prática, que é jus-
tamente uma forma de colocar em ação as ideias sistêmicas. As
ideias mudam com o passar do tempo e com as diferenças cul-
turais. Tom deixa isso claro.
O contexto norueguês parece ser uma fonte da maior im-
portância para o desenvolvimento da equipe reflexiva. Sendo
assim, sou grato a Tom por ter escrito sobre o contexto de seu
trabalho – a Noruega e seu background político e de saúde
mental. Fazendo isso, ele traz à tona, passo a passo, a evolução
de seu pensamento.
Tom enfatiza que as ideias não são “dele”, mas que fazem
parte da evolução de um grupo de pessoas em constante muta-
ção. E, exatamente dessa maneira, ele vai revelando a história

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– é uma narrativa fortemente vinculada a seu contexto. Gosto,
portanto, da maneira como Tom conta a história e não tentei
mudar o seu “inglês norueguês” para qualquer outro tipo de
“inglês”; assim, um sabor especial da equipe de TromsØ e de
sua maneira de trabalhar foi preservado.
Em suas viagens, Tom participou da evolução da equipe
reflexiva em outros países, principalmente nos EUA. Não exis-
te nem a maneira correta nem a errada de trabalhar; existe tan-
to uma maneira quanto outras. Tom reflete sobre nossa lingua-
gem – do “nem... nem” para o “tanto... quanto” –, devolvendo
aos usuários sua competência e conhecimento. Para mim, esse
modo de pensar-trabalhar encerra um profundo respeito pelas
pessoas baseado em alguma forma de ética – uma questão fre-
quentemente negligenciada ou omitida quando se trabalha
“dessa maneira”.

Jürgen Hargens

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Introdução

Q uando Jürgen Hargens me pediu que escrevesse este


livro, o espírito de aldeão que vive fortemente em
cada norueguês replicou na hora: “Você não é capaz de fazer
isso!” E, como sempre, a tendência era concordar. Quando
essa insinuação do espírito de aldeão de alguma maneira foi se
esvanecendo, veio à minha cabeça um conto de fadas norue-
guês, um conto do qual todos os noruegueses gostam. Essa
história, como todas as outras norueguesas, muda conforme a
pessoa que a conta.
É sobre um rei e sua filha, a princesa, de quem ele gostava
muito e tinha orgulho de sua beleza e sabedoria. Do que ele
mais gostava era seu riso, impossível de definir, mas muito
prazeroso. Um dia, ela não pôde mais rir. O rei, desesperado,
prometeu uma recompensa a quem a fizesse rir de novo. A
recompensa poderia ser grande ou pequena, mas, até então,
era desconhecida. No entanto, aqueles que tentavam mas não
conseguiam fazê-la rir tinham as costas cortadas e salgadas.
Muitos jovens vieram ao castelo para tentar. Entre eles,
estavam três irmãos, Per, Pal e Espen Askeladd. Os dois pri-

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meiros nomes são, de alguma forma, internacionais, Per (Pe-
dro) e Pal (Paulo), mas Espen é puramente norueguês. O so-
brenome Askeladd traduz-se para o inglês como Ash-twaddler
(ash = cinzas e twaddler = que fala ou escreve coisas sem sen-
tido). Espen Ash-twaddler. Tinha esse nome porque gostava
de passar seus dias sentado em frente à lareira brincando com
as cinzas e pensando. Seus irmãos, mais eficientes, zombavam
dele constantemente por causa de sua mania. Antes de os dois
irmãos, Per e Pal, partirem para o castelo, eles treinaram bas-
tante: Per leu um livro enorme de direito e Pal leu também
outro livro enorme no qual aprendeu todas as palavras
latinas.
Ficaram atônitos quando viram Espen os seguindo. “Vol-
te para casa!”, gritaram, “você nunca vai conseguir!” Espen,
ignorando as advertências dos irmãos, olhava em volta com
curiosidade, como sempre fazia. Quando seus olhos bateram
numa asa de corvo, gritou para seus irmãos: “Achei, achei,
achei uma asa de corvo.”
“Joga fora”, disseram.
“Não. Nunca se sabe para o que pode servir!”, respondeu,
guardando a asa no bolso.
Não se passara muito tempo e ele gritou de novo: “En-
contrei, encontrei um sapato velho!”
“Joga fora,não serve para nada”, disseram.
Mas Espen pôs no bolso, dizendo “nunca se sabe”.
Gritou pela terceira vez: “Achei, achei um pedaço de argi-
la vermelha!”
“Ufa, joga fora”, falaram de novo, mas Espen pôs a argila
no bolso dizendo “nunca se sabe”.
Per foi o primeiro a entrar no castelo e encontrar a prin-
cesa. Disse “está quente aqui”. “Está mais quente no forno”, res-
pondeu ela. Per, confuso, não conseguia falar e aconteceu o

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inevitável, cortaram suas costas e as salgaram. Pal, também con-
fuso, disse a mesma coisa e, enquanto tropeçava nas palavras, foi
levado, tendo, também, suas costas cortadas e salgadas.
Quando Espen entrou e disse o mesmo, a princesa tam-
bém respondeu da mesma forma, mas Espen retrucou: “Óti-
mo, então posso cozinhar minha asa de corvo.” “Como você
vai cozinhar a asa?”, ela perguntou. Tirando o pedaço de argila
do bolso, disse: “É só envolver a asa com isto!” “Mas a gordura
vai pingar para fora”, ela disse. “Não”, falou Espen, “vou reco-
lher a gordura naquilo”, e apontou para o sapato velho.
A princesa, estarrecida, começou a rir, como também o
rei e seus criados. E assim como tinha sido prometido, Espen
Ash-twaddler foi recompensado.
Em algum momento inespecífico entre o “Não” definiti-
vo e o “Nunca se sabe”, disse sim para Jürgen.
Nas páginas que se seguem, será dado ao leitor em pri-
meiro lugar um esboço resumido do contexto em que traba-
lhamos e vivemos. Isso inclui uma breve revisão geral da for-
ma como os serviços de saúde, principalmente os de saúde
mental, são organizados.
Depois, o leitor será informado sobre nossa maneira de
pensar e trabalhar. Esta abrange uma constante interação entre
o que aprendemos lendo o que os outros escreveram, ouvindo
e observando o que os outros disseram e fizeram durante uma
terapia e como, com o passar do tempo, tudo isso vai nos trans-
formando até o que somos agora.
Após esse conto, segue-se um resumo de como organiza-
mos nosso trabalho.
Finalmente, por meio de sketches e relatos clínicos, o lei-
tor terá a oportunidade de familiarizar-se com a maneira como
nossas ideias foram postas em prática, durante o exercício de
nosso trabalho.

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O capítulo “Mike e várias definições de um problema”
apresenta uma consulta com um sistema do qual fazia parte
um casal e um clínico geral (CG). O CG e eu formamos uma
equipe para refletir sobre as várias definições dos problemas
no sistema.
O capítulo “Falando sobre abandonar” contém transcri-
ções e resumos de uma reunião para que o leitor possa acom-
panhar a conversa, quase palavra por palavra, e verificar como
os diversos diálogos durante o encontro refletem-se uns nos
outros.
No primeiro epílogo, discuto as mudanças que já ocorre-
ram desde o momento em que comecei a escrever este livro.
Suplementarmente, incluo algumas ideias sobre a possível
evolução da equipe reflexiva.

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Agradecimentos

O leitor logo notará que as ideias e a prática estão algu-


mas vezes relacionadas conosco (nós) e algumas ve-
zes comigo (eu). Uso “nós” reportando-me à minha percepção
de que as ideias e a prática surgiram de um pensamento e tra-
balho em comum representado pelo meio cultural de TromsØ.
Algumas pessoas foram tão importantes para o desenvolvi-
mento deste projeto que gostaria de citar seus nomes. Esse grupo
encontrava-se todas as quintas-feiras pela manhã, entre 9 e 12
horas, para trabalhar e debater assuntos. As pessoas que forma-
vam esse grupo são as seguintes (listadas em ordem alfabética de
acordo com o sobrenome): John Rolf Ellila, Anna Margrete Flám,
Per Lofnes, Tivadar Scuzs, Finn Wangberg e Knut Waterloo. Ou-
tro grupo encontrava-se às quintas-feiras na parte da tarde, entre
13 e 16 horas, e dele faziam parte: Eivind Eckhoff, Anna Margrete
Flám, Magnus Hald e Elsa Stiberg. Eu também fiz parte dos dois
grupos, que começaram ao mesmo tempo, em janeiro de 1984.
O trabalho de datilografia de Sissel Falch Andersen pres-
tou uma enorme ajuda tornando o livro apresentável. Agrade-
ço a ela de todo o coração por seu trabalho.

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Sou também muito grato a William Lax, que me ajudou a
corrigir o texto em inglês.
O que ofereço ao leitor são as peças coletadas durante
nossa caminhada – peças que resultaram da interação entre o
que lemos, o que observamos na atuação de outros clínicos e o
que surgiu do nosso próprio pensamento e prática, gerado in-
tuitivamente. Pode ser que o leitor, caminhando conosco en-
quanto lê este livro, encontre algo para guardar que possa ser
utilizado posteriormente de forma diferente daquela que foi
usada por nós.

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PARTE
1

A Equipe Reflexiva

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O contexto e a história
da equipe reflexiva

Noruega e Noruega do Norte

N osso país é longo e estreito como o ramo de uma ár-


vore. Curva-se ligeiramente em direção ao leste e
está localizado entre os paralelos 58 e 71 de latitude norte.
Na realidade, é uma distância tão longa quanto a que vai
da fronteira do Canadá à do México, ou de um comprimento
quase igual ao do Japão. Se o topo do país fizesse uma rotação
tendo como pivô o extremo sul, chegaria a alcançar Roma.
A terra é dividida pelo Círculo Ártico a 66 2/3 graus de
latitude norte. A parte ao norte é a Noruega do Norte.
A Noruega tem quatro milhões de habitantes; desses, três
e meio milhões vivem ao sul do Círculo Ártico, enquanto meio
milhão vive na parte ártica setentrional. O país está dividido
em 20 condados; três deles estão ao norte: Finnmark, Troms e
Nordland. Cada condado subdivide-se em comunidades. A
Noruega tem 454 comunidades, sendo 99 em sua parte norte.
A principal fronteira da Noruega é com a Suécia. Limita-
-se ao norte com a Finlândia e também divide uma parte de

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sua fronteira com a Rússia. A parte costeira é aberta para o
Mar do Norte ao sul e o Mar Ártico ao norte. A costa é rasgada
por fiordes profundos. Do litoral para dentro, a terra ao sul
apresenta vales enormes e abertos, onde cresce a maior parte
de nossa vegetação típica. Ao norte, a região é montanhosa e
em diversos pontos o mar chega diretamente até o sopé das
montanhas, limitando a possibilidade de as plantas
crescerem.
A Corrente do Golfo, que começa no Golfo do México,
cruza o Atlântico e varre a costa norueguesa em direção norte,
aquecendo toda a Noruega. Nossos verões podem ser suaves e
ensolarados e nossos invernos não são tão rigorosos quanto os
do Canadá e do Alasca, embora a Noruega esteja mais ao norte
que essas áreas.
Uma grande diferença entre o sul e o norte da Noruega é
a mudança de luz do verão para o inverno. O sul é mais ou
menos europeu, tendo os dias uma duração normal. Ao norte,
no entanto, há dois meses de claridade e dois de escuridão.
Quando as estações mudam, a luz passa do dourado quente do
verão para o azul acinzentado profundo e intenso do período
mais escuro. O sul é calmo e mais ou menos previsível, mas o
norte é muito sujeito a mudanças e bastante imprevisível. Pela
manhã nunca se sabe o que nos espera à tarde.
A escuridão e as tempestades de neve no inverno propi-
ciam muito tempo para se pensar e em seguida repensar. Ex-
cursões até as montanhas nas noites calmas de um junho ilu-
minado incentivam o desenvolvimento das ideias.
A população do norte origina-se de três grupos: os la-
pões, nômades rangíferos, que foram os primeiros; os “norue-
gueses”, imigrantes do sul; e os finlandeses, vindos da Finlân-
dia. Os finlandeses e lapões estabelecem-se mais frequentemente
no condado de Finnmark.

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No passado, o principal movimento migratório foi do sul
para o norte norueguês. Pode ser comparado à jornada para o
oeste dos primeiros colonizadores americanos. Na Noruega, as
pessoas buscavam o norte pela fartura de pesqueiros.
Durante os últimos 30 a 40 anos*, grandes mudanças
aconteceram. No passado, o transporte era feito principalmen-
te por via aquática, mas hoje as pessoas viajam com mais fre-
quência por terra ou ar. Como resultado, mudaram-se das áre-
as litorâneas para as do interior. Existe outra razão para esse
abandono do litoral que é a diminuição do peixe nas zonas
pesqueiras.
Ao norte, as pessoas vivem em pequenos lugares espalha-
dos por uma ampla área. As cidades também são pequenas, e
TromsØ, a maior, com 50.000 habitantes, é um centro para o
comércio, comunicações e educação.

O SISTEMA DE AJUDA E SEUS PROVEDORES

Os serviços sociais e de saúde são organizados de acordo com


a estrutura da sociedade norueguesa: comunidades, condados
e o Estado.
No nível da comunidade, é proporcionado o chamado
cuidado básico. Inclui os cuidados administrados por clínicos
gerais, assistentes sociais e enfermeiras da rede pública. As
pessoas que buscam uma ajuda profissional devem antes pas-
sar por essa “primeira linha” de serviços. As comunidades são
responsáveis pela organização e financiamento desses servi-
ços. O Estado também participa com um apoio econômico
considerável.

* N.E.: O livro foi publicado pela primeira vez em 1991.

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Se a “primeira linha” de cuidados considerar-se incapaz
em relação a algum caso, a “segunda linha” deve assumir o
controle da situação. Esta abrange serviços especializados, tan-
to em ambulatórios quanto em hospitais. Esses serviços são
fornecidos pelos condados, que, como as comunidades, têm o
suporte econômico do Estado.
O Estado, além de ser o supridor financeiro, também tem
a responsabilidade de aprovar os planos dos serviços de saúde
propostos pelas comunidades e condados. Isso assegura uma
uniformidade, tanto quanto possível, por todo o país. Um ter-
ço do orçamento nacional norueguês vai para os serviços so-
ciais e de saúde. Essa é uma das razões de os impostos serem
tão altos na Noruega. Mas, em contrapartida, garante a todos
atendimento gratuito nos hospitais.
Os serviços ambulatoriais, indiferentemente se de pri-
meira ou segunda linha, são em grande parte pagos por uma
companhia estadual de seguros. Ao chegar aos 67 anos, todo
norueguês receberá uma pensão, ou antes dos 67, uma pensão
por invalidez, se lhe acontecer algo que o deixe incapacitado.
Os serviços psiquiátricos pertencentes à segunda linha
estão, em sua maioria, centrados nos hospitais. Existem dois
hospitais na Noruega do Norte, um em TromsØ e o outro em
Bodo. O hospital de TromsØ serve aos condados de Finnmark
e Troms, e o de Bodo serve ao condado de Nordland. Há pou-
co tempo, foram inaugurados ambulatórios regionais das co-
munidades: três em Finnmark, quatro em Troms e sete em
Nordland. Entraram em funcionamento recentemente e ainda
estão com problemas por dificuldades com o pessoal.
As equipes dos diversos serviços psiquiátricos incluem
em seus quadros: psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais,
enfermeiras psiquiátricas e de formação tradicional, assisten-
tes na área da saúde mental, terapeutas ocupacionais e fisiote-

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rapeutas. No campo da psiquiatria, a maior parte da equipe
profissional está empregada em instituições. Seus salários são
fixos e não dependem do quanto trabalhem. Isso é experien-
ciado como uma grande liberdade que possibilita aos profis-
sionais devotar o tempo que for necessário a uma tarefa
particular.
As diversas profissões voltadas para a saúde têm, todas,
seus próprios programas educacionais de pós-graduação. Es-
ses vários programas são definidos pelos sindicatos correspon-
dentes, que também fornecem credenciais quando os requisi-
tos formais são obtidos.
Como se pode ver, a maior parte dos cuidados psiquiátri-
cos na Noruega é exercida em instituições, principalmente em
hospitais psiquiátricos. As diversas instituições (tanto hospita-
lares quanto ambulatoriais) são dirigidas por psiquiatras e ra-
ramente por psicólogos. O teor desses cuidados, definido pela
associação psiquiátrica norueguesa para seus membros, in-
fluencia significativamente o aprendizado e desenvolvimento
de todos os outros profissionais.
De acordo com a lei norueguesa, os psiquiatras exercem
um papel relevante, regularizando o costume da sociedade de
confinar pessoas com desvio de comportamento. Ambos, psi-
quiatras e psicólogos que cumpriram os requisitos formais,
podem clinicar particularmente sendo pagos pela companhia
nacional de seguros. Nenhuma das outras profissões no cam-
po da psiquiatria pode fazer o mesmo. Assistentes sociais, en-
fermeiras psiquiátricas, assistentes no campo da saúde mental,
terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas só podem trabalhar
como empregados pagos por instituições dirigidas por psi-
quiatras ou, em poucas situações, por psicólogos.
Se alguém deseja ampliar mais os serviços, para que alcan-
cem as pessoas no lugar onde moram, deve assumir a primeira

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linha com mais seriedade. Fazendo isso, o melhor seria convidar
um maior número dessas pessoas para cooperar com “os espe-
cialistas” e enfatizar o desenvolvimento de técnicas, que sejam
suficientemente fáceis para serem dominadas por aqueles que
não trabalham todos os dias com desafios psiquiátricos, e confi-
áveis o bastante para dar ajuda àqueles que a solicitaram.

NOSSA HISTÓRIA

Mesmo que tenhamos fixado 1974 como uma data base inicial,
reconhecemos que muitas ideias e experiências vinham se
acumulando antes dessa época. Nós, na maioria, não podería-
mos abandonar a premissa de que os habitantes do norte, sau-
dáveis ou doentes, possuem fortes vínculos com seu lugar de
origem. Pensávamos que os serviços deveriam ser localizados,
tanto quanto possível, dentro das regiões comunitárias e tam-
bém serem coerentes com os desafios clínicos.
Parte do nosso grupo começou a visitar as comunidades
locais e os membros de suas equipes profissionais. Comparan-
do este trabalho com aquele a que estávamos habituados nos
hospitais, logo percebemos que teríamos que dar novas dire-
trizes à maneira de trabalhar. Ficou claro para nós que muitas
pessoas, tanto parentes quanto profissionais, eram facilmente
envolvidas pelos problemas. Assim, nesse trabalho que nos es-
perava, teríamos que levar em consideração ambas as partes.

1974-78

Estávamos, portanto, bem cientes das ideias de totalidade e de


relações, quando, em 1974, começamos a nos encontrar infor-

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malmente, buscando novos modelos de pensamento e traba-
lho. Lemos vorazmente os livros de Jay Haley, Salvador Minu-
chin e os de Paul Watzlawick et al., e descobrimos com surpresa
que, em nossas experiências, púnhamos em prática as ideias
desses autores. Certamente, nossos sucessos terapêuticos,
quando ocorriam, eram poucos e sem muita repercussão, mas
suficientes para reavivar a chama do nosso interesse.

1978-84

Ofereceram-me a cadeira de psiquiatria social na Universida-


de de TromsØ. Esse fato tornou-se importante, abrindo cami-
nho para dois outros: um deles foi a organização de um grupo
formal de sete profissionais,* cujo objetivo era trabalhar em
cooperação estreita com a “primeira linha” do sistema de saú-
de em TromsØ para evitar a hospitalização de pacientes psiqui-
átricos. O outro foi a participação do mesmo grupo em um
programa educacional de dois anos sobre “terapia de família
com orientação sistêmica” sob a direção da Norwegian
Psychiatric Association e dirigida por Phillippe Caillé e seus
colegas Charlotte Buhl e Hàkon Hàrtveit. Os dois eventos vie-
ram a se tornar bastante significativos.
O projeto de organizar serviços ambulatoriais psiquiátri-
cos em cooperação direta com a “primeira linha” do sistema de
saúde foi experimental. Nós sete que havíamos tomado parte
decidimos não facilitar nada a nosso favor. Nos encontros com
os pacientes tínhamos que ir até os consultórios da primeira
linha. Trabalhando lá, pedíamos aos profissionais dessa pri-

* Esses sete profissionais eram: Siri Blesvik, MHN, Vidje Hansen, M.D.,
Odd Nilssen, M.D., e Tom Andersen, M.D

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meira linha que determinassem quais pacientes preferiam que
atendêssemos. Acrescentávamos não haver problemas em “re-
tomarem o paciente”, caso não gostassem do nosso trabalho.
Os profissionais eram convidados a participar como membros
da equipe, se acaso o desejassem. O convite, no entanto, não
representava uma exigência.
Se a hospitalização fosse uma decorrência natural desse
trabalho, o pessoal da “primeira linha” teria que tomar as pro-
vidências necessárias; se fosse pedida uma medicação, fariam
as prescrições.
A média da hospitalização declinou em 40%, comparada
a um período correspondente anterior ao projeto, e esse declí-
nio estava intimamente relacionado ao trabalho do grupo
(Hansen, 1987).
A “primeira linha” do sistema de saúde apreciou muito
essa forma de organizar a relação entre eles e nós, os “especia-
listas”. Ficaram mais informados sobre o que os especialistas
podem fazer e o que não podem. E também aprenderam mais
sobre a prática da psiquiatria. Os psiquiatras já estabelecidos
eram muito mais reservados. Quando o grupo requisitou fun-
dos para continuar o trabalho, as autoridades recusaram o pe-
dido depois de consultarem os psiquiatras do hospital. Em
pouco tempo, todos os serviços voltaram às velhas e “normais”
relações entre os que faziam atendimento geral e os especialis-
tas, o que significava um distanciamento maior e uma comu-
nicação menor.
Aprendemos muito com essa experiência. Aprendemos
que o nosso pensamento “sistêmico” deve incluir, além de nós,
a relação que temos com os outros profissionais, formando um
todo do qual já fazemos parte. Se as novas ideias vierem impo-
sitivamente de fora de um sistema, estas se desenvolverão com
dificuldade. Elas desenvolvem-se melhor se vierem junto com

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o próprio sistema que surge (neste caso, os serviços psiquiátri-
cos já estabelecidos).
Nossa crença antecipada de que a psiquiatria com base na
comunidade poderia ser uma boa solução tornou-se um casti-
go quando tivemos que terminar o projeto. Por esse motivo,
decidimos procurar outro caminho.
O já mencionado programa educacional sobre terapia de
família nos pôs em contato com algumas das pessoas que tive-
ram influência no campo da terapia de família naquela época.
Conhecemos Lynn Hoffman, do Ackerman Institute de Nova
York, Luigi Boscolo e Gianfranco Cecchin, de Milão, e P
­ hillippa
Seligman e Brian Cade de Cardiff, Wales. A nova ligação com
a abordagem de Milão trouxe um certo distanciamento dos
estilos mais estruturais e estratégicos que tínhamos tentado
aplicar. O que achávamos mais relevante no estilo de Milão era
a grande atenção dada ao processo de entrevistar que estava
em vigor e uma menor às intervenções.
Quando o grupo que trabalhou em conjunto foi se sepa-
rando aos poucos, cada um de nós continuou seu trabalho
clínico em novos ambientes, o que proporcionou a alguns
novas possibilidades de criar sistemas de trabalho. Nesse pe-
ríodo bastante desagregador, alguns do nosso grupo de sete
achavam que “sumir” seria uma boa ideia. Por esse motivo,
todos os anos em junho, começamos a organizar seminários
e optamos por lugares mais isolados, nas comunidades. Ora-
dores convidados vieram de Nova York, Milão, Canadá, Bél-
gica, Roma, Texas e, surpreendentemente, muitos profissio-
nais de toda a Noruega do Norte vieram participar.
Obviamente muitos queriam aprender mais sobre o pensa-
mento sistêmico.
A combinação entre ouvir os apresentadores convidados
durante o dia e repensar as ideias expostas durante as noites

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claras e não perturbadas por uma sociedade barulhenta pare-
cia ajustar-se muito bem aos noruegueses que participaram.

1984-87

Várias pessoas do hospital psiquiátrico de TromsØ participa-


ram dos seminários de junho, e algumas desejaram iniciar um
trabalho de equipe. Isso aconteceu em janeiro de 1984. Uma
equipe era composta de assistentes sociais, psicólogos e psi-
quiatras de uma clínica ambulatorial. A outra era composta de
jovens doutores, um assistente social e um psicólogo. Tenta-
mos trabalhar no “sistema de Milão”.
Nosso grupo, na sua maioria, encontrou-se com Cecchin
e Boscolo e os viu trabalhando. Ficamos impressionados com
a precaução tomada ao fazerem suas perguntas ou interven-
ções. Quando a equipe do Ackerman nos visitou, tivemos exa-
tamente a mesma impressão. Não só nos impressionou a gen-
tileza no trato das pessoas como também ficamos mais
conscientes da importância de dar mais atenção às perguntas
formuladas.
O próprio grupo de Milão enfatizou o significado do
questionamento (Selvini Palazzoli; Boscolo; Cecchin; Prata,
1980, p. 12):

A presente fase da nossa pesquisa nos levou a enfrentar


novo problema. Pode a terapia de família provocar uma
mudança somente por meio do efeito negentrópico de nos-
so método atual de conduzir a entrevista sem a necessidade
de fazer uma intervenção final? Esperamos que esta per-
gunta seja respondida depois que um número significativo
de terapias de família tiver sido conduzido aplicando-se o

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método, descrito acima, de entrevistar e omitir qualquer
tipo de intervenção final.

Essa foi uma questão à qual também dedicamos nossas


reflexões. Havia razões para isso, pois nossa percepção nos di-
zia que não havíamos sido bem-sucedidos na tradicional abor-
dagem de Milão. Notamos que o entrevistador quase nunca
transmitia as ideias oriundas de sua consulta com a equipe,
nem no questionamento, nem nas intervenções. E achamos
que a equipe tinha muita dificuldade em concordar com algu-
ma intervenção. Havia sempre em cada membro uma tendên-
cia a lutar por sua sugestão interventiva.
Não fomos bem-sucedidos ao tentar encontrar uma ma-
neira de remover essas dificuldades.

ALGO ACONTECEU

Durante dois ou três anos, em parceria com minha coterapeu-


ta (Aina Skorpen, MHN), andei elaborando algumas ideias
que a falta de coragem não me permitia trazer a público.
Como vimos, a sessão terapêutica era em si um processo.
E este propunha-se pôr novamente em andamento o processo
paralisado. Pensamos, portanto, que seria uma boa ideia dei-
xar o sistema “paralisado” analisar melhor o processo terapêu-
tico. O pensamento implícito era simples, pois havíamos dito
que o objetivo é importante mas não o mais importante – mais
importante é o caminho para o objetivo. Muitas vezes, alguém
fica paralisado por ser difícil ou perturbador encontrar uma
maneira de conseguir o que deseja. As pessoas “paralisadas”
dizem: “Não sabemos o que fazer”. Seria útil para aqueles que
nos consultam ver a maneira como trabalhamos quando tenta-

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mos encontrar contribuições para um novo caminho ou ou-
tros novos caminhos que nos levem ao objetivo?
Foram necessários três anos para termos coragem de
mostrar a eles nosso trabalho. Geralmente, era fácil imaginar
que, carregando tantos pensamentos desagradáveis sobre as
pessoas, poderíamos deixá-los “transparecer” se, eventual-
mente, falássemos sobre elas enquanto nos escutavam.
Consequentemente, essa ideia teve um longo período de
gestação. Um dia, porém, em março de 1985, a própria ideia
forçou o seu nascimento.
Houve uma conversa entre um jovem médico e uma fa-
mília que havia passado por um longo período de privações. A
miséria havia sido tanta e por tanto tempo que a família nada
mais sabia a não ser sobre isso. Chamamos esse médico para
conversar e sugerimos alguns temas de otimismo. Ele tornou a
encontrar a família e tentou. Mas esta facilmente o levava de
volta para o seu tema deprimente da miséria. Por mais duas
vezes, fornecemos ao médico novos temas positivos – foi em
vão.
Nessa ocasião, já estava difícil conter a ideia. Notamos
que em nossa sala havia um microfone conectado com os alto-
-falantes da sala de entrevistas das famílias. Não demoramos
nem um minuto para decidir bater na porta da sala de entre-
vistas e perguntar se gostariam de nos ouvir por um momento.
Um de nós falou que tínhamos algumas ideias, talvez úteis,
para sua conversa. Disse: “Se acharem que essa ideia interessa,
sugerimos que vocês todos, família e médico, permaneçam em
seus assentos nesta sala. Nosso equipamento nos permite di-
minuir a luz aqui, na sala onde estão, e acender a da nossa sala.
Assim, podem nos ver, e nós ficamos sem condição de ver vo-
cês. Podemos também ligar o som para que vocês nos ouçam e
nós não possamos ouvir vocês.”

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Nossa última chance de escapar dessa situação era não
concordarem, mas concordaram.
E pareciam surpreendentemente excitados. A essa altura,
nos sentamos e ficamos ouvindo o burburinho engraçado até
que a luz de nossa sala se acendeu e fez-se, daí em diante, um
silêncio prolongado. Um de nós quebrou esse silêncio com um
comentário hesitante – algo sobre resistência e força. Outro
prosseguiu com novas observações sobre o mesmo assunto.
Alguém levantou a hipótese de que, possivelmente, toda essa
luta contra um destino cruel desviava os membros da família
do uso de muitos recursos que obviamente possuíam. Aos
poucos, demos início a uma discussão sobre o que poderia
acontecer se alguns desses recursos fossem usados.
Quando acendemos a luz e o som voltou, estávamos pre-
parados para ver e ouvir o que quer que fosse – desde pessoas
iradas até entediadas.
Mas nos deparamos com quatro pessoas pensativas e
bastante silenciosas que, depois de uma pausa, começaram a
falar entre si com sorrisos e otimismo.
Parecia bem diferente da maneira usual de trabalhar. A
relação com a família tornou-se bastante diferente daquela que
tínhamos com as famílias com as quais trabalhávamos de ma-
neira “normal”.
Certamente, experienciamos o significado da famosa fra-
se de Bateson: “A diferença que faz uma diferença.” Começa-
mos a questionar nossos conceitos básicos e como seriam daí
por diante. E mais importante: como transformar esses concei-
tos em prática?
A reversão da luz e do som trouxe uma liberdade surpre-
endente para a nossa relação com a família. Não éramos mais
a (única) parte responsável. Éramos somente uma das duas
partes.

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Esse novo formato tornou-se conhecido como equipe re-
flexiva. Pensamos no significado francês da palavra e não no
inglês, que, ao nosso entender, aproxima-se de réplica. O ter-
mo francês réflexion, que tem o mesmo significado do norue-
guês refleksjon, quer dizer: algo ouvido é internalizado e pen-
sado antes de uma resposta ser dada. A reversão da luz e do
som também proporcionou mais liberdade para pensar, e co-
meçamos a questionar como os diversos conceitos e regras que
seguíamos nos afetavam.
Uma das primeiras discussões foi sobre as hipóteses, par-
ticularmente sobre aquelas que costumávamos levantar antes
do encontro com as pessoas.
Nossa compreensão de uma informação antecipada so-
bre um sistema certamente faria parte de nosso contexto. Em
outras palavras, nosso próprio contexto era o background para
a informação. Consequentemente, as hipóteses estavam, pelo
menos até um certo ponto, próximas ao nosso posicionamen-
to. E começamos a imaginar qual seria nossa proximidade da-
queles com quem nos encontrávamos. Ou nossas hipóteses
nos afastavam deles? Decidimos usar como ponto de partida o
que o sistema em si definia como mais relevante. Uma maneira
de realizar isso era evitar qualquer ideia a priori. Se possível, as
hipóteses eram omitidas. No entanto, algumas vezes é impos-
sível desconhecer alguma coisa de antemão e noutras vezes as
pessoas se sentem ofendidas se não recebemos a informação
antecipadamente. Em tais circunstâncias a recebemos, mas
tentamos com o maior empenho evitar que essa informação se
integre demais a nós.
Se uma proposta é apresentada, por exemplo, uma deter-
minada hipótese, o trabalho, certamente, será similar ao de se
quantificar. “Dados” na hipótese são tanto encontráveis quan-
to não encontráveis.

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Bateson preocupava-se com esse procedimento (1978, p.
42):

Os processos comuns do avanço científico em um mundo


linear, um mundo de pensamento linear, acabam sendo ex-
perimento e quantificação e, se você se situa em algum lu-
gar no campo da medicina, espera-se que tenha uma “pos-
tura clínica”. Desejo também lembrar que a experiência é
algumas vezes um método de torturar a natureza para
apresentar uma resposta nos termos da sua epistemologia,
não nos termos de alguma epistemologia já imanente na
natureza. A quantificação será sempre um expediente para
evitar a percepção do padrão. E a postura clínica será sem-
pre um meio de evitar a abertura da mente ou da percep-
ção que poria na sua frente a totalidade das circunstâncias
que cercam aquilo que lhe interessa.

Se formos capazes de “sintonizar” o processo perturba-


dor em curso do sistema paralisado, o padrão desse processo
pode emergir por si só. Em relação ao que foi dito antes, pode-
-se pensar não somente em um padrão mas em dois: um é par-
te do sistema paralisado e o outro evolui para um novo siste-
ma, que é o sistema paralisado somado ao nosso.
Embora não soubéssemos disso naquela época, no verão
de 1985, a reversão da luz e do som transformou grande parte
da nossa prática anterior; que, na fase seguinte, mudaria nossa
compreensão sobre o que de melhor deveríamos fazer na
terapia.

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Conceitos básicos
e construções práticas

A nalisando retrospectivamente, fica difícil dizer com


exatidão o que surgiu primeiro: aquilo que fizemos
ou aquilo que pensamos. Parece justo mencionar que tem
ocorrido uma constante interação entre o estímulo vindo dos
relatos e do trabalho clínico dos outros e os nossos pensamen-
tos e tentativas práticas. Nossos pensamento e prática parecem
ter sido bastante influenciados pela intuição. Por razões não
muito claras, permitimo-nos construir novos caminhos da ma-
neira em que intuitivamente sentíamos e não necessariamente
da maneira para a qual um pensamento lógico apontava.
É importante enfatizar que os conceitos e formulações
que começamos a repensar estavam longe de ser novos. Todos
haviam sido introduzidos antes; mas, quanto a isso, houve a
oportunidade de voltar a discutir seu conteúdo para que pu-
dessem se tornar mais úteis em função do nosso trabalho.
Permitimo-nos também fazer referências ao que havía-
mos lido com certa liberdade. Não nos sentíamos obrigados a
ler e compreender tudo o que um autor escrevia. Algumas ve-
zes, pinçávamos os trechos que mais nos motivavam e admití-

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amos entender o que líamos à nossa própria maneira. De certa
forma, nossa posição era a de compreender a compreensão do
autor. Isso significa que nossa compreensão poderia ser bem
diferente. Assim, ler nunca se tornou um fardo ou alguma coi-
sa a que tivéssemos que nos forçar.
Os diversos temas ou conceitos centrais desenvolveram-
-se gradualmente. Para nós, poderia ter sido interessante ex-
por a sequência de nossas discussões, mas ficou difícil realizá-
-la com uma ótica posterior.
Por esse motivo, listarei os temas/conceitos mais impor-
tantes, discutindo-os em relação à nossa compreensão das di-
versas perspectivas dos escritores.

BATESON E AS DIFERENÇAS,
E AS DIFERENÇAS QUE FAZEM DIFERENÇAS

Bateson (1972, 1978, 1979) chamou nossa atenção para o fato de


não vermos as coisas como algo em si. Vemos uma coisa como
algo distinto do seu background. Fazemos uma “imagem” de um
homem como algo distinto do seu background. A imagem con-
tém ambos, o background e o homem. O próprio homem vê e
descreve o seu background em termos das diferenças que perce-
be. Ficará familiarizado com o seu background em função das
diferenças que puder ver, ouvir, cheirar, tocar e provar.
Existem diferenças inerentes ao background prontas para
serem reconhecidas pelos sentidos que as buscam. Para definir
algo como diferente de seu meio, Bateson diz “fazer uma dis-
tinção”. Existem muitas distinções que podem ser feitas. Pense
em todas as distinções de que apenas um sentido é capaz; de-
pois reflita sobre o que cinco sentidos podem realizar!
São tantas as diferenças disponíveis que é impossível dar
atenção a todas. Certamente, é assim quando o background está

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em constante mudança, como acontece nas interações entre duas
ou mais pessoas. Fazer uma imagem de uma situação é fazer cer-
tos tipos de distinções. Desde que sempre existam mais possibi-
lidades de se fazer distinções, a imagem que a pessoa guarda con-
sigo será o resultado das distinções feitas pelo descritor.
Em outras palavras, sempre existe mais a se ver daquilo
que é visto por alguém.
Existem, portanto, muitas imagens não feitas (imagens
em movimento) de várias situações. E, talvez ainda mais im-
portante, exista uma grande possibilidade de duas pessoas fa-
zerem distinções diferentes da mesma situação apresentada ou
“mapas” diferentes do mesmo “território”, como diz Bateson.
Muitas pessoas não compreenderam a ideia de Bateson.
Acreditam que só exista uma história e uma imagem corretas.
Se alguém pensa assim, poderá se envolver facilmente em dis-
cussões desagradáveis ou mesmo brigas sobre quem se lembra
exatamente do que aconteceu ou presenciou.
Os seguidores das ideias de Bateson poderiam ficar intri-
gados com o que ouviram falar a respeito do que uma outra
pessoa viu, ouviu, cheirou, provou ou tocou em uma situação
– coisas que ele/ela não haviam percebido. Esses novos aspec-
tos da “imagem” da situação em movimento poderiam estimu-
lar diferenças na sua própria “imagem” em evolução. E essas
diferenças contribuem para que a pessoa transforme gradati-
vamente a sua imagem em movimento.
Abreviando, isso leva à famosa frase de Bateson: “A uni-
dade elementar da informação – é uma diferença que faz uma
diferença (1972, p. 453)”. O verbo “fazer” na última frase induz
à ideia de que a diferença feita é decorrente da diferença ao
longo do tempo. Bateson diz que a diferença que ocorre ao
longo do tempo é uma mudança.
Em resumo, existem dois sentidos distintos no uso que Ba-
teson faz da palavra diferença: primeiro, alguma coisa é distinta

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sendo diferente do seu background, e, segundo, uma mudança é
uma diferença ao longo do tempo causada por uma diferença. Es-
sas ideias tornaram-se fundamentos importantes para o trabalho
clínico. A entrevista com os associados de Milão contém muitas
perguntas que buscam diferenças quando são descritas situações
em torno de um problema. O próprio grupo de Milão apresentou
suas perguntas (Selvini Palazzoli et al., 1980) e Peggy Penn (1982)
expôs o seu questionamento independentemente. Perguntas que
muitas vezes esclarecem situações problemáticas são aquelas que
incluem comparações e relações. Perguntas que buscam diferen-
ças que fazem diferença são aquelas que focalizam nas mudan-
ças, por exemplo: “Como isto pode ser explicado?”

BULOW-HANSEN E TRÊS VARIANTES


DAS DIFERENÇAS

Tive o privilégio de acompanhar o trabalho de duas fisiotera-


peutas norueguesas, Aadel Bulow-Hansen e Gudrun Øvreberg,
sendo a primeira professora da segunda (Øvreberg & Ander-
sen, 1986).
Nos últimos 40 anos, Bulow-Hansen desenvolveu um
método fisioterapêutico para as pessoas que sofrem de tensão
muscular, que geralmente pertence a um padrão mais abran-
gente de tensões. Muito cedo, Bulow-Hansen concentrou-se
na respiração; e percebeu a respiração e o movimento do cor-
po como dois aspectos inseparáveis. O ciclo contínuo da respi-
ração – da inalação para a expiração, voltando à inalação, e
assim por diante – está em sintonia com os movimentos cor-
respondentes de todos os músculos ao longo do corpo, mesmo
que a visão não o perceba.
Em outras palavras, o ar inalado “vai” da ponta dos dedos
da mão até a ponta do pé. Os músculos ficam tensos por várias

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razões, o que impede o ar de circular por essa parte do corpo
que está tensionada. Em outras situações, todo o peito fica ten-
so, impedindo assim o fluxo do ar. Isso acontece quando uma
pessoa tende a limitar suas expressões por diversos motivos.
As emoções e as palavras acompanham o ar expirado.
Algumas vezes, uma pessoa experiencia as situações
como não muito receptivas a todos os seus tipos de proferi-
mentos (expressões). Uma maneira de evitar essas expressões
é limitar o curso da respiração. E uma maneira de restringir a
expiração é limitar o ato de inalar. Uma palavra norueguesa
para inalação é inspiração*. Literalmente, poderíamos dizer
que as situações muito tensas fazem com que a pessoa reduza
sua inspiração do ambiente que a cerca.
Uma forma de limitar os movimentos da inalação é usar
os músculos do corpo cuja função é flectir. São os músculos
que se curvam: do pescoço, cotovelo, ombro, quadris, parte da
frente do tronco, joelho etc. A atividade aumentada desses
músculos flectíveis irá atuar simultaneamente no peito para
que os movimentos deste se tornem limitados. Além desses
músculos flectíveis, não esqueçamos de todos os pequenos
músculos de expressão por toda a face e os que circundam o
maxilar, a língua e a parte frontal do pescoço. Dos citados, os
que forem flectíveis possuem, quando ativados, um tremendo
efeito limitador nos movimentos do peito.
As mãos de Bulow-Hansen trabalham os músculos flectí-
veis de um bezerro, por exemplo. A atividade da mão induz à
dor, e a dor estimula um alongamento dessa parte do corpo,
que estimula a inalação. E, se o corpo estiver preparado para

* N.T. Tentei manter na tradução para o português uma reprodução do in-


glês-norueguês de Tom Andersen. Assim como em norueguês, usa-se em
português a palavra inspiração com o sentido de inalação e também de “es-
tímulo à atividade criadora”.

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isso, a fase da expiração será seguida de uma redução de tensão
nos músculos do bezerro. Isso possibilita aos músculos que se
alongam (os extensores, na parte da frente da perna) esticar o
joelho. Enquanto esse alongamento é mantido por algum tem-
po, ocorre uma inalação profunda. E, na realidade, o que acon-
tece é um ciclo vicioso: o alongamento estimula a inalação, que
tende a estimular mais alongamento; este, por sua vez, estimula
a inalação. Essas atividades mútuas prosseguem até que o peito
esteja cheio de acordo com a capacidade de sua flexibilidade.
Quando a expiração deixa o ar sair, a tendência é dimi-
nuir a tensão por todo o corpo. Durante todo o tempo em que
suas mãos trabalham, os olhos de Bulow-Hansen acompa-
nham a resposta da respiração. Se suas mãos induzem dor de-
mais, ou o alongamento que provoca em várias partes do cor-
po torna-se ativo demais, o corpo responde com uma tendência
de parar os movimentos respiratórios.
O tempo todo seus olhos informam o grau de força a ser
empregada por suas mãos nas estimulações, e por quanto tem-
po pode estimular. Ao menor sinal de restrição dos movimen-
tos do peito, ela retira as mãos. Dessa maneira, trabalha das
pernas ao abdômen e aos ombros, prosseguindo até o pescoço,
mandíbula e face, incluindo especialmente as áreas em volta
dos olhos. Esse método me ensinou que a estimulação pelas
mãos deve ser forte o suficiente para produzir uma resposta
respiratória. Se for fraca, nada acontecerá, mas, se for forte de-
mais ou se a estimulação prolongar-se por muito tempo, a res-
piração tende a parar pelo retesamento do peito.
Uma variação da frase de Bateson “diferença que faz uma
diferença” surgiu deste dado: existem três tipos de diferenças,
mas somente uma delas faz uma diferença, ou seja, a que é
adequadamente diferente. Quando aplicamos essa ideia às
conversas em que tomávamos parte como terapeutas, surgi-
ram algumas diretrizes importantes. Mudando a palavra “dife-

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rença” para uma linguagem cotidiana, escolhi o termo “inco-
mum”. Se as pessoas ficam expostas ao comum, tendem a
permanecer as mesmas. Se encontram alguma coisa fora-do-
-comum, este fora-do-comum pode induzir a uma mudança.
Se o novo que encontram é muito fora-do-comum (demais),
fecham-se para não serem influenciadas. Portanto, o que nós
– seus supostos ajudantes – deveríamos fazer é nos esforçar
para oferecer alguma coisa incomum durante as conversas
com essas pessoas, mas não incomum demais. Essa é uma re-
gra que também inclui o ambiente em que nos encontramos,
os temas e assuntos que fazem parte das conversas e a direção
e forma que elas tomam.

SENDO VOCÊ MESMO

Durante muito tempo, consideramos uma pessoa como parte


de uma ou mais relações. Ainda assim o fazemos, mas nossas
percepções mudaram de alguma forma. Antes, víamos a pes-
soa como sendo influenciada e mudada de acordo com a dinâ-
mica das relações. Em outras palavras, as relações “eram res-
ponsáveis” pela pessoa.
Os trabalhos de Maturana (1978) e Varela (Maturana &
Varela, 1987) têm sido da maior utilidade para nós, pondo em
evidência nossos pensamentos recentes sobre esses tópicos. O
trabalho de Bulow-Hansen também tem sido útil.
Fundamentando-se em um enfoque biológico, Maturana e
Varela dizem que a constituição de uma pessoa é estruturalmen-
te forte. No entanto, essas estruturas biológicas estão mudando
continuamente. Cada célula do corpo se reconstitui o tempo
todo. Nesse processo, conserva as funções básicas que lhe permi-
tem adaptar-se ao seu meio mais próximo – a outras células e ao
fluido que cerca a célula. Esse meio tende a mudar com o tempo,

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mas a célula contém uma variedade de funcionamentos que lhe
permite adaptar-se a essas mudanças. Além disso, reconstituin-
do-se, a célula também expande seu modo de funcionar como
uma resposta às mudanças nos meios que a cercam.
Maturana e Varela usam também esse princípio quando
consideram a pessoa como um todo. Compreendemos isso, ten-
do em mente que, em determinado momento, uma pessoa pode
ser apenas o que ela é. Significa que ela só poderá reagir a uma
determinada situação com uma das formas que tem em seu re-
pertório. No entanto, com o passar do tempo, esse repertório
pode ser mudado devido a algumas velhas formas que estão de-
saparecendo aos poucos e outras novas que estão surgindo.
Se uma situação ocasiona uma perturbação (também
chamada de “distúrbio”) à qual a pessoa não pode reagir por
falta de recurso em seu repertório, ela só terá duas formas de
reação: fechar-se para o distúrbio a fim de proteger-se ou,
usando as palavras de Varela e Maturana, preservar a organiza-
ção que lhe corresponde. Em termos clínicos, isso seria preser-
var sua integridade. Ou, se permitir que essa perturbação de
fora entre em sua organização, a pessoa se desintegra. Pode-se
dizer que o distúrbio desintegrador foi diferente demais se
comparado ao repertório da pessoa.
Quando uma pessoa se fecha em resposta a um distúrbio,
essa atitude também pode ser considerada uma resposta a algo
que é experienciado como incomum demais. Os sinais que os
olhos de Bulow-Hansen procuram para saber se suas mãos
provocam um distúrbio adequado são os movimentos respira-
tórios do peito. Ela também fica atenta a um indício nos mús-
culos flectíveis, cuja atividade pode aumentar. Se as mãos ten-
dem a ultrapassar os limites do que é considerado comum para
o incomum demais, a respiração fica presa e podemos obser-
var o flectir dos músculos – as mãos se fecham, os braços po-
dem se cruzar, a face fica crispada etc.

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Todos esses sinais podem, de fato, ser notados se uma
conversa contiver algo incomum demais. Além disso, fica visí-
vel quando a pessoa se torna mais desatenta e menos reflexiva,
e as respostas ficam mais reservadas. Para se manter uma con-
versa, deve-se respeitar a necessidade básica da pessoa de pre-
servar a sua integridade. Para nos capacitarmos a fazer isso,
temos que aprender a ser sensíveis a seus sinais, sendo estes
muitas vezes indicações sutis de que nossa contribuição para a
conversa foi incomum demais. Uma maneira útil de notar es-
ses sinais é dar um andamento lento à conversa, tão lento que
as pessoas tenham tempo para nos deixar conhecer suas rea-
ções, e nós tenhamos tempo para notá-las.

RELACIONANDO-SE COM O(S) OUTRO(S)

Nos encontros com as pessoas, vejo que cada uma delas tem o
maior interesse em preservar sua integridade. O que eu falo e
faço determinará nessa pessoa a abertura ou fechamento para a
conversa. Quando a observo, na realidade, ela está observando
o meu observar. Tomamos ambos uma postura de observação.
Eu observo se existem sinais de que me tornei incomum de-
mais. Observando suas respostas ao meu observar, posso tor-
nar-me um observador do meu próprio observar indiretamen-
te. Ela me observa para definir quem sou eu, com o objetivo de
avaliar o quanto se atreverá a envolver-se na conversa, preser-
vando sua integridade. Faz uma imagem minha, uma imagem
em movimento, e dá a essa imagem uma explicação que lhe diz
o que poderá esperar de mim. Essa explicação orientará suas
falas e atos dirigidos a mim em sua relação comigo.
Uma decorrência importante dessa perspectiva é deixar
claro que uma pessoa é na verdade muitas. Torna-se uma pes-
soa em uma determinada circunstância, e outra pessoa em ou-

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tra circunstância. No entanto, todas essas diversas pessoas sur-
gem da mesma, possuidora de algumas características básicas,
que a tornam essa pessoa. Sendo assim, é igualmente certo e
errado dizer que uma pessoa é muitas pessoas, ou dizer que
todas essas diversas pessoas são a mesma.
Um simples esquema desse processo de sinais recíprocos
de observação serve para esclarecer estas ideias:

O processo apresentado neste esquema é exatamente o


que compreendemos como um “sistema observante”, sobre o
qual escreveu Heinz von Foerster (1979).

Algumas dificuldades da linguagem

Quando uma palavra é falada, ela passa do orador para o ou-


vinte receptor. A palavra tem um significado para ambos, mas
terá o mesmo significado para os dois? Temos que considerar
a possibilidade de os significados diferirem.
Quanto a este aspecto muito particular, existe realmente
uma dificuldade porque, como escritor, devo perguntar se o
significado da palavra “significado” (como está escrita aqui) é o

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mesmo para mim e para você, o leitor desta palavra escrita. Se
tento esclarecer o meu significado usando outras palavras, o
problema continua a existir porque as novas palavras podem
conter muitos significados diferentes para mim e para o leitor.
As palavras básicas deste livro são: ideia, descrição, expli-
cação, significado e compreensão. Vejamos como entendo essas
palavras.
Vejo ideia como o vislumbrar de alguma coisa; poderia
ser o vislumbrar de uma descrição, de uma explicação, de um
significado ou de qualquer outra coisa. Uma descrição pode ser
entendida como uma “imagem” mais estável. Essa “imagem”
deveria ser vista como uma imagem em movimento. Contém
todas as qualidades correspondentes aos sentidos de ver, ouvir,
cheirar, provar, tocar e todas as sensações que vêm de “dentro”
do corpo (os chamados estímulos proprioceptivos).
Explicação é a forma como a “imagem” pode ser compre-
endida. Um significado inclui descrição e explicação, mas é
algo a mais. Carrega com ele o sentido de que a descrição e a
explicação têm um determinado significado para a pessoa.
Esse significado torna-se básico para a maneira como a pessoa
se relaciona com o “fato” que é descrito e explicado em termos
de algum tipo de atuação. O conteúdo da palavra compreensão
aproxima-se de significado. Neste livro, definição é considera-
da como descrição mais explicação. Portanto, significado é
algo mais que definição – é a definição somada a um compo-
nente pessoal de quem a define.

Responsabilidade

O leitor não será desviado de seus objetivos para ocupar-se


com o fenômeno da responsabilidade.

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Até que ponto serei responsável por abrir meus sentidos
e ser assim perturbado por aquilo que me “sensibiliza”? É mais
plausível que eu seja responsável por minhas descrições e pelo
significado que dou a elas. Sou também responsável pelas mi-
nhas falas e atos. Até que ponto serei responsável pela abertura
de outras pessoas, provocada pelo distúrbio que lhes causei?
Provavelmente, não posso ser responsável pela descrição e por
seu correspondente significado criados pelas pessoas, e não
posso ser responsável pelas falas e atos que as pessoas apresen-
tam aos meus sentidos. Essas perguntas e ideias merecem ser
levadas adiante.

O ATO DE DESCREVER E EXPLICAR AS AÇÕES E INTERAÇÕES


HUMANAS

Sempre que uma pessoa descreve outra, ela faz parte de um


sistema observante. Em outras palavras, aquilo que pode ser
descrito e aquilo que está disponível para ser observado e des-
crito é determinado, a cada momento, pelo sistema observan-
te. O observador ou a pessoa que está sendo descrita limita
suas falas e atos de acordo com sua compreensão da relação
com o descritor. No entanto, aquilo que se torna disponível é
tão rico em detalhes, que uma só pessoa não poderá dar aten-
ção a tudo. Terá de selecionar e, consequentemente, alguma
coisa será focalizada e outra, abandonada. Nos termos de Ba-
teson e Maturana, esse enfoque da atenção é chamado “fazer
uma distinção”.
O fazer distinções é um ato do descritor. Este ato está cer-
tamente relacionado aos seus interesses, conhecimento, histó-
ria etc. Decorre deste fato o principal aspecto: dois diferentes
descritores, na mesma situação, provavelmente farão distin-

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ções diferentes apresentando, portanto, descrições diferentes
que levam inevitavelmente a explicações diferentes do
descrito.
Um ponto importante a ser lembrado é que em cada ato
de descrição todas as outras possíveis descrições são abando-
nadas, uma vez que muitas distinções possíveis não foram fei-
tas. Deve-se sempre ter em mente que a principal maneira de
suscitar distinções durante um diálogo é fazer perguntas que
levem a uma única: “Como seriam minhas descrições se eu
perguntasse tudo que não perguntei?”.
Da forma como os compreendemos, Maturana e Varela
(1987) nomearam as várias fases desse processo com verbos –
conhecer (correspondendo a descrever e explicar) e agir (falas
e atos).
Uma parte do agir era o “agir sobre” que cercava os ór-
gãos dos sentidos, por exemplo, o abrir e fechar dos olhos. A
propósito desta discussão, gostaria de introduzir a palavra sen-
tir. Esta cobre três etapas: sentir, conhecer e agir. O que me
fascina, quando leio Maturana e Varela, é que fazem do sentir-
-conhecer-agir um todo coerente. Esse todo preenche dois re-
quisitos: (1) preservação da organização e integridade da pes-
soa, (2) participação na interação com o meio.
As células sensoriais não podem deixar de ativar as célu-
las cerebrais que por sua vez não podem deixar de ativar os
músculos, e vice-versa. É um todo. No entanto, os caminhos
do “lado” do sentir para o “lado” do agir podem ser muitos.
Existem várias maneiras em um repertório muito rico de
possibilidades.
Cada célula do cérebro conecta-se com muitas outras, to-
das recebendo “influências” de mais células ainda, que, por sua
vez, influenciam outras tantas. O influenciar pode ser tanto
inibidor quanto ativador. Nunca é possível prever qual o cami-

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nho que o processo tomará. Von Foerster diz, como o interpre-
to, que enquanto o processo encaminha-se para o agir muda
parcialmente o próprio meio processador, isto é, o cérebro
(­Segal, 1986).
O fato de o cérebro estar constantemente em ação é algo
importante a ser pensado porque, sendo assim, as influências
oriundas dos órgãos dos sentidos modificam um processo já
em andamento no cérebro. Isso foi comparado a um quarto lo-
tado de pessoas falando. Se uma pessoa de fora abre a porta e
fala, o seu falar é semelhante à influência dos órgãos dos senti-
dos. A atividade do falar que se desenvolve dentro do quarto é
muito pouco modificada pelo falar vindo de fora. Quando esse
fluxo passa pelo cérebro, existe a possibilidade de que a parte do
conhecer processe uma descrição clara e sua explicação corres-
pondente também seja clara. Existe também a possibilidade de
que se apresentem somente vagas descrições ou mesmo quase
nenhuma, deixando a pessoa não totalmente capacitada a com-
preender o meio que a cerca e os distúrbios que lhe acarreta.
Podemos também pensar que, mesmo não sendo claro o
significado, o agir prossegue. O corpo trabalha sem que a mente
o note. Frequentemente me surpreendo pela facilidade com que
as pessoas que têm queixas corporais aceitam a seguinte ideia:

Algumas vezes as pessoas envolvem-se em situações que re-


presentam algo para o qual ainda não estão preparadas
naquele determinado momento. A mente ainda não está
capacitada para compreender o que seria esse algo. Mas o
corpo sim. O corpo emite seus sinais de que existe alguma
coisa na situação, da qual a pessoa deveria ser protegida
naquele momento. O corpo compreendeu o que a mente
ainda não havia captado.

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MULTIVERSA EM VEZ DE
UNIVERSUM E (OBJETIVIDADE)

Um resumo importante do que foi dito até agora: o descritor


de outra pessoa está, por sua participação no sistema obser-
vante, influenciando o que pode ser observado e descrito. Fa-
zendo as descrições, o descritor suscita algumas distinções es-
pecíficas, abandonando assim todas as outras possíveis. As
descrições e as explicações correspondentes estarão, portanto,
intimamente relacionadas aos atos do descritor. E, finalmente,
a constituição neurológica interna da pessoa e sua função irão
influenciar o ato de descrever e explicar.
Isso nos leva a concluir que – em grande parte – qualquer
descrição ou explicação é dependente do observador e cada um
descrevendo a mesma situação apresentará uma versão diferente;
quando essas versões são comparadas vemos que têm algo de
diferente entre si. Nenhuma descrição é melhor do que a outra;
todas são igualmente “válidas”. Como decorrência para o traba-
lho clínico fica o nosso dever de procurar e aceitar todas as des-
crições e explicações existentes em uma situação e promover ou-
tras buscas por mais explicações e definições ainda não feitas.
Cada pessoa tem uma percepção (podemos chamá-la de
percepção construída) da situação à qual ela “pertence”. Essa
percepção é a “realidade” daquela pessoa. Outra, na mesma
situação, também tem uma percepção da “realidade”, mas essa
“realidade” é particular dessa pessoa. A “realidade” existe so-
mente como uma “realidade” de quem a percebe. A mesma
situação “exterior” pode (vir) a tornar-se muitas “realidades”.
Não pode ser dito de nenhuma “realidade” que ela é melhor do
que as outras. São todas igualmente “reais”.
A imagem da “realidade” corresponde tão bem à própria,
que a pessoa pode sobreviver nessa “realidade”. Sobre esse as-
sunto, Ernest von Glasersfeld escreveu (Segal, 1986, pp. 86-87):

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O construtivismo radical é menos imaginativo e mais prag-
mático. Não nega uma “realidade” ontológica – nega sim-
plesmente ao homem experienciador a possibilidade de
obter uma verdadeira representação dela. O sujeito huma-
no só pode conhecer esse mundo quando uma forma de
agir ou pensar deixa de atingir o objetivo desejado – mas,
em qualquer dessas falhas não há como decidir se o insu-
cesso é devido a uma deficiência da abordagem escolhida
ou a um obstáculo ontológico independente. O que chama-
mos de “conhecimento” é, então, o mapa dos caminhos da
ação e do pensamento que, a qualquer momento no curso
de nossa experiência, tornou-se viável para nós.

DOIS PROCESSOS INTERATIVOS DE DIÁLOGO

De diálogos circulares para elípticos

Relacionar-se abrange sentir, conhecer e agir. Esperemos que


esse novo esquema sirva ao seu propósito de simplificar:

O esquema indica um processo “interno” contínuo que


pode ser visto como um círculo. O processo “interno” está par-
cialmente a serviço da preservação da integridade da pessoa
mas serve também como uma base para a expansão dos atos
de sentir, conhecer e agir.

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A condição necessária para essa expansão é a união desse
processo “interno” com um processo “externo” contínuo de
trocas, que ocorre quando uma pessoa se relaciona com ou-
tras, como indicado no esquema que se segue. De acordo com
o exposto, diríamos que, quando duas pessoas se encontram,
dois processos “internos” e um “externo” estão ocorrendo
paralelamente.

Se esse encontro for um diálogo, isto é, terapeuta e cliente


envolvidos em uma conversa durante uma “cura pela fala”, é
importante pensar em três conversas paralelas, acontecendo
ao mesmo tempo: duas falas “internas” e uma “externa”. A fala
“interna” parece servir a pelo menos dois objetivos: lidar com
as ideias trocadas e lidar com a participação da pessoa na fala
“externa”.

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Parte da fala “interna” trata do conteúdo expressivo da
fala “externa”: o que é e também como pode essa fala “externa”
ser mais bem desempenhada. Dá a impressão de uma pessoa
dialogando constantemente consigo própria sobre como co-
nectar-se, por meio de uma conversa, para chegar a novas e
úteis perspectivas (descrições e explicações), sem que sua inte-
gridade seja atingida.
Quando tomamos parte em uma “cura pela fala”, deverí-
amos estar sempre nos questionando: a conversa que estou
tendo com essa pessoa é suficientemente lenta para que ela e
eu tenhamos o tempo necessário para nossas falas “internas”?
Se o leitor retornar à última figura que contém as pala-
vras conhecer, agir e sentir, notará que sua forma é igual a de
uma elipse. Uma elipse tem dois centros, um em cada parte e é
em si própria a expressão matemática para a linha que circun-
da os dois centros. Por isso, fico pensando se deveríamos desa-
fiar a noção de circularidade chamando uma conversa de troca
elíptica de ideias?*
Por algum tempo, Stein Bráten, um sociólogo norueguês,
debateu a questão da “fala interna”. Ele vê a pessoa como duas
partes; uma é o “eu” e a outra é o “outro virtual”. As duas partes
compartilham diferentes perspectivas por meio de seus diálogos.
Bráten chegou a essa noção por um caminho diferente do nosso.
Reporta-se a Gadamer, que cita a ideia do pensamento de Platão
como o diálogo interno da alma com ela própria; a Piaget, que
denominou essa noção de “discurso egocêntrico”, e a C.S. Peirce,
que disse: uma pessoa raciocina para persuadir o self crítico.

* Essas foram ideias com as quais meu amigo Ebbe Reichelt – um teólogo e
professor norueguês – e eu nos entretivemos em maio de 1988. A elipse é a
área que surge quando um cone é cortado, obliquamente, por um plano secan-
te. Estrelas, sóis e outros corpos celestes movimentam-se em órbitas elípticas.

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A mudança pode ser limitação e a mudança pode ser evolução

A primeira mudança está relacionada ao agir de uma pessoa


(comportamento), quando essa (mudança) é instruída ou im-
posta de fora. A outra mudança vem de dentro, onde as pre-
missas do agir (do comportamento), ou seja, os aspectos do
conhecer e do sentir, são ampliados.
A primeira forma será logo experienciada pela pessoa e
atua como uma ameaça à sua integridade. Para defender essa
integridade, ela se fecha ao ato impositivo ou instrutivo que
vem de fora. Nesse processo de se fechar a pessoa limita o uso
de seu repertório de agir (comportar-se). Essa limitação pode
satisfazer ao instrutor se fizer cessar o comportamento que ele
definiu como desviado ou indesejado.
Aqui, é importante notar como as instruções contribuem
sem demora para a limitação do repertório do agir e, conse-
quentemente, para os aspectos correspondentes do conhecer e
do sentir. Essas mudanças restritivas, que são mais ou menos
previsíveis, correspondem à ideia de que uma pessoa pode ser
governada por outra. Essas instruções levam à intimidação,
que é muito diferente de intimidade.
O segundo tipo de mudança ocorre quando existe liberda-
de para a troca de ideias entre duas ou mais pessoas, asseguran-
do a integridade individual para ambas ou todas as demais. Em
tais circunstâncias, podem surgir novas ideias sobre o conhecer,
sentir ou agir, ou novas ideias para o uso das possibilidades que
alguém ainda guarde em seu repertório. Tendo um caráter evo-
lutivo, essas mudanças não podem ser previstas, nem em rela-
ção ao que virão a ser, nem a quando ocorrerão. Elas conhecem
seus próprios caminhos e seu próprio tempo. Em poucas pala-
vras, uma mudança pode ser de dois tipos: tanto limita quanto
amplia a capacidade de descrever, explicar e agir.

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Um exemplo para esclarecer esse ponto. Um bebê movi-
menta todo seu corpo quando ri. O movimento provocado
pelo riso propaga-se por todo o corpo até mesmo aos dedos
dos pés. Os dedos dos pés riem. A partir do momento que a
criança cresce e começa a andar, a posição ereta limita a possi-
bilidade dos dedos do pé tomarem parte no movimento do
riso. Crescendo mais, a criança aprende que certas maneiras
de rir são mais apropriadas que outras. Quando se torna um
adolescente, toma conhecimento de que existem coisas das
quais não se pode rir, e até mesmo o sorriso diminui.
A questão aqui é que todos nós, o leitor inclusive, temos
ainda potencial para deixar que o movimento do riso atinja e
mesmo movimente os dedos dos pés. As potencialidades só ten-
dem a ficar limitadas com o passar do tempo quando os hábitos,
costumes etc. são introduzidos. Também temos potencial para
refrear mais o movimento do riso. Se uma pessoa desagradável
está por perto, nossos sorrisos, que anteriormente chegavam até
os olhos, podem parar nos lábios. Os sorrisos e risadas sem uso
permanecem adormecidos, esperando por uma explosão.
Como podemos criar uma reunião que propicie essas explo-
sões? Não raramente, palavras e perguntas transformam-se em
circunstâncias adequadas para isso. Boas circunstâncias podem
soltar todos os risos disponíveis, até os dos dedos dos pés. E a tro-
ca de ideias com os outros pode criar outras e novas formas de
risos, como as que vêm por meio do escrever, pintar ou cantar.

Dizer “Não” é fundamental

Já que o incomum demais pode ameaçar a integridade de uma


pessoa, achamos da maior importância organizar nosso traba-
lho de tal forma que aqueles que vêm conversar conosco te-
nham a oportunidade constante de dizer “não” a uma forma de

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conversa, a seu conteúdo, a seu contexto ou a tudo isso. A me-
lhor maneira de se ter certeza de que não existe nenhum “não”
que não foi dito é deixar que a discussão sobre a conversa em
andamento faça parte do diálogo. Usar palavras como “gosta-
ria” e “confortável” em nossas perguntas pode ajudar o proces-
so. Exemplo: “Como você gostaria de utilizar esta sessão?” e
“O que faria você sentir-se mais confortável?”
Cada uma das conversas desafia nossa sensibilidade a re-
colher todas os pequenos indícios nas palavras ou todas as pe-
quenas manifestações do corpo, que são sinais de algo que a
pessoa não gosta na conversa ou que é desconfortável para ela.

TROCAS NA CONVERSA

Consideramos as conversas como fonte importante para a tro-


ca de descrições e explicações adequadamente diferentes, de
definições e de significados. Essas trocas podem dar um novo
tom às antigas descrições e explicações, e até fazer surgir ou-
tras novas. Proporcionam, assim, uma base o mais ampla pos-
sível de escolha para que a pessoa possa tratar situações para-
lisadas de uma forma diferente ou reagir a novos fatos, sejam
eles previstos ou não.
Existem tantas semelhanças nas trocas de conversa entre
amigos e nas trocas de respiração (inspiração e expiração) de
um indivíduo que deixo a compreensão de um tipo de troca
influenciar a compreensão da outra. Em outras palavras, um
tipo serve de metáfora para o outro. Gosto de dizer que uma
amizade depende da conversa para sobreviver exatamente
como o indivíduo depende da respiração para viver.
Examinando a curva do ciclo respiratório, transportada
para o papel, vemos a parte ascendente indicando a inspiração
e a descendente a expiração. Entre essas duas partes existem

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algumas pequenas pausas, uma antes de começar a inspiração
e a outra antes de começar a expiração.
Durante o ciclo da conversa, uma pessoa sempre necessita
de uma pequena pausa antes de falar (agir) e uma pequena pau-
sa antes de ouvir (sentir). A pausa antes do falar pode ser usada
para uma pergunta a si próprio: “O que ele realmente falou?”
Harold Goolishian do Galveston Family Institute, no Te-
xas, com quem tivemos bastante contato, sempre diz: “Vocês
devem escutar o que eles realmente dizem e não o que real-
mente tencionam dizer.”
Pode-se também usar a pausa antes de falar para a per-
gunta: “De tudo que ouvi ele falar, o que mais me desperta o
interesse?” A pausa antes do escutar poderia ser usada com
uma auto indagação: “O que eu disse foi adequadamente inco-
mum ou demasiadamente incomum?”
As conversas necessitam de pausas que sejam suficientes
para uma reflexão sobre o processo da conversa. E razoavel-
mente lentas, para que a mente possa selecionar as ideias com
as quais se identifica e encontrar as palavras que expressem
essa identificação. Deve haver um esforço durante a conversa
para que o falar, refletir e escutar dos dois ou mais participan-
tes mantenham-se na mesma velocidade e ritmo em relação a
essas fases. Quando falamos com alguém, tentamos seguir seu
ritmo sem perder o nosso.
A esse respeito, dois artigos sobre a fisiologia da respira-
ção apresentam ideias muito interessantes. Southerland, Wolf
e Kennedy declaram (Christiansen, 1972, p. 26):

Parece extraordinário que registros {dos ciclos respirató-


rios} tomados com intervalos de três a 28 dias possam re-
produzir um ao outro com grande precisão. No entanto, é
isso que acontece em cada caso. E, em centenas de casos, se
esses pares de gravações registradas com dias de intervalo

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forem embaralhadas, podem ser reagrupadas com bastan-
te facilidade. Consequentemente, passamos a chamar essas
imagens espirométricas de registros das “impressões digi-
tais” de nossos pacientes. Esses registros não podem ser du-
plicados por nenhum processo consciente.

Alexander e Saul declaram (Christiansen, 1972, p. 26):

Comparando duas séries de curvas, obtidas de indivíduos


diferentes, dois fatos ficam imediatamente evidentes. Pri-
meiro, a curva, como a caligrafia, é bastante típica de um
indivíduo. Em outras palavras, existem diferenças caracte-
rísticas entre os padrões respiratórios de diferentes indiví-
duos, exatamente como em suas caligrafias. Nas nossas
séries, não houve nenhuma ocorrência de dois indivíduos
apresentarem padrões respiratórios idênticos.
O segundo fato é a constância do traçado respiratório
de qualquer indivíduo. Em mais ou menos três quartos do
total dos casos, apesar de variações nos detalhes, os aspec-
tos mais importantes permaneceram característicos do in-
divíduo durante longos períodos (pelo menos três anos).
Aqueles que apresentaram uma variação considerável,
guardaram, mesmo assim, uma individualidade reconhe-
cível. Os experimentos demonstraram que a imitação do
espirograma de outro indivíduo era extremamente difícil.

Desses artigos, deduzi que: mesmo havendo uma grande


estabilidade no ritmo respiratório, com o passar do tempo,
existe nele uma tendência para mudar.
Maturana fala da tendência que diversas partes do corpo
têm de permanecerem as mesmas ou de mudarem com o tem-
po. Algumas partes são muito estáveis, como os gens, e outras

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menos. Será que a respiração pertence ao grupo das que se
mantêm estáveis com o passar do tempo?
Usando a respiração como uma metáfora, conscientiza-
mo-nos da necessidade de acompanhar a velocidade e as mu-
danças da outra pessoa por meio do seu escutar, pensar e falar.
Do contrário, a conversa pode ser sufocante.

QUAIS DAS NOSSAS CONTRIBUIÇÕES NO FALAR SÃO MAIS ÚTEIS?

O que é melhor para as pessoas que se encontram em uma si-


tuação de “impasse”? Podemos dar explicações e sugestões.
Podemos até dizer que deveriam aceitar nossas interpretações
e sugestões. Até mesmo persuadir, forçar ou ameaçá-las para
que as aceitem. Esse, no entanto, pode ser um caminho perigo-
so para uma relação da qual a conversa faz parte. Certamente,
o já mencionado conceito de Maturana (1978) sobre a intera-
ção instrutiva será útil para nós.
Sugestões e interpretações podem facilmente se transfor-
mar em perturbações desconhecidas para a pessoa. Se ela “deixa
entrar” algo para o qual o seu repertório não tem resposta, é
possível que ocorra uma desintegração. Evita-se que isso aconte-
ça terminando a relação. Bastante influenciados por tudo que se
refere a “perguntas” – como as propostas pela equipe de Milão,
os artigos de Penn (1982, 1985) e todos os debates com Harold
Goolishian e Harlene Anderson – consideramos mais seguro o
seu uso exclusivo. Existem certas exceções a essa regra, como no
caso de ser incomum demais para as pessoas com quem conver-
samos não darmos sugestões ou fazermos interpretações.
Perguntas adequadamente incomuns que oferecem a
possibilidade para mais de duas respostas (“sim” ou “não”)
quase sempre se abrem para mais perguntas. Consideramos

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que a nossa contribuição é constituída basicamente de pergun-
tas, em particular, daquelas que geralmente nossos interlocu-
tores não se fazem e que dão possibilidade a muitas respostas
que, por sua vez, podem gerar novas perguntas.

QUAIS DAS NOSSAS CONTRIBUIÇÕES NO ESCUTAR E NO FALAR


SÃO MAIS ÚTEIS?

Novamente, prefiro citar Harold Goolishian, que repetiu inú-


meras vezes: “Prestem atenção ao que eles realmente estão di-
zendo!” Podemos estar certos de que contém sugestões sobre o
que pode ser conversado. Preferimos, então, prosseguir a con-
versa falando sobre alguma coisa intimamente relacionada ao
que acabaram de dizer – em outras palavras, sobre aquilo que
acabaram de nos solicitar para que falássemos mais.
Quando falam, penso nas palavras que estão usando como
também no tom e nos movimentos do corpo que acompanham
as palavras e me pergunto o que, de tudo que ouço, é o mais
importante para se prosseguir a conversa. Essas partes mais im-
portantes chamamos de “aberturas”. Me pergunto: “A qual aber-
tura devo relacionar minhas perguntas? Devo, por exemplo,
pedir mais esclarecimentos sobre as palavras, devo pedir a his-
tória ou as circunstâncias que representam o contexto ou devo
perguntar o que poderia acontecer se houvesse modificações
nos procedimentos que se repetem em uma situação?”
Quando faço perguntas, me questiono simultaneamente:
“Posso ver algum sinal, demonstrado pela pessoa, que me in-
dique estar sendo muito pouco incomum, ou existem sinais de
que estou sendo adequadamente incomum ou incomum de-
mais?” Sempre prefiro me perguntar: “Como está a velocidade
para esta conversa, e o seu ritmo?”

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Também me pergunto: “Esta conversa contém algum as-
sunto que eu próprio não esteja apto para discutir? Esta con-
versa está tomando uma forma para a qual não estou prepara-
do? Estou começando a ficar preso aos meus próprios
significados sobre como a situação deveria ser descrita e expli-
cada? Chego mesmo a apresentar significados para resolver a
situação?”
Se respondo “sim” a qualquer uma dessas perguntas, ne-
cessito de uma longa e tranquila pausa para refletir mais sobre
minhas contribuições na conversa. Por exemplo, se os meus
significados começam a orientar minha participação na con-
versa, preciso da ajuda de alguém para me questionar sobre
esses significados e a forma como os construo.

TROCAS

Para nós, a utilidade de assistir a uma conversa reside na série


de trocas de ideias. Algo dito é escutado e pensado, gerando
uma pergunta que – esperamos – traga novas ideias para aqui-
lo que foi veiculado primeiro. As pessoas paralisadas sabem
exatamente quais ideias gostariam de discutir e nos orientarão
para as mais importantes, se estiverem seguras de que a con-
versa lhes garanta a preservação de sua integridade. Parece,
portanto, que o assunto a que se deve dar mais atenção é o
processo em curso do qual fazemos parte quando conversa-
mos com as pessoas. Isso implica que façamos perguntas sobre
todas as conversas que já tenham tido e sobre aquelas que pos-
sam vir a ter a respeito da situação de imobilidade no futuro.
Elas nos assinalarão o problema, definido como algo que não
se pode abandonar e que se pensa deva ser substituído por ou-
tra coisa.

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SISTEMA-SIGNIFICADO

Em 1985, Harlene Anderson e Harold Goolishian surgiram com


novos pontos de vista. Citamos aqui Lynn Hoffman que, nessa
época, já estava consciente da “novidade” (1985, pp. 386-387):

A velha epistemologia sugere que o sistema cria o proble-


ma. A nova epistemologia sugere que o problema cria o
sistema. O problema é formado pelo que quer em que con-
sistisse o sofrimento original mais o que quer que o sofri-
mento em seu festivo caminho pelo mundo consiga agregar
a si próprio. Deve-se pensar em algum tipo infernal de bo-
neco de piche ou em algum personagem atraente e aterro-
rizante do universo infantil. O problema é o sistema de
significados criado pelo sofrimento, e a unidade de trata-
mento é formada por todos aqueles que estão contribuindo
para esse sistema de significados. Isso inclui o profissional
que cuida do caso, a partir do momento em que o cliente
entra na sala. Recentemente, essa posição foi apoiada por
Harlene Anderson e Harry Goolishian (Anderson, Goo-
lishian, & Winderman, 1986) em seu debate sobre o siste-
ma definido por problema. Goolishian (comunicação pes-
soal, 1985) também levanta uma questão contra a ênfase
predominante em dividir-se a terapia em tratamento indi-
vidual, de casal ou de família. Argumenta dizendo que, se
usarmos uma estrutura baseada em unidades sociais, caí-
mos na armadilha do pensamento linear. Se for uma orga-
nização, pode não ser funcional. E, se não é funcional, con-
tém uma patologia. Se contém uma patologia, podemos ir
em frente e a curarmos. Isso, inevitavelmente, nos traz de
volta à velha epistemologia e à dicotomia entre a pessoa
que orienta e a que está sendo orientada.

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Essas ideias produziram um forte impacto em nosso pensa-
mento. Vemos um sistema criado por problema como uma arena
na qual muitos outros podem ser observados. Cada um deles
tende a fixar-se a uma descrição do problema, tendo para este
uma explicação correspondente e, consequentemente, é bem
previsível que também tenha um significado para solucioná-lo.
Quando cada um desses sistemas envolvidos contém sig-
nificados que são um pouco diferentes dos significados dos ou-
tros, novos significados podem surgir se ocorrer uma troca des-
tes durante a conversa. Se as conversas não ocorrerem, os
significados tenderão a permanecer imobilizados. As conversas
frequentemente param se os significados que as diversas pesso-
as possuem forem muito diferentes uns dos outros. Se o prestí-
gio também estiver envolvido, as pessoas tenderão a agarrar-se
de forma ainda mais forte a seus significados. Nessas situações,
procurarão ouvir seus próprios significados sobre os significa-
dos dos outros, em vez de ouvirem os significados dos outros.
A compreensão dessa situação é uma das razões para evi-
tarmos expressar significados. Se o fizermos, logo nos tornare-
mos aliados de alguém que já está em cena com um significa-
do similar ao nosso e, inevitavelmente, vamos nos tornar
contrários àqueles que guardam uma opinião bem diferente.

Sistemas-Significados como organizações

Maturana (1978) e Varela (Maturana & Varela, 1987) enfati-


zam o conceito de organização como é usado por eles. Matura-
na fala das organizações como unidades complexas compostas
de duas ou mais unidades simples. Essas unidades são tais que
a organização, vista como um todo por um observador, possui
algumas características que lhe conferem sua identidade.

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Usemos como exemplo uma equipe trabalhando com sis-
temas. A equipe é constituída de quatro ou cinco pessoas que
se reúnem para realizar o trabalho sistêmico. O que fazem jun-
tas em relação ao trabalho sistêmico caracteriza a organização,
a equipe.
A equipe pode comportar-se de diversas formas, algumas
vezes um falando e os outros escutando, outras todos falando;
algumas vezes trabalhando mais coesamente, outras menos.
Essas diversas formas de cooperação indicam diversas estrutu-
ras. Embora as estruturas mudem, a ideia essencial permane-
ce: que é a realização do trabalho sistêmico. Os membros da
equipe podem ser substituídos por outras pessoas, mas a orga-
nização permanece se a nova equipe continuar fazendo o tra-
balho sistêmico.
Na “tradução” que fazemos para o nosso uso diário da
linguagem, pensamos em organização como um agrupamento
de duas ou mais pessoas que têm, ao menos, uma ideia em
comum. Enquanto mantiverem essa ou essas ideias como um
interesse em comum, a organização prevalecerá. Se a(s) ideia(s)
desaparecer(em), a organização se dissolverá. Nos termos de
Anderson e Goolishian (Anderson, Goolishian, Pulliam &
Winderman, 1986), um sistema-significado pode ser visto
como um grupo de pessoas vinculadas à mesma ideia de fazer
algo em relação a uma determinada situação. Em TromsØ, gos-
tamos de olhar para essa organização através de determinadas
lentes: quais são as várias sub-entidades dessa organização, em
termos de pessoas aptas a conversar umas com as outras? Em
outras palavras, como são constituídas as várias sub-unidades
em termos de pessoas aptas a trocar várias ideias sobre o pro-
blema e o sistema paralisado que criaram?
Temos a impressão de que muitos terapeutas desejam es-
tabelecer uma conversa com grupos de pessoas que, naquele

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determinado momento, não estão capacitados para trocar
ideias. Logo, uma das perguntas importantes a ser considerada
é a seguinte: “Quem pode falar com quem a respeito deste as-
sunto, e de que maneira neste momento?” Isso não significa
que não podemos falar com todos. Isso significa apenas que
deveríamos discutir com aqueles que estão envolvidos no pro-
blema, com quais grupos deveríamos nos encontrar, em que
momento e sobre qual assunto.

Multiversa significa que um mesmo e determinado fenô-


meno, ou seja, um problema, pode ser descrito e compreendido
de muitas maneiras diferentes. A ideia construtivista de que
cada pessoa cria sua versão da situação é de grande ajuda
quando nos deparamos com um sistema paralisado (Bate-
son, 1972, 1978, 1979; Maturana, 1978; Maturana & Varela,
1987; Segal, 1986; von Foerster, 1979; von Glasersfeld, 1988).
Todas as versões não estão nem certas nem erradas. Nossa
tarefa é nos empenharmos, o máximo possível, em um diálo-
go para compreendermos como as diversas pessoas chega-
ram a criar suas descrições e explicações. Em seguida, convi-
damo-las para um diálogo a fim de debatermos a possibilidade
de outras descrições ainda não percebidas e, talvez até, ou-
tras explicações ainda não pensadas. De uma certa forma,
estamos as convidando para se juntarem a nós e trocarmos
ideias, tendo em mente que sempre existe alguma coisa que
não foi percebida e algo ainda não pensado nos processos da
vida.
Em outras palavras, existem sempre muitas outras distin-
ções a serem extraídas além das que já o foram. Os recursos
que mais nos auxiliam na busca de novas distinções são as per-
guntas que ainda não foram feitas. As perguntas adequada-
mente incomuns constituem a nossa maior contribuição para

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o sistema paralisado. As pessoas que se encontram imobiliza-
das, definindo-se assim como situações problemáticas, estão
acostumadas a se fazerem sempre as mesmas perguntas. Quan-
do contribuímos para o processo de criar novas compreensões
do problema definido, além de formularmos perguntas inco-
muns ao grupo durante nossa conversa, como poderemos
criar também a possibilidade de que cada um comece a fazer
novas perguntas? Em outras palavras, como criarmos a possi-
bilidade para nosso interlocutor de começar a se fazer novas
perguntas?

A EQUIPE REFLEXIVA

Presentemente, entendemos que a estrutura da equipe reflexi-


va oferece a possibilidade para aqueles que nos consultam de
– enquanto escutam a equipe – se fazerem novas perguntas,
obtendo assim novas distinções.
O sistema imobilizado é entrevistado por um de nós,
mesmo sendo ele composto de uma ou mais pessoas, por
exemplo, uma família mais o sistema auxiliador. Todas essas
pessoas pertencem ao sistema entrevistador. A equipe reflexi-
va geralmente fica atrás de um espelho unidirecional e, quase
sempre, é constituída de três pessoas. Um espelho unidirecio-
nal não é necessário e o número de membros da equipe nem
sempre é de três. Essas variações serão mencionadas mais
adiante.
O sistema entrevistador é visto como um sistema autôno-
mo que define ele próprio o que deve ser conversado e de que
maneira isso deve ser feito. A equipe reflexiva nunca dá instru-
ções sobre o que o sistema entrevistador deve conversar ou
como seus membros devem falar.

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Cada membro da equipe reflexiva escuta silenciosamente
a conversa. Os membros não falam entre si, mas cada um deles
se questiona de uma forma inquisitiva: como descrever a situ-
ação ou o(s) assunto(s) que o sistema apresenta além da des-
crição apresentada? Como explicar a situação ou o assunto
além da(s) explicação(ões) apresentada(s)?
Depois de um momento, os membros da equipe apresen-
tam suas ideias, se o sistema entrevistador assim o quiser. Os
membros da equipe falam, então, entre si, sobre suas ideias e
perguntas a respeito do(s) assunto(s) apresentado(s), estando
os membros do sistema entrevistador os escutando. Em outras
palavras, cada membro da equipe dá a sua versão sobre os as-
suntos problemáticos que foram definidos. Se as diversas ver-
sões não forem diferentes demais, servirão como perspectivas
mútuas para cada um, e as duas ou mais versões diferentes aca-
barão por criar outras novas, conforme os membros da equipe
falem entre si de uma forma questionadora.
Talvez mais importante ainda é que esse procedimento
dá aos membros do sistema entrevistador (o sistema imobili-
zado mais o entrevistador) uma possibilidade de ter um diálo-
go interno enquanto escutam as versões que a equipe apresen-
ta. Depois que a equipe termina suas reflexões, os membros do
sistema entrevistador conversam entre si sobre as ideias que
tiveram enquanto as escutavam. De certa forma, conversam
sobre a conversa que a equipe reflexiva teve sobre a primeira
conversa do sistema entrevistador.
Durante a maior parte do tempo, o entrevistador faz per-
guntas e evita dar opiniões ou conselhos. A equipe também faz
somente reflexões especulativas para salientar que cada mem-
bro da equipe só pode ter sua versão subjetiva do todo e que,
de acordo com o pensamento básico, não existe qualquer obje-
tivo ou versão final.

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Sendo assim, concordamos com a declaração de Matura-
na quando diz ser a interação instrutiva impossível. Só pode-
mos oferecer uma chance para uma união estrutural transitó-
ria de interesse mútuo e as subsequentes trocas de ideias. E
gostamos de enfatizar a importância do interesse mútuo.
Surge curiosidade a respeito das perguntas que suscitam
distinções, por exemplo: como seria a conversa se todas as per-
guntas disponíveis, mas não utilizadas, fossem feitas? O que se
perceberia então? E quais explicações poderiam ser construí-
das baseadas em todas essas outras descrições não percebidas?
Fico cada vez mais curioso pensando no conteúdo de to-
das as conversas alternativas que poderíamos ter tido.
O replay dos videotapes oferece alguma possibilidade de
lidarmos com essas perguntas. Pelo menos, podemos imaginar
quais teriam sido todas essas perguntas sem uso. Frequente-
mente, assistimos aos videotapes das sessões e paramos em
uma das perguntas feita pelo entrevistador. Discutimos, então,
quais outras perguntas poderíamos ter feito. Não é difícil pro-
por dez, 15 ou mesmo 20 outras possíveis perguntas. Paramos
também em aberturas que não foram usadas e nos questiona-
mos qual pergunta se encaixaria nelas.
Só podemos dar uma colaboração útil se a conversa ins-
tigar a nossa curiosidade. Como tudo o mais na vida, a curio-
sidade é uma colaboradora da maior importância para a
evolução.

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Diretrizes para a prática

E ssas diretrizes poderiam ser consideradas um tipo de


mural, uma vez que são transitórias e podem ser or-
ganizadas de muitas maneiras. Correspondem a experiências
reunidas ao longo do tempo e têm sido úteis para aqueles com
quem falamos, quando adequadamente incomuns.
A parte mais importante da conversa define-se em torno
da pergunta “Como podemos – o sistema paralisado e nós –
ter juntos uma conversa significativa?”
Dentro do enfoque dessa pergunta, falamos basicamente
sobre as diversas conversas que têm se desenvolvido até agora
sobre esse problema e discutimos quais outras conversas pode-
riam ser úteis no futuro, com qual(is) pessoa(s), qual(is)
assunto(s), de que maneira(s) e em que momento(s)?
“Nós”, representando os últimos profissionais a entrar
em cena, variamos em número e podemos ser um, dois, três
ou quatro. Desse nosso grupo, alguns preferem que sejamos
apenas um, solicitando ao(s) profissional(ais) que já está(ão)
no sistema paralisado que se junte(m) em uma equipe. Ou-
tros preferem que dois ou três de nós nos tornemos a equipe

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que manterá contato com os componentes do sistema
paralisado.

O QUE PODEMOS OFERECER QUANDO FORMAMOS UMA EQUIPE


DE DOIS OU MAIS MEMBROS

Geralmente, um membro do sistema criado por problema,


quase sempre um profissional, mantém contato conosco. O
contato pode ser por telefone ou carta.
Se for por telefone, podemos iniciar a conversa com
nosso(a) interlocutor(a) perguntando quais são, nesse mo-
mento, as pessoas consideradas importantes para comparecer
ao primeiro encontro a fim de discutir o assunto apresentado
pelo telefone. Se a pessoa que nos telefonou for um/a profissio-
nal, ela também é convidada a comparecer ao primeiro encon-
tro. Se esse encontro for difícil de combinar, perguntamos à
pessoa se podemos nos manter em contato com ela para infor-
mações ou outros debates.
Se o contato for por carta, podemos responder escreven-
do: “Algumas vezes existe mais de uma pessoa envolvida em
assuntos como esse mencionado em sua carta. Em tais casos,
quase sempre parece útil nos inteirarmos, o quanto possível,
das experiências e compreensão que essas pessoas envolvidas
têm desses assuntos. Uma vez que desconhecemos as circuns-
tâncias que cercam esse assunto, gostaríamos de saber se existe
alguém em particular que possa contribuir para a nossa com-
preensão. Se existir uma ou mais pessoas que possa(m) fazer
isso, poderia(m) vir ao primeiro encontro, caso considere(m)
pertinente sua vinda. Se você próprio estiver interessado, sin-
ta-se à vontade para tomar parte em nosso encontro. Se não
puder vir, espero que possamos manter contato, caso surja nos

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encontros alguma coisa que gostaríamos de informar ou dis-
cutir com você”. A ideia é de possibilitar nesses encontros a
presença do maior número possível de membros do processo
criado por problema.

O PRIMEIRO ENCONTRO QUANDO FORMAMOS UMA EQUIPE DE


DOIS OU MAIS MEMBROS

Se houver profissionais participando do encontro, conversare-


mos antecipadamente com eles para lhes dizer que desejamos
ser informados sobre seu trabalho com o sistema. Pedimos
que determinem se querem nos dar essa informação antes de
nos encontrarmos com o(s) seu(s) cliente(s) ou dá-la na pre-
sença dele(s). Para nós, a última opção é preferível, mas o(s)
profissional(ais) deve(m) escolher a maneira com a qual se
sinta(m) mais confortável(eis). Pelo menos, não deve(m) fazer
nada que o(s) deixe desconfortável(eis). O(s) profissional(ais)
também tem/têm a opção de sentar atrás do espelho unidire-
cional, tanto como membro(s) da equipe reflexiva quanto
como observador(es); neste caso, sentado(s) atrás da equipe
apenas para observar e escutar.
Determinamos antecipadamente quem será o entrevista-
dor. Este e uma outra pessoa da equipe encontram-se com o
sistema paralisado (incluindo o(s) profissional(ais)) na sala de
entrevistas, ficando o resto da equipe esperando na outra sala.
Informa-se aos membros não profissionais do sistema os pos-
síveis formatos: falar somente com uma pessoa (o entrevista-
dor), com duas (o entrevistador mais um de nós) ou com o
entrevistador e toda a equipe. São também esclarecidos sobre
a posição que o(s) profissional(ais) preferiram tomar na ses-
são. Se uma equipe estiver presente, será informada de que

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seus membros se sentarão atrás de um espelho unidirecional.
Se além de nós e do entrevistador houver mais pessoas, dire-
mos a estas que, de vez em quando, a equipe poderá discutir
sobre a fala ocorrida entre o entrevistador e o sistema
paralisado.
Explicamos que todas as pessoas presentes à conversa,
sendo participantes ou ouvintes, muitas vezes apresentam
ideias sobre o que foi discutido. Quase sempre, vale a pena dis-
cutir essas ideias já que demonstraram ter um impacto positi-
vo no diálogo sobre o problema apresentado. Portanto, os
membros da equipe falarão abertamente sobre as ideias expos-
tas, com todos os presentes escutando.
Se os não profissionais estiverem em dúvida sobre o que
preferem, deixamo-los sozinhos para que possam discutir as
opções que lhes são oferecidas e escolham o formato com o
qual se sintam confortáveis.
Depois de definido o formato, participamos nosso desejo
de filmar a sessão, seguindo sempre as decisões tomadas. Se
houver estudantes desejando acompanhar a conversa, faze-
mos, então, nossa última pergunta introdutória e eles determi-
nam se isso será permitido ou não.
Não hesitamos em expressar o que – acreditamos – con-
tribuirá mais para a conversa, como a presença da equipe. Se
desejam ter uma equipe participativa, por exemplo, a equipe
vem sempre até a sala e todos os seus membros apertam as
mãos dos membros do sistema paralisado.
Antes do início da sessão e depois que os membros da
equipe estiverem sentados, também faz parte do nosso proce-
dimento diminuir a luz da sala de entrevistas e acender a da
sala de observação, para que o sistema paralisado saiba onde e
como estão sentados os membros da equipe.

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O QUE PODEMOS OFERECER NO PRIMEIRO ENCONTRO QUANDO
SOMOS APENAS UM

Nesse caso, um de nós vai até o consultório local dos profissio-


nais. Fazemos isso se o profissional tiver concordado em to-
mar parte no encontro. O profissional fica ciente de que nós,
certamente, desejamos ser informados sobre o trabalho desen-
volvido até aquele momento. Solicitamos que decida se essa
informação deve ser apresentada antes do encontro com o(s)
cliente(s) ou se na presença dele(s). Dizemos preferir o último
procedimento, mas sempre seguimos aquele que os profissio-
nais locais preferem.
Em seguida, informamos que somente um de nós será o
entrevistador, ficando o outro como um observador ouvinte
da entrevista. A explicação desse procedimento baseia-se em
nossa experiência de que, muito provavelmente, dois entrevis-
tadores farão duas entrevistas que podem se tornar difíceis de
serem acompanhadas pelos clientes presentes.
A pessoa local determina o que deseja ser, se o entrevis-
tador ou o observador. O profissional local quase sempre
prefere ser o último. Introduzimos, então, a ideia de parar, de
vez em quando, para discutir a conversa, ficando o(s)
cliente(s) na posição de escuta. Diz-se à pessoa local para
participar dessa discussão até o ponto em que se sinta con-
fortável. Se ela aceita a ideia de tomar parte na equipe reflexi-
va, informamos, baseados em nossa experiência, que para
o(s) cliente(s) ter(em) a oportunidade de ficar em uma posi-
ção de escuta, devemos nos concentrar em olhar um nos
olhos do outro enquanto expomos nossas reflexões. Se olhar-
mos para o(s) cliente(s), incluindo-o(s) assim analogicamen-
te em nossa conversa, estamos o(s) privando da possibilidade
de permanecer na posição de escuta, em outras palavras, de

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ter a possibilidade de prestar atenção aos assuntos discutidos,
mantendo um distanciamento.
Se o profissional local aceitar esses procedimentos, tudo
é explicado novamente ao(s) cliente(s) antes que decida(m) se
aceita(m) esse formato ou prefere(m) outro.

AS PERGUNTAS PRINCIPAIS

Desde o início da sessão, o entrevistador e o resto da equipe


têm algumas perguntas específicas em mente:
“Qual é o interesse dos presentes neste encontro? Quem,
primeiro, teve a ideia deste encontro? Com quem, pela primei-
ra vez, essa pessoa falou sobre essa ideia? Com quem, em se-
gundo lugar? Quem, então, foi informado sobre o assunto?
Quem gostou da ideia? Quem teve reservas? Alguém ficou res-
sentido com o assunto? Quem, entre os presentes, gostou mais
da ideia? Quem ficou mais reservado? Se a pessoa que sugeriu
esse encontro não o tivesse sugerido, alguém o faria? E quem?”
Para nós, a intenção implícita nessas perguntas é nos in-
teirarmos sobre a(s) pessoa(s) que tem/têm mais reservas so-
bre o encontro. Podem ser consideradas as conservadoras do
sistema. Durante o encontro, deve-se dar mais atenção a elas
porque, muito provavelmente, serão as primeiras a dar o sinal
de que o assunto em pauta ou a maneira pela qual o encontro
está sendo conduzido tornaram-se incomuns demais. De vez
em quando, um olhar de relance para ler suas expressões fa-
ciais ou uma pergunta sobre se é o momento e o formato ade-
quado para a discussão desse assunto nos darão a resposta de-
sejada. Quem pode falar com quem, sobre qual assunto, aqui e
agora? Sobre quais assuntos as pessoas presentes desejariam
falar? Quais são os formatos permitidos para essas falas? Deve-

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riam todos estar presentes? Deve alguém falar e alguém escu-
tar? Deve alguém ficar atrás do espelho por um tempo e, em
seguida, na frente, ficando os outros atrás do espelho?
Todas as perguntas relatadas anteriormente referem-se à
preparação da conversa que teremos nesse encontro. Todos, o
entrevistador e os membros da equipe reflexiva, trabalham ar-
duamente com essas perguntas.

O que e a quem perguntaremos, e quem ficará escutando?

Não existem regras estabelecidas, mas uma das ideias é per-


guntar, em primeiro lugar, sobre a história da vinda a esse en-
contro no caso de um (ou mais) profissional(ais) estar(em)
presente(s). Mais adiante, podemos fazer a outra principal
pergunta à pessoa mais favorável à realização do encontro:
“Como você gostaria de usar este encontro?” ou “Qual(is) o(s)
assunto(s) que você gostaria de discutir neste encontro?”
Dá-se uma oportunidade a todos de expressar um com-
promisso com o encontro e também de falar qual(is) o(s)
assunto(s) que gostariam de discutir. A conduta que se segue
durante a sessão corresponderá a essa fala de abertura.
É possível que um determinado membro da família quei-
ra que um novo consultor tome parte em uma conversa sobre
alguns tópicos específicos. Neste caso, será melhor deixar o(s)
profissional(ais) assistente(s) em uma posição de escuta por
algum tempo, antes de se envolver(em) em um diálogo com o
entrevistador.
Por outro lado, é possível que o(s) profissional(ais)
quisesse(m) muito o encontro. Dois exemplos ilustram essa
situação: um consultor (um “especialista”) de um sistema pa-
ralisado, composto de uma família mais uma consultante lo-

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cal, desejava um outro consultor para se reunir a ele. O con-
sultor “original” teve a ideia de pedir outro consultor. A
consultante concordou com entusiasmo. A família concor-
dou polidamente. O consultor desejava discutir certas preo-
cupações que tinha em relação à família. A consultante que-
ria falar sobre algumas outras que ela também tinha. A
família, por ela, não teria convocado nenhum outro profis-
sional e nem tinha nenhum assunto em particular para dis-
cutir. Neste caso, o novo entrevistador debateu com o consul-
tor e a consultante as preocupações que tinham, ficando a
família na escuta da conversa. De vez em quando, os mem-
bros da família eram convidados a fazer comentários, o que
faziam parcimoniosamente.
Em outro caso, uma equipe requisitou uma consulta, de-
monstrando abertamente seus temores sobre acontecimentos
recentes, violentos e desagradáveis em uma família, receando
que voltassem a ocorrer. Durante esse encontro, o consultor
entrevistou a equipe sobre as perspectivas que tinham sobre as
perspectivas da família, ficando esta na posição de escuta du-
rante todo o tempo. Depois que o consultor terminou sua en-
trevista, um dos membros da equipe voltou-se para os mem-
bros da família e perguntou se tinham algum comentário a
fazer sobre o que tinham ouvido.

Os assuntos a serem discutidos

Dá-se a cada pessoa presente a oportunidade de se manifestar


sobre qual(is) assunto(s) gostaria de conversar. O entrevista-
dor fala com cada um que apresentou um assunto, na sequên-
cia e com a minúcia que considere adequadas à própria ordem
de prioridades do sistema.

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Em seguida, será conveniente perguntar aos presentes
qual o formato que servirá melhor à discussão dos vários as-
suntos. Se o entrevistador, ele/ela próprio(a) não tiver certeza
sobre o formato, pode pedir à equipe reflexiva que transmita
suas ideias sobre as diversas possibilidades. Há indícios que
levam o entrevistador a pedi-las, por exemplo: uma diminui-
ção no fluxo da conversa tornando-a menos significativa, uma
troca menor ou maior de palavras e ideias, quando diversas
pessoas falam simultaneamente durante uma altercação. Essas
situações podem terminar em uma modificação para outro
formato, por exemplo, a divisão do grupo em subgrupos etc.
Por falar nisso, todas as vezes que surgir um novo assun-
to, é importante ter em mente as perguntas sobre o formato:
“Quem está preparado para falar com quem, sobre este assun-
to, agora?”

De palavra em palavra

Já antes do encontro, as pessoas que nos consultam costumam


saber muito bem o uso que querem fazer dele. Quase sempre,
as primeiras frases ditas, que são poucas, contêm informações
extremamente importantes.
O/A entrevistador(a) fica esperando por uma pausa no
fluxo da conversa do sistema para fazer sua pergunta e, enquan-
to espera, escuta com atenção o que está sendo dito. Algo do
que é dito tornar-se-á particularmente significativo na mente
do entrevistador. Boscolo, Cecchin, Hoffman e Penn denomi-
nam esses proferimentos de “aberturas” (1987, pp. 253-254):

Uma abertura é uma expressão do sistema significativo em


uma família. Pode ocorrer de muitas formas: como uma

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ideia, uma palavra-chave, um tema ou uma amostra de
comportamento analógico. Qualquer que seja sua forma,
funciona como uma entrada ou uma “abertura” para a ma-
neira que uma determinada família organiza seu padrão
de pensamento, seus comportamentos e a combinação de
significados que representam coletivamente. Por exemplo,
um pai pode dizer: “Minha filha é independente demais”. A
ideia de independência é uma abertura; é uma palavra in-
vestida de forte significado para essa família; e, embora
uma queixa seja geralmente dirigida a uma pessoa proble-
mática, a abertura oculta ramificações por todo o sistema.

Prefiro considerar essas aberturas como convites para o


prosseguimento do diálogo. Uma dessas aberturas torna-se a
base para a próxima pergunta.
Nunca podemos saber os atalhos que o diálogo tomará
porque temos que esperar pelo conteúdo da última sequência
da fala. Só podemos avançar de palavra em palavra.

O sistema observante escolhe a direção do diálogo

A partir do momento em que começam a responder uma de


nossas perguntas até fazerem uma pausa, as pessoas com quem
mais conversamos quase sempre apresentam muitas aberturas.
Na realidade, estão nos convidando a participar de novos cami-
nhos na conversa, e não de apenas um. O entrevistador escolhe
somente um convite por vez. Tem autonomia para essa escolha.
Não sabemos responder com precisão por que faz apenas essas
escolhas. Preferimos acreditar que nossas escolhas são guiadas
pela nossa intuição sobre que abertura servirá melhor ao diálo-
go seguinte. Guardamos como uma regra importante não se-

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guir uma abertura que o/a próprio(a) entrevistador(a) expe-
riencie como desagradável. O leitor, com certeza, se lembra do
que foi dito antes sobre o entrevistador, como sobre todos os
outros membros da equipe: “Representam organizações às
quais deve ser dada a possibilidade de se preservarem”.
A abertura a ser escolhida pode ser aquela que desperte
algum tipo de curiosidade. Cecchin diz que tal curiosidade é
muito diferente da neutralidade (1987, p. 406):

Para evitar-se a armadilha da simplificação em excesso da


ideia de neutralidade, proponho defini-la como a criação
de um estado de curiosidade na mente do terapeuta. A
curiosidade leva à exploração e invenção de pontos de vista
e movimentos alternativos, e movimentos e pontos de vista
diferentes geram a curiosidade. Neste modelo recursivo, a
neutralidade e a curiosidade contextualizam-se em um
compromisso para desenvolver diferenças, com uma conco-
mitante desvinculação de qualquer posição particular.

Assuntos considerados desagradáveis tendem a restringir


a curiosidade, às vezes, em excesso.

As perguntas que geram mais e, esperamos, novas aberturas

Essas são as perguntas adequadamente incomuns. A reação das


pessoas que recebem as perguntas é a única indicação que te-
mos para verificar se foram comuns demais, adequadamente
incomuns ou incomuns demais. Para “diagnosticarmos” nossas
próprias perguntas temos que ser sensíveis às reações daqueles
a quem nos dirigimos. As comuns demais não criam qualquer
tensão nos nossos interlocutores. As adequadamente inco-

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muns criam e podemos detectá-las por algum tipo de mudança
na atividade da pessoa, por exemplo, de um raciocínio rápido
para um raciocínio mais lento, de uma posição para outra com
um movimento do corpo, de uma aparência muito à vontade
para um pouco mais desconfortável etc. – e tudo isso acontece
sem nenhuma redução do fluxo de trocas durante o diálogo.
As perguntas incomuns demais também resultam em
mudanças na atividade da pessoa, mas essas mudanças são as
limitações da receptividade da pessoa às perturbações (ou per-
guntas), por exemplo, escutarem com menos atenção, torna-
rem-se distantes e desinteressadas, darem poucas respostas e
curtas, aumentarem a atividade dos músculos flectíveis do
corpo tornando-a visível (o rosto se crispa, os braços se cru-
zam, a respiração fica contida). Se os nossos sentidos estive-
rem abertos para esses sinais, podemos experienciar uma re-
dução no fluxo da conversa. Se não notarmos nenhum desses
sinais de reação ao incomum que está sendo expressado, nem
o decréscimo no fluxo da conversa, é possível que nós próprios
estejamos forçando a situação: quanto menos forem recepti-
vos, mais forçamos as perguntas. Esse estado de agressividade
pode ser notado quando nos tornamos cada vez mais rápidos,
com uma correspondente tensão aumentada em nossos cor-
pos. Por essa razão, também temos que ser sensíveis ao nosso
próprio estado durante a conversa.

Perguntas incomuns

Existem muitas perguntas incomuns que podem ser feitas quan-


do se apresenta uma abertura. Nunca é somente uma. A escolhi-
da, certamente, também influenciará o rumo da discussão. O que
se segue é uma tentativa de oferecer ideias sobre um repertório
de perguntas incomuns do qual elas possam ser escolhidas.

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As perguntas referem-se às descrições das atividades
acerca dos assuntos apresentados, às explicações dessas ativi-
dades e àquilo que se possa imaginar, se algumas/algo dessas
atividades mudar. Os três tipos de perguntas podem ser consi-
derados pertencentes a três níveis do mesmo fenômeno
(Blount, 1985, pp. 150-151):

Discutimos epistemologia – as regras para aquilo que é


considerado um fato e como os fatos são ordenados em
ideias significativas – quando discutimos a organização de
serviços clínicos em um departamento, porque no pensa-
mento sistêmico essas são perspectivas diferentes sobre o
mesmo fenômeno. A epistemologia é o estudo da ordena-
ção das premissas em um formato particular. A estrutura
de um departamento é a organização dos comportamentos
ou padrões de comunicação em um formato. Esses são os
mesmos fenômenos em qualquer circunstância que se apre-
sente. Em qualquer que seja o momento, a forma do ato de
comunicação e a forma do que está sendo comunicado não
podem ser separadas. “Padrão de comportamento” é o con-
ceito usado por um observador dos caminhos que a comu-
nicação percorre, isto é, das pessoas que estão se comuni-
cando. “Premissa de interação” é o conceito usado por um
observador da diferença ou informação que percorre esses
caminhos.

A mudança de um tipo de pergunta para outro realizada


pelo entrevistador, no momento e forma que sua intuição lhe
sugere que assim o faça, envolve descrições apartadas das ex-
plicações e vice-versa. As pessoas que permanecem imobiliza-
das vivendo uma situação problemática confundem facilmen-
te esses dois níveis em sua fala.

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Todas as perguntas baseiam-se na ideia crucial de que as
pessoas não se referem ao assunto problemático que está “lá
fora” mas a sua compreensão dele. Uma consequência dessa
máxima crucial é não podermos nem descrever nem explicar
o assunto, mas apenas descrever suas descrições e explicações
e darmos explicações experimentais para as nossas descrições
(das descrições e explicações das pessoas). Então, alguém per-
gunta: “O que você viu?” “O que você experienciou?” “Qual foi
a sua percepção?” “Qual foi a sua compreensão?” etc., em vez
de fazer perguntas como: “O que é?”, “Como é?” Em outras
palavras, as pessoas agem na situação problemática de acordo
com a sua compreensão do problema.

Perguntas sobre descrições

É fundamental fazer perguntas que gerem descrições duplas.


Estas dão perspectiva a um fenômeno e abrangem todas as va-
riações de diferenças; elas contêm palavras como:

> em comparação com:


“Como é isso agora, comparado com antes?” (diferença
ao longo do tempo/mudança); “Quem gostou mais?” (des-
crevendo o fenômeno como parte de um relacionamento);
“O avô fica mais feliz no encontro com quais netos?” (com-
parando relacionamentos); “Quem fez e o quê?”/”O que
ajudou mais?” (comparações de soluções tentadas) etc.

> em relação a:
“Quais eram as circunstâncias?”/”Quem estava
envolvido?”/“Qual (das pessoas presentes) não se envol-
veu?” etc.

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> diferente de:
“Quando começou?”/”Quando se tornou pior?”/”
Quando diminuiu?” (diferente antes e depois de um deter-
minado momento) etc.

O leitor deve ficar atento às perguntas propostas por


Mara Selvini Palazzoli et al. (1980), Peggy Penn (1982, 1985)
e Karl Tomm (1987a, 1987b, 1988).* Esses artigos descre-
vem, particularmente, perguntas circulares. Essas perguntas
não serão descritas aqui, mas apenas comentadas. Uma pu-
blicação completa do Dulwich Centre Newsletter é dedica-

* Nossas perguntas não têm as intenções claramente declaradas como inventi-


vas ou transformadoras que Karl Tomm menciona. Para mim, intenções in-
ventivas e transformadoras parecem corresponder à interação instrutiva, que,
de acordo com Maturana, não acreditamos ser possível (Tomm, 1987a, p. 6).
Embora não sendo propriamente responsável por elas, esse processo decisó-
rio está subentendido nas três diretrizes das entrevistas que os associados de
Milão, originalmente, descreveram. Logo, a pertinência de delinear uma
quarta, para orientar os terapeutas quando fazem essas escolhas. Aplicar uma
estratégia pode definir-se como a atividade cognitiva dos terapeutas (ou
equipe) em avaliar os efeitos de ações passadas, construir novos planos de
ação, antecipar as possíveis consequências das diversas alternativas e decidir
como proceder, em qualquer momento específico, para maximizar a utilida-
de terapêutica. Como uma diretriz de entrevistas, contém as escolhas inten-
cionais dos terapeutas sobre o que deveriam fazer ou não deveriam fazer para
orientar o sistema terapêutico em evolução na direção de uma mudança te-
rapêutica. Quando rotulei essa diretriz, escolhi o termo original “estratégia”
para enfatizar que os terapeutas adotam uma postura com um compromisso
definitivo de atingir algum objetivo terapêutico. A forma do infinitivo** foi
escolhida para enfatizar sua natureza ativa: isto é, um processo ativo de man-
ter uma rede de operações cognitivas que resultam em decisões para a ação.
**No original, a forma verbal usada e mencionada é o gerúndio (strategi-
zing). Pela dificuldade de uma correspondência adequada ao português,
traduzi para uma forma composta no infinitivo (“aplicar uma estratégia”),
que apresenta o processo verbal em potência, exprimindo também a ideia
de ação enfatizada pelo autor.

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da aos artigos sobre perguntas e a forma de perguntar; os
autores são Eve Lipchik (1988), Michael White (1988) e
Laurie MacKinnon (1988).
Um(a) entrevistador(a) pode refletir sobre esse processo
como se ele/ela estivesse propondo a um cliente: “Suponha que
você fez um filme da situação problemática e este filme con-
tém todos os movimentos, falas, ideias, sentimentos etc. das
pessoas. Imagine-se rebobinando o filme e começando a vê-lo
de novo em câmera lenta. Quando o fizer, por favor, diga-me o
que está vendo e ouvindo”.
Algumas vezes, perguntas sobre diferenças podem ser inco-
muns demais para aqueles que as recebem e, consequentemente,
provocadoras. Nessas circunstâncias, modera-se o questiona-
mento e espera-se para fazê-lo em um momento mais adequado.
Em outras, as pessoas reagem às perguntas sobre as diferen-
ças apontando e salientando as similaridades de seus diversos
significados. Nesses casos, se as pessoas rejeitarem fortemente as
perguntas sobre diferenças, pode-se indagar a respeito da ten-
dência a ser similar. “Foi sempre assim?” “Como assim?” “Surgiu
por si próprio?” “De propósito?” “Por tradição?” etc. “Sempre
aconteceu de alguém ver algo de uma maneira um pouco dife-
rente?” “Se isso ocorrer no futuro, quem poderá ser essa pessoa?”
etc. Mas se essas perguntas também forem diferentes demais, in-
dagamos sobre os assuntos sem trazer à tona as diferenças, sa-
bendo que se escolhermos os que os mantêm confortáveis, have-
rá um momento para as perguntas sobre as diferenças.

Perguntas sobre explicações

Quando as diferenças são evocadas, podemos perguntar:


“Como se explica isso?” “Como isso pode ser entendido?”

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“Como veio a acontecer nesse determinado momento?” As
perguntas sem resposta sobre explicações podem ser muito
boas, no sentido em que criam uma curiosidade indagativa e
uma busca por uma resposta.
Depois que uma mudança (uma diferença ao longo do
tempo) foi descrita formulando-se a pergunta sobre explica-
ção, pode-se pensar: “Que diferença fez aquela diferença?”
Quando alguém se dedica à história e nota que existem
transições do melhor para o pior e também do pior para o me-
lhor, pode pensar: “Qual diferença fez a diferença para o pior
ou, correspondentemente, para o melhor?”
A propósito, conversando com um grupo de pessoas, por
exemplo, uma família, parece mais fácil especular sobre per-
guntas como: “Qual(is) diferença(s) fez/fizeram a(s) di­fe­ren­
ça(s) para o melhor?” e, em seguida, sobre as perguntas rela-
cionadas às diferenças que fizeram uma diferença para o pior.
Trabalhando com a última pergunta, que tem uma conotação
bastante negativa, acendemos imediatamente as “defesas” das
pessoas e elas nos isolam da conversa para preservarem sua
integridade.

Perguntas sobre as várias conversas

As descrições duplas ou múltiplas são caminhos extremamen-


te úteis originados de uma situação difícil. Aparecem por meio
de trocas de ideias sobre descrições. Quando esse fluxo de tro-
cas cessa, o problema surge. Perguntas sobre conversas do pas-
sado, do presente e possivelmente de futuro são, portanto, sig-
nificativas, como as seguintes:
“Quem falou com quem, sobre que assunto e de que
maneira?”

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“Quais são os diversos significados do(s) assunto(s) e
qual(is) é/são o(s) significado(s) das soluções para o proble-
ma?” “Até que ponto os significados são negociáveis?”
“Quais são as pessoas, neste momento, capazes de falar
uma com a outra, sobre este(s) assunto(s)?”
“Quem não é?” “Como se explica isso?”

DESCRIÇÕES E EXPLICAÇÕES ALTERNATIVAS

“Perguntas de futuro” foram definidas por Peggy Penn (1985,


p. 300):

De acordo com os associados de Milão, as perguntas de fu-


turo quebram as regras difundidas que governam a comu-
nicação na família – isto é, as regras para aquele a quem é
permitido dizer algo e o que dizer. Já que o futuro é quase
sempre indicado mas nunca “estabelecido”, ninguém está
preso a regras formais e contextuais, e é possível imaginar-
-se um padrão diferente. Por exemplo, se fizermos a um
membro de uma família, uma pergunta hipotética relativa
a ocorrências futuras – isso porque somente agora a ocor-
rência está sendo levada em consideração – o sistema fica
livre para criar um novo mapa. A comunicação dessas no-
vas ideias sobre o futuro transforma-se, então, em uma in-
formação importante introduzida de volta no “tempo” pre-
sente do sistema. Elas incluem fantasias, desejos, opiniões,
esperanças etc., toda uma parte do sistema em evolução, e
agora, inesperadamente, posta em ação como parte das in-
terações expressadas pela família. Na realidade, o questio-
namento hipotético e repetido de um resultado – se esta ou
aquela ocorrência incorporada – dá à família uma percep-

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ção do seu próprio potencial para imaginar novas soluções.
Naquele momento, diria que a família está em um processo
de alimentação futura (feedforward). Ao considerar como
as coisas poderiam vir a ser se... você está se remetendo a
uma expressão básica do sistema: sua capacidade de evo-
luir. É muito mais difícil para o sistema reestabilizar-se
quando o seu potencial evolutivo é evocado. A pergunta é
como (por meio de qual mecanismo terapêutico) pode uma
pessoa abandonar experiências vinculadas ao contexto e
seguir em frente para novas organizações.

Um ato está vinculado a uma premissa: a adequada, a


possível, a interessante, a inevitável, a que-tem-que-ser etc.
Uma mudança do ato ou dos atos associados ao ato pode con-
testar sua premissa e até mesmo mudá-la.
“Notei que você agiu seguindo aquela sequência. Se, de
alguma forma, você mudasse a sequência, o que aconteceria?”
(Introduzindo e testando a possibilidade de mudança.)
“Notei que isso foi feito por ele/ela o tempo todo. Se ele/
ela tivesse que sair por um instante, quem o faria no seu
lugar?”/”Se você o fizesse daquela maneira em vez desta, que
problemas surgiriam?” (Introduzindo dilemas: de que uma
outra solução tentada cria um outro problema.)
“Se alguém começasse a falar sobre isso, quem seria?”
“Você mencionou um certo dilema. Haverá outro(s) a ser(em)
discutido(s)?” “Por acaso seria um amigo, um parente ou uma
pessoa que antes foi muito íntima e que agora está morta?”*

* N.A. Uma apresentação de Arlene Katz nos estimulou a pôr em prática


essas perguntas sobre possíveis conversas com os mortos. Quando nos visi-
tou no Norte da Noruega, em 1986, deixou que víssemos trechos curtos do
videotape de uma sessão: uma jovem mulher e sua mãe sofriam de enfermi-
dades físicas. A mãe era a única sobrevivente de uma família dizimada no

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“Quando aconteceu?” “Qual aspecto seria o mais natural para
começarmos a falar sobre esse assunto?” “Como deveria ser
iniciado: escrevendo, telefonando, indo até o cemitério?” etc.
Se nos relatos que ouvimos notamos uma referência a al-
guém que morreu, perguntamos (como, provavelmente, todos
nós o faríamos) se ainda sentem a falta dessa pessoa. Se sen-
tem, indagamos se está em algum lugar por perto. Se a respos-
ta for afirmativa, perguntamos como se comunicam com ela.
Podemos, então, propor a ideia de conversarmos com a pessoa
morta tendo como objetivo a descoberta de novas ideias sobre
o dilema que estão vivendo (introduzir a ideia de que outras
conversas podem também ser valiosas encobre outra pergun-
ta: “Quem poderia falar com quem sobre este assunto com o
fim de buscar mais descrições e explicações?”).
Como acontece com as perguntas sobre diferenças, as hi-
potéticas podem também ser tão provocadoras que não servem
como perturbações úteis. O melhor a fazer é esperar e tentar
novamente mais tarde, quando aqueles que falam se sentirem
seguros de que o diálogo não ameaçará sua integridade.
Se as perguntas hipotéticas sobre o futuro forem constan-
temente rejeitadas, pode-se discutir o espaço para um futuro
autodeterminado versus um futuro pré-determinado. “Até que
ponto é ele pré-determinado? Totalmente, ou existe uma pe-
quena abertura para que algo seja determinado por você?” “É
pré-determinado pelo destino, por uma força etc.?” “Será sem-
pre assim, para sempre?” “Se isso mudar, quando será mais

Holocausto, e sua filha a única pessoa que lhe sobrara na vida. Durante as
conversas com Arlene, a jovem mulher teve a ideia de viajar para a Polônia,
para visitar o túmulo de sua avó e falar com ela. Assim o fez e, do lugar onde
estava enterrada a avó, trouxe um pouco de terra, que ela e sua mãe enterra-
ram no solo americano. Esse fato teve um efeito fortemente benéfico na
saúde física das duas mulheres e também no seu relacionamento.

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provável que ocorra?” “Se isso não ocorrer, quem está mais
certo dessa possibilidade?” “Quem levará mais tempo para
aceitar essa ideia?” etc.

POSIÇÕES DE ESCUTA

Uma pessoa na posição de escuta só participa do diálogo inter-


no. O questionamento circular, como foi implementado pela
equipe de Milão, tem um impacto muito forte sobre o diálogo
interno daquela pessoa a quem a pergunta está relacionada e
que, na realidade, está em uma posição de escuta. Dispomos as
posições de escuta por meio das várias versões da equipe refle-
xiva. A posição de escuta também poderia ser apropriadamen-
te chamada de posição reflexiva.

Vários formatos da equipe reflexiva

A equipe pode ser composta de uma (somente o entrevista-


dor) a quatro ou mesmo cinco pessoas (o entrevistador mais
três até quatro membros da equipe). Aquela parte da equipe
que escuta a conversa do sistema-entrevistador e em seguida
fala, ficando o sistema-entrevistador na escuta, é chamada de
equipe reflexiva.
Se o entrevistador estiver sozinho, ele/ela fala livre e des-
preocupadamente sobre suas ideias especulativas uma vez ou
outra. Se além do entrevistador houver mais uma pessoa pre-
sente, esta, quase sempre, fica na sala de entrevistas mas, algu-
mas vezes, atrás de um espelho unidirecional. Quando as refle-
xões são discutidas neste formato, o entrevistador e a outra
pessoa as fazem juntos.

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A equipe reflexiva composta de dois ou mais membros,
trabalhando tanto na sala de entrevistas quanto atrás do espe-
lho, mantém uma diretriz prática e importante: os membros
da equipe, quando estão falando, olham uns para os outros e
não olham para os membros do sistema paralisado. Se alguém
olhasse para eles, estaria analogicamente os convidando para
tomar parte da discussão reflexiva. Isso os faria sair da posição
vantajosa de escuta a distância.
Se houver mais de uma pessoa além do entrevistador, es-
ses participantes sentam-se geralmente atrás do espelho, mas
nada impede que se sentem na sala de entrevistas. Havendo
um espelho, os dois grupos trocam de salas quando a equipe
reflexiva for falar. Se houver recursos práticos, como dois equi-
pamentos de microfones e alto-falantes, os dois grupos perma-
necem em suas salas, diminuindo-se a luz da sala de entrevis-
tas e acendendo-se a da sala onde está a equipe. A transmissão
do som é correspondentemente trocada.
Não existe, como esperamos que o leitor compreenda,
uma única maneira de organizar uma equipe reflexiva. Exis-
tem vários formatos, dependendo das circunstâncias práticas e
dos desejos e preferências dos participantes. Apenas para evi-
tar mal-entendidos, deve ficar claro que o entrevistador está
sempre na mesma sala que o sistema paralisado.

A equipe reflexiva na posição de escuta

O entrevistador conduz a conversa com total independência


dos outros membros da equipe. Isso significa que a equipe re-
flexiva jamais interrompe para fazer perguntas ou sugestões.
Cada membro apenas escuta. Se os membros da equipe
sentam-se atrás do espelho, não discutem sobre a entrevista. O

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único murmúrio ouvido é no momento em que um deles, não
tendo escutado alguma coisa, pergunta ao outro o que foi dito.
Evita-se um debate atrás do espelho porque certamente limita-
ria a atenção dos membros da equipe para uma ou algumas
poucas ideias. Quando os membros da equipe não conversam
entre si, provavelmente surgirão com novas ideias que serão
diferentes.
Quando os membros da equipe estão escutando, reco-
lhem em suas mentes as diversas aberturas no momento em
que surgem por meio de palavras ou de expressões analógicas.
Poderíamos dizer que selecionam especificamente aquela
abertura que parece ter um significado importante. Se surgir
outra abertura aparentando ser ainda mais importante, pode-
-se abandonar a primeira e começar a desenvolver a segunda.
Quando um membro da equipe está na posição de escuta, não
existem regras para a maneira como deve trabalhar uma
abertura.
Sigo, basicamente, as mesmas diretrizes que as do entre-
vistador: “Como pode ser descrito o assunto mencionado?
Como pode ser explicado? O que aconteceria se outra coisa
tivesse sido tentada? Existem alguns assuntos em discussão
que, à primeira vista, não parecem ter relação entre si e que, no
entanto, depois de um exame minucioso, percebe-se que têm
algo em comum? Existe alguma coisa expressada analogica-
mente que ponha em evidência algo falado? Ocorrem, durante
as sessões, expressões analógicas que não estão relacionadas e
são diferentes daquilo que é falado? Poderia a equipe refletir
sobre essas expressões ou essas reflexões representariam algo
para o qual alguém do sistema paralisado ainda não está
preparado?”
Quase sempre me vejo fazendo indagações sobre as ca-
racterísticas da forma e dos conteúdos da fala. É uma forma de

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muitos monólogos ou de diálogos? Existe um fluxo de muitas
ideias ou de somente poucas? Quando as reflexões genuínas
são liberadas, pode-se pensar o seguinte: “Devem ser transmi-
tidas na forma de um monólogo ou como parte de uma troca
de diálogos? Devemos nos ater exclusivamente a uma determi-
nada ideia ou propor muitas? A fala do sistema paralisado é
mais intelectual e “fria” ou um pouco mais artística e “florea-
da”? Isso pode levar as reflexões a se tornarem mais diretas no
primeiro caso e tendendo um pouco mais para a metáfora e
para as imagens no segundo. Qual é a velocidade da fala?”

A TROCA

Existem duas maneiras para a troca de posições. O entrevista-


dor pode requisitar as ideias da equipe reflexiva ou os mem-
bros da equipe podem comunicar que têm ideias a propor. Se-
ria também oportuno oferecer ao sistema paralisado a chance
de iniciar uma pausa, solicitando-se as reflexões da equipe.
O sistema entrevistador é visto como totalmente autôno-
mo no que se refere aos assuntos que discute e como os
discute.
Se a equipe tiver ideias, serão introduzidas da seguinte
maneira: se alguém tiver uma ideia que acredita ser útil ao sis-
tema entrevistador, transmite aos outros membros da equipe e
pergunta se é o momento adequado para anunciá-la ou se a
equipe deve esperar. Se concordarem ser esse o momento (di-
ficilmente rejeitarão porque é de se imaginar que o proponen-
te tenha uma boa razão para sugerir algo), a pessoa bate na
porta da sala de entrevistas e diz ao entrevistador: “Temos al-
gumas ideias que podem ser úteis para a sua conversa. Se as
deseja ouvir, diga-nos quando será conveniente”.

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O entrevistador e seus interlocutores decidem, então, se
desejam ouvir as ideias ou, eventualmente, quando. Nunca
aconteceu o fato de as ideias não terem sido aceitas, mas acon-
teceu de o entrevistador ter esperado muitos minutos antes
que a equipe fosse chamada. Em tais ocasiões, a equipe pode
refletir sobre aberturas diferentes das que tinham pensado an-
tes, uma vez que outras novas surgiram nesse ínterim.

AS REFLEXÕES

Se as reflexões forem transmitidas dentro da sala onde está o


sistema paralisado, o entrevistador geralmente anuncia a tro-
ca, avisando que a equipe irá falar nesse momento. “Podem se
sentar e ouvir a conversa ou pensar em outra coisa, conforme
quiserem. Essa disposição permite que ouçam e entendam o
que vocês próprios estiveram falando de uma posição mais
distanciada”. Achamos útil essa menção clara sobre as frontei-
ras. Cada membro da equipe reflexiva está permanentemente
consciente de que existem muitas versões dos assuntos discu-
tidos e de que cada um dos membros tem a sua própria versão,
sendo elas diferentes uma das outras. Isso requer de nós uma
certa incerteza quando falamos: “Não estou certo..., talvez...,
poderia se pensar que...” etc. Além dessa forma de expressão,
usamos o termo duplo “não só... mas também” ou “tanto...
quanto” (“não só isto mas também isso pode ser percebido”,
“tanto isto quanto aquilo pode ser pensado” e também “além
do que eles perceberam, eu percebi isto...” “Ouvi algumas ex-
plicações convincentes, talvez a seguinte possa ser acrescenta-
da às que já foram expostas...” etc.
O contexto das reflexões é aquilo que ocorreu verbal e
analogicamente na sala de entrevistas. Omitimos cuidadosa-

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mente de nossas reflexões o que foi revelado durante a entre-
vista e que a própria pessoa parece preferir não ter menciona-
do, por exemplo, um homem que se esforça para disfarçar sua
raiva, ou outro(a) que não consegue evitar um comportamento
de rejeição a alguém, mas não deseja que isso seja percebido.
Geralmente, nossas reflexões definem-se em forma de
um diálogo e nelas incluímos muitas perguntas sem resposta.
Comentamos uns com os outros e nos indagamos se as outras
pessoas pensariam em mais algumas ou em algo diferente.
São muito poucas as regras a serem observadas. As que
temos são todas sobre o que não devemos fazer: não devemos
refletir sobre algo que pertença a outro contexto que não o da
conversa do sistema entrevistador e não devemos fazer conota-
ções negativas.
Como foi sugerido anteriormente, julgamos útil para a
equipe que seus diversos membros comecem a apresentar suas
ideias, impressões, assuntos etc. mais importantes. Em segui-
da, conversaremos sobre essas ideias, impressões ou assuntos
apresentados. Quando, pela primeira vez, começamos a traba-
lhar dessa maneira, descobrimos que, quase sempre, estáva-
mos monologando. Com o passar do tempo, recorremos a um
número maior de diálogos entre os membros da equipe, con-
versas especulativas. Um de nós faz uma pergunta aos outros,
que respondem propondo mais perguntas. Se percebemos que
o sistema paralisado deseja conselhos, e que seria incomum
demais se não déssemos nenhum, poderíamos discutir como
um outro sistema em uma situação similar teria tentado solu-
cionar o problema. Mas enfatizamos que uma possível tentati-
va de fazer o mesmo deveria ser detida caso demonstrasse não
estar ajudando este sistema.
Quando as pessoas que participam dos encontros falam
por monólogos, a equipe algumas vezes faz o mesmo; quando

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são pessoas mais voltadas para o lado artístico, algumas vezes,
usamos uma metáfora.
A equipe frequentemente especula sobre quais conversas
podem ser úteis para os diversos assuntos. Um assunto é sem-
pre debatido em termos de um dilema, por exemplo, uma fa-
mília ser muito tolerante e compreensiva com as demandas
das outras pessoas. “Como foi para os diversos membros da
família tensionarem-se tanto entre si?” “Pode acontecer em
determinadas condições que alguém se tensione demais?” “Se
essas situações ocorressem, com quem as pessoas poderiam
discutir esse dilema?”
O trabalho do grupo de Dublin (Nollaig Byrne, Imelda
McCarthy e Philip Kearney) nos influenciou muito. No traba-
lho sobre incesto, definem a situação incestuosa como criado-
ra de diversos dilemas para muitas pessoas, tais como: deve
alguém revelar ou denunciar? Culpar ou proteger? Punir ou
apoiar? Ameaçar ou punir? Definir uma pessoa como boa e
outra como má? Propor uma estada em um hospital, em uma
prisão ou em um convento? Autopunição ou uma punição dos
homens ou de Deus? Uma expiação silenciosa ou um arrepen-
dimento aberto? etc. (McCarthy & Byrne, 1988).
Ficamos imaginando até que ponto podemos transmitir
em nossas reflexões os sentimentos que afloram em nós quan-
do escutamos os relatos do sistema paralisado. Com toda a
certeza, esses sentimentos possuem dois contextos: o diálogo
que escutamos e algo de nossas próprias vidas. Para nós, a ma-
neira como devemos lidar com tais sentimentos é uma questão
em aberto. Uma família entrou em contato conosco porque
uma adolescente havia fugido; ela também roubava nas lojas.
Era filha do primeiro casamento da mãe, que havia se casado
de novo e tinha tido dois novos bebês. O padrasto parecia dar
mais atenção a seus próprios filhos do que à enteada. Um dos

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membros da equipe, percebendo que a adolescente havia sido
excluída da nova família, expôs o que estava pensando sobre
os possíveis sentimentos da garota. Quando chegou às pala-
vras “Pode ser que ela sinta que foi excluída” teve dificuldade
em continuar. A emoção que tomou os membros da equipe foi
tão forte que ele teve necessidade de fazer várias pausas para
poder terminar. A família ficou aturdida e o assunto da fuga e
do roubo da loja desapareceu de um momento para o outro.
A equipe reflexiva (ER) costuma falar durante cinco a dez
minutos, algumas vezes mais. Nunca é interrompida pelo sis-
tema entrevistador, a menos que as reflexões se tornem tais
que os ouvintes não as suportem mais. Acontece muito rara-
mente e conosco aconteceu apenas duas vezes. Em uma delas,
um garoto ainda pequeno, membro de uma família bastante
numerosa formada de um segundo casamento, ficou intran-
quilo e muito triste durante a discussão da equipe sobre a lon-
ga jornada da família e o questionamento se todos tinham en-
contrado uma posição segura dentro do sistema da nova
família. Sua tristeza e inquietação atrás do espelho foram com-
preendidas pelo entrevistador que estava com a família. O en-
trevistador perguntou então à família se achava já ter ouvido o
bastante. Como a resposta foi afirmativa, o entrevistador bateu
na porta e informou à ER que a família já tinha ouvido o
suficiente.

O SISTEMA ENTREVISTADOR CONVERSA SOBRE A CONVERSA DA


EQUIPE REFLEXIVA

Quando a equipe reflexiva termina a sua fala, as posições são


revertidas, voltando o sistema entrevistador a falar e a equipe
reflexiva a escutar. O entrevistador inicia a sessão com uma

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pergunta direta: “Gostariam de comentar, falar mais etc. sobre
alguma coisa do que ouviram?”
A cada uma das pessoas que não se manifesta espontane-
amente é dada a chance de falar, já que a pergunta foi dirigida
a todos. Quando uma delas propõe uma ou mais ideias, o en-
trevistador indaga sobre essas ideias, seguindo as mesmas di-
retrizes anteriores. Depois de todos proporem e discutirem
suas ideias (se têm alguma), o entrevistador pode, ele/ela
próprio(a), apresentar as suas para discussão, as que vieram à
sua mente enquanto escutava a equipe.

O NÚMERO DE TROCAS

Normalmente, trocamos as posições uma ou duas vezes, a me-


nos que o diálogo no sistema entrevistador seja tão rico, com
tantas ideias novas, que as reflexões da equipe pareçam redun-
dantes e, portanto, não sejam oferecidas. Algumas vezes, pode
haver mais de duas trocas; quatro é o máximo para nós.
Não existe uma regra que obrigue as trocas. Ambos os
sistemas podem oferecer ou pedir ideias a qualquer
momento.
Temos como regra dar sempre ao sistema entrevistador a
última palavra em um encontro.

A PARTE FINAL DO ENCONTRO

O futuro das relações do sistema atual, isto é, o sistema entre-


vistador mais a equipe, é discutido na parte final do encontro.
Os membros do sistema paralisado já sabem se desejam
ou não voltar a se encontrar conosco? Se já, saberão quando

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isso poderá vir a acontecer? Saberão quem virá da próxima
vez? Ou prefeririam pensar sobre o assunto e telefonar depois
para marcar um novo encontro e a data, caso assim o
desejassem?
Nesse momento do diálogo, poderíamos discutir a possi-
bilidade de existirem outras pessoas que não fossem da equipe
para participar do encontro, ou alguém mais além da equipe.
Notamos que, a partir do momento em que começamos a
discutir uma possível relação futura na forma descrita, as pes-
soas tendem a nos necessitar menos do que acreditávamos.

ACOMPANHAMENTOS (FOLLOW-UPS)

Nosso desejo de fazer o acompanhamento das pessoas é mais


forte do que nossos atos correspondentes. Quando sugerimos
um acompanhamento (follow-up), dizemos ser pelo nosso in-
teresse em saber como eles decidiram conduzir sua própria
situação. Quando voltam, algumas das perguntas mais interes-
santes são sobre o que mais se lembram de nosso(s) encontro(s).
Fazemos esse tipo de pergunta porque acreditamos ser aquilo
do que mais se lembram o mais significativo para eles.

O QUE MAIS CONTRIBUI PARA NOSSAS FALHAS?

Percebemos imediatamente quando falhamos porque o siste-


ma paralisado passa a demonstrar um interesse cada vez me-
nor em participar do diálogo que se desenvolve. Em tais situa-
ções, questionamo-nos imediatamente após a sessão: “Como
aconteceu?” Para respondermos a essa pergunta, pode ser
muito útil rever os videotapes, se isso for possível.

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Até agora, geralmente temos relacionado nossas falhas a
dois aspectos. Um é não ter discutido detalhadamente com a
parte profissional do sistema paralisado qual formato a sessão
deveria ter. Um exemplo pode esclarecer esse aspecto: um guar-
da de hospital, antes de trazer a família, consultou-se pela pri-
meira vez conosco e conversamos por apenas meia hora para
discutir o formato da sessão. Durante a sessão com a família pre-
sente, percebemos que o trabalho rotineiro do guarda (por
exemplo, decisões das quais raramente o paciente e sua família
tomavam parte) contrastava violentamente com o estilo mais
aberto e de igual participação de todos da nossa equipe. Com-
preendemos tardiamente que deveríamos ter tido um encontro
só com o grupo de trabalho do guarda para nos familiarizarmos
com seu modo de pensar e agir e, se assim tivéssemos procedido,
não teríamos sido incomuns demais no encontro com a família.
Atribuímos também nossas falhas ao fato de não discu-
tirmos o suficiente com a parte envolvida emocionalmente
(não profissionais) do sistema paralisado (família, amigos, vi-
zinhos etc.), a história de como começou a ideia de entrar em
contato conosco. Já aconteceu de termos conversado com uma
pessoa durante toda a sessão, sem sabermos que ela nem se-
quer tinha pedido essa conversa, nem estava muito interessada
em falar conosco, embora a que nos tinha encaminhado a fa-
mília estivesse.

UMAS POUCAS IDEIAS SOBRE A APRESENTAÇÃO

No decorrer das palestras, tenho notado que algumas pessoas


da plateia que fazem perguntas dentro de uma estrutura da “ci-
bernética de primeira ordem” têm dificuldade em receber mi-
nhas respostas que pertencem a uma estrutura da “cibernética

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de segunda ordem”. Portanto, tem sido de alguma ajuda para a
plateia fazer uma comparação entre as principais ideias que ca-
racterizam a cibernética de “primeira” e a de “segunda ordem”.

Cibernética de primeira ordem Cibernética de segunda ordem

O “dado” (p. ex., uma doença) é O “dado” (p. ex., uma doença) é
visto como algo em si próprio. visto como parte de e relaciona-
do a um contexto mutável.

Um profissional trabalha com Um profissional trabalha com a


(trata de) o “dado” (p. ex., uma compreensão que a pessoa tem
doença). do “dado” (p. ex., uma doença).

Uma pessoa descobre o “dado” Uma pessoa cria uma compre-


(p. ex., uma doença) como ele é. ensão do que é o “dado”, que é
O dado tem somente uma versão. apenas uma de suas muitas pos-
síveis versões.

Uma mudança pessoal pode vir Uma mudança pessoal evolui


de fora; portanto é previsível. espontaneamente de dentro e a
pessoa nunca pode saber qual
será, como será ou quando
acontecerá.

Quando esse quadro com uma visão geral do assunto é afi-


xado na parede, sentimos um certo alívio em dizer que o nosso
pensamento está em constante movimento para frente e para trás
do lado direito para o esquerdo. É mais fácil ficar no lado direito,
quando temos um certo distanciamento do assunto em questão,
por exemplo, quando estamos “calmos” em relação a ele. Por ou-
tro lado, parece mais natural ficar no lado esquerdo quando esta-
mos muito ansiosos para lidar com um assunto ou emocional-
mente perturbados por ele (com raiva, tristes ou temerosos).
Uma pessoa não precisa ficar nem no lado esquerdo nem
no direito.

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É bom saber de que lado está a pessoa quando faz distin-
ções – em outras palavras, saber onde se situa o pensamento
da pessoa quando faz as perguntas. Se alguém da plateia fizer
uma pergunta que pertença ao lado esquerdo, pode-se dizer
que uma resposta pertencente ao lado direito trará confusão.
Sendo assim, seria útil discutir a base epistemológica da per-
gunta antes de respondê-la. Isso deveria ser aplicado também
ao nosso próprio pensamento.
Harold Goolishian nos relembra o tempo todo que “...você
não pode ter uma teoria. Mas, lembre-se de que você não deve
ficar tão apaixonado por essa ideia a ponto de entalhá-la em
uma pedra!” Tais lembretes nos ajudam a revisitar constante-
mente nosso próprio pensamento. Talvez as trocas durante toda
a nossa prática, das posições de fala às de escuta, para frente e
para trás, também nos ajudem a revisitar nosso pensamento.
Existe algo em meu artigo sobre “A equipe reflexiva”
(1987) que merece ser revisto. Refiro-me à última frase em
baixo do título, na página 424. Recomendações: “A equipe
deve permanecer positiva, aparte, respeitosa, sensível, imagi-
nativa e criativamente livre”.
Por um lado, isso soa como um comando; por outro, como
se as pessoas da equipe tivessem que ser assim, isto é, trazerem
essas qualidades como parte delas mesmas. Penso que soaria
melhor desta outra forma: “Se o momento e o território permi-
tirem, pode-se tentar fazer uma pergunta ou um comentário
que sejam um pouco incomuns. Incomuns na medida em que
representem uma surpresa. Não necessariamente uma surpresa
agradável. Mas uma surpresa que dê uma possibilidade às pes-
soas de se moverem para outra posição e dessa posição ignora-
rem e/ou acrescentarem algo às descrições que tinham antes.
Quando nossa mão direita apresenta as questões que surpreen-
dem, seria bom que a mão esquerda estivesse aberta para rece-
ber e sentir as reações das pessoas ao que proferimos”.

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DEIXAR VIR E DEIXAR IR

O leitor chegou ao fim de nossas diretrizes e logo deixará de


lado esta parte do livro. Isso nos dá uma oportunidade de lidar
com as palavras “deixar ir” e “deixar vir”.
Como diz Maturana, a vida está em constante movimen-
to. A característica do viver é mudar o tempo todo; a vida vem
por ela própria. A vida em movimento existe também lá – para
que a deixem vir – com os diálogos e nas descrições e explica-
ções mutáveis que eles trazem. Os diálogos (mutáveis) existem
como parte da vida em movimento. Não é necessário criar os
diálogos. Já existem, é só deixá-los vir.
Incluímos uma entrevista com Aadel Bulow-Hansen no
livro que escrevemos sobre sua fisioterapia. No meio da entre-
vista, ela disse: “Tenho que demonstrar alguma coisa antes que
você vá embora”. Uma hora depois, quando me levantei para
sair, sem me lembrar do que havia dito, ela falou: “Não vá, dis-
se que iria lhe demonstrar algo... Ponha uma de suas mãos na
minha garganta e a outra no meu estômago. Agora vou apertar
meus maxilares firmemente. Note que a respiração no meu es-
tômago para... Preste atenção agora... Deixo a tensão da minha
língua e do meu maxilar ir embora...” Ela riu e disse “Quando
deixo ir a tensão da minha língua e da mordida, meu estômago
começa a respirar novamente”.
Ela continuou: “Notei durante todos esses anos que mui-
tas pessoas têm dificuldade em deixar a respiração vir por si
própria. É como se quisessem controlá-la. Existe alguma coisa
estranha no deixar a respiração vir por si. Parece que requer
muita coragem” (Øvreberg & Andersen, 1966, p. 10).

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Parte
2

Diálogos sobre os
diálogos

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Mike e várias definições de um
problema

M ike telefonou solicitando uma consulta. Ele é um


clínico geral cujo trabalho e residência ficam
tão  longe que costumamos nos encontrar somente de vez
em quando. Mike é forte e estável. Talvez isso tenha contri-
buído para a sua longa permanência no local onde vive há 12
anos.
Não posso deixar de admirá-lo porque sua região está em
um lugar pouco convencional, uma ilha sujeita às marés, onde,
algumas vezes, as tempestades chegam e varrem tudo. Outros
médicos estiveram trabalhando lá por algum tempo, geral-
mente curto, até que uma tempestade chegasse e os varresse de
volta para a vida segura da cidade.
Mike permanece.
Ele queria me informar sobre uma paciente sua, uma
mulher na metade dos seus 50 anos, antes que eu me encon-
trasse com ela. A mulher tinha sido uma pessoa forte e cheia
de vida, aquela na qual os outros se apoiavam, sempre disponí-
vel e prestativa, um superávit de energia. Um câncer e uma
operação posterior, quatro anos atrás, a derrubaram.

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“Não posso entender a mudança”, disse Mike, “e, para
mim, é difícil aceitar a situação como está agora. Ela não faz
nada.”
“Ela deve estar muito deprimida”, acrescentou, “fica dei-
tada o dia todo e tem muita dor. Fico imaginando e algumas
vezes acredito que sua depressão origine-se da angústia, em
certos momentos ela me parece apavorada. Não encontrei o
caminho certo, mas estive pensando que se, de alguma manei-
ra, conseguisse fazer com que expressasse seu medo de morrer,
isso poderia ajudá-la.”
“E, de acordo com meus ideais”, disse, levantando sua voz
e a cabeça, “a pessoa deve ir seguindo seu caminho até onde
possa.”
Até não haver mais saída, não se deve desistir. Concor-
dantemente, uma definição do sistema é de que seu protesto
contra um destino negro é fraco demais.
A mulher veio junto com o marido.
O dois entraram na sala silenciosamente com as cabeças
inclinadas. Ela se sentou no meio dos dois, com Mike de um
lado e seu marido do outro.
O encontro começou suavemente. A conversa encontrou
um ritmo bem lento. A ideia do encontro fora de Mike. O casal
tinha concordado sem questionar a proposta. Certamente, ja-
mais teriam solicitado uma sessão com um psiquiatra se Mike
não tivesse tido a ideia, disseram. E uma longa pausa tomou
conta da sala.
Ela estava sentada procurando com o olhar alguma coisa
no ar, no alto, à sua direita. Seus olhos, sem nada encontrar,
procuravam o tempo todo, ao seu redor, algo que os descan-
sasse. Suas rugas em volta do nariz e entre os olhos eram pro-
fundas, mas sem expressão.

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O rosto do marido estava ligeiramente inclinado para
baixo e seu olhar fixo em um ponto do chão, a um metro na
sua frente.
Fiquei apreensivo durante minha explanação ao dizer
que, talvez, Mike ou eu pudéssemos ter ideias enquanto escu-
távamos a conversa – ideias que poderiam ser úteis para a pró-
pria conversa. Algumas vezes, escutar a discussão dos outros
ajuda.
Fizeram um sinal com a cabeça concordando – mas ne-
nhuma palavra.
Imaginava se teriam entendido o que eu tinha tentado
explicar. As pessoas geralmente não protestam, principalmen-
te aqui, onde a melhor proteção do homem é obedecer às for-
ças inflexíveis da natureza.
Uma outra longa pausa quebrada por ela: “Tenho dores
demais na barriga e nas costas. Não posso fazer mais nada. O
tempo passa muito devagar. Não sirvo para mais nada... Não
sei quando ficarei livre daqui.”
Continuou então sua história, que presumo, já tivesse
contado muitas vezes antes. Primeiro, há quatro anos, disse-
ram-lhe que o câncer havia avançado muito. Em decorrência,
operação e radiação. Em seguida, um ano depois, novamente
dor abdominal, que todos pensavam ser o câncer voltando,
mas não era, como concluiu o hospital. Dois outros ataques de
dor similares a fizeram voltar para o hospital, mas nenhum
sinal de reincidência foi detectado.
Sua voz ligeiramente inaudível e seus olhos ainda procu-
rando alguma coisa, em algum lugar, diziam-me que seus te-
mores de uma volta do câncer tinham sido tremendos – um
pouco mais de medo em cada uma das quatro vezes.
Todas as vezes que nenhum traço do câncer era encon-
trado, diziam-lhe que sua vida estava sendo devolvida; um

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presente que, a cada vez, ficava mais difícil de receber. Neces-
sita-se de muita energia para começar a acreditar na vida,
quando ela lhe é devolvida quatro vezes.
Ela tinha dor. O tempo todo, dizia ela.
E, nos últimos três anos, vinha tendo problemas com a
urina. Não a podia controlar. Usava fraldas, mas não estava
certa de que esse recurso evitava o cheiro da urina. Para sentir-
-se segura, ficava deitada o dia inteiro. Ajudava a diminuir a
incontinência urinária.
Até aquele momento ela ainda não havia se lembrado de
mencionar qualquer medo de morrer. Sua definição do pro-
blema parecia estar relacionada às queixas físicas.
Eu achava que a discussão deveria incluir também os re-
latos de Mike, portanto, comentei sobre uma de suas primeiras
declarações a respeito de não saber quando poderia ser liber-
tada daqui.
Senti que ela compreendeu aonde meu caminho poderia
levá-la e imediatamente cortou, dizendo que não poderia sa-
ber se iria viver com suas queixas por 20 ou 30 anos. A forma
como me desviou do assunto que tentei abordar me fez per-
guntar se havia conversado com alguém mais que tivesse suge-
rido algo a ser feito.
Bem, sua filha e nora pensavam que deveria existir algo.
Seu marido interrompeu, dizendo que três anos é um longo
período. Talvez, alguma coisa tivesse sido inventada ultima-
mente, que há três anos ainda não estivesse disponível.
Enquanto o marido falava, ela olhava ansiosamente para
Mike.
Sugeri que Mike e eu conversássemos um pouco, com o
casal nos escutando.
Mike não sabia que as três mulheres haviam discutido
sobre o que deveria ser feito a respeito do problema da urina.

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“Pensei”, disse Mike, “que as fraldas tivessem resolvido esse
problema, mas agora vejo que não.”
Depois de uma pequena pausa, continuou: “Devo admi-
tir que, na maior parte do tempo, fiquei imaginando que tipo
de pensamentos acompanham uma doença como essa. São
pensamentos não expressados? Existem preocupações e mes-
mo angústias que poderiam e mesmo deveriam ser
expostas?”
“Sim”, disse eu, “algumas vezes isso pode trazer muito alí-
vio. E, outras, até diminuir a dor. Se, por outro lado, ela desejar
falar sobre seus pensamentos mais íntimos com uma pessoa,
quem poderia ser?” O casal escutava com atenção, mas sem
nos olhar. “Me pergunto,” continuei, “se todos que a cercam
estão preparados para participar desse tipo de conversa? Seria
prudente encorajar tal conversa, se todos a sua volta ainda não
estiverem preparados para ela?”
Quando nos voltamos para o casal, ela disse que toda a
sua vida melhoraria se a incontinência urinária diminuísse.
Isso a tornaria mais ativa em todos os sentidos. “E...”, disse ela,
“isso me ajudaria a suportar as dores.”
Disseram que a doença havia sido superada. Todos os
exames indicavam isso, disse ela. Nenhuma mínima palavra
foi mencionada a respeito da angústia que cercava um possível
retorno do câncer.
Voltando-me para Mike, disse que as minhas contribui-
ções nesse encontro não pareciam ter muita importância. Pa-
rece-me, disse eu, que o principal problema a ser tratado aqui
é dar mais atenção ao relacionamento deles, Mike e ela.
Mike concordou sem hesitar.
Que benção para as pessoas – pensei enquanto ia para
casa – elas terem um médico capaz de repensar suas conclu-
sões sobre um problema, e até mesmo mudá-las.

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Um ano depois, visitei a região onde moravam e Mike
solicitou, novamente, um encontro entre nós e o casal.
O casal estava visivelmente mais satisfeito, comparando-
-se com a última vez. Ela estava vestida com roupas de cores
mais vibrantes e seu olhar estava entre nós e não perdido em
algum outro lugar.
Desta vez, Mike me fez um relato com o casal ouvindo.
O encontro com os cirurgiões para solucionar a inconti-
nência urinária não tinha tido sucesso. Fora difícil aceitar, mas
ela não se arrependia da tentativa.
Logo depois dessa notícia desalentadora, ela teve uma
dor nas costas que a deixou de cama por dois meses. Enquanto
esteve presa ao leito, teve pneumonia. Foi o período mais difí-
cil que já tinha passado.
“Dei a maior atenção ao caso”, disse Mike, “e a encami-
nhei para o hospital para que suas costas fossem examinadas
por meio de um método especial de Raio X.”
Felizmente, nada sério foi encontrado, e logo ela voltou
para casa pelas suas próprias pernas. “Mas”, Mike suspirou,
“isso não foi o fim. Logo depois que havia se recuperado da
dor nas costas, teve uma úlcera hemorrágica, que a fez voltar
para o hospital mais uma vez.”
Manifestei minha surpresa por parecerem tão bem de-
pois de um período duro como esse.
O casal confirmou o relato de Mike.
Não podiam explicar como tudo se transformara para
melhor. E o melhor de tudo é que não pensavam mais na “do-
ença” – tinha ficado para trás.
“Então”, disse eu, “não será este, talvez, o momento de
olhar para frente? Existem planos para o futuro próximo?”
A atmosfera da sala mudou. Ela disse, sorrindo, que iriam
para sua cabana durante os feriados da Páscoa – uma reunião
anual da família.

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“Mais alguma coisa que estejam na expectativa de fazer?”,
fiquei imaginando, “Uma expectativa alegre?”
Ele disse, “Não, não posso dizer... as pessoas têm muitas
ideias curiosas na cabeça...”
“O que quer dizer?”
“Ah, esse tipo de ideias que você tem que deixar de lado...”
“O que é que você tem dentro da sua cabeça que tem que
deixar de lado?”
“Isso é uma espécie de segredo.”
“Alguma coisa que sua esposa saiba?”
“Talvez ela saiba, mas é apenas um sonho.”
“Um sonho impossível?”
“Acho que sim.”
“O que sua esposa pensa dele?”
“Não estou certo.”
Já que a minha curiosidade tinha sido despertada, fiquei
interessado no assunto e perguntei para ela: “Você sabe em que
ele está pensando?”
Não, ela não sabia.
Disse a ele que seria estimulante saber.
Ele não pôde deixar de sorrir e disse: “Estou querendo
um barco maior.”
“Qual é o tamanho do seu barco?”
“14 pés.”
“De que tamanho você gostaria que fosse?”
“De um tamanho que desse para se dormir a bordo.”
Disse, com muito entusiasmo, que se tivesse um barco
maior poderia ir até um lugar cheio de pequenas ilhas separa-
das por passagens estreitas. Estava apaixonado por esse lugar;
não só pelas ilhas mas também pelas casas lindas que havia lá.
Se tivesse um barco maior, levaria sua mulher com ele.
Os dois, marido e mulher, riram.

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Em seguida, a conversa voltou-se para os velhos tempos,
quando eles e as crianças iam em um pequeno barco até as
ilhas não muito distantes para pescar e, depois, desembarca-
vam em uma praia para cozinhar o peixe. Isso tinha contribu-
ído muito para sua união nos primeiros tempos.
Ela adoraria ir de novo com ele.
Pensava que isso até a fortaleceria em todos os sentidos.
Todos rimos e conversamos sobre o que teria de ser feito para
concretizar esse sonho.
Dinheiro. Mais dinheiro do que tinham. Ele não iria
comprar um barco novo; de preferência reformaria um velho.
“Você acha que vai começar a fazer planos?”
“Não me atrevo a pensar nisso.”
Nos últimos minutos, Mike estivera se mexendo ligeira-
mente na cadeira; queria falar.
Voltamo-nos um para o outro e ele disse: “Tudo me pare-
ce muito otimístico. Pode indicar que o otimismo voltou...
pelo menos até um certo ponto... é encorajador vê-los com os
olhos no futuro. Não sei se é impróprio ou não, mas revendo o
ano passado houve algo que me deixou inseguro.”
Sua cabeça estava ligeiramente inclinada quando disse:
“Quando ela teve a terrível dor nas costas, sem que nenhum de
nós soubesse a causa, não pude deixar de perguntar se estava
com medo de a ‘doença’ ter voltado.”
“Você está se referindo ao câncer, quatro anos atrás?”,
perguntei.
“Sim”, disse Mike, “e a minha dúvida é se deveria ou não
ter feito essa pergunta”.
Sugeri que a resposta viesse dela e do marido.
Seus olhos suaves confortaram Mike e, embora as pala-
vras fossem desnecessárias, ela disse que aqueles pensamentos
tinham ficado para trás – para sempre.

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Na pequena pausa de alívio para todos nós, houve uma
oportunidade de repetir que talvez tivesse chegado o momen-
to de olhar para o futuro com expectativas, e de Mike e eu
pensarmos se esse encontro tinha preenchido seus próprios
objetivos. Saindo da sala, não pude deixar de perguntar ao ma-
rido se me enviaria um cartão postal de uma das pequenas
ilhas de que gostava tanto, se fosse até lá em seu próprio
barco.
“Claro”, disse ele, rindo.
“Claro”, disse ela, rindo.

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Falando sobre abandonar, ser
abandonado e ser excluído: quatro
conversas reflexivas

E ste capítulo contém transcrições e resumos de um


workshop em setembro de 1988. Descreve uma das
muitas maneiras de organizar posições reflexivas. Estavam
presentes membros do sistema que se autodefiniram como um
sistema paralisado e mais um grupo que observava toda a ses-
são através de um circuito fechado de vídeo.
Quando atuo como consultor, tento contribuir para a
conversa, ou para as diversas conversas do mesmo encontro,
de modo que novas ideias sobre quem, o que, como (de que
maneira) e quando possam surgir. Quem deveria falar com
quem, sobre que assunto, de que maneira e em que momento?
Algumas vezes, pode ser útil concentrar-me em novas ideias
sobre quem, outras sobre o que, como e quando, algumas ve-
zes em mais de um desses quatro aspectos, e outras, até mesmo
em todos os quatro.
As pessoas que nos convidaram e que faziam parte do
sistema paralisado trabalhavam em uma escola “especial” para
crianças que, por diferentes razões, não podiam frequentar as

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escolas comuns.* Parte da filosofia que orienta o trabalho da
escola está relacionada às tendências da sociedade à qual ela
pertence. Neste país, as propostas dos serviços públicos foram
tão longe que, por exemplo, todas as crianças em idade pré-
-escolar podem frequentar jardins de infância. No entanto,
esse grande desenvolvimento do apoio patrocinado pela socie-
dade parece ter produzido um certo “efeito colateral” em al-
guns pais, tal como a sociedade, por meio de seus serviços, ter
assumido algumas tarefas que seriam dos pais para com seus
filhos. Essa escola quer fazer alguma coisa em relação à ten-
dência de “desparentalizar”, encorajando os pais a assumirem
novamente a sua “parentalidade”.**
No início do workshop, houve uma revisão da composi-
ção do sistema paralisado. Uma adolescente, Britha, era aluna
da escola. Dois terapeutas de família tiveram um encontro
com a mãe, Dora, com Britha e Ilya, a irmã cinco anos mais
nova. Já que Britha frequentava a escola, integrantes do local
também estavam presentes ao workshop. Uma equipe constitu-
ída de três membros e mais o seu supervisor – que havia con-
sultado os terapeutas de família – também participava.
Apresentamos um apanhado das quatro unidades que
formavam a organização maior no dia do workshop: a família,
a escola (o grupo de professores e terapeutas), a equipe consul-
tora, acrescentando-se ainda minha presença como um novo
consultor.

* A escola era “Framnasskolan”, Estocolmo. Todos os nomes do sistema fo-


ram mudados.
** N.T. Na ausência de palavras equivalente em português, traduzi deparen-
tizing para desparentalizar e parenthood para parentalidade, tendo como
base o adjetivo “parental” (existente em português) que significa “relativo a
pai e mãe”.

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Levamos por volta de uma hora para discutir o formato
do encontro. Qual(is) dos quatro grupos deveria participar e
de que forma? Quem deveria entrevistar? Deveria haver uma
equipe observante? Deveria haver uma equipe reflexiva? Di-
versas possibilidades foram levantadas.
À medida que pensávamos sobre a história do sistema
presente no dia do workshop, surgiram algumas ideias sobre o
formato. A história desse sistema era a seguinte: os dois tera-
peutas desejavam uma consulta, além da supervisão que já ti-
nham. Na escola, essa ideia foi proposta aos outros membros
do grupo. Eles concordaram. A equipe consultora, sendo a
próxima a ser questionada, também quis o encontro. A famí-
lia, a terceira a quem a pergunta foi feita, também desejava vir
ao encontro. Os profissionais concordaram em esperar pela
presença da família para fornecer qualquer informação sobre
ela e o trabalho terapêutico.
Todos os profissionais presentes ao debate desejavam que
todas as conversas se realizassem “em aberto”, isto é, que todos
os membros do sistema pudessem estar presentes o tempo
todo, tanto como oradores quanto como ouvintes. Queriam
que eu fosse o entrevistador. O formato final, com o qual todos
concordaram, foi o seguinte: eu deveria começar a falar com os
dois terapeutas e com um professor assistente da escola, fican-
do a equipe de consultores e a família observando a conversa
atrás do espelho unidirecional. Em seguida, eu deveria falar
com a equipe de consultores, ficando a família, os terapeutas e
o professor assistente observando atrás do espelho. Logo de-
pois, eu deveria falar com a família, ficando o professor assis-
tente, os terapeutas e a equipe de consultores observando atrás
do espelho. E, finalmente, os profissionais do sistema paralisa-
do (os terapeutas, o professor assistente e a equipe de consul-

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tores) deveriam entrar na sala e falar, ficando a família e eu
próprio atrás do espelho escutando a conversa.
O grupo da escola teve um encontro com a mãe, Dora, e
sua filha mais moça, Ilya, para explicar o formato e saber se
elas se sentiam à vontade com ele. Elas gostaram do formato.
Britha não compareceu.

A PRIMEIRA CONVERSA

Eu, o entrevistador, que não tinha nenhum conhecimento


maior do sistema, além do exposto até este ponto do capítulo,
conversei primeiro com os dois terapeutas (Ted e Tim) e com
a professora assistente (Teresa); a família (Dora e Ilya) e a equi-
pe de consultores ficaram observando atrás do espelho.
Na escola, existe uma unidade de terapia de família e
uma unidade de ensino. Esses dois departamentos trabalham
separadamente. A professora assistente ainda não havia parti-
cipado de uma sessão de terapia de família. Os terapeutas de
família vinham se encontrando com a família desde que Britha
fora para a escola, havia seis meses. Ela frequentava a escola
diariamente, durante o dia, e à noite ficava em casa.
Na maior parte das vezes, eles se encontravam com a fa-
mília quinzenalmente e, durante um certo período, até mesmo
semanalmente. Quase sempre Britha comparecia, mas hoje ela
estava ausente. Desde o início da terapia, a equipe de consulto-
res trabalhou com elas uma vez ou outra. Dora é divorciada e
a escola nunca teve uma entrevista com seu ex-marido (o pai
de Britha e Ilya).
Antes desta conversa, pensei o seguinte: deveria tentar
fazer o máximo para que minhas perguntas ficassem associa-
das à relação entre a escola e a família. Certamente, estaria

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aberto se desejassem tratar das relações dentro do sistema fa-
miliar mas, fazendo isso, tentaria comparar essas relações
(dentro da família) com as relações entre família e escola.

ENT: (para todos) Qual o uso que prefeririam dar a


este encontro?
TED: Termos a oportunidade de ficar pensando...
ENT: Como?
TED: De especular e... talvez ampliar nossas perspec-
tivas... devo dizer que não sei se o que estamos fazendo é
proveitoso ou... gostaria de saber onde vamos chegar.
ENT: Parece que você está levantando dois temas – o
primeiro é questionar se o que está fazendo é de algum
proveito, e o segundo é fazer conjecturas sobre onde de
fato você vai chegar?
TED: É
ENT: O que, na realidade, você fez? E onde vai
chegar?
TED: Certo.
ENT: Para que vocês (voltando-se para Tim e Teresa)
gostariam de utilizar este encontro? Vocês têm alguma
preferência?
TIM: Sim, acho que gostaria de... porque pensei no
seguinte: “Fico imaginando se esse problema é meu”, já
que Dora diz que está satisfeita conosco e com estes en-
contros e dará prosseguimento a eles.
ENT: Compreendo.
TIM: Também me situo nessa especulação... de vez
em quando observo Britha na escola... acho estes encon-
tros muito bons... mas acho... quando vejo Britha na es-
cola, me pergunto, “Estes encontros têm algum
significado...?”

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ENT: O que você vê na escola que te faz perguntar
“Isso ajuda?” O que acontece na escola...?
TIM: Vejo pouca mudança em Britha. Ela aterroriza
os adultos. Ela atua. Não estou sempre na escola, mas
quando vejo... e, quando sua mãe diz que ela precisa sair
de casa por um tempo, aí fico pensando, somos de algu-
ma utilidade para a família? Damos alguma ajuda? Co-
mecei a refletir se esse problema é somente meu.
TED: (interrompe) É essa a nossa questão...
TIM: (continua) Estou cada vez mais confuso.
ENT: Então, a mãe de Britha diz que gosta de se en-
contrar com você?
TIM: Diz, sim. Ela gosta.
ENT: Ela está satisfeita?
TIM: Está, ela acha que essa escola é boa.
ENT: Mas vocês têm dúvidas se estes encontros aju-
dam Britha?
TED e TIM: (simultaneamente) Temos.
ENT: Em algum momento vocês duvidaram de que
os encontros ajudassem Dora (a mãe)? (Pausa)
ENT: Vocês têm dúvidas sobre isso?
TED: Bem... (Pausa)
TIM: A pergunta é se ajudamos na realização de algu-
ma mudança.
ENT: O.K. (para Teresa) Você gostaria de falar algu-
ma coisa?
TERESA: De uma perspectiva da escola, vejo Britha
solta no ar. Como entendi Dora, existem planos para
que Britha saia de casa. Ouvi do serviço social que isso
já está determinado. Mas não há nada definido a respei-
to de quando ou para onde. Para outra instituição ou
para outra casa (particular)? Portanto, do ponto de vista

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de Britha, parece sem sentido fazer qualquer esforço
com os trabalhos escolares. Ultimamente, ela tem falta-
do muito mais à escola. Ela é bastante instável. Algumas
vezes trabalha bem e concentrada. Outras, desequilibra-
damente e atuando. Nesses momentos, ela se sente mal e
fica muito inquieta. Nessas ocasiões, é difícil para mim
saber como devo trabalhar com ela na escola. Compre-
endo que não frequente a escola e tenha dificuldade em
se dedicar a ela, uma vez que nem mesmo sabe quanto
tempo ficará lá.
ENT: Entendo.
TERESA: É como vejo a situação.
ENT: Você disse que em certos dias ela age bem na
escola, mesmo ultimamente?
TERESA: É, ela tem dias.
ENT: E pode agir pior...
TERESA: Pode.
ENT:... se a entendi corretamente?
TERESA: Sim.
ENT: E você disse que tudo está solto no ar...
TERESA: Certo.
ENT:... porque ela vai mudar, mas ainda não é certo
quando, para onde e como?
TERESA: Sim
ENT: Quem teve a ideia de que ela deveria mudar?
TERESA: (Pausa) Entendi que houve discussões en-
tre Britha e sua mãe durante os últimos quatro meses.
Britha algumas vezes concordou com a ideia, outras não.
A mãe decidiu que ela deve mudar.
ENT: Então isso foi uma discussão em família?
TERESA: Foi.
ENT: Outras pessoas têm alguma ideia sobre isso?

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Resumo adicional: Se a mãe quiser, procurará ajuda para
encontrar um lugar para Britha. Muitas pessoas envolvidas
com o assunto acham que Britha deveria morar em uma
instituição.
A mãe quer que Britha se mude. Britha, ela própria, não
está certa. Ilya, a irmã menor, não quer que ela se mude. O
entrevistador resumiu: Existem duas perguntas importantes:
se a terapia é de alguma utilidade e onde Britha deve ficar.
Em seu coração, o que deseja Britha? Um dos terapeutas
acha que, por um lado, ela deseja mudar e, por outro, está mui-
to triste com essa solução.
Sair de casa também a afastará destes encontros. Os tera-
peutas acreditam que no pensamento de Britha a escola apoia
o desejo da mãe para que ela se mude. Acontece, no entanto,
que periodicamente a mãe também deseja que Britha fique em
casa.
Com quem mais Britha pode discutir o seu dilema? Ela
não tem ninguém. Uma avó? Não. Uma tia? Não, mas tinha
uma prima que também morava em uma instituição e vinha
para a casa delas nos fins de semana. Com quem a mãe pode
discutir o seu dilema? Uma amiga. Além do mais, os encontros
aqui são mais importantes. Do que é que a mãe mais gosta nos
encontros? De que a equipe existe e está lá; as discussões em si
não são a parte mais importante. E a equipe aceita Dora exata-
mente da maneira que ela é. Dora não tem mais ninguém além
da sua amiga e da equipe para conversar. Ela não falou com
seus próprios pais sobre esse assunto. Não está nada certa de
que isso ajudaria. A ideia de convidar os pais de Dora para os
encontros foi considerada, mas nunca concretizada por razões
que não ficaram claramente entendidas.
Como é possível, perguntei, que seja mais fácil para Dora
conversar com vocês do que com os pais? Isso se tornou um há-

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bito. Antes de nós, já existia uma longa história de envolvimento
com profissionais. Dora parece ter tido dificuldades quando dei-
xou sua mãe. É por isso, então, que Dora pode entender o dilema
de sua filha em sair de casa? A resposta foi afirmativa.
Os terapeutas acreditavam que seria difícil para Dora
voltar a encontrar a mãe para pedir-lhe um conselho. Pergun-
to: vocês acham que Dora acredita que sempre será difícil? Eles
responderam que sim.
Se o relacionamento entre Dora e a mãe melhorasse, isso
influenciaria a relação com a equipe? É mais provável que sim.
Como? No empenho em encontrar-se uma resposta, surgiu
um pensamento na equipe: na realidade, a saída de Dora do
seu primeiro lar nunca se completou. Portanto, ela ainda está
no processo de sair de casa? Um “sim” surpreso indica que essa
é uma ideia nova.
A assistente escolar diz que nunca havia conversado so-
bre a relação de Dora com sua mãe.
Esta primeira conversa levou trinta minutos.

A SEGUNDA CONVERSA

Uma troca de lugares é sugerida, e a assistente escolar e os dois


terapeutas vão para trás do espelho juntar-se à Dora e à Ilya
para observarem. A equipe consultora composta de quatro
pessoas (três membros da equipe, Crystal, Christopher e
Christiane, e a supervisora Sue) vêm para frente do espelho
para falar comigo.
Antes dessa segunda conversa, preparei-me da seguinte
maneira: senti que seria melhor fazer perguntas que estives-
sem associadas à relação entre a equipe consultora e os tera-
peutas de família. Achei que a equipe também poderia ter

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ideias sobre a família e, talvez, quisesse debatê-las. Mas, se isso
acontecesse, eu tentaria associar ou mesmo comparar o que
estava se passando na família com o que estava se passando
entre os terapeutas de família e, mais ainda, àquilo que estava
se passando entre os terapeutas de família e sua equipe de con-
sultores. Mas isso só deveria acontecer se a equipe de consulto-
res parecesse estar se sentindo confortável em relação a essas
perguntas.

ENT: (para todos) Por favor, escolham qual dessas


duas perguntas querem responder primeiro: vocês têm
alguma ideia ou qualquer comentário a fazer sobre o que
acabaram de ouvir, e algum desejo específico referente ao
uso que querem dar a este encontro?
(As diversas pessoas na sala riem e movimentam-se li-
geiramente em suas cadeiras).
CRYSTAL: Sinto que estou na mesma posição dos te-
rapeutas, imaginando se nós, como consultores, ajuda-
mos...(pausa)
ENT: Ajuda em relação a quê?
CRYSTAL: Tanto em relação aos terapeutas quanto
em relação à família.
ENT: Compreendo.
CRYSTAL: Somos de alguma utilidade?
ENT: Os próprios terapeutas não lhes disseram nada?
(Pausa) Ou, em outras palavras, como vocês entendem a
percepção dos terapeutas sobre a ajuda que vocês tentam
dar?
CHRISTOPHER: Me parece que a apreensão dos te-
rapeutas em relação às suas impressões de que nada acon-
tece na família foi maior na semana passada do que hoje.
ENT: Você disse apreensão...

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CHRISTOPHER: Apreensão de que nada aconteça.
ENT: Quando você percebeu que essa apreensão já
não era tão grande?
CHRISTOPHER: Hoje.
ENT: Ah,... hoje!
CHRISTOPHER: Eles estavam mais apreensivos na
semana passada. Eu também. E isso está relacionado à
escola. Como as coisas estão acontecendo lá.
ENT: Como é que vai a Britha na escola?
CHRISTOPHER: Exatamente. Se ela estivesse indo
sem problemas para a escola, eu acharia fácil me sentar
aqui e conversar com a família sobre o que quer que fosse.
Mas existe uma apreensão sobre o comportamento de Bri-
tha na escola. Será que aqui fazemos as coisas certas? Mi-
nha apreensão tem sido maior do que aquela que percebi
na conversa que acabamos de ouvir hoje. Talvez seja ape-
nas minha apreensão (olha para os outros da equipe)...?
ENT: Talvez, eu tenha interpretado mal os terapeutas,
mas entendi que, no desempenho escolar de Britha, terí-
amos uma indicação de que os encontros com a família
estavam sendo bons ou não tão bons. Se os encontros fos-
sem bons, isso corresponderia a um bom comportamen-
to de Britha na escola?
TODA A EQUIPE: Sim.
ENT: Parece que as conversas com a família, de acor-
do com o ponto de vista dos terapeutas, tinham o objeti-
vo de promover mudanças para melhor na escola?
TODA A EQUIPE (concordando com a cabeça):
Hmmmm.
ENT: É possível que as conversas sejam significativas
em outros aspectos, além do significado que já têm em
relação à escola?

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(Pausa bastante longa)
CHRISTINE: Como Christopher disse, tenho esse
sentimento como membro da equipe... de ter como que
perdido a posição daquele distanciamento necessário
para ajudar os terapeutas com novas ideias. Também tive
essa apreensão. Fui envolvida por ela. Não consegui ficar
de fora (pausa) e essa é a razão porque hoje quisemos
ajuda.
CRYSTAL: O que eu estava pensando quando você
(ENT) perguntou aos terapeutas... parece que eles estão
especulando se as conversas ajudam Britha, já que ela se
comporta dessa maneira na escola... você perguntou se
essas conversas eram boas para Dora... E, na realidade,
eles não responderam a essa pergunta.
ENT: Se eles tivessem respondido, qual resposta você
acha que teriam dado?
CRYSTAL: A ideia que me veio a cabeça foi a seguin-
te, “Como é isso, das conversas poderem ser boas para a
mãe e não para Britha? Têm de ser boas para todos? Têm
elas objetivos diferentes? (dos da escola)?”
(Pausa bastante longa)
ENT: (para todos) Posso voltar a minha pergunta:
Quais são suas percepções das percepções que os tera-
peutas têm de suas contribuições para eles? Estão eles sa-
tisfeitos ou insatisfeitos?
SUE: Com nossas contribuições?
ENT: Sim. (Pausa longa) Se vocês fossem adivinhar?
SUE: Acho que eles se sentem como a mãe – estão
bastante satisfeitos com a ajuda que demos a eles, mesmo
que não saibam se eles próprios, por assim dizer, foram
de alguma ajuda. (Na sala, as outras pessoas mexeram-se
nas cadeiras e manifestaram sua concordância com um

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“hmmmm”.) Mas nós trabalhamos duro... mas o que es-
tou pensando... quando você pergunta assim... todos se
esforçam muito... muito mesmo... para ajudar a mãe e a
menina... porque todos nós percebemos o grande sofri-
mento que existe entre elas. Não só porque a menina não
se comporta bem na escola mas também porque diz que
não quer viver... e a mãe expressa seu sofrimento por não
ser capaz de ajudar a menina a querer viver... a mãe está
se esforçando, Ilya está se esforçando, os terapeutas estão
se esforçando e nós estamos nos esforçando. Mas não sei
se Britha e Dora estão sofrendo menos depois de todos
esses esforços. E penso sobre o que poderíamos ouvir na
conversa {a que o ENT teve com os terapeutas e com a
assistente escolar}. Dora relata que durante o sofrimento
a mãe se sente mais próxima da menina e isso me faz
imaginar se existe alguma coisa nas brigas e no sofrimen-
to, percebidos por nós como penosos, que nos dificulte
divisar a intimidade que a mãe consegue com as brigas e
o sofrimento. Você entende?
ENT: Entendo.
SUE: Estou pensando que talvez exista alguma coisa
no sofrimento que Britha não pode deixar escapar, por-
que existe algo de bom nele. E nós continuamos a nos
esforçar, mas talvez não seja isso o que elas estejam
buscando.
TODOS OS OUTROS: Hmmm (concordando).
ENT: Quer dizer, então, que pode ser compreendido
de outra maneira?
SUE: Pode.
ENT: Não é necessariamente só o sofrimento, mas
abrange outros aspectos também?
SUE: Sim.

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CRISTOPHER: Elas são muito chegadas. Mantêm
bastante contato entre si.
SUE: Há uma grande intimidade entre a mãe e as
duas meninas.

O que se segue é um resumo do resto da conversa: algu-


mas perguntas relativas à compreensão que os terapeutas tive-
ram da forma e do conteúdo das dificuldades que existiram
entre Dora, sua mãe e seu pai. As dificuldades parecem, de al-
guma forma, semelhantes às existentes entre Dora e Britha. A
conversa volta-se, então, para a pergunta já apresentada duas
vezes – sobre o que os terapeutas podem achar útil e significa-
tivo na relação deles com a equipe consultora. Os consultores
e seu supervisor acreditam que o fato de eles existirem é o mais
importante. De que estão lá. O que conversam e todas as ideias
novas não é o mais importante, embora tais segmentos do tra-
balho sejam indiscutivelmente importantes. O fato de existi-
rem permite aos terapeutas sentirem-se menos apreensivos.
Será, então, que não se sentindo tão apreensivos fiquem menos
ansiosos para fazerem as mudanças?
O entrevistador sugere a possibilidade de que haja algu-
ma semelhança entre Dora sentir-se mais segura, apenas por
saber que os encontros terapêuticos existem, e os terapeutas
sentirem-se menos apreensivos sabendo que a equipe consul-
tora existe. Uma nova questão é levantada: Qual/Quais
problema(s) pode(m) surgir se você, da equipe, disser à equipe
e esta disser à família: “Estaremos aqui o tempo necessário, até
que, eventualmente, outros venham para tomar nossas posi-
ções”? Um disse: Teríamos um problema, já que queremos que
a equipe seja bem-sucedida sem nós, e que a família seja bem-
-sucedida sem a equipe. Outro disse: Teríamos um problema
se não conseguíssemos mudar Britha, se não tivéssemos ideias

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efetivas para suas relações em casa e na escola – sentiríamos
muito isso.
Um deles disse que uma nova ideia tinha surgido. Estava
relacionada ao objetivo: “Sinto que o objetivo é o problema”.
Um outro disse que eles, certamente, poderiam perma-
necer apoiando os terapeutas, mas não ter noção se estavam
fazendo algo significativo seria sentido como um problema.
Como essas respostas pareciam, de alguma forma, firmes
opiniões, desviei a conversa para outro sentido, mencionando,
primeiro, que dois objetivos pareciam destacar-se: propiciar
algum tipo de mudança para melhor, tanto na escola quanto
em casa. Poderiam ser encontrados outros caminhos para uma
mudança para melhor na escola? Como a assistente escolar ti-
nha falado sobre alguns dias serem bons para Britha e outros
menos bons, seria uma ideia útil trabalhar com essa pergunta:
Quais as contribuições que tornam um dia escolar bom para
Britha? Com quais pessoas seria interessante conversar para se
obter uma resposta sobre esse assunto?
Uma nova troca de lugares é proposta.
Esta segunda conversa levou dezoito minutos.

A TERCEIRA CONVERSA

A equipe consultora vai para trás do espelho juntar-se à posi-


ção de escuta dos terapeutas e da assistente escolar, e a mãe e
Ilya entram para conversar comigo.
Eu não tinha nenhum plano específico para essa terceira
conversa – apenas seguir a mãe e a filha na direção que tomas-
sem. Será que minha maneira de fazer distinções e perguntar
permitiria aos profissionais já envolvidos perceber alguns no-
vos aspectos da família, além de todos que já tinham visto até
aquele momento?

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ENT: (para Ilya) Você está cansada?
DORA: Está, Ilya está muito cansada.
ENT: Foi difícil ouvir?
DORA: Foi
ENT: O que foi mais difícil de ouvir?
DORA: (suspirando, uma longa pausa) Bem, (pausa) é
como se Britha escapasse.
(Ilya mexe-se na cadeira).
ENT: Britha escapar?
DORA: Parece que estou muito no centro das aten-
ções. Ela não está participando. Era sobre isso que estava
pensando.
ENT: Que ela não está participando?
DORA: Isso causa dor.
ENT: Isso causa dor?
DORA: A dor se dispersa por todo o meu corpo como
uma veia fina: é o que Britha faz, começa alguma coisa e
desiste em seguida, e eu tenho que continuar a tarefa.
ENT: Você está dizendo que isso causa dor. Pode
acrescentar mais alguma coisa?
DORA: Ela não está indo bem e não está tendo a aju-
da de que necessita. E, além do mais, não sabe o que fazer
para consegui-la.
(Pausa bastante longa)
ENT: Sendo assim, ela deve se ausentar porque neces-
sita de mais auxílio ou um outro auxílio?
DORA: Hmmmm (sim).
ENT: E isso te dói?
DORA: Hmmmm (sim). Levou tantos anos.
ENT: Onde você sente a dor? Em que lugar do corpo
você pode senti-la?
DORA: Por todo o corpo. No estômago.

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ENT: O que ajudaria a aliviar a dor?
DORA: (Respondendo suave e inaudivelmente algo so-
bre Britha ficar mais satisfeita com o que acontece com ela)
ENT: Fico imaginando quando você tem a dor, o que
habitualmente ajuda a aliviá-la.
DORA: Não entendi exatamente.
ENT: Você disse que sente dor no estômago. Me per-
gunto o que ajuda a diminuir essa dor?
DORA: De fato, nada. Continua, apenas.
ENT: Continua apenas?
DORA: Sim, e aí passa sozinha.
ENT: Então você espera até que vá embora?
DORA: É. (Pausa longa) Por exemplo, depois que as
brigas ocorrem surge um novo sentimento.
ENT: Um sentimento para o melhor ou para o pior?
(Pausa Longa)
DORA: Ambos. Algumas vezes sinto que posso con-
trolar as brigas e isso me faz sentir melhor.
ENT: Quem toma parte nas brigas?
DORA: Britha.
ENT: Você e Britha?
DORA: É.
ENT: Algumas vezes, as brigas provocam menos dor
no estômago e outras mais?
DORA: É. Algumas vezes me sinto compelida a ficar
em silêncio. Sinto que não posso falar abertamente. Que
não posso conversar com ela. Quero conversar, mas sinto
que sou obrigada a me comunicar com ela por meio de
outras pessoas.
ENT: Nessas situações você sente que se aproximam
um pouco uma da outra?
DORA: Sinto.

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ENT: Se essa dor se tornasse muito forte e você tives-
se que expressá-la de alguma forma através de emoções,
como a expressaria? Ficaria com raiva ou choraria?
DORA: Iria variar, mas quase sempre sinto ímpetos
de chorar.
ENT: Chorar. Se a dor se tornasse tão forte que você
tivesse necessidade de chorar, quem poderia te confor-
tar? (Pausa bastante longa) Quem na sua vida viria...
DORA: (interrompe) Não é uma questão de confortar.
É uma questão de quem estaria querendo me confortar?
ENT: Quem viria, te abraçaria e diria: “Chora”?
DORA: (interrompe) Algumas vezes gostaria que fos-
se minha mãe.
ENT: Existe alguma esperança de que isso possa vir a
acontecer um dia?
DORA: Não acredito que venha a acontecer.
ENT: Você diz que não acredita, mas existe alguma
esperança de que possa acontecer?
DORA: Não. Hoje em dia, sinto que eu tenho que
confortá-la.
ENT: Quando acabaram as suas esperanças de que
isso pudesse acontecer?
DORA: Quando percebi pela primeira vez, eu tinha
dezenove anos. Não havia mais nenhum contato.
ENT: Você acha que um dia voltará a ter esperanças?
DORA: Acho, isso é possível. Não é totalmente
impossível.
ENT: Você pode conversar com alguém, se é aconse-
lhável ou não, ter esperanças?
DORA: Não.
ENT: Você não tem ninguém com quem conversar?
(Pausa extremamente longa)

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DORA: É exatamente isso.
(Pausa extremamente longa)
ENT: Parece triste. (Pausa bastante longa) Ilya, você
deseja dizer alguma coisa a respeito de tudo que ouviu os
outros falarem?
ILYA: O que é que você disse?
ENT: Você gostaria de dizer alguma coisa sobre o que
ouviu?
ILYA: Não.
ENT: Estava cansativo?
ILYA: (concordando com a cabeça, “pausa”) Estou
cansada.
DORA: Ela quase dormiu enquanto escutava.
ENT: Ah! ah! (Nós três rimos) Proponho que termine-
mos este encontro. Pode ser interessante para nós três
irmos para trás do espelho, e deixar que os outros ve-
nham para cá conversar, se quiserem trocar ideias. Não
estou certo de que desejem falar, mas existe essa possibi-
lidade. O que você acha?
DORA: Seria bom.
ENT: Eles podem optar por falar apenas o que dese-
jam. E nós podemos optar por escutar ou (sorrindo para
Ilya) dormir, se quisermos.
ILYA: (sorri) Hmmmm (sim).
ENT: Talvez você (Ilya) possa passear no jardim, se
sua mãe concordar. Estaria O.K. para você, Dora, se ela
quiser esperar lá fora?
DORA: Sim. Ela parece muito cansada.
ENT: (para Ilya) Do que você gostaria mais: ir conos-
co ou ir lá para fora?
ILYA: Posso ficar aqui, não me agrada tomar qual-
quer decisão.

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DORA: Você pode ficar conosco e depois sair, se mu-
dar de ideia.

As posições são trocadas. Esta terceira conversa durou


oito minutos e meio.

A QUARTA E ÚLTIMA CONVERSA

Dora, Ilya e eu fomos para trás do espelho escutar. Ilya ficou lá


por pouco tempo – em seguida, deixou a sala e voltou uns mi-
nutos depois permanecendo conosco.
Os terapeutas, a assistente escolar e a equipe consultora
posicionam-se em frente ao espelho para falar. Esse grupo de
sete pessoas começa imediatamente a expor suas ideias.
Cristopher comenta o que, para ele, parece similar, ou
seja, a relação entre Britha e sua mãe (Dora) e a entre Dora e
sua mãe. Do ponto de vista de Christine, ficou claro que tudo
parece estar associado – o que nós (na escola) fazemos e o que
elas (na família) fazem, e o que nós todos (escola e família)
fazemos em comum. E nada do que acontece tem valor algum
em si próprio, uma vez que não podemos saber o que isso po-
deria afetar no futuro.
Teresa tem a impressão de que a atenção ficou muito con-
centrada no procedimento de Britha. Ao mesmo tempo, en-
quanto ouvimos Dora falar, Britha, de alguma forma, desapa-
rece. O sentimento de Dora, depois deste encontro, é de que
Britha está solitária. Cristopher, por outro lado, diz parecer
claro que ela (Britha) tem sua mãe, e Crystal diz que a mãe
(Dora) carrega um número de responsabilidades, as quais sen-
te que não pode abandonar.

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Ted não sabe se o que foi dito agora originou-se do que
foi ouvido ou de alguma coisa que foi pensada enquanto ele
escutava, mas a pergunta é a seguinte: “Falamos com a mãe o
tempo todo, inclusive sobre Britha, em vez de falarmos direta-
mente com Britha. Deixamos Britha de lado?” Christine en-
tendeu isso (o que Ted acabara de falar) como as percepções da
mãe sobre o que tinha acontecido.
Outros falam agora sobre a possibilidade de que os mui-
tos profissionais envolvidos, principalmente ao dirigirem-se à
mãe, possam ter induzido algum tipo de limitação nas possí-
veis conversas entre Britha e a mãe, e Britha e os profissionais.
Em seguida, Ted diz que tudo o que ambicionávamos re-
alizar passou por sua mente como um flash. “Devo começar a
me prevenir quanto a isso, por exemplo, quanto à possibilida-
de de Dora voltar a ter esperanças. Devo me sentar e esperar o
momento em que Dora e a mãe achem adequado que isso
aconteça. Devo evitar o desejo de iniciá-lo”. Christine diz
“Dora necessita ser confortada, mas são poucas as pessoas que
a cercam. Britha está na mesma situação, também precisa de
alguém para confortá-la. Por outro lado, tornou-se seu com-
portamento uma barreira entre os seus desejos e aqueles que
os outros podem oferecer?” “E a avó também necessita ser
confortada”, diz Ted.
Para Sue, parece que Britha representa um aspecto muito
importante da vida de Dora. Agora, pode parecer difícil, mas
com o decorrer do tempo, será maravilhoso para Britha saber
que ela significa tanto para sua mãe. Britha parece esforçar-se
muito, diz Christopher, mas será que ela sente esse esforço
como muito difícil, ou não tão difícil? Será que a intimidade e
o amor que sucedem essas brigas tornam o esforço mais fácil
para ela? Teresa não tem dúvidas de que Britha o sente como
muito difícil. Isso é o que pode ser percebido dos encontros

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com ela na escola. “Mas estou certa de que ela se empenha
muito para que tudo mude para o melhor. É o que vejo”.
Christine sente, pelo menos quando está falando em seu
próprio nome, que, até agora, os encontros têm sido bons para
todos da família. Mas é preciso que isso aconteça? Parece que
os encontros foram mais significativos para Dora, ficando Bri-
tha um pouco fora de tudo isso. Se for assim, talvez não devês-
semos desprezar a possibilidade de que algo seja refletido da
mãe para Britha, mesmo que não vejamos grandes resultados.
Teresa fica imaginando o que pode ser feito, daqui para
frente, depois desta experiência (de hoje), “Eu poderia me con-
centrar mais em Britha na escola. Sinto que ela se sente solitá-
ria. Será que ela necessita de mais alguma coisa da escola? Até o
momento, eu própria, tive pouco contato com Britha. Na maior
parte das vezes, estive em contato com a mãe. Será que devo ter
um relacionamento mais pessoal com Britha?” Christine per-
gunta se Teresa deseja substituir a mãe. Primeiro, ela diz “sim”,
e depois: “Não, não substituir a mãe, pois mantive uma distân-
cia de Britha por lealdade à mãe. O que fiz foi defender e apoiar
a mãe e, talvez, fazendo isso, tenha deixado Britha de lado. Nos
primeiros meses em que Britha frequentou a escola, o mal com-
portamento se deu em casa e não na escola. Mas, ultimamente,
isso mudou e agora acontece mais na escola.”
Christopher especula sobre a duração do tempo que se
espera um pai dedique a uma criança. “Deve uma pessoa dedi-
car-se ao máximo por toda a vida? Chegará um momento em
que se deve parar? Isso aconteceu entre nós (os terapeutas e a
equipe consultora). Algumas vezes vocês desejaram que nós
voltássemos. Quanto tempo devemos manter essa situação?
Dora tem dado o máximo que pode o tempo todo.” Ted per-
gunta se já não é tempo de parar, “antes que digamos tantas
coisas que fiquemos sobrecarregados.”

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Todos concordam e o encontro termina. A última con-
versa durou 12 minutos, portanto, a consulta como um todo
durou uma hora e dez minutos.
Só o tempo dirá se novas ideias surgirão. Talvez haja al-
gumas indicações disso na quarta e última conversa. Existem
alguns novos “quês”, “o quês”, “comos” ou “quandos” aparecen-
do nessa conversa final? Muito provavelmente, o leitor e eu
faremos distinções diferentes, logo, fico imaginando quais o
leitor fará.
Quatro semanas depois, quando a fita de videocassete
chegou em meu escritório, vinha com um bilhete. Parte dele
dizia: “... o mais emocionante não está na fita. O processo que
se seguiu, àquele entre a escola e a equipe consultora, do qual
a sua consultoria fez parte, foi a parte mais valiosa. O conteú-
do, tudo o que está dito na fita, não é tão significativo.”
Com a minha curiosidade despertada por esse bilhete
enigmático, escrevi, pedindo a eles que me falassem sobre esse
processo. Responderam o seguinte:

Semanas depois da consulta, quando assistimos à fita, fica-


mos impressionados em ver como um tipo de gravação
como essa capta pouca coisa. Capta somente pequenos
fragmentos de todos os sentimentos existentes, tanto na
sala de entrevistas quanto na sala de observação. E a fita
não nos diz nada sobre o contexto no qual ocorreu a
consulta.
Para a família, particularmente para a mãe, talvez o
menos importante tivesse sido o que foi dito durante a con-
versa. O que mais importou foi a nova experiência de sen-
tarem-se nas posições que lhe foram dadas – em um tipo de
meta-posição em relação à sua própria situação de vida e
aos problemas relacionados à filha.

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Oito profissionais auxiliares estiveram diretamente en-
volvidos no tratamento da filha, ela própria, ausente. Oito
profissionais que pensavam, falavam e especulavam sobre
a família. A situação pareceu produzir um grande impacto
na mãe, e talvez o encontro tenha feito com que ela tomas-
se o passo decisivo: deixar que sua filha ficasse totalmente
aos cuidados da sociedade. (As palavras e as conversas não
foram significativas, depois de tantos anos de conversas
terapêuticas).
Assim, deixando a mãe ficar nas posições em que este-
ve durante o encontro, ela própria lidou com aquilo que
tínhamos tentado lidar por um longo tempo, ou seja, tor-
nar claro que mãe e filha necessitavam da intermediação
de pessoas autorizadas para que pudessem relacionar-se. A
consulta proporcionou, até para nós, os profissionais, a
oportunidade de verbalizar isso. E, de acordo com a reação
da mãe ao encontro, apenas isso foi o mais importante
para ela.
Como sua posição mudou em relação a nós, durante a
consulta, certamente mudou nossa posição em relação a
ela, e também em relação ao nosso trabalho com ela.
Na realidade, nós acabamos por ficar em uma metapo-
sição em relação à nossa própria maneira de trabalhar. O
grupo da escola especial, ao qual, na verdade, a consulta
parecia ser dirigida, considerou-a proveitosa. Ela influen-
ciou o desenvolvimento da escola, que prosseguiu por al-
gum tempo descobrindo novas maneiras de cooperar com
as crianças e suas famílias, afastada da ideia de que as
crianças só mudariam se os pais mudassem primeiro.
Todas essas hipóteses que “estão soltas no ar” são inte-
ressantes. Primeiro, elas (as hipóteses) abrem novas pers-
pectivas, tornam-nos (nós profissionais) menos preconcei-

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tuosos, com mais nuances (variações), mais curiosos e mais
íntimos daqueles com quem temos os encontros. Depois de
alguns anos, elas (as hipóteses) tornam-se limitadoras e fa-
zem com que o todo fique tedioso. Deveríamos ser capazes
de ter sucesso sem elas (as hipóteses) nos primeiros anos.
O seu atual desinteresse pelas hipóteses seria possível se
não as tivesse utilizado nos seus primeiros anos? Podería-
mos deixá-las de lado enquanto ensinamos àqueles a quem
temos obrigação de ensinar? Devemos admitir não acredi-
tar que você não tenha hipóteses, ou seus próprios pensa-
mentos sobre o que ouve, mas compreendemos que não se
preocupe em formulá-las para si próprio ou para os outros,
já que acreditamos que você pensa serem outros processos
mais importantes.

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Parte
3

Epílogos

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Epílogo I
Terminar este livro é um novo começo

P ara mim, particularmente, tem sido gratificante es-


crever este livro, e o ato de escrever sempre parece
gratificante. Traz surpresas de todo o tipo, como verificar que
certas ideias, opiniões e compreensões que eu julgava fossem
muito claros quase sempre não o eram. Escrever ajudou a es-
clarecê-los. Parte do esclarecimento consistiu em fazer todas
as perguntas, que ainda não tinham sido feitas, sobre as ideias,
opiniões e compreensões.
Outra experiência interessante tem sido a de que o pen-
samento incluso no pensamento que originou o trabalho apre-
sentado neste livro tem estado em constante mudança. O perí-
odo em que escrevi este livro – início do outono de 1987 até
dezembro de 1988 – foi uma época de muitas mudanças evo-
lutivas. Isso significa que, se o livro tivesse sido iniciado hoje,
teria um acréscimo e um conteúdo um tanto quanto diferen-
tes. Nas últimas páginas, discutirei que conteúdo poderia ser
incluído.
Essas últimas mudanças que estão em evolução surgiram,
na sua maioria, a partir das discussões que estavam ocorrendo

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no Norte da Noruega e das trocas frequentes com a equipe de
Galveston, principalmente com Harold Goolishian e Harlene
Anderson. Essas ideias estão geralmente associadas a determi-
nados temas epistemológicos e a novas ideias de utilização de
posições reflexivas.
Na página 37 deste livro, o parágrafo com o seguinte iní-
cio: “Parecia (referindo-se à invenção da equipe reflexiva) bem
diferente da maneira usual de trabalhar...” contém uma experi-
ência que produziu um efeito duradouro também no pensa-
mento. A maior mudança que parece ter acontecido foi em
relação à escolha das palavras em nossa linguagem, determi-
nando que tudo acontecesse “em aberto”.
Nunca mais poderemos usar palavras, conceitos ou ex-
pressões que possam ser percebidas como negativas por aque-
les que nos consultam. Quando trabalhávamos da “maneira
antiga”, podíamos. A pausa durante a sessão, que afastava a
equipe do sistema, nos permitia aliviar todas as ideias e senti-
mentos “estranhos” que tínhamos pelo sistema. Durante as
pausas, as descrições e explicações que correspondiam a essas
“estranhezas” tendiam a estar contaminadas por palavras e ex-
pressões que certamente o próprio sistema teria percebido
como conotações negativas, se as tivesse ouvido.
Hoje em dia, não penso tanto sobre a possível percepção
que o sistema possa ter, e sim sobre o efeito do uso das conota-
ções negativas em nós, os facilitadores.
O uso das conotações negativas fornecerá, inevitavel-
mente, uma definição acerca de alguém ou de algo, de tal ma-
neira que quem as utiliza (neste caso o facilitador) é levado a
crer que exista algo nessa ou acerca dessa pessoa ou desse algo
que deveria ser de outra maneira. Assim, torna-se mais difícil
dizer a si próprio que esse alguém ou esse algo é apenas o que
é, sem nenhum valor anexado. E torna-se ainda mais difícil

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evitar a busca de algo que possa impor uma mudança vinda de
fora, a qual, por outro lado, sabemos ser impossível, uma vez
que aceitamos a noção de que uma interação instrutiva é
impossível.
A forma mais aberta de trabalhar que preferimos agora,
como já dissemos, teve um efeito profundo no intercâmbio da
linguagem. A eliminação das chamadas palavras e expressões
negativas deixa a linguagem com um conteúdo mais positivo e
neutro. No momento, minha perspectiva é de que essa lingua-
gem “positiva” não só influencie a evolução das descrições e
explicações mais aplicáveis (úteis) como também possa in-
fluenciar globalmente a pessoa que a recebe.
Como vejo agora, as palavras e significados que uma pes-
soa ouve e fala tornam-se parte do seu modo de ser.
Palavras e significados, que podem ser facilmente com-
preendidos como algo em si próprios, isto é, algo que pertença
a um pedaço de papel, por essa nova forma de compreensão,
corresponderão ao modo de ser global da pessoa e serão com-
preendidos como parte do seu estado fisiológico. Todo o co-
nhecimento advindo do campo da retroalimentação biológica
já vem informando, há muito tempo, que certas palavras ou
imagens desagradáveis produzem um intenso efeito estressan-
te no corpo, como demonstram certos instrumentos que po-
dem captá-las como feedback do corpo. Será que parte da com-
preensão daquilo que ajuda os que se apresentam como sistema
paralisado deve ser a união com outras pessoas que propiciem
uma linguagem com menos conotações negativas? Será a lin-
guagem contendo todas as palavras e metáforas aquilo que,
antes de tudo, constitui as conversas úteis, tornando-se, por-
tanto, a essência no processo de ajuda dos que estão paralisa-
dos? Deveria a conversa que geramos em conjunto com os ou-

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tros tornar-se o foco principal? Talvez, um outro assunto da
maior importância para um facilitador(a) pudesse ser formu-
lar perguntas para si próprio(a) e para aqueles com quem está
conversando: qual linguagem seria mais útil em qual conversa
sobre este assunto?
Isso, sem dúvida, estimular-nos-á a rever as perguntas
que já havíamos formulado até então e cujo conteúdo segue
naturalmente a epistemologia da cibernética, tanto de primei-
ra ordem quanto de segunda ordem.
Será que as perguntas sobre estrutura, padrão, sequências
de comportamentos, informação etc. deixaram de ser as mais
interessantes?
Será uma epistemologia da linguagem e do significado
mais útil para fundamentar nossa contribuição nas conversas?
Esse enfoque pode direcionar as questões mais para o conteú-
do ainda não reconhecido da linguagem intercambiada.
Na “conferência de Harry”, em Galveston, Texas, ocorrida
nos dias 25 e 26 de outubro de 1988, Harold Goolishian exter-
nou ideias combativas exatamente sobre esse tema:

Por que as mudanças no pensamento estão acontecendo


tão rapidamente e por que neste momento? Como explicar
que, agora, as teorias do construtivismo estejam florescen-
do, e em tantas áreas diferentes das artes e das ciências?
Como podemos dar sentido a essas mudanças? Existe uma
direção? Como explicar que muitos de nós estejamos apáti-
cos e desencantados com a nossa atual estética e com a nos-
sa atual prática? Como explicar que nossas teorias e insti-
tuições pareçam tão sem brilho? Como isso veio a acontecer
neste momento? Essas e muitas outras perguntas ressoam
em minha cabeça enquanto avalio este encontro e a reação
esmagadora a um pequeno estímulo.

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Trabalhando incansavelmente com essas perguntas e
refletindo sobre nossa área de interesse mútuo – as ciências
sociais e a psicoterapia – pensei em Ludwig Wittgenstein e
seus comentários sobre o papel e a importância da lingua-
gem. Pensei também na ênfase que grande número de filo-
sofias dá ao papel fundamental e problemático do discurso
narrativo na compreensão da condição humana. Isso in-
clui gigantes como Alysdair Mac-Intire, Richard Rorty,
Paul Ricoeur, Jean-François Lyotard e outros. Segundo a
tese principal de Wittgenstein, que percorre toda a sua
obra, os limites da nossa linguagem fornecem os limites do
nosso mundo. Uma investida constante nos textos das filo-
sofias narrativas é de que os limites de nossa estrutura nar-
rativa, nossos estilos e histórias definem nossa capacidade
de compreender e explicar. Nossas narrativas que prevale-
cem estipulam o vocabulário que determina nossas reali-
dades. Nossos destinos estão abertos ou fechados em fun-
ção das histórias que construímos para compreender nossas
experiências.
Essa visão da narrativa e do vocabulário tem, é claro,
implicações importantes para nosso trabalho na psicologia,
psicoterapia e ciências sociais. Dentro dessas áreas de estu-
do, de acordo com o ponto de vista da narrativa, temos
somente nossas descrições. Essas descrições narrativas são
a nossa compreensão da natureza da espécie humana. Es-
sas descrições e histórias estão em permanente evolução e
mudança. Concluir que esses pontos de vista sobre a natu-
reza humana sejam apenas uma questão dos nossos voca-
bulários descritivos, apenas uma questão das convenções
da nossa linguagem, apenas uma questão de como nossas
histórias e estilo narrativo relatam a experiência é dizer
que nossas ficções são o único tipo de natureza que conhe-

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cemos. Esse é um pensamento sensato. É realmente possível
que, depois do que concluímos sobre a essência básica da
natureza humana, as coisas que sabemos sobre nós pró-
prios e sobre os outros, algo nos deixe, a nós próprios, redu-
zidos a meras funções da linguagem e a enredos narrativos
disponíveis? É isso que estabelece as fronteiras das nossas
ciências sociológicas e psicológicas? É possível que qualquer
conhecimento que tenhamos, toda a nossa descrição do
mundo, a maneira própria como observamos a organiza-
ção social, os recursos que utilizamos para compreender os
problemas, os métodos com os quais praticamos a terapia,
tudo isso não seja nada mais do que manifestações do uso
de nossa linguagem, de nosso vocabulário e de nossas his-
tórias? É por meio de nossa semântica que nossos atos ad-
quirem significado? Ainda mais estranho: existem implica-
ções de que nossa atuação humana – aquele conjunto
complexo de operações por meio do qual tomamos atitudes
sensatas em nossas vidas e nos organizamos e coordena-
mos com os outros – não seja mais do que uma transfor-
mação em ação das narrativas que criamos em conjunto
com os outros? A posição linguística é um firme “sim”. Nos-
sos próprios selves, nossa atuação, nossas instituições, nos-
sa lei, nossa ordem, nossa verdadeira civilização não pas-
sam de uma manifestação ficcional do uso de nossa
linguagem, de nosso vocabulário, de nossas ficções. Peque-
nos exemplos – seria impossível pensar em complexas ati-
vidades sociais tais como a proteção à insanidade ou psico-
terapia profunda sem a narrativa e o vocabulário do
inconsciente. Sem essa expressão para descrever nosso
comportamento, este e muitos outros rituais importantes e
a organização social ficariam sem sentido. Seria impossível
pensar em amor, cooperação, poder ou romance sem a lin-

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guagem adequada para descrever essas ações. Não vivería-
mos da maneira que vivemos se não conversássemos sobre
isso da maneira que conversamos. Sem o vocabulário do
amor, seria simplesmente impossível envolver-se em uma
relação amorosa. Sem a linguagem do poder não podería-
mos oprimir uns aos outros. Sem a linguagem do ódio não
poderíamos nos ferir mutuamente.

O trabalho com a troca de posições de falar e escutar foi


estimulante. A Equipe Reflexiva, no entanto, é apenas uma das
muitas maneiras de organizar essas trocas. No momento, pre-
ferimos usar o termo posição reflexiva, em vez de equipe refle-
xiva. A ideia básica é a troca, que parece ser aplicável de infini-
tas maneiras.
Uma das últimas ideias é trabalhar sem uma equipe. As
equipes são de uma importância enorme para os estagiários,
mas no trabalho “habitual” questiona-se sobre a necessidade,
ainda, de uma equipe. Por esse motivo, entretenho-me com a
ideia de somente um de nós consultar o sistema paralisado.
Se ainda houver profissionais no sistema, um de nós po-
deria discutir com eles como as várias formas de posições re-
flexivas podem ser organizadas.
Se não houver nenhum outro profissional no sistema, o
que foi escolhido entre nós pode ainda criar posições reflexi-
vas com as pessoas do sistema. Um de nós pode falar com um
ou mais de um do sistema sobre o assunto que quiserem con-
versar, ficando o resto do sistema em posição de escuta. A se-
guir, depois de um momento, perguntamos àqueles que estive-
ram ouvindo a conversa ao acaso quais tinham sido seus
pensamentos enquanto a escutavam e, logo depois, podemos
retornar aos primeiros para conversar sobre seus pensamentos
sobre os pensamentos reflexivos.

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Podemos, então, falar com os outros sobre o(s) assunto(s)
que desejam conversar com os primeiros, que estão na posição
de escuta, e, depois disso, encorajar esses primeiros a apresen-
tarem seus comentários sobre a conversa, pedindo em seguida
aos outros seus comentários sobre os comentários.
Parece que apenas começamos a fazer algo que é suficien-
temente simples para ser viável, suficientemente criativo para
ser útil, suficientemente pequeno para ser transportável e sufi-
cientemente repleto de surpresas inesperadas que mantêm
viva nossa própria curiosidade.

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Epílogo II
Reflexões sobre o livro dois anos mais
tarde

O período entre outubro de 1987 e dezembro de 1988,


época em que escrevi o original do livro, foi muito
estimulante. Escrevê-lo esclareceu muitos de meus pensamen-
tos, mudou alguns deles e, na realidade, fez com que outros
novos surgissem.
É muito interessante ler o livro hoje, em fevereiro de
1991. Sem dúvida, teria sido diferente se tivesse sido escrito
agora. Algumas coisas teriam sido omitidas, outras mais en­
fatizadas e outras mais desenvolvidas. E teria, ainda, acres-
centado outros dados. No momento, como o texto está sendo
reeditado, tenho a oportunidade de assinalar essas eventuais
diferenças.

O QUE EU TERIA OMITIDO

Definitivamente, teria retirado as palavras explicar e explica-


ção. Estas palavras pertencem, como percebo hoje, àquela par-
te do mundo onde se situam as ciências físicas (d’Andrade,

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1986). Nessa parte do mundo, buscam-se descrições que, espe-
remos, representem exatamente o fenômeno físico estudado.
Estudando e descrevendo o fenômeno sob diferentes influên-
cias, é possível explicar o que causa qual mudança. É até possí-
vel predizer como o fenômeno será mudado caso sofra a influ-
ência disto ou daquilo. Com base nesses estudos, é possível
desenvolver leis gerais de explicação e predição para o próprio
fenômeno e para fenômenos similares, as quais, por sua vez,
podem ser usadas para regular e controlar o mundo que nos
cerca – ou pelo menos parte dele. Esse tipo de ciência e sua
linguagem correspondente se ajustam bem àquela parte do
mundo onde “a vida interior” tem um ritmo muito lento de
mudança – na verdade, onde os movimentos da vida interior
são tão lentos que seu cerne parece estar morto. Um pedaço de
metal, por exemplo, muda muito devagar; pode levar décadas
para que a vista humana perceba alguma mudança.
O mundo, no qual nós que usamos o diálogo como um
“método” para a mudança trabalhamos, é composto de pesso-
as vivas e de seus significados. Este mundo abrange tanto o
modo como as pessoas entendem-se a si próprias e o mundo
que as cerca, quanto também seus significados de como tomar
parte nesse mundo. As pessoas e particularmente seus signifi-
cados mudam o tempo todo, e essas mudanças acontecem
muito rapidamente. Os significados são múltiplos e mudam
com os contextos mutáveis. Como suas origens não podem ser
indicadas, os significados dificilmente podem ser explicados.
Nem podem ser previstos.
É também impossível definir o que os significados “real-
mente” são. Não podem ser guiados ou controlados e, é claro,
não existem leis universais que possam nos orientar para com-
preendermos como os significados são explicados e controla-
dos. Nossas tentativas são o ponto mais próximo a que pode-

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mos chegar para compreender os significados e os pensamentos
dos outros. Minha compreensão é o ponto mais próximo a que
posso chegar para a compreensão do outro.
No entanto, apesar de estar arrependido por ter usado a
palavra explicação na primeira edição do livro, consola-me um
pouco notar que seu conteúdo tende para a palavra compreensão.
Todavia, se tivesse escrito o livro hoje, as palavras explicar e expli-
cação teriam sido substituídas por compreender e compreensão

O QUE EU TERIA ENFATIZADO

Tenho em mente três assuntos.


O primeiro é a ideia de organizar um encontro no qual
sejam dadas aos participantes oportunidades de troca: entre
participar ativamente da conversa sobre um ou mais assuntos,
ou ouvir a conversa dos outros sobre os mesmos assuntos. Es-
sas trocas tornam possível avançar e retroceder entre os diálo-
gos externos e internos. Esses dois tipos diferentes de diálogos
darão duas perspectivas diferentes dos mesmos fatos e tam-
bém proporcionarão dois pontos de partida diferentes quando
buscarmos novas descrições e compreensões. Espero ter trans-
mitido ao leitor a ideia de que essas trocas podem ser organi-
zadas de maneiras bem diferentes: algumas vezes com o uso de
uma equipe, algumas vezes com a colaboração de apenas um
colega e outras somente com os clientes, por exemplo, mem-
bros de uma família que estejam presentes. No último caso,
aqueles que escutam enquanto o terapeuta fala com um dos
membros da família tornam-se participantes reflexivos e, tal-
vez, mais tarde, tornem-se “uma equipe reflexiva”.
O segundo assunto diz respeito a quatro perguntas prin-
cipais com as quais trabalho durante uma conversa. A primei-

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ra delas é: “Como você gostaria de usar este encontro?” Essa
pergunta que inclui tanto o “como” quanto o “o quê” pode ser
expressada de uma forma diferente, de acordo com a situação,
por exemplo: “Você fez algum plano de como...?” ou “Você
tem alguma ideia de como...?”
A segunda das quatro é: “Qual é a história da ideia de vir
hoje aqui?” Essa pergunta também pode ser expressada de for-
ma diferente, por exemplo: “Quem teve primeiro a ideia...?”
“Como todos os outros tomaram conhecimento da ideia?” “De
que forma gostaram da ideia...?” A razão desta pergunta é pro-
curar compreender o quanto as pessoas presentes estão com-
prometidas com a ideia de estarem presentes. Procuro deixar
os que têm reservas por terem comparecido sentarem-se tran-
quilamente e escutarem minha conversa com aqueles que es-
tão mais comprometidos com o encontro. As respostas dadas
pelos que estão mais envolvidos à pergunta “Como vocês gos-
tariam de usar esta sessão?” são anotadas cuidadosamente, já
que essas respostas servirão como a principal estrutura do en-
contro. Esta segunda pergunta aparece mais frequentemente
no início da sessão, mas não necessariamente nesse momento.
Pode aparecer mais tarde.
A terceira pergunta, que algumas vezes é somente pro-
posta para mim mesmo, mas que também pode ser proposta
em aberto, é a seguinte: “Quem pode (deve) conversar com
quem, sobre este assunto, e de que maneira neste momento?”
Nunca se pode garantir que todos os presentes sejam capazes
de falar uns com os outros sobre qualquer tema que surja du-
rante a conversa. Portanto, quando um novo assunto se apre-
senta, seria prudente perguntar: “Com que frequência você já
conversou sobre isso antes?” Se esta for a primeira vez, seria
uma boa ideia perguntar quem poderia conversar com quem,
de que maneira, neste momento.

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A quarta pergunta só faço a mim mesmo: “O que estamos
falando agora ou a maneira como estamos falando é adequa-
damente incomum ou incomum demais?” Aqueles com quem
estamos conversando darão sinais quando se sentirem descon-
fortáveis. Devemos nos empenhar em notar esses sinais logo
que apareçam durante o encontro. Cada pessoa tem seus sinais
particulares. Se eles surgem, considero minha tarefa descobrir
algo diferente para falar e/ou falar de forma diferente.
Neste momento, estou muito ocupado com o terceiro dos
três assuntos, ou seja, a importância de deixar a pessoa falar
sem ser perturbada até que termine e, depois, permitir uma
pequena pausa para a reflexão que sempre se segue. Mais
adiante, neste capítulo, direi algo mais sobre este tema em rela-
ção às tentativas de definir o self. Esse debate me fascina.

O QUE EU TERIA DESENVOLVIDO

Teria dito algumas palavras para salientar que as trocas das


posições reflexivas podem ser usadas em vários formatos,
quando estão presentes muitas pessoas voltadas para o mesmo
tema ou tarefa, por exemplo, na supervisão, nos encontros de
grupos de trabalho, no trabalho com desenvolvimento de or-
ganizações etc. Isso é fácil de ser feito dividindo-se os presen-
tes em grupos e deixando que um grupo discuta enquanto os
outros o escutam e, mais adiante, permitindo que aqueles que
escutaram conversem entre si sobre o que estavam pensando
enquanto ouviam o primeiro grupo falar. Depois, então, o pri-
meiro grupo tem novamente uma chance para falar.
Consultas de um terapeuta, que trabalhe sozinho, a um
outro que faz o mesmo é um outro tópico que merece atenção.
O/A terapeuta que trabalha sozinho(a) poderia chamar um(a)

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colega para se reunirem em seu consultório, uma ou duas ve-
zes por mês. O terapeuta convidado poderia conversar durante
algum tempo com o terapeuta anfitrião sobre a terapia que
o(s) cliente(s) e o terapeuta anfitrião tenham feito até o mo-
mento, ficando o(s) cliente(s) na posição de escuta. Em segui-
da, o terapeuta convidado poderia conversar com o(s)
cliente(s), ficando o terapeuta anfitrião na posição de escuta.
Depois, os dois terapeutas poderiam refletir juntos, ficando
o(s) cliente(s) na escuta. Finalmente, o bloco seria fechado
conversando-se com o(s) cliente(s). Os dois terapeutas pode-
riam se revezar no papel de convidado e anfitrião.

O QUE EU TERIA ACRESCENTADO

Aqui, eu teria tentado esclarecer para onde me conduziu o


processo “externo” que foi incorporado pela participação em
vários processos reflexivos. Teria tentado descrever o que fo-
ram os componentes desse processo “externo” e como contri-
buiu para as mudanças na maneira como exerço e compreen-
do a “terapia”.
Agora, enquanto procuro compartilhar o pensamento
sobre esse processo “externo”, eu o farei em termos de mim,
meu/minha e eu. Desejo grifar que o quê compartilho pode ser
significativo apenas para mim, no sentido de que este “o quê” é
constituído pela minha linguagem e meu background. Uma
outra pessoa poderia ter definido as contribuições de uma for-
ma diferente. É provável que “o quê” eu próprio descobri não
vá contribuir para algum conhecimento geral. No entanto,
compartilhando minha descoberta sobre “o quê” sejam essas
contribuições, tentarei esclarecer como cheguei até esses “o
quês”. E, talvez, esse como tenha um interesse mais geral.

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De uma visão posterior, acho interessante observar que
as mudanças práticas vieram primeiro, seguidas pelas ideias
sobre como elas poderiam ser entendidas. Seria útil assinalar
quais foram as diversas mudanças práticas, antes de se conver-
sar sobre o que contribuiu para elas. As diversas mudanças se-
rão resumidas cronologicamente, conforme foram surgindo: a
mudança do ignorar estar sendo incomum demais para estar
atento a isso (“Estou sendo adequado ou incomum demais
agora?”); a mudança de uma postura de “ou isto ou aquilo”
para “tanto isso... como aquilo”; a condução “em aberto” de
todas as conversas durante um encontro, tornando-as públicas
por assim dizer; o incentivo para descrições e compreensões
múltiplas sobre o mesmo assunto; o abandono de hipóteses; a
discussão com os clientes sobre quais eram seus compromissos
na participação de um encontro conosco (“Qual é a história da
ideia de vir aqui?”); a discussão com eles sobre como devería-
mos falar entre nós (“Como vocês gostariam de usar este en-
contro?”); o ignorarmos a compreensão dos clientes como
partes de estruturas sociais, de padrões sociais etc., e, ao invés
disso, concentrarmo-nos na compreensão do estilo e conteúdo
de suas conversas com os outros e conosco, os profissionais; a
discussão com os clientes sobre que conversas eles considera-
riam úteis no futuro (“Quem poderia conversar com quem,
sobre este assunto, de que maneira, neste momento?”); a sim-
plificação do procedimento de um encontro à medida que o
repertório das trocas das posições reflexivas se amplia; o dar
uma atenção crescente a como os clientes se expressam, além
de escutar o quê estão conversando; uma tendência crescente
para buscar com eles nuances “não ouvidas e não vistas” em
sua linguagem; o dar mais atenção a mim mesmo como ouvin-
te, escutando cuidadosamente quais metáforas eles usam e fi-
cando atento à velocidade, ao ritmo, às pausas e à energia no

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falar com os quais se expressam; o ser um ouvinte tal que o
outro possa falar sem ser perturbado até terminar o que tem a
dizer, respeitando a pequena pausa que se segue; e as mudan-
ças ainda não percebidas que, acredito, já tenham ocorrido.
O que contribuiu para essas mudanças?
O que parece destacar-se mais é o significado do meu
sentimento de desconforto, particularmente quando esse senti-
mento surge durante um encontro e permanece depois que o
encontro acaba. Esse sentimento provocou a pergunta: “O que
aconteceu que me fez sentir tão desconfortável?” Posso perce-
ber a posteriori que esse sentimento foi reprimido e não foi
levado a sério por algum tempo. Isso aconteceu durante o pe-
ríodo em que me sentia estimulado por compreender qual era
o padrão de uma família e, baseado nisso, fazia várias tentati-
vas para mudar o padrão – explicações, conselhos, tarefas, re-
formulações mais ou menos imprevistas etc. Acontecia fre-
quentemente após esses encontros de surgir uma sensação de
desconforto. Um dia, no entanto, aquela pergunta – O que
aconteceu no encontro que me fez sentir tão desconfortável?
– exigia uma resposta.
Sempre preferi longas caminhadas solitárias para encon-
trar tais respostas. Passeios em regiões formadas por elemen-
tos contrastantes ajudam muito. Aqui onde moro, poderíamos
andar durante horas pelas montanhas, avistando ao mesmo
tempo o oceano mais além. Esses grandes contrastes estão ali à
nossa disposição para que nossos olhos os vejam. Seria natural
que se detivessem para dar uma olhada, mas notei que não
param durante esses passeios de busca. Tendem a movimen-
tar-se o tempo todo – até que uma resposta seja encontrada.
Presumo que o leitor esteja bastante familiarizado com o
chamado “movimento rápido dos olhos” que corresponde a
períodos dos sonhos durante o sono noturno. Segundo minha

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percepção, e talvez o leitor também compartilhe dela, as pes-
soas convencidas de que sua compreensão e soluções são as
melhores e mais certas olham confiantemente para pontos fi-
xos em sua frente. Aquelas mais incertas, talvez tão incertas
que se sintam confusas, tendem a movimentar seus olhos bus-
cando algo em que se fixem. Pessoas de olhos-fixos e pessoas
de olhos-em-movimento.
No momento, não me recordo com exatidão do que pri-
meiro veio à minha mente: Gregory Bateson e sua ideia sobre
“uma diferença que faz uma diferença” ou Aadel Bulow-Han-
sen criando novas nuances para essa ideia, “existem duas dife-
renças que não fazem diferença, mas há uma (a adequadamen-
te diferente) que faz”. As duas ideias estavam relacionadas a
um repensar de uma relação contínua como um fluxo do dar e
tomar. Acabei por entender minhas sensações de desconforto
como um sinal de que esse fluxo era experienciado como de-
vagar demais ou depressa demais. A sensação de desconforto
quase sempre aparecia quando o fluxo era sentido como lento
demais para mim e eu o forçava a ser mais rápido, enquanto os
outros o sentiam desconfortavelmente rápido e desejavam di-
minuí-lo e até mesmo pará-lo. Nessas ocasiões, eu podia sentir
minhas tentativas para forçar a situação. Aquela sensação de
estar forçando alguém, que por sua vez resistia à pressão, era
desconfortável. Questionei-me como deveria lidar com tal
desconforto: deveria ignorá-lo dizendo, por exemplo: “Isso faz
parte da terapia” ou deveria levá-lo a sério perguntando: “De-
sejo realmente esse tipo de relação com os outros?” Preferi di-
zer não às duas propostas.
Desde que fiz essa escolha, tem sido interessante notar
que a sensação de desconforto nas diversas relações estimulou
mudanças importantes na maneira em que trabalho. De fato,
todas as mudanças mencionadas acima originaram-se dessas

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conjecturas sobre o sentir-se desconfortável. De onde vem essa
sensação de sentir-se desconfortável em uma relação? En-
quanto não descubro uma resposta “objetiva”, penso muito so-
bre esse assunto. Parte da resposta que eu próprio me dei ba-
seia-se – nos termos de Hans Georg Gadamer, Warnke, 1987
– no meu pré-entendimento do que é (deverá ser) uma rela-
ção. Sendo assim, contém elementos tanto de meu background
de cultura geral quanto de meu background de cultura local; é
histórico e contextual e, portanto, em constante mudança.
Transforma-se em um “padrão” de mudança, que não é estável
nem genérico, mas pessoal. Qualquer que seja sua origem, sei
como é sua sensação e deixo essa sensação orientar minha par-
ticipação em qualquer relação.
Percebo que reconheço essa sensação como parte da mi-
nha intuição. A intuição, em meus termos, é um estado de es-
tar aberto às respostas que vêm de “dentro” de mim quando
sou “tocado” pelo que vem “de fora”. Os toques que vêm “de
fora”, tais como aqueles que ocorrem em uma relação, chegam
até os olhos, ouvidos e pele. Se estou aberto e recolho esses
toques, terei “respostas” “dentro” de mim que me dirão como
reagir aos toques. Uma das respostas que vem do meu interior
e à qual fico particularmente atento é a pressão.
Ao seguir essa orientação, foi interessante notar que Ga-
reth Morgan (1983), um renomado pesquisador no campo das
ciências humanas, enfatiza que a pesquisa na área humana
abrange, basicamente, modalidades de envolvimentos com os
outros. Várias mudanças em meu trabalho prático foram mui-
to estimuladas pela sensação de desconforto em diversas situ-
ações. As próprias mudanças parecem representar uma nova
compreensão da conversa e da constituição do self.
O conhecimento anterior que se tinha sobre a constitui-
ção do self estava relacionado à estrutura. As manifestações de

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uma pessoa eram vistas como dependentes da estrutura subja-
cente, tanto biológica, psicológica, quanto sociológica (por
exemplo, uma família). As falas e atos correspondentes dos
profissionais costumavam ser para e em prol dos clientes. Ago-
ra, conversamos com os clientes e fazemos várias coisas com os
clientes. Uma pessoa é vista, em primeiro lugar, como um par-
ticipante das conversas.
O passo seguinte e consequente foi focalizar a linguagem
usada durante as conversas. Na conferência do Galveston Fa-
mily Institute (atualmente chamado Houston-Galveston Fa-
mily Institute), já citada no Epílogo 1, Harry Goolishian apre-
sentou ideias interessantes sobre esse assunto.
Essas ideias levam à compreensão de que falar é muito
mais do que ser informativo. O ato de falar certamente inclui
dar informações aos outros, mas é algo mais, ou seja, é a cons-
tituição do self no momento e na forma em que se expressa a si
próprio. Em outras palavras, por meio da fala, uma pessoa
busca as metáforas que melhor expressem suas compreensões e
opiniões, e isso é feito de uma maneira que contribui para que
ela se expresse a si própria. Gergen (1984, 1989) e Shotter
(1989) colaboraram muito para ampliar essas perspectivas.
Encontros com Aadel Bulow-Hansen e sua sucessora Gu-
drun Øvreberg me deram a oportunidade de compreender a
participação do corpo quando uma pessoa se expressa a si pró-
pria. Tudo que é expresso, tanto palavras quanto emoções, pas-
sa pela fase expiratória da respiração. Os movimentos respira-
tórios são muito sensíveis às mudanças, variando de acordo
com o que é expresso e o contexto em que ocorrem essas ma-
nifestações. Portanto, ser um ouvinte envolve não somente
prestar atenção às palavras, metáforas e significados expressos
mas também ficar atento e evitar uma ruptura na parte fisioló-
gica do falar – a velocidade, o ritmo, as pausas e a intensidade

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da voz. Sendo tal ouvinte, oferece-se ao outro uma busca em
parceria da constituição e reconstituição que o outro faz de si
próprio. Ou dito mais coloquialmente: estar com o outro de
uma tal forma que ele se torne a pessoa que mais deseja ser
naquela situação, naquele momento.
Uma descoberta interessante e abrangente foi a de que as
mudanças práticas ocorriam primeiro; estas, eram seguidas de
tentativas para compreender-se as mudanças; fiquei prepara-
do, então, para discutir os diversos processos dentro das estru-
turas teóricas. Hoje em dia, percebo que a estrutura teórica
que aparece neste livro, de dois anos atrás, situa-se em algum
lugar entre as ciências humanas e as naturais. Se essa estrutura
teórica fosse escrita hoje, tenderia mais para as ciências huma-
nas. Embora minha compreensão da equipe reflexiva e dos
processos reflexivos tenha mudado, a prática clínica, basica-
mente, permanece a mesma. Investigar essa mudança de com-
preensão pode ser meu próximo projeto. Poderia também nos
ajudar a lembrar que as práticas talvez informem e mudem
nossas teorias mais frequentemente do que as teorias influen-
ciam nossa prática.

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Epílogo III
Reencontro com o livro em 1994;
seis anos depois:
Você pode pedir meus olhos emprestados,
mas não deve tirá-los de mim!

A respeito da psicologia do próprio ato criativo, mencio-


nei os seguintes aspectos correlacionados a ele: o desloca-
mento da atenção para algo não notado previamente, que
era irrelevante no contexto antigo e é relevante no novo; a
descoberta de analogias escondidas como um resultado
do primeiro contexto; a conscientização de axiomas táci-
tos e de hábitos de pensamento implícitos no código, que
eram aceitos como verdadeiros; a revelação daquilo que
sempre esteve lá. Isso nos leva ao paradoxo de que quanto
mais original for uma descoberta, mais óbvia ela parecerá
depois. O ato criativo não é um ato de criação no sentido
do Velho Testamento. Não cria alguma coisa do nada: ele
revela, seleciona, embaralha novamente, combina, resu-
me fatos já existentes, ideias, aptidões e talentos. Quanto
mais familiares forem as partes, mais surpreendente será
o novo todo.
Arthur Koestler: “The act of Creation”;
pp. 119-120.

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A gora, no momento da reedição do livro, surge uma
possibilidade de acrescentar-se um novo capítulo fi-
nal aos dois que já foram escritos (em 1988 e 1990).
Farei isso com prazer porque algo novo foi acrescentado
à prática e, além disso, minha compreensão dos “processos re-
flexivos”, como agora prefiro chamá-los, também mudou.
Uso deliberadamente as palavras “prática” e “compreen-
são”, em vez de “método” e “teoria”. Prática e compreensão são
palavras de sentido mais aberto e amplo como também mais
cotidianas e comuns. Prática e métodos são, ambas, palavras
que descrevem meios de se estar envolvido com o mundo;
como uma pessoa se relaciona com o seu meio e não somente
com as outras pessoas que ali estão. Método, para mim, é uma
palavra que indica maneiras específicas de se estar envolvido
com o mundo. Prática é mais ampla e aponta maneiras dife-
rentes de conectar-se ou desconectar-se do meio.
Compreensão é entender (captar) uma opinião, um sen-
tido ou uma suposição sobre isto ou aquilo. Teoria, entendo
como uma suposição sobre o que conecta alguma coisa com
outra e como isso se dá. Na linguagem cotidiana, as suposições
nas teorias serão logo associadas às explicações que, por sua
vez, serão associadas ao que for correto, básico ou autêntico.
Compreender não é nada mais do que compreender. Seu
valor não reside em ser certo ou errado, mas se é aplicável ou
não, útil ou não.

Prática e compreensão

No capítulo anterior a este (EPÍLOGO II), ressaltei que, em


meu trabalho, havia uma força intuitiva muito forte que trouxe
mudanças para novas formas de prática e mais adiante para

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uma compreensão dessas novidades que tinham surgido. Uma
nova compreensão ou, em outras palavras, uma nova maneira
de ver e compreender (captar e reter) o todo, poderia, por sua
vez, tornar-se uma nova base para uma nova prática.
O todo se tranforma em um círculo no qual prática e
compreensão tornam-se inseparáveis, influenciando-se
mutuamente.
Logo após dizer isso, na verdade, faço uma divisão, já que
agora vou escrever sobre o novo aspecto da prática e, em se-
guida, sobre os novos aspectos da compreensão do trabalho.
Será isso um exemplo de que o pensamento, para estar apto a
compreender, deva dividir o todo em pedaços? No entanto,
quando essa divisão tiver ocorrido, é importante mencionar a
prática primeiro, para deixar a compreensão permanecer à
sombra dela.

O NOVO NA PRÁTICA

As falas internas e externas do monólogo

Bem no início do livro, tentei salientar que os processos refle-


xivos, que podem ser aplicados de formas diferentes, são de
um modo geral mudanças de retrocesso e avanço entre as falas
internas e externas. As falas externas são as realizadas com os
outros e as internas são aquelas que a pessoa tem consigo
mesma.
Com o passar do tempo, sentiu-se como intuitivamente
certo que se deveria dar ao cliente a oportunidade de falar so-
bre o que preferisse falar, da maneira que preferisse e usando
todo o tempo que necessitasse. Isso significa que o ouvinte
deve estar atento e não interromper. Tem sido interessante

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acompanhar os vários monólogos de diversos clientes, já que o
monólogo não perturbado parece incluir mudanças entre con-
versas internas e externas. A conversa interna ocorre quando a
pessoa para de falar (com o outro) e faz o que se considera
uma “pausa”. No entanto, não é uma pausa; ela apenas “retro-
cede” ou “desloca-se para outro lugar” ou “encontra-se com
outra pessoa”. Isso pode ser observado quando seus olhos se
afastam e olham para outro ponto. Imagino que ele/ela busque
algo durante toda a “pausa” ou pare e “descanse” em alguma
coisa, em algum lugar; são buscas de significado(s). Em segui-
da, depois da “pausa”, os olhos voltam a se fixar no(s) outro(s)
presente(s) e a fala externa pode prosseguir.
A fala, portanto, abrange algo que pode ser visto além da-
quilo que é falado e pode ser ouvido. Essas mudanças entre as
falas externas e internas são mais significativas se outra(s)
pessoa(s) estiver(em) presente(s) para vê-las e ouvi-las. Peggy
Penn e Marilyn Frankfurt chamam essa contribuição do(s)
outro(s) de “testemunho” (Penn & Frankfurt, 1993). (Veja
mais adiante a menção de Lev Vygotsky sobre as falas comu-
mente chamadas de egocêntricas).

Ouvir também é ver

Não só as “pausas” podem ser vistas mas também as “abertu-


ras” que nós, profissionais, poderíamos usar como pontos de
partida para nossas perguntas. No início do livro, na parte es-
crita há seis anos, lê-se que as perguntas foram escolhidas de
uma forma mais ou menos intuitiva. Hoje em dia, já não con-
sidero que seja uma escolha intuitiva; a pessoa que escuta,
além de escutar a tudo que é dito, também vê como é proferi-
do. Existem pequenas modificações na forma de proferir que

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nos fazem pensar o seguinte: “O que eu acabei de ouvir e que
veio associado ao que vi parece ter um significado para ele/ela.
Talvez fosse proveitoso falar-se mais sobre este assunto”. Essas
pequenas modificações podem ser inúmeras: um jeito de
olhar; a cabeça que pende; uma tossida; um movimento na ca-
deira; as mãos cruzadas na nuca; uma das mãos procurando na
outra algo que não encontra etc. etc. Esses movimentos pare-
cem ocorrer quando a pessoa, dizendo algumas palavras, ou-
ve-as como particularmente significativas; as próprias palavras
da pessoa a movem. E o verbo mover tem em todas as línguas
dois significados: um de aspecto físico e outro de emocional
(motivar).

Novas perguntas

As conversas demasiadamente lentas, nas quais existe muito


para ser ouvido e visto por aquele que está lá para escutar, têm
dado a oportunidade de compreender que a pessoa que fala
busca, por meio desse falar (proferimento), a melhor maneira
de se expressar. Como foi dito no EPÍLOGO II, essa busca
abrange: a procura das melhores palavras para dizer o que de-
seja; o melhor ritmo; o melhor andamento etc. Nota-se, fre-
quentemente, que a pessoa a quem foi dada a possibilidade de
falar sem ser perturbada, quase sempre para, uma vez ou ou-
tra, e recomeça de novo, como se a primeira tentativa não ti-
vesse sido suficientemente boa.
As expressões que surgem (das quais as palavras fazem
parte) e a atividade simultânea (a forma de expressar) me inte-
ressam bastante. Portanto, tem sido lógico que se discuta não
somente os proferimentos em si mas também a forma como
são proferidos. Uma das perguntas que foi desenvolvida é a se-

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guinte: “Notei que você disse isso ou aquilo. Se estava procu-
rando algo a mais nessa palavra, o que poderia encontrar”? Um
exemplo específico foi o de uma pessoa que disse ser “indepen-
dência” a palavra importante em sua família. Ela não somente
repetiu a palavra independência mas a disse com uma tal ex-
pressão em seu rosto que foi lógico utilizá-la como ponto de
partida para a pergunta seguinte: “Se você fosse analisar a pala-
vra, o que poderia encontrar?” Ela: “Não gosto muito dessa pa-
lavra...” “Do que é que você não gosta quando analisa a pala-
vra?”... Chorando e cobrindo o rosto com as mãos, disse: “...
para mim, falar de solidão é muito difícil... é, significa ficar
sozinha...” Um outro exemplo foi o de um jovem pai que tinha
abandonado sua mulher e seu filho de sete anos. Algum tempo
depois desse fato, o pai disse que ele e o filho frequentemente se
sentiam tristes. Quando falou “triste” soltou um suspiro audí-
vel e visível, e lhe foi perguntado: “Quando seu filho está triste,
essa tristeza é preenchida totalmente por tristeza ou existem
outros sentimentos em sua tristeza?” Após ter respondido que
também havia raiva na tristeza, uma outra pergunta lhe foi fei-
ta: “Se a raiva de seu filho pudesse falar, quais seriam as pala-
vras?” Ele respondeu: “Por que você me abandonou? Você dis-
se que eu era a pessoa mais importante para você. Por que me
abandonou?” O terceiro exemplo foi de um homem que falou
de seu relacionamento com a mulher. Era de tal ordem que no
meio do medo e da incerteza explodiu o conflito (raiva). O que
lhe foi perguntado: “O medo está na raiva ou a raiva está no
medo?” Permaneceu sentado por muito tempo, confuso e pen-
sativo, antes que pudesse responder. Ficou remoendo essa per-
gunta o tempo todo durante três meses. O quarto exemplo é
sobre uma pergunta relacionada ao caso de um homem que
durante um acesso de fúria, e sem dizer uma palavra, esmurrou
um outro. A pergunta foi a seguinte: “Se o punho, em sua traje-

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tória para atingir o outro, pudesse falar, quais seriam as pala-
vras?” Houve várias respostas: “Me sinto estúpido.” “Não fui
ouvido.” “Ninguém entendeu que fui machucado.”
O ponto em comum dessas perguntas é buscar-se o que
está dentro da expressão; na palavra; nos sentimentos; nos mo-
vimentos etc. A pessoa não pergunta pelo que está por trás,
por baixo ou por cima, mas o que está no que foi expresso. E
isso exige que o ouvinte veja e escute o que é expresso.
Essas perguntas que os clientes, surpreendentemente,
quase sempre gostam são na verdade muito provocadoras, no
sentido de que o enfoque nessas palavras gera suscetibilidade.
Não garanto que uma pessoa possa conversar sobre essas pala-
vras de imediato, porque as emoções contidas nelas podem ser
muito fortes. Por esse motivo, acho mais seguro introduzir al-
gumas “perguntas-externas” antes de “analisar as palavras”.
Um exemplo é a pergunta feita antes à senhora que falou sobre
independência: “Como essa palavra “independente” foi ex-
pressa (em sua família), de uma forma aberta ou implícita?”
Ela respondeu que foi de uma forma aberta. A segunda per-
gunta: “Como se você devesse ser independente ou referia-se à
independência em geral?” Respondeu que significava que ela
deveria ser independente. Quando respondeu às duas pergun-
tas, permaneceu com a palavra; não evitou falar sobre a pala-
vra. Essa capacidade de se deter na palavra me informou que
estava preparada para a pergunta seguinte: “O que você vê se
analisar a palavra...”
Essas perguntas são atraentes em sua simplicidade e uti-
lidade. Espero que ninguém as inclua em um repertório de
perguntas técnicas. Espero, sinceramente, que isso nunca
aconteça.
Um pré-requisito importante para que o ouvinte (por
exemplo, o terapeuta) fique capacitado a escutar e ver com cui-

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dado e precisão é evitar pensar que seu interlocutor quer dizer
algo a mais do que aquilo que está dizendo. Não existe nada
além do proferido do que o próprio proferido; não existe nada
além do falado do que o falado e nada a mais apresentado do
que aquilo que foi apresentado. Nada mais.
Outras perguntas, até mesmo mais simples, também são
aceitáveis e valiosas depois de uma introdução: “Notei que
você disse isso ou aquilo...” e em seguida: “... você pode falar
mais sobre o que estava pensando quando disse aquilo?” ou:
“... o que se passou em sua mente quando disse isso ou aquilo?”,
ou mais simples ainda: “... pode dizer mais alguma coisa?”
Todas essas são perguntas capazes de revelar tais nuances,
que depois delas uma pessoa poderia ver e ouvir mais do que
previamente o poderia. Essas perguntas, no entanto, não evi-
tam a principal: “Esta é uma pergunta adequadamente inco-
mum ou é incomum demais?” E a resposta para esta pergunta
encontra-se, como o leitor já percebeu, nos pequenos sinais
que a outra pessoa expressa e que permitem ao terapeuta saber
se ela se sente desconfortável ou não.
As perguntas sobre o adequadamente incomum que, é de
se esperar, aumente a sensibilidade dos profissionais em rela-
ção ao seu interlocutor durante a conversa, são todas baseadas
na pergunta: “Quem poderia/é capaz/deve conversar com
quem, sobre qual assunto, de que maneira e em que momen-
to?” Algumas vezes, o profissional pode permitir que se faça
esta pergunta abertamente e outras vezes só para ele/ela. A
pergunta oposta: “Quem não pode/não deveria conversar so-
bre este assunto, desta maneira, neste momento?” poderia ser
menos natural de discutir-se abertamente. Na maior parte das
vezes, nós, os profissionais (os terapeutas), devemos guardar
esta pergunta para nós mesmos. Mas como verificar quais das
respostas que nos damos são as boas e quais não são? Um pro-

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cedimento simples, que mencionarei em seguida, talvez possa
contribuir para essas indagações.

Os clientes como copesquisadores das contribuições dos


terapeutas para as conversas terapêuticas

Durante os últimos três anos, tentei, em colaboração com uma


equipe de Harstad, na Noruega do Norte, e uma de Estocolmo,
na Suécia*, encontrar uma maneira que, espero, aumente a
sensibilidade dos terapeutas em relação a sua própria contri-
buição na terapia (Andersen, 1993a).
Em resumo, o procedimento é o seguinte: os terapeutas,
algum tempo depois do término da terapia, por exemplo, um
ano, convidam os clientes a voltar para discutir como foi, para
eles, terem tomado parte nos encontros terapêuticos.
Além dos clientes e dos terapeutas, um profissional visi-
tante estará presente.
O encontro se inicia com os terapeutas salientando que
desejavam esse debate. Os terapeutas ou o profissional visitan-
te se referem aos relatórios de avaliação de diversos tratamen-
tos dizendo indicarem que a colaboração desenvolvida entre
clientes e terapeutas é de grande contribuição para o resultado
terapêutico, tanto para melhor quanto para pior (Lambert et
al. 1986, Lambert 1989). O exposto justifica uma nova pesqui-
sa sobre as sessões terapêuticas em conjunto com os clientes.
Em seguida, o colega visitante conversa com o terapeuta
sobre o que desejam focalizar ou esclarecer durante o encon-

* Em Harstad, os membros da equipe eram: Leif Hugo Hansen, Ingeborg


Hansen, Torill Aandahl e Torgeir Finsas, e em Estocolmo: Annica Forsma-
rk, Marianne Borgengren e Bo Montan.

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tro, enquanto os clientes ficam ouvindo. Na etapa seguinte, o
visitante convida os clientes a comentarem a conversa que aca-
baram de ouvir (aquela entre os terapeutas e o visitante) e tam-
bém pergunta se há algo das sessões terapêuticas que desejem
discutir.
Em seguida, o visitante conversa novamente com os tera-
peutas sobre o que pensavam enquanto escutavam a conversa
entre os clientes e o visitante. O leitor provavelmente terá no-
tado que essa é uma variação dos processos reflexivos.
O profissional visitante deve ter em mente que sua tarefa
é falar sobre o processo das conversas terapêuticas e não sobre
os temas dessas conversas. Se houver uma referência aos temas
das conversas terapêuticas, será somente para esclarecer o
processo.
Se os clientes quiserem falar mais sobre os temas já discu-
tidos durante a terapia, o visitante deverá entender isso como
um desejo de retomar a terapia e deixar essa etapa para o tera-
peuta. O visitante, em outras palavras, deverá retroceder.
Lidando com o processo da terapia, o visitante deveria se
sentir à vontade para levantar qualquer tipo de questão. No
entanto, parece ser mais interessante para os terapeutas con-
versar sobre os momentos da terapia nos quais ocorreram im-
passes, em que houve períodos tensos e desconfortáveis, quan-
do estiveram inseguros ou em dúvida ou quando, em uma
visão retrospectiva, eles (os terapeutas) sentiram que haviam
falhado.
Os comentários dos clientes sobre esses temas podem ser
muito valiosos. Talvez o colega visitante esteja com a ideia de
que os terapeutas têm agora a possibilidade de ouvir o que, por
exemplo, foi muito incomum para os clientes; o que pode ter
surgido em um momento impróprio; o que pode ter sido con-
versado em um contexto impróprio etc., e, assim, ficarem mais

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preparados para aquilo que em um futuro trabalho não deve-
riam repetir.
Muitos comentários interessantes foram apresentados
pelos terapeutas que tomaram parte nesse “processo de avalia-
ção”. Um disse: “O processo é tão singular quanto o processo
terapêutico, mas só as questões das quais todas as pessoas pre-
sentes podem participar são relevantes. Perguntas-padrão que
pertencem a avaliações-padrão seriam sentidas como artifi-
ciais, e eu não teria tomado parte nisso.” Um outro disse: “A
experiência, a sensação de sentar aqui e ouvir como foi difícil
para um cliente tomar parte em um tipo de conversa da qual
ainda não tinha sentido o impacto me levou a compreender
como é importante para o(s) cliente(s) e para mim descobrir
uma maneira de conversar juntos o que ambas as partes apre-
ciam, antes de iniciar a “verdadeira” conversa.” Um terceiro
disse: “Depois de tomar parte neste “processo de avaliação”,
estou cada vez mais convencido de que os clientes são os me-
lhores supervisores. Essa é uma alternativa para a supervisão
profissional. Na realidade, daqui para frente, quero as duas.”
Um quarto falou: “Esta experiência me ensinou a ficar dentro
das relações terapêuticas e também a “sair” delas e olhar para
tudo, incluindo a mim mesmo, do lado de fora.” O comentário
de um quinto: “Foi muito especial participar deste tipo parti-
cular de triângulo; no sentido de que senti termos chegado
muito próximo uns dos outros. Enquanto escutava e me sentia
tão próximo dos clientes, pensei: talvez devêssemos nos atre-
ver a falar mais abertamente o que sentimos nesses momentos
em que nós (os terapeutas) lutamos ao lado deles.” Um sexto
disse: “Fiquei bastante surpreso ao ver o quanto se lembravam
das conversas (terapêuticas). Tinha esquecido a maior parte
delas.” Um sétimo falou: “Foi uma experiência rara sentir-me
tão próximo e estar em uma base de igualdade.”

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Não foi perguntado aos clientes o que haviam sentido so-
bre esse processo, mas alguns disseram, espontaneamente, que
tinham apreciado saber o que os terapeutas pensavam sobre a
terapia que haviam feito juntos. Alguns, mais exatamente,
aqueles que abandonaram a terapia com a sensação de que am-
bos, a terapia e eles próprios, haviam falhado, experienciaram
esta conversa posterior como um processo reparador que
trouxe a dignidade de volta para eles. O processo dá a impres-
são de que lhes fez bem.

O círculo está fechado

Parece que foi possível achar uma prática (os processos reflexi-
vos) que, de um modo geral, é relativamente fácil de aplicar,
bastante útil e pode ser usada em muitas circunstâncias dife-
rentes. Também foi encontrada uma prática que estuda a prá-
tica. Clientes e terapeuta não são somente colaboradores, mas
também copesquisadores. Acredito que, em vários sentidos,
esta seja uma boa evolução.

Compreensão ampliada ou alternativa?

Talvez, possa-se comparar a compreensão com um mapa. O


mapa, que não é a mesma coisa que o território em si, pode ser
redesenhado e ganhar novas nuances. Pode ser feito em escala
maior ou menor, tornando-se um levantamento de onde está
situada uma parte em relação às outras. No entanto, um mapa
é, antes de tudo, algo para se olhar. Também é imóvel. Não
produz sons, cheiros ou contatos. Que tipo de conhecimento
permanecerá conosco se nossa compreensão for gerada apenas

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pelo ver? Embora haja muitas maneiras de ver, facilmente a
pessoa tornar-se-á um observador e, também facilmente, po-
derá surgir um distanciamento entre a pessoa que vê e a pessoa
que é vista. Veja, estamos no meio do processo: mencionar a
compreensão tornou-se, de repente, o início de uma discussão
sobre a compreensão da compreensão.
Talvez não seja uma perda de tempo determo-nos nesta
discussão e questionarmos se os processos reflexivos repre-
sentam uma maneira alternativa de se chegar ao conhecimen-
to, e talvez esta pausa até venha a dar origem a um conheci-
mento alternativo. Talvez, os processos reflexivos possam ser
vistos como alternativos, em correspondência com muitas
outras coisas no chamado período “pós-moderno”. O pós-mo-
derno (pós-modernismo, pós-modernidade) é para alguns
um conceito de tempo, a saber, o período depois do “moder-
nismo” que muitos dizem ter começado com Descartes, ini-
ciando-se o período pós-moderno na metade deste século.
Para outros, o pós-moderno representa reações ao modernis-
mo e não somente à forma como o conhecimento é desenvol-
vido e às suposições em que estas formas de conhecimento são
baseadas. Não é somente uma reação ao tipo de conhecimento
que diz-se ser relevante mas também como esse conhecimen-
to e o processo pelo qual ele surge influenciam e formam nos-
sas vidas.
Antes de prosseguir, mencionarei cinco livros (sic), cujos
conteúdos sobre esse assunto são muito bem escritos, a saber:
Donald Polkinghorne (1983, 1988), Kenneth Gergen (1991,
1994), Steinar Kvale (1992) e John Shotter (1993).
Em seguida, assinalarei algumas poucas mas fundamen-
tais suposições: 1) o conhecimento verdadeiro (objetivo, cor-
reto) sobre os seres humanos pode ser alcançado (o que signi-
fica que esse conhecimento pode ser generalizado e aplicado a

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todos os seres humanos, em todos os contextos e em qualquer
momento); 2) os seres humanos funcionam a partir da “essên-
cia interior” básica (pela qual é possível chegar-se ao conheci-
mento verdadeiro); 3) a linguagem é um instrumento para ex-
pressar o que a pessoa pensa (que se origina da “essência
interior”); 4) a linguagem, que deve ser não-ambígua e literal,
está a serviço da informação.
Sob uma grande influência do progresso nas técnicas de
engenharia e o progresso nas ciências físicas, ficamos tentados
a entender os seres humanos da mesma maneira que entende-
mos as partes da natureza que permanecem imóveis; avalia-
ções objetivas de sinais exteriores (proferimentos e comporta-
mento) podem espelhar e explicar o que está “subjacente” (“a
essência interior”)
Há uma necessidade de especialistas que saibam como se
pode obter o verdadeiro conhecimento (os métodos) e que
também possuam o conhecimento que informe se o obtido é
verdadeiro ou não (conhecer as normas). Os colegiados estão
estabelecidos para proteger e tornar mais perfeitos os métodos
e as normas.
Surge como bastante natural o desenvolvimento de uma
hierarquia – especialistas e não especialistas. Isso é o que vejo
como um sinal do período moderno. A palavra hierarquia é
composta das palavras gregas “Hieros” (o sagrado) e “Archein”
(dirigir ou governar); o governo que vem de cima.
Dentro das estruturas da hierarquia, alguns se tornaram
os que ajudam e outros os que são ajudados; alguns governan-
tes e outros governados; alguns observadores e outros obser-
vados; alguns controladores e outros controlados etc.
Os divisores dos tipos mencionados aqui não somente
separam as pessoas em termos de suas funções como também
em relação aos privilégios. É comum apregoar-se que o movi-

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mento cultural mencionado acima (o modernismo) foi desen-
volvido durante um período da civilização ocidental no qual
as condições econômicas e materiais não só favoreciam as pes-
soas a se tornarem independentes e autoconfiantes como tam-
bém a independência e a autoconfiança tornaram-se pré-re-
quisitos para a vida econômica e material em constante
expansão (Samson, 1981).
Considero perigosa uma cultura hierárquica porque os
privilégios distribuídos desigualmente geram, com muita faci-
lidade, amargura entre os desfavorecidos e esta (a amargura)
gera imediatamente um impulso de vingança. E, se a amargura
e o impulso de vingança forem reprimidos, podem levar a
mais amargura e até mesmo à violência.

Uma cultura alternativa

Mencionarei primeiro outras suposições sobre os seres huma-


nos e seu estar-no-mundo.

Suposições alternativas

Uma suposição alternativa para as explicações estáveis e possí-


veis de serem generalizadas sobre a vida humana (por exem-
plo, o diagnóstico das desordens da personalidade) é estar o
ser humano mudando constantemente e adaptando-se aos di-
versos contextos que, por sua vez (como é de conhecimento
geral), mudam o tempo todo. Uma pessoa, portanto, pode ser
compreendida contextualmente em um determinado momen-
to. Esta compreensão dos seres humanos é perfeitamente com-
patível com o conceito das realidades múltiplas: uma mesma

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pessoa pode ser compreendida de muitas maneiras. Não só a
pessoa muda (fala e age de diferentes maneiras) de acordo com
as circunstâncias mutáveis nos diferentes períodos da vida
como também mudam os outros que a tentam compreender.
Aqueles que a tentam compreender o fazem por meio do que
veem e ouvem. Se a pessoa que compreende tivesse que escu-
tar alguma outra coisa (além da que ela prestou atenção e ou-
viu) e ver alguma outra coisa (além da que procurava e viu), a
compreensão certamente seria diferente.
Uma suposição alternativa para a ideia de a pessoa ser
“governada” pela “essência interior” é a pessoa não estar no
centro, estando seu centro fora dela, na coletividade com os
outros. A “essência interior” não forma o indivíduo ou a cole-
tividade, mas a coletividade forma o indivíduo e a “essência
interior”; se é que essa “essência interior” existe (Shotter, 1993).
Significativas na coletividade são as conversas contidas nela e
significativa em relação às conversas é a linguagem na qual os
participantes das conversas estão inseridos.
Uma suposição alternativa para a linguagem é que seja,
além de informativa, também formadora. Muitos pensadores
foram influenciados pela ideia de Wittgenstein de que a lin-
guagem, na qual estamos inseridos, por um lado abre possibi-
lidades e por outro traz limitações ao que possa surgir para a
compreensão (Grayling, 1988). A linguagem fará parte da for-
mação do que viermos a pensar e compreender. John Shotter,
influenciado por Mikhail Bakhtin e L. Volosinov, leva esta
ideia ainda mais adiante e diz que os proferimentos que faze-
mos não só formam o que viermos a pensar mas na verdade
também formam a pessoa como um todo, incluindo sua cons-
tituição fisiológica. Influenciado pelo trabalho de Bulow-Han-
sen, e em colaboração com Gudrun Overberg, cheguei às mes-
mas suposições (Andersen, 1993a).

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A linguagem deve ser compreendida como uma ativida-
de e não apenas como palavras proferidas. O proferimento é
uma palavra maior e mais ampla do que a própria palavra. Os
proferimentos abrangem toda a atividade que ocorre quando a
palavra falada é proferida, e esta atividade abrange não apenas
os movimentos físicos e a respiração, mas também a interação
entre criar uma tensão muscular e deixá-la ir. É na interação
entre o deixar vir a tensão e o deixá-la ir que algo se forma. E o
que é formado (proferido) pode ter várias formas: a escultura
torna-se o proferimento do escultor; o “crescendo” o do músi-
co; a tese de doutorado o do candidato; a doença o do paciente
etc. O que foi expresso torna-se uma impressão (uma marca)
para o self da pessoa e para os outros, por exemplo. a pintura,
o texto, a música, a casa, a dança, o muro de pedra, o boletim
do paciente etc. Em resumo, a impressão (a marca) está rela-
cionada com aquilo que foi expresso (proferido) ou podería-
mos dizer que é um resultado do que foi proferido (o produto,
em seu sentido mais geral).
Em nossa cultura damos muita atenção aos produtos,
que são imediatamente avaliados como bons ou maus, úteis ou
inúteis, caros ou baratos etc. Podemos também dar atenção a
como foram proferidos (para tornarem-se um produto), isto é,
ao método ou à habilidade, embora nossa atenção dada a estes
não seja tanta quanto à que damos ao produto.
Um terceiro aspecto do todo é aquele no qual a pessoa
que se expressa, ao expressar-se a si própria de sua maneira
peculiar, forma sua vida e seus selves. Considerando-se que to-
das as pessoas estão sempre participando de algum tipo de ati-
vidade, isto é, estão constantemente se expressando, todas es-
tão constantemente no processo de estarem sendo formadas
– tanto trans-formando, re-formando ou con-formando o seu
próprio self. John Shotter diz que um aspecto essencial na for-

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mação do self da pessoa é o “posicionar-se” em relação aos que
a cercam (que veem e escutam os seus proferimentos) (Shotter,
1993).
Será nos olhos do(s) outro(s) que a pessoa pode encon-
trar uma resposta à pergunta sobre o que é aceitável ou não
para a coletividade. E é a nossa própria resposta a essa resposta
(a vemos nos olhos do(s) outro(s); é a nossa reação à resposta)
que contribui para nossa formação como responsáveis pela co-
letividade que, por sua vez, está presa à tradição, à cultura e à
natureza que a cerca.
Em uma cultura de hierarquias, classifica-se em primeiro
lugar o produto e em segundo o método (habilidade). Até que
ponto existe um interesse pelo estar-no-mundo dos indivíduos
quando o método é aplicado e o produto moldado? Duvido
que haja muito interesse.
Uma alternativa pode ser interessante: primeiro, deixar
que uma coletividade recuse os produtos não aceitáveis. De-
pois, deixar que as pessoas, enquanto formam os diversos pro-
dutos aceitáveis (que não devem ser classificados de acordo
com valor de venda ou de padrão), busquem uma formação
simultânea de seus “próprios selves”; selves com os quais se sin-
tam confortáveis e pelos quais são responsáveis.
Uma suposição alternativa para as palavras, quando ou-
vidas, faladas e escritas no papel, é elas referirem-se somente a
algumas outras palavras. Esta suposição é sustentada pelo filó-
sofo francês Jacques Derrida (Samson, 1989). Palavras têm sig-
nificados nas suas diferenças e similaridades com outras pala-
vras. A palavra “negro”, por exemplo, criará um significado
quando nós, simultaneamente, pensarmos em cinzento ou
branco. Derrida escreve que as palavras referem-se às outras
palavras e não aos objetos “lá fora”. A impressão particular so-
bre a “imagem” sobre ou as ideias sobre etc., aquilo (que está)

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“lá fora” (e sobre o qual conversamos), são formadas pelas pa-
lavras que escolhemos para nossas descrições.
Nos anos 1920, o círculo de Viena, que representava as
ciências físicas e estava muito ocupado em aplicar uma lingua-
gem que não fosse ambígua, era da opinião que a linguagem
metafórica deveria ser evitada (Polkinghorne, 1983). Nas últi-
mas três ou quatro décadas, essa ideia foi contestada por mui-
tas pessoas que afirmavam não ser possível deixarmos de falar
metaforicamente (Lakoff et al., 1980, Johnson, 1990). Todas as
palavras (metáforas) são ambíguas e referem-se a outras pala-
vras (outras metáforas). Todas as palavras podem, portanto,
ser matizadas e após serem matizadas, receberem mais
matizes.
Neste ponto, reportar-me-ei às “novas perguntas” men-
cionadas neste capítulo, que parecem ter tido um certo valor
no trabalho terapêutico. Por exemplo, “Notei que você disse
algumas vezes esta ou aquela palavra. Essa palavra é limitada
ou ampla?” Se a resposta for de que é ampla, pode-se pergun-
tar: “Se a palavra é tão ampla que permita ser explorada, o que
você veria e ouviria se a explorasse?” Muitas “histórias” inte-
ressantes poderiam surgir com base nessas perguntas.

Hábitos de falar e hábitos de mudar

No início deste livro, referi-me a Wittgenstein e disse que esta-


mos inseridos na linguagem. Eu o entendi da seguinte maneira:
a linguagem não está dentro de nós, mas nós estamos dentro
da linguagem. Correspondentemente, percebo que nós esta-
mos inseridos nos movimentos, nas conversas, nas coletivida-
des. Uma coletividade existe inserida em uma cultura, que está
inserida em um mundo físico.

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Os hábitos das pessoas, que existem nestes diversos con-
textos, oferecem possibilidades e limitações para a formação
daquilo que pode ser expresso.
Uma questão importante é saber até que ponto uma con-
versa, uma coletividade ou uma cultura proporcionam novas
possibilidades para novos hábitos de falar e de mudar.

Diálogos externos e internos

Durante toda a sua vida profissional (que foi curta), Lev


Vygotsky ocupou-se com as relações entre os diálogos internos
e externos (Vygotsky, 1988). Segundo ele, a criança, em sua
interação com os adultos, aprendia em primeiro lugar a imitar
o som, adquirindo, assim, uma linguagem “externa”, o que sig-
nifica ser uma linguagem ainda sem significados pessoais para
a criança. No entanto, em um período aproximado de três a
sete anos, a criança desenvolve uma linguagem “ego-cêntrica”,
uma vez que fala consigo mesma enquanto brinca. Vygotsky
notou que a presença de um ouvinte adulto aumentava a ten-
dência da criança para esse desempenho. O adulto não partici-
pava da fala, mas estava presente e a ouvia.
Vygotski considerava essa fala em voz alta da criança
como uma precursora das falas internas (inaudíveis), nas quais
as palavras têm significado pessoal. Costumo pensar que rece-
bemos ideias das falas externas que não tínhamos antes e que
nossas falas internas (conosco mesmo) selecionam quais das
novas ideias desejamos incluir em nossos hábitos de falar.
Mikhail Bakhtin chama a atenção sobre o significado das
reações que nossos proferimentos produzem naqueles que os
ouvem e veem (os proferimentos). Poderíamos tanto ampliar
nossos hábitos de proferir quanto corrigi-los pelas reações vin-

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das do(s) outro(s). Simplificando, não podemos ver o nosso
próprio rosto quando este profere algo. Segundo Bakhtin, a
ideia mais próxima a que podemos chegar é ver o nosso rosto
refletido nos olhos do outro. E o mesmo acontecerá com o ou-
tro. A pessoa “empresta seus próprios olhos para o outro”.
Três tipos de falas internas devem ser mencionadas. As
primeiras são aquelas que temos em nossos sonhos; são com-
postas com riqueza de “cenas” que se sucedem rapidamente,
nas quais a maior parte do que acontece (tudo?) é experien-
ciado simultaneamente. As segundas são as que temos em
nosso cotidiano, quando falamos inaudivelmente conosco
mesmo; essas são mais coerentes do que as falas-sonho, mas
algumas vezes não têm sequência. As terceiras são as que te-
mos também conosco, quando escrevemos: o escrever obriga
a formação de sequências mais longas e de maior coerência.
Portanto, escrever sobre o próprio trabalho, por exemplo,
pode oferecer uma perspectiva significativa e alternativa, se
comparada àquela que surge de uma conversa com outra pes-
soa. Quero lembrar ao leitor o que foi escrito no livro ante-
riormente sobre perspectivas múltiplas, com as quais Gre-
gory Bateson ocupou-se bastante, e sobre diferenças (entre as
diversas perspectivas) que fazem diferenças (nas perspectivas
particulares).

A seguir, o círculo hermenêutico

Este conceito tem sido bastante relacionado aos nomes de dois


filósofos alemães, Martin Heidegger e Hans Georg Gadamer
(Warnke, 1985, Wachthauser 1986). Resumindo, disseram que
sempre somos preconceituosos quando conhecemos uma ou-
tra pessoa. Em outras palavras, guardamos sempre conosco

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suposições sobre o que são as “características” significativas do
ser humano. Uma dessas suposições pode ser a de que exista
uma “essência interior” nos seres humanos. Se uma pessoa ini-
cia um relacionamento com outra tendo consigo o preconceito
de que existe uma “essência interior”, e que essa essência é a
origem de todo o falar e agir, seria mais lógico procurar por
esses sinais que “representam” a “essência interior” da pessoa.
A compreensão que uma pessoa tem da outra estará dentro de
enquadres (de preconceitos) que ela já tinha antes do seu en-
contro com essa outra pessoa. Gadamer chamou a isso de pré-
-compreensão. Todas as terapias psicodinâmicas, por exemplo,
são baseadas na suposição (pré-compreensão) de que existem
certas “estruturas” psicológicas interiores. Essas supostas es-
truturas foram descritas com a ajuda de conceitos e palavras
específicos que pertencem à linguagem cotidiana de todas as
pessoas comuns. Acho interessante o fato de que se falarmos
durante muito tempo sobre algo, que no início supúnhamos
existir, este algo começa a se tornar “real”. Pense apenas na pa-
lavra “subconsciente”. Ninguém jamais viu ou tocou no “sub-
consciente”. No entanto, se alguém falar durante muito tempo
sobre o subconsciente, ele passa a “existir”.
A dinâmica do círculo hermenêutico é tal que toda vez
que compreendemos algo, por exemplo, uma determinada
pessoa, essa compreensão particular surgirá da nossa pré-
-compreensão do que é um ser humano. No encontro com
uma determinada pessoa, reconheceremos o aspecto humano
do qual já tínhamos um conhecimento anterior. Pode aconte-
cer, no entanto, experienciar-se algo que nunca havia sido vis-
to ou ouvido antes. Essa novidade poderia retornar e transfor-
mar a pré-compreensão de uma pessoa. Isto – a pré-compreensão
(a compreensão geral) influenciar a compreensão (isolada) e a
compreensão (isolada) retro-alimentar e matizar a pré-com-

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preensão – é chamado de círculo hermenêutico. Suposição se-
ria uma outra palavra para pré-compreensão.
O procedimento simples, mencionado no início deste ca-
pítulo, que incluía o(s) cliente(s), o(s) terapeuta(s) e um colega
como copesquisadores, poderia ser considerado como a práti-
ca do círculo hermenêutico. O que este procedimento tem de
mais significativo é dar aos terapeutas uma possibilidade de
deixar que seus vários tipos de preconceitos (pré-compreen-
sões) sejam discutidos e revistos.

Se a linguagem forma, forma também a pessoa que fala?

Uma pessoa pode tomar parte na linguagem dos observadores


e tornar-se distante e fria, tomar parte na linguagem do parti-
cipante e ficar próxima e calorosa, tomar parte na linguagem
do técnico e ficar imobilizada e solitária ou tomar parte na lin-
guagem da religião e tornar-se distante e violenta.
Qualquer pergunta que se faça será escolhida de muitas
outras possíveis e qualquer que seja a resposta será uma das
muitas possíveis respostas.
Cada pergunta feita e cada resposta dada podem, portan-
to, ser consideradas como uma limitação do possível (um pro-
cesso de simplificação).
As metáforas que a pessoa seleciona para construir suas
perguntas e respostas provavelmente serão limitadoras, da
mesma forma que o método do cientista é limitador em sua
busca pelo conhecimento.
Uma frase como a seguinte: “Muitas pessoas mentalmen-
te senis não são dementes, mas sofrem de depressão” criará um
tipo de compreensão na pessoa que a ouve. Uma simples refor-
mulação para: “Muitos que parecem ser mentalmente senis

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são solitários” cria, provavelmente, outro tipo de compreen-
são, talvez, até uma compreensão que ofereça ideias de como a
pessoa deva se relacionar com a pessoa senil. Uma outra refor-
mulação para: “Muitas pessoas mais velhas, que sentem difi-
culdade em participar das conversas, parecem solitárias”. Essas
três formulações indicam que a linguagem (os proferimentos)
pode tomar parte na formação de ambos, “o facilitador” e “o
não facilitador”, seja tornando-os mais competentes ou mais
incompetentes.

Quando a linguagem cria deficiência

Ken Gergen parece ser o primeiro a mencionar “linguagem-de-


ficiência”, por exemplo, a linguagem da patologia (Gergen, 1990).
Esta linguagem, antes desenvolvida por profissionais,
tornou-se cotidiana para todos. Harry Goolishian, juntamente
com Harlene Anderson, organizou uma conferência, em no-
vembro de 1991, pouco tempo antes de morrer; a segunda
conferência-Galveston, em San Antonio, Texas, teve como tí-
tulo “The Dis-Diseasing of Mental Health” (A “des-patologiza-
ção” da saúde mental). Na participação da conferência lia-se:

O tema central desta conferência será a exploração do con-


ceito Wittgensteiniano, segundo o qual, os limites da reali-
dade que pode ser conhecida são determinados pela lingua-
gem que está à nossa disposição para defini-los. Este tema
nos permitirá dialogar sobre as implicações da “linguagem-
-deficiência” no campo da saúde mental e o efeito que suas
palavras têm sobre nosso trabalho teórico, clínico e de pes-
quisa. Este tema também abordará a distinção pragmática
a ser feita entre os conceitos do construtivismo e do constru-

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cionismo social. Temos a impressão que, no decorrer do úl-
timo século do movimento referente à saúde mental, contri-
buímos com milhares de palavras para o vocabulário
mundial. Infelizmente, a maior parte dessas palavras for-
necidas e construídas reflete alguma noção dominante de
deficiência. Parece que de muitas maneiras a linguagem-
-deficiência criou uma realidade psicológica e teórica que
pode ser definida metaforicamente como um buraco negro.
É um buraco negro socialmente construído, com uma saída
muito restrita para uma atividade significativa tanto clíni-
ca quanto de pesquisa. Um livro recente (1989) de Stanton
Peele intitulado “The Diseasing of America: How the
Addiction Industry captured Our Soul” descreve um dilema
linguístico semelhante sobre temas de codependência e ou-
tros supostos estados de “doença” oriundos do abuso de
substâncias psicoativas. Os problemas criados pela nossa
linguagem deficiente sobre saúde mental vão muito mais
além daqueles relativos ao abuso de substâncias psicoati-
vas. De acordo com essa ideia, o título selecionado para a
Conferência é THE DIS-DISEASING OF MENTAL
­HEALTH (“A des-patologização da saúde mental”).
Por enquanto, estamos sugerindo (mas não limitando)
o acompanhamento de três pontos de partida que parecem
descrever problemas muito críticos de nosso trabalho atual.
Pertencem às áreas de atividade clínica e de pesquisa que
achamos estarem bastante afetadas pela nossa capacidade
limitada de compreender e bloqueadas pela natureza defi-
ciente da linguagem descritiva empregada para abranger e
descrever esses problemas clínicos.
Essas áreas de teor clínico e de pesquisa são:
1) Esquizofrenia; 2) Violência Familiar; 3) Abuso de
substâncias psicoativas.

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Sissel Reichelt abordou esse mesmo tema quando se refe-
riu ao seu trabalho sobre os refugiados políticos na conferên-
cia de Lofoten na Noruega do Norte, em maio de 1993 (Rei-
chelt, 1993):

Intimamente interligada com esse tema existia uma preo-


cupação crescente com os possíveis efeitos nocivos de
construir-se uma narrativa que “patologizasse” os clien-
tes*. Essa preocupação está vinculada a uma ênfase no
cliente como especialista de seus próprios problemas e a
uma correspondente descrença na coconstrução de uma
narrativa onde o terapeuta define o que está errado ou
disfuncional e o que deveria ser corrigido (Anderson e
Goolishian, 1988). Se abandonarmos a ideia de corrigir-
mos algo disfuncional e aderirmos à ideia de criar um
espaço onde os recursos do cliente possam vir à tona, mu-
dando sua forma de conceber e agir em relação a si pró-
prio e aos outros, torna-se difícil especificar as mudanças
desejadas. Elas representam opções que não podem ser
reconhecidas nem pelo cliente nem pelo terapeuta quando
se inicia a conversa.

Considero da maior urgência trabalhar mais com esses


temas. Parece, no entanto, que estamos apenas começando a
compreender o significado de “linguagem-deficiência”.
De uma palestra (“The illusion of the neutral therapist”)
que pronunciei no Terceiro Congresso Nórdico sobre Terapia
de Família, em agosto de 1993, na Dinamarca, sinto-me con-
fiante em citar o seguinte:

* Ultimamente, estas preocupações têm sido veiculadas com maior fre­quên­


cia; veja, por exemplo, Seymour & Towns, 1990, Griffith & Griffith, 1990.

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O que contribui para termos a suposição (pré-conhecimen-
to ou preconceito) de que existe uma essência psicológica
interior? E o que contribui para que não coloquemos essa
suposição em discussão?
Será que, de alguma forma, somos conduzidos a hábi-
tos linguísticos tais que sintamos restrição em questionar?

Partindo da ideia de que um amigo ou inimigo possui


uma essência interior de onde tudo se origina, dizemos logo:
“Ele fala tão difícil” ou “Ele é tão difícil”. Por que não dizermos
(o que acho que deveríamos dizer): “O que ele está falando é
difícil para o meu entendimento” ou “O que ele está fazendo é
difícil para mim”?
Como explicar ser a primeira forma tão fácil de falar e a
segunda não? Vamos nos estender sobre o assunto debatido na
mesa redonda de ontem. Nesse debate, foi dado às palavras
culpa e responsabilidade um tipo de renascimento. Se repetir-
mos muitas vezes as palavras culpa e responsabilidade, elas
passam a existir, quase da mesma maneira como acontece com
as coisas. E, se falarmos sobre essas palavras com muita fre­
quên­cia e em demasia, deixamos de reconhecer, por completo,
aquilo que dissemos sobre elas. Fato que acontece ainda mais
frequentemente com aquelas pessoas que acreditam poder
avaliar “isto” da mesma maneira que poderiam avaliar aquilo
que se vê e se pode apontar.
E isto ocorre – apesar de o “fato” de ser a existência da
culpa e da responsabilidade apenas uma ideia imprecisa. Talvez,
o pior seja nossas expressões demonstrarem que temos culpa.
Por meio delas, na verdade, dizemos que a culpa está dentro de
nós. Nossos hábitos linguísticos nos fazem acreditar nisso; é a
nossa maneira de praticar a linguagem que nos faz acreditar nis-
so. Não será preferível falarmos sobre o que pensamos e faze-

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mos no momento em que experienciamos a sensação desagra-
dável que chamamos de culpa? Esta última forma será uma
outra forma de praticar a linguagem. Se falarmos usando essa
última forma, isso fará com que fiquemos inseridos no senti-
mento (de “culpa”), em oposição a termos a culpa dentro de nós.
Como explicar praticarmos a linguagem da forma que o
fazemos e, por meio de nossa prática, a linguagem criar algo
que não existe?
Poderíamos falar o mesmo sobre outras palavras: ansie-
dade, agressão, memória, intenção etc. O que aconteceria se
parássemos de praticar a linguagem com a ajuda de tais ex-
pressões: “Ele é ansioso”, “ele é muito agressivo”, “tem boa me-
mória” ou “tem más intenções” e, de preferência, disséssemos:
“sinto que ele está com medo”, “sinto que está aborrecido”,
“penso que não se recorda bem” ou “não gosto do que ele quer”.
Se falarmos nos moldes desta última sequência, a pessoa
mencionada torna-se, de imediato, mais acessível e poderá ha-
ver mais maneiras dessa pessoa estar-no-mundo. Minha res-
posta à pergunta “Como viemos a praticar a linguagem da ma-
neira que o fazemos?” é a seguinte: aquilo que iremos falar
deve estar de acordo com uma cultura-linguagem coletiva. Em
nosso caso, uma cultura-linguagem coletiva terapêutica. E é
por aí que comodamente ficamos. No meio. No convencional;
nas conferências sofisticadas; nos jornais de destaque; nas as-
sociações de prestígio; próximos dos colegas que proporcio-
nam promoções etc.; nessas circunstâncias, aprendemos sobre
o que devemos falar e como falar: sobre Bateson, Maturana,
cibernética, construcionismo social, abordagem de Milão, ex-
ternalização, processos reflexivos etc. E se a pessoa aprende a
falar como deve ser falado, que pena, os preconceitos certos
estarão lá, de imediato, por eles próprios. Em poucas palavras:
aqueles que a coletividade determinou serem os certos.

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Será o nosso posicionamento no convencional o assunto
sobre o qual precisamos pensar em primeiro lugar? Será que
deveríamos sair dessa posição? Abandoná-la e mudar para as
margens? Onde (nas margens), seria possível olhar para tudo,
pelo lado de fora, e revisar um pouco a linguagem da coletivi-
dade (no fluxo convencional)? E, talvez, até encontrar a lin-
guagem marginal da dúvida? A linguagem das margens pode
ser, na primeira vez, uma linguagem muito solitária.
Terá de ser assim?
Talvez sim, porque, se os que têm dúvidas fizessem um
acordo e se juntassem em uma nova sociedade ou uma nova
aliança, daí poderia surgir facilmente uma nova forma con-
vencional. E não iríamos muito além.

Leia, escreva, fale e aja

Chegando ao final do capítulo, desejo dizer umas palavras so-


bre as quatro diferentes maneiras de se estar inserido na
linguagem.
Cada vez fico mais fascinado pela ideia de encontrar há-
bitos profissionais onde todos esses quatro tipos sejam possí-
veis. O teórico (ou o acadêmico, ou qualquer que seja a deno-
minação dada a essa pessoa) faz algo importante lendo e
escrevendo. O prático faz, na maior parte das vezes, falando e
agindo. Não poderiam os práticos se tornarem mais eficientes
se, além de falar e agir, também lessem e escrevessem? Não
seria seu trabalho ampliado pelas perspectivas da leitura e da
escrita? Começamos a encontrar alguns padrões (na Noruega
do Norte e no Norte da Suécia) que deverão ser mencionados
em outro momento, quando um capítulo final for acrescenta-
do a este livro.

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Descrições alternativas

O que poderia acontecer se nós, os profissionais, começásse-


mos a mencionar e descrever o que fazemos de uma forma
diferente?
Diz-se com bastante frequência que, durante a conversa,
uma pessoa está ouvindo e a outra falando. O que aconteceria
com o nosso envolvimento na conversa se tivéssemos que es-
colher outras metáforas e disséssemos, por exemplo, que a pes-
soa que ouve fica sensibilizada pelo que a outra expressa
(profere)?
A pessoa que foi sensibilizada ficará, em seguida, motiva-
da, e essa pessoa a quem se deu uma motivação, certamente,
gostará de ter influência sobre essa reação motivada; ninguém
gosta de ser sensibilizado, por quem quer que seja, de qualquer
que seja a maneira e em qualquer que seja o momento. Uma
forma dessa pessoa, que foi motivada, esclarecer-se sobre o
que deseja é procurar saber, por meio da linguagem, como
compreender a situação e descobrir o que fazer.
O próximo passo seria expressar aquele significado cuja
expressão, por sua vez, seria um “toque” (o sensibilizar) do(s)
outro(s).
Os “toques” podem tomar muitas formas: uma carícia,
uma pressão, um incentivo, um abraço apertado, um controle,
uma observação irônica etc. E, se “examinássemos” os “toques”
que damos nos outros quando proferimos algo, com quais das
palavras acima (ou outras palavras) nos depararíamos?
Imagino que exista uma gama enorme de possibilidades,
nas quais talvez somente os pontos sem saída devam ser evita-
dos. Em um dos pontos, não evitar sensibilizar (deixar passar
e ignorar) e, no outro, evitar envolver intensamente ou repelir?
Seria assim? Que outra palavra poderia ser encontrada nas pa-

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lavras: deixar passar, ignorar, envolver intensamente ou repe-
lir. Será que nossa responsabilidade deveria nos fazer buscar
constantemente aquilo que nos isolará dos pontos sem saída?
Pergunto-me se, para o ouvinte, os pontos sem saída cor-
respondentes poderiam ser: por um lado, não evitar ser sensi-
bilizado e motivado, e, pelo outro, escapar de ser envolvido e
repelido.
Quanto mais escrevo (e penso) sobre este assunto, mais
ele se torna uma questão de responsabilidade coletiva.

As suposições devem ser escolhidas

Neste novo (e terceiro) capítulo final*, a palavra suposição foi


usada diversas vezes. E o foi intencionalmente.
Muito do que consideramos bom ou mau, certo ou erra-
do, essencial e não-essencial é baseado em nossas suposições
de assim o serem.
As suposições desse tipo não podem originar-se de algo
observado e avaliado. São, mais exatamente, resultado de nos-
sas especulações, ou se alguém ousar usar uma expressão mais
complicada, são o resultado daquilo a que chegamos por meio
do nosso filosofar. A definição do Webster Dictionary sobre o
conceito de filosofia é a seguinte: “a busca de uma compreen-
são geral de valores e de realidade por meios principalmente
especulativos em vez de os de observação”. Muito na “terapia”,
na “pesquisa” e na vida cotidiana diz respeito ao conhecimento
que é baseado em suposições já feitas por nós. As escolhas das
suposições subjacentes são o que chamarei de escolhas filosó-
ficas. Aquelas suposições a serem consideradas por nós, quan-

* N.E.: O autor refere-se ao capítulo final da 1ª edição brasileira.

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do temos que escolher, não são novas. Koestler, citado no iní-
cio deste capítulo, diz mais ou menos implicitamente que
temos um conhecimento anterior delas: o ego, a coletividade, a
linguagem, as conversas, as emoções, os desejos, o falar, o ou-
vir, o expresso, o criado, o formado. O novo, ou o que poderia
contribuir para o novo, vem da combinação daquilo que já sa-
bemos em novas formas.
E é neste aspecto que as suposições e suas escolhas tor-
nam-se importantes; quais fragmentos são essenciais e quais
fragmentos deveriam ser juntados aos outros e de que manei-
ra? Na conclusão final, essas perguntas contêm escolhas da-
quelas suposições que a pessoa considera mais úteis.
Talvez o que pudesse ajudar nessa busca pelas mais úteis
fosse participar de várias conversas enquanto trabalhamos
com a pergunta principal: “Isso com o que estou me ocupando
é o mais essencial ou existe algo que seja mais essencial?”

Final em aberto

Poderia ser mais interessante escrever, por exemplo, sobre cer-


tas especulações de como o corpo participa na criação do sig-
nificado. Johnson (1990) discute a ideia de atribuir-se ao cor-
po a percepção (o sentir) da mudança ao seu redor, antes que
o pensamento a tenha captado. Ele é da opinião que o sentir
está associado a algo aprendido na fase mais inicial da vida; o
corpo sente a diferença entre o fora e o dentro, entre o para
cima e o para baixo, entre estar contra uma força e estar a favor
dela etc. As primeiras experiências do sentir tornam-se hábitos
e também a base para as metáforas que desenvolveremos mais
tarde (aprendidas de outros) na linguagem, por meio da qual
nos tornaremos “nós mesmos”.

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É, de certa forma, tentador especular mais sobre como a
nossa compreensão do outro torna-se uma expectativa que ele
ou ela irá satisfazer na etapa seguinte (Jones, 1986). Neste sen-
tido, os olhos do outro não me espelham (refletem) passiva-
mente. Portanto, seria útil levarmos em consideração a quem
pedirmos os olhos emprestados para que não peçamos em-
prestado os olhos de qualquer um.
Estou certo de que haverá uma chance de discutir-se esse
tema mais tarde quando, futuramente, esse capítulo final for
escrito.

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UMA COLABORAÇÃO de algo chamado
psicoterapia: vínculos repletos de
expressões, e expressões repletas de
significado

...
“E não devemos levar adiante qualquer tipo de teoria.
Não deve haver nada hipotético em nossas considerações.
Devemos afastar as explicações e somente a descrição deve
tomar o seu lugar. E esta descrição se esclarece, ou melhor,
o seu propósito, por meio dos problemas filosóficos.
“Estes, certamente, não são problemas empíricos; são
solucionados examinando-se, de preferência, a aplicação
de nossa linguagem de uma forma que nos faça reconhe-
cer essa aplicação, apesar de um certo impulso para inter-
pretá-la erroneamente. Os problemas são solucionados,
não por fornecer novas informações, mas por organizar o
que sempre soubemos. A filosofia é uma batalha contra o
enfeitiçamento de nossa inteligência pela linguagem.”
Ludwig Wittgenstein,
Philosofical Investigations, # 109

“Uma imagem nos cativou. E não podemos nos afastar


dela, porque permanece em nossa linguagem e a lingua-
gem parece repeti-la para nós inexoravelmente.”
Ludwig Wittgenstein,
Philosofical Investigations, # 115

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Alguns pensamentos – background

R elacionamo-nos com nossos clientes por nossas des-


crições sobre eles. Não nos relacionamos diretamente
com eles, nem fazemos descrições corretas ou representativas
deles. O mesmo acontece com a maneira pela qual os clientes, os
pacientes e as famílias relacionam-se com a sua realidade; eles
também relacionam-se com ela por meio de suas descrições. Es-
tas abrangem inúmeros fatores: por exemplo, histórias, diagnós-
ticos e categorias, conclusões, planos de tratamento, teses, me-
morandos, argumentações, comentários, significados etc.
Alguns, não apenas na universidade, tiveram a ambição
de fazer descrições minuciosas, descrições “idênticas”. No en-
tanto, muitos acabaram entendendo que cada descrição do ou-
tro, tanto um cliente, quanto um paciente ou uma família pode
ser apenas uma entre muitas possíveis descrições.
As descrições são “construídas” em algumas poucas eta-
pas. Primeiro, notamos algo no outro, identificamos e separa-
mos alguma coisa, isto é, fazemos uma distinção, significando
que prestamos atenção em algo de um todo que a pessoa ex-
pressa. No momento em que prestamos atenção em alguma

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coisa, desviamos nossa atenção de todo o resto que a pessoa
diz e faz. Se o que o outro diz ou faz é uma resposta às distin-
ções apresentadas pelo terapeuta ou pesquisador, independen-
temente de ser uma pergunta ou um questionário, essa per-
gunta ou esse questionário serão, neles próprios, apenas um
dos muitos possíveis perguntas ou questionários.
O que vemos e ouvimos transformar-se-á em uma “ima-
gem”. Coloco “imagem” entre aspas para indicar que a imagem
abrange elementos de todos os nossos sentidos; uma “imagem”
tem cheiro, gosto, movimentos e sons. A “imagem” ganha sig-
nificado quando é colocada contra um “background”.
Geralmente, esse “background” que contém tudo quanto
antes experienciamos, surge imediatamente e sem censura.
Quando a “imagem” é comparada ao “background”, será en-
tendida naquilo em que se equivale a esse “background”. Pes-
soas diversas, por exemplo, terapeutas e pesquisadores dife-
rentes trazem com eles “backgrounds” diferentes.

“Em casa estava a Enciclopédia onisciente, quase um metro na


prateleira dos livros,
e eu aprendi a lê-la.
Mas, cada pessoa tem sua própria enciclopédia escrita,
ela cresce em cada alma!
Está escrita do nascimento em diante; as milhares de páginas
estão comprimidas umas contra as outras
e, mesmo assim, existe ar entre elas! Como entre as folhas da
bétula nos bosques. O livro das contradições.
O que existe nele muda a cada momento, as imagens se retocam
elas próprias, as palavras vacilam.
Uma onda rola pelo texto, seguida de
outra, e de outra...”
“Short pause in the organ concert” de Tomas Tranströmer (1997)

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Algumas vezes, até mesmo não muito raramente, os tera-
peutas e pesquisadores tentam, sim, construir um “background”
dominante e consensual. Pensa-se que isso forneça uma prova
clara e objetiva, baseada no conhecimento, uma vez que os tera-
peutas e pesquisadores tentam excluir todos os seus elementos
pessoais do “background” do qual pensam ser provenientes. O
autor deste capítulo não somente pensa que isso é impossível e,
portanto, um mal entendido como também um infeliz mal en-
tendido. Com facilidade, este mal entendido criará, tensões e
lacunas entre os terapeutas entre si, entre os acadêmicos entre si
e também entre os terapeutas e os acadêmicos, quando se en-
contrarem para compartilhar seus entendimentos.
Se um entendimento ou um significado é para ser com-
partilhado com os outros, deve ser formulado em um texto
escrito ou falado. Essas formulações podem ser feitas de uma
forma diferente, por exemplo, com a ajuda de uma linguagem
matemática que não evoque emoções ou por meio de uma lin-
guagem metafórica que ative muitas emoções. As formulações
em si próprias reduzem a complexidade da realidade que
descrevem.
Tanto pesquisadores quanto terapeutas devem, como to-
dos os seres humanos, reduzir todas as impressões que lhes
chegam. Se assim não fosse, seria caótico. Portanto, devem re-
duzir tudo, concentrando-se em alguns, relativamente poucos
elementos, fazer distinções e deixar o resto em paz. No entan-
to, para os terapeutas e pesquisadores é importante que te-
nham em mente que eles, em razão de suas perguntas, méto-
dos e formulações, contribuem para reduzir e simplificar a
realidade. De uma forma ou de outra.

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Suposições básicas sobre a “essência” interior e os
vínculos externos

“Os aspectos dos dados que têm a maior importância


para nós estão escondidos devido à sua simplicidade e fa-
miliaridade. (Uma pessoa é incapaz de notar alguma coi-
sa por ela estar sempre diante de seus olhos.)”
Ludwig Wittgenstein;
Philosophical Investigations, # 129

Q uando iniciamos um encontro terapêutico, na reali-


dade, já o havíamos começado há muito tempo. Isto
significa que, certamente, trazemos conosco algumas ideias
básicas sobre o que é um encontro terapêutico e também te-
mos algumas ideias básicas de como devemos entender os
problemas humanos que são trabalhados nos encontros
terapêuticos.
Vou assinalar duas diferentes suposições básicas. Sobre a
primeira, que é a mais comum e encontrada com frequência no
mundo da terapia psicodinâmica, pode-se dizer que pertence a
uma perspectiva individualista. A outra, na qual baseia-se este
capítulo, é frequentemente encontrada no mundo da terapia de
família e pertence a uma perspectiva comunitária.
Segundo a primeira suposição, pensa-se que aquilo que a
pessoa fala ou faz é forçado para fora por uma “essência inte-
rior”. Embora ninguém tenha visto ou tocado essa “essência
interior”, existem muitas indicações sobre o que consiste. For-
mulações sobre o que pode ser são, por exemplo, as estruturas
do ego, os mecanismos de defesa, os conflitos, o subconscien-
te, a motivação, o caráter, os traços da personalidade etc. O

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terapeuta ou pesquisador que baseia seu trabalho em tais su-
posições observará os sinais externos que indicam o que a pes-
soa diz e faz, e, com base nessas observações, interpreta o que
é o “caráter” da “essência interior”.
Sem dificuldades, terapeutas e pesquisadores tornar-se-
-ão especialistas no assunto e, da mesma forma, podem criar
falas monológicas, nas quais o especialista pergunta e a pessoa
observada responde. A conversação logo se comporá de diver-
sas pequenas falas; uma pergunta é seguida de uma resposta.
Essa fala monológica será totalmente conduzida pela perspec-
tiva do terapeuta. A outra pessoa está lá somente para respon-
der (Seikkula, 1995). Muitas vezes, o especialista acostuma-se
a pensar que ele ou ela sabe o que é necessário para atenuar o
problema humano que está sendo trabalhado e também sabe
como fazê-lo.
De acordo com a outra suposição, um ser humano está
conectado aos outros por meio de muitos vínculos. Esses vín-
culos abrangem todos os diferentes tipos de expressões, por
exemplo, toques, olhares ou falas. Os indivíduos participam
disso por meio de suas expressões. O que uma pessoa está di-
zendo é veiculado por uma voz social. Esta voz esforça-se para
ser recebida e é crucial que o seja como também respondida e
tenha um retorno. Pensamos ter muitas vozes sociais para se-
rem usadas com pessoas diferentes em contextos diferentes.
Essas vozes sociais que se desenvolvem cedo na vida estão in-
timamente conectadas a todas as vozes internas que temos e
que participam de nossas falas internas e pessoais. Essas vozes
internas que se desenvolvem do exterior – as vozes internas
“nascem” mais tarde na vida do que as sociais – são constante-
mente atuantes nas falas internas. No meu entender, as falas
internas são o mesmo que pensar.

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Dez suposições sobre linguagem e significados

O que escrevo aqui é muito condensado se comparado com as


fontes a que se refere. As fontes escritas foram de Ludwig Witt-
genstein (Wittgenstein, 1953, 1980, von Wright, 1990, 1994,
Grayling, 1988, Gergen, 1994, Shotter, 1996), Lev Vygotsky
(Vigotsky, 1988, Morson, 1986, Shotter, 1993, 1996), Jacques
Derrida (Sampson, 1989), Michael Bakhtin (Bakhtin, 1993,
Morson, 1986, Shotter, 1993, 1996) e Harold Goolishian (An-
derson, 1995).
Ao longo dos anos, a colaboração de fisioterapeutas,
principalmente nos encontros com Aadel Bulow-Hansen e
Gudrun Øvreberg, teve a maior influência no desenvolvimen-
to dessas ideias (Øvreberg, 1986, Ianssen, 1997). Minhas pró-
prias experiências também serviram como fontes para pôr em
prática essas suposições. Não posso deixar de mencionar que
participar de inúmeros processos reflexivos em circunstâncias
bem diferentes foi importante para me possibilitar a formula-
ção dessas ideias. Esses processos são conversas abertas nas
quais perguntas e respostas originam-se de todas as perspecti-
vas que estão presentes (Andersen, 1995).
1. A linguagem, como todas as outras expressões, é aqui
definida e considerada da maior importância na perspectiva
comunitária mencionada. São de diversos tipos, por exemplo,
falar, escrever, pintar, dançar, cantar, apontar, chorar, rir, gri-
tar, bater etc., sendo todas atividades do corpo. Quando essas
expressões, que são corporais, ocorrem na presença dos ou-
tros, a linguagem se torna uma atividade social. Nossas ex-
pressões são ofertas sociais para participarmos dos vínculos
com os outros.
2. Necessitamos das expressões para criar significados. Se
um tipo de expressão não estiver disponível, por exemplo, as

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palavras ou a fala, um outro tipo de expressão, como o pintar,
por exemplo, poderia criar um significado possível.
3. As expressões vêm em primeiro lugar, seguidas do signi-
ficado. Os significados são criados. Harry Goolishian costuma-
va dizer: “Não sabemos o que pensamos antes de o dizermos”.
4. O significado está na expressão, não sob ou por trás
dela. Os significados nas expressões, por exemplo, nas pala-
vras, são muito pessoais e algumas palavras, quando as ouvi-
mos, nos fazem reviver e voltar a experienciar algo que já ha­
víamos experienciado antes.
5. As expressões são informativas, isto é, dizem alguma
coisa de nós para os outros e também para nós mesmos. No
momento, penso que, quando falo mais alto, falo em primeiro
lugar para mim. Já que as palavras que expresso estão fortemen-
te conectadas à minha compreensão, posso, escutando com
atenção o que digo, investigar minha própria compreensão. As
expressões também são formativas; tornamo-nos aqueles que
somos, quando nos expressamos a nós próprios e no momento
em que o fazemos. Seria mais apropriado dizer: “Meu avô sem-
pre disse alguma coisa boa, por isso ele tornou-se bom o tempo
todo”, em vez de “Meu avô era bom” ou “Meu avô tinha muita
bondade”. Usando os verbos ser e ter sem incluir o tempo e o
contexto, uma pessoa pode, facilmente, ficar encantada pela
fala da outra e acreditar que o descrito é estático: “Meu avô é
bom”; ele tem essa qualidade característica, ou; “Meu avô tem
muita bondade”; ele tem uma boa personalidade. Quando fala-
mos tais coisas para nós mesmos, é fácil sermos tomados pela
ideia de que um ser humano, que corresponde a essas duas afir-
mativas, possui tanto caráter quanto personalidade.
6. As expressões, tanto nas falas internas e pessoais, quan-
to nas falas externas e sociais, são acompanhadas de movi-
mentos. Os que acompanham as falas internas são menores e

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com nuances, da mesma forma que os que acompanham as
falas externas são maiores, por exemplo, acenar com as mãos.
Algumas vezes, tanto terapeutas quanto pesquisadores enga-
nam-se quando dizem que aquilo que foi falado “não corres-
ponde à linguagem corporal”, por exemplo, quando alguém,
com uma expressão triste no rosto, diz: “Estou tão feliz”. Inter-
preto essa situação como se as palavras “Estou tão feliz” fossem
uma oferta social para um vínculo com o outro, uma vez que a
expressão triste no rosto pertence a uma fala interna e, sem
dúvida triste, que a pessoa, provavelmente, não está interessa-
da em transmitir a seu interlocutor. Portanto, já que a pessoa
não deseja falar sobre sua fala interna, considero de polidez
básica nem sequer ver como a fala interna é apresentada nas
expressões corporais. De acordo com esse pensamento, deve-
ria ser um desafio contínuo para o terapeuta e pesquisador
avaliar quais das expressões da pessoa são oferecimentos para
sua participação nos vínculos sociais e quais não são. Laurence
Singh, psicoterapeuta e participante de um “workshop” que re-
alizei em Johannesburg, em março de 2001, presenteou-me
com esta frase: “um oferecimento social”, para descrever essas
expressões que contribuem para um vínculo social, diferentes
das expressões pessoais e não destinadas a este vínculo.
7. Os movimentos das expressões, incluindo os movi-
mentos respiratórios, que formam e fazem aparecer as vozes
internas e externas, são pessoais. Os movimentos respiratórios
são tão pessoais quanto as impressões digitais. Lev Vygotsky
disse “Somos as vozes que habitaram dentro de nós” (Morson,
1986, p. 8). Poderíamos dar uma outra nuance para essa frase:
“Somos os movimentos que formam e fazem aparecer as vozes
que habitaram dentro de nós.”
8. Em seu tempo, Heráclito disse: “Tudo está em muta-
ção, mas a mudança acontece de acordo com uma lei imutável

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(logos), e esta lei abrange uma interação mútua entre opostos,
de uma forma no entanto, que, no todo, a interação entre as
diferentes forças promove uma harmonia (Skirbekk, 1980, p.
29).” Poderíamos nos arriscar a fazer algumas pequenas mu-
danças para: “Uma pessoa está nos movimentos, mas os movi-
mentos acontecem....” ou mesmo para: “Uma pessoa é os mo-
vimentos, mas....” Quando ficamos de pé, e estamos em
equilíbrio, os músculos que se curvam nos joelhos e quadris
estão em atividade, ao mesmo tempo em que os músculos que
alongam os joelhos e quadris também estão.
9. Quando alguém fala alto, essa pessoa está dizendo al-
guma coisa tanto para os outros quanto para si. No momento,
penso que a pessoa mais importante para quem falo sou eu
próprio. Como mencionado no item V, as expressões são in-
formativas e também formam nossa compreensão. Ludwig
Wittgenstein e Georg Henrik von Wright escreveram que o
nosso próprio falar enfeitiça nossa compreensão. Não pode-
mos nos deixar enfeitiçar pelo nosso próprio discurso. Quan-
do pertencemos a uma comunidade, por exemplo, uma comu-
nidade profissional, temos, certamente, que falar a linguagem
dessa comunidade. É preciso que a pessoa tenha vontade de se
deixar envolver por essa linguagem se quiser permanecer na
comunidade. Se essa linguagem usa os verbos “ser” e “ter”, sem
simultaneamente indicar contexto e tempo, logo, deduz-se,
como foi dito antes, que os seres humanos são estáticos. Os
diferentes tipos de linguagem: a linguagem da competição, a
linguagem do gerenciamento estratégico, a linguagem da pato-
logia etc., todas têm suas consequências, tanto para aqueles
que são descritos, quanto para os que descrevem.
10. Em 1985, Harry (Harold) Goolishian lançou o con-
ceito de “o sistema criado por problema”. Disse que uma situa-
ção problemática atrai, rapidamente, a atenção de muitas pes-

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soas. Estas pessoas geralmente criam um significado para essa
situação; “Como posso entender isso?” e “O que devo fazer?”
Duas páginas adiante neste capítulo, Maria, que não queria ir
mais para a escola, será mencionada. É um exemplo de um
problema cujos significados são criados pelos outros; está cria-
do um sistema de significados. Se duas ou mais pessoas com-
partilham o mesmo significado, uma conversa entre elas fará
que repitam e confirmem sem dificuldades seus significados, e
poucas ideias novas são desenvolvidas. Se duas ou mais pes­
soas possuem significados um pouco diferentes e são capazes
de se escutar mutuamente, uma conversa entre elas criará, com
facilidade, significados novos e úteis. Se duas ou mais pessoas
possuem significados muito diferentes, podem achar difícil
escutar-se uma à outra e podem, mesmo, interromper-se e
corrigir-se mutuamente. Quando isso acontece, não raramen-
te as conversas acabam e o grande problema está criado.

Um esboço de uma conversa

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A pessoa à esquerda está falando e a pessoa à direita está escutan-
do. O ouvinte não só escuta cada palavra como também vê como
a pessoa que fala recebe suas próprias palavras. O ouvinte notará
que algumas das palavras faladas pela pessoa não são somente
recebidas e ouvidas, mas também movimentam aquele que fala.
Esses movimentos da pessoa que fala podem ser vistos ou/então
ouvidos. Algumas vezes, uma sombra atravessa o rosto da pessoa
que fala, as mãos podem estar fechadas ou abertas, começa a tos-
sir, uma lágrima pode aparecer, a pessoa faz uma pausa etc. O
ouvinte compreende que as palavras faladas carregam um signi-
ficado que faz a pessoa que fala tornar a experienciar algo que já
tinha experienciado antes, sem entender o que é. Não raramente,
o ouvinte é envolvido e fica emocionado por notar a emoção da
pessoa que fala. Esses momentos, quando ambos ficam emocio-
nados, são bons para se propor uma pergunta ou emitir um co-
mentário, os quais, por sua vez, mantêm o movimento da pessoa
que está falando e o movimento em comum em andamento.
Uma mudança ou um aumento das expressões que emocionam
podem criar uma nova compreensão de uma situação difícil ou
mesmo lançar uma ideia nova de como se deve dar o passo se-
guinte a partir desse momento, talvez problemático, para o pró-
ximo que se espera seja menos difícil.

Algumas diretrizes básicas

É importante que aqueles que queiram falar possam falar, mas


é muito mais importante que seja dada a possibilidade de não
falar àqueles que não queiram falar.
É importante que aqueles que queiram falar falem sobre
o que preferirem, mas é muito mais importante que não falem
sobre o que não queiram falar.

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Ninguém fala com quem quer que seja, sobre qualquer
coisa, em qualquer momento, de uma forma qualquer; a pes-
soa seleciona cuidadosamente com quem vai falar, sobre qual
assunto, de que maneira e qual o momento.
É importante que aqueles que desejem falar selecionem
seus assuntos, usem suas palavras e expressões preferidas, e a
eles lhes seja dado o tempo necessário para que se expressem.
É importante que a pessoa que fala não seja interrompida.
É importante que a pessoa que fala possa dizer o que ela
quiser que seja ouvido e, não necessariamente, o que o tera-
peuta ou pesquisador quiser ouvir.

Um encontro antes do encontro, e depois o encontro

Esse encontro aconteceu na Finlândia, na região de Jaakko


Seikkula. Fazia parte de um programa local de três anos de
treinamento. Seikkula escreveu consideravelmente sobre esse
próprio trabalho (Seikkula, 1995, 2001 a-d). Era uma equipe
de três pessoas esperando que uma família, com a qual esta-
vam trabalhando, viesse ao encontro e queriam que eu parti-
cipasse ativamente da conversa. Conversa que seria acompa-
nhada por cinquenta alunos desse programa e seus professores
presentes na plateia. A sala era um anfiteatro na bonita bi-
blioteca local.
Primeiro, perguntei como sempre faço: “Há alguma coisa
que desejam dizer antes que a família chegue ou podemos espe-
rar até que estejam aqui?”
Uma pessoa da equipe disse: “Havia muitas famílias que
poderiam ter sido selecionadas, mas escolhemos especificamente
essa” e um outro continuou: “Porque nós da equipe estamos en-
volvidos pelo fato de que muitos membros da família foram psi-

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cóticos. Não temos certeza de como devemos entender esse fato
em relação ao caso. Será hereditário que a filha não queira ir
para a escola, deixe de aprender a dirigir, não se encontre com os
amigos e provavelmente ouça vozes?”
Meu comentário, nesse momento e como o fazia frequen-
temente, foi na forma de uma pergunta baseada no pensamento
de que talvez a família já tivesse muitas preocupações e talvez
devesse ser liberada do acréscimo das preocupações da equipe
às suas próprias: “Se a família estivesse aqui, como seria para ela
ouvir a discussão entre nós sobre as preocupações da equipe?”
A equipe disse que deveríamos esperar pela família. Su-
geri que talvez a presença e participação da família não fossem
necessárias para a discussão sobre as preocupações da equipe.
Antes de a família chegar, perguntei à tradutora se ela ti-
nha alguma preferência em relação à tradução. Ela não tinha e
achei que essa mesma resposta me tinha sido dada durante
todo o trabalho. Os tradutores “são” extremamente flexíveis.
Geralmente as famílias preferem falar por um tempo e ouvi-
rem os trechos resumidos. Disse à tradutora para dar à família
o tempo que necessitasse e depois resumisse da maneira dela.
Faça como você se sentir mais confortável com o assunto. A tra-
dução “literal” não é necessária. É importante que a pessoa da
família que fala possa ver que a pessoa que a escuta também
receba as palavras. Uma vez que não entendo a linguagem lo-
cal, não posso ser essa pessoa. É bom que o tradutor, na medi-
da do possível, tome a posição do terapeuta (neste caso, a
minha).
Uma mãe e sua filha de 19 anos entraram pelo fundo do
auditório e caminharam devagar até o “palco” que ficava situ-
ado mais abaixo, na frente da sala. A mãe, Sara, estava bastante
concentrada e quase não notou os assistentes. Parecia muito
ocupada com alguma coisa. Era como se estivesse escrito em

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seus olhos: Trouxe uma lista de problemas comigo e preciso de
ajuda! A filha, Maria, a seguia atentamente, copiando seus ges-
tos. Sentaram-se uma ao lado da outra. A mãe sentou-se com
as pernas juntas e uma das mãos descansando sobre a outra.
Uma não apertava a outra. A filha estava com as pernas cruza-
das. Os braços também cruzados movimentavam-se entre as
pernas e uma das mãos procurava a boca.
Desculpei-me por não falar a língua delas e ter que ser
auxiliado por uma tradutora. Perguntei: “De que forma gosta-
riam que fosse a tradução?” Não entenderam a pergunta, então
eu disse: “Vocês gostariam de uma tradução palavra por palavra
ou seria melhor falar durante algum tempo e depois ouvir um
resumo do que foi dito?” Elas preferiram uma tradução frase
por frase e a tradutora concordou sem problemas.
Disse, então: “Vocês querem saber mais alguma coisa a
meu respeito, além do que já lhes foi dito?”
A mãe perguntou: “Por que o senhor está aqui e de onde
veio?”
Disse-lhe que tinha colaborado durante muito tempo
com as pessoas que ali trabalhavam e que elas haviam querido
que eu participasse do seu programa de treinamento, o qual já
tinha frequentado muitas vezes, e que esse grupo ia a TromsØ
onde eu trabalhava na universidade.
Acrescentei: “Nós tivemos um encontro rápido antes de vo-
cês chegarem. Estariam interessadas em saber o que me foi dito?”
Disseram que sim. Falei que tinham sido a única família
selecionada, entre muitas outras possíveis, para vir ao encon-
tro; que tinha ouvido sobre o pai de Maria ter sido um paciente
psiquiátrico; que a equipe ficara envolvida por esse aspecto e
que eu tinha falado à equipe sobre a possibilidade de nos reu-
nirmos para discutir esse assunto sem a família presente. Tam-
bém me disseram que Sara havia se divorciado do pai de Maria

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há dez anos e que Maria, no momento, não queria ir à escola,
nem ter aulas de direção e nem estar com os amigos e que esses
fatos preocupavam Sara.
Sara respondeu a essa informação dizendo: “Estou muito
contente por estar aqui”; suas mãos abriram-se com cuidado e
ficaram pousadas lado a lado e ela disse que muitos parentes
seus tinham estado em hospitais psiquiátricos; a avó paterna
de Maria, seu bisavô paterno e também Marta, a irmã mais
velha de Maria, e o irmão de seu pai tinham estado em situa-
ções semelhantes. Esse tio havia se suicidado.
Perguntei se ela tinha mais filhos e ela me disse que Jo-
hanna era sua filha mais velha de um casamento anterior.
“Onde está Johanna agora?”
“Não tenho certeza, ela usa drogas e está nas ruas em uma
cidade próxima daqui.”
“Quando foi a última vez que você se encontrou com ela?”
“Há três anos atrás.”
Sara havia se divorciado quando Johanna tinha três anos
e ela ficou aos cuidados do pai e de sua avó paterna, e não foi
permitido a Sara que visse a filha.
“Você acha que Johanna sentiu sua falta durante esses anos?”
“Sim”, as mãos juntaram-se de novo, e ela olhou com in-
tensidade para a tradutora e para mim.
“Você sentiu falta dela?”
“Senti”, seus olhos se encheram de lágrimas e novamente
nos olhou com intensidade, “Ela me escreveu perguntando se
poderia ficar conosco. Voltar para casa. Seu pai não a queria ver
mais. Mas receio que minhas outras duas filhas possam começar
a usar drogas”.
Perguntei à Maria: “Quando foi a última vez que viu sua
irmã?”
“Há três anos.”

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“Você sente falta dela?”
“Um pouco.”
“Então, vocês duas sentem falta dela?”
Ambas concordaram com a cabeça e Maria não sabia
onde colocar as mãos; uma das mãos foi primeiro em direção
à boca e depois voltou juntando-se à outra.
Perguntei: “Parece que Johanna se sente sozinha?”
Sara concordou com a cabeça, olhou intensamente para
nós e suas mãos se seguraram com firmeza.
Pensei (talvez você própria se sinta sozinha).
Sara abriu-se espontaneamente: “Eu sofro muito!”
Sobreveio uma quietude na sala, uma pausa, e perguntei:
“Onde é a dor em seu corpo?”
“No coração e nos pensamentos.”
Outra pausa longa e tranquila.
“Se a sua dor encontrasse uma voz o que diria?”
“Gritaria!”
“Com palavras ou sem palavras?”
“Sem palavras!!”
Olhou intensamente para nós como se seus olhos disses-
sem: me ajudem!
“Quem você gostaria que recebesse o seu grito?”
“Deus.”
“Como Deus responderia ao seu grito?”
Ela, agora, mantinha suas mãos juntas e apertadas e disse
que esperava que Deus pudesse tomar conta de suas três filhas.
Ocorreu então uma longa pausa e havia muita tranquilidade
na sala. Ninguém fazia o menor movimento. Todos pareciam
muito emocionados, inclusive a tradutora e eu.
Perguntei aos três da equipe o que estavam pensando e o
segundo terapeuta disse que tinha pensado muito sobre a pos-
sibilidade de Maria ouvir vozes.

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Perguntei: “Seria mais interessante saber mais sobre esse
assunto ou sobre o que Sara acabou de nos dizer?”
O terapeuta ficou indeciso e não encontrou uma respos-
ta. A terceira terapeuta disse ter ficado muito emocionada com
o que ouvira sobre Johanna. Nunca tinha ouvido nada pareci-
do antes. Nesse momento, Sara cruzou as pernas e colocou as
mãos nos joelhos enquanto nos escutava atentamente.
Perguntei à Sara se tinha tido uma oportunidade para
pensar no futuro. Enquanto suas mãos se agarravam de novo,
disse que estava muito preocupada com o futuro.
“Você tem alguma pessoa adulta a quem possa recorrer e
conversar?” Não, ela não tinha.
“Você tem uma mãe ou um pai com quem possa conver-
sar?” Não, seu pai havia morrido quando ela tinha três anos, e
o outro homem com quem a mãe se casara logo depois não
queria que ela ficasse com Sara.
“Então, talvez você também tenha se sentido sozinha?”
Ela disse: “Minhas filhas são tudo o que tenho”, e começou
um choro tranquilo que levou toda a sala a um grande
silêncio.
Maria, nesse momento, levantou uma das mãos até a
boca; tentava dizer alguma coisa? Perguntei se alguém em al-
gum momento tinha sido chegado à ela. Alguém próximo a ela
e que a compreendesse? O avô materno e o avô paterno ti-
nham sido; na presença deles ela se sentia compreendida e
protegida. Ambos tinham morrido quando Sara era uma
adolescente.
“Se eles estivessem aqui agora, poderiam ter te ajudado?”
“Poderiam”, ela chorava silenciosamente e olhava para
baixo, para suas mãos.
Durante todos esses momentos eu tinha que ponderar se
falar não era difícil demais para ela; se esse fosse o caso, eu te-

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ria que escolher outro assunto mais fácil para ser conversado.
De acordo com as impressões que recebi, decidi continuar.
“Pode ser que eles tivessem entendido suas preocupações,
sofrimentos e temor pelo futuro?”
“Sim.”
“Se eles tivessem estado aqui, você talvez não precisasse gri-
tar para Deus?”
“Não”. Suas lágrimas rolavam.
“Se sua avó tivesse estado aqui, o que ela teria dito?”
“Menina, você foi muito boa para suas filhas!”
“O que você diria de volta para ela?”
“Minha avó eu te amo muito!”
“E o que ela faria então?”
“Poria seus braços em volta de mim e eu poderia sentir o
seu perfume. Ela cheirava tão bem!”
Muitos na plateia choravam. Silenciosamente.
“Talvez você pudesse trazê-los um pouco de volta para seus
pensamentos, isso poderia ajudar?”
“É menos doloroso quando falo deles!”
Disse para Maria: “Você gostaria de dizer o que está
pensando?”
“Entendi que minha mãe tem sofrido, mas ela nunca disse
nada. Não sabia nada sobre seus avós.”
“Como se sentiria se sua mãe te levasse ao túmulo deles e
também contasse alguma coisa sobre eles?”
“Seria bom.”
“Foi melhor para você ouvir sobre o sofrimento da sua mãe
ou teria sido melhor não ouvir?”
“Foi melhor ouvir.”
“Talvez, sua mãe tenha querido proteger você e a sua irmã
evitando que soubessem de seu sofrimento e temor pelo futuro?”
“É, pode ser.”

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“Quando perguntaram a Sara como tinha sido estar lá,
respondeu que tinha sido bom para ela ter uma plateia que a
ouvisse.”
“Talvez, você e Maria gostariam de saber o que eles esta-
vam pensando?”
Ambas gostariam. Virei-me então para as pessoas da pla-
teia e as encorajei a falar comigo. Seria melhor para a equipe e
para a família. Se a plateia falasse comigo, a equipe e a família
poderiam escolher entre escutar ou deixar suas mentes divaga-
rem, se assim se sentissem melhor. Se a plateia falasse com elas
ou olhasse para elas enquanto falava, a equipe e a família se-
riam forçadas a escutá-la e não poderiam deixar que suas men-
tes viajassem por outros lugares. Os três primeiros a falar dis-
seram que tinham ficado muito emocionados com os
comentários de Sara sobre as filhas. Perguntei se havia um avô
na plateia para dar sua opinião e um homem manifestou-se
dizendo ter ficado muito impressionado por Sara, apesar de
seu próprio sofrimento, ter tantas preocupações com as
filhas.
“Há uma avó na plateia para dar sua opinião?”
Uma mulher de cabelos brancos disse: “Quando ouvi esta
conversa, pensei em uma visita que fiz à minha filha e neta on-
tem; pensei como era importante para minha neta ter uma mãe,
da mesma forma como é para sua mãe ter uma mãe.”
Parecia que o encontro se aproximava naturalmente de
um final; uma pessoa de fora como eu não deveria “abrir” de-
mais; era importante que a equipe e a família encontrassem seu
caminho natural para continuar. Ambas, Sara e Maria despedi-
ram-se com um apertar de mãos firme e olhares decididos e
Sara disse: “... e, foi importante ter uma plateia que comentasse”.
Na semana seguinte, Sara e Maria disseram que a conver-
sa tinha sido muito útil mas difícil por causa do sofrimento.

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Maria pensou, durante a conversa, que esta poderia ter sido
demais para a mãe e também que, nesse caso, deveria ter para-
do. Mas a mãe disse que não tinha sido demais. Todos acharam
que Maria deveria recomeçar a escola.
Uma das pessoas da equipe me escreveu três meses de-
pois: “Querido Tom! Encontrei-me com Maria e Sara na sema-
na passada. As duas estão bem. Maria não tem mais medos
psicóticos ou ouve vozes. Ela está podendo encontrar-se com
os amigos e quer ir para a escola em agosto. Mandaram lem-
branças para você. Cuide-se e tenha um ótimo verão! B.”
Alguns pensamentos posteriores – uma vez que o sofri-
mento veio à tona, talvez, uma pessoa pudesse em ocasiões
posteriores saber se os avós de Sara poderiam tê-la confortado
de outras maneiras além das citadas. Peggy Penn, em seu tra-
balho pioneiro, incentiva frequentemente aqueles com quem
tem encontros a escrever uma carta (Penn, 1994, 2001). Talvez
ela tivesse pedido à Sara para escrever uma carta a seus avós e
dito para que lhe trouxesse a carta no encontro seguinte e a
lesse alto. Provavelmente, Peggy Penn também teria pedido à
Sara que escrevesse uma resposta a essa carta: dos avós para ela
própria. Dessa forma, as opiniões dos avós chegariam até as
falas internas de Sara e poderiam ter equilibrado a voz do so-
frimento e a voz que temia o futuro.
O temor pelo futuro expresso por Sara poderia ser um
ponto de partida para o seguinte: “Compreendo que exista uma
parte sua que tema o futuro. Se essa parte encontrasse uma voz
o que diria?”
Durante a “investigação” dessa pergunta, é importante que
se prossiga devagar e se esteja certo de que Sara, quando fala
sem interrupção, fique emocionada com suas próprias palavras.
Caso isso não aconteça, não se deve prosseguir. Mas, se ela se
emocionar com suas próprias palavras, pode-se continuar:

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“Existe uma outra parte sua que tenha outros pensamen-
tos, sentimentos ou uma esperança no futuro?”
Se ela confirmasse, a pessoa poderia perguntar:
“Se essa sua parte tivesse voz o que diria?”
Quando as duas vozes, que esperamos se contrabalan-
cem, são ouvidas, uma poderia dizer: “Uma voz precisa de um
lar onde ficar, se essa voz temerosa fosse posta em seu corpo, qual
seria esse lugar?” Da mesma maneira, é dado um abrigo para a
outra voz. O que parece muito importante é o terapeuta não
tomar partido por nenhuma das vozes, nem incentivar uma
voz a controlar a outra. É importante que possam viver lado a
lado como em todos trabalhos pela paz.

Alguns comentários finais

A equipe ofereceu seu interesse na participação desse encontro,


Sara, por sua vez, ofereceu sua presença intensa.
O que deve ser selecionado para o início de um encon-
tro? Geralmente, quando todos já estão presentes, ajuda per-
guntar como desejam utilizá-lo. Todos têm a oportunidade de
responder e todas as respostas são lembradas da maneira mais
correta possível. Quando todos, um de cada vez, tiverem res-
pondido, uma pessoa dirige-se a quem respondeu primeiro e
deixa falar aquilo que ele(a) deseja ser ouvido. Em seguida,
repete o procedimento com a pessoa que respondeu em se-
gundo lugar, e assim por diante. Neste caso, a equipe respon-
deu primeiro na ausência da família e me perguntei quando
Sara e Maria entraram na sala: qual forma de se expressar, a da
equipe ou a de Sara, está produzindo a impressão mais forte?
Respondi à minha própria pergunta: a de Sara.

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No trabalho aqui mencionado, foi importante decidir
com a equipe e a família como poderíamos colaborar antes que
começássemos a colaboração. A reflexão sobre o Outro deve
preceder o pensamento sobre o que é o Outro. Isso é um pouco
uma ideia “Levinasiana”.
Os pensamentos de Emmanuel Levinas estão escritos de
uma forma fascinante em um ensaio norueguês (Kolstad,
1995). Quando Levinas abriu uma porta para o Outro, disse:
“Aprés vous!” (“Você primeiro!”) e, em seguida, comentou esse
gesto dizendo: “Essa é a minha filosofia”. Preferiu colocar a fi-
losofia da ética antes da filosofia da ontologia.
Enquanto Sara falava, foi muito importante escutar cada
palavra que ela dizia e ver como suas próprias expressões a
emocionavam e impulsionavam. Ela buscava e encontrava
aquelas expressões que a ajudavam a encontrar um passo sig-
nificativo de um momento para o próximo. Harry Goolishian
constantemente nos recorda: “Escutem o que eles realmente
dizem, e não o significado que querem dar!” No momento em
que escutamos o significado que querem dar, interpretamos o
que falam segundo nossa própria perspectiva, e construímos,
assim, nosso significado a partir do que dizem. Para o ouvinte,
sendo terapeuta ou pesquisador, é importante descartar a voz
interna que diz: “Que significado ele está querendo dar?” ou
“O que ela está querendo dizer?”. Não existe nada mais impor-
tante do que aquilo que é falado. Sendo assim, devemos escu-
tar com atenção ao que dizem.
Meu desejo é, no momento, que paremos de falar sobre
terapia e pesquisa como técnicas humanas e, de preferência,
falemos sobre esse assunto como arte humana; a arte de parti-
cipar dos vínculos com os outros. Se passarmos a usar exclusi-
vamente a expressão “arte humana”, como isso enfeitiçaria
nossa compreensão e nossas vidas?

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Tem sido da maior relevância para mim pensar que o tra-
balho esboçado neste capítulo foi inteiramente baseado em
experiências práticas (“empiri”), nas quais o mais importante
tem sido encontrar uma forma de colaboração na qual a iden-
tidade e a integridade de todos os participantes fiquem prote-
gidas de qualquer humilhação. Quando essa forma de colabo-
ração é encontrada, chega o momento das “teorias” que, neste
capítulo, preferi mencionar como suposições.

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