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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 1

CAPÍTULOS DE GEOGRAFIA
AGRÁRIA DA PARAÍBA
2 Emília Moreira e Ivan Targino

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


reitor
 NEROALDO PONTES DE AZEVEDO

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO


E REFORMA AGRÁRIA
superintendente regional
JÚLIO CÉSAR RAMALHO RAMOS

EDITORA UNIVERSITÁRIA
diretor
 JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES
vice-diretor
 JOSÉ LUIZ DA SILVA
divisão de produção
 JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
divisão de editoração
 EDUARDO FÉLIX DO NASCIMENTO FILHO
secretário
 MARINÉSIO CÂNDIDO DA SILVA
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 3

Emilia Moreira
Ivan Targino

CAPÍTULOS DE
GEOGRAFIA
AGRÁRIA DA
PARAÍBA

Editora Universitária
João Pessoa
1996
4 Emília Moreira e Ivan Targino

Copyright by Emilia Moreira e Ivan Targino,1996

Direitos reservados à

UFPB/EDITORA UNIVERSITÁRIA
Caixa Postal 5081
Cidade Universitária
João Pessoa - Paraíba
CEP 58.059-900

Printed in Brazil
Impresso no Brasil

Foi feito do depósito legal

Moreira, Emilia et Targino, Ivan


Capítulos de Geografia
Agrária da Paraíba/Emilia Moreira
et Ivan Targino. - João Pessoa:
Editora Universitária/UFPB, 1996
280p
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 5

A Genaro Ieno,

amigo verdadeiro, companheiro de caminhada,


por ter acreditado no nosso trabalho
não apenas como elaboração acadêmica
mas, e sobretudo,
como contribuição para o fortalecimento
das organizações dos trabalhadores
e da luta por uma sociedade mais justa e
mais humana

A Juliana e Judite,

pelo tempo que lhes foi roubado


do aconchego, do abraço

A Zito e Neusa,
Yoyô e Santinha,
6 Emília Moreira e Ivan Targino

pela vida e
pelos exemplos de luta,
de generosidade
e de alegria.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 7
8 Emília Moreira e Ivan Targino

AGRADECIMENTOS

Externamos nosso agradecimento a todos


aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a
realização e publicação desse trabalho. Fazemos
menção especial a Ronald Queiroz, Marcos Lins e
Márcio José Araújo que se empenharam não só no
sentido de garantir a publicação desse estudo, mas de
inserí-lo num projeto mais amplo de parceria entre o
Incra e a Universidade Federal da Paraíba. Não
poderíamos deixar de agradecer a Júlio César Ramalho
Ramos atual Superintendente Regional do Incra na
Paraíba, pela paciência e compreensão com os prazos
vencidos decorrentes do atraso na publicação desse
estudo.
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Sumário
1. Introdução

2. Processo de formação e evolução da organização


do espaço agrário paraibano
2.1. Da conquista à organização inicial do espaço
agrário
2.2. O litoral açucareiro
2.2.1. O Engenho: um mundo de poder e auto-
suficiência
2.2.1.1. A organização do trabalho
2.2.1.2. A propriedade da terra
2.2.1.3. O surgimento da pequena produção no
Litoral: algumas notas
2.2.2. Os Engenhos Centrais: uma experiência
efêmera
2.2.3. As Usinas de açúcar
2.2.3.1. A propriedade da terra, a organização da
produção e do trabalho com a Usina
2.3. O Sertão pecuarista cotonicultor
2.3.1. Cana e curral: uma separação necessária
2.3.2. A organização da produção e do trabalho nas
fazendas
2.3.3. A formação do complexo gado-algodão
2.3.4. A pequena produção sertaneja
2.4. O Agreste policultor-pecuarista
2.4.1. O sisal
2.4.2. A evolução da organização do espaço agrário
no Brejo paraibano
2.4.2.1. A cotonicultura e a organização da produção
e do trabalho no Brejo
2.4.2.2. A cana-de-açúcar e sua importância na
organização da produção e do trabalho no Brejo
2.4.2.3. E o café substitui a cana dando origem a um
novo ciclo econômico
2.4.2.4. Cana e sisal: uma combinação bizarra
2.4.2.5. A pequena produção de alimentos no Agreste
10 Emília Moreira e Ivan Targino

3. Modificações recentes na organização da produção


agropecuária
3.1. A expansão canavieira (1970/1986)
3.2. A crise atual da economia canavieira
3.2.1. A política do governo Collor para a
agroindústria canavieira
3.2.2. O Proalcool no governo Itamar Franco
3.2.3. Os efeitos da crise atual da agroindústria
canavieira da Paraíba sobre a classe trabalhadora
3.2.4. Situação atual e perspectivas para o Proalcool
3.3. A expansão da pecuária
3.4. As culturas alimentares
3.4.1. O desempenho das culturas alimentares
tradicionais e modernas (1970/1980)
3.4.1.1. O abacaxi
3.4.1.2. O tomate
3.4.1.3. A banana
3.4.2. O comportamento recente das culturas
alimentares
3.5. As culturas industriais
3.5.1. O algodão
3.5.2. O sisal
3.5.3. O coco-da-baía
3.5.4. O fumo
3.6. A expansão espacial da agricultura
3.7. A produtividade das terras

4.Estrutura fundiária: dinâmica recente

5. Modernização técnica da agropecuária estadual

6.A população rural paraibana: sua evolução e


dinâmica atual
6.1. A evolução da população paraibana: um breve
histórico
6.2. A dinâmica recente da população, em especial,
da população rural
6.2.1. Fecundidade
6.2.2. O crescimento recente da população rural
6.2.3. A mobilidade da população
6.2.3.1. As migrações sazonais
6.2.3.2. Perfil da população rural paraibana
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 11

7. Evolução recente do emprego rural e das relações


de trabalho no campo paraibano
7.1. Evolução recente do volume do emprego rural
7.1.1. Retração relativa da capacidade de absorção
da força-de-trabalho por parte do setor primário
7.1.2. Comportamento oscilante do contingente de
mão-de-obra engajado na agropecuária
7.1.3. Aumento da força-de-trabalho feminina e
juvenil
7.1.4. Manutenção da pequena propriedade como
principal fonte de ocupação
7.2. As mudanças nas relações de trabalho no campo
7.2.1. As relações de trabalho no campo (1970/1990)

8. Os movimentos sociais no campo e as conquistas


da classe trabalhadora
8.1. A luta contra a exploração do trabalho: a
organização sindical
8.1.1. As condições de vida e trabalho dos
assalariados da cana na Paraíba
8.1.2. Breve histórico da organização e luta dos
assalariados
8.1.2.1. As campanhas trabalhistas de 1982 a 1983
8.1.2.2. As campanhas salariais de 1984 a 1990
8.2. A luta pela terra
8.2.1. A dinâmica dos conflitos
8.2.2. A ação dos mediadores
8.2.2.1. A Igreja
8.2.2.2. A assessoria jurídica
8.2.2.3. A organização sindical
8.2.2.4. Outros aliados
8.2.3. A ação dos donos
8.2.4. A ação do Estado
8.3. A violência no campo.
12 Emília Moreira e Ivan Targino

LISTA DE QUADROS
1. Informações gerais sobre as Usinas do Litoral paraibano com
destaque para a transferência de titularidade
2. Quantidade exportada (arroba) de açúcar e algodão pelo porto da
Paraíba (1835/1862)
3. Evolução da produção e da área colhida com cana-de-açúcar
4. Parque sucro-alcooleiro do Estado da Paraíba (situação em 1995)
5. Dívidas do setor sucro-alcooleiro
6. Efetivo de bovinos (1981/1993)
7. Efetivo de caprinos, ovinos, suínos e aves (1981/1993)
8. Evolução recente da produção das principais lavouras alimentares
(1981/1993)
9. Indicadores da Estrutura Fundiária da Paraíba (1970,1980,1985)
10. Evolução da Estrutura Fundiária do Estado da Paraíba
(1970/1980/1985)
11. Pessoal ocupado e valor da produção animal e vegetal, segundo
as classes de área (1980)
12. Potencial de recursos hídricos dos açudes públicos e particulares,
segundo as bacias hidrográficas do Estado da Paraíba (até 1986)
13. População paraibana (1774/1872)
14. População paraibana e brasileira (1872/1980)
15. Índice de fecundidade total segundo a situação domiciliar. Brasil,
Nordeste e Paraíba
16. Número médio de filhos por mulher de 15 anos e mais que
tiveram filhos, segundo a renda familiar da mulher, por situação
domiciliar
17. População residente total e rural ( 1950/1991)
18. Crescimento da população rural segundo as Mesorregiões
(1970/1980)
19. Crescimento da população rural, segundo as Microrregiões
(1970/1980)
20. Crescimento da população rural, segundo as Mesorregiões
(1980/1991)
21. Crescimento da população rural, segundo as Microrregiões
(1980/1991)
22. População residente e população migrante por procedência,
segundo o tamanho das cidades
23. Cidades que apresentaram as maiores taxas anuais de
crescimento da população na década de 80
24. Participação da PEA agrícola na PEA total (1950/1990)
25. PEA do setor primário por sexo, segundo a idade (1970/1980)
26. Evolução do emprego assalariado, segundo as Mesorregiões
(1970/1980)
27. Crescimento do emprego assalariado temporário, segundo as
Microrregiões (1970/1980)
28. Crescimento do emprego assalariado permanente, segundo as
Microrregiões (1970/1980)
29. Condição do Produtor por categoria e tamanho do
estabelecimento (1970/1980)
30. Evolução do emprego assalariado, segundo as Mesorregiões
(1980/1985)
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31. Crescimento do emprego assalariado permanente, segundo as


Microrregiões
32. Crescimento do emprego assalariado temporário, segundo as
Microrregiões (1980/1985)
33. Acampamentos de trabalhadores sem terra (maio/1996)
34. Unidades de medida de comprimento, de área e de peso
utilizadas no corte e plantio da cana
35. Áreas desapropriadas entre 1966 e 1990
36. Áreas adquiridas através de compra para fins de reforma agrária
37. Áreas desapropriadas entre 1993 e 1996
38. Áreas de Conflito não solucionado (maio/1996)
14 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 15

Prefácio
É um grande prazer prefaciar este livro
de Emilia Moreira e Ivan Targino. Tomei
conhecimento do texto em 23 de abril de 1996
num seminário em João Pessoa, por ocasião da
passagem da Caravana da Cidadania. Percorríamos
a Zona da Mata dos Estados de Alagoas, Paraíba e
Pernambuco. Discutíamos a crise do que se
chamou “o setor arcaico” da economia paraibana,
as alternativas para a utilização mais racional das
áreas canavieiras e as soluções para o desemprego
crescente no Estado.
As Caravanas da Cidadania nasceram
de um desejo de Luís Inácio Lula da Silva de
conhecer o Brasil e discutir diretamente com o
povo as soluções para seus problemas. A idéia
fundamental era que alguém que se propunha a
governar um país tão grande e tão diferente em
cada um dos seus cantos, não poderia esperar
sentado que um grupo de pessoas iluminadas,
reunidas em São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília,
elaborasse a sua proposta de Governo. Era preciso
ouvir o povo esquecido pelas elites: os agricultores
com terra e os sem terra, os pequenos e médios
empresários, os estudantes e professores, os
religiosos, as donas de casa, enfim, todos aqueles
que se preocupavam com o destino do seu país e
que não tinham como expressar suas inquietações
e seus encaminhamentos.
16 Emília Moreira e Ivan Targino

A proposta da Caravana da Cidadania


era basicamente esta: respaldar um programa de
uma candidatura apoiada pelos partidos populares
à presidência da República. Ela começou em abril
de 1993 em Garanhuns (PE) e terminou um ano
depois em Goiânia (GO). Foram mais de 40 mil
quilômetros percorridos de ônibus, visitando cerca
de 500 cidades, vilas e povoados de todas as
regiões do país. Onde o ônibus não podia chegar,
fomos de carro, de barco, de trem, de avião, de
helicóptero - de algum jeito chegamos ao Brasil
esquecido pelas elites, escreveu Ricardo Kotsho no
nosso livro Viagem ao Coração do Brasil (São
Paulo, Scrita/Ed. Página Aberta, 1994), que faz um
relato de parte dessa cruzada.
Depois veio a campanha eleitoral e nós
perdemos. Mas a idéia das Caravanas sobreviveu:
um ano depois, no segundo semestre de 1995
estávamos de novo com o ônibus na estrada
percorrendo o Vale do Jequitinhonha (MG) e o Vale
do Ribeira (SP). “La Armata Brancaleone
Brasiliana”, como brincava nosso comandante
Wander Bueno Prado, continuava a perseguir os
mesmos propósitos: ser um canal de expressão
para as pessoas do lugar, das propostas de solução
de seus problemas. E foi assim que chegamos
naquela noite a João Pessoa para discutir as
soluções para a crise da agroindústria canavieira
do Nordeste.
É interessante notar que, na era da
Internet, o lugar parece não ser mais uma
informação relevante. Você clica num ponto da tela
do seu computador e num instante pode estar na
China ou no Canadá, ou em qualquer outro “site”
do mundo que tiver uma “home page”. Não
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 17

interessa onde: você está apenas em mais um


local onde se pode obter determinada informação.
Na era da Informática, a desqualificação do lugar e
a valorização do local exprime um significado
muito cruel: quem não tiver condições de se
mostrar não existe. Não é que será esquecido,
simplesmente não será lembrado. O lugar não
importa a menos que possa ser associado a um
“locus” qualquer da rede de informações
disponíveis para o mundo virtual que se está
construindo em nome da globalização. A Caravana
da Cidadania estaria assim, supostamente, na
contra-mão da “modernidade”. Buscar o
conhecimento do lugar onde se desenvolve a vida
de multidões de brasileiros à margem dos bolsões
de integração e de globalização ainda não é
possível pelos caminhos da fibra ótica. Ainda se faz
necessário palmilhar as sendas e as veredas por
onde transita o drama de milhares de vidas e de
destinos.
Naquela semana, a Caravana já havia
percorrido o interior do Pará tomando
conhecimento do massacre de Eldorado de
Carajás, um lugar que entrou para a História como
um dos locais da luta dos trabalhadores sem terra
pela reforma agrária no Brasil. A imprensa só
falava disso. O Governo só falava disso. Nem uma
palavra sobre as Usinas fechadas de Santa Helena
em Sapé e de Santa Maria em Areia, por onde
havíamos acabado de passar. Eram milhares de
pessoas sem emprego e que não tinham sido
sequer indenizadas pelos seus direitos trabalhistas
mais elementares.
Sem esperança de conseguir outras
oportunidades de trabalho na região, muitos já
18 Emília Moreira e Ivan Targino

haviam migrado para o Centro-Sul ou para as


grandes cidades do Nordeste. A promotora pública
de Areia estava tentando localizar os 3 mil
trabalhadores que têm direito à indenização
devido à falência da usina Santa Maria em 1993.
Ela revelou que recebera comunicação da polícia
informando que vários dos trabalhadores
despedidos estavam presos por assalto na cidade
de São Paulo ou tinham sido mortos de forma
violenta.
Naqueles dias, outras 510 famílias
ocuparam as terras de três fazendas (Santa Luzia,
São José e Gameleira), leiloadas para saldar parte
das dívidas junto aos credores da Usina Santa
Helena, da qual faziam parte. Terra de boa
qualidade, mas insuficiente para acomodar todos
nos módulos de 7 hectares indicados para o lugar.
Por isso, frei Anastácio, da CPT, e os presidentes
dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais da região,
estavam pressionando o Incra por novas
desapropriações de fazendas já vistoriadas e
comprovadamente improdutivas existentes na
região. Na hora da nossa visita ao acampamento
improvisado de barracas de lona preta, estava
chegando mais uma família vinda lá de Espírito
Santo, “onde tinham ouvido falar da ocupação”...
A luta dos trabalhadores nordestinos
re-encontra nas ocupações das terras das usinas
falidas na Zona da Mata e das propriedades
improdutivas o seu novo “locus”. A crise e o
desemprego que grassam no campo, em
particular, na Zona Canavieira, minam as
possibilidades de conquista das campanhas
salariais, como que tornando-as um “momento
ultrapassado” da história da classe trabalhadora
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 19

no campo. A luta pela terra confunde-se com a luta


contra o desemprego, a fome, a miséria, a
marginalização urbana. Em resumo, a forma que
se reveste, nesse momento de crise, a luta pela
sobrevivência dos que não migraram.
Estes “flashes”da vida do mundo rural,
apreendidos pelas andanças da Caravana da
Cidadania por esses brasis afora (inexistentes para
tantos pois não são “home page” dos canais da
internet), são objeto de revelação e de análise do
presente livro.
Aquele 23 de abril foi um bom encontro
entre as questões levantadas pela Caravana e esta
obra que nos permite entender com clareza a
trajetória de luta pela vida dos trabalhadores rurais
paraibanos.
Ao resgatar o processo de estruturação
e organização do espaço rural enquanto espaço de
exploração, o livro de Emília e de Ivan mostra as
origens de um lado, da geração de riqueza sob a
forma de açúcar, gado, algodão, café, sisal,
álcool... e, de outro, da produção da pobreza sob a
forma de escravos, moradores, foreiros, parceiros,
bóias-frias...
O livro analisa a modernização da
agricultura que provocou mudanças substanciais
no espaço agrário da Paraíba, a partir dos anos 60.
A melhoria do padrão tecnológico elevou a
produtividade, permitiu a incorporação de novas
áreas à exploração agrícola, estimulou a superação
de antigas relações de trabalho, aprofundando o
grau de liberdade do trabalhador. Porém, os
autores evidenciam que esta mesma modernidade
foi também responsável pela expansão do trabalho
infantil e feminino, pela intensificação do êxodo
20 Emília Moreira e Ivan Targino

rural, pelo fortalecimento da migração sazonal de


pequena distância, pelo desenvolvimento de
doenças resultantes do contato com agroquímicos.
Na esteira da “modernidade”, assiste-
se também o avanço da organização dos
trabalhadores que propiciou várias conquistas seja
através da luta do pequeno produtor por crédito,
seja através da luta dos posseiros e moradores
pelo direito de permanecer na terra, ou ainda,
através da luta dos assalariados por melhores
condições de salário, de trabalho e de vida. Nessa
luta, não foram poucos os que tombaram: Nego
Fuba, Pedro Teixeira, Zé de Lela, Bila, Paulo
Gomes, Margarida... . Se alguns tombaram, se
outros não suportaram as pressões e deixaram o
campo, a história dos movimentos sociais,
recuperada pelos autores, mostra que a resistência
de muitos engendrou algumas conquistas:
desapropriação/aquisição de terras palco de
conflitos, garantia de observância da legislação
trabalhista e melhoria de algumas condições de
trabalho.
À medida que o livro aprofunda e
desvenda essas e outras questões, ele é útil para
os que desejarem um melhor conhecimento da
realidade rural da Paraíba. Ele é útil não só para
técnicos, estudantes, pesquisadores. Ele é
importante também como um instrumento de
formação dos que participam e fazem os
movimentos sociais no campo.
A ação da Caravana da Cidadania não
pode se restringir ao levantamento e registro de
problemas e de questões. Ela precisa ter
prosseguimento na formulação e proposição de
políticas e necessita também encontrar eco nas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 21

organizações locais de trabalhadores através do


aprofundamento das questões levantadas. Nesse
sentido, o livro que ora apresento pode trazer uma
contribuição para o fortalecimento das
organizações dos trabalhadores e, por essa
intermediação, para a transformação do agro
paraibano de um espaço de exploração em um
espaço de justiça e de vida.

José Graziano da Silva


Professor Titular de Economia Agrícola da Unicamp
22 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 23

1. Introdução
O espaço agrário paraibano desde o
início da colonização portuguesa tem-se
constituído em um espaço de exploração. As
articulações entre as variáveis econômicas,
sociais, políticas e culturais tecem um “ambiente
de vida” gravoso à sobrevivência da classe
trabalhadora. A sua estruturação e a sua
organização subordinadas inicialmente aos
interesses do capital mercantil metropolitano e
mais recentemente, aos ditames de valorização
do capital industrial e financeiro, não têm como
finalidade o atendimento das necessidades
básicas da maioria da população.
Ao se afirmar que o espaço agrário
tem sido historicamente, do ponto de vista do
trabalhador, um espaço de exploração, não se
nega que as condições de vida no campo não
tenham experimentado mutações. Com efeito, as
formas de exploração têm sofrido alterações ao
longo do tempo, à medida que o espaço agrário
evolui e se reestrutura. O escravo, o morador, o
bóia-fria, são expressões diversas dessa
exploração, correspondentes a diferentes
momentos do processo de acumulação do capital
na agricultura.
Ser livre é qualitativamente diferente
de ser escravo. Ser assalariado representa
mudança substancial em relação a ser morador
23
24 Emília Moreira e Ivan Targino

de condição. Ao se exemplificar as
transformações ocorridas, não se deseja passar a
impressão de que haja uma melhoria linear nesse
processo evolutivo. Se, por um lado, a perda do
acesso à terra por parte do assalariado em
relação à sua antiga condição de morador é
sentida, por outro lado, o fim do controle sobre a
sua força-de-trabalho e a de seus familiares é
algo sublinhado em diferentes testemunhos de
agricultores.
Não se deve esquecer também, que
as formas concretas assumidas pela
passividade/luta dos trabalhadores, em diferentes
momentos da história, têm sido de fundamental
importância para o quadro em que se
circunscreve a vida do trabalhador e as formas de
ocupação e de organização do espaço.
Assume-se, portanto, que as
condições de vida dos trabalhadores rurais estão
vinculadas ao modo de estruturação e de
organização do espaço agrário. Daí a importância
de um estudo que procura desvendar a dinâmica
organizacional desse espaço, enquanto subsídio
para os movimentos que se integram na luta pela
melhoria da qualidade de vida da classe
trabalhadora.
Foi com base nesses pressupostos que
este trabalho foi concebido e desenvolvido. Nele,
dá-se ênfase, num primeiro momento, ao
processo inicial de formação do espaço agrário
paraibano e à evolução da sua organização até os
anos 60 do século atual. Constata-se aqui que a
“aparente” não organização desse espaço antes
da chegada do colonizador estava, na verdade,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 25

relacionada ao estágio de desenvolvimento das


sociedades tribais aí residentes. O espaço
“intocado” era de fundamental importância para
a sobrevivência das tribos indígenas. Observa-se
ainda que durante todo período colonial a
agricultura estadual se organizou em função de
um “excedente colonial”. As culturas exploradas,
as relações de trabalho implantadas, o nível
tecnológico vigente e a distribuição da
propriedade da terra, tudo isso foi montado
segundo as necessidades de extração de um
excedente por parte do capital mercantil então
dominante. Nessa fase, o “espaço intocado” do
período anterior ao descobrimento foi sendo
modificado, segundo as novas necessidades da
estrutura do poder colonial. Essa dinâmica
permaneceu ditando as regras da organização
espacial mesmo após a independência do Brasil. E
não poderia ser diferente, pois o novo status
político não implicou em modificações na
estrutura de dominação sócio-econômica.
Embora no final do século passado e
início deste tenham ocorrido mudanças
significativas na organização da produção e do
trabalho no campo, tais como a expansão da
cotonicultura, a implantação das Usinas de
açúcar, o fim da escravidão e o fortalecimento do
sistema morador e de outras relações de trabalho
pré-capitalistas, a lógica dominante continuou
sendo a do modelo primário-exportador. Mais
recentemente, com a dominação real do capital
sobre o processo produtivo agrícola, através da
chamada “modernização conservadora”,

25
26 Emília Moreira e Ivan Targino

verificam-se profundas mudanças na organização


do espaço agrário estadual.
O estudo dessas mudanças refletidas
no uso do solo, na estrutura fundiária, na base
técnica da produção, na dinâmica da população,
nas relações de trabalho e no emprego rural é
realizado ao longo dos capítulos três a sete. A
análise efetuada ao longo desses capítulos não se
restringe a um “inventário” da paisagem.
Procura-se ir além da aparência do fenômeno
para apreender o processo global do qual as
transformações da paisagem são apenas um
elemento. Deste modo, as modificações da
organização agrária são situadas dentro de um
quadro explicativo mais amplo. Elas são
relacionadas ao processo de modernização
conservadora da agricultura que aqui teve lugar e
que se constituiu no vetor primordial da expansão
do capital no agro paraibano. Foi, portanto, o
novo padrão de acumulação implantado, onde o
Estado desempenha papel importante, que
determinou as alterações mencionadas.
A reação da população a esse
processo seja através da luta por terra ou por
melhores condições de vida e trabalho, bem como
a violência no campo paraibano, são abordados
no capítulo oito. Nele faz-se menção ao papel do
Estado, da Igreja, da classe patronal, dos
movimentos sociais e das organizações não
governamentais frente à luta dos trabalhadores.
Para a sua elaboração contou-se com a
colaboração da professora Rosa Maria Godoy na
versão preliminar do item que trata da luta dos
trabalhadores por melhores condições de vida,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 27

salário e trabalho. O professor Giuseppe Tosi não


só revisou esse item, como complementou-o com
informações preciosas, fruto da sua experiência
de trabalho junto ao movimento sindical.
As fontes estatísticas básicas
utilizadas são: a) as fornecidas pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(FIBGE), através dos Censos Agropecuários de
1970, 1975, 1980 e 1985; dos Censos
Demográficos de 1970, 1980 e 1991, das
publicações sobre a produção agrícola e pecuária
municipal de 1980 a 1993 e da Pesquisa Nacional
de Amostra por Domicílio (PNAD) de 1983 a 1990,
e; b) as fornecidas pela SUDENE através do
Boletim Conjuntural do Nordeste de 1995, e dos
Agregados Econômicos Regionais de 1995.
Os técnicos do Ideme e os bolsistas do
CNPq que participaram da confecção do Atlas de
Geografia Agrária do Estado, contribuíram no
levantamento dos dados analisados ao logo do
trabalho. A eles deixamos registrados os nossos
agradecimentos.
A análise da distribuição espacial dos
fenômenos estudados baseou-se nos mapas e
esboços cartográficos contidos no Atlas, bem
como em pesquisas empíricas realizadas seja
pelos responsáveis pelo trabalho seja por
pesquisadores e estudiosos da questão agrária e
do meio ambiente.
Faz-se necessário acrescentar, que o
Atlas de Geografia Agrária da Paraíba constitui
um complemento deste livro. Os mapas, e
gráficos ali contidos constituem a representação
gráfica dos fatos aqui analisados. Daí a
27
28 Emília Moreira e Ivan Targino

importância de se trabalhar conjuntamente os


dois compêndios. De fato, a proposta inicial
consistia na elaboração de um Atlas texto. A
angústia da espera por mais de um ano pela
publicação definitiva do Atlas só foi compensada
pelo fato de termos aproveitado o tempo para
revisar, atualizar e complementar os textos.
Prontos, eles acabaram por ultrapassar os limites
da proposta inicial, isto é, a de constituírem
textos explicativos do material contido no Atlas. O
surgimento deste livro constitui, portanto, o fruto
desse processo.
Na verdade, esse processo engloba
todo um esforço de reflexão, de estudo e de
participação em movimentos populares que
extrapola de muito o tempo de elaboração do
Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. Parte dos
textos aqui contidos teve sua origem na tese de
doutoramento de um dos autores (Emilia
Moreira). Outra parte nasceu em resposta a
demandas dos movimentos popular e sindical
ligados à questão agrária e já foram parcialmente
apresentados e/ou publicados em Anais de
Encontros e Congressos. Para serem utilizados,
passaram por revisão, reelaboração ou foram
simplesmente complementados. A presente
publicação representa portanto, a reorganização
de um trabalho há muito iniciado, numa
cumplicidade de mãos e de vidas com a
construção de uma sociedade mais justa.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 29

29
30 Emília Moreira e Ivan Targino

2. PROCESSO DE FORMAÇÃO
E EVOLUÇÃO DA
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
AGRÁRIO
PARAIBANO
(da conquista do território
aos anos 60 do século XX)

“O tempo era bom? Não era.


O tempo é, para sempre.
A era da antiga era
roreja incansavelmente”.

Carlos Drummond de Andrade,


Versos do poema “As impurezas do branco”

Neste capítulo tenta-se resgatar, em


linhas gerais, o processo de formação e a
evolução da organização do espaço agrário
paraibano (da conquista do território aos anos 60
do século XX), buscando destacar as mudanças
nele ocorridas ao longo do tempo.
A abordagem espaço-temporal dos
fatos não se prende a uma periodização histórica
bem marcada dos mesmos. A preocupação não é
a de fazer um trabalho de história. A pretensão
maior é a de demonstrar que o espaço agrário
paraibano não constitui uma realidade
homogênea, dada e acabada, mas um produto
heterogêneo da ação diversificada do homem
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 31

sobre a natureza. Ação esta condicionada pelo


modo de organizar a produção de bens e serviços
e pelas articulações sócio-políticas e culturais que
são essenciais à sua sobrevivência. Como esse
processo não é estático (ele evolui e se
transforma ao longo do tempo), o espaço agrário,
enquanto fruto do mesmo, está sempre se
reorganizando para reproduzir as novas formas
de produção e as novas relações sociais que se
estabelecem a cada momento histórico. São
esses aspectos que se busca ressaltar nesta
unidade de trabalho, a qual compreende quatro
grandes subunidades: a que trata do processo
inicial de organização do espaço agrário
paraibano e as que estudam a evolução dessa
organização nas regiões do Litoral Açucareiro ou
Zona da Mata, do Sertão Pecuarista-Cotonicultor e
do Agreste Policultor-Pecuarista.

2.1. Da conquista à organização inicial do


espaço agrário

A conquista do atual território


paraibano só ocorreu quase um século após o
descobrimento do Brasil. O fato considerado como
marco inicial desse processo seria a fundação da
cidade de Nossa Senhora das Neves, atual João
Pessoa, a 18 quilômetros da foz do rio Paraíba.
Daí teve início a apropriação do espaço pelo
elemento colonizador, o qual se deparou em
vários momentos com a resistência da população
nativa. Essa população, segundo pesquisas
recentes, agrupava-se em três grandes nações:
Tupi, Cariris e Tarairiús.
31
32 Emília Moreira e Ivan Targino

De acordo com Borges, os índios da


nação Tupi dividiam-se em potiguaras e
tabajaras.1 Habitavam dominantemente a região
litorânea. Os potiguaras concentravam-se ao
norte do rio Paraíba, sendo encontrados ao longo
do rio Mamanguape e, mais para oeste, na altura
da serra de Copaoba (Serra da Raiz). Os
tabajaras, concentrados ao sul do rio Paraíba,
foram aldeados em Aratagui (Alhandra), Jacoca
(Conde), Piragibe (João Pessoa), Tibiri (Santa Rita)
e Pindaúna (Gramame). Parcela dos índios da
tribo tabajaras deixou a Paraíba em 1599
(BORGES apud MELO & RODRIGUES, 1993:35).
A nação Tarairiús era formada por dez
tribos, assim distribuídas: a) Janduís, à altura dos
atuais municípios de Santa Luzia e Patos, e no
vale do Curimataú; b) Ariús, ao longo dos rios
Piranhas, Sabugi e Seridó e na região de Patu,
próxima ao Rio Grande do Norte; c) Pegas, nas
proximidades dos atuais municípios de Pombal e
Catolé do Rocha; d) Panatis, em áreas próximas
aos rios Piranhas e Espinharas; e) Sucurus,
originariamente em Bananeiras e Cuité, tendo
como zona de concentração os vales dos rios
Curimataú e Trairi. Citam-se ainda as tribos
Paiacus na fronteira do Rio Grande do Norte com
o Ceará, Canindés, na Serra de Cuité, Genipapos
na fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará,
Cavalcantis que representavam uma facção dos
Ariús, em Campina Grande e Vidais, na zona

1Os índios tabajaras, conforme observa AGUIAR, migraram para a Paraíba e


se fixaram no litoral pouco antes da conquista do território pelos
portugueses (1992:25-26).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 33

fronteiriça do Rio Grande do Norte com o Ceará


(BORGES apud MELO & RODRIGUES, 1993:36).
Os índios da nação Cariris distribuíam-
se ao longo dos rios do Peixe, Paraíba e Piancó.
De acordo com Borges, eles compreendiam as
tribos: Chocós e Paratiós (em Monteiro e
Teixeira), Carnoiós (em Cabaceiras e Boqueirão),
Bodopitás ou Fagundes (perto de Campina
Grande), Bultrins (nos Cariris de Pilar e Alagoa
Nova), Icós (no Rio do Peixe, Sousa e Conceição)
e Coremas (no curso do rio Piancó) (BORGES apud
MELO & RODRIGUES, 1993:35).
Como as demais nações indígenas, as
que habitavam a Paraíba apresentavam
organização comunitária, inclusive como forma de
enfrentar as adversidades externas. A sua
sobrevivência dependia, fundamentalmente, de
sua relação com os recursos naturais, em
particular, com a terra.

“Organizados em uma
economia comunitária, os
índios cultivavam a
mandioca, o milho, o fumo e
o algodão e praticavam a
caça, a pesca e a coleta.
Para tanto, a terra era mais
que o celeiro natural, era a
própria razão de existência
da comunidade” (MOREIRA &
EGLER, 1985:16).

33
34 Emília Moreira e Ivan Targino

Com a chegada dos europeus, os


índios mantiveram com eles relações amistosas e,
mais do que isso, cooperativas. Almeida Prado
assim descreve as formas de prestação de serviço
dos índios aos portugueses nessa fase do
escambo:

"O potiguara buscava a


madeira, cortava-a como o
cliente queria, transportava-
a até o local de embarque,
auxiliava no
acondicionamento a bordo.
Cultivava, a pedido do
forasteiro, o algodão
silvestre e mais espécies de
seu interesse. Construía
galpões, onde a colheita
pudesse ficar sem se
deteriorar até o embarque:
levantava abrigos para a
tripulação repousar em
terra; fazia consertos (...)
amealhava provisões em
que figurava em primeiro
lugar o beiju de mandioca"
(PRADO, 1964: 51).

Enquanto a posse da terra e a sua


liberdade não estiveram ameaçadas, como
ocorria na exploração do pau-brasil, os índios não
ofereceram resistência ao colonizador. No
entanto, à medida em que o sentido da
colonização evoluiu para a apropriação da terra e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 35

para a sujeição do nativo, este reagiu. A reação


dos indígenas à subordinação da sua terra e do
seu povo ao processo colonizador constitui a
primeira forma de luta pela terra que teve lugar
na Paraíba. O desfecho desse processo de
resistência foi-lhes, contudo, adverso.
" A conquista da Paraíba,
além do seu caráter
defensivo contra os
corsários, é antes de tudo o
preço do avanço da cana-de-
açúcar que parte de
Pernambuco, atravessa
Itamaracá e chega à várzea
dos rios paraibanos. Não só
a terra deve ser tomada ao
índio da região, que tem nos
franceses um forte
incentivador à resistência
armada: é preciso justificar o
seu extermínio. Apela-se
então para a chamada
Guerra-justa: índio que pega
em armas contra os
portugueses é passível de
morte. Se aprisionado,
legalmente passa a ser
escravo. O índio se enquadra
então numa das categorias:
índio aliado, domesticado ou
inimigo, conforme se sujeite
ou não ao domínio
português" (MEDEIROS,
1990:6).
35
36 Emília Moreira e Ivan Targino

A submissão do espaço paraibano à


dominação colonial foi acompanhada pelo
massacre da população nativa, seja através de
sua pura e simples eliminação, seja pelos ultrajes
a que foi submetida, ou ainda em virtude de
doenças que contraiu no contato com o
colonizador e da sua participação como "aliado"
nas guerras.2
Sobre a violência e o genocídio dos
nativos na Paraíba, exemplifica assim o
historiador José Octávio de Arruda Melo, ao narrar
fatos referentes à ação dos colonizadores no
sentido de submeter os potiguaras à sua
dominação em nosso território:
"Na zona aproximadamente
ocupada pelos atuais
municípios de Caiçara, Serra
da Raiz, Duas Estradas,
Pirpirituba e Belém, a
violência funcionou em
níveis elevadíssimos. Ferido
numa perna, o que o deixou
aleijado, Feliciano3 acometeu
os índios com brutalidade,
bastando dizer-se que numa
só sortida foram mortos
cento e vinte, com
aprisionamento de oitenta.
Embora resistissem, sob a
2O estudo sobre a mão-de-obra indígena da Paraíba no período colonial
realizado por Maria do Céu Medeiros, nos fornece informações importantes
sobre esse processo de submissão e massacre da população nativa do
Estado, e ainda fornece uma indicação bibliográfica bastante ampla sobre o
tema (MEDEIROS:1990).
3Refere-se a Feliciano Coelho Carvalho, capitão-mor da Paraíba de 1592 a
1600, principal responsável pela subjugação dos potiguaras na Paraíba.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 37

liderança dos caciques Páo


Seco e Zorobabé, os índios
terminaram esmagados"
(MELO, 1994:32).
A penetração do processo de
colonização em direção ao interior foi também
acompanhada pelo rastro do sangue nativo. A
reação do indígena sertanejo à sua transformação
em cativo e pela defesa de suas terras deu
origem à chamada Guerra dos Bárbaros ou
Confederação dos Cariris. Esta se estendeu pelos
sertões do Nordeste de 1680 a 1730, sendo
considerada pelo historiador Irineo Joffily como "a
maior guerra anti-colonialista que já se travou em
território brasileiro". O saldo foi o extermínio
desta população ou sua fuga do nosso território
para terras que hoje compreendem o Estado do
Rio Grande do Norte. Alguns historiadores
chegam mesmo a atribuir a fraca contribuição
nativa para a formação da sociedade sertaneja
paraibana à sua eliminação ou à sua expulsão
promovida pela Guerra dos Bárbaros
(MELO,1994:73-74).
No jogo de dominação travado, o
ataque direto do colonizador às tribos não foi a
única nem, em alguns casos, a mais forte tática
de luta. Não se deve esquecer a estratégia do
colonizador de lançar tribos inteiras umas contra
as outras. Os episódios que envolvem a fundação
da cidade de Nossa Senhora das Neves são
ilustrativos dessa tática (AGUIAR,1992:24-25).
O que resta desta população, hoje,
são alguns poucos remanescentes dos potiguaras,
habitando a reserva indígena de Baía da Traição.
37
38 Emília Moreira e Ivan Targino

Sua sobrevivência e permanência nesta área


constitui o resultado de uma longa história de
luta. Ao longo do século XX viram suas terras
serem ocupadas e usurpadas pela Companhia de
Tecidos Rio Tinto, por grileiros ligados às
destilarias de álcool que se instalaram na área
após o Proalcool, ou ainda por empresas ligadas à
especulação imobiliária (MELO, 1994:34). Contra
esse processo de invasão, algumas comunidades
indígenas, a exemplo de “Jacaré de São
Domingos”, reagiram. Porém, só em janeiro de
1993 foi que se deu a demarcação de suas terras
pelo Governo Federal. De mais de 30.000
hectares originais, foram demarcados 5.032
hectares. Mesmo assim, até o momento, ainda
não se procedeu à expulsão dos invasores.
A percepção que tem o indígena de
sua situação, enquanto sujeito de um processo
que o exclui do direito à sobrevivência na terra,
terra esta que ele considera como mãe, como a
essência de sua vida e da liberdade de ser, acha-
se expressa no poema a seguir:

"Tudo o que fere a terra, fere


também os filhos da terra.
O índio é filho da terra.
A terra é a nossa vida e a nossa
liberdade.
Os grandes senhores da terra
não compreendem o povo índio,
Porque os grandes senhores da
terra escravizam a terra.
São estranhos que chegam de
noite, roubam da terra tudo
quanto querem.
Para eles um torrão de terra é
igual a outro.
A terra não é sua irmã, é sua
inimiga.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 39

Eles a destroem e vão embora.


Deixam para trás o túmulo de
seus pais,
roubam a terra dos seus filhos.
Sua ganância empobrecerá a
terra e eles deixarão atrás
de si só a areia cansada dos
desertos.
A força do povo índio é amar e
defender a terra.
Ela é de todos os homens.
Quem tem direito de vender a
mãe de todos os homens?
A terra é a nossa vida e a nossa
liberdade.
Índio sem terra é como tronco
sem raízes à beira do caminho.
Tudo o que fere a terra, fere
também os filhos da terra"

(Texto de um índio, recolhido pela CPT. Cit. por


CARVALHO, Murilo. In: Brasil: Sangue da
terra.1980:89)

A principal motivação da conquista do


território paraibano foi a ocupação efetiva e a
implantação aqui, a exemplo do que já se fazia
em Pernambuco, de um sistema de exploração
colonial voltado para atender aos interesses da
Metrópole colonizadora. A conformação inicial do
espaço agrário paraibano foi, portanto, "marcada
pela articulação à metrópole portuguesa, a qual
define o sentido e a direção do processo de
ocupação e povoamento" (FERNANDES, 1992:1).
Essa ocupação deu-se,
principalmente, no sentido leste-oeste, do Litoral
em direção ao Sertão. No Litoral, ela baseou-se
na produção da cana-de-açúcar. A evolução da
39
40 Emília Moreira e Ivan Targino

atividade canavieira teve influência também na


ocupação e no povoamento do Sertão e do
Agreste. Isso porque a necessidade de
especialização das terras na produção da cana
determinou a separação das atividades canavieira
e pecuária. Daí resultou uma divisão regional do
trabalho: a Zona da Mata voltou-se para a
produção do açúcar e o interior (Agreste e
Sertão), para a produção do gado e de gêneros
alimentícios. A retração da economia açucareira
na segunda metade do século XVII contribuiu
significativamente para o povoamento do
Agreste, por liberar mão-de-obra e forçar a
migração em direção ao interior. Desse modo, a
organização inicial do espaço agrário paraibano
teve como suporte a atividade canavieira (no
Litoral) e as atividades pecuária e policultora no
Agreste e no Sertão.

2.2. O Litoral açucareiro

O predomínio da cana na paisagem da


Zona da Mata paraibana é uma constante, do
início da colonização aos dias atuais. Porém, a
forma como se organizou o espaço nem sempre
foi a mesma. Ela sofreu modificações
significativas, dependendo ora de condicionantes
externos, ora das mudanças nas relações técnicas
e sociais de produção. De modo geral é possível
identificar três grandes momentos desse processo
no período em análise: o do domínio dos
Engenhos; o da efêmera experiência dos
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 41

Engenhos Centrais e o de dominação da Usina de


Açúcar.
2.2.1. O Engenho: um mundo de
poder e auto-suficiência

“O engenho-banguê, o fogo
aceso,
O caldo no parol, as rodas lentas,
A cana abrindo o massapê do
brejo,
A cantiga de ferro da moenda.
A boca rubra da fornalha baixa,
A casa-de-purgar, o barro, as
tinas,
A escumadeira, o coco, o mel das
tachas,
O bueiro borrando o céu de tisna.
O pão na forma, o canto na
moagem,
A anti-usina, ainda em pé,
botando,
A aguardente, o álcool, o
vinagre.
O açúcar na mesa, antigos
móveis,
E o cheiro do melaço
embriagando
O tempo-avô com seus alvos
bigodes.

Versos do poema “Nordestinados” de Marcus


Accioly

A organização inicial do espaço


agrário litorâneo, a exemplo do que ocorreu em
toda fachada oriental do Nordeste, baseou-se na
41
42 Emília Moreira e Ivan Targino

produção açucareira destinada ao mercado


externo, na divisão das terras em grandes
unidades produtivas conhecidas por Engenho e no
trabalho escravo. Tratava-se de um espaço
construído e organizado para atender às
necessidades de acumulação do capital mercantil.
Daí ele ser tido como um "espaço alienado", ou
seja, um espaço produzido para atender
necessidades externas.
À exceção dos produtos de luxo
importados da metrópole, os Engenhos
produziam quase tudo que necessitavam. O
senhor de Engenho detinha grande poder nos
limites de sua propriedade. Segundo Antonil, ser
senhor de Engenho era um título que todos
ambicionavam, pois implicava “em ser obedecido
e respeitado por muitos”.
O Engenho de açúcar constituía a
base econômica e social da Colônia. A unidade de
produção do sistema açucareiro compreendia
tanto a atividade agrícola quanto a atividade
industrial.
A atividade agrícola abrangia a
produção da cana, como cultura principal, e de
produtos de subsistência, como cultivos
suplementares.
O plantio da cana era realizado nas
várzeas de rios conseqüentes como o Paraíba, o
Mamanguape, o Una, o Gramame, o Miriri e o
Camaratuba, não só por apresentarem condições
edafo-climáticas mais favoráveis, como também
por se constituírem em vias naturais de
penetração. Ao longo destas, foram instalados os
primeiros Engenhos. Segundo Melo, em 1634, dos
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 43

18 Engenhos existentes na Paraíba, dois


situavam-se na área de Mamanguape junto aos
rios Camaratuba e Miriri. Os demais distribuíam-
se pelo vale do Paraíba, aproveitando a extensa
rede de afluentes deste - Tibiri, Tambiá, Inhobim
e Gargaú (MELO, 1994: 43). Cultivou-se
inicialmente a variedade de cana denominada
"crioula". No século XIX foi introduzida a cana
caiana. A partir de então, passou-se a cultivar
variações desse tipo de cana, como a "imperial" e
a "cristalina", que foram suplantadas pela "cana
manteiga" ou "Flor de Cuba" (ANDRADE,
1986:80).
O trabalho nos canaviais era
desenvolvido em cinco etapas principais: o
preparo do solo, o plantio, a limpa, a colheita e o
transporte da cana para os Engenhos. Em
decorrência do longo ciclo vegetativo da cana era
(e ainda é) comum ter-se sempre duas safras a
cuidar, quais sejam, a do ano corrente e a que
será moída no ano seguinte (ANDRADE,
1986:72/73).
A atividade industrial, desenvolvida
pelo Engenho, compreendia todo processo de
transformação da cana em açúcar. Ela iniciava-se,
regra geral, em setembro, utilizando tanto o
trabalho escravo, quanto o trabalho de
portugueses pobres. Estes consagravam-se às
atividades técnicas ligadas à produção do açúcar:
o mestre-purgador, o banqueiro, o mestre-de-
açúcar, o caixeiro.4
4Segundo Manoel Correia de Andrade, os primeiros técnicos dos engenhos
nordestinos eram judeus importados da Europa por Duarte Coelho. Estes, e
os pequenos lavradores, teriam conformado "o núcleo central de uma classe
43
44 Emília Moreira e Ivan Targino

O mestre-de-açúcar e o banqueiro
ocupavam-se do cozinhamento do caldo da cana
e da fabricação do açúcar. O mestre purgador
administrava a casa de purgar, dirigia o processo
de purgamento (embranquecimento do açúcar) e
zelava pelo "mel de furo", utilizado como matéria-
prima para a fabricação da rapadura. O caixeiro
encaixava o açúcar e determinava o barreamento
dos cantos das caixas, a retirada do dízimo, a
porção dos lavradores, etc. 5

Além dos trabalhadores ligados às


atividades técnicas, os Engenhos empregavam
ainda a mão-de-obra portuguesa nas atividades
administrativas (o feitor-mor, o feitor de
moendas, o feitor de campo, etc.). Essas
categorias de trabalhadores eram pagas com um
pequeno salário, constituindo-se em mão-de-obra
livre, assalariada.

2.2.1.1. A organização do trabalho

Em função do atrasado padrão técnico


e do “calendário agrícola pesado”, os Engenhos
necessitavam de mão-de-obra numerosa. "Para
um partido de 40 tarefas - cerca de 12 hectares -
requeria-se nada menos de 20 escravos" (MELO,
1986:38). Utilizou-se inicialmente a força-de-
trabalho indígena da própria região, bem como
índios tapuias trazidos do Maranhão, "para nutrir
de braços cativos as plantações e os Engenhos".
média rural" (...) (ANDRADE, 1986: 62).
5A respeito das atividades técnicas desenvolvidas pelos portugueses nos
Engenhos, leia-se ANDRADE, M. C. de. Op. cit. p. 77/78.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 45

"O primeiro Engenho da


Paraíba - o Engenho D’El-Rei
no Tibiri (1587) - apelou para o
trabalho do índio manso (...).
(MEDEIROS, 1990:8). Isto
porque "o escravo africano,
nos primeiros tempos, por sua
diminuta proporção, não
bastava para todas as
necessidades de um Engenho
corrente a moente" (ALMEIDA
apud MEDEIROS,1990:8).

Em 1634, em 18 Engenhos do vale do


Paraíba, encontravam-se índios domesticados
auxiliando nos trabalhos agrícolas e na produção
do açúcar (MEDEIROS, 1980:8).
Os indígenas não se submeteram ao
trabalho escravo de forma passiva. Sua
resistência à escravidão manifestava-se através
da baixa produtividade, da indolência e da fuga.

"Nos Engenhos e plantações


fundados pela nobreza
lusitana, o indígena teimava
em rejeitar o trabalho escravo,
dava constantes
demonstrações de rebeldia e,
quando não conseguia fugir,
terminava abatido pelos
castigos ou pelas doenças,
morrendo às dezenas ou às
centenas. (...)Rebelava-se
45
46 Emília Moreira e Ivan Targino

igualmente contra o trabalho


sedentário, tornava-se um
escravo de ínfimo rendimento
e manifestava pela
"indolência" seu protesto
contra o estilo de vida a que o
queriam subjugar"
(GUIMARÃES, 1968:15/16).

Os índios foram substituídos por


negros trazidos da África, na condição de
escravos. Estes eram adquiridos no mercado e
transformados em cativos de um senhor. Os
negros efetuavam tanto o trabalho agrícola
(plantação e colheita da cana e dos produtos de
subsistência), como participavam da atividade
fabril ligada à produção do açúcar. Manuel
Correia de Andrade assim descreve o trabalho
dos escravos nos canaviais:
"(...) Homens e mulheres eram
empregados nas duras fainas
do campo e nos trabalhos da
indústria. Apenas no campo, as
mulheres não trabalhavam
com o machado; no plantio e
na limpa do canavial os
escravos eram postos a
trabalhar com o nascer do sol e
se recolhiam à senzala à noite,
terminando a faina com o pôr
do sol. Na colheita da cana,
cabia a cada negro cortar, por
dia, trezentos e cinqüenta
feixes de 12 canas que eram
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 47

amarrados por uma escrava.


Assim, cada cortador de cana
era acompanhado na sua faina
por uma amarradora. Essa
quantidade era o suficiente
para a fabricação de uma
forma de açúcar.
Uma vez cortada e amarrada,
era a cana transportada para a
casa da moenda e depositada
num amplo salão, o picadeiro”
(ANDRADE, 1986:78/79).

Além do trabalho nos canaviais, cabia


aos escravos cultivar lavouras alimentares para
seu próprio sustento e para o consumo do senhor
e de sua família, trabalhar na mata cortando,
empilhando e transportando madeira em carros
de boi para abastecer as fornalhas, participar do
trabalho fabril e de atividades domésticas, limpar
o pátio e o Engenho, preparar os alimentos,
apontar as ferramentas de trabalho, etc. Eram as
escravas quem transportavam a cana do
picadeiro para a moenda, faziam passar o bagaço
entre os tambores, arriscando-se a acidentes
graves, consertavam e acendiam as caldeiras e
cuidavam do parol. Nas fornalhas, trabalhavam os
escravos doentes, os considerados rebeldes ou
criminosos, estes, presos a correntes. Eram
também os escravos quem colocavam o mel
cozinhado no tendal, transportavam as formas
para a casa de purgar, amassavam o barro de
purgar, etc.(ANDRADE, 1986:78).
47
48 Emília Moreira e Ivan Targino

Tratava-se de uma condição de vida e


trabalho desumana.
"A jornada de trabalho levava
a exaustão física, fornecendo a
quem a observasse, uma
imagem de pesadelo no qual
fogo, suor, negros, correntes,
rodas e caldeiras ferventes,
misturavam-se
indistintamente" (ROBLES &
QUEIROZ, 1987:27).

Vivendo em senzalas infectas,


submetidos a castigos diversos 6 , mal nutridos e
enfraquecidos pelo excesso de trabalho e pelas
condições de vida que lhes eram impostas,
encontravam-se mais fragilizados diante das
epidemias, das catástrofes naturais (como
inundações e secas) e da fome (particularmente
quando a produção de alimentos era insuficiente),
perecendo nesses momentos em grande número. 7
6Sobre os castigos infligidos aos escravos na Paraíba, veja, entre outros
documentos históricos, a Carta Régia datada de 07 de fevereiro de 1698,
contida na obra de Irineu Pinto (1977: 91). Manoel Correia no seu A terra e
o homem no Nordeste e Celso Mariz na obra Evolução econômica da
Paraíba, também fazem referência aos castigos infligidos aos negros
escravos no Nordeste.
7Segundo Celso Mariz, em 1641 morreram mais de mil negros numa
epidemia de varíola desencadeada com a inundação da várzea do Paraíba
ocorrida naquele ano. Esse estudioso faz também menção à insuficiência da
produção de alimentos em áreas de cana, responsável pela disseminação da
fome e pela grande mortandade entre os escravos (MARIZ, 1978:11/12).
Irineu Pinto ressalta que na seca que durou de 1791 a 1793, "o abade de S.
Bento, Fr. Bento da Conceição Araújo, nada pôde fazer para que não
morresse uma parte da escravatura dos engenhos de sua instituição. Os que
não morreram, sustentaram-se durante oito ou dez meses de ervas por não
poder mantê-los a citada instituição" (PINTO, 1977:179). Em 1856, segundo
estatísticas oficiais, uma epidemia de cólera teria sido responsável pela
morte de 2.982 negros, o que representava cerca de 10,0% do total da
população escrava existente no Estado em 1851 (PINTO, 1977:207/248).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 49

O castigo era inerente ao caráter de


exploração e de coação do sistema. Era a forma
de submeter a vontade e o corpo dos escravos e
escravas aos ditames do eito (e leito) e do fabrico
do açúcar. Era uma conseqüência do estado de
animalidade a que foram reduzidos os escravos. A
bondade do senhor podia apenas determinar o
grau de crueldade de um castigo.
Um belo poema de Jorge de Lima
refere-se ao negro escravo do Brasil da seguinte
forma:

Pai João secou como


um pau
/sem raiz
Pai João remou canoas.
Cavou a terra.
Fez brotar do chão/
a esmeralda
Das folhas - café, cana
/algodão
A filha de Pai João
tinha
/um peito de
Turina para os filhos de
ioiô mamar:
Quando o peito secou a
filha
/de Pai João
Também secou
agarrada num
Ferro de engomar.
A pele de Pai João ficou
/na ponta
Dos chicotes
A força de Pai João
ficou

49
50 Emília Moreira e Ivan Targino

/no cabo
Da enxada e da foice
A mulher de Pai João o
branco
A roubou para fazer
mucama
O sangue de Pai João
se sumiu no
sangue bom
Como um torrão de
açúcar
/bruto
Numa panela de leite.
Pai João foi cavalo pra
/os filhos de ioiô
montar.
Pai João sabia histórias
tão /bonitas que
Davam vontade de
chorar

(Versos do poema “Pai João” de


Jorge de Lima).

Na economia colonial, eram os


escravos meras mercadorias e a escravidão "uma
modalidade de exploração da força-de-trabalho
baseada direta e previamente na sujeição do
trabalho, através do trabalhador, ao capital
comercial” (MARTINS, 1979:16). Nesse contexto,
tanto o trabalho quanto o trabalhador são
propriedades do senhor. Assim sendo, o
trabalhador é reduzido à condição de objeto. Ele é
uma "coisa", que pertence a um dono, que pagou
por ele um preço: o preço de mercado. Essa
"coisificação" do escravo reflete a ideologia de
uma classe dominante que se cristalizava na
postura da Igreja da época (a idéia do escravo
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 51

enquanto "coisa" foi reforçada por uma bula


papal que afirmava que o negro não tinha alma).
Referindo-se às características da
força-de-trabalho escrava e à forma cruel como
esta era tratada na plantation canavieira
paraibana, Aécio Villar de Aquino relata o
seguinte:

"A crueldade contra escravos


na Paraíba se encontra
devidamente comprovada nos
escritos de diversos autores,
nos jornais da época e na
documentação dos cartórios. O
escravo inútil, velho ou doente,
era frequentemente
abandonado à própria sorte,
pois nele o que valia era a sua
produção. Rodrigues de
Carvalho narra diversos casos
de crueldade contra cativos,
que ouviu de uma velha ex-
escrava, praticados pelos
senhores de Engenho Lalão,
Mello Azevedo e José Lopão.
Estes senhores costumavam
dar fim àqueles escravos que
só serviam para dar despesas.
Acontecia um "acidente
simulado" e o escravo inútil era
incinerado na fornalha,
enforcado, afogado (...)
Adhemar Vital escreve a
respeito das desumanidades
51
52 Emília Moreira e Ivan Targino

praticadas pelo major Ursulino


de Tapuá, personagem cuja
perversidade o tornou célebre
em toda Paraíba (...) Era um
sádico, um verdadeiro celerado
desumano que comprava por
baixo preço escravos viciados
ou rebeldes e os submetia a
toda sorte de suplícios até
conseguir amansá-los, quando
não faleciam em conseqüência
do castigo" (AQUINO,
1993:141).
Em muitos casos, até o direito à
procriação era limitado pela necessidade que
tinha o senhor de ter braços fortes e sadios para
o trabalho. Daí o surgimento, de um lado, do
"reprodutor de senzala" e, de outro, da alienação
do direito à paternidade por parte dos que tinham
que se submeter às leis seletistas de reprodução
impostas pelo senhor.
A resistência negra à escravidão se
manifestou, entre outros, através da sabotagem
ao trabalho, do suicídio, da fuga e da formação
dos "quilombos". O quilombo do Cumbe, situado
no município de Santa Rita, o do Engenho Espírito
Santo, o dos Craúnas no vale do Piancó, entre
outros, constituem alguns dos exemplos desta
reação.
"O escravo negro na Paraíba
adotou quase todas as formas
de resistência à escravidão
admitidas por Roger Bastide
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 53

(...). Foram freqüentes os


suicídios de escravos (...);
diversos assassinatos de
senhores e seus familiares,
feitores e outras pessoas de
quem sofreram agravos (...)
(...) a sabotagem ao trabalho
faz parte do próprio sistema
escravista e daí a vigilância
constante do feitor; não consta
que tenha havido revoltas de
negros de certa envergadura
na Paraíba, mas pequenas
rebeliões locais,
principalmente nos presídios. A
participação dos negros
escravos nas diversas
rebeliões de que foi fértil o
século XIX é inconteste, às
vezes assumindo até uma
certa liderança como no caso
dos "Quebra-Quilos; as fugas
de cativos foram inúmeras.
Organizaram-se em mucambos
e quilombos. Existiu não só o
célebre quilombo do Cumbe,
situado no local da atual
cidade de Santa Rita em fins
do século XVII. Koster dá
notícias de um mucambo de
negros fugitivos nos arredores
de Mamanguape e já na
segunda metade do século XIX
existiu um quilombo no
53
54 Emília Moreira e Ivan Targino

Engenho Espírito Santo,


contando inclusive, com a
participação de índios fugidos
das aldeias, que perturbou
durante anos a vida daquela
localidade, chegando a
interromper as comunicações
com grande parte da Província
e que resistiu tenazmente ao
seu extermínio”(AQUINO,
1993:142).

Na Paraíba, como em outros estados


do Nordeste, o trabalho escravo (embora menos
numeroso que em outras províncias), constituiu o
suporte da atividade açucareira por três séculos e
representou uma parcela significativa da
população. Mesmo no final do período
escravocrata, os negros representavam 13% da
população dos municípios paraibanos (PINTO,
1977:208).
Embora o trabalho escravo tenha sido
a relação de trabalho dominante durante esse
período, ela não foi exclusiva. Outras formas de
trabalho foram introduzidas, sobretudo em
períodos de crise do sistema. Assim, a regressão
do sistema açucareiro, na segunda metade do
século XVII, provocada pela crise de acumulação
que nele se processou, em decorrência de
mudanças na estrutura do mercado internacional
de açúcar, foi responsável por algumas
modificações nas relações de trabalho vigentes
na atividade açucareira, visando garantir sua
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 55

sobrevivência. Como os senhores de Engenho não


podiam adquirir a mão-de-obra escrava suficiente
para atender suas necessidades de braços,
devido ao aumento de preço da força-de-trabalho
escrava, passaram a facilitar o estabelecimento
de camponeses no interior de suas terras
(ANDRADE, 1986:104). Surge daí os lavradores e
em seguida o sistema de moradores que
posteriormente iria substituir o trabalho escravo.
Os lavradores constituíam uma
categoria de pequenos agricultores que forneciam
cana para os Engenhos trabalhando, seja em
terra própria, seja em pedaços de terra dos
Engenhos que eles alugavam. Para moer a cana
nos Engenhos, pagavam ao senhor "metade da
produção, se lavravam terras próprias, ou dois
terços, ou três quintos, conforme a maior ou
menor distância e a qualidade das terras, se
estas eram do Engenho” (ANDRADE, 1986:113).
Estabelece-se assim um sistema de parceria,
atrelado e submetido ao latifúndio canavieiro.

"Essas modificações na
organização interna do
trabalho permitiram a
sobrevivência do sistema
açucareiro. Isto porque, no
caso dos lavradores, por
exemplo, o senhor de
Engenho, mantendo o controle
dos meios de produção (terras
e Engenhos), lhes transferia os
custos de produção da cana e
ainda apropriava-se de uma
55
56 Emília Moreira e Ivan Targino

certa margem de benefício.


Isto sem falar da renda
fundiária (paga em trabalho ou
dinheiro) que recebia daqueles
que alugavam suas terras"
(MOREIRA, 1990:06).

Os moradores eram camponeses sem


terra que recebiam do proprietário fundiário a
autorização de habitar na propriedade, ocupar um
pedaço de terra (os sítios) e nele cultivar uma
roça. Em alguns casos, podiam criar animais de
pequeno, médio e grande portes. Tinham direito a
lenha e a água. Apesar de produzirem
essencialmente para o autoconsumo, obtinham
eventuais excedentes que vendiam nas feiras
livres. Às vezes recebiam um salário.

"Um salário de condição, mais


baixo do que o vigente no
mercado, salário que o senhor
da terra obrigava a
rebaixar(...)” (GORENDER,
1987:30).

Eram obrigados a prestar serviços


gratuitos ao senhor (o cambão), dois ou três dias
por semana (moradores de condição ou
cambãozeiros), ou a pagar uma renda fundiária
em dinheiro, o foro, (moradores foreiros). Muitas
vezes, além do foro, eram obrigados também a
pagar o cambão. Além do morador de condição,
existia também o "morador agregado" (sistema
de trabalho mais antigo que era utilizado pelos
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 57

grandes proprietários). Este trabalhador, em troca


de um pedaço de terra, "ficava obrigado a
trabalhar para o Engenho, cabendo-lhe, entre
outras coisas, o trato e o corte da tarefa de 625
braças" (SÁ, 1992:7).

"A permissão ‘graciosa’ do


senhor de Engenho, do
morador morar e cultivar um
pedaço de terra (mesmo em
casos em que não existisse
pagamento de renda em
dinheiro) garantia a
propriedade privada da terra
em áreas que, do contrário,
poderiam ser consideradas
devolutas. Isto evitava que o
homem livre fosse um
ocupante e transformava-o em
agregado, engendrando nele e
em torno dele, uma ideologia
de submissão e aceitação de
sua condição de despossuído,
legitimando concretamente, ao
nível das relações sociais, a
propriedade territorial privada,
já existente em termos legais"
(CABRAL, 1987:35).

Deste modo, no sistema de morada,


as condições de sobrevivência da população
mantinham uma estreita relação com o acesso à
terra. A possibilidade maior ou menor de acesso à
57
58 Emília Moreira e Ivan Targino

terra dependia não só do chefe da família como


de toda a família. Isto porque, quanto mais
numerosa fosse a prole masculina, maior a
possibilidade de encontrar "morada".
Outra característica do sistema de
morada era o seu caráter interpessoal. O acordo e
as condições estabelecidas eram negociadas
diretamente entre as partes, sem qualquer
intermediação estatal. Era um acordo desigual
porque podia ser rompido a qualquer momento
pelo proprietário da terra, enquanto que o
rompimento por parte do trabalhador só podia
ocorrer se ele não estivesse em débito com o
patrão. O contrato era oral e implicava uma série
de compromissos de parte a parte. Ao patrão
cabia dar a terra, a água, a lenha, a permissão de
plantar e criar. Ao morador cabia trabalhar
unicamente para o senhor, obedecer-lhe e ser-lhe
fiel. O controle que o senhor exercia sobre essa
força de trabalho se fazia através do acesso à
terra. Em alguns casos, à medida que se
consolidava o sistema de morada, esse controle
era reforçado pelo endividamento do trabalhador
através dos sistemas de barracão e de vales. O
trabalhador endividado era impedido de sair da
terra a não ser quando o patrão assim o
desejasse. A sujeição ao barracão e ao vale
imprimia um caráter de semi-escravidão ao
sistema de morada.

O barracão correspondia a um
"armazém pertencente ao
Engenho ou arrendado a
alguém de confiança do
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 59

senhor; recebendo o morador,


vales ao invés de dinheiro,
ficava geralmente em débito
devido aos preços exorbitantes
do barracão. Desta forma,
ficava atrelado ao Engenho e
ainda mais limitado na
liberdade de dispor de sua
força-de-trabalho, vendendo-a
a quem quisesse" (CABRAL,
1987:39).

Essa relação desequilibrada era


garantida pela força policial. Se o trabalhador
saísse da terra devendo ao patrão, este acionava
a polícia e mandava prender o devedor. Caso não
fosse preso, bastava a fama de devedor para
dificultar-lhe o acesso à morada noutra
propriedade.
Alguns versos do poeta Geraldo
Alencar põem em confronto esses dois mundos (o
do patrão explorador e o do morador):

(...) “Que é que meu patrão fazia


Se fosse meu moradô
Trabaiando todo dia
Bem por fora do valô?
Me vendo num palacete
Sabureando banquete
Daqueles que o sinhô come
E o sinhô no meu roçado
Trabaiando no alugado
Doente e passando fome?”(...)

Versos do poema “Pergunta de moradô”

59
60 Emília Moreira e Ivan Targino

Outras malhas das relações sociais


reforçavam as relações pessoais. Pode-se citar: o
alinhamento com os patrões nas disputas
eleitorais e as relações de compadrio; quando
necessário, a defesa do patrão em eventuais
conflitos com outros proprietários. Em troca dessa
lealdade, os trabalhadores recebiam, além das
condições de moradia já citadas, proteção e
assistência. Em outras palavras, a sujeição do
trabalhador em troca de proteção reforçava a
dominação e o controle da classe patronal sobre o
mesmo.
O depoimento abaixo, embora não
retrate o momento histórico ora analisado,
constitui um testemunho da continuidade de um
processo gestado no período colonial e que,
embora apresentando diversificações, podia ser
encontrado facilmente no Litoral paraibano até
duas décadas atrás.

"A gente dava um dia de


serviço de quinze em quinze
dias e ainda pagava mais um
forinho. Aí acabaram com esse
negócio de pagar um dia de
quinze em quinze dias e
passaram a cobrar um foro. Aí
passaram para o eito. Eito
significa assim: é trabalhar
quatro ou cinco dias com a
famia pros dono da terra e aí
eles paga e aí não cobra mais
foro. Fica o trabalhador
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 61

trabalhando e recebe a sua


semana que trabalhou. É um
pagamento mas não é um
salário; é mais ou menos meio
salário". (Depoimento de um
antigo morador do Engenho
Tabatinga, localizado em
Pedras de Fogo, referindo-se à
evolução do pagamento da
renda pelos moradores da
citada propriedade no século
atual, mais precisamente entre
1930 e 1978).8

As formas de trabalho tipo lavrador e


morador conviveram com o sistema escravagista
até sua abolição. Cessada a escravidão, o sistema
morada se consolidou e tornou-se a forma
dominante de trabalho nos engenhos de açúcar
do Litoral paraibano.

2.2.1.2. A propriedade da terra

Do mesmo modo que a propriedade


dos escravos, as formas de apropriação da terra
na Zona da Mata foram organizadas segundo as
necessidades da produção açucareira e segundo
as normas culturais e políticas dominantes na
época. Estava-se em plena transição da Idade
Média para a Idade Moderna. Com esta afirmação
não se está advogando uma mera transposição
das formas feudais para o Brasil.
8Cf. MOREIRA, Emilia. Por um pedaço de chão. João Pessoa, Editora
Universitária, 1996.
61
62 Emília Moreira e Ivan Targino

A produção canavieira requeria


tecnicamente a instalação de canaviais em
grandes propriedades, dado o seu caráter
monocultor e a necessidade de aprovisionamento
de matéria-prima para o funcionamento da
unidade fabril. As condições técnico-materiais da
produção reforçam os padrões político-culturais
dominantes de apropriação da terra. Daí
entender-se porque a produção açucareira,
subordinada aos interesses do capital mercantil
internacional, teve como suporte a concessão de
grandes sesmarias. A distribuição das terras em
sesmarias foi responsável tanto pelo caráter
privado que adquiriu a propriedade da terra,
quanto pela criação dos alicerces da grande
propriedade que caracteriza o sistema açucareiro.

As sesmarias requeridas tinham


enorme extensão. "Aqueles
que as requeriam, quando
conseguiam, juntavam outras
terras através de novos
requerimentos sempre
deferidos. Gostavam de perder
de vista as suas terras. De
nunca lhes avistarem os
horizontes. Foi necessário que,
em 1697, Carta Régia limitasse
o tamanho das concessões a
uma área de três léguas de
comprimento por uma de
largura. Quase onze mil
hectares. E já era uma
restrição...” (MELO, 1986:36).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 63

Na Paraíba, as primeiras sesmarias


foram concedidas nas várzeas dos rios Paraíba,
Jaguaribe, Una, Tibiri e Gramame. Segundo Celso
Mariz, " a primeira sesmaria de registro em nosso
arquivo é de 10 de janeiro de 1586, de uma légua
no rio Una (...) para plantar cana"
(MARIZ,1978:4).
Embora não se possa precisar com
exatidão o número de sesmarias doadas na
Paraíba, o historiador João de Lyra Tavares na
obra História territorial da Parahyba registra
1.138 cartas de doação emitidas entre 1586 e
1824, para plantar cana, criar gado ou cultivar
lavouras de subsistência. Segundo Melo:

"A primeira sesmaria


paraibana foi concedida ainda
no século XVI, quando seu
número não passou de cinco.
No século XVII, essa cifra
cresceu, mas na primeira
metade, sua localização não
ultrapassou os vales dos rios
Paraíba e Mamanguape, o que
significa colonização ainda
restrita ao Litoral. Na segunda
metade do século XVII e,
principalmente no século XVIII,
essas sesmarias alcançaram os
pontos mais distantes do
território paraibano, o que
representou a expansão deste,
63
64 Emília Moreira e Ivan Targino

com incorporação das terras


sertanejas à colonização"
(MELO, 1994:29).

A concessão de sesmarias foi


suspensa em 17 de julho de 1822 e em 18 de
setembro de 1850 foi aprovada a Lei 601,
conhecida como Lei de Terras de 1850. Esta lei
tinha por pressuposto básico a mercantilização da
terra. A partir dela o acesso à terra limitava-se a
quem tivesse condições de adquirí-la. Sua
importância para a constituição do mercado de
trabalho é ressaltada por José Graziano da Silva
quando afirma que:

"Enquanto a mão-de-obra era


escrava, o latifúndio podia até
conviver com terras de "acesso
relativamente livre" (porque a
propriedade dos escravos e de
outros meios de produção
aparecia como condição
necessária para alguém
usufruir a posse dessas terras).
Mas quando a mão-de-obra se
torna formalmente livre, todas
as terras têm que ser
escravizadas pelo regime de
propriedade privada. Quer
dizer, se houvesse homem
livre com terra livre, ninguém
iria ser trabalhador dos
latifúndios" (SILVA, 1981:25).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 65

Os objetivos principais da Lei de


Terras de 1850 consistiam: na proibição do
acesso à terra por outro meio que não fosse a
compra; na extinção do processo de ocupação de
terras devolutas, que teve lugar com o fim das
sesmarias; na valorização da terra e na sua
conseqüente transformação em mercadoria; na
utilização dos recursos oriundos da venda de
terras devolutas para investir na importação de
colonos europeus.
Deste modo, com a Lei de Terras de
1850, a terra se valoriza e adquire importância
mercantil e o estabelecimento da propriedade
privada é reforçado no Brasil e por rebatimento,
na Paraíba.

2.2.1.3. O surgimento da pequena


produção no Litoral:
algumas notas

Como foi demonstrado, a atividade


canavieira desenvolvida em latifúndios foi
responsável pela conformação inicial do espaço
agrário litorâneo. Suas fases de crise, as
características internas de sua organização e a
garantia de sobrevivência da mão-de-obra por ela
utilizada estão na base do processo inicial de
formação de uma pequena produção de
alimentos a ela subordinada.

"A cultura de mantimentos


(farinha, fava, mandioca,
feijão, fumo...) destinava-se ao
abastecimento interno, à
65
66 Emília Moreira e Ivan Targino

reposição da força-de-trabalho
dos canaviais e era parte de
uma economia que, apesar de
ser ‘a mais necessária para a
terra’ sempre foi considerada
secundária e mantida de forma
subordinada" (BASSANEZI,
1994:21).

A produção de alimentos era realizada


inicialmente pelos escravos e destinava-se ao seu
auto-abastecimento. Segundo Cabral, a existência
desta lavoura de subsistência tinha dupla
determinação:

"(...) de um lado, existia como


parte de um mecanismo de
adaptação à (...) rigidez da
mão-de-obra escrava. 9 Em
conjunturas desfavoráveis,
quando de crises de demanda
do açúcar, o sistema podia (...)
se fechar dentro de si mesmo,
sendo parte do tempo de
trabalho dos escravos antes
dedicada à produção
comercial, dirigida então para
a lavoura alimentar. Por outro
lado, mesmo em conjunturas
normais, a existência de
lavoura de subsistência dentro
9Segundo Gorender, essa rigidez da mão-de-obra escrava significa que "a
quantidade de trabalho de um plantel permanece inalterada apesar das
variações da quantidade de trabalho exigida pelas diferentes fases
estacionais ou conjunturais da produção" (GORENDER, J. 1988:210).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 67

do Engenho representava uma


necessidade estrutural. Não
existindo uma lavoura
alimentar bem desenvolvida
fora do Engenho, suprir as
necessidades básicas dos
escravos com mantimentos
comprados num mercado
interno incipiente ou no
mercado externo, significava
monetarizar a reprodução da
força-de-trabalho escrava e
fazê-la a altos custos"
(CABRAL, 1987:27/28).

Em outras palavras, através da


produção de alimentos, os senhores de Engenho
transferiam para os escravos os custos de sua
reprodução.

(...) "Tão importante quanto


esta questão, está o outro
elemento citado: num contexto
de abundância de terras,
adquirir mantimentos num
mercado ainda não organizado,
a altos preços, significava
comprometer
irremediavelmente parte
considerável do lucro do
Engenho" (CABRAL,
1987:27/28).

67
68 Emília Moreira e Ivan Targino

Posteriormente, com o advento do


morador, a produção de alimentos passou
também a ser realizada por este e suas famílias,
nos sítios que lhes eram cedidos pelos senhores
de Engenho. Ela era praticada ainda nas terras
dos lavradores situadas fora dos limites dos
Engenhos.
A expansão ou a contração da
pequena produção alimentar nos Engenhos
achava-se intrinsecamente relacionadas aos
momentos de expansão ou de retração da
atividade canavieira. Assim, nos momentos de
apogeu da atividade, reduzia-se a produção
alimentar uma vez que se exigia que todos os
esforços fossem dirigidos à monocultura, em
detrimento da "lavoura branca".

"A carência de alimentos era


um dos graves problemas
estruturais criado não pela
falta de terra para as lavouras
de subsistência, que podiam
ser cultivadas nos solos
rejeitados pela cultura
imperialista, mas pela própria
monocultura da cana-de-
açúcar, pelo próprio produto
comercial que monopolizava
toda a força-de-trabalho e não
podia liberar braços para
outras atividades. A deficiência
alimentar, que era uma
constante na zona do açúcar,
agravava-se e às vezes
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 69

assumia aspectos alarmantes


nos períodos de seca, cujos
efeitos também se projetavam
nas áreas úmidas da Província"
(AQUINO, 1993:136).
No que se refere à formação da
pequena propriedade camponesa, embora os
historiadores admitam que a propriedade
latifundiária escravista, nos moldes em que foi
desenvolvida no Nordeste, não possibilitava a
expansão em grande escala da posse da terra,
fazem menção à ocupação de terras devolutas
por intrusos e posseiros à retaguarda dos
Engenhos, considerando essas ocupações como
precursoras da pequena propriedade camponesa
no Litoral. O sistema de lavrador estaria também
na base da formação da pequena propriedade na
região.
A pequena produção e a pequena
propriedade camponesa teriam nascido, assim,
nos interstícios10 da grande propriedade
monocultora, ou seja, nas "brechas" do sistema
canavieiro e a ele subordinada.

2.2.2. Os Engenhos Centrais: uma


experiência efêmera

A crise de acumulação que atingiu a


atividade açucareira nordestina na segunda
10Interstício aqui deve ser entendido como sugere Bassanezi, não somente
entre um latifúndio e outro, mas também nos limites da propriedade. Cf.
BASSANEZI, Inês. Estilos de Vida das pequenas produtoras rurais: a
mulher do sítio e a mulher da roça. João Pessoa, Dissertação de
Mestrado em Serviço Social, UFPb, 1994, p. 24.
69
70 Emília Moreira e Ivan Targino

metade do século XVII, aprofundou-se e alongou-


se por todo o século XVIII. Contribuiu, para isso, a
conjuntura econômica interna, centrada na
produção aurífera, a concorrência com o algodão
que chegou a ser produzido em plena zona
canavieira e a dependência que a Paraíba tinha
em relação ao mercado de Pernambuco. 11
A partir de 1750, algumas medidas
foram tomadas para soerguer a atividade.
Destaca-se entre outras, a isenção de execução
sumária dos senhores de Engenho que eram
devedores coloniais e a criação da Companhia
Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba. A
ela cabia realizar investimentos de capital no
setor, expandir o crédito, restaurar e fundar
Engenhos.
Por outro lado, como foi demonstrado
anteriormente, modificações foram sendo
introduzidas na organização interna do sistema,
mais especificamente nas relações de trabalho,
visando garantir sua sobrevivência.
Não obstante as isenções, os
incentivos recebidos e as mudanças introduzidas
nas relações de trabalho, só nos fins do século
XVIII é que a atividade canavieira irá apresentar
mostras de reaquecimento. Isto, em decorrência
da revalorização do açúcar no mercado externo,
graças à desarticulação das regiões produtoras,
sobretudo, das Antilhas.
Essa fase, porém, é estancada na
segunda metade do século XIX em conseqüência,
11No que respeita à dependência do comércio de açúcar paraibano em
relação à praça de Recife, leia-se, entre outros, ANDRADE, Gilberto Osório.
Os rios de açúcar do Nordeste Oriental --o rio Paraíba do Norte.
Recife, IJNPS, 1959.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 71

de um lado, da crise do fim da escravidão e, de


outro, pela competição desigual do nosso produto
com o açúcar de beterraba produzido na Europa,
com tecnologia e rendimento muito superiores
aos nossos. Isto sem falar na concorrência com
áreas produtoras de açúcar de cana como Cuba e
Java.
Na verdade, a tecnologia de produção
do açúcar, na Paraíba, não havia até o início do
século XIX sofrido grande evolução. No que tange
ao cultivo do solo, até o final do citado século
pequenas foram as alterações observadas, além
da prática do alqueive, 12 da introdução do arado 13
e de novas variedades de cana. A prática da
adubação também não era utilizada. No setor
industrial, os Engenhos movidos a tração animal e
os Engenhos d'água só começaram a ser
substituídos pelo Engenho a vapor nas últimas
décadas do século passado quando, segundo
Manoel Correia, "a cal passou a substituir a
potassa, as fôrmas de barros cederam lugar as
fôrmas de madeira e metal, generalizou-se o uso
do bagaço como combustível a partir de
modificações efetuadas nas fornalhas e os
tambores das moendas que eram colocadas em
posição vertical, passaram a ser postos em
posição horizontal" (ANDRADE,1986:81).

12O alqueive, largamente utilizado na Europa durante a Idade Média,


consistia em deixar a terra cansada, durante certo tempo, em pousio.
13Segundo Irineu Pinto, foi o Presidente da Província, Dr. Antonio Coelho Sá
de Albuquerque quem mandou buscar em Pernambuco os primeiros arados
de ferro para serem utilizados em alguns Engenhos da Paraíba (PINTO,
1977:209).
71
72 Emília Moreira e Ivan Targino

As bases técnicas da produção açucareira


paraibana durante o século XIX são assim
descritas por Aquino:

"Na Paraíba, durante quase


todo século XIX, nenhum
melhoramento substancial foi
introduzido nos seus engenhos
de açúcar, quer no setor
agrícola, quer no industrial. Um
relatório do Governador
Fernando Delgado Freire de
Castilho, datado de 1798, bem
demonstra o estado em que
iria iniciar o próximo século a
agro-indústria açucareira
paraibana. O uso do arado era
incipiente e se restringia às
terras de várzeas, ‘pois que
todas as outras são tão cheias
de matos e raízes de árvores
que é inútil nelas uma
semelhante tentativa’; os
terrenos eram roçados a foice
e ‘depois de secos os matos
assim roçados, queimam-se de
sorte que fica o terreno livre e
desembaraçado para a
plantação’. A precariedade da
parte industrial também
ressalta no documento: as
moendas, movidas por cavalos
ou bois, eram de madeira,
apenas revestidas de ferro e as
canas necessitavam serem
passadas de seis a oito vezes,
podendo-se imaginar o
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 73

desperdício provocado por tal


tipo de equipamento; o bagaço
da cana não era utilizado nas
fornalhas, que gastavam um
carro de lenha para cada pão
de açúcar produzido; o açúcar
era clarificado com barro,
através de um processo
bastante complicado e os
mestres de açúcar eram de
baixa qualificação. Quanto à
produção, o Engenho que mói
com bestas faz 8 a 12 pães por
24 horas (...)" (AQUINO,
1993:133).

As mudanças tecnológicas
introduzidas tanto na atividade agrícola como na
industrial, culminando com o próprio advento do
Engenho a vapor, foram incapazes de evitar a
persistência da crise que assolou o sistema
açucareiro. Para garantir a sobrevivência do setor
face a esta nova crise, o poder público
estabeleceu, no último quartel do século XIX,
incentivos econômicos e financeiros para a sua
reorganização. Primeiramente, através da
garantia de juros, tentou estimular a canalização
de capitais para as unidades fabris que não
abrangiam a parte agrícola ou de produção de
cana (MELO, 1975).
O Engenho Central correspondia a
uma unidade produtora de açúcar cuja atividade
limitava-se ao setor fabril (setor de
transformação) não abrangendo, portanto, a
atividade de produção agrícola. Sua criação
fundamentou-se na idéia de que os problemas do
setor achavam-se concentrados na etapa de
73
74 Emília Moreira e Ivan Targino

industrialização do produto. Desse modo, era


para a mesma que deveriam convergir a maior
parte dos investimentos. Ao separar as duas
atividades, tentava-se preservar o regime de
propriedade das terras e modernizar a fabricação
do açúcar. Em outros termos, com os Engenhos
Centrais, ao mesmo tempo em que se preservava
a estrutura fundiária tradicional, introduzia-se
modificações econômicas importantes, relativas
ao aumento da produtividade e da rentabilidade,
bem como propiciava-se a concentração da
atividade fabril nas mãos de um número
relativamente pequeno de grandes produtores. A
atividade agrícola permaneceria nas mãos dos
senhores de Engenho e dos lavradores de cana 14.
Esse modelo de organização industrial
fundado na garantia de juros foi um completo
fracasso. Isso por uma série de razões. Dentre
elas citam-se: a) a resistência dos senhores de
Engenho em aderir ao projeto pelo risco que
corriam de transformarem-se em meros
fornecedores de cana, o que significaria a perda
do prestígio e do poder político e econômico que
detinham; b) a má utilização do dinheiro público
por parte dos concessionários dos subsídios; c) a
irregularidade do fornecimento da cana; d) a falta
de controle de preços do açúcar, entre outros. 15
Na Paraíba, a primeira e única
concessão para a implantação de Engenho
Central data de 11 de março de 1880. Nessa
época, essa forma de organização agrária já caíra
14Entre as várias obras que tratam da evolução da atividade canavieira e
abordam a questão dos Engenhos Centrais destacamos O açúcar e o
homem de Mário Lacerda de Melo.
15A obra Nordeste, açúcar e poder de Martha Santana aborda com muita
propriedade essa questão.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 75

em descrédito. O Engenho Central aqui criado


localizou-se em terras pertencentes ao antigo
Engenho São João, no município de Santa Rita, e
recebeu a denominação de Engenho Central São
João. Ele foi inaugurado em 1888 pela Companhia
de Engenhos Centrais, de capital holandês,
passou posteriormente à Companhia Geral de
Melhoramentos do Rio de Janeiro e deste à
Companhia Açucareira da Paraíba. Antes mesmo
da sua inauguração, o Engenho Central São João
enfrentou difuldades, como ressalta Santana:

"O governo imperial, por


decreto nº. 9.640, de 11 de
setembro de 1886, rescindiu
por 8 meses a garantia de
juros à Companhia de
Engenhos Centrais das
Províncias da Parahyba e
Sergipe (que tinha sede no Rio
de Janeiro) por não haver
concluído as obras da fábrica
dentro do prazo determinado e
fixou o prazo de 8 meses para
a conclusão de seus trabalhos,
sob pena de caducidade, o que
obrigou a empresa a levantar
empréstimos na praça de
Amsterdã" (1990:196).

Esse prazo foi elastecido por duas


vezes: por mais um ano e, posteriormente, até 31
de agosto de 1888.
75
76 Emília Moreira e Ivan Targino

Depois de inaugurado, outros


problemas surgiram, tais como: a) suprimento de
cana insuficiente para atender à capacidade
produtiva da fábrica; isto se deve, de um lado, ao
fato dos proprietários de Engenho continuarem
produzindo açúcar, e de outro, aos pequenos
Engenhos e plantadores livres dividirem o
fornecimento da cana por eles produzida entre os
Engenhos tradicionais e o Engenho Central; b)
relação difícil entre os plantadores livres e a
Companhia concessionária; c) resistência dos
senhores de Engenho em aderir ao projeto, etc.
Embora o Estado tenha intervido no
sentido de beneficiar as oligarquias açucareiras
do Nordeste, ainda no final do Império, criando
novas normas com relação às centrais e liberando
o restante dos recursos para seu financiamento,
sendo a Paraíba contemplada com 450:000$00, a
inoperosidade do Engenho Central São João fez
dele mais um empreendimento fracassado e um
investimento perdido (SANTANA, 1990). Com o
insucesso dos Engenhos Centrais, o Estado
investiu vigorosamente no financiamento das
Usinas de Açúcar.

2.3. As Usinas de açúcar

“Só os banguês que ainda


purgam ainda
o açúcar bruto, com barro, de
mistura;
a usina já não o purga: da
infância
não de depois de adulto, ela o
educa;
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 77

em enfermarias, com vácuos e


turbinas, em mãos de metal de
gente indústria,
a usina o leva a sublimar em
cristal
o pardo xarope: não o purga,
cura.

Versos do poema “Psicanálise do Amor” de João


Cabral de Melo Neto

A Usina é um estabelecimento voltado


para a produção de açúcar. Trata-se de uma
empresa fabril que exerce também a atividade
agrícola. Ela surgiu apoiada pelo poder público,
não constituindo, portanto, um resultado
espontâneo do dinamismo do setor açucareiro,
mas uma das várias formas por ele encontrada
para garantir sua sobrevivência.

O impulso inicial dado pelo poder


público para a implantação das primeiras Usinas
foi vigoroso. Algumas Usinas foram isentas dos
impostos estaduais por períodos que variavam de
5 a 15 anos a partir do seu funcionamento
(Usinas Espírito Santo, Mamanguape e Bonfim);
outras tiveram abatimento no imposto de
transmissão por compra, o que facilitou o
processo de concentração (Usinas São João e
Santana). Apesar do apoio governamental, o
processo de substituição dos Engenhos pelas
novas fábricas foi lento e desigual, só vindo a
completar-se em meados deste século.

77
78 Emília Moreira e Ivan Targino

Durante a primeira metade do século


XX, assiste-se à resistência dos senhores de
Engenho ao novo grupo emergente, os usineiros.
A resistência dos bangüês à
dominação das Usinas é fato inconteste.

"Com menores capitais,


técnicas mais atrasadas, baixa
produtividade e pondo no
comércio um produto de
qualidade inferior, o bangüê
resistiu como pode ao surto
usineiro, voltado que estava
para o mercado consumidor
regional. A reação do bangüê
fez-se com tal energia que
apesar de sua fraqueza
econômica e das vantagens
conseguidas pelos usineiros
perante as instituições
governamentais, conseguiu
sobreviver por ainda várias
décadas até desaparecer
totalmente" (ANDRADE, 1986:95).

As primeiras Usinas paraibanas


surgiram no Baixo Paraíba. A mais antiga é a
Usina Santa Rita, fundada em 1910 por
Arquimedes C. de Oliveira com o nome de Usina
Cumbe. Localizada no município de Santa Rita,
ela foi adquirida em 1922 por Flávio Ribeiro
Coutinho, responsável também pela mudança do
seu nome. A Usina Bonfim, localizada em Sapé,
surgiu em 1917 e pertencia a Gentil Lins.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 79

Posteriormente ela foi anexada à Usina São


Gonçalo ou Nossa Senhora do Patrocínio, situada
em Cruz do Espírito Santo, que pertencia a José
Galvão de Mello, e à Usina Espírito Santo,
pertencente a Adalberto Ribeiro.
Essas Usinas foram compradas por
Renato Ribeiro Coutinho e fundidas para dar
origem a Usina Santa Helena.
A Usina São João, situada também em
Santa Rita, surgiu como Engenho Central em
1888, tendo sido comprada em 1914 pelos
herdeiros de João Úrsulo Ribeiro Coutinho e
transformado em Usina.
A Usina Santana, no mesmo
município, foi fundada com o nome de Usina
Pedroza, em 1922, por Manoel Sebastião de
Araújo Pedroza, tendo passado em 1925 para as
mãos de Flaviano Ribeiro Coutinho (v. quadro I).

Esse processo de transferência de


titularidade, registrado na Paraíba, ocorreu
também nas demais regiões açucareiras dos
estados nordestinos, conforme ressalta Manoel
Correia de Andrade:

"(...) raros foram os fundadores


de Usinas que se mantiveram
como proprietários das
mesmas. A maioria, sem dispor
de capital, endividou-se e teve
de se desfazer da Usina passando
a indústria a terceiros"
(ANDRADE, 1986:92).

79
80 Emília Moreira e Ivan Targino

No caso da Paraíba, esse processo de


transferência de titularidade teve por
conseqüência a concentração de quase todas as
terras das Usinas situadas no Litoral, nas mãos de
uma única família: a família Ribeiro Coutinho. Só
a Usina Monte Alegre não pertenceu a essa
família, que foi a maior beneficiada com os
incentivos governamentais dirigidos para o setor.
E é ela quem irá, durante longos anos, deter o
poder político e econômico regional dando origem
a uma das mais fortes oligarquias rurais do
Estado, também conhecida como "Grupo da
Várzea"16.
Em 1924, a queda do preço do açúcar
no mercado internacional lançou mais uma vez o
setor açucareiro numa crise profunda.
Localmente, isso foi reforçado pela enchente do
rio Paraíba, que arruinou casas e plantações. A
crise só veio agravar a situação dos pequenos e
médios produtores, cujas propriedades foram em
grande parte absorvidas pelas Usinas. Muitos
senhores de Engenho, sobretudo os da várzea do
Paraíba, tiveram suas dívidas executadas
judicialmente pelos usineiros.

"Outros, ligados por laços


antigos de dependência e
clientelismo, resolveram fazer
acordos por preços irrisórios de
seus Engenhos na venda aos
usineiros, mediante a condição
de ocuparem postos de
gerência nas empresas
16A família Veloso Borges também fazia parte do “Grupo da Várzea”.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 81

açucareiras ou empregos para


eles e seus familiares no
serviço público" (SANTANA,
1990: 135).

Consta no Registro de Imóveis de


Santa Rita, que entre 1926/27 e 1930/45 vários
Engenhos foram adquiridos pelos proprietários
das Usinas Santa Rita (Flávio Ribeiro Coutinho) e
São João (João Úrsulo e Renato Ribeiro Coutinho)
(SANTANA, 1990:135). Esse fato só reforça a tese
de que a crise da economia açucareira tem,
historicamente, contribuído num movimento até
certo ponto contraditório, para acentuar a
concentração da propriedade da terra, da renda e
do poder, fortalecendo assim a oligarquia
açucareira tradicional e ampliando o seu poder de
barganha junto à máquina estatal.

No final dos anos 60, existiam no


Litoral da Paraíba cinco Usinas de Açúcar
funcionando: Santa Rita, São João e Santana, no
município de Santa Rita; Santa Helena, em Sapé e
Monte Alegre, em Mamanguape (v. mapa da
distribuição das Usinas e Destilarias in:
MOREIRA,1996). Apenas esta última não
pertencia à família Ribeiro Coutinho. Elas
comandavam a organização econômica do espaço
agrário regional.

O cultivo da cana, porém, limitava-se


às várzeas de solos aluviais e a algumas encostas
dos tabuleiros. Estes, por apresentarem
condições edáficas desfavoráveis (solos pobres e
81
82 Emília Moreira e Ivan Targino

arenosos) eram utilizados com lavoura de


subsistência e coco-da-baía, ou eram ocupados
pela vegetação natural de floresta e cerrado,
constituindo até o fim dos anos 60 um limite
ecológico à expansão da cana.

2.2.3.1. A propriedade da terra, a


organização da produção e
do trabalho com a Usina

A instalação e a expansão das Usinas


foram responsáveis por profundas modificações
na organização da produção e do trabalho com
fortes repercussões na organização do espaço
litorâneo da Paraíba. De um lado, elas
representaram um progresso técnico para o setor
açucareiro, permitindo mudanças qualitativas no
produto final, com a transformação do açúcar
mascavo em açúcar centrifugado. De outro,
contribuíram para a intensificação da
concentração da propriedade da terra e da
produção. Algumas poucas Usinas substituíram
centenas de Engenhos.

"A Usina era, assim, um


autêntico D. João de terras,
estando sempre disposta a
estender seus trilhos, como
verdadeiros tentáculos, pelas
áreas onde pudesse obter cada
vez mais canas. Esta fome de
terras iria dar origem ao
agravamento do latifúndio que
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 83

desde a colonização aflige o


Nordeste” (ANDRADE,1986:94).

Sobre a concentração fundiária


promovida pela Usina, diz Mário Lacerda de Melo:

"Em uma primeira fase, esse


processo de concentração da
propriedade fundiária
compreendia sobretudo terras
de velhos bangüês que iam
ficando de fogo morto e
tributários das usinas. Em uma
segunda fase, abrangia
predominantemente Engenhos
já fornecedores de cana, mas
ainda em mãos dos seus
antigos proprietários" (MELO,
1975:56).
A expansão das Usinas promoveu
também mudanças significativas nas relações de
trabalho. Estas se manifestam através:
a) da retração de formas tradicionais
de trabalho. Em um primeiro momento, a Usina
consolida o sistema morador, que era o grande
fornecedor de mão-de-obra para a lavoura
canavieira. No entanto, à medida em que ela se
fortalece e se expande, começa a disputar as
terras que estavam cedidas aos moradores, aos
foreiros e aos lavradores. No bojo deste processo
estão presentes a expulsão dos moradores e a
eliminação da categoria de lavradores. Parcela
dessa população expulsa e expropriada converte-
83
84 Emília Moreira e Ivan Targino

se em trabalhadores assalariados da cana. É


importante destacar que este processo se deu de
modo muito lento. Tanto é que, no final dos anos
50 e início dos anos 60, várias décadas após a
instalação das primeiras Usinas, o sistema de
morada ainda vigorava com grande força na Zona
da Mata, preservando sua característica secular
de exploração: o cambão. Pode-se assim entender
o porquê da eclosão das Ligas Camponesas nessa
região, que teve por bandeira inicial de luta a
extinção do cambão e a defesa dos sítios,
ampliando-se para a defesa da reforma agrária,
em plena vigência da Usina. Na Paraíba, os
municípios de Sapé e Mari distinguiram-se como
aqueles onde o movimento das Ligas foi mais
expressivo. Todavia, da mesma forma que a
reação indígena e escrava contra a exploração do
trabalho e pelo direito à liberdade e a um pedaço
de chão, a luta dos cambãozeiros contra o
pagamento da renda-trabalho e por uma
distribuição mais justa da terra foi também objeto
de repressão e da violência por parte dos que se
dizem "donos da terra". Mais uma vez o preço da
luta por justiça social e por um taco de chão é
paga com a vida. Relembramos aqui João Pedro
Teixeira e o "Nego Fuba", cujo sangue na terra se
uniu ao dos negros e índios do período colonial,
todos heróis esquecidos nos livros de história
oficial (v. mapa da violência no campo in:
MOREIRA,1996).
b) da expansão do assalariamento.
Com o sistema Usina, avança o processo de
monetarização das relações de trabalho via
assalariamento da força-de-trabalho. Este
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 85

processo se dá pari passu com o da


eliminação/transformação das relações de
morada, lembrado no item anterior.
c) do surgimento da figura do
fornecedor de cana. A dominação da Usina sobre
o Engenho fez surgir essa figura na paisagem
açucareira nordestina. É o senhor de Engenho
que, perdendo o controle do processo de
produção industrial do açúcar, restringirá sua
atividade à produção da matéria-prima para
fornecer à Usina, vinculando-se a esta econômica
e juridicamente. Nem todos os fornecedores,
porém, são ex-senhores de Engenho,
proprietários da terra que cultivam. Alguns são
arrendatários da Usina ou de outros proprietários;
d) da intensificação da sazonalidade
do emprego, pela introdução do uso de
fertilizantes químicos e do aumento da
mecanização;
e) da substituição do senhor de
Engenho pelo usineiro, figura social
completamente diferente daquela.

" Sem ligação com o campo, ao


contrário do Senhor de
Engenho, o usineiro é um
homem da cidade, industrial
como qualquer outro tipo de
empreendedor e capitão de
indústria que apenas vê na
lavoura a produção de matéria-
prima indispensável às suas

85
86 Emília Moreira e Ivan Targino

fábricas e marca com uma


intensidade sem igual, a
irrupção e a influência da
cultura urbana sobre o campo
de que se serve, pela
exploração, mas a que não se
liga pela sua mentalidade e
pelos seus hábitos de vida
política no Brasil" (AZEVEDO,
1948:58).

O advento do sistema Usina e a sua


posterior consolidação trouxeram mudanças
substanciais tanto na base técnica quanto nas
relações sociais, implicando em transformações
significativas na organização e estruturação do
espaço agrário litorâneo. Tais transformações irão
ser aprofundadas com o advento do Proalcool,
como será analisado no próximo capítulo.
Quer em crescimento, quer em crise,
a exploração da cana-de-açúcar comandou o
processo de organização do espaço da porção
oriental do Estado da Paraíba. Toda dinâmica
espacial aí processada, desde o início da
colonização, foi plasmada segundo os ditames
dos interesses do capital mercantil açucareiro. No
entanto, como será visto a seguir, a influência da
cana-de-açúcar se estendeu também às demais
áreas do Estado. À dinâmica da atividade
canavieira estiveram associadas, direta ou
indiretamente, a ocupação do Sertão e a do
Agreste paraibanos. O desenvolvimento da
grande exploração canavieira na Zona da Mata foi
responsável pelo surgimento e expansão de uma
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 87

atividade econômica que se estendeu em direção


ao interior e se difundiu povoando o Sertão da
Paraíba: a criação de gado. Embora o criatório
tenha surgido como uma atividade complementar
à da cana-de-açúcar e tenha mantido relações
estreitas com ela, não se pode reduzi-lo, ao longo
do seu desenvolvimento, a um mero apêndice da
casa-grande.
2.3. O Sertão pecuarista cotonicultor

Inicialmente, o gado era criado em


currais no interior dos Engenhos do Litoral. Ele
destinava-se quase que integralmente ao
atendimento das necessidades de trabalho. Os
animais de "tiro" eram utilizados para transportar
açúcar, lenha e a cana do eito para o picadeiro.
Amarrados a carroças de madeira em pares de
dois ou quatro, deram origem aos tradicionais
"carros de boi". Serviam ainda como "animais de
tração" para mover os trapiches.
Neste sentido Guimarães afirma que:

"Os currais eram, inicialmente,


uma simples dependência dos
Engenhos, destinada a supri-
los do gado necessário a todos,
para os serviços de transporte
em "carros com dobradas
equipações de bois" ou para o
acionamento dos trapiches,
Engenhos cujas moendas
precisavam de pelo menos
sessenta animais, empregados
revesadamente em grupos de
87
88 Emília Moreira e Ivan Targino

mais ou menos doze de cada


vez. O gado, então, prestava-
se quase exclusivamente como
fonte de energia, como animal
de trabalho” (GUIMARÃES,
1968:66/7).

Guimarães chama ainda a atenção


para a importância da criação de gado dentro dos
Engenhos. Ele ressalta que nessas unidades de
produção o gado tornou-se "um escravo tão
disputado quanto o negro e cujas reservas
deveriam ser tão abundantes quanto as dos
produtores humanos” (GUIMARÃES, 1968:67). No
mesmo sentido destaca Roberto Simonsen,

"a indústria do açúcar era


importante consumidora de
gado. Os trapiches e Engenhos
movidos por bois faziam
grande desgaste; as carretas
para lenha e para o açúcar
exigiam um número
considerável de cabeças, em
porção, talvez, igual ao da
escravatura
ocupada"(SIMONSEN,
1978:151).

2.3.1. Cana e curral: uma


separação necessária

O crescimento da procura de animais


de tiro em função da expansão da atividade
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 89

açucareira, o paulatino aumento do consumo de


carne nos Engenhos e centros urbanos em
emergência e os conflitos entre criadores e
lavradores foram responsáveis pela separação
das atividades canavieira e pecuária. A
penetração do gado para o interior, segundo
Guimarães, não se deu

(...)"sem antes haver


provocado repetidos conflitos
entre criadores e lavradores.
Estes, pela necessidade de
defender suas plantações,
nunca cessaram seus esforços
no sentido de empurrar para
longe do Litoral os rebanhos
em proliferação, até que uma
Carta Régia no alvorecer do
século XVIII fixou a área de
criação a mais de 10 léguas da
costa" (GUIMARÃES,1968:67).

Essa separação pode ser observada


através do deslocamento do curral para fora do
Engenho (o que implicou no fim da convivência
entre eito e curral) e do surgimento da fazenda
sertaneja. Esta iria imprimir na paisagem e na
história regional do Estado uma dinâmica
particular e distinta daquela dos Engenhos do
Litoral.

"Quando (...) a Carta Régia de


1701 veio delimitar legalmente
89
90 Emília Moreira e Ivan Targino

as fronteiras da grande
criação, a intensa demanda de
animais de trabalho, o
paulatino aumento do
consumo da carne e,
principalmente, o
aparecimento do couro vacum
já teriam impulsionado
definitivamente a expansão da
pecuária, sua separação da
agricultura, seu afastamento
cada vez maior de faixa
litorânea"(GUIMARÃES,
1968:67).17

A motivação econômica da ocupação


do Sertão foi, portanto, a pecuária bovina. A
penetração dos currais ganha assim um relevo
especial na conformação do território estadual.
Autores como Guimarães e Caio Prado atribuem a
essa penetração um peso importante na
concretização da conquista do interior do Brasil.

"Só com a agricultura a


colonização não teria
penetrado o interior; e é por
isso que até o século XVII os
portugueses continuavam a
‘arranhar o Litoral como
caranguejos’. São a mineração
e a pecuária que tornaram
17A esse respeito leia-se também GALLIZA, Diana. “As economias açucareira
e criatória no Nordeste à época colonial”. In: Revista do IHGP, 24, João
Pessoa, 1986.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 91

possível e provocaram o
avanço; a primeira por motivos
óbvios: o valor considerável do
ouro e dos diamantes, em
pequenos volumes e peso,
anulam o problema do
transporte. A segunda, para
empregar a pitoresca fórmula
do mesmo autor que acabei de
citar acima (Roteiro do
Maranhão, p.107) ‘porque os
gados não necessitam de
quem os carregue, eles são os
que sentem nas longas
marchas todo o peso dos seus
corpos’..." (PRADO apud
GUIMARÃES, 1968:68).

2.3.2. A organização da produção


e do trabalho nas fazendas

A penetração do criatório para o


interior deu-se através dos chamados "caminhos
do gado". Estes caminhos ou trilhas
acompanhavam o percurso dos rios que
adentravam para o interior. Na Paraíba, pode-se
identificar duas vias principais de penetração.
A primeira via de penetração para o
interior tomou a direção leste-oeste. Com efeito,
o caminho de adentramento inicial foi o rio
Paraíba. Ao longo de suas margens, foram
instalados currais e fazendas de gado, dando
origem a vários núcleos populacionais como Pilar,
São Miguel, Itabaiana, Mogeiro, etc. A segunda
91
92 Emília Moreira e Ivan Targino

seguiu a direção sul-norte. Partindo da Bahia,


principal centro de irradiação da pecuária em
direção ao norte, o gado seguiu o curso do rio São
Francisco, atingiu Pernambuco e posteriormente a
Paraíba. Essa constituiu-se na principal corrente
de povoamento da zona sertaneja. A Casa da
Torre, no final do século XVII, era a grande
“sesmeira do Vale do Piancó, Piranhas de Cima e
Rio do Peixe. Só nas ribeiras desses rios, as
propriedades de Dias D’Ávila ascendiam a vinte e
oito” (MELO, 1994:69). Em virtude das restritas
condições naturais da região sertaneja, os cursos
dos rios eram não só vias de penetração, mas,
principalmente, condições de sobrevivência.

"Os rios constituíam as


principais vias de penetração
no Sertão paraibano. A
facilidade de circulação e a
disponibilidade de água
condicionaram a ocupação das
margens fluviais e produziram
o ‘povoamento de ribeira’, isto
é, a instalação de grandes
fazendas de gado ao longo dos
rios” (MOREIRA, 1990:10).

Na história da ocupação do Sertão,


assume lugar de destaque a figura do capitão-
mor Teodósio de Oliveira Ledo, no final do século
XVII e início do século XVIII. Em carta régia de 28
de novembro de 1710 a sua ação é louvada. A
sua família “chegou a possuir mais de cinqüenta
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 93

léguas de terra no interior da Paraíba” (MELO,


1994:75-76).
A ocupação do território sertanejo se
deu de modo violento, sendo registradas
passagens de crueldade, como se pode
depreender da carta régia de 16 de setembro de
1699.

“Havendo visto a carta que me


destes do bom sucesso que se
teve na Campanha com os
índios nossos inimigos nos
certões do districto das
Piranhas e Pinhancó em que o
Capitão mór Theodosio de
Oliveira Ledo se tinha havido
com muito valor e desposição
e trazido concigo hua nação de
Tapuyas chamadas Arius, que
estavão aldeados junto aos
Cariris onde chamam a
Campina Grande que queriam
viver com meus vassallos e
reduziremse a nossa Santa Fé.
Me pareceu estranhar mui
severamente o que obrou
Theodosio de Oliveira Ledo em
matar a sangue frio muitos dos
índios que tomou na guerra
(...)” (apud PINTO, 1977:93).

Quer se apropriando de terras


incultas, quer arrebatando-as, pela luta, aos
índios, o branco colonizador foi espalhando
93
94 Emília Moreira e Ivan Targino

currais pelo interior do Sertão. Assim, segundo


Joffily, a ribeira do Piancó contava no final do
século XVIII com setenta e sete fazendas, a do
Espinharas, com cinqüenta e nove, a do Sabugi,
com setenta e oito, a Ribeira do Patu com cento e
vinte e sete núcleos de criação (JOFFILY,
1976:318-324). Muitas dessas fazendas, com
edificação de uma capela, deram origem a várias
cidades, como lembra Melo:

“Se a de Nossa Senhora do


Rosário representou, entre
1701 e 1721, no arraial do
Piranhas, embrião da futura
vila e cidade de Pombal, as
capelas de Cabaceiras, em
1730, Jardim do Rio do Peixe
(Souza), em 1732, Piancó, em
1748, Patos, em 1772, Catolé
do Rocha e Santa Luzia, em
1773 e Monteiro, em 1800,
significaram o elemento
gerador dessas cidades”
(MELO, 1944:75).

Se no Litoral o Engenho foi a unidade


fundamental da organização social, econômica e
cultural, na região semi-árida foi a fazenda que
desempenhou tal função. Ela surge, no dizer de
Guimarães, como “um segundo domínio
latifundiário” (GUIMARÃES, 1968:62) com
características próprias que a diferenciam do
Engenho. Dentre as características que lhe
conferem identidade, pode-se distinguir:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 95

a) instalação de grandes domínios


latifundiários com baixa densidade populacional e
econômica. Em função da pobreza da pastagem
natural da caatinga, da existência de um regime
pluviométrico irregular, com uma estação seca
muito prolongada e da utilização de técnicas
rudimentares de criação, muitos hectares eram
necessários para alimentar uma rês. Estes fatos,
associados à grande disponibilidade de terras
(considerando-se que a terra do índio, do ponto
de vista do colonizador, era terra disponível
porque passível de ser conquistada e apropriada)
contribuíram para que a organização da atividade
pecuária no Sertão se desenvolvesse em grandes
propriedades: a fazenda;
b) baixo nível de capitalização: era
muito baixo o nível de investimento exigido para
a implantação de uma fazenda. Era suficiente
construir uma casa e preparar os currais para
ocupar 18 quilômetros de terra (PRADO,
1958:45). Uma vez instalada, a fazenda se
expandia pelo crescimento vegetativo da
população animal;
c) organização do trabalho
combinando trabalho livre e escravo. O criatório
se desenvolveu com base num sistema ultra-
extensivo, com o gado criado solto em áreas
muito amplas. Assim, era impossível ao
proprietário ou ao seu preposto, controlar
diretamente a produção, o que é apontado como
um elemento inibidor do predomínio do trabalho
escravo no Sertão. Além disso, o criatório não
exigia uma mão-de-obra numerosa. Poucos
trabalhadores eram suficientes para fazer
95
96 Emília Moreira e Ivan Targino

funcionar uma grande fazenda. Daí a importância


do trabalho livre na organização das fazendas.
Com a expansão do algodão a partir do final do
século XVIII, o trabalho escravo ganhará maior
expressão, mas sem atingir a importância
alcançada na zona canavieira. Por outro lado, o
nível de remuneração e de exploração dos
trabalhadores livres e escravos constituía um
outro elemento de diferenciação entre o Engenho
e a fazenda. Neste sentido Guimarães afirma:

"Os vaqueiros e fábricas são


trabalhadores socialmente
mais independentes,
economicamente melhor
retribuídos, em comparação
com a extrema miséria dos
demais trabalhadores ‘livres’ e
escravos dos Engenhos"
(GUIMARÃES, 1968:70).

d) a atividade pecuária praticada nas


fazendas não só permitiu o acesso à exploração
mas também à propriedade da terra aos homens
pobres livres. Contribuiu para isto o sistema
utilizado para o pagamento do vaqueiro. Este,
responsável pela administração das fazendas, era
pago com um quarto da produção da
propriedade. Esta forma de pagamento só era
efetuada após quatro ou cinco anos de trabalho.
O vaqueiro recebia então, de uma só vez, um
certo número de animais, suficiente para permitir
sua instalação por conta própria em terras que
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 97

ele comprava, arrendava ou, simplesmente, se


apossava.

"Entre fazendeiros de gado,


desde os primeiros tempos,
predominavam os proprietários
de extensões intermináveis de
terras, que eles mesmos não
poderiam controlar. A
propriedade pecuária, deste
modo, seria forçada a
subdividir sua exploração,
dando lugar, antes de qualquer
outro tipo de latifúndio, ao
aparecimento do arrendatário.
Apesar de manter muitos
pontos de contato com o
Engenho, (...) a fazenda
adotava um sistema de
arrendamento mais próximo da
renda agrária capitalista. Com
isso, e inevitavelmente, o
modo de produção da pecuária
permitia o acesso à exploração
e mais tarde o acesso à
propriedade, de homens de
menores posses. Nesse
sentido, a fazenda se opunha
ao Engenho como força
desagregadora dos privilégios
absolutos da nobreza
territorial" (GUIMARÃES,
1968:69).

97
98 Emília Moreira e Ivan Targino

e) relações com o mercado. Como


toda atividade colonial, o desenvolvimento da
pecuária manteve ligações com o comércio
metropolitano, quer de forma direta, pela
exportação de couro, quer de forma indireta
através das ligações com a exploração canavieira.
No entanto, a dependência em relação ao
mercado externo foi bem menor do que a
experimentada pela cultura da cana. Desse modo,
entende-se porque as crises externas não
implicaram em regressão do sistema criatório tal
como ocorria com o sistema açucareiro. A forma
de organização da produção e as ligações com o
mercado interno garantiam essa menor
vulnerabilidade da fazenda face à exploração
colonial. Esse caráter é ressaltado por Furtado ao
lembrar que em determinados momentos é
possível falar até mesmo em uma pecuária de
subsistência no Nordeste brasileiro (FURTADO,
1959).
Da conjugação dos fatores do quadro
natural e da organização da economia e da
sociedade sertanejas, tem-se como resultado um
processo de povoamento contínuo, porém
disperso. A importância do gado nessa região foi
tão grande que se fala até mesmo em uma
civilização do couro. Além de fonte de renda
monetária e de meio de subsistência alimentar
(carne e leite), o gado fornecia matéria-prima
(couro) para uma série de bens utilizados pelo
sertanejo: vestuário, calçado, arreio e utensílios
domésticos os mais variados (bancos, camas,
portas, etc.).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 99

2.3.3. A formação do complexo


gado-algodão

O algodão esteve presente nas


combinações agrícolas existentes no período pré-
colonial18 e fazia parte da produção de
autoconsumo da Colônia, destinando-se à
confecção dos tecidos que eram utilizados pela
massa da população colonial (TAKEYA, 1985:27).
Porém, só nos fins do século XVIII, com o
crescimento do progresso técnico da indústria
têxtil inglesa e o conseqüente aumento da
demanda no mercado internacional, e durante a
Guerra de Independência americana, com o
afastamento dos Estados Unidos do mercado
mundial, foi que o algodão passou a ocupar uma
posição de destaque no cenário da economia
paraibana.
Em 1797, fazia parte das instruções
da Coroa ao novo governador da Paraíba,

“(...) Animar e promover as


culturas já existentes (...)
cuidar em augmentar as
culturas de assucar, tabaco e
algodão...” (PINTO, 1977:151).

Por este documento, vê-se que o


algodão, no final do século XVIII, já se situava
entre as principais fontes de riqueza da
agricultura paraibana, apesar do processo
rudimentar de exploração. Descrição do

18 O algodão era utilizado pelos índios na fiação de tecidos.

99
100 Emília Moreira e Ivan Targino

governador da capitania datada de 1798, registra


a rusticidade tanto da cultura quanto dos
equipamentos utilizados para sua manipulação.
A importância que assume o algodão
é ressaltada pelos dados do quadro II. Estes
dados sobre as exportações paraibanas mostram,
com muita clareza, como ao longo do século XIX
essa cultura foi se firmando, ao lado da cana-de-
açúcar, como uma das principais fontes de
riqueza da então Província. Em alguns anos,
superou o quantitativo das exportações de
açúcar.
As oscilações observadas são devidas
tanto a fatores climáticos (secas periódicas),
quanto às conjunturas do mercado internacional.
Nesse particular, o afastamento ou o retorno dos
Estados Unidos, um dos principais fornecedores
para a indústria têxtil inglesa, tiveram forte
repercussão na cotonicultura paraibana,
contribuindo para sua expansão ou retração. Os
últimos anos da série apresentada no quadro II
exemplificam os efeitos da conjuntura do
mercado internacional sobre o algodão produzido
no Estado. Em 1862, o valor das suas exportações
foi praticamente o dobro das exportações do
açúcar (PINTO, 1977, v.2: 300). Tais
circunstâncias receberam os seguintes
comentários de Araújo Lima, então presidente da
Província:

“A guerra que lavra nos


Estados do Sul e os do Norte
da República Norte Americana,
abrio a nossos agricultores
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 101

uma época nova e importante


de resultados proveitosos à
riqueza do paiz. O plantio do
algodão que em nosso paiz ia
sendo substituido pelo da
canna de assucar, retomado
espaço que havia cedido e
pelas noticias sabidas, é de
esperar seja a safra do algodão
no corrente anno, talvez
superior a maior que tenha
sido colhida. O algodão desta
Província sempre mereceu
bom preço nos mercados da
Europa pela força e extensão
de sua fibra; mais a lucta
existente naquelles Estados e
proveniente da guerra
intestina deu lugar a que
subisse de preço esse produto,
em proveito dos agricultores e
da receita do paiz” (PINTO,
1977, v.2:293).

O algodão expandiu-se por todo o


território paraibano, disputando terras e braços
até mesmo com a cana-de-açúcar, em plena Zona
da Mata. Já no final do século XVIII este fenômeno
ocorria, como se pode comprovar por documento
da época. Segundo relato do governador da então
capitania, até mesmo o senhor de Engenho
“volta-se para a (cultura) do algodão como
repetidas vezes sucede” (PINTO, 1977, v.2:198).
101
102 Emília Moreira e Ivan Targino

Se, no Litoral, o algodão conquista terras e braços


à cana, dependendo das conjunturas de mercado,
é no Sertão e também no Agreste (como se verá
a seguir) que ele assume posição hegemônica no
sistema de uso do solo regional. Mesmo após a
Guerra de Secessão que põe um fim à chamada
“febre do algodão”, 19 esse produto continua a se
expandir no Sertão. É introduzida uma nova
variedade, o algodão arbóreo, também conhecido
como “mocó”. Esse algodão possui uma fibra
longa e se adapta melhor às condições de semi-
aridez do clima sertanejo. Contrabalançando as
dificuldades do mercado interno, a produção
algodoeira vai encontrar um reforço no
crescimento da indústria têxtil regional no final do
século XIX e início do século XX.
Reflexo da expansão cotonicultora no
Sertão, é a instalação de grandes unidades de
beneficiamento da fibra e do caroço, seja de
capital estrangeiro como SANBRA e ANDERSON
CLEYTON, seja de capital local, nas principais
19Alguns fatores de ordem interna também contribuíram para o fechamento
do mercado internacional ao produto paraibano. Entre esses fatores pode-se
apontar: falta de seleção prévia das fibras, imprimindo grau elevado de
heterogeneidade ao produto; práticas negligentes ou dolosas dos
exportadores (produto molhado, algodão subtraído antes do embarque,
mistura de fibras com caroços, pau e até pedra). " O conjunto dessas
variáveis resultaria, necessariamente, em descrédito e rejeição do algodão
paraibano no mercado internacional. Uma conseqüência natural desses fatos
foi a queda da arrecadação, agravando os problemas enfrentados pela
Província. A administração paraibana confiante no sucesso alcançado pelo
comércio algodoeiro na primeira metade dos anos sessenta, assume altos
compromissos investindo em serviços públicos. Com os percalços que o
algodão viria a sofrer, a Província não teve condições de concluir grande
parte dessas obras. No sentido de enfrentar a crise, lança-se mão de várias
medidas, algumas odiosas: dispensam-se servidores públicos, fecham-se
escolas de primeiras letras (...). Como essas medidas não se mostraram
suficientes para neutralizar a crise, fez-se um empréstimo, em 1870, da
considerável soma de 300:000$000, que seria pago com grande dificuldade
e a longo prazo" (RODRIGUES, 1990:80/81).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 103

cidades do Sertão (Sousa, Pombal, Patos e


Cajazeiras na primeira metade do século XX). A
presença dessas grandes empresas foi de
fundamental importância para a economia
regional, em virtude das ligações “para trás” que
estabelecia com a lavoura. Com efeito, eram elas
que adiantavam parte significativa do capital
necessário para as despesas de cultivo e de
colheita, desempenhando assim, a função de
capital financeiro. Tal prática iria dar origem à
chamada compra do “algodão na folha”, 20 que
representava um sistema de exploração
extremamente danoso ao produtor.
Além da exportação e do suprimento
da matéria-prima, para a indústria têxtil regional,
o algodão era também usado para atender às
necessidades das famílias em relação a tecidos
rústicos e redes, produzidas em teares manuais,
presentes em quase todas as fazendas, bem
como a outros itens, como pavios de lamparinas,
cordões, linha para costura, etc...
Além da demanda externa, outros
fatores explicam a expansão do algodão no
Sertão:
a) ele representou uma nova fonte de
renda para o produtor sertanejo, sendo

20Por esse sistema, o proprietário do capital financeiro avaliava a possível


produção do pretendente ao empréstimo para determinar o montante do
empréstimo a ser concedido. Na época da colheita, o valor financeiro era
convertido em produto ao preço corrente que se encontrava em baixa por
ser momento de aumento da oferta do produto. Caso a produção não fosse
suficiente para pagar o empréstimo, a dívida em produto era convertida, ao
final do ano, em dinheiro, pelo preço corrente que estava em alta.
Estabelecia-se, assim, um processo de endividamento crescente, obrigando o
produtor à relação de dependência permanente às grandes firmas ou
proprietários.
103
104 Emília Moreira e Ivan Targino

considerado durante séculos "o bezerro do


pobre";
b) podendo ser cultivado em
associação com as culturas de subsistência, foi
explorado tanto pelo grande proprietário como
pelo pequeno e por aqueles produtores que não
detinham a posse legal da terra como foreiros e
parceiros;
c) pelo fato do seu restolho ser
utilizado como alimento para o gado no período
mais seco do ano, transformou-se numa atividade
complementar da pecuária.
Com a consolidação da cotonicultuta
no Sertão, estabelece-se a combinação gado-
algodão-policultura, trinômio, marco da
organização do espaço agrário sertanejo
paraibano até a segunda metade do século XX.

2.3.4. A pequena produção


sertaneja

No Sertão da Paraíba, a pequena


produção de alimentos desenvolveu-se
inicialmente associada à atividade pecuária. A
necessidade de abastecimento dos vaqueiros
teria contribuído para o surgimento de uma
produção alimentar baseada principalmente nas
culturas do feijão e do milho no interior das
fazendas e currais, sobretudo nas áreas de
baixios, nos vales e leitos secos dos rios
temporários que cortam a região. Apesar dos
condicionamentos naturais restritivos, a presença
desta agricultura no interior semi-árido pode ser
explicada:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 105

a) pelo isolamento geográfico do


Sertão em relação às áreas produtoras de
alimentos tais como o Litoral e o Agreste-Brejo;
b) pela redução dos custos de
reprodução da mão-de-obra;
c) pela complementariedade da
produção de subsistência com a pecuária através
da utilização, pelo gado, do restolho que ficava na
terra após as colheitas das lavouras alimentares.
Merece destaque a maior concentração da
produção alimentar nas áreas de exceção, como
os brejos de altitude existentes no Sertão, a
exemplo de Monte Horebe, Bonito de Santa Fé,
Teixeira. Nessas manchas verdes, houve uma
maior concentração da produção e da população,
bem como um padrão de distribuição de terras
menos concentrado do que nas demais áreas
sertanejas.
A penetração e posterior expansão do
algodão no Sertão, não representou nenhum
problema para a pequena produção alimentar. Ao
contrário, houve um processo de sustentação mútua.
Isto pelas razões seguintes: primeiro, o algodão não é
uma cultura exclusivista, podendo ser explorada em
consórcio com as lavouras alimentares; segundo, o
algodão garantia um certo grau de monetarização da
economia sertaneja; terceiro, o algodão possibilitou a
expansão das áreas cedidas em arrendamento e/ou
parceria, no interior das fazendas de gado.
O consórcio algodão-agricultura
alimentar possibilitou, desta forma, uma maior
densidade da exploração econômica da região
sertaneja e, em conseqüência, uma também
maior densidade populacional, reduzindo os
105
106 Emília Moreira e Ivan Targino

efeitos da pecuária sobre a dispersão


populacional e econômica da área.
Do mesmo modo que no Litoral, a
pequena produção no Sertão desenvolveu-se
inicialmente no interior do latifúndio e dele
dependente. Sua expansão acha-se ali
relacionada à expansão dos sistemas de parceria
e arrendamento, formas de trabalho
características da região.
Constituído o tripé da produção semi-
árida, gado-algodão-culturas alimentares, é bom
lembrar que o último elo era, e continua sendo, o
mais frágil. Com efeito, por ocasião das secas
periódicas, quem mais sofre é a produção alimentar.
O algodão mocó, cultura de longo ciclo, tinha
melhores condições de resistência. Daí o Grupo
de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
(GTDN) afirmar que a seca, além de um desastre
econômico, era, antes de mais nada, um desastre
social, pois afetava mais fortemente as reservas
alimentares da população.

2.4. O Agreste policultor-pecuarista

O Agreste paraibano corresponde à


região situada entre o Litoral úmido e as
Mesorregiões semi-áridas da Borborema e do
Sertão. Trata-se de uma área fortemente
diversificada, tanto no que se refere aos aspectos
naturais quanto ao uso da terra, às relações de
trabalho e ao potencial econômico. Essa
Mesorregião compreende duas grandes áreas: a)
o Agreste Baixo, situado imediatamente à
retaguarda do Litoral no trecho que se estende da
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 107

Depressão Sublitorânea até os primeiros


contrafortes da Borborema e; b) o Agreste Alto,
que compreende o Brejo Paraibano, o Agreste
Ocidental (à retaguarda do Brejo), as Serras do
Norte (região elevada do Curimataú), e as de
Natuba e Umbuzeiro. O Brejo Paraibano se
distingue como uma mancha úmida que se
individualiza no interior do Agreste.
O processo inicial de ocupação e de
povoamento do Agreste esteve, da mesma forma
que no caso sertanejo, relacionado ao
desenvolvimento da atividade açucareira. Esta,
como foi anteriormente colocado, promoveu, em
seu período áureo, a separação da produção
agrícola e pecuária, determinando uma divisão
espacial do trabalho: o Litoral especializou-se na
produção do açúcar enquanto a lavoura alimentar
e a pecuária passaram a ser produzidos no Sertão
e no Agreste.
A expansão do povoamento, porém,
está relacionada, entre outros fatores, à retração
da economia açucareira a partir da segunda
metade do século XVII.

"Com efeito, nos períodos de


retração da economia
açucareira houve movimentos
migratórios do Litoral em
direção ao Agreste, como
decorrência da liberação de
mão-de-obra pelos engenhos.
Esta mão-de-obra (...)
deslocou-se para a região
agrestina onde passou a
107
108 Emília Moreira e Ivan Targino

dedicar-se ao cultivo de
alimentos (milho, feijão, fava,
mandioca) em pequenas
propriedades: os sítios"
(MOREIRA, 1990:13).

A corrente de povoamento, no
entanto, ficou restrita, inicialmente, ao Agreste
Baixo, em particular seguindo o vale do Rio
Paraíba. A ocupação do Agreste Alto foi retardada
pela conjugação de fatores tais como: vegetação
de floresta, relevo elevado, presença de
indígenas e falta de disponibilidade de capital.
Mesmo assim, em virtude das condições edafo-
climáticas favoráveis, “tem-se notícia da
existência de engenhos no Brejo já na segunda
metade do século XVIII” (ALMEIDA, 1994:20).
Contribuiu também para a ocupação
do Agreste o surgimento de currais e de pontos
de pouso, para gado e vaqueiros oriundos da
região sertaneja quando dos longos percursos em
direção ao Litoral. Algumas cidades agrestinas daí
se originaram e tiveram sua dinâmica relacionada
às feiras de gado que ali se desenvolveram. O
núcleo de povoamento de Itabaiana no Agreste
Baixo e a cidade de Campina Grande são dois
bons exemplos desse processo.
A agricultura de subsistência
complementada pelo criatório (voltado para o
autoconsumo) foram o suporte do processo inicial
de organização do espaço agrário agrestino.
Mudanças significativas na sua
dinâmica agrária e urbana regional foram
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 109

introduzidas a partir de 1780, com o avanço da


atividade cotonicultora.
Os principais efeitos do "boom"
algodoeiro na organização sócio-econômica do
Agreste foram a monetarização da economia,
modificações no crescimento urbano regional e o
povoamento efetivo da região e, com o declínio
da escravidão, a consolidação do sistema
morador.21
A importância do algodão para o
processo de adensamento da população no
Agreste é inquestionável. Basta lembrar que, em
1782, a população da região (7.914 habitantes),
representava cerca de 15% da população da
capitania. Setenta anos depois, mais da metade
da população paraibana estava concentrada no
Agreste, elevando-se a 111.777 habitantes. Tal
crescimento populacional só foi possível graças a
um intenso “fluxo de imigrantes, tanto dos
Sertões como do Litoral, inclusive de
portugueses” (ALMEIDA, 1994:21), atraídos pela
disponibilidade de terras e pelas condições
naturais favoráveis.
O algodão continuou elemento
importante nas combinações agrícolas regionais
até a década de oitenta do século vinte. O seu
maior ou menor peso nessas combinações
dependia tanto das oscilações do mercado
externo quanto do interno. Porém, antes mesmo
da praga do bicudo, o algodão vinha perdendo
importância face à crise da indústria têxtil
21Leia-se a respeito: MOREIRA, Emilia. “O processo de ocupação do espaço
agrário paraibano”. João Pessoa, Texto do NDIHR, nº. 23, set. 1990, p. 15.
109
110 Emília Moreira e Ivan Targino

regional e da sua substituição pelas fibras


sintéticas. Atestam esta afirmação, o declínio das
exportações de algodão pelo porto de Cabedelo e
o fechamento de várias unidades de
beneficiamento da fibra em Campina, Sapé,
Mulungu e Alagoa Grande, por exemplo.
Além do algodão, outras culturas
comerciais contribuíram para a afirmação do
Agreste como região policultora por excelência.
São exemplos: o café, o sisal, a cana, o fumo,
entre outras. Enquanto a exploração do café e da
cana restringiu-se ao Brejo, a dos demais
produtos expandiu-se por toda a região. Entre
estas, merece destaque a do sisal, pela sua
rápida disseminação em todo o Agreste e pela
sua significação na formação da renda regional
durante o período em que dominou o sistema de
uso de recursos regionais. Em virtude de suas
características, a agave expandiu-se tanto no
Agreste Alto, quanto no Agreste Baixo e no
Curimataú.

2.4.1. O sisal

O sisal é uma fibra resistente


produzida pela "Agave Rigida", planta da família
das "Amarilidáceas", originária do México e da
América Central. Expandiu-se no Agreste a partir
de 1940. Concorreu para isto a conjuntura
externa favorável (altos preços e demanda), além
das condições ecológicas propícias.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 111

O impacto da expansão sisaleira na


região agrestina se fez sentir através da
revalorização das terras, da abertura de novas
estradas, da renovação das habitações dos
proprietários de terra, com destaque para os
senhores de Engenho do Brejo e, sobretudo, no
nível e sazonalidade do emprego rural e nas
relações de trabalho.
Em relação ao nível de emprego, a
cultura do sisal utiliza uma mão-de-obra
numerosa no período do corte e no
beneficiamento da fibra: cortadores, bagaceiros,
desfibradores, lavadores. Emprega tanto a força-
de-trabalho adulta (homens e mulheres) como a
infantil. Como o período do corte coincide com a
época mais seca do ano (após o desfibramento o
sisal precisa secar ao sol), a cultura da agave
contribuiu igualmente para reduzir o desemprego
sazonal na agricultura do Agreste paraibano. Os
trabalhadores do sisal eram trabalhadores
assalariados pagos pela produção. Tal fato
contribuiu de forma significativa para a
monetarização das relações de trabalho na
agricultura agrestina.
Os trabalhadores responsáveis pela
retirada da folha são chamados de cortadores. O
corte do sisal é feito com uma pequena foice.
Uma vez cortadas, as folhas do sisal são levadas
em burros pelos "cambiteiros" até o lugar onde se
encontra a desfibradeira. Esta ocupa dois
"puxadores de sisal" que introduzem a folha na
máquina e um "bagaceiro" que se encarrega de
retirar o bagaço. Após o processo de
desfibramento o sisal é colocado ao sol para secar
111
112 Emília Moreira e Ivan Targino

e em seguida amarrado em “molhos” para ser


comercializado (MOREIRA, 1978:51).
A cultura do sisal não exige grandes
cuidados após o plantio. Todavia, seu corte e sua
transformação, em função da grande quantidade
de mão-de-obra utilizada e do emprego das
desfibradeiras, cujos motores consomem óleo
diesel ou são movidos à eletricidade, tornam a
produção onerosa. Por outro lado, além de ser um
produto que só pode ser cultivado em associação
com os produtos de subsistência nos primeiros
anos de plantio, possui ciclo longo, necessitando
de quatro anos para a primeira colheita. Isto
explica o fato desta cultura ter-se concentrado
nas médias e grandes propriedades do Agreste.
Em virtude dos altos preços
alcançados pelo produto, os proprietários
ampliaram rapidamente seus campos de agave.
Uma vez que este, como foi visto, não podia ser
cultivado em associação com outras culturas, a
não ser nos primeiros anos de plantio, sua
expansão se deu em detrimento das lavouras de
subsistência e do algodão, (sobretudo no caso das
médias propriedades) e até mesmo da pecuária.

"Houve portanto uma


conquista de terras às outras
culturas por parte do sisal. Na
medida em que este passou a
ocupar terras antes dedicadas
às culturas de subsistência,
contribuiu de um lado, para o
declínio do sistema de
aforamento e parceria e de
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 113

outro lado, para a expansão


das formas assalariadas de
trabalho. Com efeito, via de
regra, a exploração da agave é
efetuada com mão-de-obra
assalariada que é remunerada
pela produção realizada"
(MOREIRA, 1990:16).

O período áureo do sisal na região


restringiu-se apenas às décadas de 40 e 50. Com
o declínio do preço internacional do sisal nos anos
sessenta, devido à concorrência com o fio
sintético e com o sisal africano, a área sisaleira do
Agreste foi fortemente reduzida. Nos finais da
década de 60, volta à região as suas antigas
combinações agrícolas: policultura alimentar e
comercial e pecuária. Embora de duração
efêmera, a cultura sisaleira deixou marcas na
organização sócio-espacial do Agreste. Os lucros
do sisal permitiram inversões em “outras
atividades econômicas, inclusive, nos engenhos
de rapadura”, bem como melhorias nas
habitações dos senhores de terra e dos
moradores e nos equipamentos urbanos 22
(ALMEIDA,1994:30).
Enquanto o algodão e o sisal se
disseminaram por todas as áreas agrestinas, a
cana-de-açúcar e o café tiveram o seu cultivo
restrito ao Agreste Alto, em particular, à área
denominada de Brejo Paraibano. Dada a
importância dessa área para a economia agrária
22Esses aspectos serão melhor abordados no item consagrado à evolução da
organização agrária do Brejo Paraibano.
113
114 Emília Moreira e Ivan Targino

estadual, ela será objeto de uma análise mais


detalhada.

2.4.2. A evolução da organização


do espaço agrário no Brejo
Paraibano

O Brejo Paraibano corresponde a um


brejo de altitude de encostas voltadas para a
ação dos ventos. O relevo e a posição geográfica
da região contribuem para a ocorrência de um
clima úmido (com pluviosidade média anual em
torno de 1.500 a 1.800 milímetros e temperaturas
amenas), solos férteis e uma hidrografia perene,
condições estas muito favoráveis ao
desenvolvimento da agricultura.
O processo inicial de ocupação do
espaço regional esteve relacionado à atividade de
subsistência. Como foi mencionado
anteriormente, em torno dos currais, criados no
Agreste para pouso do gado que vinha do Sertão
em direção ao Litoral, surgiram áreas de
produção, destinadas ao abastecimento dos
vaqueiros que, com as feiras de gado, acabaram
por se transformar em núcleos de povoamento.
Ao lado da agricultura de alimentos
desenvolveu-se desde cedo o cultivo da cana-de-
açúcar destinada, em princípio, à produção do
açúcar mascavo para o autoconsumo. Em
seguida, uma sucessão de culturas, inclusive a
própria cana, passaram a marcar a organização
do espaço regional dando origem ao que alguns
historiadores e cronistas denominam de ciclos
econômicos do Brejo.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 115

2.4.2.1. A cotonicultura e a
organização da produção
e do trabalho no Brejo

O algodão foi a cultura que primeiro


se destacou no Brejo. Sua produção, iniciada no
Agreste no final do século XVIII já constituía em
1817 o sustentáculo da economia brejeira
(ALMEIDA, 1994:21).
A expansão dessa cultura se deu em
todos os tamanhos de propriedade (grande,
média e pequena). Isto por ser o algodão uma
cultura passível de ser plantada em associação
com as lavouras de alimentos, sobretudo com o
feijão, o milho e a fava, produtos tradicionais da
região. Deste modo, ao contrário do que viria a
ocorrer com o sisal, o algodão fortaleceu a
produção de alimentos no Brejo.
A mão-de-obra utilizada inicialmente
era a escrava. Sendo pouco numerosos na região,
os escravos foram logo substituídos por
trabalhadores livres e após a abolição, por
moradores e parceiros. Estas formas de trabalho
predominavam nas grandes e médias
propriedades. Nas pequenas propriedades, a
produção do algodão era realizada com o trabalho
familiar.

O ciclo do algodão foi responsável


pela expansão do povoamento regional e pela
introdução, ali, da cultura comercial. Isto deve-se
principalmente ao fato de que, o processo de
beneficiamento do algodão era controlado por
115
116 Emília Moreira e Ivan Targino

comerciantes que se instalaram na região com


suas famílias, engendrando de um lado um
aumento da população e, de outro, a
diversificação das atividades urbanas.

Segundo Almeida, o impacto da


expansão algodoeira seria algo sentido:

“incrementa-se o fluxo de
imigrantes, tanto dos sertões
como do Litoral, inclusive de
portugueses, reorganiza-se o
espaço agrário e estruturam-se
os primeiros núcleos com
características urbanas. Antes
de terminar a segunda década,
já se consolidavam no cenário
brejeiro as povoações de
Bananeiras, Pilões, Alagoa
Nova e Areia. Esta última
elevada à categoria de vila real
em 1818” (ALMEIDA, 1994:21-
22).

A hegemonia do algodão sobre a


organização do espaço agrário brejeiro prolonga-
se até a década de sessenta do século XIX. Nesse
momento, assiste-se ao fim da “febre do algodão”
motivado, basicamente, pelo retorno dos Estados
Unidos ao mercado internacional desse produto
após a Guerra de Secessão.

A saída encontrada para fazer face à


crise da atividade algodoeira foi a expansão da
atividade canavieira, presente nas combinações
agrícolas regionais ao lado da agricultura
alimentar, desde o processo inicial de ocupação.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 117

2.4.2.2. A cana-de-açúcar e sua


importância na
organização da produção
e do trabalho no Brejo

Embora cultivada desde o princípio do


processo de ocupação, paralelamente às culturas
alimentares, a cana-de-açúcar não foi dominante
no sistema de uso de recursos regional em razão,
seja da distância do Litoral, seja da falta de
capital. Só com o declínio do algodão, a cana
torna-se a cultura principal do Brejo. A sua
expansão foi possível, não só graças às condições
naturais propícias ao seu cultivo aí existentes
(clima quente e úmido e solos férteis), como
também ao capital acumulado durante o ciclo
algodoeiro e à estratégia adotada de produzir
para o mercado interno. Ao substituir o algodão
ela deu origem ao "ciclo da cana" no Brejo.
Da mesma forma que no Litoral, a
unidade de produção da atividade canavieira do
Brejo era o Engenho. Segundo Almeida, os
primeiros Engenhos eram muito rústicos,
correspondendo a “engenhocas com trapiches
totalmente em madeira, cujas fábricas eram
palhoças montadas sobre as armações das
almanjarras” (ALMEIDA,1994: 20), movidos à
tração animal. Inicialmente produzia-se
unicamente o açúcar mascavo, suficiente apenas
para o autoconsumo. Pouco a pouco a rapadura
substituiu em importância o açúcar, tornando-se o
principal produto, seguido da aguardente.

117
118 Emília Moreira e Ivan Targino

Embora as fases do processo de


produção da rapadura não tenham sofrido
grandes alterações ao longo do tempo, algumas
modificações foram observadas na sua base
técnica de produção: a moenda passou a ser de
ferro e os cilindros antes montados no sentido
vertical passaram a ser montados no sentido
horizontal; os antigos Engenhos à tração animal
foram substituídos primeiramente pelo Engenho a
vapor, depois pelo de motor a óleo diesel e
finalmente pelo de motor elétrico. As resfriadeiras
que eram anteriormente de madeira foram
substituídas pelas cubas de cobre.
Segundo informações colhidas num
dos Engenhos da região 23, o processo de
produção da rapadura compreendia as seguintes
etapas:
a) a preparação do terreno. A
preparação do terreno constituía a primeira fase
do processo. Esta, mesmo no apogeu do ciclo da
cana, permanecia praticamente a mesma do
período de introdução da cultura na região,
compreendendo: a derrubada da mata (quando
se tratava de incorporação de área), a limpeza do
terreno e o "encoivaramento". 24 Praticamente
nenhuma operação mecanizada era utilizada. O
plantio da cana se iniciava em maio e estendia-se
até agosto. Era efetuado tanto pelos moradores
como por pessoal contratado temporariamente;
b) o corte da cana. Esta etapa era
realizada 12 a 15 meses após o plantio, ficando a
23Essas informações foram obtidas através de pesquisa de campo realizada
por MOREIRA, Emilia de Rodat F., para sua monografia de Maîtrise realizada
na Universidade de Nanterre-Paris X.
24"Encoivaramento": processo tradicional de queima do mato.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 119

soca25. O período de corte ou colheita da cana se


iniciava no mês de agosto e estendia-se até
fevereiro do ano seguinte. Era nesta época que os
Engenhos do Brejo produziam a rapadura. No
corte da cana utilizava-se a mão-de-obra dos
moradores, complementada pela de
trabalhadores assalariados temporários;
c) a limpa. Para um melhor
desenvolvimento dos canaviais era comum fazer-
se duas ou três limpas ao ano;
d) o transporte da cana para o
Engenho. Cortada, a cana era transportada até os
Engenhos pelos "cambiteiros" (trabalhadores
responsáveis pelo transporte da cana);
e) a moagem. A cana era moída duas
vezes para obter a maior quantidade possível de
caldo (também conhecido por "garapa"). Eram
dois os trabalhadores ligados diretamente ao
processo de moagem: um "cevador" ou
"tombador", que colocava a cana na moenda e
um "virador de banda" que recebia o bagaço que
saía da moenda e o retornava ao cevador para
realizar a segunda prensagem. O caldo escoava
para um tanque de alvenaria ou de madeira
situado atrás da moenda. Do tanque ele passava
por um cano e se depositava num tacho de cobre
que ficava na fornalha;
f) a secagem do bagaço. O bagaço da
cana era estendido para secar no exterior do
Engenho. O local onde este ficava exposto ao sol

25"Soca": pedaço da cana que fica no solo após o corte e que pode rebrotar
duas vezes ou mais, a depender de certas condições. A cana do primeiro ano
é chamada no Brejo de "planta" ou "primeira folha"; a do segundo e terceiro
cortes se nomeia "soca" ou "segunda folha" ou "terceira folha".
119
120 Emília Moreira e Ivan Targino

denominava-se "bagaceira". Seu transporte do


Engenho para a bagaceira era realizado em
"bangüês" pelos "bagaceiros verdes". Os
trabalhadores que se ocupavam de revirar o
bagaço para estes secarem mais rapidamente
eram denominados de "bagaceiros secos". Uma
vez seco ele era transportado para a fornalha
onde era utilizado como combustível;
g) o cozimento do caldo. O cozimento
do caldo era feito nas fornalhas, em tachos. Regra
geral existiam cinco taxos fixados sobre a
fornalha. O primeiro, recebia o caldo que escorria
do tanque e era chamado de "parol". Era no parol
que o caldo passava pela primeira fervura. Do
parol, o caldo ia para a "caldeira"(segundo tacho)
para a retirada das impurezas. Estas eram
retiradas pelo "caldeireiro" com uma espécie de
colher de sopa presa a um cabo de madeira
chamada "vasculhadeira". Era ainda com a
vasculhadeira que o caldeireiro transferia o caldo
de um tacho para outro. Da caldeira ele passava
para o "caldeirote" (tacho menor que o parol e a
caldeira) onde tinha início o processo de
transformação do caldo em mel ("apuração"). A
"apuração" se completava num outro recipiente
chamado "apuradeira" de onde o mel sai para o
"tacho de boca" ou "cuba". Era na cuba que o mel
acabava de ser cozido. O trabalhador responsável
pelas caldeiras e que dava o ponto ao mel era
denominado de "mestre de rapadura";
h) o resfriamento e a coagulação do
mel. Uma vez cozido, o mel era transferido da
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 121

cuba para as "resfriadeiras" que consistiam em


três tachos, igualmente em cobre, menores que
os tachos de cozimento, onde o mel era
depositado para resfriar. Nas resfriadeiras o mel
era "batido" pelos "banqueiros" com uma pá de
madeira de cabo longo, até a coagulação. Em
seguida, o mel coagulado era colocado em fôrmas
de madeira com formato de grades retangulares;
i) o corte e a embalagem da
rapadura. Uma vez secas, as rapaduras eram
cortadas pelos "banqueiros" e embaladas em
pilhas de 50 a 100 unidades. Esta embalagem era
feita com as folhas trançadas da palmeira catolé,
muito comum na região. Após embaladas, as
rapaduras estavam prontas para serem
comercializadas .
26

A rapadura produzida no Brejo era


vendida para os Sertões do Estado da Paraíba e
do Rio Grande do Norte.

" Os sertanejos vinham ao


Brejo em comboios de burros
que serviam para transportar a
rapadura. Para se alimentar
durante a viagem e também
para vender aos habitantes do
Brejo, eles traziam a carne

26Em anos recentes, alguns Engenhos passaram a produzir também um


outro tipo de rapadura: a "rapadura de açúcar". Esta, de gosto e qualidade
diferentes da rapadura de cana tem um processo de fabricação mais simples
e utiliza uma mão-de-obra mais reduzida. A matéria-prima usada é o açúcar,
de onde se extrai o xarope ao qual são anexados produtos químicos e tintura
vegetal para provocar a coagulação do mel e a coloração.
121
122 Emília Moreira e Ivan Targino

seca de bode. Os comboios de


burro partiam da região
carregados de rapadura e de
aguardente além dos cereais
ali produzidos: feijão, fava,
milho e a farinha de mandioca.
O Brejo torna-se um verdadeiro
celeiro do Sertão" (MOREIRA,
1990:18).

O trabalho na lavoura canavieira era


realizado tanto por escravos quanto por homens
livres. É bem verdade que a escravidão no Brejo
não teve a mesma importância que no Litoral.
Porém ela não pode ser negligenciada. Em 1851,
a população escrava de Areia, Alagoa Nova e
Bananeiras representava 10% da população total
destas áreas. Com o declínio da escravidão,
firma-se o sistema de morada que irá dominar as
relações de trabalho.
As condições de vida dos moradores
eram precárias. Estavam sujeitos a um regime de
trabalho extenuante e submetidos a baixo nível
de remuneração. As casas dos moradores eram
de taipa, cobertas de palha (folhas de catolé) e de
chão batido. As residências encontravam-se
dispersas pelas propriedades, forma de garantir a
vigilância gratuita das mesmas.

Malgrado a intensidade do nível de


exploração e a dureza do trabalho na moenda,
este tipo de atividade era a mais procurada pelos
trabalhadores, principalmente durante o período
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 123

de fabricação da rapadura. Dentre as causas que


explicam este fato pode-se assinalar:
a) a questão do salário: uma jornada
de trabalho no Engenho valia mais ou menos o
dobro de uma jornada de trabalho nos canaviais;

b) o período de fabricação da
rapadura: este coincidia com a época seca na
região, fase de pouca atividade na agricultura de
subsistência. Entre ficar sem trabalhar e efetuar
uma atividade remunerada nos Engenhos, os
trabalhadores não tinham muita escolha;
c) a possibilidade de completar a
ração alimentar da família com a rapadura. Era
comum nos Engenhos que os trabalhadores se
alimentassem de rapadura e também recebessem
uma pequena quantidade para distribuir com os
familiares.

O senhor de Engenho do Brejo não


detinha o mesmo prestígio social e econômico do
senhor de Engenho do Litoral. Isto não só pelo
fato de ser proprietário de menores superfícies,
como também pelo tipo de produto produzido, a
rapadura e a aguardente, destinados
exclusivamente ao mercado interno. A residência
dos senhores de Engenho são testemunhos desse
fato. Situada nas proximidades do Engenho, “a
casa-grande era uma construção rústica, de piso
de tijolo de alvenaria, coberta de telha-vã”
(ALMEIDA & ALMEIDA, 1995:101-103). Porém,
localmente, eram eles que detinham o poder
político e econômico.

123
124 Emília Moreira e Ivan Targino

O ciclo da cana entrou em declínio na


região a partir do final da última década do século
XIX. Teriam contribuído para isso:
a) a elevação dos impostos cobrados
à rapadura que saía do Estado, por determinação
da Assembléia estadual. O resultado teria sido a
perda do mercado consumidor do Rio Grande do
Norte;
b) a concorrência com a rapadura
produzida no Sertão. A construção de açudes no
semi-árido paraibano, possibilitou o surgimento
das engenhocas sertanejas, presentes ainda hoje
na paisagem daquela região. De consumidor da
rapadura e da aguardente do Brejo, o Sertão
passou à condição de produtor, garantindo parte
do seu abastecimento;

c) as doenças que afetaram os


canaviais, em particular a praga da "gomose". A
cana caiana, única espécie cultivada no Brejo
durante muito tempo, foi atingida pela doença da
gomose que a destruiu quase que
completamente. Os Engenhos sofreram o efeito
desta destruição e ficaram de "fogo morto"
durante duas ou três colheitas. Os senhores de
Engenho se endividaram; muitos hipotecaram
suas terras. Era o fim do primeiro ciclo da cana na
região.
A saída encontrada por alguns
senhores de Engenho para superar a situação de
dificuldade financeira na qual se encontravam, foi
o rompimento com a monocultura da cana e a
introdução de uma nova cultura de exportação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 125

bastante valorizada no mercado internacional: o


café.

2.4.2.3. E o café substitui a cana


dando origem a um "novo
ciclo econômico"

O cafeeiro é um arbusto da família


das rubiáceas (Coffea arabica), originário da
Arábia. O seu cultivo no Brejo Paraibano foi
possível graças às condições de clima e solo
regionais razoavelmente favoráveis ao seu
desenvolvimento.
A introdução do café no Brejo data do
século XIX. Ao longo da segunda metade desse
século, ele se expande na região. Segundo Celso
Mariz, municípios como Bananeiras, Alagoa Nova,
Serraria e Areia chegaram a possuir cerca de 6
milhões de cafezais. Bananeiras sozinho atingiu a
produção de 150 mil arrobas (MARIZ, 1978:54).
O período áureo do café teve curta
duração. Em 1920, uma praga denominada
"Cerococus Parahybensis" se alastrou pelos
cafezais, dizimando-os em menos de cinco anos.
José Rufino de Almeida assim descreve a praga:

“Só aquele que viu pode


aquilatar a fúria destruidora da
terrível praga. Sítios ainda
indenes, em poucos meses
apresentavam-se aos nossos
olhos como se fortíssima
queimada tivesse passado
sobre eles. Despiam-se
125
126 Emília Moreira e Ivan Targino

vertiginosamente todas as
folhas. Caíam os frutos.
Ressequiam-se os ramos.
Parecia uma coisa tangida por
mãos diabólicas e invisíveis. Ia
de sítio em sítio, de gruta em
gruta; ora apontando aqui mais
fraca para surgir além, terrível,
impetuosa, avassaladora. (...)
Como se vê, a praga abrangia
quase toda zona cafeeira do
Estado. O seu avanço perigoso,
parecia levar uma finalidade
única: matar o último pé de
café, no último socavão de
gruta” (ALMEIDA & ALMEIDA,
1995:95-97).

Várias iniciativas malogradas foram


feitas para tentar conter a praga. A este respeito
José Rufino assim se refere:

“Medidas sem conta foram


tomadas ao alcance da grei:
cal, pulverizações, retirada das
sombras, etc. Não ficaram
parados como injustamente se
alega. Nada surtiu efeito.
Pediu-se socorro. Apelou-se
para os poderes públicos,
indiferentes como sempre às
necessidades do agricultor.
Nada. Desanimava-se.
Vendiam-se propriedades por
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 127

pouco mais ou nada” (ALMEIDA


& ALMEIDA, 1995:95).

Essencialmente agrária e dependente


do mercado ora interno, ora externo, a região do
Brejo volta-se, com a crise de acumulação
provocada pela desarticulação da produção
cafeeira, para as suas combinações agrícolas
tradicionais: agricultura de subsistência, cana e
gado. Concomitantemente, alguns proprietários
rurais tentaram desenvolver outras culturas de
mercado como o fumo em estufa e a amoreira
para a produção do bicho da seda. Estas
experiências, por motivos vários, acabaram
frustradas. Diante de tal insucesso, eles voltaram
a investir na atividade canavieira dando origem a
um novo período de hegemonia desta cultura.

2.4.2.4. Cana e sisal: uma


combinação
"bizarra"

Este segundo momento de expansão


da atividade canavieira no Brejo irá caracterizar-
se pela coexistência dos Engenhos de rapadura
com as Usinas de açúcar.
Duas Usinas foram instaladas na
região nos fins dos anos 20 e início dos anos 30: a
Tanques, em Alagoa Grande e a Santa Maria, em
Areia.
Da coexistência desses dois sistemas
agrícolas resulta uma mudança qualitativa no
conjunto do sistema açucareiro regional,
mudança esta que irá se exprimir através da
127
128 Emília Moreira e Ivan Targino

dominação da Usina sobre o Engenho. Esta


dominação manifesta-se através: a) da
expansão da área cultivada com a cana. Esta
expansão deu-se a partir do arrendamento ou da
compra de Engenhos pela Usina. Deste modo ela
assegurava uma parte da matéria-prima que
utilizava na sua produção. Se a Usina dependesse
unicamente da cana produzida e fornecida pelos
Engenhos, estes seriam livres para cessar seu
fornecimento no momento que desejassem ou no
momento em que os interesses da Usina
contrariassem os seus. Produzindo sua própria
matéria-prima a Usina fortificava sua relação de
dominação sobre os Engenhos.

"Por outro lado, dividir o


abastecimento da Usina com
os fornecedores de cana era
uma forma do usineiro reduzir
os riscos das oscilações
violentas do preço
internacional do produto,
ficando os riscos maiores para
a lavoura, mesmo que os
usineiros financiassem a
produção dos fornecedores”
(SOBRINHO, 1941:13).
b) da determinação do preço da cana.
No momento em que os Engenhos passaram a
fornecer cana à Usina eles passaram também a
receber pela cana o preço determinado por esta.
O processo de subordinação e dependência dos
Engenhos em relação às Usinas se aprofunda.
“A intervenção estatal através
da Comissão de Defesa da
Produção do Açúcar e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 129

posteriormente do Instituto do
Açúcar e do Álcool, visando
estabilizar o mercado pelo
tabelamento da cana, pela
limitação da produção e
estabilidade do preço do
açúcar, por sua vez, favoreceu
a expansão da produção da
cana das usinas em detrimento
do interesse dos fornecedores”
(TARGINO, 1978:83).
A resposta encontrada pelos senhores
de Engenho do Brejo para resistir à dominação da
Usina foi aderir ao cultivo do sisal o qual, como foi
visto, contava naquele momento com uma boa
recepção no mercado internacional. Assim, a
partir de 1940 até os fins dos anos 50 o sisal e a
cana partilharam o espaço agrícola do Brejo
originando, segundo Nilo Bernardes, "uma das
mais bizarras combinações agrícolas jamais vista
no Brasil" (BERNARDES, 1958:44). Foi porém o
sisal que teve maior importância para a economia
do Brejo nesse período.
Com o declínio da atividade sisaleira a
partir do final dos anos 50, a cana-de-açúcar
voltou a constituir-se no principal produto agrícola
regional. A partir de então o sistema açucareiro
do Brejo caracterizar-se-á pela dominação da
Usina.
Sem alternativa que permitisse sua
independência em relação à Usina, a grande
maioria dos senhores de Engenho colocaram em
segundo plano a produção da rapadura e
transformaram-se em meros fornecedores de
cana. No início dos anos 70, poucos eram os
129
130 Emília Moreira e Ivan Targino

Engenhos ainda em funcionamento na região e o


sistema morador, característico da atividade
canavieira regional, encontrava-se em processo
de decadência.
A atividade canavieira do Brejo, como
de resto em todo o país, será revigorada com a
implantação do Proalcool em 1975, reforçando a
dominação das Usinas sobre todo o espaço
agrário regional. Com o fim do Proalcool, a
economia brejeira entra em crise, buscando,
atualmente, novas formas de uso de recursos que
permitam a sua revitalização (GONDIM, 1995).

2.4.2.5. A pequena produção de


alimentos no Agreste

Presente no Agreste desde os


primórdios da organização do espaço agrário
regional, a pequena produção de alimentos se
constituiu sempre uma atividade complementar.
Sua expansão ou retração encontrava-se na
dependência do processo de expansão ou
retração das culturas de mercado. Produzida
principalmente por moradores, parceiros e
pequenos proprietários, desenvolveu-se no
interior das médias e grandes propriedades e nos
seus limites. Conviveu com a cultura do algodão
em todos os padrões de propriedade; retraiu-se
aos limites das pequenas e médias unidades de
produção durante o período áureo da agave.
Sempre ocupou os poros da atividade
monocultora. A fruticultura, além do milho, do
feijão, da mandioca e, em algumas áreas, da
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 131

horticultura, são as lavouras de maior


importância.
É importante ressaltar que entre as
quatro Mesorregiões do Estado, é no Agreste
onde a pequena produção possui maior
importância relativa tanto econômica como social.
Com efeito, é nesta região onde se encontram os
mais baixos índices de concentração fundiária do
Estado.
Com certeza, o peso da pequena
produção no contexto da organização do espaço
agrestino foi um dos fatores responsáveis pelo
adensamento populacional dessa região, em
particular, na zona rural.
Do exposto até o presente,
depreende-se que o processo de ocupação,
povoamento e organização da produção
agropecuária, atuando sobre a diversidade do
quadro natural, engendrou, ao longo do tempo,
espaços agrários bastante diferenciados no
interior das três grandes unidades espaciais aqui
referenciadas. Em 1970 podia-se identificar treze
regiões agrárias fortemente individualizadas no
Estado (MOREI-RA,1988 e 1989).
A partir dos anos 70, o processo de
“modernização conservadora” da agricultura
embora mais atenuado na Paraíba, do que em
outros estados (sobretudo do Centro-Sul), foi
responsável por mudanças profundas na base
técnica e na organização da produção
agropecuária, na distribuição da posse da terra,
na dinâmica da população e do emprego rural,
nas formas de organização e de luta da classe
trabalhadora que redundaram numa nova
131
132 Emília Moreira e Ivan Targino

reestruração do espaço agrário estadual. Os


próximos capítulos deter-se-ão na análise dessas
mudanças e nos impactos por elas causados.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 133

QUADRO I
ESTADO DA PARAÍBA
INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS USINAS DO LITORAL PARAIBANO
COM DESTAQUE PARA A TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE
NOME LOCALIZA- DATA DA FUNDADOR ADQUIRENTE DATA DA NOVO
ORIGINAL ÇÃO FUNDAÇÃ AQUISIÇÃ NOME
DA USINA O O
Cumbe Santa Rita 1910 Arquimedes Flávio Ribeiro 1922 Usina Santa Rita
C. de Oliveira Coutinho
Bonfim Sapé 1917 Gentil Lins Renato Ribeiro 1922 Usina Santa Helena
Coutinho na com sede em Sapé
condição de tutor
dos irmãos
São Cruz do José Galvão de Renato Ribeiro 1922 Usina Santa Helena
Gonçalo ou Espírito – Mello Coutinho na com sede em Sapé
N. Sra. do Santo condição de tutor
Patrocínio dos irmãos
Engenho Santa Rita 1888 Companhia de Herdeiros de João 1914 Usina São João
Central São Engenhos Úrsulo Ribeiro
João Centrais Coutinho
Pedrosa Santa Rita 1922 Manuel Flaviano Ribeiro 1925 Usina Santana
Sebastião Coutinho
de Araújo
Pedrosa
Espírito Cruz do Adalberto Ribeiro Renato Ribeiro 1922 Usina Santa Helena
Santo Espírito – Coutinho na com sede em Sapé
Santo condição
de tutor dos
irmãos

133
134 Emília Moreira e Ivan Targino

Fonte: SANTANA,1990.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 135

QUADRO II

QUANTIDADE EXPORTADA (ARROBA) DE


AÇÚCAR E ALGODÃO PELO PORTO DA
PARAÍBA
1835-1862

ANOS AÇÚCAR ALGODÃO


1835/36 116.655 99.804
1836/37 88.246 119.541
1837/38 93.668 109.025
1839/40 98.649 58.870
1840/41 187.336 70.560
1841/42 88.952 58.765
1842/43 122.768 97.010
1843/44 115.175 98.108
1844/45 147.857 128.127
1947/48 153.207 90.721
1852 --- 81.402
1853 156.398 ---
1854 305.082 195.665
1855 96.400 255.492
1857 684.933 188.741
1858 675.870 190.534
1859 914.843 243.187
1860 405.194 178.267
1861 599.594 187.787
1862 889.890 184.973
Fonte: PINTO, 1977. v. 2.

135
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 137

BIBLIOGRAFIA

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tempo. João Pessoa, Gráfica e Editora Persona, 1992.
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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 139

3. MODIFICAÇÕES RECENTES
NA ORGANIZAÇÃO DA
PRODUÇÃO
AGROPECUÁRIA

“Cadê você meu país do Nordeste


que eu não vi nessa Usina
Central Leão
/de minha terra?

Onde está a alegria das


bagaceiras?
O cheiro bom do mel
borbulhando nas tachas?
A tropa dos pães de açúcar
atraindo arapuás?
Onde é que mugem os meus bois
trabalhadores?
Onde é que cantam meus
caboclos lambanceiros?
Onde é que dormem de papo
para o ar os bebedores
/de resto de alambique?
E os senhores de espora?
E as sinhás-donas de cocó?
E os cambiteiros, purgadores,
negros queimados na fornalha?

Ah! Usina Leão, você engoliu


os bangüezinhos do país das
Alagoas!”

Versos de Jorge de Lima

139
140 Emília Moreira e Ivan Targino

No início dos anos 70, conforme


análise anterior, podia-se identificar diferentes
formas de organização da produção agropecuária
na Paraíba. No Litoral, a cana-de-açúcar era
cultivada em grandes propriedades situadas nas
várzeas dos rios conseqüentes que cortam a
região, enquanto a policultura alimentar era
praticada em associação com o coco-da-baía
sobre os tabuleiros costeiros, por pequenos
produtores rurais. No Agreste, a policultura
alimentar e comercial era complementada, nos
mais diversos graus, pela atividade pecuária,
originando uma organização bastante
diversificada do espaço agrário. No Brejo, a cana-
de-açúcar partilhava a paisagem com a
policultura comercial e a produção de alimentos.
No Sertão, o algodão, a pecuária extensiva e a
policultura alimentar, determinavam a
organização da produção regional.
O processo de modernização da
agricultura, levado a efeito na Paraíba a partir de
1970, foi responsável por profundas alterações
nessa dinâmica da organização da produção. Isso
porque ele promoveu a substituição tanto de
culturas alimentares e de matérias-primas
destinadas ao abastecimento do mercado interno,
quanto da vegetação natural de mata, cerrado e
caatinga, seja pela cana-de-açúcar, seja pelo
pasto plantado.

"Este movimento não constitui


apenas uma mera mudança no
uso do solo. Ele é bem mais
significativo na medida em que
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 141

se considera que as
explorações da cana e da
pecuária constituem as duas
novas formas concretas
assumidas pelo capital no
processo recente de sua
dominação sobre a agricultura
paraibana" (MOREIRA, 1988:
269).

Neste capítulo, procura-se estudar


essa dinâmica, buscando apreender em linhas
gerais os efeitos da expansão da cana-de-açúcar
e da pecuária sobre o meio ambiente, a produção
de alimentos e de matérias-primas, a paisagem
rural e o emprego no campo. Estuda-se também o
comportamento de outras culturas industriais
como o sisal, o algodão, o coco-da-baía e o fumo
na década de 70 e o desempenho da produção
agropecuária nos anos 80 e início da década de
90. Busca-se ainda analisar a crise atual da
economia canavieira e seus efeitos tanto sobre a
organização da produção agropecuária como
sobre as condições de vida e trabalho da classe
trabalhadora.

3.1. A expansão canavieira (1970/1986)

Até 1970, as áreas de maior


concentração da cana-de-açúcar no Estado
situavam-se no Litoral, abrangendo os municípios
de Mamanguape, Sapé, Santa Rita, Cruz do
Espírito Santo, São Miguel de Taipu, Juripiranga,
Caaporã e Pedras de Fogo e, no Brejo, onde se
141
142 Emília Moreira e Ivan Targino

distinguiam os municípios de Borborema,


Serraria, Pilões, Cuitegi, Alagoinha, Areia, Alagoa
Grande e Alagoa Nova (v. mapas de cana-de-
açúcar in: MOREIRA, 1996). Essas duas
subunidades espaciais contribuíram, naquele ano,
com 96,3% do valor total da produção paraibana
de cana-de-açúcar e concentraram cerca de
90,0% da superfície cultivada com esse produto
no Estado.
O plantio da cana era restrito às áreas
de condições naturais mais favoráveis, tais como
as áreas úmidas do Brejo e as várzeas mais largas
do Litoral. Os tabuleiros costeiros constituíam um
limite natural à expansão da cana, em função,
sobretudo, da baixa fertilidade dos seus solos. No
Brejo, o relevo movimentado, de encostas
íngremes, constituía também um obstáculo
natural ao avanço da cana. Esta destinava-se, ali,
à produção da rapadura e da aguardente.
Em 1975, foi criado o Programa
Nacional do Álcool (PROALCOOL)27 apoiado numa
forte política de incentivos fiscais e creditícios. Os
incentivos do Proalcool destinavam-se tanto à
produção industrial quanto à agrícola. Em relação
ao segmento industrial, o Programa financiava
até 80% do valor do investimento fixo, no caso
das destilarias que utilizassem a cana-de-açúcar
como matéria-prima. Os encargos financeiros
27 O Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) foi criado em novembro de
1975, através do Decreto Lei nº. 76.593/75, no contexto de um esquema
alternativo proposto pelo governo brasileiro para enfrentar a crise energética
decorrente da alta dos preços internacionais do petróleo. O Proalcool visou
também a recuperação do setor açucareiro (que vinha enfrentando séria
crise com a queda do preço do açúcar no mercado internacional) e estimular
o setor automobilístico, o qual, por redução de demanda e de queda de
lucratividade, sentia-se ameaçado.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 143

englobavam juros de 4% ao ano para as


destilarias anexas e de 3% para as autônomas na
área da SUDENE/SUDAM e uma correção
monetária equivalente a 40% da variação das
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
(ORTN). Em relação ao setor agrícola, havia os
financiamentos de investimento para fundação ou
ampliação de lavouras (preparo do solo, plantio e
tratos culturais até a primeira safra) e
financiamento de custeio para despesas relativas
às socas ou às ressocas. O Programa financiou
entre 80% e 100% do valor total do projeto,
cobrando juros que variavam entre 10% (custeio
para pequeno produtor) e 26% (investimento
para o grande produtor), sem cláusula de
correção monetária. Tais condições de
financiamento em uma economia sob processo
inflacionário equivaliam, na verdade, a juros
negativos para a agroindústria (TARGINO &
MOREIRA, 1992).
Para que se tenha uma idéia mais
precisa do que significou o Proalcool em termos
de investimento industrial no Estado, é suficiente
destacar que:

"os recursos dele provenientes


para financiar a indústria
sucro-alcooleira entre 1975 e
1985 representaram,
aproximadamente, 40% do
total dos financiamentos do
FINOR, no mesmo período,
para o conjunto do setor
industrial paraibano. O
143
144 Emília Moreira e Ivan Targino

aumento da capacidade
produtiva do segmento
industrial da agroindústria
sucro-alcooleira, cuja
realização da produção passou
a ser garantida pelo Programa,
estimulou o crescimento do
segmento agrícola. Estímulo
esse reforçado pelos recursos
destinados à fundação ou
reforma dos canaviais"
(TARGINO & MOREIRA, 1992:
549).

Os estímulos fornecidos pelo governo


Federal através do Proalcool permitiram a
expansão da cana não só sobre os tabuleiros
costeiros e encostas do Brejo, como sobre
municípios do Agreste Baixo, do Agreste
Ocidental e do Piemonte da Borborema. Em
outras palavras, o rompimento da barreira
ecológica constituída pelos tabuleiros e encostas
íngremes do Brejo, tornou-se possível a partir do
momento em que "os preços do açúcar, e
posteriormente do álcool, compensaram os
investimentos necessários para a aquisição de
novas terras, a modernização dos equipamentos,
a ampliação do emprego de fertilizantes,
herbicidas e de outras variedades de cana mais
adaptadas às novas condições ecológicas "
(EGLER & TAVARES, 1984: 11).
Apreende-se daí que:
a) a dependência dos condicionantes
naturais é inversamente proporcional ao
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 145

desenvolvimento das forças produtivas. Quanto


maior o desenvolvimento das forças produtivas,
menor se torna a dependência da organização da
produção ao meio físico;
b) a produção canavieira na Paraíba
cresceu a partir do Proalcool, à sombra dos
subsídios governamentais e do mercado
regulamentado.
A expansão da cana-de-açúcar no
Estado já podia ser observada em 1980. A
produção da cana, antes restrita a quinze
municípios do Litoral e do Brejo, avançou sobre
outros municípios destas regiões, estendeu-se
pelo Agreste Baixo e Piemonte da Borborema,
incorporando em sua passagem mais de vinte
municípios, promovendo assim uma
"homogeneização da paisagem rural". Essa
homogeneidade, que irá se refletir na paisagem
através do verde dos canaviais, compreende
igualmente a incorporação da dinâmica interna
do processo produtivo (v. mapas de cana-de-
açúcar e esboços cartográficos in:
MOREIRA,1996).
O crescimento da área de cana
colhida entre 1970 e 1980 foi equivalente a
113,6%28, o que significou a incorporação de mais
de 45 mil hectares de terra pela cana. Deste total,
74% foi incorporado entre 1975 e 1980. Nesse
período, o crescimento anual da área colhida com
cana-de-açúcar no Estado foi de 10,5%. 29 Como
28De 40.007 hectares passou para 85.455 hectares. FIBGE. Censos
Agropecuários da Paraíba, 1970 e 1980.
29A área colhida de cana nem sempre representa o total da área plantada.
As diferenças nas datas de plantio permitem que certos partidos não se
145
146 Emília Moreira e Ivan Targino

pode ser visto no quadro III, entre 1981 e 1986 a


cana expandiu-se por mais 58.000 hectares (a
área colhida de 120 mil hectares, passou para
178 mil hectares).
A produção, por sua vez, de 1.433.245
toneladas em 1970, atingiu 3.057.112 toneladas
em 1980, o que significou um aumento absoluto
de 1.623.867 toneladas (113,3%). Só no período
de 1975/1980 esse aumento da produção foi
equivalente a 61,0%, o que correspondeu a um
crescimento de 10% ao ano. Em 1986, a produção
de cana do Estado já equivalia a 10,7 milhões de
toneladas (v. quadro III). 30
Os municípios que mais se
destacaram nessa expansão foram os que
compõem a franja litorânea como Mataraca, Rio
Tinto, Lucena, João Pessoa, Conde, Alhandra,
Pitimbu e Caaporã. No Agreste, a cana avançou
sobre os municípios de Gurinhém, Caldas
Brandão, Pilar, Itabaiana, Mulungu e Guarabira,
entre outros, na sua maioria sem tradição
canavieira (v. mapas de cana-de-açúcar in:
MOREIRA, 1996).
Desse modo, sob o Proalcool, ocorreu
uma redefinição da região canavieira do Estado,
seja pela incorporação de novos municípios, seja
encontrem em idade de corte no momento da colheita. Se este aspecto for
levado em conta, pode-se inferir que a incorporação de terras pela cana
entre 1970 e 1980 pode ter sido ainda maior do que a cifra enunciada.
30Cf. FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1986. Vale destacar que o
crescimento da produção e da área cultivada com cana até aqui enunciados,
incluem o conjunto do Estado. Ou seja, aí estão embutidas as informações
relativas às áreas de produção de cana do Sertão. A importância dos dados
relativos ao Sertão, porém, se comparados aos identificados para o Litoral,
Agreste e Brejo, tornam-se insignificantes. Isso, apesar da importância local
assumida pela produção de rapadura e aguardente nas engenhocas
sertanejas.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 147

pela expansão da fronteira canavieira inclusive


nos municípios tradicionalmente produtores de
cana. Considerando a importância dessa cultura
em nível dos municípios, definiu-se a “Zona
Canavieira Moderna” do Estado. Esta, estende-se
do Litoral até os limites ocidentais do Brejo
Paraibano, compreendendo 38 municípios (v.
mapas de cana de açúcar in: MOREIRA,1996). Ela
engloba áreas que apresentam as melhores
aptidões agrícolas do Estado (várzeas do Litoral, e
porções do Agreste-Brejo) ou que são favoráveis à
mecanização em virtude da topografia tabular ou
suavemente ondulada (tabuleiros e várzeas do
Litoral).
Nesta Zona, a produção de cana que
era de 1.371.384 toneladas em 1970, alcançou
5.510.425 toneladas em 1985, o que representou
um crescimento da ordem de 302,0%; a superfície
de cana colhida cresceu 215,0% no mesmo
período (de 37.225 hectares, para 117.187
hectares).
O estudo comparativo do uso do solo
no Litoral Sul da Paraíba entre 1974 e 1985,
realizado com base na análise de fotografias
aéreas, permite visualizar melhor este processo
de expansão da cana. Observando-se no Atlas de
Geografia Agrária do Estado o esboço cartográfico
relativo ao Litoral Sul, constata-se que, em 1974,
a produção da cana restringia-se às várzeas dos
rios Goiana, Paraíba, Mumbaba e Miriri. As áreas
estuarinas e os trechos de domínio do tabuleiro
eram ocupados por vegetação de mangue e pela
vegetação de mata e de cerrado dos tabuleiros,
intercalada por manchas de culturas alimentares
147
148 Emília Moreira e Ivan Targino

e comerciais (v. esboço cartográfico in:


MOREIRA,1996).
As fotografias aéreas de 1985
permitem identificar o novo percurso seguido
pela cana, a qual, em sua passagem, substituiu
grande parte da vegetação natural e importantes
trechos tradicionais produtores de alimentos,
inclusive de abacaxi e de coco-de-praia (v. esboço
cartográfico in: MOREIRA,1996).
Observando mais em detalhes o caso
específico do município de Sapé, constata-se que
a cana-de-açúcar, entre 1974 e 1985 tanto
substituiu grande parte da vegetação de cerrado
e mata ali encontrada, como culturas alimentares
e o abacaxi, produto comercial de grande peso na
economia municipal (v. esboço cartográfico in:
MOREIRA,1996).
No início dos anos 90, a Paraíba
colocava-se como quarto maior produtor de cana
no ranque nacional, com uma participação de
4,8% do total produzido. A participação da cana-
de-açúcar na composição do valor da produção
agrícola estadual em 1990, de 45,7%, foi a mais
alta entre todos os produtos das lavouras
permanente e temporária.
O peso da importância assumida pela
expansão da cana no Estado pode ser também
avaliado na medida em que se analisa o
comportamento da produção de álcool e do
parque industrial sucro-alcooleiro a partir de
1975. A produção de álcool, de apenas 806 mil
litros na safra de 1975/76, alcançou, na safra de
1984/85, a cota de 229,3 milhões de litros
(POLARI, 1990:06).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 149

Até a implantação do Proalcool, a


Paraíba contava com sete Usinas de açúcar,
algumas dezenas de Engenhos, na sua maioria
em estado de decadência, e com apenas três
destilarias de álcool, sendo duas delas anexas e
uma autônoma.
De 1975 a 1985, dez novas destilarias
foram implantadas e as pré-existentes foram
ampliadas (v. Quadro IV).31 O resultado foi:

"o aumento da capacidade de


produção do álcool da ordem
de 250 milhões de litros ao
ano, e uma inversão de capital
de cerca de 175,8 milhões de
dólares, a preço de 1989,
70,0% dos quais originados de
recursos do Proalcool" (POLARI,
1990:6).

Do exposto, alguns aspectos merecem


ser realçados. Em primeiro lugar, o fato de que a
intervenção protecionista do Estado na atividade
canavieira a partir de 1975, através do Proalcool,
foi fundamental para garantir a sobrevivência do
setor açucareiro paraibano. Em segundo lugar,
chama-se a atenção para o período de 1980/1986
por coincidir com a maior parte da fase de crise
do crédito agrícola subsidiado no Brasil, cujo
volume foi reduzido em mais de 50% entre 1979
e 1984.

31Não estão contabilizadas aqui as destilarias de aguardente, só as de álcool.

149
150 Emília Moreira e Ivan Targino

"(...) entre 1979 e 1984 o


volume de crédito foi reduzido
em mais de 50%. Praticamente
todos os itens foram atingidos
(...). Em 1984, o valor do
crédito foi pouco superior a 1/5
do registrado em 1979 (...),
entre 1980 e 1984, a redução
do crédito de custeio foi da
ordem de 40% e a do crédito
de comercialização chegou
perto de 70%”
(BUTTEL,1989:08,apud,LIMA,19
94:17).

Essa redução do volume do crédito


agrícola, pelo menos até 1986, parece não ter
afetado a atividade canavieira paraibana. Como
foi visto, entre 1980 e 1986 o crescimento da
produção e da área colhida com cana-de-açúcar
prosseguiu em escala vertiginosa. O que
explicaria tal comportamento?
Para George Martine, a retração do
crédito nesse primeiro momento não teria
desestimulado a produção agropecuária
brasileira. Isso porque, segundo ele, "a retirada
do crédito subsidiado genérico foi substituída
pelo crédito dirigido ainda mais subsidiado",
(MARTINE,1989:12) tendo a cana sido uma das
lavouras mais beneficiadas nesse processo. Pode-
se portanto supor que, na Paraíba, o
fortalecimento do Proalcool durante o período do
crédito dirigido teria permitido a continuidade do
processo de expansão da atividade canavieira.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 151

Convém chamar a atenção, porém, para o fato de


que essa fase do crédito dirigido compreende
apenas o período de 1979/1984. A que se
atribuiría a extensão do crescimento do setor
canavieiro nos anos de 1985 e 1986?
Segundo Lima, na Paraíba,

"a continuidade do
crescimento da produção
canavieira em 1985 e 1986,
pode ser atribuída aos efeitos
defasados dos investimentos
realizados pelos produtores
entre 1979/84, com os
recursos oriundos da nova
estrutura do sistema de
crédito" (LIMA, 1994:18/19).

É importante salientar que a cana não


apenas se expandiu em termos de produção e
área cultivada, como teve sua importância no
contexto da produção agrícola estadual
reforçada. Dois fatores teriam contribuído para
isso. De um lado, o longo período de estiagem
que teve lugar entre 1979 e 1983 refletiu
negativamente sobre a atividade de lavoura,
estimulando, no trecho oriental do Estado, a
substituição de culturas alimentares tradicionais
pela cana. De outro lado, a praga do bicudo que
acometeu os algodoais também teria, em alguns
municípios do Agreste, levado os produtores
rurais a transformarem campos de algodão em
áreas destinadas à lavoura canavieira.

151
152 Emília Moreira e Ivan Targino

Os impactos dessa expansão da


atividade canavieira se fizeram sentir sobretudo:
a) na economia estadual. A cana
contribuiu para o aumento do valor da produção
agrícola tanto dos tradicionais municípios
canavieiros, como daqueles onde se processou
sua expansão recente (comparar mapas da
distribuição da produção agrícola de 1970 e 1980
in: MOREIRA,1996). Isso evidencia a importância
da economia canavieira na dinâmica do
crescimento econômico dessas áreas, com
rebatimento na economia estadual. Pode-se
também atribuir à atividade canavieira as altas
taxas de produtividade da terra (valor da
produção/ha.) encontrados para 1980 no Litoral
Sul, área de maior expressão no avanço da cana
a partir de 1975 (v. mapa da produtividade da
terra in: MOREIRA,1996). É importante salientar
que no período compreendido entre 1970 e 1980,
a participação da cana no valor da produção
agrícola estadual passou de 16,1% para 27,6%.
Esse aumento da participação da cana no valor
da produção agrícola, associado à queda da
atividade cotonicultora, contribuiu para aumentar
a dependência da agricultura da Paraíba a esse
produto, cujo desempenho acha-se atrelado a um
programa cuja manutenção é extremamente
crítica;
b) no emprego rural. O impacto do
Proalcool sobre o emprego agrícola se fez sentir
sobretudo através do crescimento do emprego
sazonal. Entre 1975 e 1985, o número de
empregados assalariados temporários da Zona
Canavieira cresceu 93,6%.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 153

"Embora o aumento da
mecanização tenha reduzido a
necessidade de mão-de-obra
em determinadas fases do
processo produtivo, ele não
afetou a demanda de mão-de-
obra no período de colheita. O
que vale dizer, que a expansão
da área cultivada implicou na
necessidade de um maior
número de trabalhadores,
sobretudo no período de corte"
(MOREIRA, 1988:290).

É preciso chamar atenção para o fato


de que, a esse aumento do emprego sazonal, não
correspondeu uma melhoria da condição de vida
da classe trabalhadora. Ao contrário, o que se
constatou através de estudos realizados pelo
Grupo de Estudo sobre Saúde e Trabalho na Zona
Rural da Paraíba (GESTAR/UFPb) e pelo Serviço de
Educação Popular da Arquidiocese de Guarabira
(Sedup/PB), foi seu agravamento. Nos meses de
novembro e dezembro de 1984, por exemplo, a
renda monetária média semanal de uma família
de trabalhadores da cana no Brejo representava
97,0% do salário mínimo vigente na época. Essa
remuneração deveria manter uma família
composta de aproximadamente sete pessoas.
Esse baixo nível de renda tem fortes repercussões
no padrão alimentar que, deteriorado, se reflete
de modo negativo na saúde da população. Por
outro lado, ele é também demonstrativo da
153
154 Emília Moreira e Ivan Targino

condição de miséria absoluta em que vivem as


famílias canavieiras. A verdade é que a riqueza
produzida pela expansão da cana e pelo apogeu
do Proalcool infelizmente não chegou à mesa da
classe trabalhadora. Deve-se também levar em
conta que o Proalcool tanto criou como destruiu
empregos. A expulsão-expropriação dos
pequenos produtores de subsistência (moradores,
parceiros e foreiros) foi constatada tanto nas
áreas tradicionais produtoras de cana como
naquelas que foram por ela incorporadas mais
recentemente. O resultado foi, de um lado, o
esvaziamento demográfico da zona rural e, de
outro, o aumento das tensões sociais no campo,
nas áreas onde a resistência camponesa
sobrepujou a força do capital 32;
c) na base técnica da produção. O
Proalcool foi também responsável tanto pelo
aumento do número de máquinas, tratores e
colhedeiras mecânicas, como pela intensificação
do uso de fertilizantes e defensivos químicos
utilizados na atividade canavieira. Isso sem falar
na modernização e ampliação do parque
industrial sucro-alcooleiro por ele promovida 33;
d) na paisagem rural. Ao integrar o
Litoral ao Agreste e ao Brejo, a cana promoveu
uma certa homogeneização da paisagem rural do
trecho oriental do Estado. Por outro lado, como a
paisagem reproduz em maior ou menor escala a
dinâmica da organização do espaço, quando
32Esses aspectos serão abordados de forma mais detalhada nos itens que
tratam da questão do emprego e da dinâmica população rural na Paraíba.
33Maiores detalhes sobre as mudanças observadas no padrão técnico da
produção canavieira estão contidos no item que aborda as mudanças
recentes no padrão técnico da agropecuária estadual.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 155

transformada pela cana, reflete a submissão do


espaço agrário às novas leis que regem o
processo de modernização dessa atividade;
e) no meio ambiente e na saúde da
população. Na sua sede de terra, a cana incidiu
fortemente sobre a vegetação natural de Mata
Atlântica e de Cerrado dos tabuleiros.

"Submetida a uma secular


utilização predatória, a
princípio como fonte de
essências nobres e
posteriormente pela extração
de madeira para fins os mais
diversos (lenha para os
engenhos, fabricação de
carvão vegetal, construção
naval, dormentes para vias
férreas, lenha para
locomotivas, etc.), os restos da
Mata Atlântica encontravam-se
confinados nos vales dos
afluentes dos maiores rios, em
pequenas bacias costeiras, nos
grotões, nas cabeceiras dos
cursos d'água e nos trechos de
solos mais argilosos situados
nos topos dos tabuleiros"
(TAVARES, 1984:19).

Segundo a FIBGE, a superfície


ocupada com a mata natural na Zona Canavieira
da Paraíba em 1975 correspondia a 83.415

155
156 Emília Moreira e Ivan Targino

hectares. Em 1985 ela havia recuado 34,2%,


passando a ocupar apenas 54.838 hectares 34.
Pesquisas realizadas em 1985 a partir
de análises de fotografias aéreas e de exaustivos
trabalhos de campo comprovam que, no
município de Santa Rita, as Matas de Cravaçu e
Aldeia que constituíam o maior testemunho da
Mata Atlântica existente no Estado, foram, em
sua maior parte, substituídas pela cana e por
estradas de acesso às destilarias de Jacuípe e
Japungu. No processo de degradação dessas
matas, nem mesmo as áreas de cabeceiras dos
cursos d'água foram preservadas (CARVALHO &
MADRUGA, 1985). Segundo a FIBGE, as áreas de
mata natural desse município sofreram uma
redução de 3,0% ao ano entre 1970 e 1985, o que
representou uma perda de 3.522 hectares.
Ao sul de João Pessoa, nos tabuleiros
situados próximo a Alhandra, a Mata da Chica
sofreu também um forte processo de destruição.
Em Pitimbu, a Floresta Subperenifólia
Atlântica e o Cerrado constituíam, até 1970, as
principais formas de utilização dos solos dos
tabuleiros situados a sudeste, leste e norte da
planície do rio Abiaí, que corta o município. Hoje,
o que resta da exuberante floresta e das relíquias
de cerrado que ali eram encontradas, são

34O aumento da área ocupada com a mata natural em alguns municípios da


Zona Canavieira entre 1970 e 1985 negam as evidências constatadas nos
trabalhos de campo e nas fotografias aéreas consultadas. Ele talvez possa
ser explicado por um possível subdimensionamento dessa área em 1970,
decorrente de condições menos favoráveis para a efetivação dos
levantamentos, ou a um superdimensionamento efetuado durante o Censo
de 1985. Acreditamos mais na primeira hipótese. Se assim for, é possível que
o recuo de 34,2% na área ocupada pela mata natural esteja
subdimensionado.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 157

manchas isoladas. Os canaviais avançaram sobre


essas formações vegetais alcançando o fundo dos
vales e dos grotões úmidos. A devastação desses
grotões traz uma série de problemas para a
população visto que, neles, ocorrem
ressurgências que lhes assegura o abastecimento
de água potável durante o período de estiagem.
As famílias que habitam o topo dos tabuleiros,
onde os aqüíferos são escassos, também se
utilizam das fontes para se abastecer. A retirada
da mata é responsável pelo desaparecimento
dessas fontes, obrigando os habitantes da região
a buscar água cada vez mais distante. De acordo
com a FIBGE, de 5.221 hectares de mata
existente em Pitimbu em 1970, restavam apenas
459 hectares em 1985. Esse processo de
substituição da Mata e do Cerrado por canaviais
se reproduz nos municípios vizinhos de Alhandra,
Caaporã e Pedras de Fogo, estendendo-se em
direção ao norte até Mataraca e a oeste, até Sapé
(v. esboços cartográficos in: MOREIRA,1996).
Outros efeitos perversos do Proalcool
sobre o meio ambiente e que têm rebatimento
sobre a saúde da população estão relacionados à
utilização indiscriminada, intensiva e contínua de
fertilizantes químicos, corretivos de solo e
agrotóxicos.
Sabe-se que a maioria dos adubos
sintéticos utilizados contém uma variedade muito
grande de impurezas. No caso dos superfosfatos,
as mais freqüentes são o Arsênio, o Cádmio, o
Cromo, o Cobalto, o Cobre, entre outros. O
acúmulo desses elementos de pouca mobilidade,
no solo, pode esterilizá-los; nos lençóis freáticos,
157
158 Emília Moreira e Ivan Targino

por longo tempo, pode contaminá-los (EGLER &


TAVARES, 1984).
Não se tem conhecimento, na Paraíba,
de estudos detalhados que permitam identificar
os impactos causados pelo uso disseminado e
intenso de fertilizantes químicos sobre os solos
dos tabuleiros e das várzeas do Litoral.
Recentemente, porém, análises realizadas por
pesquisadores do Departamento de Sistemática e
Ecologia e do Núcleo de Estudos e Pesquisas de
Recursos do Mar da UFPb, detectaram alterações
no teor de nitratos e nitritos em alguns
mananciais de água da zona canavieira do
Estado. Elevados teores de nitrato na nascente do
rio Açu, tributário do rio Mamanguape, cujo
estuário é o segundo maior do Estado e nos
reservatórios de águas dos rios Gramame e
Mamuaba, identificados pelos citados
pesquisadores, são por eles considerados
evidências indiretas de contaminação desses
ecossistemas, por fertilizantes químicos usados
nas plantações de cana que circundam essas
áreas (WATANABE et alii, 1994). Esse fato vem
sendo objeto de preocupação por parte dos
pesquisadores do Centro de Referência em Saúde
do Trabalhador da UFPb (CERESAT), pela
possibilidade por eles levantada, de crianças
menores de 6 meses serem acometidas de
anemia por formação de metamoglobina e de
formação de nitrosamina (agente cancerígeno)
em adultos, a partir da ingestão de água,
legumes ou verduras ricas em nitratos e nitritos.
Dentre os pesticidas orgânicos
(naturais e sintéticos) e os inorgânicos, os mais
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 159

utilizados na região canavieira da Paraíba são os


compostos clorados e derivados e os compostos
organofosforados. Os herbicidas mais comumente
aplicados são Ametrina, Carbamato, Glyphosate
ou Glifosato, Terbuthiuron, Terbacil, Ácido 2,4-
Dicloro Fenoxiacético (2,4 D) e Paraquat. Aplicam-
se também inseticidas fosforados orgânicos,
inseticidas carbamatos e fungicidas (Benomil e
Captafol) (MITSUNAGA,1990). A aplicação
intensiva e contínua desses produtos em áreas de
solo com alta capacidade de filtração como os
tabuleiros, contribui para ampliar os riscos de
contaminação ambiental. Estudo realizado por
Watanabe com o objetivo de conhecer o efeito de
alguns desses herbicidas e inseticidas sobre a
comunidade perifítica do reservatório de água de
Gramame, localizado no município canavieiro de
Alhandra e que é circundado por plantações de
cana, constatou que os agrotóxicos atuam
diretamente sobre a atividade fisiológica do
perefiton, alterando tanto a respiração quanto a
fotossíntese das algas (WATANABE et alii,
1994:8). Os efeitos nocivos para os seres vivos
em geral também não são desconhecidos. Eles
variam da simples cefaléia, irritação na pele,
convulsão, diarréia, até a ocorrência de doenças
respiratórias, teratogênese, câncer e óbito. Os
herbicidas Paraquat + Diuron podem ser citados
como altamente tóxicos, algumas gotas podendo
ser letais ao homem; o gramoxone e o gramoxil
por sua vez têm sido usados na cultura da cana-
de-açúcar em vários municípios da Paraíba. Tais
produtos são altamente tóxicos podendo levar a
fibrose, edema e hemorragia pulmonar
159
160 Emília Moreira e Ivan Targino

(MITSUNAGA, 1990). Uma pesquisa do


GESTAR/UFPb, realizada em 1989 com
aplicadores de herbicidas, detectou 26,3% dos
trabalhadores com dosagem de colinesterase
alterada.
O risco de intoxicação do trabalhador
não pode ser descartado, sobretudo
considerando-se: que não há preparação
adequada dos aplicadores; que tanto os
equipamentos de aplicação como os de proteção
individual se danificam e não são reparados; que
a prática freqüente do uso de água dos rios e
açudes para a lavagem dos equipamentos
contamina as fontes de água de uso coletivo e
que inexiste, na Paraíba, uma estrutrura de
serviços de assistência técnica agrícola e de
saúde para executar medidas e ações de controle
do uso de agrotóxicos.
Vale a pena realçar que existe uma
certa divisão sexual e etária do trabalho no
manuseio dos agroquímicos. Os adubos e
corretivos de solo são, normalmente, encargo de
mulheres e menores. Eles trabalham sem
qualquer proteção, daí serem freqüentes os
problemas dermatológicos. O trato com
inseticidas e herbicidas é reservado aos homens
jovens. Segundo relatos desses trabalhadores,
eles são escolhidos por sua maior força física para
carregar a bomba costal e por terem melhor
saúde para suportar o veneno. Embora seja
comum o relato de trabalhadores que ficaram
"embebedados" durante a aplicação e terem sido
levados para hospitais ou centros de saúde,
dificilmente se encontra o registro de tais
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 161

ocorrências. Há um sub-registro das doenças e


mortes provocadas pela manipulação de tais
produtos. Isso é devido, de um lado, ao
despreparo dos agentes de saúde e dos serviços
de saúde, e de outro lado, às pressões do
patronato sobre esses serviços para que tais
ocorrências sejam descaracterizadas como
acidentes de trabalho.
Apesar da legislação brasileira proibir
o lançamento do vinhoto e de águas residuais de
destilarias nos corpos d'água, até 1985, era muito
freqüente os casos de contaminação hídrica por
efluentes de Usinas e destilarias (diminuídos hoje
em virtude da intensificação das inspeções e do
peso das multas que são infligidas aos infratores),
sobretudo no meio e no final do período de
atividade das Usinas e destilarias. A descarga
desse resíduo altamente nocivo é responsável
pela morte de peixes e crustáceos, pela
danificação da flora estuarina e pelo
comprometimento da saúde da população que
absorve alimentos e água contaminados.
Recentemente, análises realizadas por
pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas
de Recursos do Mar da UFPb (NEPREMAR)
comprovaram a contaminação da água em
diferentes setores de sistemas aquáticos da
região canavieira. As altas concentrações de
leveduras, os baixos valores de oxigênio
dissolvido e os altos níveis de DBO observados
em locais próximos às destilarias e a constante
presença de leveduras fermentativas ao longo do
estuário do rio Paraíba, em altas concentrações,
são considerados por estes estudiosos evidências
161
162 Emília Moreira e Ivan Targino

diretas da contaminação desses ambientes por


vinhoto e águas residuais (WATANABE et alii,
1994).
Em 1985, a abertura das comportas
da bacia de acumulação de vinhoto da destilaria
Tabu, denunciada pela imprensa estadual, teria
provocado a morte de peixes e caranguejos no
estuário do rio Abiaí. A contaminação de pessoas
que consumiram a água do rio, peixes e
crustáceos, também foi constatada.
Mais recentemente, em dezembro de
1994, o IBAMA autuou a Usina Agican
(Agroindústria Camaratuba Ltda.) por ter poluído
o rio Camaratuba com o vinhoto e deste modo ter
provocado a morte de aproximadamente três mil
quilos de peixe de várias espécies e tamanhos
(Jornal Correio da Paraíba, fl.3, 23/12/1994).
O Proalcool foi ainda responsável pela
intensificação do processo de concentração da
propriedade da terra, pelo crescimento da
utilização do trabalho assalariado de mulheres e
crianças, pela retração da produção de alimentos
e pelo conseqüente aumento da fome, pela
expulsão massiva da população rural, pela
disseminação do trabalho semi-escravo e pelo
agravamento das condições de trabalho e vida da
classe trabalhadora, como veremos no decorrer
deste estudo.
Não obstante todos os incentivos
dirigidos para o citado Programa, a partir de 1987
os usineiros e plantadores de cana retornaram ao
antigo discurso sobre "a crise do setor".

3.2. A crise atual da economia canavieira


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 163

O movimento ascendente da
economia canavieira no Estado vem, a partir da
segunda metade dos anos 80, dando mostras de
arrefecimento. A área colhida de 178 mil hectares
em 1986 foi declinando sistematicamente até
atingir 92 mil hectares em 1993. A quantidade
produzida declinou de 10,7 milhões de toneladas
em 1986 para 7,9 milhões de toneladas em 1992
e, em virtude da seca, para 1,8 milhão em 1993
(v. quadro III). O rendimento médio por hectare
de 60,1 mil kg/ha em 1986, caiu para 51,9 mil
kg/ha em 1992 e alcançou 19,8 mil kg/ha em
1993. A área plantada também foi reduzida. Os
usineiros e fornecedores de cana voltaram a falar
em crise e a exigir providências do Estado para
"salvar o setor".
Faz-se necessário esclarecer que a
drástica redução na quantidade produzida, na
área colhida e na participação da cana na
composição do valor da produção dos principais
produtos agrícolas dos municípios canavieiros em
1993, apesar de ter repercutido fortemente na
economia canavieira, não pode ser atribuída
unicamente à crise do setor como alguns querem
fazer crer. Na verdade, esse comportamento
altamente negativo da produção foi comum a
todas as lavouras e deveu-se principalmente à
ausência de chuvas decorrente de uma das mais
rigorosas secas que afligiram o Nordeste neste
século. Tanto é verdade, que a safra de 94/95

163
164 Emília Moreira e Ivan Targino

apresentou um crescimento da área de cana


colhida equivalente a 40%. 35
É também importante chamar a
atenção para o fato de que os resultados
alcançados pela produção de cana-de-açúcar a
partir de 1987 até 1992, embora notoriamente
declinantes em relação aos anos anteriores, ainda
foram superiores aos obtidos em 1983, em pleno
apogeu do Proalcool (v. quadro III).
Os resultados da produção, por si só,
não servem, portanto, como demonstrativo da
situação de crise. Na verdade, malgrado todos os
investimentos de capital e incentivos fiscais
fornecidos pelo Proalcool, o setor canavieiro
paraibano chegou ao fim da década de 80
extremamente endividado. Esse, entre outros
fatores, estaria na base do atual quadro de
"crise".
Segundo levantamento realizado por
uma comissão interministerial, criada pelo
presidente Collor em fevereiro de 1991 para
elaborar um projeto de "Salvação Econômica"
para os usineiros e donos de destilaria, o "SOS
Usineiros", a dívida do setor sucro-alcooleiro
nacional com o Banco do Brasil, com o IAA, com a
Receita Federal e com a Procuradoria da Fazenda
Nacional totalizava em setembro de 1991 Cr$
1.003.526.323,00. A dívida da Paraíba
correspondia a 5,7% desse total, o que
representava Cr$ 58.868.503,00 (v. quadro V).
Esse valor exclui endividamentos contraídos com
35Essa informação foi fornecida pelo presidente da Associação dos
Plantadores de Cana do Estado da Paraíba (Asplan) ao Jornal Correio da
Paraíba. Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Safra de cana cresce em 40%". João
Pessoa, 20/04/1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 165

outros setores como, por exemplo, o Banco do


Estado da Paraíba, Companhias de Luz e Água
(Saelpa, Cagepa), Secretaria de Finanças do
Estado, etc.
A imprensa vem divulgando
sistematicamente a situação de insolvência
financeira de algumas Usinas de açúcar
paraibanas, com destaque para a Santa. Maria e a
Santa Helena.
A Usina Santa Maria faliu. Em seguida,
uma empresa, a AGROENGE (Agropecuária e
Engenharia S/A), pertencente a um grupo
empresarial do Distrito Federal, que tinha por
presidente o Sr. Josimar Santos, entrou na justiça,
ganhou a suspensão da falência, realizou
financiamento junto ao Banco do Brasil visando o
soerguimento da Usina e a assumiu. Para isso a
AGROENGE teria contado com o apoio de políticos
locais.
Em outubro de 1992, a antiga Usina
Santa Maria reabriu sob o controle desse grupo,
com o nome de USIAGRO (Usina e Agropecuária
Ltda.). Durante dois anos ela produziu açúcar e
álcool. Depois disso, voltou a fechar. O grupo
empresarial se retirou sem ter conseguido
soerguer a empresa. Deixou para trás mil sacos
de açúcar e 712 mil litros de álcool da safra
92/93, além de uma série de problemas. Para o
Banco do Brasil, os produtos estocados
integravam uma garantia de financiamento feita
pelo Banco à citada empresa. Para a justiça,
porém, eles pertenciam à massa falida, portanto,
eram passíveis de serem vendidos. Tal venda foi
realizada em maio de 1994. Estava previsto que o
165
166 Emília Moreira e Ivan Targino

dinheiro da venda destes produtos se destinaria


ao pagamento da dívida e das ações
trabalhistas. 36
As terras da Usina Santa Maria
estão inventariadas no processo de falência.
A Usina Santa Helena/Caiena também
está falida. De acordo com depoimentos de
representantes do Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Sapé e com as notícias veiculadas pela
imprensa, a parte industrial da empresa teria sido
arrendada à Usina Agromar Açúcar e Álcool Ltda.,
com sede no Rio Grande do Norte, de
responsabilidade de um paraibano, Sr. Elmo
Teixeira de Carvalho e a parte agrícola, a
fornecedores de cana da região. Em 1992, a
empresa foi acusada de inadimplência para com
os fornecedores-arrendatários. Estes, alegando a
situação de inadimplência da empresa com os
mesmos, passaram a se negar a continuar lhes
fornecendo cana, complicando o quadro já difícil
de funcionamento da empresa.
A Usina Monte Alegre foi adquirida
pelo Grupo Soares de Oliveira do próprio Estado.
As Usinas Santa Rita e Santana
também faliram. Segundo o Presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Rita,
o grupo Cavalcante de Morais “está cercando as
terras destas Usinas já tendo arrendado muita
terra da Santana” (uma de suas propriedades, a
Fazenda Planalto, teria sido arrendada pela
destilaria Japungu, do grupo citado). No caso da
Usina Santa Rita, esse grupo não só teria
arrendado, como adquirido em leilão grande
36A pesquisa não conseguiu a confirmação sobre o destino dos recursos
obtidos com a venda do estoque de açúcar e álcool deixado pela AGROENGE.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 167

quantidade de suas terras (o maior imóvel dessa


Usina, a Fazenda Gargaú, com mais de 6.000
hectares, teria sido por ele adquirida em leilão). 37
A Usina São João, segundo
informações obtidas junto à imprensa, a
fornecedores de cana e trabalhadores rurais,
estaria também deficitária, em estado de pré-
falência.
A Agroindústria de Camaratuba
(destilaria autônoma AGICAN), de acordo com as
mesmas fontes, enfrentava também sérios
problemas financeiros. Em janeiro de 1993 a
empresa devia 3 bilhões de cruzeiros só à
Cooperativa de Crédito Rural dos Fornecedores de
Cana da Paraíba (Coforpa). 38
Em 17 de abril de 1995 a "Folha de
São Paulo" divulgou um documento que revela os
principais devedores nacionais do Banco do Brasil
até novembro de 1994. Dos cem maiores
devedores, três são Usinas paraibanas: a AGICAN
- Agroindústria de Camaratuba - com a 12ª maior
dívida, equivalente a R$ 27,8 milhões; a Usina
Santa Maria S/A, com a 16ª maior dívida, de R$
24,7 milhões; a Cia. Industrial Santa Helena, com
a 44ª maior dívida, correspondente a 10,6
milhões, e a Usina Santa Rita com a 46ª maior
dívida, da ordem de 10,3 milhões. A dívida da
Usina Santa Rita, segundo o citado documento, é
avaliada pelo Banco do Brasil como de "difícil

37Essa informação foi fornecida pelo Presidente do Sindicato de


Trabalhadores Rurais do município de Santa Rita.
38Cf. Jornal O Norte. "Usina de cana deve mais de 3 bilhões à cooperativa”.
João Pessoa, 08/01/1993.
167
168 Emília Moreira e Ivan Targino

solução ou irrecuperável".39 A soma das dívidas


dessas empresas representa 4,98% do total da
dívida dos cem maiores devedores do Banco do
Brasil, segundo o documento citado.
Depois de todos os incentivos
financeiros e econômicos canalizados para o setor
através do Proalcool, o que explicaria tal
situação? Configura-se de fato mais uma "Crise"
da atividade canavieira”? A crise do Proalcool se
constitui num prolongamento da crise do Estado?
Ela é uma conseqüência da verdadeira crise, que
é a crise que está, mais uma vez, sendo
vivenciada pelo capital?
Algumas teses tentam explicar a
"crise atual" da economia canavieira. Destacamos
aqui algumas delas:
a) até a primeira metade dos anos 80
as Usinas eram administradas utilizando-se
capital de giro de terceiros (empréstimos
bancários subsidiados a juros baixos como foi
visto na introdução deste texto).
Concomitantemente, elas vinham, ao longo do
tempo, sendo beneficiadas com anistias para seus
débitos ou sendo agraciadas com a não aplicação
da correção monetária sobre os mesmos. A partir
da gestão do Ministro Dilson Funaro (1986), as
autoridades monetárias passaram de um lado a
diminuir o crédito e, de outro, a exigir o
pagamento dos débitos. Por outro lado, a crise
por que passa a economia nacional tem levado o
Governo Federal, bem como os governos
estaduais a serem mais rigorosos na cobrança
39Cf. Jornal Folha de São Paulo. "Calote no Banco do Brasil - Cem devedores
dão prejuízo de R$1,5 bi". São Paulo, 17/04/1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 169

das dívidas do setor, relativas ao pagamento das


taxas e impostos. Isso teria colocado o sistema
em condições financeiras críticas. Acostumados à
"anistia", os usineiros se vêem numa situação até
certo ponto singular;
b) a cobrança mais incisiva dos
débitos das empresas junto ao INSS e à Receita
Federal teria contribuído para agravar o quadro.
Um levantamento preliminar realizado pela
Receita Federal até dezembro de 1990 indicava
que apenas seis empresários do setor sucro-
alcooleiro da Paraíba lhes devia até aquele
momento o equivalente a 4 milhões e 442 mil
cruzeiros em débitos que já vinham rolando
desde o tempo do IAA. À época, parte dessas
dívidas já tinham sido encaminhadas à
Procuradoria da Fazenda Nacional para ser
efetuada a cobrança e outra parte permanecia na
Receita;40
c) os usineiros afirmam que a
elevação dos custos de produção da lavoura,
sobretudo com a elevação dos preços dos
transportes, teria implicado em não renovação da
frota e elevação da sua depreciação. Segundo
estimativas, os custos de produção no final de
1990 situar-se-ia 30% acima do preço da cana.
Isto estaria provocando a redução do plantio;
d) a perda do poder político e
econômico da burguesia canavieira nordestina
face à do sul, que tem maior capacidade de
produção e de produtividade, teria contribuído
para acentuar a crise do setor;
40Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Dívida de Usineiros com Receita Federal
ultrapassa 4,2 bilhões". João Pessoa, 15/12/1990.
169
170 Emília Moreira e Ivan Targino

e) há quem, como Manoel Correia de


Andrade, aponte como mais um problema da
agroindústria açucareira e como uma das causas
do agravamento da situação financeira das
Usinas, o fato delas terem, historicamente,
promovido a intensificação da concentração
fundiária, financeira e de renda, chegando a um
ponto de estrangulamento tal, que o fornecedor
de cana, figura de suma importância na dinâmica
do sistema, estaria se transformando numa figura
em extinção. Como resultado, o que se tem
observado é a devolução de Engenhos, por eles
arrendados, à administração das Usinas e a
dificuldade dessas em manter milhares de
hectares sob sua responsabilidade. Por outro
lado, nos Engenhos fornecedores, de
proprietários, vem ocorrendo a substituição da
cana por outras culturas e pela pecuária. Com
isso vem caindo a quantidade de cana fornecida
às Usinas, tornando ainda mais crítica a situação;
f) a concentração da propriedade da
terra e as mudanças nas relações de trabalho
promovidas pelas Usinas geraram gravíssimos
problemas sociais. Estes se expressam através da
desruralização do trabalhador, da sua
transformação em assalariado e da acentuação
da sua condição de pobreza. Embora tenha sido
suficientemente capaz de gerar os problemas
sociais citados, a Usina não tem, na mesma
proporção, mostrado eficiência para solucioná-los.
Ao contrário, tende a agravá-los na medida em
que desemprega mão-de-obra e não cumpre com
as leis trabalhistas. Isso vem provocando o seu
acionamento pela justiça, através de milhares de
ações trabalhistas que hoje representam milhões
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 171

de reais, a serem pagos aos trabalhadores. Em


alguns casos, o valor devido aos trabalhadores é
tão alto que, considerando-se a precariedade
financeira de certas Usinas, seria necessário que
elas se desfizessem de parte de suas terras e/ou
dos seus equipamentos para cobri-lo. No caso da
Santa Maria, por exemplo, são U$ 5 milhões de
créditos trabalhistas a serem pagos, valor este
superior ao passível de ser alcançado pelas 12
propriedades a ela pertencentes; 41
g) a falta de racionalidade empresarial
na administração das empresas é também
apontada como uma das responsáveis pela crise
das Usinas. Esta falta de racionalidade é vista
como um reflexo da mentalidade arcaica das
oligarquias tradicionais; não se pode negar que a
Usina de açúcar, via de regra, ao contrário das
destilarias autônomas, "está longe de ser
caracterizada como uma empresa capitalista cuja
existência física seja moldada na concorrência e
na competitividade do mercado". E que o
fornecedor ou usineiro local seja reconhecido
como "manifestações da burguesia industrial
moderna". A falta de "racionalidade empresarial
capitalista" era compensada através do
"fortalecimento dos vínculos de dependência em
relação à burocracia governamental federal e do
reforço do clientelismo como forma de regulação
da dominação política açucareira"
(ALBUQUERQUE, 1991:121). Na medida em que
as práticas de clientelismo vão se tornando
impotentes para continuar a garantir "o paraíso
de privilégios financeiros", a racionalidade
empresarial arcaica tende a desabar. Daí, a
41Essa informação foi fornecida por trabalhadores rurais residentes nas
propriedades da Usina e por sua Assessoria Jurídica.
171
172 Emília Moreira e Ivan Targino

impressão que se tem é que a crise atual do setor


sucro-alcooleiro da Paraíba passa pelo processo
de desintegração do poder pré-moderno;
h) um outro elemento interveniente
na agudização da crise da Usina é a mudança nas
relações sociais de produção associada a uma
ação mais eficiente da organização sindical. Isto
é, tradicionalmente a miséria do trabalhador
morador era o elemento garantidor da
rentabilidade da atividade açucareira no
Nordeste. Com o fim do sistema morador e sua
substituição pelo trabalho assalariado, aumentam
os custos da produção, sobretudo quando a
remuneração do trabalho passa a ser afetada
mais fortemente pela ação sindical. Isto, apesar
das diversas formas encontradas pela classe
patronal para burlar a legislação trabalhista e os
acordos dos dissídios coletivos;
i) a classe patronal canavieira propala
que a redução dos subsídios à produção de cana
e as restrições por que tem passado o crédito
agrícola (redução do volume e elevação dos juros)
têm contribuído para o encarecimento dos
serviços das dívidas do setor, bem como têm
limitado as possibilidades de refinanciamento das
mesmas;
j) os fornecedores e usineiros afirmam
ainda que a baixa lucratividade apresentada pela
atividade, aliada às restrições impostas pela crise
econômica nacional, têm reduzido a sua
capacidade de investimentos quer no segmento
agrícola, quer no segmento industrial,
comprometendo a continuidade do seu processo
de modernização;
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 173

l) o desvio de recursos do setor


produtivo para o de consumo ostentatório é
também apontado como responsável pela "crise".
Ou seja, a transformação dos recursos obtidos
para estimular a produção, intensificar o processo
modernizador (através da renovação de
equipamentos e de melhorias técnicas) em bens
de consumo de luxo como mansões, jóias, meios
de transporte individuais, viagens ao exterior,
etc., só teria contribuído para agravar o quadro
financeiro das Usinas;
m) a impossibilidade das Usinas
tradicionais continuarem a funcionar em função
da sua insolvência financeira (hipotecas e dívidas
superiores ao valor do patrimônio existente;
lucros econômicos e ganhos financeiros
insuficientes para cobrir os débitos) constitui mais
um fator de agravamento da "crise";
n) o deslocamento de investimentos
da cana-de-açúcar para outras atividades
econômicas como a pecuária teria também
contribuído para a atual situação;
o) a seca que se estendeu do Sertão
ao Litoral do Estado em 1993 atingiu os canaviais,
atrofiou a cana e comprometeu de forma violenta
a safra de 93/94, agravando a situação do setor,
sobretudo do seu segmento pré-moderno;
p) os produtores de cana garantem
que a falta de uma política de preço justo para o
produto e de estímulo à produção está levando as
Usinas a trabalhar no vermelho e os fornecedores
a enfrentarem enormes dificuldades. O presidente
da Asplan/PB, em depoimento à imprensa local,
afirmou que uma das maiores dificuldades dos
173
174 Emília Moreira e Ivan Targino

plantadores de cana do Estado consiste no preço


mínimo da tonelada de cana. "Mil quilos do
produto estão sendo vendidos pelo preço
medíocre de R$ 14,64, quando na verdade este
valor era para ser de mais de R$ 23,00"; 42

q) os empresários da cana alegam


ainda que a correção das suas dívidas pela TR
(Taxa Referencial de Juros) ao lado da
manutenção do congelamento do preço do
produto, desde o início do Plano Real, estaria
agravando a crise do setor e inviabilizando-o;
r) a inadimplência de algumas Usinas
junto aos seus fornecedores de cana estaria
levando-os a desviarem o seu fornecimento para
empresas situadas fora do Estado,
desabastecendo assim as Usinas locais.
Não há dúvida de que o Proalcool
passa por uma séria crise. É notório que os
recursos públicos dirigidos para o mesmo, embora
não desprezíveis, sofreram uma redução muito
importante estando, hoje, longe do que foi
outrora. A isto se soma o declínio do preço
internacional do petróleo e a aproximação do
país, com a exploração em altos níveis de
profundidade, na Bacia de Campos, da sua auto-
suficiência na produção desse produto. Por outro
lado, a partir de 1990, nota-se um certo
revigoramento do mercado internacional do
açúcar.
Ao lado desses fatores cuja ação
indica para a continuidade da crise, observam-se

42Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Safra da cana cresce em 40%". João Pessoa,
20/04/1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 175

alguns esforços na busca de soluções.


Destacamos aqui:
a) as tentativas de integração
econômica do setor através: da consorciação da
cana-de-açúcar com outras culturas alimentares,
particularmente o feijão; do aproveitamento do
bagaço de cana como fonte de energia, o que
propiciaria a integração do setor canavieiro, ao de
produção de energia elétrica; do aproveitamento
da levedura protéica (um dos produtos derivados
do processo de produção) e a utilização do
bagaço de cana misturado ao melaço, como ração
animal, o que permitiria a integração das
atividades canavieira e pecuária. Nesse mesmo
sentido vai o aproveitamento do bagaço de cana
para a produção de madeira (tipo aglomerado) e
celulose, como já se faz em Cuba;
b) as pesquisas de melhoria das
espécies cultivadas e das técnicas de cultivo;
c) a melhoria do controle de qualidade
do álcool a partir da renovação dos equipamentos
laboratoriais e da uniformização dos métodos de
controle, visando atender às exigências da
Petrobrás como também, e sobretudo, à redução
dos custos de produção. Existe também a
preocupação de que esse controle seja extensivo
a todas as etapas do processo produtivo, uma vez
que só assim se teria uma minimização ideal dos
custos e um aumento significativo da
produtividade;
d) a intensificação do processo de
mecanização da lavoura como forma de reduzir
os custos com mão-de-obra. Isso sem falar nas
formas espúrias de reduzir esses custos
175
176 Emília Moreira e Ivan Targino

(adulteração das unidades de medida das tarefas,


sub-remuneração do trabalho de crianças, de
adolescentes e da mulher, etc.).
Esses fatores atuam no sentido de
aumentar a produtividade e de integrar o setor
canavieiro a outros ramos da atividade agrícola e
ao de produção de energia elétrica. No entanto, o
seu impacto é restringido pelas dificuldades de
financiamento anteriormente apontadas.
e) a incorporação do segmento
arcaico da atividade ao setor moderno, através
da aquisição das antigas Usinas, ou das suas
terras, por grupos empresariais diversos, da
Paraíba e de outros estados, como os vizinhos
Pernambuco e Rio Grande do Norte, inclusive por
alguns que já detêm o controle de destilarias
autônomas, como foi anteriormente
demonstrado.
No caso da Paraíba, algumas
tentativas vêm sendo feitas pelo segmento
moderno da economia canavieira em direção,
sobretudo, à intensificação da mecanização, à
melhoria dos processos e técnicas de cultivo e ao
controle de qualidade do álcool. O setor arcaico e
os fornecedores, com raríssimas exceções, não
apresentam porém qualquer avanço nesse
sentido, restringindo sua ação à integração do
cultivo da cana com outras culturas ou com a
pecuária;

3.2.1. A política do Governo Collor


para a agroindústria
canavieira
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 177

A política do Governo Collor para a


agroindústria canavieira se definiu logo após sua
posse, em 15 de março de 1990, quando ele
anunciou o fim de todos os subsídios do Estado
(excetuando-se a Zona Franca de Manaus) e
continuou na prática, mantendo aqueles
destinados à agroindústria canavieira, de 25%
para os usineiros do Nordeste e de 10,5% para os
do Sudeste. O que ele mudou, de fato, foi o nome
de "subsídio" para "taxa de equalização de
custos". Desde o princípio então, negando todo
discurso que vinha praticando desde a "caça aos
marajás" quando ainda governador de Alagoas, o
governo Collor adotou uma política de
favorecimento aos empresários da cana. Por
ocasião do lançamento do Plano Collor I, foram
estes empresários (usineiros e fornecedores de
cana) os primeiros a conseguir desbloquear os
cruzados retidos, alegando falta de recursos para
saldar seus débitos com os trabalhadores, em
especial com os assalariados da cana
(PADRÃO,1990). Posteriormente, o governo lhes
pagou em cruzeiros, os subsídios (taxas de
equalização de custos) que lhes eram devidos
desde o Governo Sarney, num montante de Cr$
871 milhões. Isto sem falar que o governo Collor
atendeu a duas reivindicações históricas dos
donos de destilarias e Usinas:
a) a incorporação da "taxa de
equalização de custos", que eles recebiam pela
cana usada na produção de álcool, ao preço de
venda ao consumidor. Assim, os donos de
destilaria passavam a receber o subsídio no ato

177
178 Emília Moreira e Ivan Targino

de faturamento do produto, sem atraso


(PADRÃO,1990);
b) a extinção do IAA e a adoção do
índice da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para
reajustar os preços da cana e do álcool.
Discordando dos preços estabelecidos pelo IAA,
por considerarem que os mesmos não cobriam os
custos de produção, os usineiros já haviam
realizado um convênio com a FGV para a
elaboração dos seus próprios índices e vinham
pressionando o Governo para aceitá-los como
oficiais. Collor propiciou mais este ganho à classe
patronal canavieira (PADRÃO,1990).
É também desse Governo o projeto
"SOS Usineiros", elaborado pela Comissão
Interministerial criada através da Portaria nº. 83
de 15/02/91, publicada no Diário Oficial de
18/02/91, que propõe a renegociação das dívidas
dos usineiros com base, mais uma vez, em juros
baixos e prazos dilatados. Isto, sem falar que a
comissão recomenda um tratamento diferenciado
caso por caso, levando em consideração a
capacidade individualizada de pagamento dos
débitos. Para tal, classifica as unidades produtivas
em quatro grupos: empresas capitalizadas;
empresas razoavelmente capitalizadas (que
devem mas pagam em dia, correspondendo a
20% do total); empresas com dificuldades
financeiras mas consideradas viáveis (estas
representando 50,0% do total); e as empresas
inadimplentes ou consideradas inviáveis (cerca de
10 a 20% do total). Estas estariam fadadas ao
desaparecimento.
Vale ainda a pena chamar a atenção
para a omissão tanto do Governo Federal, quanto
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 179

dos governos estaduais, no que diz respeito à


divulgação do valor do débito de cada unidade de
produção, seja junto ao Banco do Brasil e aos
Bancos Estaduais, seja junto ao tesouro Nacional,
a Receita Federal e às Secretarias de Finanças
dos estados. O que se divulga é o valor global dos
débitos por unidade da Federação e com os mais
importantes credores. Nos tempos "coloridos" em
que o governo exigia rigor com relação aos
escândalos que envolviam os Ministérios do
Trabalho, da Previdência Social e da Saúde, e que
divulgava a lista de "Marajás da Previdência", era
de se estranhar a resistência em repassar à
sociedade os nomes dos usineiros devedores e o
montante da dívida por unidade credora. Por
outro lado, entende-se que, com representantes
dos usineiros no Congresso Nacional e no
Governo, do porte do então Ministro da Ação
Social Ricardo Fiúza, e os compromissos políticos
assumidos pelos governos estaduais com o setor
durante as campanhas eleitorais, fosse mais fácil
fazer valer a lei do silêncio.
No fundo, porém, nada aconteceu
porque a política geral do Governo era de
fortalecimento e de garantia de sobrevivência do
setor. É a história que se repete. Prova disso foi a
presença do Presidente Collor no I Encontro
Internacional de Energia da Cana-de-Açúcar,
ocorrido em agosto de 1990, em Maceió, e sua
afirmação de que o "Proalcool é um patrimônio
nacional".
O lançamento do Proalcool II,
vinculado à ecologia durante a Conferência
Mundial do Meio Ambiente no Rio de Janeiro,
confirmou a intenção do governo Collor em
manter e ampliar este programa
179
180 Emília Moreira e Ivan Targino

3.2.2. O Proalcool no Governo


Itamar Franco

Em fevereiro de 1993, o jornal Folha


de São Paulo noticiava a decisão do governo
Itamar Franco de retomar o Proalcool. Um Grupo
de Trabalho foi criado para definir o futuro do
Programa. A criação deste GT seria a resposta à
mobilização dos usineiros que solicitavam do
governo:
a) a manutenção dos 22,5% que o
álcool carburante deveria ocupar no consumo de
energia do setor de transporte rodoviário,
conforme definido no lançamento do Proalcool em
1975;
b) a elevação da participação dos
veículos a álcool dos então 26% da frota total
para 40%. Para tanto, solicitavam que a frota de
veículos oficial fosse toda ela de carros a álcool;
c) a concessão de incentivos para a
produção de veículos a álcool;
d) a garantia de compra, por parte do
governo, do estoque de álcool para a formação de
reservas estratégicas;
e) o aumento imediato do preço ao
produtor até a eliminação da defasagem
existente em relação aos custos de produção;
f) o adequado financiamento dos
estoques de álcool não comercializados. 43
Até aquela data, algumas medidas já
haviam sido tomadas por Itamar. Os
representantes do Governo se comprometeram,
43Cf. Jornal Folha de São Paulo. "Futuro do Proalcool será selado em 60 dias".
São Paulo, 14/02/1993.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 181

em princípio, a induzir a indústria automobilística


a chegar ao percentual de 40% da sua produção
para carros a álcool. O Governo prometeu
também utilizar cerca de US$ 170 milhões, com a
finalidade de adquirir os estoques de álcool das
Usinas, embora não tenha estabelecido o prazo
para tal compra. Comprometeu-se ainda em
estudar uma "correção progressiva" de forma a
eliminar a distorção entre o preço do produto e os
custos de produção, em abrir uma linha de
crédito no Banco do Brasil, cobrando TR mais 12%
ao ano, além de abrir financiamento para
reposição da cana-de-açúcar com as mesmas
taxas.44
Apesar das iniciativas levadas a efeito
pelo Governo Itamar Franco, os usineiros
adentraram a gestão Fernando Henrique Cardoso
com o mesmo discurso e exigindo mais uma vez
que o Estado brasileiro se coloque a serviço da
"salvação do Proalcool".

3.2.3. Os efeitos da crise atual da


agroindústria canavieira da
Paraíba sobre a classe
trabalhadora.

Não obstante as iniciativas dos


Governos Collor e Itamar, dirigidas no sentido do
soerguimento da atividade canavieira do
Nordeste e do Sudeste do Brasil, não resta dúvida
que o setor sucro-alcooleiro, em particular, o seu
segmento mais atrasado (Usinas de açúcar e
destilarias anexas), enfrenta sérios problemas de

44Idem.Ibid.

181
182 Emília Moreira e Ivan Targino

ordem econômica como foi demonstrado nos


itens anteriores.
Na Paraíba, a retração da expansão
da cana é um fato consumado. A falência de
algumas Usinas e a dificuldade de funcionamento
de outras, também constituem fatos concretos.
Na esteira da crise, como se situa a
classe trabalhadora?
No que tange ao exercício do
trabalho, o que se constatou nas últimas safras
foi que, nas Usinas mais deficitárias, parte das
terras foram arrendadas a terceiros e, onde
plantou-se cana, alguns trabalhadores da região
foram aproveitados. Os que aí não conseguiram
trabalho deslocaram-se para outras Usinas e
destilarias do Estado ou mesmo de Pernambuco.
Observou-se então uma acentuação do
deslocamento de população de uma área para
outra. Falamos em "acentuação" porque estes
deslocamentos são comuns no período de safra
da cana. Em algumas Usinas falidas, como é o
caso da Santa Maria, em Areia, parte dos
trabalhadores lá ainda permanecem cultivando a
terra com produtos alimentares e esperando uma
solução para os créditos trabalhistas a que têm
direito e que anseiam verem revertidos em terra
para cultivarem.
No que se refere à luta dos
trabalhadores, ela tem seguido dois caminhos:
a) nas Usinas tidas como "falidas",
onde as dívidas com os trabalhadores tanto de
seu segmento industrial como agrícola são
grandes, aciona-se a justiça através dos
advogados dos sindicatos ou de entidades
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 183

assessoras. Na maioria dos casos, a ação na


justiça é resolvida através de acordo entre as
partes e o pagamento de uma indenização, regra
geral, muito aquém do valor devido. Conforme
depoimento dos próprios trabalhadores, as
indenizações obtidas não podem ser consideradas
como "vitória" da categoria. Isto porque as
modificações impostas pela mídia na cultura
popular levam os agricultores indenizados a
aplicar o pequeno capital obtido em bens de
consumo duráveis, como geladeira, rádio,
televisão, som, etc. Assim, os recursos se
esgotam rapidamente e sua situação de pobreza
permanece a mesma. Isto, quando ela não
aumenta em decorrência da perda do direito à
roça e ao trabalho noutras unidades de produção,
o que, no mais da vezes, passa a lhes ser negado
pelos proprietários, seja por medo, seja por
desforra pelo fato do agricultor ter recorrido à
justiça contra um deles;
b) nas Usinas em situação deficitária e
nas destilarias, a ação sindical volta-se,
principalmente, para a exigência do cumprimento
das reivindicações em pauta a cada dissídio
coletivo, utilizando-se muitas vezes do recurso da
greve. A partir de 1993, porém, com o
agravamento do desemprego e a ampliação da
entressafra, as condições de barganha da classe
trabalhadora têm sido cada vez mais reduzidas.
Por outro lado, no bojo da "crise", as
mudanças na utilização do solo, já iniciadas na
zona canavieira, sobretudo com a expansão da
pecuária semi-intensiva, podem trazer
conseqüências ainda mais graves para o emprego
183
184 Emília Moreira e Ivan Targino

rural. Isto porque a expansão da cana expulsou o


trabalhador da terra, mas não cortou a sua
vinculação com a atividade agrícola. Parte
significativa dos trabalhadores expulsos
continuou vinculada à agricultura na condição de
assalariado. A expansão da pecuária nas áreas de
cana pode significar o desvinculamento definitivo
de grande parte dos trabalhadores da atividade
agrícola. A isto, soma-se o interesse crescente da
classe patronal em intensificar o processo de
mecanização, sobretudo no período da colheita,
fase de pico da demanda de emprego no setor
canavieiro. Caso esses dois caminhos se cruzem,
o resultado será, sem dúvida, o crescimento do
desemprego rural e o agravamento da situação
de pobreza em que se encontram os
trabalhadores do setor canavieiro do Estado.
Na Paraíba, a substituição da cana-de-
açúcar pelo pasto plantado já pode ser observada
tanto em municípios tradicionais produtores da
cana como Sapé e São Miguel de Taipu, como em
alguns que sofreram os efeitos da expansão
canavieira promovida pelo Proalcool como
Gurinhém, Caldas Brandão e Itabaiana.
Observa-se ainda na zona canavieira
paraibana a substituição da cana por outros
produtos agrícolas, tais como o inhame, o abacaxi
e a acerola. À exceção do abacaxi, as duas outras
culturas pagam salários mais baixos que a cana, o
que constitui mais um agravante para a condição
já precária de vida da classe trabalhadora.
Outro problema recente tem a ver
com a expansão do período de entressafra e do
conseqüente desemprego sazonal na atividade
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 185

canavieira, observado em 1993 e 1994, em


decorrência da conjugação de um período de seca
rigorosa com a crise de acumulação do setor.

3.2.4. Situação atual e


perspectivas para o
Proalcool

Quatro meses após o início do


governo Fernando Henrique Cardoso,
permanecem as dúvidas quanto ao futuro do
Programa Nacional do Álcool. Os usineiros e
plantadores de cana estão na rua e no Congresso
Nacional fazendo pressão pelo fim da TR e pelo
aumento do preço do produto. Os trabalhadores
incluem nas pautas de negociação e no
encaminhamento das suas lutas, o item garantia
de emprego.
Alguns economistas defendem a
retomada do Proalcool na Paraíba uma vez que o
mesmo teria condições de criar aqui 100 mil
novos empregos.
Outras questões merecem também
ser colocadas. Depois de ter expulso o homem do
campo, de tê-lo confinado nas periferias urbanas,
agrovilas e vilarejos rurais de beira de estrada,
em troca de trabalho temporário e mal
remunerado, como pensar o Proalcool como
solução para o desemprego por ele mesmo
gerado? Se o Programa ressurgir mais uma vez
ancorado nos subsídios governamentais, quantos
anos se terá de nova " fase áurea"? Quanto
tempo os novos empregos criados terão de
garantia? De que forma um novo Proalcool
185
186 Emília Moreira e Ivan Targino

poderia contribuir para solucionar a situação de


miséria da classe trabalhadora voltada para a
atividade canavieira? E para o desemprego
sazonal? Teria o Proalcool II as condições de
saldar a dívida social e ambiental contraída pelo
Proalcool I, ou tenderia a ampliá-la?
Acreditamos que a dependência das
economias municipal e regional a uma única
atividade mantida por um Programa cuja
sustentabilidade é crítica, para a geração de
emprego e renda, acaba por submeter estas duas
instâncias e a população a um clima de total
insegurança e instabilidade, por favorecer os
baixos salários e estimular a acentuação da
exploração do trabalho.
No nosso entender, só uma política
criativa e responsável que racionalize os recursos
na busca de um desenvolvimento integrado em
nível municipal, apoiado na diversificação das
atividades urbanas e rurais, associada a uma
política de democratização da terra e de
preservação ambiental, teria condições de
reverter o quadro de miséria da Zona Canavieira.
Enfim, o debate está aberto. Os contra
e os a favor se posicionam. Que pelo menos
agora, 20 anos após sua implantação, os diversos
segmentos da sociedade possam fazer aquilo que
não lhes foi concedido no momento em que os
militares resolveram lançar o Proalcool: discutir e
avaliar sua validade e optar por sua permanência
ou não, a partir de um balanço conseqüente dos
efeitos sociais, econômicos e ambientais que este
gerou e das implicações futuras de uma destas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 187

opções sobre o conjunto da economia e do


emprego em nível da realidade do Estado.

3.3. A expansão da pecuária

A expansão da atividade criatória na


década de 70 foi um dos marcos do processo de
modernização da agropecuária estadual. Para sua
efetivação, ela contou com o crédito subsidiado,
com juros muito baixos e um longo período de
carência (três anos). O Banco do Brasil, o Banco
do Nordeste e o Banco do Estado da Paraíba
(Paraiban), foram os principais agentes da política
de crédito e de financiamento da pecuária no
Estado.
Esses bancos oficiais efetuaram
repasses dos recursos de bancos ou entidades
estrangeiras como o Banco Mundial (BIRD), o
Banco Internacional de Desenvolvimento (BID),
entre outros, além dos recursos oriundos do
Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR), do
PROTERRA, do POLONORDESTE e do PROJETO
NORDESTE, que também se inseriram nesta
política.
Esses estímulos fornecidos pelo poder
público, ao lado da demanda de carne e leite nos
maiores centros urbanos, propiciaram a expansão
da pecuária, sobretudo da bovinocultura, a partir
de 1970.
O rebanho bovino cresceu, a partir de
então, de modo significativo em todo o Estado.
De 865.948 cabeças em 1970, passou para

187
188 Emília Moreira e Ivan Targino

1.296.081 cabeças em 1980 45, o que significou


um ritmo de crescimento geométrico da ordem de
4,1% ao ano. Ou seja, onde havia dez cabeças de
gado em 1970, encontravam-se quatorze em
1980.
Em nível regional, destacaram-se as
Microrregiões Geográficas agrestinas de Araruna,
Itabaiana e Guarabira, além dos municípios que
compõem a bacia leiteira de Campina Grande:
Aroeiras, Umbuzeiro, Queimadas, Fagundes e
Boqueirão, situados no Agreste Meridional (v.
mapas relativos ao crescimento do efetivo de
bovinos in: MOREIRA,1996). Nessas áreas, o
crescimento do número de bovinos representou
mais de 30,0% do aumento observado no
conjunto do Estado.
As regiões sertanejas
tradicionalmente consagradas à atividade
pecuária, sobretudo à pecuária bovina, também
apresentaram um aumento significativo do
rebanho, da ordem de 56,0%, na década de 70. A
bacia leiteira de Sousa, as regiões de Patos e da
Serra de Teixeira merecem destaque (v. mapas
relativos ao crescimento do efetivo de bovinos in:
MOREIRA,1996). Essas áreas, além dos municípios
de Cajazeiras e S. José de Piranhas, eram as
maiores produtoras de leite do espaço sertanejo
em 1980. O crescimento da produção de leite se
deu em torno delas, avançando sobre o vale do

45Esses dados são fornecidos pela FIBGE, através dos Censos Agropecuários
da Paraíba de 1970 e 1980. De acordo com as informações da Produção
Pecuária Municipal, também da FIBGE, que, como já foi mencionado, utiliza
metodologia diferente do Censo para a obtenção dos seus dados, o rebanho
bovino da Paraíba em 1980 seria ainda maior que o citado, de 1.317.783
cabeças. Cf. FIBGE. Produção Pecuária Municipal, 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 189

Piancó, acompanhando a direção da expansão do


rebanho (v. mapa in: MOREIRA,1996).
O rebanho de médio porte
experimentou igualmente um significativo
aumento (30,0%) no período em estudo. O Cariri
reafirmou a sua especialização na produção de
caprinos e ovinos. O fortalecimento da
caprinocultura nessa região é confirmado através
do aumento do efetivo animal da ordem de 50,0%
na maioria dos municípios que a compõem (v.
MOREIRA,1996).
O rebanho suíno concentrava-se,
sobretudo, nas Microrregiões de Cajazeiras e
Itaporanga e nos municípios que compõem a
bacia leiteira de Campina Gande (v.
MOREIRA,1996).
Dos animais de pequeno porte,
sobressaem as aves, com um crescimento
superior a 70,0% no conjunto do Estado. Em nível
municipal, o crescimento se deu de modo
disperso em todas as Microrregiões, com
destaque para o Litoral Sul, para a Microrregião
de Patos e alguns municípios isolados do Agreste,
Brejo, Seridó e Sertão da Paraíba (v.
MOREIRA,1996). O forte crescimento da produção
de aves deve-se ao aumento acelerado da
demanda de carne nos maiores centros urbanos,
associado ao aumento de preço observado na
carne bovina.
Essa melhoria do desempenho da
atividade pecuária pode também ser encarada
como um reflexo das modificações introduzidas
no processo produtivo a partir dos anos 60, tais
como:
189
190 Emília Moreira e Ivan Targino

a) modificações no padrão alimentar


dos rebanhos. O melhoramento das pastagens
naturais e a maior utilização de pastagens
plantadas e de rações industriais, mais ricas em
nutrientes que o pasto natural, estão na base das
transformações que vêm se processando na
alimentação dos rebanhos;
Tais modificações estão
consubstanciadas:
• no melhoramento das pastagens, pela
ampliação das pastagens plantadas. O pasto
plantado se difundiu aceleradamente por todo
o território estadual (v. MOREIRA,1996). A
superfície consagrada ao seu cultivo cresceu
cerca de 176,0% entre 1970 e 1980, o que
correspondeu a incorporação, pelo pasto, de
117.012 hectares de terra. Embora esse
crescimento tenha sido comum a todas as
Microrregiões do Estado, inclusive àquelas de
tradição canavieira, foi nas situadas no Agreste
onde ele se deu com mais força (v.
MOREIRA,1996). Nesse movimento ascendente,
destacaram-se as forrageiras de corte, como a
cana forrageira, o capim sempre-verde, o
capim elefante e o colonião. A menor expansão
das pastagens artificiais no Sertão pode ser
atribuída, em parte, às limitações de ordem
climática, desfavoráveis ao desenvolvimento
das gramíneas.
• na difusão da palma forrageira. No que se
refere à palma forrageira, embora os censos
não forneçam informações sobre a área
cultivada, é possível avaliar o seu crescimento
através da evolução da sua participação na
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 191

composição do valor da produção agro-


extrativa estadual e municipal. Essa
participação, em nível do Estado, cresceu oito
pontos percentuais na década de 70 (de 2,5%
passou para 10,7%). Em nível regional,
distinguem-se, sobretudo, as Microrregiões do
Cariri Oriental e Ocidental e a bacia leiteira de
Campina Grande. Na maioria dos municípios
dessas áreas, a palma passou, em 1980, a se
constituir no principal produto, contribuindo,
em alguns casos, com mais de 50,0% do valor
da produção agro-extrativa vegetal (v.
MOREIRA,1996). A palma forrageira é
importante para a complementação alimentar
dos rebanhos, sobretudo nos períodos secos.
• na introdução da algaroba. Outra fonte de
alimentação animal que se propagou de modo
considerável nas áreas mais secas do Estado a
partir de 1970 foi a algaroba. A algarobeira é
uma árvore da família das leguminosas.
Originária do deserto peruano, foi introduzida
no Brasil em 1942. Sua difusão no semi-árido
nordestino é recente. A algarobeira apresenta
duas grandes vantagens para o produtor
pecuarista: é resistente à seca e frutifica
justamente no período seco, podendo suprir a
alimentação do gado em período de estiagem.
Na Paraíba, a produção de algaroba
concentrava-se, em 1980, nas Microrregiões do
Cariri Oriental e Ocidental, onde já existiam
mais de um milhão de árvores plantadas
(83,0% da produção estadual). A produção dos
municípios de Serra Branca, Barra de São

191
192 Emília Moreira e Ivan Targino

Miguel e Sumé correspondia a 65,4% da


produção estadual. O plantio da algarobeira se
expandiu pelo Agreste e por quase todo o
Sertão. Essa expansão deveu-se, sobretudo, ao
apoio financeiro do governo, via IBDF/SUDENE,
para projetos de reflorestamento.
• na disseminação do uso de rações industriais. A
alimentação suplementar formada de rações
industriais, compostas de concentrados extra-
pastagem, também cresceu de importância no
Estado nos anos 70. Isso se torna evidente
através da comparação dos dados censitários
referentes ao período, os quais dão conta de
um aumento superior a 2.000,0% nas despesas
dos estabelecimentos agrícolas com ração
industrial. A importância crescente das rações
industriais para alimentação do gado foi
também constatada no âmbito municipal e
regional (v. MOREIRA,1996);

b) modificações no estado sanitário do


rebanho. Dentre as doenças que mais afetam a
população animal do Estado sobressaem a febre
aftosa, o carbúnculo e a raiva, além da bicheira e
da verminose. Embora ainda se costume tratar
esses males com métodos tradicionais, a
disseminação do uso de produtos farmacêuticos e
de vacinas tem-se ampliado consideravelmente;
c) modificações qualitativas nos
rebanhos. Os censos não fornecem informações
sobre a qualidade dos rebanhos. As investigações
de campo permitiram observar a introdução de
processos e técnicas melhoradas, notadamente
nas propriedades do Agreste e granjas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 193

especializadas do Litoral. Dentre as melhorias


introduzidas, salientam-se: a seleção de
reprodutores, a introdução do gado holandês
(tourino) e o cruzamento do gado zebu com o
holandês, buscando a obtenção de uma raça
melhorada. No meio dos grandes pecuaristas,
vem difundindo-se, especialmente a partir dos
últimos anos da década de 70, práticas mais
modernas de controle da reprodução animal, tais
como o confinamento do touro com a vaca em
período de cio e, de modo ainda restrito, a
inseminação artificial.
Outra prática em expansão e que tem
contribuído para a melhoria do rebanho é o
cercamento das propriedades, a divisão das
pastagens e seu rodízio. Essa prática vem se
aprimorando em função da influência do crédito
bancário cuja liberação muitas vezes subentende
a formação e a divisão das áreas de pasto.
A expansão da atividade pecuária nos
anos 70 pode ser ainda explicada por outras
razões, tais como:
a) por ser uma atividade menos
sujeita às irregularidades climáticas e às
oscilações de preço, ela se constitui numa forma
de aplicação de recursos mais segura que a
agricultura;
b) por requerer um menor coeficiente
de absorção de mão-de-obra, a pecuária se
apresenta como uma forma encontrada pelos
proprietários para se omitir dos custos
trabalhistas impostos pela legislação específica.
Essa expansão, caracterizada como
"fenômeno da pecuarização", foi mais forte no
193
194 Emília Moreira e Ivan Targino

Agreste do que no Sertão. A transformação das


terras consagradas à policultura alimentar, em
áreas de pasto, rompeu com a forma de
convivência tradicional entre agricultura e
pecuária, que caracterizou historicamente os
diversos espaços agrestinos. Essa mudança
acarretou a liberação/expulsão de trabalhadores,
parceiros e arrendatários, gerando conflitos e
intensificando o êxodo rural. Além dos impactos
sobre as relações de trabalho e a mobilidade da
população, os efeitos da pecuarização também se
fizeram sentir sobre a vegetação da caatinga.
Houve um intenso processo de destruição da
vegetação natural para dar lugar aos pastos
plantados.

3.3.1. O comportamento recente


da atividade pecuária

Esse movimento ascendente da


atividade pecuária observado na década de 70
não mantém o mesmo ritmo e intensidade nos
anos que se seguem. Ao contrário, se
observarmos o comportamento do rebanho
bovino do Estado no período de 1981 a 1985
podemos mesmo visualizar um ligeiro declínio. De
1.295.745 cabeças existentes em 1981, passa-se
para 1.240.627 em 1985, o que significou um
crescimento negativo de 4,2% no período (-1,0%
ao ano) (v. quadro VI).
Esse declínio do rebanho bovino pode
ser atribuído, em grande parte, ao longo período
de estiagem que se estendeu de 1979 a 1983,
atingindo todo o Estado (particularmente o Semi-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 195

árido e o Agreste) e à redução da política de


crédito dirigido para o setor. Observando-se o
quadro VI pode-se perceber a partir de 1984 uma
retomada do crescimento do efetivo de bovinos
em relação aos dois anos anteriores, ficando o
rebanho com um número de cabeças em torno de
1,4 milhão de 1986 até 1989. A partir daí ele
sofre uma nova queda reduzindo-se para 1,3
milhões de cabeças e em 1993, em virtude de
mais um pico de seca, reduz-se drasticamente
para 858.853 cabeças (v. gráfico in:
MOREIRA,1996).
Se tomarmos os anos de 1970 e 1990
como referência para analisarmos a participação
do rebanho bovino da Paraíba na composição do
rebanho nordestino e nacional verificaremos a
ocorrência de uma queda significativa desta
participação. Em 1970, a Paraíba detinha 1,7% do
rebanho nacional e 9,8% do nordestino. Em 1990
essa participação passou a ser de apenas 0,9%
em relação ao rebanho nacional e de 5,1% em
relação ao do Nordeste (ALBUQUERQUE,
1994:26).
No que se refere aos caprinos,
observa-se a partir de 1980 uma certa
estagnação do crescimento do efetivo (de 520 mil
cabeças em 1981 passou para 525 mil em 1992).
O rebanho ovino apresentou uma variação
negativa da ordem de 7,6% entre 1981 e 1992.
Os suínos, embora tenham apresentado um
crescimento negativo entre 1981 e 1983,
tornaram a crescer a partir de então tendo sido, à
exceção das aves, o grupo animal que apresentou

195
196 Emília Moreira e Ivan Targino

os melhores resultados no período (v. quadro VII)


(v. gráficos in: MOREIRA,1996).
No que se refere ao comportamento
da produção de aves, observou-se um
crescimento continuado. A produção do frango de
corte seguiu sua expansão em todo o Estado, com
destaque para o Agreste (especialmente a
Microrregião de Guarabira, onde se implantou a
empresa Guaraves que vem difundindo a
avicultura na região através do sistema de
franquia).
À exceção das aves, toda produção
animal da Paraíba sofreu os efeitos da seca de
1993. A título de exemplo, observou-se que o
conjunto do rebanho ovino, caprino, suíno e
bovino reduziu-se em 30% entre 1992 e 1993 (v.
quadro VII). O que é mais grave, o efetivo desses
rebanhos em 1993 era menor que o existente em
1981.
Do exposto, ressalta-se a importância
da década de 70 para a modernização e
expansão da atividade pecuária no Estado. Nesse
período, o criatório ampliou suas fronteiras no
interior do semi-árido e do Agreste, expandiu-se
pelo Brejo e alcançou o Litoral. Nesse percurso,
ocupou espaços antes consagrados à produção de
alimentos e de matérias-primas; substituiu
trechos de mata nas áreas úmidas e subúmidas;
contribuiu para a degradação da caatinga; gerou
conflitos pela posse da terra e acentuou o êxodo
rural. A partir dos anos 80, a redução dos
incentivos fiscais e creditícios e os repetidos
períodos de seca que afligiram o Estado,
contribuíram tanto para o arrefecimento da
modernização da pecuária como para a
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 197

atenuação do ritmo e da intensidade do processo


de expansão desta atividade na Paraíba.
3.4. As culturas alimentares
Do mesmo modo que o estudo do
comportamento da atividade pecuária, este item
aborda o desempenho das culturas alimentares
em dois momentos: durante os anos 70 e entre
1981 e 1993. Essas culturas são aqui reunidas em
dois grupos: as que compõem as lavouras de
alimentos tradicionais (feijão, milho, mandioca,
arroz, batata-doce, inhame frutas e batata-
inglesa) e as que denominamos de culturas
alimentares modernas (abacaxi, banana e
tomate).
3.4.1. O desempenho das culturas
alimentares tradicionais e
modernas (1970/1980)
Da análise do comportamento das
culturas alimentares tradicionais na década de
70, alguns aspectos sobressaem:
a) a produção de feijão, embora
disseminada em todo o Estado, era mais
concentrada nas Microrregiões agrestinas e na
Microrregião de Teixeira. Distinguiam-se como
maiores produtores os municípios de Manaíra,
Tavares, Água Branca e Juru, além de Conceição e
S. José de Piranhas, no Sertão e Cacimba de
Dentro, Araruna, Solânea, Esperança, Mogeiro,
Gurinhém e Salgado de São Félix, no Agreste (v.
MOREIRA,1996);
b) a produção de milho, também
difundida em todo o território estadual, era mais
197
198 Emília Moreira e Ivan Targino

expressiva em torno de Campina Grande e de


Tavares (v. MOREIRA,1996);
c) a mandioca, o inhame e a batata-
doce, eram produzidos sobretudo no Litoral (v.
MOREIRA,1996);
d) as áreas mais tradicionais
produtoras de arroz situavam-se na Depressão do
Alto Piranhas, no Vale do Piancó e na Microrregião
de Catolé do Rocha, salientando-se o município
de Sousa como maior produtor (v.
MOREIRA,1996);
e) a produção de batata-inglesa
restringia-se, principalmente, aos municípios que
compõem a Microrregião de Esperança e ao
trecho norte da Microrregião de Campina Grande
(Alagoa Nova, Puxinanã e Lagoa Seca) (v.
MOREIRA,1996);
f) a fruticultura disseminava-se por
todo o Estado. O peso desta atividade era
particularmente maior na Microrregião de
Guarabira, no Brejo, no Agreste e nas
Microrregiões sertanejas de Sousa e Teixeira. A
laranja era mais produzida nas Microrregiões
agrestinas e no Litoral Norte (v.
MOREIRA,1996).46.

46Embora os mapas de produção e área colhida com os produtos da lavoura


de alimentos representem a realidade do ano de 1980, pode-se afirmar com
certeza que não houve alterações nas regiões maiores produtoras. Por
exemplo, as áreas maiores produtoras de arroz, de feijão e de batata-inglesa,
entre outros, continuam sendo as mesmas de 1970. O que varia de um ano
para o outro são os números concernentes aos quantitativos produzidos e
colhidos a nível municipal, sem que se altere com isso o grau de
especialização regional. Mesmo onde a cana ou o pasto incidiu mais
fortemente sobre a lavoura alimentar e esta sofreu os mais fortes recuos, a
especialidade regional da produção de alimentos (banana, arroz, feijão, etc.)
não foi quebrada.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 199

No que se refere ao desempenho da


produção, o que os dados indicam e os mapas
deixam claro, é um forte recuo das lavouras
alimentares tradicionais na década de 70 (v.
MOREIRA,1996).
À exceção do inhame, do arroz e da
batata-inglesa que apresentaram um certo
incremento da produção, os demais produtos da
lavoura alimentar sofreram forte retração na
quantidade produzida (v. MOREIRA,1996). A
retração da área colhida também foi significativa
e abrangeu até mesmo as culturas de arroz e da
batata-inglesa (v. MOREIRA,1996).
A produção dos alimentos básicos
(feijão, milho e mandioca) caiu de 320.268
toneladas em 1970 para 252.336 toneladas em
1980, o que significa uma redução de 67.932
toneladas, equivalente a um crescimento
negativo da produção de 21,2%. A área colhida
reduziu-se em 35%. Isso significa que quem tinha
10 hectares plantados com feijão, milho e
mandioca em 1970, passou a ter 6,5 hectares em
1980. Esse declínio é tão mais grave quando se
considera que a população estadual cresceu no
mesmo período a uma taxa geométrica de 2,4%
ao ano. Do cotejo desses dois fatos, fica
evidenciada a retração do padrão alimentar com
repercussão sobre a qualidade de vida e saúde da
maior parte da população estadual.
Essa retração das lavouras
alimentares tradicionais não pode ser atribuída
exclusivamente à influência da seca que castigou
199
200 Emília Moreira e Ivan Targino

a região a partir de 1979. O crescimento da


produção canavieira e da pecuária desempenhou
um papel de fundamental importância nessa
dinâmica. Alguns estudos comprovam que houve
substituição dessas culturas pela cana em todas
as Microrregiões canavieiras, especialmente nas
de Sapé e do Litoral Sul (FIGUEIREDO, 1992;
LIMA,1993) e pelo pasto nas áreas de expansão
da pecuária, a exemplo do que foi observado nos
municípios da Microrregião de Itabaiana, com
destaque para o município do mesmo nome
(MOREIRA,1989) e em Gurinhém (MOREIRA,
1988).
Das culturas alimentares modernas,
salientam-se o abacaxi, o tomate e a banana.
3.4.1.1. O abacaxi

Presente no Brasil desde os


primórdios da colonização, o abacaxi foi
introduzido na Paraíba na década de 30. As
primeiras áreas de cultivo restringiam-se aos
municípios de Mari e Sapé. Sua fase de maior
crescimento no Estado ocorreu na década de 60.
Nesse período, a produção passou de 21,1
milhões de frutos (1960) para 51,1 milhões
(1970). Na década seguinte, o crescimento
absoluto da produção, embora tenha persistido,
não conseguiu superar o alcançado no período
anterior, permanecendo em torno dos mesmos 30
milhões de frutos (de 51,1 milhões passou para
82,3 milhões).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 201

Os municípios maiores produtores de


abacaxi do Estado, em 1980, eram Mari,
Mamanguape e Sapé. Eles foram responsáveis
por 69,0% da produção estadual naquele ano (v.
MOREIRA,1996). O abacaxi é produzido em menor
escala em quase todos os municípios do Litoral,
na Microrregião de Guarabira e, de modo bem
menos significativo, no Brejo. Tradicionalmente
porém, são os municípios de Sapé, Mari,
Mamanguape, Pedras de Fogo, Araçagi e
Itapororoca que comandam a sua produção.
Trata-se de uma cultura produzida tanto por
grandes, como por médios e pequenos
produtores.
A expansão da lavoura do abacaxi
efetivou-se principalmente sobre as áreas
anteriormente consagradas à produção do fumo,
do algodão, da mandioca e de outras lavouras de
subsistência.
Por outro lado, essa expansão, e a
posterior consolidação dessa cultura na Paraíba,
esteve intimamente relacionada à demanda do
mercado externo, sobretudo o argentino.
Cerca de 1/3 da produção paraibana
de abacaxi destina-se ao mercado de suco
concentrado e o restante ao consumo in natura.
As variedades mais produzidas são do tipo Pérola
e Jupy, seguidos do Smouth Cayenne.
Tal como na produção da cultura da
cana-de-açúcar, o crescimento do abacaxi
contribuiu, de um lado, para o declínio do sistema
morador e de outras formas de relações de
trabalho não tipicamente capitalistas e, do outro,

201
202 Emília Moreira e Ivan Targino

para expandir o trabalho assalariado temporário


no Litoral e no Agreste (BRITO, C. 1980:35).

3.4.1.2. O tomate

A produção de tomate era muito


restrita no Estado até 1970. A partir de então ela
expandiu-se principalmente nos perímetros
irrigados do Cariri (em torno do açude Estevão
Marinho e adjacências, em Boqueirão, Cabaceiras
e Barra de São Miguel), em Prata, Ouro Velho e
Sumé, entre outros (v. MOREIRA,1996). A
quantidade produzida passou de 5.417 toneladas
para 31.978 toneladas no período mencionado. O
tomate produzido no Estado destina-se em parte
ao abastecimento das indústrias de extrato de
tomate e outros derivados, situadas em
Pernambuco, e ao consumo in natura.
A cultura do tomate apresenta
algumas especificidades. Ela é explorada em
pequenas unidades produtivas, absorvendo tanto
o trabalho familiar quanto assalariado, uma vez
que, sendo uma exploração intensiva em
trabalho, a mão-de-obra familiar não é suficiente
para atender aos cuidados requeridos em
algumas fases do processo de produção. Além
disso, o tomate exige a utilização de irrigação e
de agrotóxicos. Essas exigências têm duas
conseqüências importantes: primeiro, requer um
nível de capitalização do produtor para fazer face
às despesas com aquisição do motor bomba, de
canos, de produtos químicos, de caixotes para
embalagem, etc. Esse requerimento de capital
inicial é uma barreira para o pequeno produtor
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 203

optar pela produção de tomate; segundo, a


utilização de agrotóxicos aliada à prática de
irrigação traz riscos de contaminação para os
solos e os mananciais aquáticos. O que é mais
grave, alguns desses mananciais abastecem
cidades, como é o caso do açude de Boqueirão
em relação a Campina Grande.

3.4.1.3. A banana

O cultivo da banana encontrava-se


disseminado em vários municípios do Estado em
1970. No entanto, sua significação econômica
estava restrita a algumas áreas, sobressaindo-se
como maiores produtores os municípios do Brejo
Paraibano, com destaque para Bananeiras e, no
Sertão, o município de Sousa (v. MOREIRA,1996).
Convém lembrar que a bananicultura era bem
diferenciada nessas duas áreas. No Brejo, a
banana estava presente em diferentes estratos
de propriedade e irá, ao longo da década de 70,
sofrer a concorrência da cana-de-açúcar com o
Proalcool. No Sertão, o cultivo da banana
concentrou-se no perímetro irrigado de São
Gonçalo, sendo, desse modo, cultivado
principalmente por pequenos produtores rurais. A
banana produzida destinava-se sobretudo ao
mercado regional, para consumo in natura. A não
integração da produção agrícola com o
beneficiamento do fruto era um dos problemas
sérios enfrentados pelos produtores.

203
204 Emília Moreira e Ivan Targino

3.4.2. O comportamento recente


das culturas alimentares:
1980/1993

A década de 80 foi marcada por fortes


oscilações nos resultados da produção das
lavouras alimentares. Entre 1980 e 1983, como
pode ser observado no quadro VIII, os produtos
alimentares básicos tradicionais (feijão, milho e
mandioca) sofreram importante recuo tanto na
área colhida (-28,0%), como na quantidade
produzida (-18,0%) (v. gráfico in: MOREIRA,1996).
A quantidade produzida e a área colhida com
arroz também declinou sensivelmente (v. gráfico
in: MOREIRA,1996). Apenas a batata-inglesa teve
um desempenho satisfatório nesse triênio (v.
gráfico in: MOREIRA,1996). Esse fraco
desempenho das lavouras alimentares
tradicionais pode ser em parte explicado pelo
efeito substituição de culturas (decorrente da
continuação do processo de expansão da cana e
da pecuária) e pelo prolongamento do período de
seca que teve início em 1979 e se estendeu até
1983, afetando fortemente a produção agrícola.
O período que se estendeu de 1983 a
1989 correspondeu ao de melhor desempenho da
produção de feijão da década de 80. A área
colhida cresceu em média 9,7% a.a. e a
quantidade produzida, 25,6% a.a. neste intervalo.
Alguns estudos apontam como responsável por
essa melhora do desempenho da produção do
feijão, o esfacelamento da cotonicultura nas áreas
produtoras e sua substituição, sobretudo no
Sertão, pelos produtos alimentares tradicionais.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 205

Essa teria sido uma das formas encontradas pelos


produtores de algodão para compensar a queda
da renda monetária decorrente da crise da sua
produção em nível regional (SILVEIRA,1992). Os
anos de 1987 e 1990 foram anos de fracos
resultados. Embora observe-se uma recuperação
da produção de feijão entre 1990 e 1992, a seca
de 1993 teve um efeito catastrófico sobre a
mesma, reduzindo-a drasticamente como pode
ser visto através do quadro VIII. Uma visualização
dessas tendências é possível através do Atlas de
Geografia Agrária do Estado (v. MOREIRA,1996).
Ao contrário do feijão, a mandioca,
com exceção de um ou outro ano, teve um
desempenho declinante na década de oitenta,
tanto no que se refere à quantidade produzida
quanto à área colhida. Ela também foi fortemente
afetada pela seca de 1993 (v. quadro VIII). Apesar
desse fraco desempenho, este produto foi um dos
que aumentou sua participação na composição do
valor da produção agrícola de vários municípios
canavieiros do Estado a partir da segunda metade
dos anos 80, permanecendo a tendência no início
da década de 90 (v. mapas da distribuição da
produção agrícola municipal de 1991 e 1993 in:
MOREIRA,1996).
O milho, como o feijão, se retraiu nos
primeiros anos da década de 80 e retomou o
crescimento da produção, mesmo que de forma
oscilante, a partir de então. De 1990 a 1993,
porém, sua produção voltou a declinar. A seca de
1993 atingiu também de modo muito forte a
produção do milho do Estado, como pode ser
visto no quadro VIII (MOREIRA,1996).
205
206 Emília Moreira e Ivan Targino

Entre 1980 e 1985 a área colhida com


arroz reduziu-se muito e a quantidade produzida
apresentou altos e baixos. Entre 1986 e 1988
houve um ganho de área colhida que não se
manteve nos anos seguintes. À exceção do ano
de 1991, os primeiros anos da década de 90
foram marcados por um desempenho fraco da
rizicultura estadual. Em 1993 a área colhida foi
muito afetada, caindo para apenas 1,3 mil
hectares contra os 11,3 mil de 1990, o que
significou uma redução da ordem de 87,7%.
No que se refere aos produtos
alimentares modernos, destacam-se o abacaxi e a
banana.
O abacaxi apresentou resultados
positivos não apenas nos três primeiros anos da
década de 80, que coincidiram com o período de
prolongamento da seca de 1979, como até 1988,
com um crescimento anual da produção da ordem
de 19,0% e da área colhida de 13,0% (v. gráficos
in: MOREIRA,1996). Nos últimos anos, observa-se
uma expansão significativa da produção do
abacaxi tanto nos municípios tradicionais
produtores quanto em outros onde não era
explorado. Chama também a atenção o fato da
expansão da cultura vir acompanhada da
expansão da irrigação.
A participação do abacaxi na
arrecadação do ICMS em relação ao setor
primário da economia, foi de, respectivamente,
3,88% em 1986, 5,59% em 1987, 7,24% em
1988, 5,16% em 1989 e 7,32% em 1990
(SANTOS, 1992:9).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 207

Entre 1988 e 1993 observou-se um


declínio tanto da produção quanto da área
cultivada com abacaxi, com destaque para o ano
de 1990, quando a área colhida sofreu uma
redução de 41,6 % em relação a 1988, e o ano de
1993, quando a produção caiu para cerca da
metade da obtida em 1988. Apesar desse
comportamento declinante, constatou-se a partir
de 1990 um crescimento da participação do
abacaxi na composição do valor da produção
agrícola de vários municípios onde a cana em
1980 detinha um maior peso (camparar os mapas
da distribuição da produção agrícola de 1980,
1985, 1991 e 1993 in: MOREIRA,1996).
No que se refere à distribuição
espacial da produção, esta concentrava-se, em
1990, em 14 municípios, os quais eram
responsáveis por 95% da produção de abacaxi do
Estado, quais sejam: Sapé, Rio Tinto, Pedras de
Fogo, Itapororoca, Mamanguape, São Miguel de
Taipu, Lucena, Mari, Jacaraú, Mulungu, Lagoa de
Dentro, Santa Rita, Duas Estradas e Araçagi
(SANTOS,1992:12).
Segundo Santos, 85% da produção
anual do abacaxi paraibano é comercializado
junto a atacadistas e supermercadistas dos
Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio
Grande do Sul, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais,
Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal. O
restante da produção é comercializado nas
CEASAS de João Pessoa e Campina Grande e nas
feiras livres das cidades do interior. De acordo
com o citado autor, as exportações do produto
207
208 Emília Moreira e Ivan Targino

foram sensivelmente reduzidas na década de 80


em função da desorganização do setor exportador
e da concorrência desleal dos exportadores
sediados em Mari e Sapé (SANTOS, 1992:10/11).
A banana apresentou um aumento da
área colhida de 8,4% a.a. e da produção de 6,9 %
a.a. entre 1980 e 1990. Foi a cultura alimentar
que manteve com regularidade bons resultados
no decênio. Os primeiros anos da década de 90
também foram anos de bom desempenho da
produção. Em 1993, apesar de ter havido um
recuo no comportamento da bananicultura
estadual, os patamares de produção alcançados
ainda foram superiores aos obtidos em 1988 e a
área colhida só foi inferior a do ano anterior, de
1992 (v. gráficos in: MOREIRA,1996).
Vale a pena acrescentar que a banana
hoje contribui de forma significativa na
composição do valor da produção agrícola de um
grande número de municípios do Estado, tendo
alargado consideravelmente o limite de sua
fronteira de produção, sobretudo em direção ao
Sertão (v. mapas da distribuição da produção
agrícola municipal de 1991 e 1993 in:
MOREIRA,1996). Observa-se também uma
expansão significativa da banana nos municípios
do Brejo Paraibano. Nessa área, a banana vem
sendo apontada como uma alternativa cada vez
mais importante para a superação da crise
econômica regional decorrente das dificuldades
da cana-de-açúcar. É preocupante, no momento,
o fato da expansão da banana não estar sendo
acompanhada de cuidados técnicos que permitam
um produto de melhor qualidade. Por outro lado,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 209

persiste o problema da falta de integração


vertical com a indústria. O aumento da produção,
aliada aos dois problemas citados, tem
contribuído para um comportamento declinante
dos preços.
Dos três produtos da lavoura de
alimentos considerados aqui como modernos, o
tomate foi o que apresentou um desempenho
mais fraco. Sua área colhida sofreu uma redução
de 40,5% na década de 80 e a quantidade
produzida teve um crescimento negativo da
ordem de 33,7%. Nesse período, distingue-se
apenas o ano de 1982 como aquele em que o
tomate apresentou os melhores resultados. Esse
comportamento se reproduz nos primeiros anos
da década de 90 (v. gráficos in: MOREIRA,1996).
Apesar desse fraco desempenho, observou-se a
disseminação da produção nos perímetros
irrigados do semi-árido, no Seridó Oriental (em
municípios como Junco do Seridó, Nova Palmeira,
Pedra Lavrada e Picuí), na Serra de Teixeira e em
menor proporção no Agreste. O tomate expandiu-
se de modo mais expressivo nas Microrregiões do
Cariri Oriental e Ocidental. Nessas áreas, ele
apresentou um aumento significativo da sua
participação na composição do valor da produção
na maioria dos municípios, com destaque para os
seguintes: Camalaú, Congo, Monteiro, Prata, São
João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro,
Sumé, Taperoá, Barra de São Miguel, Boqueirão,
Cabaceiras, Gurjão e São João do Cariri. Esta
região se afirma na década de 90 como a de
maior importância para a produção de tomate no
Estado (v. mapas da distribuição da produção
209
210 Emília Moreira e Ivan Targino

agrícola municipal de 1991 e 1993 in:


MOREIRA,1996).
Do exposto, pode-se concluir que a
dinâmica recente da produção de alimentos
tradicionais reproduz o movimento secular de
subordinação dessa produção ao processo de
expansão e/ou retração das atividades que
comandam a economia estadual, tais como as
atividades canavieira e pecuária. Além disso,
submetida a processos e técnicas mais
rudimentares, as lavouras alimentares
tradicionais acham-se mais sujeitas as
intempéries do clima e às limitações de ordem
topográfica e edáfica. Isso, sem falar na ausência
de uma política agrícola e de preços mínimos
dirigida para a pequena produção de alimentos e
dos problemas de comercialização que afligem
esse segmento da economia agrícola estadual.
Esses fatores, somados aos anteriormente
citados, contribui para acentuar o já frágil
desempenho desse setor da economia e para
torná-lo extremamente vulnerável.
Por outro lado, observa-se que o
comportamento das culturas alimentares
modernas, em especial, da banana e do abacaxi,
sofrem menos as influências dos condicionantes
naturais e mais as influências do mercado. Isto
porque, além de terem como locus da produção
regiões de clima menos agressivo ou áreas de
exceção (perímetros irrigados), incorporam uma
maior quantidade de componentes tecnológicos
(sobretudo o abacaxi), tais como irrigação,
adubação química, mudas selecionadas,
agrotóxicos, etc.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 211

3.5. As culturas industriais

Das culturas industriais, além da


cana-de-açúcar, distinguem-se o algodão, o sisal,
o fumo e o coco-da-baía.

3.5.1. O algodão

O algodão merece uma atenção


especial pelo importante papel desempenhado
historicamente na organização econômico-social
das Microrregiões agrestinas e sertanejas. Essa
importância, como foi abordado anteriormente,
relaciona-se de um lado ao fato desse produto
poder ser cultivado em associação com lavouras
de curto ciclo e, de outro lado, por ele ser
explorado em todos os padrões de propriedade e
por produtores proprietários e não proprietários
como os parceiros e arrendatários. Além disso, a
cotonicultura se constitui numa atividade
complementar da pecuária e contribui para a
formação da renda familiar das camadas mais
pobres da população, notadamente dos pequenos
produtores rurais, tendo sido também
responsável pela viabilização das relações de
produção do tipo arrendamento e parceria nas
Microrregiões sertanejas.
A importância econômica do algodão
relaciona-se também à sua contribuição na
formação da receita do Estado. Nas áreas
agrestinas e sertanejas, o peso do algodão na
arrecadação do Imposto sobre Circulação de
Mercadoria (ICM) foi sempre mais alto que o da
211
212 Emília Moreira e Ivan Targino

policultura alimentar. Donde sua posição de


destaque na economia agrícola estadual até fins
dos anos 70. Nesse período já se observa um
descenso da importância econômica do algodão,
em particular, do tipo arbóreo (v. mapas da
distribuição da produção agro-extrativa de 1970 e
1980 in: MOREIRA,1996). A participação relativa
desta cultura no valor da produção agro-extrativa
estadual declinou de 18,2% para 8,7% entre 1970
e 1980. A produção passou, nesse período, de
36.641 toneladas para 22.517 toneladas e a área
colhida experimentou uma perda de 14.124
hectares.
Fatores climáticos relacionados às
estiagens prolongadas, além das oscilações dos
preços no mercado e do atrasado processo
organizacional e tecnológico da produção, são
considerados como causas principais do declínio
do algodão, sobretudo da variedade arbórea,
nesse período (v. mapas da distribuição da
produção agro-extrativa e os relativos ao
crescimento da produção do algodão in:
MOREIRA,1996).
No que se refere à distribuição da
produção, tem-se que o algodão herbáceo vem
substituindo gradativamente o arbóreo. Nos anos
70 e início da década de 80 ele era encontrado
desde Sapé e Mari, descendo por Itabaiana,
subindo para o Curimataú em direção à Tacima,
até os limites com o Seridó e o Cariri. A partir daí
predominava o algodão arbóreo que se destacava
como principal produto na composição do valor
da produção da maioria dos municípios das
Microrregiões do Seridó Ocidental, Cariri Oriental
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 213

e Cariri Ocidental (v. mapas da distribuição da


produção agro-extrativa municipal in:
MOREIRA,1996).
A partir de 1983 a praga do bicudo
começou a atacar os algodoeiros do Estado,
destruindo grande parte dos algodoais existentes.
Até 1985, porém, sua ação devastadora ficou
mais concentrada no Agreste. Entre 1980/1985
observou-se até mesmo uma certa expansão da
produção sertaneja. Em 1984, embora a área
colhida tenha se reduzido, a quantidade
produzida deu um salto, crescendo quase oito
vezes em relação ao ano anterior (v. gráficos
concernentes in: MOREIRA,1996). Esse
comportamento, porém, não persistiu até o final
da década. Ao contrário, os dados da produção
agrícola fornecidos pela FIBGE permitem observar
um crescimento negativo da área colhida com
algodão da ordem de 17,2% a.a. e da quantidade
produzida de 14,5 % a.a. entre 1980 e 1990 no
conjunto do Estado (v. gráficos concernentes in:
MOREIRA,1996). Nos primeiros anos da década de
90 o quadro torna-se ainda mais grave. Além da
persistência da queda da produção, a área
colhida também se retraiu. Em 1993, a seca
tornou ainda mais difícil a situação da atividade
cotonicultora do Estado. A área colhida foi de
apenas 24,4 mil hectares contra 680,2 mil em
1981 e a quantidade produzida só alcançou 2,5
mil toneladas que representam -95,6% do total
produzido em 1981 (v. gráficos concernentes in:
MOREIRA,1996).

213
214 Emília Moreira e Ivan Targino

Essa queda foi observada tanto na


produção do algodão arbóreo como na do
herbáceo. Ela provocou alterações profundas na
distribuição espacial da produção. Os mapas da
distribuição da produção agrícola do Estado de
1985, 1991 e 1993 comprovam, de um lado, a
substituição do algodão arbóreo pelo herbáceo na
formação do produto agrícola de vários
municípios, em diversas regiões do Estado e, de
outro, a queda da participação dessa cultura na
composição do valor da produção dos principais
produtos agrícolas produzidos a nível municipal
(MOREIRA,1996).
Convém destacar que em alguns
estados do Brasil (do Nordeste inclusive), onde
houve maior determinação do poder público na
tomada de decisões mais imediatas de apoio à
pesquisa e ao uso de recursos técnicos defensivos
no acompanhamento da cultura, foi possível obter
alguns resultados positivos, senão erradicando-se
a praga, mas encontrando-se formas de
convivência com a mesma.
Na Paraíba, o Centro Nacional de
Pesquisa do Algodão, localizado em Campina
Grande, vem desenvolvendo pesquisas, de
resultados já comprovados, com variedades
precoces do algodão herbáceo e do arbóreo, que
permite a retomada da produção e sua
convivência com a praga. Essa, porém, só será
possível se houver vontade política, visto que a
sobrevivência da cotonicultura no Estado requer a
utilização de práticas e técnicas de cultivo mais
aprimoradas, tais como: a utilização de sementes
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 215

selecionadas, de inseticidas em dosagem correta,


de práticas de cultivo modernas, etc. Isso requer
um aumento do custo da produção nem sempre
capaz de ser coberto pelo pequeno produtor, que
sempre teve no algodão sua principal fonte de
renda.
A partir do exposto, conclui-se que só
uma difusão democrática desses processos e
técnicas seria capaz de garantir o retorno da
atividade e de tirar a Paraíba da atual crise que
atinge a produção do algodão. Por outro lado,
mesmo que se recupere internamente, a
cotonicultura terá ainda que enfrentar sérios
problemas de mercado uma vez que terá que
concorrer com o algodão produzido noutras
regiões e com as fibras sintéticas.
A persistência dessa situação já está
tendo fortes repercussões sobre as relações de
trabalho do tipo arrendamento e parceria, nas
regiões sertanejas, dado ao fato de que essas
formas de trabalho se alicerçaram,
historicamente, com base na combinação gado-
algodão-policultura alimentar. Isso sem falar na
deterioração das condições de vida do pequeno
produtor e no agravamento da situação
migratória nas regiões cotonicultoras tradicionais.

3.5.2. O sisal

A cultura do sisal teve seu período


áureo na Paraíba, na década de 50, quando se
constituiu no sustentáculo econômico das
Microrregiões do Curimataú Oriental e Ocidental,
215
216 Emília Moreira e Ivan Targino

do Seridó Oriental, do Brejo, e ainda de Campina


Grande e circunvizinhança, além de alguns
municípios da Microrregião de Teixeira, como:
Teixeira, Desterro e Imaculada (v. mapas de
distribuição da produção agro-extrativa de 70 que
reproduz a nível municipal e regional esta
realidade in: MOREIRA,1996).
Por se tratar de uma cultura de longo
ciclo, o retorno econômico da produção sisaleira
só é possível de ser obtido depois de vários anos.
Por outro lado, como a cultura do sisal só permite
associação com produtos alimentares durante os
primeiros anos de cultivo, ela é tida como "cultura
de rico", sendo encontrada principalmente nas
médias e grandes propriedades.
Como foi visto anteriormente, o
declínio da economia sisaleira, a partir dos anos
60, deveu-se à concorrência no mercado
internacional, com o sisal africano e com a fibra
sintética. Entre 1970 e 1980, a produção sofreu
uma redução de mais de 50%. Esse declínio foi
comum a todas as áreas de tradição sisaleira do
Estado (v. mapas concernentes in:
MOREIRA,1996). Entre 1980 e 1993 a situação de
decadência da atividade só se acentuou. Como
pode ser visto nos gráficos contidos no Atlas de
Geografia Agrária, a quantidade produzida e a
área colhida com sisal sofreu um queda
progressiva de, respectivamente, -3,4% e -4,9%
ao ano na década de 80, comportamento
declinante esse, que adentrou os anos 90,
atingindo o ponto mais crítico em 1993
(MOREIRA,1996). Nas áreas maiores produtoras, o
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 217

sisal está perdendo espaço para a castanha de


caju, a mandioca, o coco-da-baía, a batata-doce, o
maracujá e até para o tomate, como na Serra do
Teixeira.
Devido ao rigor da seca de 1993, além
da produção de sisal ter caído a patamares nunca
antes alcançados, as fibras tornaram-se muito
curtas, o que determinou uma desvalorização do
produto no mercado, criando uma situação
insustentável para a atividade.
Além das condições climáticas
desfavoráveis, apontam-se hoje dois outros
fatores que, somados àquele, são responsáveis
pelo desmantelamento da produção de sisal da
Paraíba: as dificuldades de produção regional face
às limitações do mercado internacional e a
crescente concentração dessa produção no
Estado da Bahia (POLARI, 1990:6/7).

3.5.3. O coco-da- baía

Existem dois tipos de coco-da-baía: o


produzido pelo coqueiro gigante que, seco,
destina-se à industrialização, e o coqueiro anão,
destinado ao consumo in natura. Na Paraíba são
encontradas essas duas variedades. Sua
produção concentrava-se até 1970 na franja
litorânea do Estado. O coco detinha um peso
importante na composição das combinações
agrícolas de municípios como Cabedelo, Lucena,
Baía da Traição, Rio Tinto, entre outros (v. mapa

217
218 Emília Moreira e Ivan Targino

da distribuição da produção agrícola de 1970 in:


MOREIRA,1996).
A partir do Proalcool, grande parte dos
coqueirais dessa região foram substituídos pela
cana-de-açúcar. Prova disso foi o crescimento
negativo observado na produção e na área
colhida de, respectivamente, 33,4% e 27,6%
entre 1975 e 1985. Um modesto movimento
ascendente da produção de coco é observado a
partir de 1988, porém esse não corresponde a um
crescimento significativo da atividade. Apesar de
um desempenho medíocre no período estudado,
observa-se que, em alguns municípios do Seridó,
dado principalmente ao recuo do sisal e a
fragilidade da economia agrícola regional, o coco
passou a ocupar um lugar de maior destaque na
composição do produto agrícola (v. mapas da
distribuição da produção agrícola in:
MOREIRA,1996).
Recentemente, os produtores
nordestinos de coco seco industrial denunciaram
que essa cultura está sendo prejudicada pela
importação da matéria-prima de países da África
e do sudeste asiático onde a produção é
fortemente subsidiada e o preço do produto
acaba mais baixo que o nosso (PORTO,1995).

3.5.4. O fumo

Na Paraíba, temos dois tipos de fumo:


o de rolo, concentrado em torno de Mari, e o
aromático, no semi-árido.
A produção de fumo de rolo é mais
antiga. Embora não detenha um peso muito
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 219

importante para a economia agrícola do Estado,


sempre desempenhou um papel de destaque em
nível municipal como geradora de renda e
emprego.
O fumo de rolo é cultivado, regra
geral, utilizando-se o sistema de afolhamento, em
áreas que também produzem cana ou abacaxi. No
Litoral, esta lavoura sempre esteve subordinada
aos movimentos de expansão ou retração
daquelas culturas. É como se a atividade
fumageira ali funcionasse, como anteparo ou
amortecedor da economia agrícola, quando os
produtos principais (cana e abacaxi) entram em
crise.
O trabalho nos fumais é realizado por
trabalhadores assalariados temporários oriundos,
sobretudo, de municípios localizados no Agreste.
O período de plantio e colheita, segundo
depoimento dos trabalhadores de um fumal
visitado em Mari, inicia-se, via de regra, entre
março/abril e finaliza em agosto/setembro,
coincidindo em grande parte com a entressafra
da cana. Entre 1970 e 1993, esta cultura
apresentou resultados oscilantes e modestos no
conjunto do Estado. Só teve expressão na
composição do produto agrícola, no município de
Mari.
O fumo do tipo aromático destina-se à
fabricação de cigarros finos tais como Hilton e
Carlton. Sua difusão no semi-árido paraibano é
relativamente recente. Ela tem início em 1972,
quando a Companhia de Cigarros Sousa Cruz,
subsidiária da British American Tabaco, passou a
investir na sua produção na região do Seridó. A
219
220 Emília Moreira e Ivan Targino

partir de então, unidades experimentais foram


sendo criadas em Patos e Santa Luzia. Entre 1972
e 1978, a produção era realizada sem uso de
tecnologia apropriada. A irregularidade das
chuvas aliada às exigências da planta e às
características dos solos e da topografia tornou,
porém, obrigatório o uso da irrigação. A primeira
experiência de cultivo irrigado foi feita em 1979 e
sua difusão teve início em 1980. Em 1987, o
Seridó Ocidental, com destaque para o município
de Santa Luzia, já liderava a produção do fumo
aromático. Em virtude do sucesso obtido, a Sousa
Cruz expandiu sua ação e passou a investir
também nas regiões em torno de Catolé do
Rocha, Sousa e Pombal. Atualmente a produção
de fumo no semi-árido paraibano se estende do
Seridó Ocidental em direção à Microrregião de
Catolé do Rocha, área de maior concentração da
produção até 1993.

"O sistema agrícola do fumo


aromático, na sua
originalidade, é marcado pela
aproximação dos extremos, ou
seja, a relação de uma
multinacional com pequenos
produtores e,
conseqüentemente, a
aplicação de uma tecnologia
sofisticada ao lado de práticas
muito rudimentares" (DANTAS,
1993:27).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 221

A produção de fumo aromático é


realizada em pequenas propriedades (de 1,5 a 5
hectares em média) de pequenos produtores
proprietários ou arrendatários. A mão-de-obra
utilizada é a familiar, no caso dos arrendatários,
ou a do morador parceiro e de sua família, no
caso das unidades de produção administradas por
proprietários. Eventualmente, durante a colheita,
pode ocorrer a contratação de trabalhadores
assalariados temporários.
O fato da atividade fumageira exigir
uma mão-de-obra considerável, investimentos
que muitas vezes superam os aplicados na
pecuária extensiva, de estar subordinada a uma
empresa multinacional e a um contrato que
obriga o produtor a plantar fumo por um período
de oito anos, explica o desinteresse do médio e
grande proprietários pela produção do fumo.
A produção é organizada pela Cia.
Sousa Cruz. É ela que avaliza os financiamentos
junto ao Banco do Brasil, elaborando, inclusive o
projeto, e ainda orienta e fiscaliza todas as etapas
do processo produtivo. O produtor firma um
contrato com a empresa para a aquisição de um
sistema de irrigação. Esse contrato é feito sob a
forma de custeio agrícola obedecendo a alguns
critérios, quais sejam: a dívida assumida deve ser
paga em oito parcelas anuais, sem juros e
correção monetária; em contrapartida, o produtor
fica obrigado a produzir fumo a preço
estabelecido pela empresa, pelo menos durante
oito anos e a vender a produção exclusivamente
à mesma. Em caso de desistência, o sistema de
221
222 Emília Moreira e Ivan Targino

irrigação é devolvido sem que se processe


qualquer indenização. O produtor deve ainda
adquirir os insumos e equipamentos necessários
ao desenvolvimento do processo produtivo, tais
como: trator, inseticidas, esterilizantes, adubos,
talagarças, plásticos, etc. Os recursos para
aquisição dos instrumentos de trabalho, dos
adubos e defensivos e para as despesas com
mão-de-obra são repassados via Sousa Cruz, seja
como adiantamento até que sejam liberados os
financiamentos bancários, quando o capital
cedido pela empresa é recuperado, seja como
empréstimo a ser pago com fumo a cada safra
(DANTAS,1993). Desse modo, a atividade
fumageira voltada para a produção do fumo
aromático acha-se subordinada à montante e à
jusante do processo produtivo ao setor industrial
e, submetida aos mecanismos de dominação de
uma multinacional, "cria formas disfarçadas de
trabalho capitalista a domicílio, enquanto a
empresa amplia seu campo de pesquisa e
experimento da produção no semi-árido
paraibano” (DANTAS, 1993:40).
Por outro lado, num momento como o
atual, em que a atividade cotonicultora, que se
constituía na principal fonte de renda monetária
do pequeno produtor e sua família, e na maior
geradora de emprego para a mão-de-obra
familiar rural da região sertaneja, passa por um
processo de quase total desaparecimento, a
produção do fumo aromático aparece como uma
alternativa capaz de amenizar, pelo menos em
algumas localidades, os efeitos catastróficos
dessa derrocada do algodão sobre a geração de
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 223

emprego e renda no meio rural da região semi-


árida.
É preciso esclarecer, que o volume de
emprego gerado por essa atividade no semi-árido
paraibano é incomparavelmente inferior ao que
era propiciado pela cotonicultura. Isto porque,
enquanto o algodão não estabelecia fronteiras e
limites à produção, o fumo, dada às suas
peculiaridades, seleciona espaços (buscando os
mais propícios, sobretudo do ponto de vista das
condições de solo) e produtores (limitando o
acesso à produção aos microproprietários e
àqueles que aceitem as condições impostas pela
multinacional que controla a produção). Apesar
da maior dificuldade de difusão, a expansão do
fumo aromático em algumas áreas do semi-árido
paraibano constitui, na conjuntura atual, um
atenuante, e até certo ponto, um fator de
amortecimento da crise do algodão.

3.6. A expansão espacial da agricultura

A expansão espacial da agricultura


paraibana, na década de 70, deu-se
essencialmente em função do crescimento da
área consagrada às lavouras temporárias. Essas
que ocupavam 515.897 hectares de terra em
1970 (11,0% da área total dos estabelecimentos
agrícolas), passaram a ocupar 791.935 hectares
em 1980 (16,0% da área dos estabelecimentos
agrícolas), o que significou um avanço dessas
lavouras sobre mais de 270 mil hectares de terra.

223
224 Emília Moreira e Ivan Targino

Em termos espaciais, a expansão


observada nos anos 70 concentrou-se:
a) no Litoral e em alguns municípios
do Agreste Baixo (v. mapa da expansão da área
agrícola in: MOREIRA,1996), em função do
crescimento das lavouras de cana, do abacaxi e
do inhame (sobretudo da cana);
b) no Curimataú Ocidental, no Seridó,
na Serra de Teixeira e, particularmente, no Cariri
da Paraíba, em função, principalmente, do
crescimento da área cultivada com capim e palma
forrageira, e no vale do Piancó, na região de
Catolé do Rocha e sul de Cajazeiras, em virtude
do crescimento tanto da área consagrada ao
capim quanto da área ocupada com algodão
herbáceo (v. mapa da expansão da área agrícola
do Estado entre 1970 e 1980 in: MOREIRA,1996).
A retração da área agrícola,
observada em alguns municípios da franja
litorânea nesse período, deve ser imputada
principalmente ao recuo da produção de
alimentos. No Agreste e no Sertão ela deve-se ao
declínio tanto do algodão herbáceo quanto do
algodão arbóreo.
Entre 1980 e 1985 esse processo de
expansão é freado. Embora as lavouras
temporárias tenham continuado a ampliar sua
área de cultivo (particularmente, para não dizer
essencialmente, a lavoura canavieira), o
crescimento observado pode ser considerado
insignificante, se comparado aos resultados da
década anterior. O aumento da área consagrada
a essas lavouras entre 1980 e 1985 foi de apenas
23,9 mil hectares contra os 270 mil observados
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 225

na década de 70. Por outro lado, constatou-se


uma perda significativa de terras voltadas para as
lavouras permanentes. De 588.715 hectares em
1980 para 84.660 hectares em 1985, o que
significa uma redução da ordem de -85,6%.
O recuo da expansão espacial das
culturas temporárias e permanentes no
qüinqüênio 80/85 pode ser atribuído aos efeitos
da seca de 1979. Como já foi visto, esse período
de estiagem, ao prolongar-se até 1983, promoveu
sérios prejuízos à agricultura. Excetuando-se
culturas como a cana-de-açúcar, que à época
ainda encontrava-se fortemente protegida por um
pacote tecnológico e pelos estímulos creditícios e
fiscais do Proalcool, as demais lavouras tiveram
suas fronteiras retraídas, inclusive aquelas
produzidas em áreas de clima mais favoráveis
como as áreas úmidas do Agreste/Brejo.

3.7. A produtividade das terras

De modo geral, a maior parte dos


municípios paraibanos apresentam baixos índices
de produtividade da terra (v. mapa concernente
in: MOREIRA: 1996). Com índices mais elevados,
destacam-se apenas três áreas: o Litoral, o Brejo
e alguns municípios circunvizinhos, e o Agreste de
Esperança.
As duas primeiras áreas coincidem
com as zonas de produção antiga e recente da
cana-de-açúcar.
A região do Agreste de Esperança
distingue-se por se constituir numa área
policultora-minifundiária por excelência, onde se
225
226 Emília Moreira e Ivan Targino

destaca o cultivo de batata-inglesa, do feijão, da


mandioca e da horticultura. O alto índice de
produtividade da terra aí encontrado permite que
se coloque em questão as afirmativas correntes
relativas à improdutividade da pequena
produção. Os dados do Censo de 1985 não
alteram esta realidade encontrada em 1980.
Com base nas informações contidas
neste capítulo, pode-se concluir que a década de
70, em especial o período de 1975/1980,
correspondeu ao de maior dinamismo da
produção agropecuária na Paraíba. Esse
dinamismo, atrelado ao processo de
modernização conservadora da agricultura, foi
responsável por alterações profundas na
organização da produção agropecuária estadual.
Particularmente concentrado nas
atividades canavieira e pecuária, o processo
modernizador repercutiu fortemente tanto sobre
o meio ambiente, quanto sobre a produção de
alimentos e de outras matérias-primas, com forte
rebatimento sobre a condição de vida e trabalho
da classe trabalhadora.
Na década de 80 observou-se um
arrefecimento do ritmo da modernização da
agropecuária paraibana. Este pode ser explicado
tanto como uma decorrência da recessão que se
abateu sobre a economia brasileira no final dessa
década, com repercussões em nível regional e
estadual, como pela redução dos incentivos
fiscais e creditícios para o setor e às cobranças
mais incisivas das dívidas dos usineiros pelos
credores. Esses fatos, somados a problemas de
ordem climática, como a seca, e a ação de pragas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 227

como a do bicudo, geraram uma desorganização


do setor produtivo agropecuário estadual, o qual
alcançou a primeira metade dos anos 90
envolvido numa forte crise.

227
228 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO III

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO E DA ÁREA
COLHIDA
COM CANA-DE-AÇÚCAR
1981/1993

ÁREA QUANTIDADE RENDIMENTO


ANO COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO POR
(ha) (t) HECTARE
(t/ha)
198 120.832 5.230.778 43.289
1
198 134.655 7.269.996 53.989
2
198 143.962 7.168.926 49.797
3
198 155.708 8.951.809 57.491
4
198 176.201 10.646.134 60.420
5
198 178.077 10.710.752 60.146
6
198 162.266 9.514.787 58.636
7
198 160.229 8.798.229 54.910
8
198 158.762 8.647.252 54.466
9
199 156.449 8.282.781 52.942
0
199 154.922 8.115.401 52.383
1
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 229

199 152.454 7.919.930 51.916


2
199 92.731 1.837.607 19.816
3
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

229
230 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO IV

ESTADO DA PARAÍBA
PARQUE SUCRO-ALCOOLEIRO
(Situação em 1985)

USINAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO


ANTIGAS
Santa Rita Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
São João Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
Santana Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
Santa Helena Família Ribeiro Coutinho Sapé
Monte Alegre Grupo Soares de Oliveira Mamanguape
Santa Maria Família Solon Lins Areia
Tanques Família Veloso Borges Alagoa Grande
DESTILARIAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO
ANEXAS
Santa Helena Família Ribeiro Coutinho Sapé
Santana Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
Santa Maria Família Solon Lins Areia
São João Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
DESTILARIAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO
AUTÔNOMAS
GIASA (Arthur Grupo Tavares de Melo/PE Pedras de Fogo
Tavares)
Miriri Grupo Cavalcanti de Morais Sapé
(PE)
Agican (Sto. Grupo Pessoa de Melo (PB) Mataraca
Antônio)
Tabu Grupo Ludgren (PE) Caaporã
Jacuípe Grupo Cavalcanti de Morais Lucena
(PE)
Japungu Cia. Nordeste de Participação Santa Rita
(CONEPAR), AGROFÉRTIL S/A
Ind. e Comércio (BA)
Una Família Ribeiro Coutinho(PB) Sapé
Borborema Família Ribeiro Coutinho(PB) Pirpirituba
Fonte: Informações colhidas junto à ASPLAN/PB e nos trabalhos de campo.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 231

QUADRO V
DÍVIDAS DO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO
(Em Cr$ mil de 1991- posição segundo a variação da TR em setembro de
1991)
ESTAD BANCO DO IAA RECEITA PROCURADORIA TOTAL
O BRASIL FEDERAL DA FAZENDA
NACIONAL
AC 10.525.887 – – – 10.525.887
AL 61.985.946 44.483.831 8.523.248 2.983.072 118.076.097
BA 84.908 9.248 223.188 1.948.675 2.266.019
CE 3.672.392 628.002 2.489.473 594.117 7.383.984
DF 498.273 - - 498.273
ES 2.414.907 - - - 2.414.907
GO 25.592.396 7.247 932.385 695.663 27.227.691
MA 7.817.246 168 85.030 - 7.902.444
MT 31.807.082 521 - - 8.425.962
MS 8.425.689 273 - - 8.425.962
MG 52.740.205 25.268.108 15.702.411 - 93.710.724
PA 56.589.536 2.617 - - 56.592.153
PB 44.208.123 2.582.211 3.347.610 8.730.559 58.868.503
PR 18.119.176 6.555 10.307.035 5.659.819 34.092.585
PE 127.656.270 62.693.076 10.118.605 2.888.385 203.356.336
PI 699.854 - - - 699.854
RJ 38.754.270 88.509.127 14.919.303 2.378.525 144.561.225
RN 8.279.824 1.830.654 - 3.224.862 13.334.800
RS 2.253.756 13 103.170 51.821 2.408.760
SC – 9 - - 09
SP 142.626.040 27.643.111 2.053.200 2.425.791 174.748.142
SE 2.899.411 61.731 - 1.663.223 4.624.365
TOTAL 647.651.191 253.729.502 68.804.658 33.244.512 1.003.526.323
Fonte: Relatório parcial da Comissão Interministerial- Setembro, 1991 (Publicado pelo Jornal do Brasil em 15 de setembro de 1991).

231
232 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO VI
ESTADO DA PARAÍBA
EFETIVO DE BOVINOS
1981/1993

ANOS EFETIVO DE
BOVINOS
1981 1.295.745
1982 1.225.864
1983 1.055.894
1984 1.128.276
1985 1.240.627
1986 1.431.583
1987 1.397.079
1988 1.409.825
1989 1.456.629
1990 1.345.361
1991 1.315.144
1992 1.319.682
1993 858.853
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

QUADRO VII

ESTADO DA PARAÍBA
EFETIVO DE CAPRINOS, OVINOS, SUÍNOS E
AVES
1981/1993

ANOS CAPRINO OVINOS SUÍNOS AVES


S
1981 520.463 414.629 203.412 1.460.876
1982 526111 389.040 200.532 1.581.209
1983 515.023 341.151 181.063 1.371.793
1984 508.230 355.219 213.465 1.701.919
1985 555.054 396.266 243.159 1.805.029
1986 523.140 385.674 280.196 2.346.513
1987 511.900 370.486 284.288 2.273.944
1988 521.602 381.579 298.000 2.592.235
1989 543.447 414.882 325.319 2.415.172
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 233

1990 509.450 380.692 300.726 2.422.076


1991 514.016 388.674 308.470 4.154.789
1992 525.735 382.894 312.419 2.768.948
1993 404.443 273.376 230.787 3.858.895
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

233
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 235

QUADRO VIII

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO RECENTE DA PRODUÇÃO DAS PRINCIPAIS LAVOURAS
ALIMENTARES
1981/1993

PRODUTO
ANO FEIJÃO MILHO MANDIOCA
ÁREA(ha) QUANT.(t) ÁREA(ha) QUANT.(t) (ha) (t)
ÁREA QUANT.
1981 249.596 28.178 213.494 26.208 62.721 464.470
1982 207.779 27.843 209.506 26.065 60.492 498.426
1983 192.756 26.436 195.937 24.954 192.756 26.436
1984 307.244 133.619 299.025 199.185 51.148 468.015
1985 297.952 78.268 282.448 159.408 56.264 521.251
1986 333.572 107.030 311.990 181.977 56.642 521.555
1987 333.007 42.795 303.891 63.547 49.205 446.500
1988 328.709 109.926 315.474 171.384 44.242 410.610
1989 337.004 103.920 318.284 156.811 50.108 436.054
1990 206.606 47.894 192.556 46.312 46.002 386.340
1991 281.249 94.456 260.971 130.148 47.270 421.741
1992 306.373 69.232 271.075 91.597 50.709 448.494
1993 53.780 9.392 34.769 6.407 31.875 238.601
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993.

235
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 237

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237
238 Emília Moreira e Ivan Targino

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Simpósio Latino-Americano de saúde de Ecossistemas Aquáticos
e Significados Ecológicos de Bioensaios. Sào Carlos/SP, out., 1994.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 239

4. ESTRUTURA FUNDIÁRIA

“Deus fez a grande natura


Com tudo que ela tem,
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém

Se a terra foi Deus quem fez


Se é obra da criação
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.

Esta terra é desmedida


E com certeza é comum,
Precisa ser dividida
Um tanto pra cada um.”

Versos do poema “A Terra é Nossa”. Patativa do


Assaré.

O perfil da distribuição da propriedade


fundiária na Paraíba é o resultado de um longo
processo, que tem suas origens na produção do
espaço colonial. Como foi analisado
anteriormente, essa produção, subordinada aos
interesses do capital mercantil, teve como
suporte a concessão de grandes sesmarias para a
exploração da cana-de-açúcar no Litoral e da
pecuária (e posteriormente também do algodão)
no interior. O controle monopolista da terra,

239
240 Emília Moreira e Ivan Targino

elemento essencial ao espaço colonial, foi


reforçado com a Lei de Terras de 1850.
Não se deve esquecer que o poder
sobre a terra representava também o controle
sobre o processo de produção e reprodução da
força de trabalho rural. Daí porque, no ser
"senhor de terra" estava embutido o "ser
obedecido por muitos", na expressão de Antonil.
Os senhores de Engenho do Litoral e os latifundiários
pecuaristas do Sertão paraibano constituíam o poder dominante. Estes e
suas famílias ditavam, de fato, a ordem e a lei. O controle político,
rebatimento do poder econômico, era privilégio daquelas poucas famílias da
aristrocacia rural que se revezavam no poder. Hoje, embora a história tenha
determinado alterações na organização sócio-econômica do Estado, os filhos
das tradicionais oligarquias rurais, travestidos da nova roupagem dos
camarins políticos regionais, permanecem imbuídos da mesma necessidade
de mando, controle e posse da terra.
Por outro lado, a estrutura agrária, não obstante ter sofrido
mudanças significativas ao longo do tempo, sobretudo no que diz respeito às
relações de trabalho (substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre,
proletarização do campesinato, etc.), preservou sua característica principal:

a elevada concentração fundiária. Em outras palavras, a propriedade da


terra permaneceu concentrada nas mãos de uma minoria de pessoas,
enquanto a grande maioria dos proprietários continuou possuidora de
pequenos lotes, que, agregados, representam uma pequena parcela da área
agrícola do Estado. Isso, sem levar em consideração o grande número
de produtores diretos, desprovidos do direito de propriedade.

Chama a atenção o fato da modernização da agr icultura


levada a efeito na década de 70 não ter contribuído para a reversão

desse quadro. Bem ao contrário, agravou-o. Nesse período, os


estabelecimentos agropecuários do Estado sofreram um ligeiro declínio:
passaram de 169.667 em 1970, para 167.482 em 1980, o que representou
uma redução da ordem de 1,3%. Esse resultado é devido aos
estabelecimentos com menos de 20 hectares que, no período em foco, viram
declinar o seu número em mais de quatro mil unidades (v. quadro IX).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 241

Comportamento inverso teve a área ocupada pelo total dos


estabelecimentos rurais. Essa passou de 4.582.832 hectares para 4.906.458
hectares, o que significou um aumento da ordem de 7,1% (v. quadro IX).

Em conseqüência, tem-se a elevação da área média


dos estabelecimentos bem como do índice de concentração da
propriedade da terra (v. quadro IX). O índice de Gini passou de 0,823 em
47

1970 para 0,829 em 1980 (HOFFMANN, 1982) . Os menores e os maiores


estabelecimentos alteraram sua participação na área agrícola recenseada.
Os estabelecimentos com menos de 50 hectares que ocupavam, em 1970,
25,5% da área total, viram cair essa participação para 23,5% em 1980. Os
menores de 20 hectares reduziram em dois pontos percentuais sua
participação na área total (de 14,0% para 12,0%). Enquanto isso, a área
ocupada pelos estabelecimentos maiores de 500 hectares, que equivalia a
33,3% da área agrícola total em 1970, passou a representar 34,5% em 1980
(v. quadro IX).
A redução experimentada pelos pequenos
estabelecimentos reflete, de um lado, o processo de intensificação da
concentração fundiária que teve lugar na Paraíba nos anos 70 e , de outro, a

diminuição das possibilidades de acesso à terra, atr avés do arrendamento e


de outros arranjos institucionais. Essa redução pode ser atribuída, em parte,
à incorporação das pequenas pelas médias e grandes unidades de produção.
De fato, entre 1970 e 1980 os estabelecimentos rurais com mais de 100
hectares cresceram 8,6%. Ela representa, também, uma importante

mudança de comportamento dos pequenos estabelecimentos rurais.


Como se sabe, uma das características da pequena
propriedade é a sua acentuada inclinação ao fracionamento, d ecorrente da
sua subdivisão por motivo de herança. Daí, observar-se tradicionalmente,
não sua redução, mas, ao contrário, sua multiplicação. No caso específico da
Paraíba, isso se confirma entre 1950 e 1970 pelo aumento tanto do número
quanto da área dos estabelecimentos com menos de 50 hectares. Esses
passaram de 57.566 em 1950, para 153.979 em 1970, enquanto que sua
área quase duplicou no mesmo período (654.688 hectares em 1950 contra

47O índice de Gini é uma medida de concentração. Ele varia entre 0 e 1.


Quanto mais próximo da unidade, maior o grau de concentração. É
importante ressaltar, que esse índice não considera os trabalhadores sem
terra. Ele mede o grau de concentração fundiária apenas entre os
estabelecimentos rurais existentes. Vale lembrar que o grau de
concentração deve ser maior do que o indicado pelo índice, visto que este
não capta o fato de um mesmo titular possuir mais de um estabelecimento.
241
242 Emília Moreira e Ivan Targino

1.170.890 hectares em 1970). O que poderia explicar essa reversão de


tendência observada na década de 70?
Algumas hipóteses podem ser levantadas para esclarecer o
fenômeno:
a) a expansão da pecuária e da cana-de-açúcar, atividades
que exigem grandes extensões de terra para a sua e xploração, teria
contribuído para a incorporação dos pequenos aos grandes
estabelecimentos;

b) as políticas de crédito e assistência técnica dir igidas


preferencialmente aos grandes produtores devem ter contribuído para o
fortalecimento da grande propriedade em detrimento da pequena;

c) a utilização dos recursos do Programa de Int egração


Nacional (PIN) e do PROTERRA para a aquisição de terras, pode ter
concorrido para a intensificação da concentração fundiária;
d) a extensão do direito de aposentadoria aos
tr abalhadores rurais, aliada à intensa migração de jovens, teria estimulado a
venda dos pequenos lotes de terra;

e) a propaganda e o incentivo à aplicação de capital em


cadernetas de poupança, através dos meios de comunicação, podem ter
levado uma parcela dos pequenos proprietários a vender os seus lotes,
acreditando que o rendimento da aplicação lhes garantiria o futuro;
f) a incidência das estiagens prolongadas pode ter
obrigado os pequenos produtores a vender suas terras como forma de
assegurar a sobrevivência da família. Se o pequeno pr odutor, em período
climático estável, não consegue retirar da terra o necessário para a
sobrevivência sua e dos seus, em períodos de estiagem prolongada, então,
sobreviver significa, no mais das vezes, vender seu sítio ao grande

proprietário vizinho a um preço, em geral imposto por este último, e migrar


com a família para a cidade à procura de melhor condição de sobrevivência.
E a seca, que já carrega em suas entranhas o estigma da morte, ce ifando na
sua passagem a vida de milhares de crianças e adultos, é utilizada para
acentuar a pobreza e o estado de miséria em que vive o pequeno produtor,
garantindo a ampliação das grandes propriedades. A seca funcionaria como
um fator de agravamento da questão fundiária.
Assinale-se que, embora a concentração fundiária seja a
característica marcante da distribuição fundiária como um todo, existem
diferenciações no grau desta concentração em nível regional e municipal.
Isso pode ser confirmado através da análise do mapa de concentração
fundiária do Estado de 1980 (MOREIRA,1996), o qual demonstra
que:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 243

a) em 34 municípios o índice de Gini era igual ou superior a


0,80. Destes, quatorze situavam-se no Litoral, doze no Agreste, e os demais
dispersos na região semi-árida. Coincidentemente, é nas áreas de clima e
solos mais favoráveis à atividade agrícola que o acesso à terra é mais
concentrado na mão de uma minoria de pessoas. No Litoral e Agreste essas
áreas correspondem às de domínio da atividade canavieira;
b) em 70 municípios o índice variava entre 0,70 e 0,79, o
que corresponde a uma também elevada concentração de terra. Nesses
municípios, podiam-se encontrar formas diferenciadas de utilização do solo,
tais como: a cana-de-açúcar (no Brejo), a combinação gado-policultura
alimentar (no Curimataú Oriental), o sisal, o algodão arbóreo e a pecuária
extensiva (no Curimataú Ocidental e Seridó Oriental), a combinação gado-
algodão (no Seridó Ocidental, no Cariri e em torno de Piancó, Sousa, Pombal
e Catolé do Rocha);
c) em 42 municípios o índice variava entre 0,60 e 0,69.
Esses municípios acham-se localizados no extremo oeste do Estado (em
torno de Cajazeiras), em Itaporanga e circunvizinhança, onde a forma de
organização do espaço agrário baseava-se na atividade pecuária, na
produção de algodão e da policultura alimentar e na Serra de Teixeira onde,
além da produção sisaleira, a policultura alimentar assume até os dias
atuais, uma posição expressiva. Incluem-se, ainda, nesse grupo, alguns
municípios do Seridó e do Agreste, além de Pitimbu, no Litoral;
d) em 20 municípios o índice variava entre 0,40 e 0,59.
Esses municípios estão concentrados ao sul de Cajazeiras e aparecem de
modo disperso ao norte de Campina Grande (Al agoa Nova e Serra Redonda),
no Curimataú (Cacimba de Dentro) e na zona de influência de Guarabira
(Lagoa de Dentro e Duas Estradas), áreas onde se destaca a policultura
alimentar;

e) em 05 municípios encontrava-se um grau muito baixo


de concentração fundiária (entre 0,20 e 0,39). Trata-se de municípios
voltados para a policultura alimentar e para a prod ução da batata-inglesa.
Eles fazem parte das Microrregiões do Agreste de Esperança e de Campina
Grande;
O grau de concentração da propriedade fundiária e as
diferenças espaciais desta concentração são também evide nciados pelos
mapas relativos à participação dos estabelecimentos menores de 50 e
maiores de 500 hectares no número e na área total dos estabelecimentos

contidos no Atlas de Geografia Agrária da Paraíba

243
244 Emília Moreira e Ivan Targino

(MOREIRA,1996) . Da análise desses mapas, alguns aspectos da


realidade fundiária se destacam. Entre esses, podem-se apontar:

• na quase totalidade dos municípios paraibanos,


a participação dos estabelecimentos com
menos de 50 hectares em relação ao número
total de estabelecimentos era superior a 60,0%,
em 1980. Comportamento inverso é verificado relativamente à sua
participação na área total dos estabelecimentos. Pode-se até afirmar que
um mapa se constitui na "negativa" do outro;

• os municípios onde mais de 90,0% dos


estabelecimentos tinham menos de 50 hectares
concentravam-se em três unidades regionais distintas: Litoral, Agreste e
Serra de Teixeira: o que vale dizer, que a menor participação dos
estabelecimentos pequenos é encontrada nas regiões mais
caracteristicamente semi-áridas e onde a ocupação se deu sob a égide da
pecuária extensiva;

• as menores participações dos estabelecimentos


com menos de 50 hectares na área total dos
estabelecimentos são encontradas em
municípios da franja litorânea, do Agreste
Baixo, do Cariri e do Seridó Oriental;

• a microrregião do Agreste de Esperança constitui, no contexto


estadual, uma exceção quanto à forma como nela se distribui a
propriedade da terra. Nessa região, a participação dos estabelecimentos
com menos de 50 hectares é predominante tanto em relação ao número
quanto em relação à área total dos estabelecimentos. Chama-se a
atenção também para o fato de, nessa região, não ter sido registrado,
pelo Censo Agropecuário de 1980, qualquer estabelecimento com área
superior a 500 hectares. Daí, definir-se o Agreste de Esperança como
área minifundiária por excelência. A particularidade dessa região já foi
destacada na análise do índice de Gini;
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 245

• diferentemente do que ocorre com os


estabelecimentos rurais menores de 50
hectares, nos municípios onde os
estabelecimentos com área igual ou superior a 500 hectares
tinham as mais altas taxas de participação em relação ao número dos

estabelecimentos, aí também ocorriam as mais altas participações em


relação à área, como era de se esperar;

• as maiores taxas de participação desses


estabelecimentos na área total ocorriam no
Litoral, na porção meridional do Agre ste Baixo,
na porção ocidental do Agreste, no Cariri, em
torno de Patos e ao norte da microrregião de
Catolé do Rocha. Nessas regiões, os grandes
estabelecimentos detinham mais de 40,0% da
área agrícola, merecendo destaque sete
municípios do Litoral onde tal participação era
superior a 60,0% (MOREIRA,1996);

• a faixa do extremo oeste do Estado


(principalmente ao sul de Cajazeiras), deve ser
sublinhada. Nela, de um modo geral, eram baixas as
participações tanto das pequenas quanto das grandes unidades de
produção, quer em relação ao número, quer em relação à área
total dos estabelecimentos. Daí, encontrarem-se na região de Cajazeiras
baixos índices de concentração da propriedade fundiária em relação à
média estadual. Dizendo de outra forma, os pequenos valores do índice
de Gini, nessa região, antes de representarem um acesso mais
democrático à terra, exprimem um menor coeficiente d e dispersão das
distribuições dos estabelecimentos segundo a área e o número.
Em resumo, embora a concentração seja a marca maior da
estrutura fundiária paraibana, verifica-se uma diferenci ação espacial nesse

245
246 Emília Moreira e Ivan Targino

padrão. A análise das participações dos pequenos e grandes


estabelecimentos no total do número e da área dos estabelecimentos
agropecuários reforça as diferenciações regionais de concentração da
propriedade rural mostradas pelo índice de Gini para o ano de
1980. O Litoral, o Cariri (ocidental e oriental) e o Seridó Oriental eram as
regiões que apresentava m as maiores concentrações de terra nas mãos de
poucos proprietários. No outro extremo da escala, em oposição ao Litoral
latifundiário-monocultor, estava a região do Agreste de Esperança, área

minifundiária e policultora por excelência.


No que se refere ao período de 1980 a 1985, certas
alterações foram identificadas na estrutura fundiária da Paraíba.

De fato, como pode ser visto no quadro IX, no qüinqüênio


1980/1985 a área média dos estabelecimentos rurais da Paraíba decresceu
em relação à década anterior; o índice de Gini também apresentou uma
ligeira redução; a participação dos estabelecimentos menores de 50 hectares
na área total aumentou, enquanto a dos estabelecimentos maiores de 500
hectares diminuiu.
O que explicaria essa aparente reversão de tendência?
Analisando mais detalhadamente os
dados relativos a 1985, observa-se que o
aumento da participação dos pequenos
estabelecimentos na área total deve-se
exclusivamente à expansão dos menores de 10
hectares. Eles aumentaram sua participação de
66,86% em 1970 para 72,84% em 1985 . A área
ocupada por tais estabelecimentos, embora tenha
crescido, não acompanhou o mesmo ritmo do
crescimento do seu número, contribuindo para a
redução do seu tamanho médio de 3,0 hect ares,
no início do período em foco, para 2,6 hectares no
final do período (v. quadro X).
A diminuição da participação dos grandes
estabelecimentos, por sua vez, deve-se aos maiores de 1000 hectares. Eles
representavam 0,34% do total dos estabelecimentos em 1980; em 1985
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 247

passaram a representar 0,27%. A sua participação na área total declinou no


período de 22,19% para 19,96% (v. quadro X).

Ao mesmo tempo em que se verificam essas alt erações


nos extremos da distribuição dos estabelecimentos, os situados entre 10 e
20 hectares continuaram o processo de retração observado na década
anterior. Entre 1980/1985 essa retração foi comum também aos
estabelecimentos situados entre 20 e 50 hectares. Concomitantemente, as
médias e grandes unidades produtivas entre 100 e 1000 hectares
mantiveram a tendência de crescimento do número e da área observada
entre 1970/1980 (v. quadro X).

Esses indicadores parecem apontar para uma estabilização


ou melhoria no padrão de concentração da posse da terra no Estado.
Todavia, alguns aspectos precisam ser levados em consideração antes de se
chegar a tal conclusão.

Em primeiro lugar, faz-se necessário frisar que, na Paraíba,


entre 1980 e 1985, fortaleceram-se a organização dos trabalhadores e a
ação sindical, surgiram as primeiras greves de canavieiros no campo e
multiplicaram-se os conflitos pela posse da terra. Isto teria gerado uma
corrida por parte dos grandes proprietários em direção ao desmembramento
de suas propriedades a fim de evitar possíveis ações desapropriatórias. À
subdivisão da propriedade, seguia-se a transferência de titularidade para os
membros mais próximos da família. Uma pequena amostra desse
procedimento pode ser identificada no Incra, em processos de diversos
conflitos de terra que eclodiram no período. Pode-se afirmar com segurança
que entre 1980 e 1985, à subdivisão da grande propriedade por motivo de
herança, quando da morte do proprietário, somou-se esta outra forma de
subdivisão por transferência de titularidade, com o proprietário em vida,
como forma de driblar possíveis ações de desapropriação por parte do
Estado. Esse procedimento se intensificará a partir de 1985 com a
implantação do I Plano Nacional de Reforma Agrária.

Em segundo lugar, a diminuição do


tamanho médio dos estabelecimentos com menos
de 10 hectares parece indicar que parte da sua
expansão se deu em função do seu próprio
fracionamento. Em outras palavras, o crescimento da pequena
propriedade familiar, observado no qüinqüênio 1980/1985, pode ser fruto

247
248 Emília Moreira e Ivan Targino

tanto do ganho de terras por parte dessas pequenas unidades produtivas, 48


quanto da pulverização dos pequenos estabelecimentos e da conseqüente
intensificação do processo de minifundização resultante da subdivisão por
herança.
A continuidade do processo de redução dos
estabelecimentos maiores de 10 e menores de 20 hectares e o decréscimo
em número e área dos maiores de 20 e menores de 50 hectares não só
reforça esta hipótese do fracionamento da pequena unidade produtiva, como
sugere que parte das terras ganha pelos microestabelecimentos resulta
muito mais desta subdivisão do que da incorporação de terras oriundas das
grandes unidades de produção.

Em terceiro lugar, pode-se ainda atribuir o


crescimento da pequena propriedade49 nos primeiros anos da década de 80

à luta dos trabalhadores por terra. Sabe-se que na Paraíba a resistência


camponesa à expulsão-expropriação promovidas pela expansão das
atividades canavieira e pecuária e os conflitos daí resultantes foram
responsáveis pela desapropriação de 41.246 hectares de terra e pela
aquisição e transferência de mais de 4.000 hectares para assentamento de
população no período50. Acredita-se que essa contribuição dos
trabalhadores para a melhoria do padrão fundiário do Estado , através da
luta por terra, deve ter crescido substancialmente a partir de 1985. O
aumento do número de conflitos agrários e a solução de vários deles via
desapropriação e compra de propriedades efetuadas pelo Incra, sobretudo a
partir de 1993 e o assentamento subseqüente de trabalhadores nessas
áreas, situadas principalmente no Litoral e no Agreste paraibanos, deve ter
contribuído neste período mais recente para diminuir o número dos
excluídos do direito de acesso à terra na Paraíba. O próximo Censo
possivelmente comprovará essa informação.

Em suma, pode-se inferir, a partir do


exposto, que embora se tenha observado um
aumento do acesso à terra por parte do pequeno
produtor no período de 1980/1985, o padrão de

48 De fato, entre 1980 e 1985 os pequenos estabelecimentos (com área


inferior a 10 hectares) com terras próprias cresceram 28,9% (passaram de
50,6 mil para 65,2 mil).
49Aqui entendida como sinônimo de pequeno estabelecimento, não deve ser
confundida com a pequena propriedade minifundiária identificada pelo Incra.
50Ver a respeito o capítulo referente aos movimentos sociais no campo.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 249

concentração da propriedade fundiária no Estado


(com índice de Gini de 0,815 em 1985) ainda é
muito alto. Em muitos municípios, sobretudo do
Agreste e do Cariri (oriental e ocidental), ele foi
até mesmo reforçado (comparar os mapas de
concentração da terra de 1980 e 1985 in:
MOREIRA,1996).
Os municípios que se distinguiam em 1985 como os que
possuíam a mais elevada concentração da propriedade da terra no Estado
(índice de Gini superior a 0,90) eram, respectivamente: Cabedelo (0,939)51;
Santa Rita (0,934); Cruz do Espírito Santo (0,920); Rio Tinto (0,917) e Pilar
(0,904), todos situados na Mesorregião da Mata Paraibana. No outro
extremo, os municípios que apresentavam a melhor distribuição da posse da
terra em 1985 eram: Baía da Traição (0,206)52; Lagoa Seca (0,302); Puxinanã
(0,329) e São Sebastião da Lagoa de Roça (0,279). Alguns outros municípios
também se distinguiam pela baixa concentração fundiária. Eram eles:
Tavares (0,498); Areial (0,426); Alagoa Nova (0,474) e Montadas (0,424).
Todos estes municípios tiveram o grau de concentração aumentado entre
1980 e 1985 (v. mapas da in:
concentração da terra

MOREIRA:1996).
É importante também destacar, ao se
estudar a estrutura fundiária de um Estado como
o da Paraíba, que o pr oblema não se resume

51Deve-se considerar o município de Cabedelo como uma exceção, uma vez


que ele é essencialmente urbano. A atividade agropecuária, se é que assim
pode ser considerada, restringe-se a pequenas granjas onde o coco-da-baía e
uma pecuária incipiente estão a cada dia cedendo lugar aos loteamentos de
veraneio e a habitações secundárias.
52Chama a atenção esse dado obtido através do Censo de 1985 para o
município de Baía da Traição. Isto porque esse município apresentava um
dos mais altos índices de concentração da propriedade da terra do Estado
em 1980. Por outro lado, nele não se constatou, entre 80/85, nenhum fato
que justificasse uma mudança tão radical no seu padrão de concentração da
propriedade da terra (política agressiva de reforma agrária ou multiplicação
das áreas de conflito, etc.). Pode-se supor a partir daí que tenha havido
alguma falha no levantamento ou no processamento das informações em
nível censitário, seja superdimensionando os indicadores relativos a 1980,
seja subdimensionando-os em 1985.
249
250 Emília Moreira e Ivan Targino

apenas à desigual distribuição da terra entre


proprietários. Essa é apenas uma face do
problema. A outra face, tão ou mais importante
que a anterior, é aquela representada pelo
grande número de trabalhadores sem terra. Não
se dispõe de dados conclusivos que possibilitem
precisar o número de trabalhadores sem terra no
Estado. No entanto, a partir de alguns dados
censitários, pode-se ensaiar uma estimativa
precária. Em 1980, foram recenseados 167.485
estabelecimentos agropecuários. Naquele mesmo
ano, o Censo registrava 234.859 famílias
residentes na zona rural. Mesmo supondo-se que
cada estabelecimento pertence a uma família (o
que não ocorre), resultaria que cerca de 67 mil
famílias residentes na zona rural não tinham a
propriedade da terra. Deve-se lembrar o utro fator
que concorre para a subestimação: naquele
número não estão incluídas as famílias que,
embora residentes nas cidades, tinham a sua
força-de-trabalho ocupada nas atividades
primárias.
A permanência de altos índices de
concentração da propriedade fundiária faz com
que a Reforma Agrária permaneça na ordem do
dia. O discurso conservador tem tentado mostrar
que esse é um tema superado, arcaico,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 251

ultrapassado. O progresso técnico, a


subordinação real da agricultura ao capital, a
verticalização e integração do processo produtivo
teriam transformado o agro brasileiro tão
radicalmente que a estrutura fundiária não se
constituiria mais em empecilho para o
desenvolvimento sócio-econômico do país.
Segundo esta visão, a realização de uma reforma
agrária, isto sim, constituir-se-ia em um
problema. Iria subtrair terras de empresas
competentes para entregá-las a pessoas sem
capacidade de gerenciamento e sem condições
de capitalização. Exemplificam tais afirmações
com o que tem ocorrido em certas áreas
desapropriadas para fins de Reforma Agrária.
A análise do caso paraibano mostra
alguns pontos importantes:

• a modernização da agricultura, conforme visto


no capítulo 3, concorreu para a pecuarização e
para o fortalecimento da monocultura,
tornando o setor primário estadual como que
refém do gado e da cana;
• o crescimento da riqueza produzida não se deu
concomitantemente com a sua distribuição, o
que vale dizer que as condições de vida da
população trabalhadora rural não foram
melhoradas na mesma proporção (v. cap. 3);
• as relações de trabalho, como será visto no
capítulo 7, foram modernizadas. Isto é, foram
quebradas as ligações do trabalhador com a
terra ao se reduzir a parceria, o arrendamento
e a morada. O trabalhador, para garantir sua
251
252 Emília Moreira e Ivan Targino

sobrevivência, passa a depender apenas da


venda de sua força-de-trabalho;
• ao tempo em que o trabalho se apresenta
“livre”, reduz-se o requerimento da força-de-
trabalho por hectare explorado, em virtude das
mudanças nas relações técnicas de produção;
• o desenraizamento do trabalhador em relação
à terra enquanto fonte de alimento (e,
parcialmente, de trabalho) leva-o à mudança
de habitat, indo residir nas periferias urbanas.
É intenso o êxodo rural no período (v. capítulo
6).
Tem-se como resultado o aguçamento
dos problemas sociais, colocando em risco o
ordenamento social estabelecido. Não fosse por
outras razões, o quadro social que se desenha
com as cores dramáticas da miséria, da fome, da
marginalidade, da estruturação de poderes
paralelos ao do Estado traz a questão agrária
para a ordem do dia. Em vez de problema
superado, é um problema a ser superado e com
certa urgência.
Além das razões apontadas acima
para a necessidade de democratização da
propriedade fundiária, importa destacar o papel
desempenhado pela pequena propriedade tanto
no que se refere à sua capacidade de absorção da
mão-de-obra, quanto à produção agropecuária,
em especial, na produção das principais lavouras
de subsistência. As estatísticas oficiais confi rmam
tal assertiva. Em 1980, por exemplo, eram os
pequenos estabelecimentos que absorviam a
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 253

maior parte de mão-de-obra ocupada no setor


primário. Das 648,6 mil pessoas ocupadas na
agropecuária, 624,8 mil (96,33%) eram
absorvidas pelos estabelecimentos de até 50
hectares. Só nos menores de 10 hectares estava
ocupada 43,79% da força-de-trabalho do setor.
Eram ainda os estabelecimentos menores de 50
hectares que respondiam por 48,6% do valor da
produção agropecuária (49,8% da produção
animal e 47,9% da produção vegetal). No caso
das culturas do milho, do feijão e da mandioca, a
participação dos pequenos estabelecimentos no
total do valor da produção agrícola estadual era
de 74,9%, 82,4% e 88,5% respectivamente (v.
quadro XI).
As médias e grandes propriedades são
obrigadas a organizar suas atividades tendo em
vista a obtenção do lucro, conseqüência da
subordinação da agricultura ao capital. Daí voltar-
se para aquelas atividades e culturas cuja
rentabilidade seja sustentada pelo mercado ou
pelas políticas governamentais. As culturas onde
os riscos são maiores, como é o caso das culturas
alimentares tradicionais, na Paraíba, são deixadas
para a pequena produção. Aí, a organização
familiar da produção tem maior elasticidade de
absorção dos riscos climáticos e mercadológicos.
Do exposto, o que se apreende é que a pequena produção
não é tão ineficiente quanto apregoam os arautos do latifúndio. "Ineficiência"
sempre evocada como argumento contra a reforma agrária.
253
254 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO IX

ESTADO DA PARAÍBA
INDICADORES DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA
1970, 1980, 1985

ESTATÍSTICAS 1970 1980 1985


Mil estabelecimentos 169,6 167,4 203,2
com declaração de área
Área total (milhões de 4,5 4,9 4,8
hectares)
Área média (hectares) 27 29 23,9
Índice de Gini 0,823 0,829 0,815
Estabelecimentos 25,5 23,5 24,5
menores de
50 ha/área total
Estabelecimentos 14,0 12,0 13,5
menores de 20 ha/área
total
Estabelecimentos 33,3 34,5 32,6
maiores de 500 ha/área
total
Fonte: FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba, 1970, 1980, 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 255

QUADRO X

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA
1970/1980/1985

1970 1980 1985


CLASS No. DE ÁREA No. DE ÁREA No. DE ÁREA
E DE ESTS. DOS ESTS. DOS ESTS DOS
ÁREA % ESTS. % % ESTS % % ESTS. %
(ha) (ha) (ha) (ha)
0-10 115.84 68,2 372.29 8,12 11.98 66,86 345.99 7,05 148.052 72,84 393.527 8,08
2 8 2 1 3
10-20 20.96 12,3 279.41 6,09 20.47 12,22 270.95 5,52 20.329 10,00 268.586 5,51
5 6 1 1 3
20-50 17.17 10,1 519.18 11,3 17.86 10,67 539.18 10,99 17.737 8,73 535.432 10,99
2 2 7 3 9 9
50-100 7.290 4,30 493.16 10,7 7.99 4,77 544.28 10,09 7.940 3,91 540.245 11,09
8 6 2 1
100- 4.165 2,45 556.23 12,1 4.47 2,73 612.60 12,49 4.627 2,27 618.401 12,69
200 2 4 7 5
200- 2.861 1,69 835.74 18,2 3.05 1,82 897.27 18,29 3.117 1,53 923.916 18,97
500 1 4 2 7
500- 817 0,48 547.00 11,9 90 0,54 607.42 12,38 921 6,45 619.082 12,71
1000 5 4 5 6
1000 e 530 0,31 979.79 21,3 56 0,34 1.088.73 22,19 541 0,27 972.224 19,96
+ 6 8 3 4
s/área 25 0,01 – – – – – – – – – –
declara

255
256 Emília Moreira e Ivan Targino

da
TOTAL 169.66 100,0 4.582.8 100,0 167.48 100,0 4.906.45 100,00 203.264 100,00 4.871.41 100,00
7 0 32 0 5 0 8 3
Fonte: FIBGE. Censos Agropecuários da Paraíba, 1970, 1980 e 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 257

QUADRO XI

ESTADO DA PARAÍBA
PESSOAL OCUPADO E VALOR DA PRODUÇÃO
ANIMAL E VEGETAL, SEGUNDO AS CLASSES
DE ÁREA
1980

VALOR DA VALOR DA
CLASSES PESSOAL PRODUÇÃ PRODUÇÃ
DE ÁREA OCUPADO O ANIMAL O
(ha) (CR$ VEGETAL
1.000) (CR$
1.000)
- 10 333.753 1.445.375 3.425.377
10 - 20 82.900 634.833 934.430
20 - 50 83.385 962.843 1.250.437
50- 100 47.093 663.417 899.198
100 - 1.000 83.548 1.806.825 3.585.934
1.000 - 17.719 586.843 1.598.760
10.000
10.000 e 112 6.049 1.934
mais
s/declaraçã 97 – –
o
TOTAL 648.607 6.109.285 11.696.92
3
Fonte: FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba, 1980.

257
258 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA

FIBGE. Censos agropecuários da Paraíba, 1970, 1980 e 1985.


__________ Censo demográfico da Paraíba, 1980.
HOFFMANN, R. “Evolução da desigualdade da distribuição da posse da terra
no Brasil no período 1960-80”. In: Revista Brasileira de Reforma
Agrária. Campinas 12(6), Nov/Dez., 1982.
MOREIRA, Emilia de Rodat F. Evolution et transformations récentes de
l'organisation agraire de la Paraíba. Paris. Tese de Doutorado,
1988.
__________ Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Ed.
Universitária, 1996.
SAMPAIO & SILVA. “A questão agrária no Brasil: o que realmente mudou nos
anos 80/85?” In: Revista Brasileira de Reforma Agrária.
Campinas, 17(3) Dezembro 87/maio 88.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 259

5. MODERNIZAÇÃO TÉCNICA
DA AGROPECUÁRIA
ESTADUAL

“Adubos, debulhadoras a vapor,


progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio
quase uma ciência!
Ó mostruários dos caxeiros-
viajantes
Dos caxeiros viajantes, cavaleiros
andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das
fábricas e dos calmos escritórios!
Ó fazendas nas montras! Ó
manequins! Ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que todo mundo
quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias
seções!
Olá anúncios elétricos que vêm e
estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se
constrói, com que hoje se é
diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de
cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos
gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões,
metralhadoras, submarinos,
aeroplanos!

Versos do poema “Ode Triunfal”de Fernando


Pessoa

259
260 Emília Moreira e Ivan Targino

O processo recente de modernização


da agricultura brasileira subentendeu a sua
subordinação às necessidades de acumulação
capitalista.
Ao subordinar-se às leis do lucro, a
agricultura necessita aumentar a produtividade
do trabalho, ou seja, ela necessita que cada
trabalhador produza mais em menos tempo. Isso
só é possível de obter-se aumentando a jornada
e/ou intensificando o ritmo de trabalho das
pessoas. Para tal, se faz necessário uma mudança
nas relações técnicas de produção, o que leva a
uma integração maior da agricultura com a
indústria, seja como compradora de adubos,
máquinas e defensivos, seja como vendedora de
matérias-primas.
No Brasil, a implantação da indústria
pesada entre 1955 e 1961, a consolidação do
Complexo Agroindustrial, a criação de um
Sistema de Crédito Nacional, a intensificação do
processo de urbanização e a ação do Estado
através da implementação de políticas agrícolas
destinadas a favorecer e incentivar a aquisição
dos produtos da indústria pelos produtores rurais
(sobretudo os médios e grandes), constituíram a
mola mestra da "modernização conservadora da
agricultura". Do ponto de vista tecnológico, essa
modernização apoiou-se em dois elementos
básicos: a quimificação e a mecanização.
Segundo Kageyama e Silva, na
década de 70 o consumo aparente de defensivos
agrícolas no Brasil cresceu a taxa de 7,2% ao ano,
tendo sido os herbicidas que apresentaram as
maiores taxas. O consumo de fertilizantes
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 261

também cresceu muito, a uma taxa geométrica


real média de 15,5% ao ano e o número de
tratores utilizados nos estabelecimentos
agropecuários multiplicou-se por três (KAGEYAMA
& SILVA, 1983:542/543).
Essa incorporação do progresso
técnico propiciado pelo processo de
modernização da agricultura se processou,
porém, de forma espacialmente desigual. Ela foi
bem mais intensa no Centro-Sul do país do que
nas regiões Norte e Nordeste. Exemplo disso é a
concentração de 80,9% do número de tratores
existentes no país em 1980, nas regiões Sul e
Sudeste contra 7,4% no Norte e Nordeste. Em
nível estadual, São Paulo distinguia-se com 25,9%
do total de tratores utilizados no setor
agropecuário nacional, seguido do Rio Grande do
Sul (com 22,4%), do Paraná (com 15,4%), e de
Minas Gerais (com 8,9%) (FIBGE, 1980:54).
Enquanto isso, na Paraíba, existiam em 1980
menos de 1,0% do total nacional. Considerando-
se o uso de trator como o principal elemento da
mecanização da agricultura brasileira, este dado
referente à Paraíba pressupõe um processo de
modernização bastante modesto.
O processo mais atenuado de
modernização da agricultura paraibana em
relação ao Centro-Sul do país é também
evidenciado pelos seguintes indicadores relativos
ao ano de 1980:
a) apenas 3,8% dos estabelecimentos
agropecuários utilizavam adubos químicos;
b) o número de arados mecânicos
existentes era inferior a 3.000 para um total de
261
262 Emília Moreira e Ivan Targino

167.485 estabelecimentos rurais (em média, para


cada mil estabelecimentos existiam 13,5 arados
mecânicos);
c) o gasto dos estabelecimentos com
defensivos agrícolas correspondia a 1,6% do total
de suas despesas, e;
d) a área irrigada representava
apenas 0,4% da área dos estabelecimentos rurais
existentes no Estado.
Esses baixos valores indicam um grau
ainda muito baixo de tecnificação da agricultura
paraibana em 1980. Todavia, quando comparados
aos valores existentes em 1970, eles deixam
transparecer, em nível estadual, um movimento
ascendente representado, sobretudo, pela
intensificação da utilização de processos
mecânicos (tratores, arados, colhedeiras) e de
insumos químicos (fertilizantes, corretivos,
defensivos).
Esse movimento ascendente pode ser
constatado através:
a) do crescimento observado no
número de tratores existentes. Esses passaram
de 822 em 1970, para 3.109 em 1980, o que
significou um aumento de 2.287 unidades,
correspondente a um crescimento relativo de
278,2%;
b) da redução da área média por
trator utilizado. Essa, que era de 5.575,2 hectares
em 1970, declinou para 1.578,1 hectares em
1980;
c) da redução da média dos
estabelecimentos agropecuários por trator
utilizado, de 206 para 54 no mesmo período;
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 263

d) do crescimento do número de
arados mecânicos que, de 659 em 1970,
passaram para 2.275 em 1980, o que significou
um aumento absoluto da ordem de 1.616 arados
(equivalente a um crescimento relativo de
245,2%);
e) do declínio da área média utilizada
por arado mecânico, de 6.954,2 hectares em
1970 para 2.156,7 hectares em 1980;
f) da redução da média dos
estabelecimentos por arado mecânico utilizado,
que caiu de 257 para 73 no mesmo período.
g) do aumento da disponibilidade de
tratores em relação à força-de-trabalho que mais
do que triplicou: de 1,4 trator, passou para 4,8
trator por 1.000 pessoas ocupadas na agricultura
no período de 1970/1980. Este aumento foi
superior ao verificado em nível nacional. De
acordo com Kageyama e Silva, no Brasil, no
mesmo período, a disponibilidade de tratores por
pessoa ocupada não chegou a triplicar. Ela
passou de 9,4 para 25,1 trator por 1.000 pessoas
ocupadas (KAGEYAMA & SILVA, 1983: 544).
Além desses indicadores do
crescimento da mecanização referentes à década
de 70, observou-se ainda um importante aumento
do número de estabelecimentos que passaram a
utilizar adubos químicos. De 579 em 1970, eles
chegaram a atingir um número superior a 6.000
em 1980. Tem-se também um aumento bastante
significativo dos gastos dos estabelecimentos
com defensivos agrícolas (de Cr$ 1.777 milhões

263
264 Emília Moreira e Ivan Targino

em 1970 passaram para Cr$ 72.423 milhões 53 em


1980) e dos gastos com adubos e corretivos que
deu um salto de Cr$ 4.389 milhões em 1970 para
Cr$ 270.572 milhões54 em 1980.
Esse fortalecimento da mecanização e
da utilização de fertilizantes e defensivos
químicos foi disseminado em todas as
Microrregiões do Estado. Existem, porém,
diferenças espaciais quanto à sua intensidade,
evidenciados nos mapas do Atlas de Geografia
Agrária da Paraíba (v. MOREIRA,1996). Da análise
desses mapas, pode-se inferir que:
a) em 1980, a área que concentrava o
maior número de tratores do Estado coincidia
com a Mesorregião da Mata Paraibana, que
detinha 32,7% do total dos tratores existentes.
Merecem destaque as Microrregiões do Litoral Sul
e de Sapé (com mais de 21,0% do total estadual).
Destinguem-se também as Microrregiões
sertanejas de Sousa e Catolé do Rocha (com
12,3%) e a Microrregião de Monteiro, no Cariri
Ocidental (com 8,8% do total);
b) embora na maioria dos municípios
do Estado o número de tratores tenha crescido
mais de 100,0% na década de 70, merecem ser
sublinhados os que compõem o Litoral Sul,
Itapororoca e Jacaraú no Litoral Norte, além de
alguns municípios do Curimataú, do Cariri
Ocidental e do Sertão (v. mapa que trata do
crescimento dos tratores entre 1970 e 1980 in:
MOREIRA, 1996);

53Em Cr$ de 1970.


54Em Cr$ de 1970.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 265

c) em 1980, era ainda pequeno o uso


de colhedeiras mecânicas. Apenas 219 foram
cadastradas pelo Censo, das quais 32,0% se
encontravam nos municípios de Santa Rita, Cruz
do Espírito Santo, Sapé, Caaporã e Juripiranga,
municípios estes onde foi muito forte o avanço da
atividade canavieira no período;
d) a utilização do arado de tração
animal era comum a todo o Estado. Todavia, os
arados mecânicos eram encontrados em maior
número no Litoral. A Mesorregião da Mata detinha
em 1980 31,3% do total de arados mecânicos
existentes no Estado com destaque para a
Microrregião de Sapé com 13,0% do total
estadual;
e) o crescimento do número de arados
mecânicos nos anos 70 também foi maior no
Litoral, sobretudo no Litoral Sul. Taxas de
crescimento superiores a 500,0% foram
registradas ainda no Agreste, no Cariri, no Seridó
Ocidental, em torno de Patos, de Sousa e de
Cajazeiras;
f) nas Microrregiões do Agreste de
Esperança, de Teixeira e Catolé do Rocha, áreas
que se distinguem, seja pela predominância da
pequena e média propriedade, seja pelo relevo
montanhoso, pouca ou nenhuma mudança foi
observada no que tange à mecanização da
atividade agropecuária na década de 70;
g) no que se refere à utilização de
adubos químicos, destaca-se mais uma vez a
Mesorregião da Mata Paraibana, seguida, em grau
de importância, da Microrregião de Sousa e, no
Agreste, das Microrregiões do Curimataú Oriental,
265
266 Emília Moreira e Ivan Targino

do Brejo, de Esperança e de alguns municípios do


Agreste Baixo (v. mapa concernente in: MOREIRA,
1996).
O que sobressai da análise efetuada é
que a melhoria do padrão técnico adotado pela
agropecuária foi maior na área de tradição
canavieira e nas de expansão recente da cana-de-
açúcar situadas no Litoral e no Agreste, isto é,
nas áreas de maior atuação do Proalcool. Ela foi
também importante em algumas Microrregiões
sertanejas, em particular, naquelas onde a
expansão da atividade pecuária se deu de modo
significativo.
É importante ressaltar também que a
intensificação do processo de mecanização foi
mais expressiva nas maiores que nas menores
unidades de produção. Exemplo disso é que o
crescimento do número de tratores nos
estabelecimentos maiores de 200 hectares foi
equivalente a cerca de 60,0% do aumento
observado para o conjunto do Estado.
Nas pequenas propriedades, as
inovações tecnológicas só foram parcialmente
absorvidas. Ressaltam-se, particularmente,
aquelas cuja introdução depende de uma escala
mínima de produção e são mais onerosas, como a
mecanização. Em 1980, do total de tratores e
arados mecânicos utilizados, apenas 15,9% e
13,7%, respectivamente, pertenciam aos
pequenos estabelecimentos. Em contrapartida, do
total dos estabelecimentos que utilizavam adubos
químicos e defensivos agrícolas 80,1% e 85,8%,
respectivamente, eram menores de 50 hectares.
O que vale dizer, que a tendência da tecnificação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 267

dos pequenos produtores da Paraíba, do mesmo


modo que acontece para o conjunto do país, é de
absorver principalmente as tecnologias físico-
químicas e, num grau muito menor, as
tecnologias mecânicas.55 Este dado é preocupante
uma vez que se sabe que não existe controle e
muito menos uma difusão das formas adequadas
de utilização de agroquímicos, sobretudo nas
pequenas unidades de produção. E são
exatamente estas que se responsabilizam pelo
grosso da produção de alimentos que é
consumido pela população.
Evidencia-se assim o caráter parcial e
desigual do processo de modernização. No que
tange à mecanização, ela se restringiu a alguns
produtos, em especial ao abacaxi e à cana,
atingiu apenas algumas fases do ciclo produtivo e
se incrustou nas médias e grandes propriedades.
No caso das tecnologias físico-químicas, pode-se
até dizer que sua difusão foi mais "democrática",
uma vez que ela atingiu todos os segmentos de
propriedade e todos os tipos de produtores.
Essa modernização desigual é
responsável tanto pela acentuação das
disparidades intra e extra-regionais, como pela
intensificação da sazonalidade do trabalho
agrícola, pelo agravamento do êxodo rural e por
uma maior concentração da renda e da posse da
terra.

55 Leia-se a respeito da relação entre tecnologia e campesinato no Brasil, o


artigo de José Graziano da Silva: “Tecnologia e Campesinato: o caso
brasileiro”. In: A pequena produção agrícola. Santa Maria, V Encontro
Nacional de Geografia Agrária, 1984.
267
268 Emília Moreira e Ivan Targino

Esse progresso técnico observado na


agricultura paraibana na década de 70, mesmo
atenuado, só foi possível graças à ação do Estado.
Este, não só subsidiou a aquisição de insumos,
máquinas e equipamentos poupadores de mão-
de-obra, como, através do Proalcool, propiciou a
ampliação do parque industrial sucro-alcooleiro
estadual.
Faz-se necessário chamar a atenção
para o fato de que esse avanço do processo de
tecnificação da agricultura não persistiu com o
mesmo ritmo e intensidade nos primeiros anos da
década de 1980. Ao contrário, o que se observou,
notadamente no que se refere ao avanço da
mecanização, foi uma reversão de tendência. O
número de tratores declinou de 3.109 em 1980
para 2.884 em 1985 (-7,2% no período) e o de
arado mecânico de 2.275 para 2.119 (-6,8% no
período). Do ponto de vista espacial, a única
região onde o número de tratores continuou
crescendo foi a Zona da Mata, área de mais forte
expressão do avanço da cana-de-açúcar no
Estado e onde se concentra a produção do
abacaxi, cultura que é grande absorvedora de
tecnologia. Esse crescimento porém, foi
expressivamente mais modesto que o observado
no período anterior. No que se refere aos arados
mecânicos, não se observou nenhum incremento
em qualquer unidade espacial, ao contrário, os
dados regionais reproduzem a realidade
constatada para o conjunto do Estado. Outros
indicadores confirmam o arrefecimento do
processo modernizador da agricultura estadual na
primeira metade dos anos 80:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 269

a) a área média utilizada com tratores


e arados mecânicos aumenta (1.689,3 ha/trator
em 1985 contra 1.578,1 em 1980 e 2.299,2
ha/arado mecânico em 1985 contra 2.156,7 em
1980);
b) o número médio de
estabelecimentos por trator e arado mecânico
cresce no período (de 54 para 70
estabelecimentos/trator e de 73 para 95
estabelecimentos/arado mecânico).
c) apenas as colhedeiras mecânicas
apresentaram um crescimento positivo no
período (de 36,9%). Este crescimento, porém, foi
concentrado em cinco municípios canavieiros:
Santa Rita, Pedras de Fogo, Sapé, Alhandra e
Mamanguape (com mais de 60% do crescimento
observado para o conjunto do Estado).
A partir das informações colhidas, o
que se pode deduzir é que a continuidade do
processo de tecnificação da agricultura paraibana
nesse período limitou-se basicamente à
incorporação das tecnologias físico-químicas. De
fato, o número de estabelecimentos agrícolas que
utilizam adubos químicos cresceu entre 1980 e
1985 7,17% ao ano (o que representou um
aumento absoluto da ordem de 2.672
estabelecimentos). Este crescimento, embora
mais concentrado nas regiões produtoras de cana
e abacaxi, também foi observado em municípios
sertanejos como em Paulista, Pombal, Sousa,
Sumé e Teixeira, no Seridó Ocidental, na região
minifundiária policultora de Esperança, em
Campina Grande, Massaranduba e Natuba. As
despesas dos estabelecimentos com adubos
269
270 Emília Moreira e Ivan Targino

químicos e corretivos também aumentou de


6,05% para 8,14% no período. Este aumento foi
comum a todos os tamanhos de estabelecimento.
No que se refere ao uso de defensivos químicos,
houve também um ligeiro aumento do número de
estabelecimentos que o utilizam (0,7% no
período). As despesas com estes produtos no
total das despesas dos estabelecimentos
cresceram quase um ponto percentual (de 1,6%
para 2,4%).
O que explicaria estas mudanças no
ritmo, na intensidade e na direção da
modernização agrícola do Estado?
Uma das explicações para tal fato
estaria relacionada à redução do crédito genérico
e subsidiado na fase denominada por George
Martine como de "crise do crédito", que se
estendeu de 1979 a 1984. Esta redução teria
comprometido a continuidade da mecanização.
Por outro lado, a substituição do crédito genérico
pelo crédito dirigido, beneficiando lavouras como
a cana de açúcar, justificariam a continuação do
processo de incorporação de tecnologias
mecânicas a partir de 1980 apenas nas áreas de
atuação do Proalcool.
Um outro aspecto relevante das
mudanças observadas no padrão técnico da
agropecuária paraibana na década de 70 refere-
se à questão da irrigação.
Durante muito tempo, costumou-se
atribuir às estiagens prolongadas o quadro de
pobreza e atraso ao qual vive submetido o
homem do campo no Nordeste. Segundo
Genysson Evangelista,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 271

"no discurso conservador das


oligarquias rurais que sempre
acumularam riqueza à custa da
pobreza dos que labutam no
campo, a seca - um fenômeno
natural - passou a ser resposta
fácil para um problema
complexo e de múltiplas
determinações, que envolve
interesses sociais e
econômicos conflitantes"
(EVANGELISTA, G. 1980: 8/9).

Não resta dúvida que as


potencialidades e limitações do meio natural
exercem influência sobre as atividades
agropecuárias. Isso porque essas atividades
dependem dos recursos de água e solo. Sabe-se,
porém, que quase sempre o homem é capaz de
recriar a natureza, revertendo as limitações de
ordem físico-ambiental, a partir da utilização de
processos e técnicas produtivas racionais,
atendendo desta forma a interesses sociais
amplos.
Na Paraíba e, de resto, no Nordeste
como um todo, as políticas governamentais de
desenvolvimento regional restringiram-se durante
muito tempo ao combate à seca através da
acumulação de água, mediante a construção de
açudes (regra geral em propriedades privadas, e
com objetivos políticos bem determinados), sem
preocupar-se com as áreas disponíveis para a
irrigação. O discurso das oligarquias rurais
271
272 Emília Moreira e Ivan Targino

obtinha, assim, o reforço do Estado. Em 1986,


como consta no quadro XII, a Paraíba contava
com 41 açudes públicos estaduais e 3.181 açudes
particulares distribuídos nas bacias dos rios
Piranhas (onde se concentravam 80,4% do total
de açudes existentes no Estado), Paraíba, Jacu,
Curimataú, Mamanguape e bacias litorâneas
menores. Só nos açudes públicos acumulavam-se
3.416 milhões de metros cúbicos de água.
Incluindo-se os açudes particulares, esse número
elevava-se para 7.164 milhões.
Deve-se levar em conta que a grande
maioria desses reservatórios de água
localizavam-se no Sertão, no Cariri e no Seridó
(onde a seca incide de modo mais intenso).
A persistência do fenômeno da seca e
a diminuição dos intervalos entre os períodos de
estiagem prolongada colocou na ordem do dia a
necessidade de não apenas acumular água, mas,
principalmente, de permitir a continuidade da
atividade agropecuária durante os períodos
secos, via processo de irrigação, bem como de
adaptar a utilização do solo aos rigores
climáticos.
Na Paraíba, as primeiras experiências
concretas de utilização racional da água foram
realizadas nos perímetros irrigados de São
Gonçalo, no município de Sousa, do Açude
Engenheiro Arcoverde, em Condado, e do açude
de Sumé.
Essas áreas constituem verdadeiras
exceções nos Sertões da Paraíba, onde os
irrigantes cultivam em pequenos lotes, não só
frutas (em especial banana e o tomate) como o
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 273

feijão, o arroz e o milho, entre outros produtos de


importância secundária. 56
A reincidência da seca no final da
década de 70 trouxe mais uma vez à ordem do
dia a discussão sobre a questão da irrigação no
semi-árido. Passa-se a admitir, a partir de então,
que esta só seria viável se atrelada a uma
estrutura de captação, armazenagem e
distribuição de água que contemplasse também a
pequena e média açudagem, que possibilitasse
paralelamente a difusão de poços e cacimbas, a
perenização de rios e, sobretudo, que
beneficiasse o pequeno e médio produtor.
Alguns programas governamentais
tais como o Prohidro e o Projeto Sertanejo
(voltados para o conjunto do semi-árido
nordestino) e o Projeto Canaã (voltado
especificamente para o semi-árido paraibano)
procuraram, em termos de objetivos gerais,
atingir tais metas. Contudo, suas propostas só
foram parcialmente realizadas. O Programa de
Aproveitamento de Recursos Hídricos do Nordeste
(Prohidro), que do ponto de vista técnico
56 Segundo Mário Lacerda de Melo, a utilização por lavouras do espaço
compreendido no perímetro do açude de São Gonçalo, em 1984, de acordo
com os dados fornecidos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (DNOCS) abrangia uma superfície equivalente a 722,0 ha. Desse total,
66,1% eram constituídos por lavouras temporárias, com destaque para o
arroz e o feijão macassar, 38,1% da superfície com predominância da
banana (255,0 ha ou 35,3% da área cultivada total). Já a superfície do
perímetro de irrigação do açude Engenheiro Arcoverde correspondia a 444,0
hectares, dos quais 281,0 ha, ou 63,3% tinha infra-estrutura para a irrigação
e 139,0 ha. (31,3%) achava-se até aquele momento em operação. Cultivava-
se, sobretudo, o algodão herbáceo. O perímetro de irrigação de Sumé
abrange 627,0 hectares dos quais 272,0 hectares possuíam infra-estrutura
de irrigação. A parcela irrigada em 1984 correspondia a 210,0 hectares
(33,5%). O principal produto aí cultivado é o tomate. Cf. MELO, Mário Lacerda
de. Áreas de exceção nos Sertões da Paraíba. Recife, SUDENE, 1985.
273
274 Emília Moreira e Ivan Targino

objetivava “elevar as disponibilidades de água


para abastecimento humano e animal, dar
suporte hídrico à irrigação e fortalecer a
economia das unidades agrícolas de produção”
(KASPRZYKOWSKI, apud CARVALHO, 1988: 293)
deu ênfase à construção de açudes em
propriedades rurais privadas, apoiado na
“concessão de crédito rural barato (juros de 7%
ao ano, carência de três anos e prazo de
amortização de 10 anos), além de outros
esquemas de apoio governamental (...)”
(CARVALHO, 1988:293). Ele contribuiu ainda
“para dilatar as possibilidades existentes em
matéria de desvio de crédito, fornecido por seu
intermédio, de suas finalidades principais. Neste
sentido, o programa não poderia deixar de
funcionar como instrumento de reforço aos
“novos” interesses, também conservadores, do
Nordeste semi-árido, servindo, em conseqüência,
para recuperar a força política da solução
hidráulica, então definida stricto sensu”
(CARVALHO, 1988: 294).
O Projeto Sertanejo beneficiou
particularmente as maiores propriedades e, ao
contrário do que se propunha, teve êxito apenas
ao propiciar a valorização do capital via
valorização de terras e expansão da pecuária.
O Projeto Canaã, por sua vez, limitou-
se à construção e instalação de barragens,
colocando no plano secundário os seus maiores
objetivos, quais sejam:

"propiciar aos trabalhadores


rurais sem terra a
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 275

oportunidade de explorar,
mediante a sua força de
trabalho e a da sua família, a
cultura da terra, cuja posse e
respectiva titulação lhe serão
asseguradas" (GOVERNO DO
ESTADO DA PARAÍBA, 1983:55).

Mais recentemente, o Projeto


Nordeste (programa de desenvolvimento que tem
por meta o apoio ao pequeno e médio produtor)
colocou a difusão de métodos alternativos de
irrigação mais uma vez em pauta.
A verdade, porém, é que em 1970,
segundo o Censo Agropecuário, havia na Paraíba
apenas 13.437 hectares de terra irrigada e em
1980 esse total foi acrescido de mais 4.615
hectares, perfazendo 18.052 hectares. Sabendo-
se que o total de terras efetivamente irrigáveis
nas bacias hidrográficas do Estado abrange
244.580 hectares, a área irrigada cadastrada pelo
Censo de 80 era ainda muito pequena (7,4% das
terras potencialmente irrigáveis). 57 Isso sem falar
que 36,3% deste total concentravam-se em
apenas cinco municípios quais sejam: Sousa,
Pombal e Belém do Brejo de Cruz, no Sertão,
Sapé e Pedras de Fogo, no Litoral. Entre 1980 e
57 Segundo o Diagnóstico do Programa Estadual de Irrigação realizado pela
Secretaria da Agricultura, Irrigação e Abastecimentto (SAIA/PB) e a Comisão
Estadual de Planejamento Agrícola (CEPA/PB), as áreas efetivamente
irrigáveis das bacias hidrográficas da Paraíba resultam do confronto entre as
áreas potenciais para a irrigação com as disponibilidades hídricas anuais
médias existentes em cada bacia. Em outras palavras, as "áreas efetivas"
correspondem à disponibilidade de recursos de "terras irrigáveis",
delimitadas para cada bacia hidrográfica. Cf. SAIA/CEPA. Programa
estadual de irrigação. Vol. I - Diagnóstico. João Pessoa, 1988.
275
276 Emília Moreira e Ivan Targino

1985 esse quadro sofre uma alteração muito


pequena: a área irrigada cresce 843 hectares,
passando a representar 7,7% das terras
efetivamente irrigáveis.
A expansão da área irrigada
observada entre 1970 e 1980 se deu, sobretudo,
nas Microrregiões de Catolé do Rocha, de
Cajazeiras, de Patos, do Seridó Ocidental, do
Cariri Ocidental, na região da bacia leiteira de
Campina Grande (Campina Grande, Boqueirão,
Barra de São Miguel, Queimadas, Aroeiras e
Umbuzeiro), nas Microrregiões de Itabaiana e
Guarabira, além de alguns municípios do Litoral
como Sapé, Pedras de Fogo, Caaporã, Conde e
João Pessoa. Entre 1980 e 1985 distingue-se,
além das áreas citadas, o município de Sousa com
um crescimento significativo da área irrigada.
Como pode-se constatar, a expansão
espacial da irrigação na década de 70 coincidiu
com as áreas, seja de tradição canavieira como
Sapé, seja com aquelas onde se processou no
período o avanço da cana ou da pecuária e ainda
com municípos produtores de abacaxi. Os dados
fornecidos pelo PRONI sobre a área irrigada no
Estado entre 1987 e 1990 reforçam essa
tendência (v. mapa da área irrigada no período de
1987 a 1990 in: MOREIRA,1996).
Do exposto, um aspecto merece ser
levado em consideração: a solução para o
problema da seca não deve se resumir na difusão
pura e simples de técnicas de manejo dos
recursos hídricos. Sem que se realize
modificações no sistema de distribuição e posse
da terra e se estimule de fato o pequeno produtor
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 277

e a pequena produção, em particular, a produção


de alimentos, "a técnica continuará submetida à
miséria secular e a grande maioria da população
sertaneja permanecerá à mercê das intempéries
do clima" (EGLER & MAGALHÃES, 1985:30).
Em suma, a disseminação do
progresso técnico no processo produtivo agrícola
da Paraíba levado a efeito pelo processo de
modernização da agricultura, embora atenuado
em relação ao Centro-Sul e arrefecido na década
de 80, teve repercussões tanto a nível da
utilização dos solos quanto sobre o emprego rural
e até mesmo sobre o meio físico. Isso porque a
expansão do uso de máquinas, fertilizantes e
defensivos químicos permitiu a expansão de
certas atividades como a cana-de-açúcar, em
áreas até então consideradas impróprias ao seu
cultivo. A irrigação, mesmo considerada ainda
insuficiente, criou áreas agrícolas de exceção no
Sertão, num exemplo de que a natureza pode ser
recriada pela ação do homem. O avanço da
mecanização e das tecnologias físico-químicas ao
aumentar a produtividade do trabalho, nas áreas
onde essas mudanças foram mais incisivas,
liberou mão-de-obra e contribuiu para acentuar o
emprego sazonal e o êxodo rural, como será visto
nos itens que se seguem.

277
278 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XII
ESTADO DA PARAÍBA - POTENCIAL DE RECURSOS HÍDRICOS DOS AÇUDES
PÚBLICOS E PARTICULARES, SEGUNDO AS BACIAS HIDROGRÁFICAS (até
1986)
BACIAS AÇUDES AÇUDES AÇUDES PARTICULARES TOTAIS
HIDROGRÁFICAS PÚB.FEDERAIS PÚB.ESTADUAIS
No Volume No Volume No Volume No Volume
(106 m3) (106 m3) (106 m3) (106 m3)
1. Bacia do Rio Piranhas 18 1.905,74 57 606,39 2.599 3.904,80 2.674 6.416,93
1.1. Sub-bacia do Rio do Peixe 5 395,42 7 7,30 384 629,76 396 1.032,48
1.2. Sub-bacia do Alto – – 5 24,58 96 219,47 101 244,05
Piranhas
1.3. Sub-bacia do Rio Piancó 6 1.393,78 21 411,04 675 2.253,71 702 4.058,53
1.4. Sub-bacia do Médio 3 69,27 10 64,51 900 427,49 913 561,27
Piranhas
1.5. Sub-bacia do Rio 2 19,52 3 62,09 242 116,39 247 198,00
Espinharas
1.6. Sub-bacia do Rio Seridó 2 27,75 11 36,87 302 257,98 315 322,60
2. Bacia do Rio Paraíba 18 661,03 30 188,82 342 528,35 390 1.378,20
2.1. Sub-bacia do Rio Taperoá 9 49,07 12 60,28 124 252,54 145 361,69
2.2. Sub-bacia do AltoParaíba 3 73,34 8 107,46 79 76,33 90 257,13
2.3. Sub-bacia do Médio 5 538,30 7 6,25 47 47,82 59 592,37
Paraíba
2.4. Sub-bacia do Baixo 1 0,32 3 14,83 92 151,86 96 167,01
Paraíba
3. Bacia do Jacu – – 3 15,28 22 17,26 25 32,54
4. Bacia do Curimataú 2 13,40 5 9,71 45 39,68 52 62,79
5. Bacia do Mamanguape 2 1,33 9 14,08 155 53,09 166 68,50
6. Bacias Litorâneas Menores 1 0,20 1 0,57 18 4,98 20 5,18
6.1. Bacia do Rio Camaratuba 1 0,20 – – 18 4,98 19 5,18
6.2. Bacia do Rio Jacuípe – – – – – – – –
6.3. Bacia do Rio Gramame – – – – – – – –
6.4. Bacia do Rio Pitanga – – 1 0,57 – – 1 –
6.5. Bacia do Rio Goiana – – – – – – – –
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 279

Total 41 2.581,70 105 834,85 3.181 4.548,16 3.327 7.964,14


Fonte: DNOCS/SRH. Cadastramento dos Açudes do Estado da Paraíba (Quadro
reproduzido do texto “Agricultura e seus problemas” de autoria do
economista Genysson Evangelista).

279
280 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA

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pequena produção agrícola. Santa Maria, V Encontro Nacional de
Geografia Agrária, 1984.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 281

6. A POPULAÇÃO RURAL
PARAIBANA: SUA
EVOLUÇÃO E
A DINÂMICA ATUAL

“É lá pra’quelas bandas,
que mora a fome,
encarnada no bucho grande
da minha prole doentia,
estampada nas vertigens da
subnutrição
e nos calcanhares rachados do
pisar descalço,
na terra abrasada pela seca”.

Versos do poema “Amargurenças do Camponês”


de Carlos Jehovan e Esechiac A. Lima.

Sabe-se que a dinâmica populacional


não decorre apenas de fatores biológicos, mas
que é também determinada social e
historicamente. Na verdade, não existe uma lei
geral de população que possa ser aplicada a
qualquer conjunto humano, independentemente
de suas condições sociais e materiais. A cada
modo de produzir corresponde também um modo
de reproduzir-se. O nascer, o morrer e o migrar
são datados.
Conseqüentemente, a rigor, não
existe “uma” população paraibana, nem “uma”
população rural paraibana, mas várias
populações, obedecendo a leis diferentes (ritmos
281
282 Emília Moreira e Ivan Targino

de crescimento, de reprodução, de organização


distintos) segundo as classes sociais e as formas
de produção das condições materiais de vida. Não
obstante se adotar tal arcabouço teórico, é-se
forçado pelas limitações dos dados estatísticos, a
tratar a população como um todo. Contudo, à
medida das disponibilidades das informações,
procura-se dar as nuances possíveis à análise
segundo a concepção acima esboçada.
Neste capítulo, analisa-se a evolução
e a dinâmica recente da população paraibana, em
especial, do seu contingente rural. O estudo será
feito à luz das mudanças ocorridas na
organização do espaço agrário, uma vez que não
é possível entender a dinâmica populacional
desvinculando-a das condições sociais, culturais e
materiais de sua reprodução.

6.1. A evolução da população paraibana: um


breve histórico

As informações sobre a população


paraibana até a primeira metade do século XVIII
são praticamente inexistentes. Dispõe-se apenas
de estimativas esparsas e grosseiras para o
conjunto da Província, bem como de dados
avulsos sobre um ou outro núcleo de povoamento
(PINTO, 1977.v. I:36/44/51). Só a partir do período
pombalino é que surge a preocupação em
levantar de forma mais sistemática os dados
populacionais. Isto porém, não solucionou o
problema da confiabilidade dos mesmos.
Interesses, preconceitos e dificuldades
operacionais imbricavam-se, impedindo a
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 283

obtenção de informações consistentes e


confiáveis.
A título de exemplo, pode-se lembrar
o Ronco das Abelhas em 1852. Em decorrência do
decreto imperial n . 798 de 18 de junho de 1851,
determinando os registros paroquiais de
nascimento e óbito, espalhou-se entre a
população que o objetivo desse decreto era a
escravização do povo livre em virtude da
suspensão do tráfico negreiro procedente da
África, em 1850 (FRAGOSO,1988:34). A
insatisfação ganhou força de um levante popular,
tendo como foco de irradiação o atual município
de Ingá. Daí aquele censo ter sido considerado
pelo povo como “papel da escravidão”
(PINTO,1977. v. I: 210) e ter encontrado sérias
dificuldades na sua execução.
Algumas informações sobre a
população paraibana e sua distribuição espacial
no período de 1774 a 1872 estão apresentadas
no quadro XIII. Apesar do cuidado com que se
deve manipular estes dados, eles apontam para
alguns pontos importantes da história
demográfica da Paraíba, a saber:

a) até a segunda metade do século


XVIII a Paraíba era pouco povoada. Possuía entre
30 e 50 mil habitantes, enquanto a população de
Pernambuco já era da ordem de 142 mil
habitantes (JÚNIOR,1984:156). Além de rarefeita,
a população paraibana era desigualmente
distribuída: concentrava-se no Litoral,
principalmente na área sob jurisdição direta da
capital, onde residia aproximadamente 1/3 do
283
284 Emília Moreira e Ivan Targino

total; o Agreste, à exceção da área situada no


vale do Paraíba, permanecia praticamente
despovoado, havendo alguma concentração
apenas em torno de Vila Nova da Rainha, atual
Campina Grande; o Sertão, cujo povoamento
tinha iniciado no fim do século XVII
(SEIXAS,1993), detinha cerca de ¼ da população,
tendo como principais núcleos as Vilas de São
João e de Pombal;
b) durante o período de um século
(1774-1872), a população cresceu cerca de 12
vezes, apenas quatro vezes menos do que seria
uma previsão malthusiana. A ocorrência de cinco
períodos de seca, bem como surtos de varíola,
febre amarela e cólera (PINTO,1977.v.
I:137/197/215/219) com certeza contribuíram
para frear o crescimento da população apesar das
imigrações quer de escravos até 1850, quer de
colonos58. Segundo Celso Mariz,

“(...) foi enorme o prejuízo em


braços que a Província sofreu
em 1856, quando a epidemia
do “cólera-morbus” matou um
terço exato da população de
300 mil habitantes”
(MARIZ,1978:18);

c) o terceiro ponto de destaque diz


respeito ao forte crescimento populacional
experimentado pelo Agreste do final do século
58A presença de estrangeiros na Paraíba, segundo o Censo de 1872, era
irrisória. Naquele ano, foram recenseados apenas 843 estrangeiros. As
principais áreas de procedência eram: África (373), Portugal (290), Itália
(58), Alemanha (49) e França (27).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 285

XVIII a meados do século XIX. Em 1851, a


população dessa área representava mais da
metade da população provincial, enquanto que
em 1782 era da ordem de 15%. Para esse surto
de povoamento do Agreste contribuíram o fim da
Confederação dos Cariris, a expansão da cultura
do algodão e a imigração da população sertaneja.
As melhores condições naturais do Brejo
Paraibano atraíram as populações das regiões
mais áridas, sobretudo nos períodos de seca
(MARIZ,1978:97).
Só a partir de 1872 é que se dispõe de
melhores e mais sistemáticas informações sobre
o contingente populacional do Estado. Mesmo
assim, não são merecedoras de toda confiança.
Só com os Censos mais recentes é que se tem
dados mais seguros.59
O confronto dos dados relativos ao
período de 1782-1872 (quadro XIII) com os dados
populacionais do período 1872-1980 (quadro XIV),
ressalta que o ritmo de crescimento da população
paraibana nos últimos cem anos foi mais lento do
que no período anteriormente enfocado; no
último século, a população cresceu cerca de 7
vezes contra 12 vezes no século anterior. O
quadro XIV permite a visualização desses
diferentes ritmos de crescimento.
A observação das informações
censitárias, durante os últimos cem anos, sobre a
evolução da participação da população paraibana
no total da população brasileira permite
59O Censo Demográfico mais recente, de 1991, vem sendo fortemente
criticado por especialistas que não lhe atribuem a mesma confiabilidade do
realizado em 1980.
285
286 Emília Moreira e Ivan Targino

identificar três períodos distintos, a saber: a) o


primeiro período de declínio da participação (de
1872 a 1900); b) o período de aumento da
participação (1900 a 1940) e; c) o novo período
de declínio da participação (de 1940 a 1980).
A seguir, procura-se, sumariamente,
analisar cada um destes períodos:
a) primeiro período de declínio
(1872-1900). Por ocasião do primeiro
recenseamento geral, a população paraibana
representava 3,8% da população brasileira. Ao
final das três décadas em foco, essa participação
cai praticamente um ponto percentual. A
população brasileira cresceu 75%, enquanto que
a paraibana aumentou apenas 33%. Alguns
fatores podem ser arrolados como causas
explicativas para esse declínio:

• em primeiro lugar, a produção agrícola


estadual entra em crise. Para isso concorreu,
de um lado, o fechamento do mercado externo
ao açúcar brasileiro em resposta à expansão do
açúcar de beterraba na Europa e a do açúcar
de cana nas Antilhas, Java e Filipinas 60, e, de
outro lado, a retração da cultura do algodão
determinada pelo fim da Guerra de Secessão
americana (MARIZ,1978:21/22);

• em segundo lugar, nesse período ocorreu a


grande seca de 1877-79. Ela foi responsável
não só pela desorganização do setor agrícola,
60Em 1872, a Paraíba exportou 11.786 toneladas de açúcar. Durante o
período em foco, houve uma gradativa redução das exportações, chegando,
em 1900, a exportar apenas 3.275 toneladas (CALDAS, D. apud ANDRADE,
1987:28).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 287

como também pela mortalidade de uma


parcela significativa da população. Segundo
Mariz,

“foi a seca mais mortífera e


desorganizadora da nossa
história... não há descrição
bastante vivaz para a fome, o
êxodo e conseqüente
morticínio, que se produziram”
(MARIZ, 1978:22);

• em terceiro lugar, o “boom”da borracha tornou


a Amazônia um pólo de atração para as
populações dos Estados nordestinos castigados
tanto pelas secas quanto pela desorganização
da atividade agrícola regional;

• em quarto lugar, embora com um poder


explicativo bem mais atenuado, deve-se
lembrar a venda de escravos para os cafezais
paulistas e fluminenses, com efeitos nocivos
sobre o produto agrícola paraibano. Já em
1855, o Presidente Paes Barreto assim se
exprimia:

“A falta de braços, que todos


os dias vai se tornando mais
sensível, pela grande
quantidade de escravos que
são exportados para o
sul,...são outros entre tantos
embaraços com que luta a

287
288 Emília Moreira e Ivan Targino

lavoura da Parahyba”
(PINTO,1977. v. II:229);
• em quinto lugar, nesse período, verifica-se o
incremento dos fluxos imigratórios externos
que se dirigiam principalmente para a região
do café.
Esse último fator ampliou o
denominador da fração ao passo que os demais
concorreram para reduzir o numerador,
resultando, obviamente, no declínio da
contribuição do Estado para a formação da
população brasileira.
b) período de aumento da
participação (1900-1940). Nessa fase, registra-
se uma ligeira retomada do crescimento da
participação da população paraibana no total da
população brasileira, ainda que sem atingir o
nível de 1872. Nesse período, são encontradas as
maiores taxas de crescimento da população
estadual durante os últimos cem anos (3,4% a.a.
entre 1900-1920 e 1,9% a.a. entre 1920-1940).
Como é pouco provável que tenha havido uma
mudança nos padrões de mortalidade e de
natalidade da Paraíba em relação ao Brasil
durante aqueles anos, só resta a hipótese de uma
forte redução da emigração estadual como
explicação para a elevação da taxa de
crescimento da população, uma vez que a
imigração foi insignificante. Alguns fatores
econômicos podem ter contribuído para aumentar
a “capacidade estadual de retenção” de
população como se verá a seguir:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 289

• com o declínio do ciclo da borracha, diminui o


poder de atração da região Norte sobre os
fluxos migratórios procedentes do Nordeste.
Por outro lado, não havia ainda se constituído
um outro pólo alternativo para onde se dirigisse
a população estadual. O crescimento da
economia cafeeira e a expansão da economia
urbana industrial do Sudeste ainda não tinha
tornado essa região em pólo de atração para os
migrantes estaduais, em virtude de uma série
de fatores entre os quais pode-se apontar: a
existência de mão-de-obra disponível em áreas
mais próximas (Bahia, Minas, Espírito Santo) e
as deficiências dos meios de comunicação;

• internamente, assiste-se a um revigoramento


da atividade agrícola, destacando-se, em
particular, a da cana-de-açúcar e a do algodão.
A exportação anual do açúcar que, como já foi
visto, situava-se em um patamar de 3 mil
toneladas na primeira década, passa para cerca
de 7 mil toneladas na década de 30
(ANDRADE,1987:28). A agroindústria canavieira
passa por sérias modificações tanto no
processo produtivo (instalação de Usinas),
quanto na organização do mercado (criação do
IAA). Essas alterações, ao mesmo tempo em
que impulsionaram a atividade açucareira,
contribuíram também para reduzir as
oscilações que a caracterizavam. Ocorre
igualmente um novo surto algodoeiro,
motivado pela elevação do seu preço. O valor
das exportações de algodão que era da ordem

289
290 Emília Moreira e Ivan Targino

de 6,8 milhões de cruzeiros, em 1913, eleva-se


no qüinqüênio 1933-37 para 533,3 milhões
(MARIZ,1978:38,46). O crescimento nominal
das exportações nesse período está bem acima
do nível de variações de preços no período
(PELAEZ e SUZIGAN, 1981:180). Vale lembrar
que as lavouras de cana-de-açúcar e do
algodão deixam de depender unicamente do
mercado externo. O crescimento industrial,
sobretudo dos setores têxtil e alimentar, assim
como o aumento da população do Sudeste,
foram fatores que concorreram para a
formação do mercado interno para aqueles
produtos, embora a produção sulina já
começasse a concorrer com a nordestina;

• verifica-se, também no Estado, um aumento


das atividades urbanas, sobretudo daquelas
ligadas ao beneficiamento e comercialização do
algodão. Com efeito, durante os primeiros 40
anos do século XX, não só cresceu o número
das pequenas descaroçadoras, seu número
alcançando cerca de 800 em todo o Estado
(MARIZ,1978:121), como também das
pequenas e médias indústrias que foram sendo
instaladas nas principais cidades da Paraíba. O
dinamismo das atividades de beneficiamento e
de comercialização do algodão foi um fator
decisivo no crescimento urbano e no aumento
da demanda de trabalhadores 61, isto apesar da
presença das fábricas e usinas ter um efeito

61O efeito dinamizador do algodão sobre as cidades é retratado, no caso de


Campina Grande, por Epaminondas Câmara no seu livro Datas
campinenses.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 291

destruidor sobre as pequenas unidades de


beneficiamento. A este respeito afirma Celso
Mariz:

“Deu-se com a indústria do


algodão o mesmo fenômeno
que se produziu com a do
açúcar... A cada chaminé da
Anderson Clayton, da SANBRA
e do grupo moderno que se
aparelhou ao aparecimento
destes, paravam 50 vapores
em torno”(MARIZ,1978:122);

c) segundo período de declínio


(1940-1980). A partir de 1940, os dados
censitários acusam um decréscimo da
participação paraibana em relação à brasileira:
3,4% em 1940, contra 2,3% em 1980. Esse
declínio deve ser creditado, fundamentalmente, à
intensificação do processo emigratório estadual.
Para isso contribuíram tanto os fatores de
expulsão presentes na estrutura econômica
paraibana, quanto a consolidação dos fatores de
atração no Centro-Sul e nas áreas de expansão
da fronteira agrícola.
O censo demográfico de 1991 registra
mais uma retomada do crescimento da
participação da população paraibana no total da
população brasileira. Tal fato é atribuído por
diversos estudos sobre o processo demográfico
nordestino na década de 80, tanto à “migração de
retorno”, quanto à atenuação dos fluxos
migratórios para o Sudeste, conseqüências da
291
292 Emília Moreira e Ivan Targino

crise e das transformações do mercado de


trabalho que incidem mais fortemente naquela
região.
Após esboçar um quadro geral da
evolução do contingente populacional paraibano,
procura-se, na seqüência, analisar alguns
aspectos da dinâmica atual da população
paraibana, particularmente da população rural.

6.2. A dinâmica recente da população, em


especial, da população rural

A dinâmica demográfica recente da


Paraíba caracteriza-se, principalmente, pelo
declínio da fecundidade, pela intensificação da
mobilidade e pela redução do contingente rural. A
seguir analisa-se cada uma dessas variáveis à luz
das mudanças recentes que tiveram lugar na
organização do espaço agrário estadual.

6.2.1. Fecundidade

A análise dos dados censitários


relativos aos intervalos de 1960/70 e 1970/80 62
permite identificar uma redução do índice de
fecundidade total da Paraíba de 7,7 para 5,8 (v.
quadro XV). Essa redução foi mais intensa em
nível estadual do que em nível regional e
nacional. A queda na média de filhos tidos por
mulher foi da ordem de 1,9 na Paraíba, contra 1,4
no Brasil e no Nordeste (v. quadro XV). Em outras

62. O fato do Censo Demográfico de 1991 até a data de fechamento deste


texto só ter fornecido informações sobre os totais da população residente,
rural e urbana, limitou esta análise às décadas de 60 e 70.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 293

palavras, a média paraibana situou-se abaixo das


médias nordestina e nacional.
Essa diminuição da taxa de
fecundidade foi comum tanto à zona urbana
quanto à rural. Destaca-se, porém, a zona urbana
onde esse declínio foi mais acentuado (de 1,7
contra 1,1 na zona rural) (v. quadro XV).
A utilização de modo mais
disseminado e diversificado de métodos
anticonceptivos e um mais baixo índice de
nupcialidade na zona urbana são apontados como
fatores explicativos desse diferencial de
fecundidade entre o campo e a cidade. Esta
explicação, porém, é tida como insuficiente uma
vez que se restringe às determinações próximas,
e, como tal, permanece a nível das aparências do
fenômeno e, portanto, incapaz de apreender o
real. Alguns estudos chamam a atenção para a
relação existente entre renda familiar e número
médio de filhos por mulher. Com efeito, na
Paraíba, em 1980, era possível identificar uma
relação direta entre renda e número de filhos até
o nível de 5 salários mínimos e uma relação
inversa a partir desse nível de renda tanto na
zona rural quanto na urbana com destaque para a
primeira (v. quadro XVI).
Partindo dessa relação entre renda e
número de filhos e das constatações feitas para o
caso da Paraíba, pode-se concluir que quanto
mais pobres mais prolíferas são as mulheres
paraibanas, em particular, as residentes na zona
rural. Não se pretende a partir daí negar o papel
que joga a divulgação de métodos
anticoncepcionais no declínio da taxa de
293
294 Emília Moreira e Ivan Targino

fecundidade. Chama-se aqui apenas a atenção


para o fato de que até mesmo o acesso aos meios
anticonceptivos é determinado social, econômica
e culturalmente. Só quando se desce ao nível de
concretude das classes sociais é que se pode
desvendar a dinâmica populacional dessas
classes (MARX,1977:166).

6.2.2. O crescimento recente da


população rural

Uma das características da evolução


recente da população paraibana é a redução do
seu contingente rural. Com efeito, a partir de
1970, observa-se uma diminuição, a ritmo cada
vez mais acentuado, da população rural do
Estado. Como mostram os dados do quadro XVII,
em 1950, aproximadamente três quartos da
população estadual residiam na área rural,
enquanto que, em 1991, segundo o censo
demográfico, essa participação era da ordem de
apenas 36,0%. Esse declínio tem sido tão intenso,
que a população rural recenseada em 1991 é
menor do que a de 1950.
Tal comportamento não pode ser
explicado, integralmente, por mudanças no
padrão reprodutivo da população. Embora tenha
ocorrido um declínio da taxa de natalidade da
população rural (53,2% na década de sessenta
contra 43,3% na década de setenta) e uma ligeira
diminuição da taxa de mortalidade (20,4% e
19,4% nos períodos acima referenciados), a taxa
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 295

de crescimento vegetativo da população rural na


década de setenta era ainda elevada (2,4%). 63
Assim sendo, o declínio da população
rural observado só pode ser atribuído a um
intenso êxodo rural. Durante os anos setenta, é
estimado que aproximadamente 440 mil pessoas
teriam deixado o campo 64. Esse número
representa cerca de um terço da população rural
paraibana recenseada em 1980 e um décimo do
êxodo rural nordestino (MOURA, Hélio. 1985:170).
Nesse período, à exceção do Sertão Paraibano,
todas as demais Mesorregiões do Estado
apresentaram taxas negativas de crescimento
anual da população rural. Merece destaque a
Mata Paraibana e o Agreste (v. quadro XVIII).
As Microrregiões que apresentaram as
mais elevadas taxas negativas de crescimento do
seu contingente rural foram, respectivamente,
João Pessoa, Sapé, Brejo Paraibano e Campina
Grande. As que apresentaram crescimento
positivo localizam-se dominantemente no semi-
árido (v. quadro XIX).
Essa diminuição da população rural
paraibana persistiu durante os anos oitenta. Com
efeito, ao se comparar a taxa de crescimento da
63O fato do Censo Demográfico de 1991 até a data de fechamento deste
texto só ter fornecido informações sobre os totais da população residente,
rural e urbana, limitou esta análise à década de setenta.
64O cálculo do êxodo rural foi feito segundo a seguinte fórmula:
ER=P*80 - P80 + I, onde:
ER = êxodo rural estimado;
P*80 = População estimada para 1980 com base nas taxas de
crescimento vegetativo calculadas para as Microrregiões Homogêneas pela
Fundação Joaquim Nabuco (MOURA, Hélio:1986);
P80 = População residente segundo o Censo de 1980;
I = Estoque de imigrantes rurais com até 10 anos de permanência

295
296 Emília Moreira e Ivan Targino

população rural do Estado no período de 1980 a


1991 (-1,2%) com a do período de 1970 a 1980 (-
0,4%), observa-se uma intensificação do processo
de retração dessa população.
As áreas que tiveram seu contingente
mais reduzido, porém, revertem-se em relação à
década anterior, passando as Mesorregiões do
semi-árido à frente das Mesorregiões da Mata e
do Agreste como pode ser comprovado no quadro
XX.
As Microrregiões que apresentaram as
mais altas taxas negativas de crescimento da
população rural foram, respectivamente, Seridó
Ocidental, Seridó Oriental, Cariri Ocidental e
Catolé do Rocha, todas no semi-árido, numa
reversão nítida da tendência observada nos anos
70 (v. mapa concernente in: MOREIRA,1996).
Apenas o Litoral Sul apresentou crescimento
positivo no período (v. quadro XXI). Trata-se,
coincidentemente, daquela Microrregião onde a
luta pela terra não só originou focos importantes
de resistência à expulsão-expropriação (Sede
Velha do Abiaí, Corvoada, Capim Assu, Capim de
Cheiro), como onde também se verificaram
importantes desapropriações de terra, a exemplo
de Paripe (1982), Subaúma (1983), Camucim
(1985), Gurugi II (1990) que garantiram a
permanência de grande número de famílias no
campo (v. capítulo 8).
A redução da população rural tanto
em termos relativos quanto em termos absolutos
é tida, historicamente, como uma das
conseqüências do desenvolvimento capitalista da
agricultura. A dominação do capital sobre a
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 297

agricultura torna excedente uma parcela


significativa dos trabalhadores rurais, em
decorrência da elevação da composição orgânica
do capital, das mudanças nas relações sociais de
produção e das transformações no uso do solo
requeridas pela sua metamorfose em mercadoria.
Por outro lado, as áreas rurais cuja organização
produtiva não sofreu o processo de mudança e
permanecem estagnadas, em decorrência da sua
estrutura fundiária e de fatores sócio-culturais,
também passam a expulsar os acréscimos
demográficos que não podem ser absorvidos
produtivamente. Tais áreas são chamadas de
“viveiros populacionais” (SINGER, 1985:197).
Não resta dúvida de que as
transformações recentes da organização agrária
paraibana, circunscritas no quadro de uma
“modernização conservadora” e os impactos dela
decorrentes, estão na origem dos fluxos
populacionais. Isto é, uma série de fatores
resultantes da subordinação real da agricultura
ao capital têm contribuído para a intensificação
do êxodo rural. Como esses fatos já foram
analisados nos itens anteriores deste trabalho,
enumera-se aqui aqueles considerados mais
relevantes, tais como:
a) a expansão da cana-de-açúcar em
áreas tradicionalmente policultoras;
b) a expansão da pecuária e as
modificações no seu processo produtivo,
notadamente o aumento da área de pastagem
plantada e a quebra da complementariedade que
mantinha com a policultura tradicional, tanto no
Sertão como no Agreste;
297
298 Emília Moreira e Ivan Targino

c) transformações nas relações sociais


de produção, destacando-se, de um lado, a
desarticulação do antigo sistema de morada e, de
outro, o avanço do trabalho assalariado,
sobretudo, do temporário;
d) a dependência da agricultura em
relação ao capital financeiro, impingindo-lhe esse
último controle de custos/receitas que redundam
em estratégias de utilização mais lucrativa do
solo;
e) o reforço da concentração da posse
e da propriedade fundiária, sobretudo na década
de 70, dificultando o acesso do produtor direto à
terra.
f) na segunda metade da década de
80 e primeiros anos da década de 90, a
desestruturação e o quase total desaparecimento
da atividade cotonicultora, o agravamento do
processo de decadência da atividade sisaleira, a
crise do Proalcool e a ausência de uma política
agrícola dirigida para a pequena produção e para
a conseqüente fixação do homem no campo;
g) a atração exercida pela cidade, em
particular sobre os jovens do campo, o desengano
destes com o trabalho rural e o sonho de obter
melhores condições de sobrevivência.
A esses fatores somam-se as
condições restritivas do meio à atividade agrícola,
com destaque para os períodos de seca
prolongada (a exemplo do ocorrido entre 1979 e
1983).
Da conjugação desses elementos tem
resultado a exacerbação do processo migratório
estadual. Em algumas áreas, o esvaziamento do
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 299

campo atinge níveis alarmantes. A zona rural de


Itabaiana é uma delas. A quase totalidade das
terras desse município encontra-se coberta de
capim e de cana-de açúcar, com a predominância
do primeiro (MOREIRA, 1988).

6.2.3. A mobilidade da população

“Não tenho nome seu moço,


Apesar de batisado,
Só me chamam retirante,
Ou entonce flagelado”

Poema de autor anônimo

Os fluxos migratórios procedentes do


campo, destinam-se tanto a outros Estados,
quanto às cidades do próprio Estado. O
deslocamento de população da área rural para a
urbana é um dos principais fatores explicativos
para o crescimento expressivo das cidades
paraibanas.
Durante a década de 70 a população
urbana do Estado cresceu a taxas próximas de
4,0% a.a. Vale lembrar que nesse período, à
exceção das cidades com população entre dez e
vinte mil habitantes que cresceu a uma taxa de
2,4% a.a., todos os outros estratos apresentaram
taxas em torno da média estadual. Observou-se
ainda que a participação dos migrantes de
procedência rural no total da população foi
superior a 14,0% em todos os estratos de cidades
(v. quadro XXII). Isso significa que o êxodo rural,
nesse decênio, desempenhou papel relevante na

299
300 Emília Moreira e Ivan Targino

urbanização, independentemente do tamanho


dos núcleos urbanos.
Os dados do quadro XXII mostram um
outro efeito da migração de procedência rural. O
êxodo rural tem colaborado não só para a
urbanização da população como também para a
sua concentração. Dos 233 mil migrantes de
procedência rural, recenseados em 1980 nas
cidades da Paraíba, mais de seis décimos
encontravam-se residindo nas cidades com
população superior a vinte mil habitantes. Essa
constatação relativiza a hipótese da “migração
por etapa”, segundo a qual os migrantes rurais se
dirigiriam primeiro para as pequenas cidades e só
depois iriam para as maiores. As etapas iniciais
funcionariam como um período de adaptação
para o ingresso futuro num mercado de trabalho
urbano mais formalizado. As informações
censitárias, ao contrário, indicam uma passagem
direta de um número significativo de migrantes
da área rural para as cidades maiores com
destaque para Campina Grande e João Pessoa.
Esse fenômeno foi responsável pela proliferação
de favelas observada nessas duas cidades no
período, compostas dominantemente por
população oriunda da zona rural dos municípios
paraibanos, com destaque para os do Litoral e do
Agreste.
Embora os migrantes de procedência
rural se concentrem nas cidades maiores, o seu
peso no contingente de migrantes é
inversamente proporcional ao tamanho da
cidade. Isso estaria relacionado à fragilidade da
estrutura da economia urbana das pequenas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 301

cidades, tornando-as incapazes de atrair de forma


significativa migrantes de outros núcleos urbanos,
absorvendo com mais intensidade os migrantes
procedentes das áreas rurais dos municípios
circunvizinhos.
Vale lembrar que o peso dos
migrantes de procedência rural na década de 70
deve ter sido bem maior do que mostram as
informações do quadro XXII. Os dados em análise
não consideram os deslocamentos campo-cidade
quando efetuados dentro do próprio município.
Em nível dos municípios, verificou-se
que, em todos, as taxas de crescimento
observadas foram inferiores à taxa de
crescimento vegetativo da população rural, o que
vale dizer que as áreas rurais de todos os
municípios perderam população durante o
período de 1970 a 1980. No entanto, a
intensidade do processo se deu de forma
diferenciada. Grosso modo, pode-se afirmar que o
êxodo foi mais intenso no Litoral, no Agreste, e
nas Microrregiões sertanejas localizadas na
Depressão do Alto Piranhas e na de Catolé do
Rocha. Essas observações permitem algumas
considerações:
a) em primeiro lugar, não se pode
estabelecer uma relação direta entre êxodo rural
e condicionamentos naturais restritivos à
atividade agrícola. Embora se encontrem áreas do
semi-árido com elevados índices de expulsão da
sua população rural, o fenômeno foi mais intenso
e generalizado no Agreste e no Litoral,
subunidades espaciais mais bem dotadas do
Estado do ponto de vista das condições edafo-
301
302 Emília Moreira e Ivan Targino

climáticas. Ao contrário, na faixa central do Cariri,


uma das áreas mais secas da Paraíba, o êxodo
rural foi de baixa intensidade. Desse modo, a
seca não pode explicar, sozinha, a intensidade e a
dimensão do fenômeno em análise;
b) em segundo lugar, as áreas de
maior evasão populacional coincidiram com
aquelas que, na década de setenta, sofreram em
maior grau o processo de modernização
conservadora da agricultura. Processo este
materializado seja no avanço da cana-de açúcar
e/ou da pecuária, seja na expansão do
assalariamento e na retração das relações de
trabalho pré-capitalistas, seja ainda na elevação
do grau de mecanização do processo produtivo,
ou no aumento da concentração da propriedade
fundiária.
Infelizmente, o Censo Demográfico de
1991 não divulgou até então os dados sobre
migração. Estes permitiriam estabelecer um
paralelo entre as características e a dimensão do
êxodo rural na Paraíba nos dois últimos decênios.
Diante de tal limitação, é-se obrigado a buscar
referenciais capazes de fornecer alguns
indicadores do processo recente, em trabalhos
efetuados para o conjunto do Nordeste nos anos
80 e nos dados relativos ao crescimento da
população da Paraíba entre 1980 e 1991. Como
foi anteriormente colocado, alguns estudos sobre
a dinâmica demográfica recente do Nordeste
indicam que a migração de retorno teria sido uma
das características dos movimentos populacionais
da região na década de 80. A crise da economia
nacional e suas repercussões sobre o emprego,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 303

nos grandes centros urbanos, seria responsável


pelo retorno de parcela significativa da população
nordestina que residia em outras regiões, em
especial, no Centro-Sul. O cotejo dos dados
censitários, por sua vez, permitem afirmar que,
seguramente, não foi para o campo que esses
fluxos migratórios se dirigiram na Paraíba. Prova
disso é o descenso do contingente rural que aqui
se deu, justamente na fase dominada pela
“migração de retorno” e o aumento significativo
da população na grande maioria das cidades do
Estado. Entre 1980 e 1991, muitas cidades
paraibanas situadas, seja no Litoral, no Agreste-
Brejo ou no Sertão, apresentaram taxas anuais de
crescimento de sua população superiores a 5,0%
(v. quadro XXIII).
Por outro lado, pesquisas recentes
comprovam que um retorno de população urbana
à zona rural vem ocorrendo mesmo que de modo
tímido na Paraíba, desde o início dos anos 90,
particularmente no Litoral e no Agreste-Brejo
(MOREIRA,1995). Esse fluxo migratório compõe-
se, regra geral, de ex-moradores expulsos que
residiam em vilarejos e pontas de rua. Em grande
parte dependente do trabalho assalariado na
atividade canavieira, essa população, frente à
crise dessa atividade e do conseqüente
desemprego, não tem encontrado alternativas de
sobrevivência. Para fugir da situação de miséria e
desemprego, vem se organizando com o apoio do
Movimento dos Sem Terra e/ou da CPT e
ocupando latifúndios improdutivos em busca do
“retorno à terra de trabalho” (MOREIRA,1996).
Algumas das mais recentes desapropriações e
303
304 Emília Moreira e Ivan Targino

aquisições de imóveis efetuadas pelo Incra (1 o. de


Março, Teixeirinha, Apasa e Nova Vida), são
representativas desse novo processo.
Outro aspecto importante a ser
considerado no estudo dos movimentos
populacionais rurais refere-se às migrações
sazonais. Na Paraíba, as migrações sazonais estão
relacionadas à atividade canavieira e ao
deslocamento de trabalhadores das regiões
agrestina e sertaneja para se ocuparem da
colheita da cana-de-açúcar (de agosto a janeiro)
na Zona da Mata seja na Paraíba, seja em estados
vizinhos.

6.2.3.1. As migrações sazonais

Os deslocamentos de trabalhadores
das regiões agrestina e sertaneja para a Zona da
Mata durante os períodos de colheita da cana-de-
açúcar não constituem um fato novo. Vários
estudos já ressaltaram a sua importância em
nível do Nordeste. Entre esses, pode-se lembrar
os de Manoel Correia de Andrade e os de Maria
Teresa Suarez.
Segundo a hipótese levantada por
Suarez, a origem desse movimento migratório
"remonta ao período de implantação das Usinas e
abolição do trabalho escravo" (SUAREZ,1977:93).
Esses fluxos eram formados por minifundistas e
trabalhadores sem terra (sitiantes ou rendeiros),
procedentes das regiões do Sertão e
principalmente do Agreste. Eles dirigiam-se à
Zona da Mata durante o período de estiagem e de
subocupação nas suas áreas de origem. De
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 305

acordo com Suarez, embora esses fluxos tenham


sido consideráveis até épocas bem recentes,
“vinham perdendo importância” (idem,
ibidem:96). Na base desse declínio estariam as
transformações que se processaram nas relações
de trabalho (desruralização e proletarização do
trabalhador rural), ao lado da crise por que
passava a atividade canavieira no início dos anos
setenta.
Aquela tendência, no entanto, foi
interrompida. Observa-se recentemente um
fortalecimento desses fluxos na zona canavieira.
Para a reversão dessa tendência concorreram
uma série de fatores entre os quais pode-se citar:
a) a expansão canavieira propiciada
pelo Proalcool aumentou consideravelmente a
demanda por trabalho na época da safra;
b) a modernização agrícola
(mecanização e utilização de produtos químicos)
reduziu e concentrou o tempo de trabalho sem
alterar o tempo de produção da lavoura
canavieira aumentando, com isto, a sazonalidade
do trabalho na cultura da cana-de açúcar, e,
portanto, a demanda do trabalho no momento da
colheita;
c) as mudanças nas relações sociais
de produção decorrentes da exclusividade da
cana na utilização do solo, da modernização
técnica da agricultura, bem como das
modificações introduzidas na legislação
trabalhista, transformaram o assalariamento
temporário na relação de trabalho predominante;
d) a pecuarização do Agreste,
principalmente na década de 70, que acentuou de
305
306 Emília Moreira e Ivan Targino

um lado o processo de desruralização agrestino e,


de outro, o processo de urbanização e, em
conseqüência, a disponibilidade de mão-de-obra
local face à fragilidade da economia urbana
regional;
e) o fortalecimento da ação sindical
na zona canavieira a partir do início da década de
80, conduziu a uma maior agressividade dos
trabalhadores nas suas reivindicações, inclusive
com a organização de greves por ocasião dos
dissídios coletivos; face a este poder organizativo,
os proprietários procuram contratar trabalhadores
não pertencentes às bases territoriais dos
sindicatos;
f) as estiagens prolongadas atingindo
a produção e o emprego agrícola nas regiões do
Sertão e do Agreste/Brejo contribuíram para
reforçar as dificuldades de acesso dos
trabalhadores rurais à terra, acentuando o êxodo
rural.
Pode-se afirmar que a dinamização
recente dos fluxos sazonais para a zona
canavieira deve-se tanto às modificações na base
técnico-material e nas relações de produção que
aumentaram a demanda sazonal de trabalho,
quanto às mudanças político-institucionais
(redemocratização, retomada da organização
sindical), que levaram os fornecedores de cana e
usineiros a procurarem esses trabalhadores. Essa
tem sido a estratégia patronal para enfrentar as
lideranças e a organização do movimento
sindical.
Pesquisa de campo realizada no
Litoral paraibano em 1994, por pesquisadores do
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 307

CERESAT/UFPB, identificou dois tipos de fluxos


migratórios sazonais: um espontâneo e outro
organizado.
O fluxo espontâneo é aquele formado
por trabalhadores que, por conta própria, dirigem-
se para a zona canavieira, principalmente para
suas maiores cidades, como Sapé e Santa Rita.
Alojam-se em quartos alugados na periferia
dessas cidades, em condições muito precárias.
Nesses quartos, os únicos utensílios domésticos
presentes são redes, panelas e a trempe (três
pedras dispostas de forma triangular no chão,
entre as quais se coloca a lenha e sobre as quais
é colocada a panela para cozinhar). Os próprios
trabalhadores cuidam da sua alimentação. Eles
passam a procurar trabalho nas mesmas
condições que os bóias-frias locais, isto é,
apresentam-se cotidianamente no mercado de
trabalho, na tentativa de serem agenciados por
um “gato”. Normalmente não usufruem dos
direitos trabalhistas (carteira assinada, 13 o.
salário, férias e repouso remunerados, etc.).
Segundo dados levantados pelo GESTAR (Grupo
de Saúde e Trabalho Rural/UFPb), em 1985 a
remuneração média desses trabalhadores era
inferior a um salário mínimo (GESTAR,1985).
O fluxo organizado é aquele formado
por trabalhadores contratados por um chefe de
turma ligado aos proprietários. Esse agenciador
chega numa determinada localidade e convoca
jovens e adultos para o trabalho no corte da cana.
Os trabalhadores são transportados em
caminhões e alojados em galpões, nas
propriedades das Usinas. A situação desses
307
308 Emília Moreira e Ivan Targino

galpões é, via de regra, desumana, embora


bastante diferenciada. Encontram-se galpões de
alvenaria com sanitários externos e tanques para
armazenar água, como também encontram-se
galpões cobertos de telha mas cujas paredes são
de pau-a-pique, fechado por sacos de plástico
para embalar adubos, sem sanitários e sem
depósitos de água. Nesse último caso, o galpão
serve também de depósito de agrotóxicos, sobre
os quais os trabalhadores armam suas redes. De
um modo geral, os galpões são pequenos para
abrigar o número de trabalhadores. Segundo
estes, "as redes batem umas nas outras e falta
lugar para botar troços". Nos galpões, regra geral,
não há energia, é comum a presença de insetos
(muriçocas, baratas, caranguejeira...). A
alimentação durante a semana é preparada por
um cozinheiro. Os trabalhadores adquirem os
alimentos nas cidades mais próximas e pagam a
alguém para preparar a alimentação. Esta
consiste em uma das combinações:
farinha/feijão/charque; feijão/ ovo/farinha; feijão
puro; farinha/peixe seco; quarenta (papa de
farinha de milho, água e sal); rapadura e bolacha.
Nos galpões não existe espaço para a cozinha.
Um fogão a lenha do lado de fora serve como tal.
Sem proteção contra o vento, as panelas acabam
por receber poeira e fuligem de cana que se
misturam com comida.
Os trabalhadores que integram o fluxo
organizado possuem algumas vantagens em
relação ao fluxo espontâneo. Eles não pagam
transporte, não dispendem com aluguel e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 309

possuem a garantia de trabalho todos os dias. Em


compensação, são obrigados a:
a) executar todas as tarefas
designadas pelo chefe de turma. Mesmo durante
a noite eles podem ser convocados para trabalhar
no “lambaio”, isto é, trabalhar durante a noite no
ritmo das máquinas, juntando as canas por elas
deixadas. Alguns deles são adolescentes com
menos de 18 anos que, para ganhar o equivalente
a duas tarefas, trabalham no lambaio das 18:00
às 6:00 horas da manhã; 65 b) submeter-se a uma
intensidade de trabalho maior do que a dos
outros trabalhadores; c) terem suas ações
controladas mesmo fora do ambiente de trabalho
(o jogo de cartas e a bebida são proibidos e a
penalidade para a transgressão é a perda de dias
de trabalho durante a semana). Caso não aceitem
as condições de trabalho, são afastados e
substituídos.
Estes fluxos são formados
basicamente por homens, na sua maioria jovens.
Em um dos galpões visitados, só haviam jovens
entre 14 e 21 anos de idade. A falta de ocupação
no local de origem é a grande razão para a vinda.
Do ganho obtido o trabalhador tem que garantir
sua alimentação no galpão e a sobrevivência da
sua família. Assim, vê-se obrigado a gastar o
mínimo possível na aquisição de gêneros para si,
o que explica as combinações alimentares
extremamente precárias enumeradas
65Sobre as condições de trabalho de crianças e adolescentes na atividade
canavieira da Paraíba leia-se: MOREIRA et alii. Os caras pintadas de suor e da
fuligem da cana: um estudo das condições de vida e trabalho dos
trabalhadores mirins da cana. João Pessoa. Relatório Técnico de pesquisa.
CNPq, 1995.
309
310 Emília Moreira e Ivan Targino

anteriormente. Eles são procedentes tanto das


periferias das cidades do Agreste (Itatuba,
Araruna, Cacimba de Dentro - em conseqüência
da forma de agenciamento, os trabalhadores de
cada galpão procedem de uma mesma
localidade), quanto dos vilarejos e vilas que
passam a se constituir em uma nova
característica das áreas rurais do Agreste: o
habitat rural concentrado. O aumento dessas
concentrações rurais contrasta com o
esvaziamento das propriedades.
A organização dos galpões fica sob a
responsabilidade do cabo de turma, que não é
necessariamente o cabo de eito. O jogo de cartas
e a bebida são proibidos, a penalidade para a
transgressão é a perda de dias de trabalho
durante a semana. Nos casos de acidentes a
responsabilidade cai primeiramente sobre o cabo
de turma. Só nos casos mais graves é que a Usina
é comunicada.
Dentre as vantagens desse tipo de
trabalhador para as Usinas podem-se citar:
a) mão-de-obra disponível. Como já foi
dito anteriormente, os trabalhadores não só são
inteiramente disponíveis, como obrigados a
executar o trabalho que lhe for determinado. Em
outras palavras, eles não têm nenhuma
autonomia na escolha do conteúdo, nem da
intensidade do trabalho a ser realizado;
b) mão-de-obra disciplinada fora da
ingerência dos sindicatos. Já que são
trabalhadores procedentes de outros municípios
não têm ligações com o sindicato local. Mais do
que isso, a imagem difundida sobre o sindicato é
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 311

a de aproveitador que não cuida das


necessidades dos trabalhadores. Dada a
"distância" dos sindicatos, fica difícil a fiscalização
das condições de trabalho, bem como a
arregimentação desses trabalhadores por ocasião
das greves;
c) mão-de-obra mais facilmente
explorável. Segundo depoimento do presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais do
município de Caaporã, a tarefa que os
trabalhadores devem realizar cada dia é maior
que a estabelecida pelos dissídios coletivos, o que
resulta, concretamente, em uma jornada de
trabalho mais longa. Por alguns depoimentos
colhidos, muitos têm que trabalhar também aos
sábados e até mesmo aos domingos, para poder
completar a tarefa que lhes foi destinada para
aquela semana e assim obter o salário integral.
As informações acima contidas
mostram, de um lado, o grau de desproteção e
insegurança dos migrantes sazonais da zona
canavieira paraibana e, de outro, as precárias
condições de trabalho e de vida a que são
submetidos nos galpões e pontas de rua.
Outro ponto importante no estudo da
população rural paraibana refere-se à sua
distribuição espacial. Esta é marcada por forte
desigualdade como veremos a seguir.

6.2.3.2. Perfil distributivo da


população rural paraibana

A população rural do Estado da


Paraíba, em 1991, era de 1.149.048 habitantes,
311
312 Emília Moreira e Ivan Targino

representando 36,0 % do contingente


demográfico estadual. Essa distribui-se de modo
muito irregular pelo território estadual (v. mapas
referentes à distribuição da população rural por
município in: MOREIRA,1996). De um modo geral,
a porção central do Estado (Mesorregião da
Borborema) e a Microrregião de Patos, no Sertão,
apresentam os menores contingentes
populacionais, enquanto que a maior
concentração de municípios com população
superior a dez mil habitantes é registrada no
Agreste. No Sertão paraibano distingue-se a
Microrregião de Teixeira, por abrigar o maior
contingente de população rural entre todas as
Microrregiões sertanejas. Nela, todos os
municípios possuíam mais de cinco mil habitantes
na sua área rural em 1991.
A desigualdade da distribuição
espacial da população rural é melhor evidenciada
pelo mapa de densidade populacional contido no
Atlas de Geografia Agrária da Paraíba
(MOREIRA,1996). É nítida a divisão do Estado em
três grandes porções:
a) a zona oriental da Paraíba,
composta pelo Litoral e Agreste, onde são
registrados os mais altos índices de densidade.
Excetuando-se os municípios de Bayeux,
Cabedelo e João Pessoa (na Microrregião de João
Pessoa); Mataraca (na Microrregião do Litoral
Norte); Juripiranga e Mari (na Microrregião de
Sapé); Campina Grande (na Microrregião do
mesmo nome) e os municípios do Curimataú
Ocidental (exceto Arara) 66, os demais tinham, em
66 Todos apresentavam densidade de população rural inferior a 20 hab/km2.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 313

1991, índices de densidade superior a 20 hab/km 2


(82,4% do total dos municípios daquelas
Mesorregiões). Deve-se ainda salientar que as
mais altas densidades estavam concentradas no
Agreste, com destaque para a Microrregião de
Esperança que apresentava uma densidade de
população rural da ordem de 85,31 hab/km 2, a
maior entre todas as Microrregiões do Estado
(v.Cartograma concernente in: MOREIRA,1996).
Em nível municipal as maiores densidades eram
encontradas em São Sebastião da Lagoa de Roça
(214,8 hab/km2), Dona Inês (115,6 hab/km 2 ),
Lagoa Seca (114,9 hab/km2) e Areia (106,5
hab/km2).
b) a área central do Estado é a que
detinha os menores índices de densidade
populacional. As Microrregiões do Cariri Oriental,
do Cariri Ocidental e do Seridó Ocidental
distiguem-se por apresentar densidade rural
inferior a 10 hab/km2;
c) excetuando-se a Microrregião de
Patos (com menos de 10 hab/km 2), o extremo
oeste do Estado apresentava índices médios de
densidade da sua população rural (v. cartograma
concernente in: MOREIRA,1996).
Esse perfil distributivo da população
rural paraibana mantém estreita relação com
uma combinação de fatores que inclui, tanto os
elementos do quadro natural, quanto do processo
histórico de ocupação do espaço e das formas
atuais de utilização do solo. É expressiva a
correspondência entre as áreas de maior
densidade populacional, com as que combinam
policultura alimentar e valores mais elevados da
313
314 Emília Moreira e Ivan Targino

produção agrícola. Por outro lado, as áreas rurais


menos povoadas correspondem àquelas cujas
condições do meio apresentam-se mais restritivas
à atividade agrícola (regiões de clima árido como
o Cariri e o Seridó), ou ainda àquelas onde,
paralelamente ao avanço do processo de
pecuarização, foi muito intenso o
desmantelamento da principal atividade agrícola,
no caso, a cotonicultora, em decorrência da praga
do Bicudo (Microrregião de Patos).
Em suma, uma análise mais
conseqüente da dinâmica da população rural do
Estado deve levar em consideração as
transformações recentes na organização da
produção agropecuária, que respondem a uma
crescente subordinação desta atividade à
acumulação capitalista. Nesse contexto, as
limitações do quadro natural atuam não apenas
como fator de expulsão em momentos de
ocorrência das estiagens prolongadas, mas
também como fator que tem concorrido para a
reorientação das formas de utilização do solo e
das relações de trabalho anteriormente vigentes.
Reorientação que resulta em liberação de mão-
de-obra do setor primário e na acentuação dos
fluxos migratórios sazonais.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 315

QUADRO XIII

POPULAÇÃO PARAIBANA
1774/1872
ANOS LITORAL AGRESTE (1) SERTÃO TOTAL
1774* 16.929 6.155 7.221 30.305
1775* - - - 52.000
1782* 30.009 7.914 14.540 52.463
1808** - - - 95.182
1811* - - - 122.407
1812* - - - 95.162
1819** - - - 96.448
1823** - - - 122.407

315
316 Emília Moreira e Ivan Targino

1830** - - - 246.000
1840* - - - 227.870
1847* 35.868 92.356 23.228 151.452
1851* 42.526 111.777 54.649 208.952
1860*** - - - 212.000
1867** - - - 300.000
1872** - - - 376.226
Fontes: * PINTO.1977; ** MARCÍLIO. 1974; ***SEIXAS. 1985

1. Entende-se aqui como Agreste a área compreendida pela Vila do Pilar,


Paróquia de Taipu, Cidade de Areia, Vila do Ingá, Paróquia de Natuba, Vila de
Alagoa Nova, Vila de Bananeiras, Paróquia de Cuité, Vila de Independência e
Vila de Campina Grande.

QUADRO XIV

POPULAÇÃO PARAIBANA E BRASILEIRA


1872/1980

ANOS BRASIL (1) PARAÍBA (2) .100 (1, 2)


1872 9.930.478 376.226 3,79
1890 14.333.915 457.232 3,19
1900 17.438.434 490.784 2,81
1920 30.635.605 961.106 3,14
1940 41.236.315 1.422.282 3,45
1950 51.944.397 1.713.259 3,30
1960 70.992.343 2.018.023 2,84
1970 94.508.554 2.382.617 2,52
1980 119.002.706 2.770.176 2,32
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos de 1872 a 1980.

QUADRO XV

ÍNDICE DE FECUNDIDADE TOTAL SEGUNDO A


SITUAÇÃO DOMICILIAR. BRASIL, NORDESTE E
PARAÍBA

LUGAR 1960-1970 1970-1980


TOTAL URBA- RURAL TOTA URBA- RURAL
NO L NO
BRASIL(1) 5,7 4,5 7,7 4,3 3,6 6,4
NORDESTE(1) 7,5 6,4 8,4 6,1 4,9 7,6
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 317

PARAÍBA(2) 7,7 6,6 8,8 5,8 5,1 7,7


Fontes: (1) MOURA, 1985:161
(2) SUDENE, 1984:185

QUADRO XVI

NÚMERO MÉDIO DE FILHOS POR MULHER DE 15


ANOS E MAIS QUE TIVERAM FILHOS, SEGUNDO A
RENDA FAMILIAR DA MULHER, POR SITUAÇÃO
DOMICILIAR
1980

CLASSE DE URBANA RURAL


RENDA TOTAL (1) (2) 1-2
Até ¼ do S.M. 5,7 5,9 5,8 -0,3
¼ a ½ do 6,4 6,5 6,4 -0,1
S.M.
½ a 1 S.M. 6,2 6,0 6,4 0,4
1 a 2 S.M. 6,8 6,2 7,6 1,4
2 a 5 S.M. 6,6 6,1 8,4 2,3
5 a 10 S.M. 5,6 5,3 7,9 2,6
10 a 20 S.M. 4,5 4,4 5,7 1,3
+ de 20 S.M. 4,2 4,2 5,4 1,2
s/rendimento 5,1 4,3 5,5 1,2
s/declaração 7,7 7,0 8,6 1,6
TOTAL 6,3 5,9 6,8 0,9
Fonte: FIBGE. Censo Demográfico da Paraíba, 1980

317
318 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XVII

ESTADO DA PARAÍBA
POPULAÇÃO RESIDENTE TOTAL E RURAL
1950 - 1991

ANOS TOTAL(1) RURAL(2) 2/1 100


1950 1.713.259 1.256.543 73,3
1960 2.000.851 1.303.515 65,1
1970 2.382.617 1.380.461 57,9
1980 2.770.176 1.321.172 47,6
1991 3.201.114 1.149.048 36,0
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1950, 1960, 1970, 1980 e
1991.

QUADRO XVIII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL,
SEGUNDO AS MESORREGIÕES
1970/1980

TAXA GEOMÉTRICA
MESORREGIÃO DE CRESCIMENTO
ANUAL DA
POPULAÇÃO RURAL
(%)
1970/1980
MATA PARAIBANA -1,60
AGRESTE -0,68
BORBOREMA -0,03
SERTÃO PARAIBANO 0,15
PARAÍBA -0,44
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 319

Fonte: FIBGE.Censos Demográficos da Paraíba,1970 e 1980.

319
320 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XIX

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL,
SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1970/1980

TAXA GEOMÉTRICA DE
MICRORREGIÃO CRESCIMENTO ANUAL DA
POPULAÇÃO RURAL (%)
1970/1980
João Pessoa -3,92
Litoral Norte -0,51
Litoral Sul -0,40
Sapé -1,93
Curimataú Oriental 0,14
Brejo Paraibano -1,68
Campina Grande -1,30
Curimataú Ocidental -0,17
Esperança -0,09
Guarabira -0,79
Itabaiana -0,33
Umbuzeiro 0,35
Cariri Oriental -0,36
Cariri Ocidental 0,01
Seridó Ocidental -0,39
Seridó Oriental 0,42
Cajazeiras 0,10
Catolé do Rocha 0,21
Itaporanga 0,05
Patos -0,20
Piancó -0,70
Sousa -0,02
Teixeira 1,27
Fonte. FIBGE. Censos Demográficos de 1970 e 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 321

QUADRO XX

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL,
SEGUNDO AS MESORREGIÕES
1980/1991

TAXA GEOMÉTRICA
MESORREGIÃO DE CRESCIMENTO
ANUAL DA
POPULAÇÃO RURAL
(%)
1980/1991
MATA PARAIBANA -0,72
AGRESTE -1,05
BORBOREMA -1,78
SERTÃO PARAIBANO 1,51
PARAÍBA -1,26
Fonte: Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991

321
322 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXI

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL,
SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1980/1991

TAXA GEOM. DE
MICRORREGIÃO CRESCIMENTO ANUAL DA
POPULAÇÃO RURAL (%)
1980/1991
João Pessoa -0,44
Litoral Norte -0,87
Litoral Sul 0,52
Sapé -1,44
Curimataú Oriental -1,23
Brejo Paraibano -1,39
Campina Grande -0,25
Curimataú Ocidental -1,53
Esperança -0,36
Guarabira -1,93
Itabaiana -1,00
Umbuzeiro -0,31
Cariri Oriental -0,71
Cariri Ocidental -2,50
Seridó Ocidental -2,98
Seridó Oriental -1,10
Cajazeiras -1,23
Catolé do Rocha -2,00
Itaporanga -1,48
Patos -2,69
Piancó -1,71
Sousa -1,98
Teixeira -0,33
Fonte. FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 323

323
324 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXII
ESTADO DA PARAÍBA
POPULAÇÃO RESIDENTE E POPULAÇÃO MIGRANTE POR PROCEDÊNCIA, SEGUNDO O
TAMANHO DAS CIDADES 1 1970/1980
CLASSES/ANO NÚMERO POPULAÇÃO TOTAL2 POPULAÇÃO MIGRANTE
1970 Total 3 Urbana Rural
menos de 1.000 33 13.727 2.207 1.004 1.203
1.000 — 2.000 40 41.588 6.024 2.847 2.146
2.000 — 3.000 23 35.552 5.803 2.942 2.857
3.000 — 5.000 31 84.692 15.626 7.753 7.852
5.000 — 10.000 23 103.107 22.607 10.703 11.861
10.000 — 20.000 11 121.107 29.896 17.848 11.938
20.000 — 60.000 7 191.026 54.222 40.740 13.458
60.000 e mais 2 376.123 125.847 100.263 25.406
Total 966.922 262.234 184.110 77.721

1980
menos de 1.000 33 20.675 4.820 1.822 2.998
1.000 — 2.000 40 60.600 13.771 4.880 8.891
2.000 — 3.000 23 54.850 13.125 4.952 8.173
3.000 — 5.000 31 125.502 29.780 12.269 17.511
5.000 — 10.000 23 149.261 43.938 17.964 25.974
10.000 — 20.000 11 153.786 50.153 26.431 23.722
20.000 — 60.000 7 289.065 118.968 66.377 52.591
60.000 e mais 2 548.684 240.911 147.569 93.342
Total 1.402.423 515.466 282.264 233.202
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

Notas: 1) As cidades foram classificadas segundo o tamanho de suas populações em 1980.


2) Não inclui população urbana dos distritos.
3) Inclui procedência ignorada.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 325

QUADRO XXIII

ESTADO DA PARAÍBA
CIDADES QUE APRESENTARAM AS MAIORES
TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO DA
POPULAÇÃO NA DÉCADA DE 80

TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO


CIDADES GEOMÉTRICO DA POPULAÇÃO (%)
1980/1991
Mataraca 14,30
Conde 14,07
Lucena 12,85
Jacaraú 9,60
Juru 8,49
Paulista 8,37
Quixaba 8,18
Caaporã 8,06
Emas 8,01
Pedra Branca 7,90
São Sebastião da Lagoa de Roça 7,52
Serra Grande 7,49
Santana de Mangueira 7,23
Camalaú 7,22
Curral Velho 6,96
Montadas 6,91
Pitimbu 6,89
São Bento 6,81
Triunfo 6,80
São José de Espinharas 6,93
Desterro de Malta 6,88
Nova Palmeira 6,76
Bom Sucesso 6,74
Queimadas 6,73
Junco do Seridó 6,68
Bom Jesus 6,45
Seridó 6,34
Livramento 6,30
Frei Martinho 6,27
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991.

325
326 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA

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canavieira: análise do sistema morador no município de Santa
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JÚNIOR, José Nivaldo. A economia algodoeira em Pernambuco, período
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MARIZ, C. Evolução econômica da Paraíba. João Pessoa, A União Cia.
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MARX, K. Contribution à la critique de l’économie politique. Paris,
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l'organisation agraire de la Paraíba. Paris, Tese de Doutorado,
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__________Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Editora
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MOREIRA, Emilia et alii. Os caras pintadas de suor e da fuligem da
cana. João Pessoa, Relatório Técnico de Pesquisa, CNPq, 1995.
MOURA, H. “A recente dinâmica demográfica do Nordeste e seus
determinantes”. In: Revista Econômica do Nordeste. Fortaleza, BNB
16(2), 1985.
PELÁEZ, C.M. & SUZIGAN, W. História monetária do Brasil. Brasília,
Editora Universitária de Brasília, 2a. ed., 1981.
PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a história da Paraíba. João
Pessoa, Editora Universitária da Paraíba, v. I e II, 1977.
SEIXAS, W. “Casa da Torre e Bandeirantismo na conquista do Sertão”. In:
MELO, J.O.A. & RODRIGUES, G. (orgs.). Paraíba, conquista,
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SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. Rio de Janeiro.
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SUAREZ, M.T.S. Cassacos e corumbas. São Paulo, Ática,1977
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 327

327
328 Emília Moreira e Ivan Targino

7. EVOLUÇÃO RECENTE DO
EMPREGO RURAL E DAS
RELAÇÕES DE TRABALHO
NO CAMPO PARAIBANO

“Que é que meu patrão fazia


Se eu passasse a sê patrão
E meu patrão de repente
Tomasse a minha patente
De cativo moradô,
Morando numa paioça
Trabaiando em minha roça
Sendo meu trabaiadô?

E enquanto no meu roçado


Tratasse do meu legume
Me visse todo equipado
Todo pronto de prefume
Entrá pra dentro do carro
Fumando belo cigarro
Sem oiá seu sacrifiço
E o senhô acabrunhado
Trabaiando, trabaiando,
Acabando meu serviço?

Versos do poema Pergunta de Moradô, de


Geraldo Gonçalves de Alencar

De um modo geral, o nível do


emprego mantém relação com uma série de
fatores tais como nível do produto, ritmo de
acumulação, evolução das relações técnicas e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 329

sociais de produção e estrutura fundiária. No caso


da agricultura, pode-se acrescentar também a
quantidade de terras incorporadas ao processo
produtivo, bem como as formas de uso do solo.
Vale dizer, que o nível e a composição do
emprego são resultantes de uma série de fatores,
alguns atuando como estimuladores, outros como
inibidores da utilização da força-de-trabalho na
produção de bens agropecuários. Por outro lado,
a evolução das variáveis relacionadas com o
mundo do trabalho rural estão estreitamente
vinculadas à dinâmica da população rural. De um
lado, a capacidade do setor primário de gerar
emprego e renda constitui uma das condições
fundamentais para a fixação do homem no campo
e, de outro lado, algumas alterações nas relações
sociais de produção pressupõem a
expropriação/expulsão de parcela significativa da
população rural.

O período em estudo é bastante rico


para evidenciar tais interações. Como já foi visto
em capítulos anteriores, a organização do espaço
agrário estadual tem sofrido transformações
significativas, no sentido de sua modernização,
vale dizer, no sentido de sua subordinação real ao
capital. O processo de desenvolvimento daí
resultante tem gerado, de um lado, o crescimento
da riqueza, consubstanciado no aumento do
produto e de sua concentração e, de outro lado,
em movimento aparentemente contraditório, a
exclusão social de parcela significativa da classe
trabalhadora e a deterioração das relações
sociais. Os impactos da modernização
329
330 Emília Moreira e Ivan Targino

conservadora do espaço agrário sobre as relações


de trabalho e o emprego no campo paraibano
serão objeto de estudo dos próximos itens.

7.1. Evolução recente do volume do emprego


rural

A análise dos dados relativos ao


quantitativo do emprego no campo paraibano
ressalta alguns aspectos importantes, a seguir
discutidos.

7.1.1. Retração relativa da


capacidade de absorção da
força-de-trabalho por parte
do setor primário

A modernização da atividade agrícola


e o crescimento das atividades urbanas têm
provocado, nas últimas décadas, mudanças
significativas na composição setorial do emprego
no Estado. Como pode ser observado no quadro
XXIV, o setor primário absorvia, em 1950, quase
oito décimos da população economicamente ativa
(PEA) estadual. Essa participação tem declinado
de forma persistente, atingindo cerca de três
décimos em 1990. A análise dos dados chama a
atenção para o fato de que foi na última década
que se operou a mais brusca redução: perda de
vinte pontos percentuais nos anos oitenta, contra
27 pontos nas três décadas anteriores. O declínio
relativo da capacidade de absorção de mão-de-
obra por parte do setor primário guarda uma
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 331

estreita correlação com a evolução da sua


contribuição na formação do produto interno
bruto. Esse setor respondia por mais da metade
do PIB estadual em 1950, enquanto que na
primeira metade dos anos noventa esta
participação situa-se em torno dos dez pontos
percentuais. Observa-se, portanto, ao longo da
segunda metade do século XX a quebra da
hegemonia das atividades primárias, tanto na
geração da riqueza quanto na absorção da força-
de-trabalho. Acontece a transição de uma
sociedade rural para uma sociedade urbana, com
todas as vantagens e problemas daí decorrentes.
O declínio relativo da capacidade de
absorção de mão-de-obra pelo setor primário
reproduziu-se tanto em nível regional como
municipal nos anos setenta. Alguns aspectos
referentes ao comportamento da PEA agrícola
paraibana nesse período podem ser visualizados
nos mapas contidos no Atlas de Geografia Agrária
da Paraíba (MOREIRA,1996). Esses mapas
mostram como a diminuição da PEA agrícola se
deu de forma disseminada em todo o Estado. Em
1970, em apenas seis municípios, a sua
participação na PEA total era inferior a 50,0%. Em
1980, esse número quase que triplica. Além disso
diminuem de forma significativa os municípios
onde o setor primário absorvia mais de 90,0% da
sua força-de-trabalho. Importa lembrar que, na
maioria dos casos, o declínio do poder de
absorção do setor primário não corresponde ao
fortalecimento da economia urbana desses
municípios, o que permitiria incorporar o

331
332 Emília Moreira e Ivan Targino

contingente de trabalhadores repelido pela


atividade agropecuária;

7.1.2. Comportamento oscilante


do contingente de mão-de-
obra engajado na
agropecuária

A comparação dos dados censitários


sobre a PEA agrícola, relativos aos anos de 1970 e
1980, mostra uma redução do total da PEA da
ordem de 6% (437,9 mil em 1970 e 412,6 mil em
1980). Durante a década de oitenta, os dados da
PNAD relativos à PEA rural apontam para um
emprego médio da ordem de 426 mil pessoas. É
bem verdade que não se pode comparar os dados
dos Censos Demográficos com os da PNAD. No
entanto, as informações colhidas pela PNAD na
década de oitenta indicam um patamar do nível
do emprego rural não muito diferente daqueles
registrados pelos Censos Demográficos em 1970
e 1980. Com os cuidados devidos, pode-se
arriscar a afirmação de que o nível absoluto do
emprego rural, nas últimas décadas, tem
apresentado alguma oscilação em torno de um
patamar um pouco superior a quatrocentos mil
empregos.
Esses dados parecem contradizer uma
afirmação bastante recorrente na literatura de
que as mudanças na base técnica da agricultura
leva a uma redução absoluta do emprego
primário. Assim, era de se esperar que o declínio
do emprego observado na década de setenta
tivesse continuado na década de oitenta. Alguns
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 333

fatores tais como a expansão do grau de


feminilidade da força-de-trabalho, o aumento do
número de trabalhadores jovens e a persistência
da pequena propriedade, que serão discutidos na
seqüência, parecem ter atuado no sentido de
atenuar os efeitos do processo de modernização
sobre o volume do emprego rural.
Além dos fatores acima enumerados,
não se deve esquecer que a despeito da redução
da sua participação relativa no PIB estadual, o
produto do setor agrícola, malgrado as grandes
secas ocorridas no período em estudo, não deixou
de crescer, embora a um ritmo bem inferior ao
dos demais setores da economia. Na década de
sessenta, o PIB do setor primário cresceu 1,3%
contra 7,6% e 9,7% do PIB dos setores secundário
e terciário, respectivamente. Na década de 80, as
taxas observadas foram de 4,6% contra 5,2% e
6,0% para os setores industrial e de serviços. De
alguma forma, o comportamento do produto do
setor primário deve ter contribuído para a
manutenção do patamar do nível do emprego
rural nas últimas décadas.

7.1.3. Aumento da força-de-


trabalho feminina e juvenil

A observação dos dados referentes ao


comportamento da mão-de-obra quanto ao sexo e
à idade (v. quadro XXV), destaca alguns fatos
relevantes: em primeiro lugar, um decréscimo
persistente da participação dos homens no
conjunto da mão-de-obra. Com efeito, o grau de
masculinidade, que era da ordem de 92% em
333
334 Emília Moreira e Ivan Targino

1970, decai para 88% em 1980 e para 72% em


1989. Verifica-se também que a variação ocorrida
se deu tanto em termos relativos quanto
absolutos. A redução da força-de-trabalho
masculina é observada com mais intensidade nas
faixas etárias acima de 20 anos de idade; em
segundo lugar, contrapondo-se à redução
absoluta e relativa dos homens trabalhadores,
tem-se a elevação do contingente das mulheres e
dos jovens (v. quadro XXV e MOREIRA, 1996). O
que vale dizer que o crescimento da mão-de-obra
feminina e juvenil tem arrefecido os impactos da
redução do trabalho masculino adulto sobre o
conjunto do emprego agrícola.
O crescimento da força-de-trabalho
juvenil e feminina é confirmado através dos
dados do Censo Agropecuário relativos ao pessoal
ocupado nas atividades agropecuárias. Segundo
essa fonte, o número de crianças menores de 14
anos (v. gráfico concernente in: MOREIRA,1996) e
de mulheres ocupadas na atividade agropecuária,
cresceu respectivamente 4,5% e 2,5% na década
de setenta. Dentre as crianças de menos de 14
anos ocupadas no setor primário, destacaram-se
as do sexo feminino com um crescimento da
ordem de 7,9% (MOREIRA,1996). Na Zona
Canavieira paraibana o número de mulheres
ocupadas na agricultura cresceu 39,5% entre
1975 (ano de criação do Proalcool) e 1985. Nesse
mesmo período, o número de crianças menores
de 14 anos engajadas no processo produtivo
agrícola na região aumentou 35,0%.
O que teria determinado as mudanças
na composição do emprego rural quanto a sua
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 335

estrutura etária e sexual durante as últimas


décadas? Além de algumas explicações de ordem
metodológica (MARTINE & ARIAS,1988), 67 algumas
causas podem ser buscadas na dinâmica do
processo modernizador da agricultura que teve
lugar no período em foco e nos seus impactos
sobre o uso do solo, a base técnica da produção,
as relações de trabalho e sobre a dinâmica
migratória da população rural. As transformações
ocorridas na organização agrária estadual têm
contribuído para a expulsão de camada
significativa da população da zona rural, bem
como propiciaram o avanço do assalariamento da
força-de-trabalho agrícola.
Em relação ao efeito da migração
sobre o emprego feminino e infantil, tem-se que,
embora o êxodo rural venha ocorrendo de modo
maciço no Estado, a migração afeta mais
fortemente a população masculina em idade
ativa. Ao sair do campo, as famílias fixam-se nas
periferias urbanas ou nos aglomerados rurais,
cabendo ao pai e aos filhos maiores a busca de
oportunidades de trabalho seja na construção
civil, seja em atividades de serviços de baixa

67São três as fontes básicas de informações sobre emprego rural na Paraíba:


o Censo Agropecuário, o Censo Demográfico e a PNAD. Essas fontes porém,
apresentam certas limitações no que tange à possibilidade de se fazer
análise comparativa de seus dados. Isso porque elas utilizam metodologias e
processos operacionais distintos que redundam, conseqüentemente, em
resultados também distintos. Essa forma diferenciada de apresentação dos
dados antes de implicar em equívoco de uma ou outra fonte, representa a
realidade a partir da forma como ela foi abordada, da data dos
levantamentos realizados e dos diferentes conceitos aplicados. Segundo
Martine e Arias, “Não se trata do fato de uma ou outra fonte estar ‘errada’
nos seus conceitos, na sua metodologia ou nos seus dados. São fontes que
têm objetivos diferentes e conseqüentemente, abordagens distintas”
(MARTINE,G. & ARIAS, A. 1988:61).
335
336 Emília Moreira e Ivan Targino

remuneração, seja ainda, em atividades agrícolas


como a canavieira. Os baixos níveis salariais
percebidos obrigam à mulher e aos filhos
menores engajarem-se na atividade agropecuária
ou ampliarem o número de horas que já
dedicavam à agricultura seja como assalariados,
seja na pequena produção familiar, no caso da
família ser pequena proprietária.
Desse modo, o movimento
ascendente do emprego feminino e infantil
acusado pelas fontes de informação
anteriormente citadas, pode ser imputado,
parcialmente, tanto à emigração dos membros
masculinos adultos da família, como à
necessidade de ampliação da renda familiar, dado
o baixo nível de remuneração da força-de-
trabalho do chefe da família. Está em curso uma
mudança do papel da mulher no mundo do
trabalho rural. A ela cabia a procriação e a
execução de algumas tarefas bem precisas na
unidade de produção familiar: ajuda no plantio e
na colheita e o trato da criação miúda. Hoje
assiste-se não só ao controle do processo
produtivo nas pequenas unidades familiares cujo
chefe migrou, como também ao seu
assalariamento. O que antes era desonra para o
trabalhador (ter a mulher e os filhos no eito) hoje
passa a ser uma necessidade.
Quanto ao efeito crescente do
assalariamento no campo, observa-se que a
transformação do produtor direto em assalariado
temporário repercute sobre o nível de renda da
família, obrigando o ingresso das mulheres e dos
filhos menores de idade no processo produtivo,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 337

como estratégia de garantir a sobrevivência


familiar. Para tanto, tem concorrido também a
forma de pagamento do trabalho através de um
sistema combinando produção e diária. Isto é,
estima-se qual seria a produção do trabalhador
em um dia de trabalho e faz-se o pagamento da
diária àquele que tenha atingido a cota. Isso tem
obrigado o pai de família a levar os filhos para
ajudá-lo a executar a tarefa/diária para ele
definida. Sobretudo na área canavieira, não é
desprezível o número de menores ocupados
dessa forma (GESTAR,1988). Além do trabalho da
criança e do adolescente como “ajudantes” do
pai, expande-se também o trabalho assalariado
do menor, sobretudo nas lavouras comerciais
(cana, abacaxi, inhame, etc.). Sobre a
importância do trabalho infanto-juvenil, alguns
pesquisadores do Centro de Referência em Saúde
do Trabalhador (CERESAT) ao analisar o
fenômeno na área canavieira da Paraíba afirmam
que:

“Não de pode negar que o


elevado grau de pobreza da
classe trabalhadora é o
principal responsável pela
inserção prematura dos jovens
no mercado de trabalho. As
famílias vêem-se obrigadas a
recorrer à força-de-trabalho de
seus filhos como forma de
complementar a renda e
garantir o sustento mínimo da

337
338 Emília Moreira e Ivan Targino

unidade familiar” (MOREIRA et


alii, 1995:14).

7.1.4. manutenção da pequena


propriedade como principal
fonte de ocupação

Conforme foi discutido no capítulo 4,


apesar das modificações na organização agrária,
constata-se que a pequena propriedade 68 ainda
continua expressiva no contexto da estrutura
fundiária estadual. Em 1985, ela representava
mais de 90% do total dos estabelecimentos
agrícolas (v. quadro X no cap. 4). Essa observação
é de fundamental importância para a questão do
emprego, já que essas propriedades têm
absorvido mais de três quartos do pessoal
ocupado no setor agropecuário paraibano. A
pequena propriedade funciona como um freio ao
processo de redução da força-de-trabalho rural
que se poderia esperar com a modernização da
atividade. A pequena propriedade do solo
consegue reter parte do contingente populacional
que tenderia a migrar. Evidentemente que ao
fazer essa afirmação não se está dizendo que a
pequena propriedade impede a mobilidade
espacial da população. Vários estudos têm
mostrado, inclusive, que a migração de parte da
força-de-trabalho da pequena propriedade é parte
da estratégia de sobrevivência dessas unidades
familiares de produção (GARCIA JR.,1983;
FIGUEIREDO, 1991). A remessa de recursos por
68O termo pequena propriedade é aqui utilizado como sinônimo de pequeno
estabelecimento agrícola.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 339

parte dos homens adultos que migraram garante


parte importante da reprodução da unidade
produtiva familiar. Com a saída do chefe,
conforme já discutido no item anterior, a mulher e
os filhos garantem a exploração da terra e os
cuidados com os animais. Interessante destacar
que, segundo os dados censitários, o crescimento
maior da força-de-trabalho infantil e feminina se
dá exatamente na categoria de “membros não
remunerados da família”.
Entre as pequenas propriedades deve-
se destacar aquelas com menos de 10 hectares
cujo número, após sofrer uma pequena redução
na década de 70, voltou a crescer na primeira
metade dos anos oitenta, conforme os dados do
Censo Agropecuário de 1985 (v. quadro X no cap.
4). Esse comportamento da pequena propriedade
na década de oitenta deve-se a vários fatores,
podendo-se sublinhar dois deles: a luta pela terra
que tem conseguido a desapropriação e/ou
aquisição de várias áreas no Estado, como será
visto no capítulo seguinte, e o processo de
fracionamento da pequena unidade de produção
por motivo de herança. Em algumas áreas
visitadas, esse processo tem se dado com tal
intensidade que algumas regiões de minifúndio
tem se convertido em verdadeiros núcleos de
povoamento rural concentrado. O que ocorre no
Sítio Rio Vermelho, no município de Sapé, é
bastante ilustrativo desse processo. Em virtude
do tamanho dos lotes que se restringem
basicamente ao chão da casa e a um terreiro, os
homens adultos têm, forçosamente, que migrar.
Em muitos casos, esses trabalhadores não
339
340 Emília Moreira e Ivan Targino

realizam um movimento migratório tradicional de


média ou longa duração mas, simplesmente,
passam a semana fora e voltam no final da
semana com o dinheiro para a feira. Trata-se de
uma nova forma de articulação do minifúndio,
desta feita com setores da economia urbana, em
particular, com o da construção civil.
A importância do peso da pequena
propriedade na absorção e retenção de mão-de-
obra pode ser percebida também quando se
constata que mesmo com o declínio do sisal e do
algodão, culturas que apresentaram os maiores
índices de ocupação homem/hectare entre as
lavouras em 1980, não aconteceu a redução do
emprego rural que se podia esperar. 69
A manutenção da capacidade de
absorção da mão-de-obra pela pequena
propriedade deve-se não só ao crescimento do
seu número e da sua área, como também e,
principalmente, ao fato dessas unidades
produtivas não terem sido atingidas de modo
substancial pelo processo de modernização. No
capítulo 5, frisava-se o aspecto desigual e seletivo
desse processo. As mudanças na base técnica da
produção atingiram mais fortemente algumas
culturas (cana, abacaxi, tomate, p. ex.) e
concentraram-se nas grandes e médias
propriedades.
Se o volume do emprego, pelas razões
até aqui discutidas e expostas, não foi afetado de
modo mais profundo pelas modificações em curso
no agro paraibano, o mesmo não se pode dizer
69Ressalte-se também que os efeitos da praga do bicudo sobre a cultura do
algodão ainda não teriam sido captados pelo Censo de 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 341

das relações de trabalho. Como será visto a


seguir, durante a segunda metade do século XX
ocorreram mudanças substanciais nas relações de
trabalho no campo, que tiveram rebatimento nas
relações sociais, ora “purificando” o caráter
capitalista das mesmas, ora eliminando/recriando
antigas relações.

7.2. As mudanças nas relações de trabalho


no campo

A dominação do capital sobre o


processo produtivo agrícola concretizado na
Paraíba através da expansão da atividade
canavieira (via Proalcool) e da pecuária e, mais
recentemente, da fruticultura, tiveram
repercussões profundas sobre as relações de
trabalho no campo. O marco maior desse
processo corresponde ao avanço do trabalho
assalariado, em particular, do trabalho
assalariado temporário e a persistência/recriação
de formas de trabalho tradicionais como a
parceria e a posse da terra, como veremos a
seguir.

7.2.1. As relações de trabalho no


campo (1970/1990)

Não resta dúvida de que o novo


modelo de acumulação adotado pela
agropecuária paraibana a partir da década de 70
foi responsável pela expansão do trabalho
assalariado no campo observado nesse período.
Essa expansão foi acompanhada pelo processo de
341
342 Emília Moreira e Ivan Targino

expulsão/expropriação de milhares de produtores


diretos. O que vale dizer que o assalariamento do
campo se deu em detrimento de algumas formas
tradicionais de trabalho. De fato, enquanto os
empregados assalariados passaram de 73.833 em
1970 para 166.584 em 1980, o que representou
um crescimento médio de 125,6% no período, o
trabalho familiar 70 apresentou um crescimento
negativo da ordem de 2,7% (-0,3% ao ano), os
parceiros subordinados 71 reduziram-se em 27,9%
(-3,2% ao ano) e os moradores e agregados
sofreram uma retração da ordem de 71,7% (-
11,9% ao ano) no mesmo período. Merecem
destaque os empregados assalariados
temporários , com um crescimento superior ao
72

verificado para o total de assalariados (162,1% no


período; 10,0% ao ano) e os empregados
assalariados permanentes 73 com um crescimento
da ordem de 52,5% no período.
70Denomina-se de trabalho familiar o que é executado pelo responsável e
pelos membros não remunerados da família. São considerados “responsáveis
e membros não remunerados da família” pelo Censo Agropecuário os
produtores e os administradores que no momento do Censo eram
responsáveis pela direção dos estabelecimentos e os membros de sua
família que os ajudavam na execução dos trabalhos sem receber qualquer
tipo de remuneração. FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.
71 O Censo Agropecuário considera como parceiros subordinados as pessoas
diretamente subordinadas ao responsável pelo estabelecimento que
recebem em troca das tarefas que executam uma quota-parte da produção
obtida com seu trabalho (meia, terça, etc.). FIBGE. Censo Agropecuário -
1970/1980.
72O Censo Agropecuário considera como “empregados temporários” as
pessoas contratadas para tarefas eventuais ou de curta duração em troca de
um salário (em dinheiro ou em quantidade fixa de produto). FIBGE. Censo
Agropecuário - 1970/1980. Os empregados temporários são também
conhecidos: como bóias-frias (porque costumam levar a comida para o
trabalho consumindo-a fria); como volantes (por não terem um local fixo de
trabalho, estando a cada dia executando suas tarefas em locais diferentes);
como trabalhadores clandestinos (por não terem carteira assinada e assim
não serem beneficiados pelas leis trabalhistas).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 343

O crescimento do trabalho assalariado


representou, na verdade, um processo de
tercerização das contratações de trabalhadores
na agricultura. Vários estudos têm mostrado
como, sobretudo na região açucareira, os
trabalhadores temporários passaram a ser
agenciados por “gatos” ou empreiteiros que
contratam os serviços a serem realizados com os
proprietários. Essa foi a forma encontrada de
tentar driblar a legislação trabalhista ou, pelo
menos, de dificultar o trabalho de fiscalização dos
órgãos do Estado e dos sindicatos.
Esse crescimento do trabalho
assalariado observado na década de setenta foi
comum a todas as Mesorregiões do Estado (v.
quadro XXVI e mapas concernentes in: MOREIRA,
1996). No Litoral e no Agreste, a implantação do
Proalcool e a modernização da atividade
canavieira por ele promovida, estão na base
desse crescimento. Nos municípios dessas regiões
que compõem a Zona Canavieira da Paraíba (v.
capítulo 3) ao lado de um declínio da população
rural da ordem de -1,43% ao ano no decênio,
observou-se um aumento dos empregados
assalariados temporários de 18,5%. Enquanto
isso os moradores e agregados reduziam-se em
82,3% e os arrendatários em 18,5%. Entre 1975 e
1985 o crescimento dos empregados assalariados
na citada região foi de 93,6%. Significa dizer que
no período áureo do Proalcool, paralelo ao

73Os empregados assalariados permanentes são aqueles que exercem


atividades de caráter efetivo ou de longa duração em troca de um salário
(em dinheiro ou em quantidade fixa de produto). FIBGE. Censo Agropecuário
- 1970/1980.
343
344 Emília Moreira e Ivan Targino

esvaziamento do campo, observou-se uma


intensificação do trabalho assalariado nos
municípios produtores de cana da porção oriental
do Estado e uma forte retração de formas de
trabalho pré-capitalistas como o sistema morador
e o arrendamento. Por outro lado, o engajamento
da população nas frentes de trabalho durante a
seca que teve início em 1979 e se estendeu até
1983, deve ter contribuído para o aumento
significativo observado no número de
empregados assalariados nas Mesorregiões do
semi-árido.
Em nível das Microrregiões, à exceção
das de Sapé, de Campina Grande e de Esperança,
todas as demais apresentaram importante
aumento dos empregados assalariados
temporários entre 1970 e 1980 (v. quadro XXVII e
mapas do Atlas de Geografia Agrária in:
MOREIRA,1996). Na porção oriental do Estado
ressalta-se a Microrregião do Litoral Sul,
justamente aquela onde foi mais intensa a ação
do Proalcool no período. No que tange aos
empregados permanentes, apenas as
Microrregiões de Guarabira, Umbuzeiro, do Seridó
Oriental e de Teixeira acusaram crescimento
negativo (v. quadro XXVIII e mapas do Atlas de
Geografia Agrária in: MOREIRA,1996). A
participação dos assalariados no total do pessoal
ocupado também aumentou de 12,6% para
25,6% nos anos setenta.
É necessário chamar a atenção para o
fato de que à transformação do produtor direto
em assalariado não correspondeu uma melhoria
no padrão de vida da população. Ao contrário,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 345

segundo os dados da PNAD, em 1985, mais de


85,0% da população ocupada na atividade
agrícola ou não era remunerada (30,8%) ou
percebia até um piso salarial (54,4%). Do total de
empregados na atividade agrícola, 97,3%
trabalhavam sem carteira assinada. Assim, o peso
que assume o emprego rural na Paraíba, ao
tempo em que reforça os indicadores do baixo
nível de desenvolvimento sócio-econômico do
Estado, em razão dos níveis de remuneração aí
prevalecentes, acentua a dimensão da pobreza
da maior parte da população estadual.
Nos anos setenta, ao lado do avanço
do assalariamento do trabalhador rural, observou-
se como já foi mencionado, a retração de
algumas formas de trabalho tradicionais. No caso
do trabalho familiar, este declinou em 87
municípios (50,9% do total dos municípios
existentes no Estado) situados tanto nas áreas
produtoras de cana do Litoral e do Brejo como no
Agreste de Esperança (onde a pequena produção
desempenha um papel relevante), na bacia
leiteira de Campina Grande e em outras áreas do
Agreste, do Cariri e do Sertão da Paraíba (v.
mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Sua
participação no total do pessoal ocupado passou
de 79,6% em 1970 para 69,8% em 1980. Os
parceiros subordinados, por sua vez, reduziram-se
em 90 municípios (52,6% do total), na sua grande
maioria situados em áreas onde essa forma de
trabalho é considerada tradicional como no
Sertão, no Curimataú e no Agreste (incluindo-se o
Brejo) (v. mapas concernentes in:
MOREIRA,1996). A participação dos parceiros
345
346 Emília Moreira e Ivan Targino

subordinados no total do pessoal ocupado, caiu


de 6,9% em 1970 para 4,5% em 1980. Mais
expressivo foi o comportamento dos moradores e
agregados que se reduziram em 105 municípios
do Estado (v. mapas concernentes in:
MOREIRA,1996).
No que tange aos produtores rurais 74,
os dados censitários indicam que eles também
sofreram redução nos anos setenta em 57,0% dos
municípios paraibanos. Passaram de 169.667
para 167.410 o que significou uma diminuição de
2.257 produtores (-1,3% no período). Essa
diminuição foi constatada tanto entre os
produtores proprietários como entre os não
proprietários (v. mapas concernentes in:
MOREIRA,1996). Ela deve-se particularmente à
queda dos arrendatários 75 e dos pequenos
proprietários (v.quadro XXIX). Os arrendatários
apresentaram um comportamento decrescente da
ordem de 23,5% (-2,6% ao ano). Esse fato foi
observado na maioria dos municípios do Estado
com destaque:
a) para alguns situados na zona
canavieira do Litoral tais como Cruz do Espírito
Santo, Sapé, Santa Rita, Pitimbu, São Miguel de
Taipu, Mataraca, entre outros (v. mapa do
crescimento do produtor arrendatário in:
MOREIRA, 1996);

74Os Censos Agropecuários de 1970 e 1980 consideram como produtores


rurais as pessoas físicas ou jurídicas que detêm a responsabilidade da
exploração do estabelecimento, quer seja o mesmo pertencente a si próprio
ou a terceiros.
75Arrendatários para o Censo Agropecuário são produtores rurais que
alugam terras de terceiros e pagam um aluguel em dinheiro ou sua
equivalência em produto. FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 347

b) para os situados nas diversas


subunidades espaciais que compõem o Agreste e
o restante do semi-árido paraibano. Merece
menção especial a retração dessa categoria no
Sertão onde o arrendamento constitui uma das
formas mais comuns e mais tradicionais de
trabalho (MOREIRA, 1996).
Os produtores proprietários 76
passaram de 108.232 em 1970 para 104.849 em
1980 (-3,1% no período). Responsável por isso
foram os pequenos proprietários com menos de
vinte hectares de terra, que sofreram uma
redução equivalente a 7,2% (-0,75% ao ano)
(v.quadro XXIX).

A diminuição da força-de-trabalho
familiar, bem como dos parceiros subordinados,
dos arrendatários, dos moradores e agregados e
dos pequenos proprietários observada na década
de setenta, exprime com muita clareza a retração
de formas e relações de trabalho que não se
ajustam às novas necessidades de acumulação
capitalista na agricultura.

“É o capital necessitando
libertar a terra enquanto meio
de produção, de formas de
organização que não se
coadunam com a sua expansão
na esfera produtiva e que só
são permitidas enquanto não
76Produtores Proprietários são os que detêm a propriedade jurídica das
terras do estabelecimento (inclusive por usufruto, enfiteuse, comodato,
herança, etc.). FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.
347
348 Emília Moreira e Ivan Targino

se constituem impedimento à
sua expansão” (CANTALICE, D.
1985:85)
Se do ponto de vista do capital esse
processo representa a “libertação da terra” e sua
metamorfose em capital, do ponto de vista do
trabalhador ele significa o “cativeiro da terra”,
isto é, a impossibilidade de acesso a ela a não ser
enquanto força-de-trabalho assalariada.
Quanto aos produtores parceiros 77,
embora observe-se um aumento significativo no
conjunto do Estado (18,0% no período), no plano
regional eles reduziram-se em oito das treze
regiões agrárias identificadas em 1970 por
Moreira (MOREIRA,1988). Vale a pena ressaltar
que essa redução se deu inclusive nas áreas onde
essa forma de trabalho teve maior peso em
setenta: no Agreste de Esperança e no Cariri (v.
mapa concernente in: MOREIRA,1996). O seu
crescimento foi maior na porção setentrional do
Agreste (com destaque para os municípios de
Barra de Santa Rosa, Cuité, Cacimba de Dentro e
Arara, no Curimataú) e no extremo oeste do
Estado (v. mapa concernente in: MOREIRA,1996).
Os posseiros78 constituem a categoria
dos produtores sem terra que mais se expandiu
no período em estudo (35,7%). Essa expansão
deu-se tanto em nível estadual como na escala
intrarregional (o seu número aumentou na
77Produtores Parceiros são aqueles que exploram terras de terceiros em
regime de parceria mediante contrato verbal ou escrito, que prevê o
pagamento obrigatório, de um percentual da produção obtida. FIBGE. Censo
Agropecuário - 1970/1980.
78Os posseiros ou ocupantes são produtores rurais que exploram terras
públicas, devolutas ou de terceiros (com ou sem o consentimento do
proprietário), nada pagando pelo uso da terra.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 349

maioria das subunidades espaciais que compõem


o Estado) (MOREIRA,1996).
Nos anos 80, no que tange às relações
de trabalho no campo, um aspecto chama a
atenção: a reversão observada na tendência geral
de crescimento tanto do trabalho familiar como
do trabalho assalariado. Este último, segundo os
dados do Censo Agropecuário, teria apresentado
um crescimento negativo da ordem de 34,9%
entre 1980/85. O número de empregados
assalariados teria se retraído em todas as
Mesorregiões da Paraíba à exceção da Mata
Paraibana (v. quadro XXX). Em nível
microrregional, as regiões que apresentaram
crescimento positivo do trabalho assalariado
permanente nesse período foram as do Litoral
Sul, do Litoral Norte e de Sapé, na Zona da Mata;
de Campina Grande e Umbuzeiro no Agreste; do
Cariri Oriental e do Cariri Ocidental na região da
Borborema e na de Catolé do Rocha no Sertão (v.
quadro XXXI). O crescimento do trabalho
assalariado temporário concentrou-se
basicamente nas Microrregiões que compõem a
Zona da Mata e na Microrregião de Teixeira (v.
quadro XXXII). Por sua vez, o trabalho familiar
que havia apresentado um comportamento
decrescente nos anos setenta, cresceu 31,1% na
primeira metade da década de oitenta. Além
disso, os posseiros viram seu contingente
aumentar em 38,7% e os produtores parceiros
tiveram um aumento superior a 100,0% no
mesmo período. Embora observe-se uma
continuidade no processo de retração dos
arrendatários, a taxa de crescimento negativa
349
350 Emília Moreira e Ivan Targino

apresentada no período foi bem menor que a


observada nos anos setenta: -1,2% entre
1980/1985 contra -23,5% entre 1970/80.
Em suma, o que se destaca da análise
realizada é que nos anos setenta a organização
agrária paraibana apresentou, como tendência
geral, o avanço do trabalho assalariado e a
retração de algumas relações de trabalho pré-
capitalistas (sistema morador, parceria e
arrendamento). Isso reflete a crescente
subordinação real do processo de produção
agrícola ao capital.79 A agricultura subordina-se à
lei do lucro e, para tal, necessita de um lado
reduzir os custos com a mão-de-obra e, de outro,
utilizar a terra da forma mais lucrativa possível.
Desse jogo resulta o processo de
expropriação/expulsão do trabalhador rural.
Apesar dessa tendência geral, verifica-se a
persistência e a recriação de relações de trabalho
pré-capitalistas tanto nos anos setenta como na
década seguinte. Nos anos oitenta, a persistência
do crescimento do trabalho assalariado,
sobretudo do trabalho assalariado temporário,
restringiu-se basicamente àquela região cujo
processo modernizador continuou sendo
incentivado: a Zona da Mata. Ao lado, porém,
desse movimento ascendente do trabalho
assalariado na região canavieira litorânea,
verifica-se o seu recuo nas demais regiões do
Estado acompanhado do fortalecimento da
parceria e da posse da terra.

79A crescente subordinação da agricultura paraibana ao capital financeiro é


constatada através da elevação dos financiamentos obtidos pelo setor. Estes
tiveram sua participação no valor da produção agropecuária elevada de
15,6% em 1970, para 27,0% em 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 351

O crescimento dos parceiros e dos


posseiros demonstrado vem fortalecer a tese
defendida por José de Souza Martins de que:

“(...) embora o quadro clássico


do capitalismo mostre o capital
se expandindo à custa da
expropriação e da
proletarização dos
trabalhadores no campo, uma
coisa produzindo
necessariamente a outra, em
nosso país esse processo não é
assim tão claro nem tão
simples. O capital se expande
no campo mas não proletariza
necessariamente o
trabalhador. Uma parte dos
expropriados ocupa novos
territórios, reconquista a
autonomia do trabalho, pratica
uma traição às leis do capital”
(MARTINS, 1980:17).

É ainda José de Sousa Martins que


afirma ao tratar do problema do campesinato nas
sociedades capitalistas:

“(...) as transformações
econômicas, sociais e
institucionais promovidas pela
expansão do capitalismo
redefinem concretamente
categorias sociais não
caracteristicamente
capitalistas. Isto é, embora
351
352 Emília Moreira e Ivan Targino

estas categorias não sejam


destruídas pelas modificações
sociais, nem por elas
engendradas, passam a
determinar-se por mediações
fundamentais da sociedade
capitalista” (MARTINS,
1973:25).

Pode-se concluir que, apesar das


variações observadas nos dados censitários sobre
o emprego e as relações de trabalho no campo
relativas à década de setenta, comparativamente
à primeira metade dos anos oitenta, algumas
tendências se destacam ao longo do período
como um todo: recuo da capacidade relativa de
absorção de mão-de-obra pelo setor primário;
redução da PEA agrícola masculina em idade
adulta; aumento da participação de mulheres e
crianças no processo produtivo agrícola;
persistência da pequena propriedade enquanto
importante fonte de ocupação da mão-de-obra;
avanço do trabalho assalariado em detrimento de
algumas formas de trabalho tradicionais
(particularmente dos moradores e arrendatários).
Apesar de todas as mudanças
observadas na organização agrária estadual nas
duas décadas estudadas, observou-se uma forte
resistência das pequenas unidades de produção a
submeterem-se a esse processo. Estas, como foi
demonstrado, não perderam sua característica de
grandes absorvedoras de mão-de-obra,
contrapondo-se ao latifúndio que, ou ocupa uma
reduzida mão-de-obra (quando dedicado à
pecuária), ou restringe sua capacidade de
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 353

absorção a uma determinada fase do processo


produtivo (quando dedicado a lavouras
comerciais). Por outro lado, embora não se
questione o avanço do assalariamento da força-
de-trabalho como conseqüência das modificações
levadas a efeito na organização da produção e do
trabalho no campo no período em estudo, é
inegável que o fortalecimento da organização dos
trabalhadores através de sua luta por terra nos
anos oitenta contrapôs-se a esse processo.O
significativo crescimento dos posseiros confirma
muito bem essa afirmativa. O avanço da parceria,
por sua vez, pode ser atribuído à necessidade do
grande e do médio produtor de dividir os riscos
da produção, garantindo assim o controle sobre a
terra durante a fase de crise do crédito
generalizado.
Mais recentemente, já no início dos
anos 90, alguns estudos vêm apontando novas
alterações na dinâmica do emprego rural na
Paraíba. No que tange ao Litoral e ao Agreste,
essas alterações estão vinculadas à crise que
assola a atividade canavieira. Como já foi
anteriormente colocado, durante o período de
apogeu do Proalcool assistiu-se a um processo de
desruralização e expulsão maciça da população
rural, que, no entanto, manteve-se vinculada à
atividade agrícola pelo emprego assalariado
temporário. Operou-se, no dizer dos
trabalhadores, “o trancamento das terras para o
trabalho”. Em muitos casos, após a expulsão da
população, procedeu-se à destruição das
residências dos antigos moradores,
representando a impossibilidade do retorno ao
353
354 Emília Moreira e Ivan Targino

campo. Nesse contexto, a crise da produção


sucro-alcooleira significa não apenas o fim do
emprego temporário mas, sobretudo, a
impossiblidade do emprego em si. Pois, de um
lado, a economia urbana das cidades que
abrigaram aqueles trabalhadores é incapaz de
absorvê-los de forma produtiva e, de outro lado,
as possibilidades de retorno para o campo são
absolutamente restritas uma vez que as terras se
encontram trancadas para as antigas relações de
trabalho. Acrescente-se a isto a expansão da
pecuária em áreas anteriormente ocupadas pela
lavoura canavieira. Deste modo, resta ao
trabalhador seja a migração para os centros
urbanos maiores, seja a migração sazonal para
algumas áreas onde a cultura canavieira
permanece em exploração no Litoral do Estado. O
fechamento das Usinas Santa Maria, Borborema,
Santa Rita, Santa Helena, Santana e Una
representa, desta forma não apenas um problema
econômico para a já combalida economia
estadual, mas, sobretudo, um grave problema
social. São milhares de trabalhadores que se
encontram sem possibilidades de acesso a um
posto de trabalho. O crescimento do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra no Estado nos anos
noventa tem exatamente na crise do emprego
rural uma das suas bases objetivas.
Em relação às áreas semi-áridas, as
informações disponíveis apontam para duas
forças principais que estariam atuando no sentido
de reduzir o emprego e promover mudanças nas
relações de trabalho tradicionais daquelas
regiões. Em primeiro lugar, a crise da lavoura
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 355

algodoeira provocada pela praga do bicudo


tenderia a quebrar a base de sustentação das
formas locais de arrendamento. Na verdade,
conforme já analisado no capítulo 2, a exploração
do algodão dava sustentação econômica para as
relações de arrendamento no interior das grandes
propriedades do semi-árido. Com a crise do
algodão, desaparece a principal fonte de renda
monetária dos arrendatários, corroendo, em
conseqüência, as possibilidades de sustentação
dessa relação. Em segundo lugar, a crise por que
passa a produção pecuária com a redução do
efetivo bovino, aliada às mudanças nas suas
formas de exploração com a introdução de
melhorias nas formas de alimentação do gado
(pastagens plantadas, palma forrageira,
introdução de rações industriais, etc.) teriam
contribuído também para enfraquecer as relações
de arrendamento. Como visto anteriormente, o
restolho dos roçados garantia parte da
alimentação do gado nos períodos de seca. A
ação conjugada desses dois fatores (crise do
algodão e crise/modificação da pecuária) teriam
agido no sentido de reduzir o emprego rural e as
relações de arrendamento tradicionais. O forte
declínio da população rural das Microrregiões
situadas no semi-árido registrado pelo Censo
Demográfico de 1991, parece corroborar, ainda
que de forma indireta, os impactos da praga do
bicudo e da crise/modificação da pecuária sobre o
emprego rural dessas áreas.
Poder-se-ia lembrar que a expansão
das áreas irrigadas atuariam no sentido de
contrabalançar a ação daquelas duas forças sobre
355
356 Emília Moreira e Ivan Targino

o nível do emprego rural. Embora se reconheça


que o nível de ocupação de mão-de-obra na
agricultura irrigada seja bem mais elevado do que
na agricultura de sequeiro, não se deve esquecer
que as possibilidades de irrigação do semi-árido
paraibano não são tão grandes. Na verdade, a
agricultura irrigada no semi-árido ainda é de
pequena monta e se encontra restrita a
determinadas áreas.
As análises efetuadas ao longo deste
capítulo ressaltam a necessidade de ações que
procurem reverter as tendências gerais
apresentadas pelo emprego no espaço agrário
paraibano durante a segunda metade do século
XX.
O nível de pobreza em que se
encontra a grande maioria dos trabalhadores
rurais não é tolerável para uma sociedade que se
diz democrata e alicerçada no princípio da
cidadania. Por outro lado, a implementação de
uma política para o setor agropecuário que
contemplasse mecanismos eficientes de estímulo
à produção, com uma ação mais efetiva sobre a
estrutura agrária, com certeza poderia contribuir
para a manutenção do emprego e a fixação do
trabalhador na terra. Como será visto no capítulo
seguinte, a atuação dos movimentos sociais no
campo, adiantando-se à ação estatal e muitas
vezes opondo-se a ela, tem se orientado
exatamente nessas duas direções: lutar por
melhores condições de trabalho e por
possibilidades de permanência na terra.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 357

QUADRO XXIV

ESTADO DA PARAÍBA
PARTICIPAÇÃO DA PEA AGRÍCOLA NA PEA
TOTAL
1950-1990

1950 1960(1 1970 1980 1990


(1) ) (1) (1) (2)
PEA TOTAL 517.2 595.354 675.409 821.4 1.237.1
75 15 73
PEA 404.0 437.61 437.93 412.6 426.69
AGRÍCOLA 15 5 7 09 0
% 78,1 73,5 64,8 50,2 34,48
Fonte: FIBGE (1). Censos Demográficos da Paraíba, 1950, 1960, 1970, 1980.

357
358 Emília Moreira e Ivan Targino

FIBGE (2). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 1990


dados relativos à Pea de domicílio rural).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 359

QUADRO XXV

ESTADO DA PARAÍBA
POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA DO SETOR PRIMÁRIO POR
SEXO,
SEGUNDO A IDADE
1970-1980-1989
1970 (1) 1980 (1) 1989 (2)
IDADE TOTAL HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER
10 — 14 44.024 40.943 3.081 48.166 42.305 5.861 64.120 51.736 12.384
15 — 19 68.429 63.360 5.069 70.635 63.273 7.362 69.432 53.072 16.360
20 — 24 54.706 50.980 3.726 42.430 38.697 3.733 48.643 33.167 15.476
25 — 29 40.205 37.563 2.642 34.701 32.021 2.680 42.895 28.300 14.595
30 — 34 36.371 33.878 2.493 34.069 30.578 3.491
35 — 39 30.769 28.352 2.417 31.719 27.626 4.093 79.599a. 54.392a. 25.207a.
40 — 44 33.029 30.328 2.701 31.976 27.723 4.253
45 — 49 30.229 27.756 2.473 24.617 20.905 3.712 62.356b 38.477 b. 23.879 b.
.
50 — 54 28.842 26.322 2.520 26.360 22.734 3.626
55 — 59 22.660 20.683 1.977 24.091 21.253 2.838 42.010c. 31.397c. 10.613c.
60 — 64 19.041 17.338 1.703 19.117 17.004 2.113
65 — 69 12.959 11.793 1.166 13.743 12.397 1.346
70 e 15.705 14.343 1.362 10.256 9.464 792 42.457d 34.938d. 7.519d.
mais .
Idade 968 864 104 729 680 49 – – –
Ignorada
Total 437.937 404.503 33.434 412.60 366.660 45.949 451.512 325.479 126.033
9

359
360 Emília Moreira e Ivan Targino

FONTE: (1) FIBGE -Censos Demográficos da Paraíba, 1970-1980.


(2) FIBGE -Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 1989 (dados relativos à Pea de
domicílio rural).
a. idade entre 30 e 39 anos b. idade entre 40 e 49 anos c. idade entre 50 e 59 anos
d. idade entre 60 anos e mais
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 361

QUADRO XXVI

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO,
SEGUNDO AS MESORREGIÕES
1970 - 1980
MESORREGIÕES 1970 1980 1970/80
VARIAÇÃO(%)
MATA 16.900 22.893 35,5
AGRESTE 30.846 45.029 46,0
BORBOREMA 10.045 27.236 171,1
SERTÃO 16.042 71.426 345,2
PARAÍBA 73.833 166.584 125,6
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1970, 1980.

QUADRO XXVII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO
TEMPORÁRIO, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1970 - 1980
1970/1980
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa 62,7
Litoral Norte 35,2
Litoral Sul 223,2
Sapé -17,8
Curimataú Oriental 145,5
Brejo Paraibano 24,9
Campina Grande -12,2
Curimataú Ocidental 75,9
Esperança -33,1
Guarabira 34,9
Itabaiana 112,1
Umbuzeiro 356,2
Cariri Oriental 795,1
Cariri Ocidental 217,8
Seridó Ocidental 291,8
Seridó Oriental 70,6
Cajazeiras 205,6
Catolé do Rocha 152,0
Itaporanga 132,8
Patos 376,7
Piancó 679,3
Sousa 370,5
Teixeira 541,4
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

361
362 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXVIII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO
PERMANENTE, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1970 - 1980

1970/1980
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa 47,8
Litoral Norte 52,2
Litoral Sul 258,3
Sapé 20,6
Curimataú Oriental 193,9
Brejo Paraibano 42,2
Campina Grande 69,9
Curimataú Ocidental 29,6
Esperança 71,7
Guarabira -1,7
Itabaiana 35,3
Umbuzeiro -20,2
Cariri Oriental 101,4
Cariri Ocidental 57,2
Seridó Ocidental 298,5
Seridó Oriental -27,1
Cajazeiras 205,6
Catolé do Rocha 152,0
Itaporanga 22,4
Patos 124,5
Piancó 163,6
Sousa 132,1
Teixeira -40,5
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 363

QUADRO XXIX

ESTADO DA PARAÍBA
CONDIÇÃO DO PRODUTOR POR CATEGORIA E TAMANHO DO
ESTABELECIMENTO
1970 - 1980 - 1985.

TAMANHO DOS
ESTABELECIME PROPRIETÁRIOS ARRENDATÁRIOS PARCEIRO OCUPANTE
-NTOS POR
CLASSES
DE ÁREA 1970 1980 1985 1970 1980 1985 1970 1980 1985 1970 1980 1985
(ha)
menos de 10 61.801 56.581 71.445 30.348 23.127 23.940 4.674 5.393 13.468 19.019 26.880 39.199
10 — 20 17.062 16.573 16.913 1.875 1.495 801 421 658 977 1.607 1.745 1.638
20 —50 15.142 15.930 16.049 780 603 317 261 287 477 989 1.049 894
50 — 100 6.579 7.308 7.321 248 214 146 85 95 178 378 375 295
100 —200 3.754 4.234 4.336 164 106 60 36 61 95 211 176 136
200 — 500 2.626 2.829 2.924 81 85 60 47 30 50 107 108 83
500 — 1000 750 860 859 17 15 15 9 3 15 41 27 32
1000 e mais 500 534 521 6 9 6 3 5 3 21 – 11
Sem 18 - 11 2 - - - - - 5 15 2
declaração
Total 108.23 104.84 120.37 33.521 25.654 25.345 5.536 6.532 15.263 22.378 30.375 42.290
2 9 9
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba - 1970, 1980 e 1985.

363
364 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXX

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO, SEGUNDO
AS MESORREGIÕES
1980 - 1985
MESORREGIÕES 1980 1985 1980/85
VARIAÇÃO(%)
Mata 22.893 29.371 28,3
Agreste 45.029 25.635 -43,1
Borborema 27.236 17.013 -37,5
Sertão 71.426 36.412 -49,0
PARAÍBA 166.584 108.431 -34,9
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980 e 1985

QUADRO XXXI

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO
PERMANENTE, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1980/85
1980/1985
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa -22,2
Litoral Norte 54,9
Litoral Sul 65,8
Sapé 0,1
Curimataú Oriental -43,9
Brejo Paraibano -52,8
Campina Grande 1,7
Curimataú Ocidental -25,1
Esperança -3,9
Guarabira -21,7
Itabaiana -5,2
Umbuzeiro 38,5
Cariri Oriental 22,9
Cariri Ocidental -29,9
Seridó Ocidental -18,0
Seridó Oriental 27,3
Cajazeiras -44,8
Catolé do Rocha 12,2
Itaporanga -29,9
Patos -26,7
Piancó -19,2
Sousa -75,9
Teixeira -54,2
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980, 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 365

QUADRO XXXII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO
TEMPORÁRIO, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1980/85

1980/1985
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa 3,6
Litoral Norte 113,5
Litoral Sul -0,5
Sapé 19,5
Curimataú Oriental -56,9
Brejo Paraibano -39,3
Campina Grande -34,0
Curimataú Ocidental -47,9
Esperança -85,7
Guarabira -41,1
Itabaiana -60,2
Umbuzeiro -63,7
Cariri Oriental -57,1
Cariri Ocidental -21,1
Seridó Ocidental -80,7
Seridó Oriental -52,8
Cajazeiras -44,8
Catolé do Rocha 12,2
Itaporanga -35,3
Patos -53,0
Piancó -51,3
Sousa -63,9
Teixeira 11,6
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980, 1985.

365
366 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA

CANTALICE, Dulce. Capital, estado e conflito: questionando Alagamar.


Campina Grande, Dissertação de Mestrado em Economia Rural, 1985.
FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba de 1970 e 1980.
__________ Censo Demográfico da Paraíba de 1970 e 1980.
__________ Pesquisa por Amostra de Domicílio-Paraíba, de 1983 a
1990.
FIGUEIREDO, 1991. A pequena produção no Agreste de Esperança: o
caso de Areial. João Pessoa, Projeto de dissertação de Mestrado em
Economia, s/d.
GARCIA JR, Afrânio Raul. Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos
produtores. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
GESTAR. Saúde e trabalho na zona rural da Paraíba:o caso de Sapé.
João Pessoa, Relatório de Pesquisa, 1988.
MARTINE, George & ARIAS, Alfonso. “A Evolução do emprego no campo”. São
Paulo. In: Revista Brasileira de Estudos de População. Vol. 4, no
2, jan/jun.,1988.
MARTINS, José de Sousa. Expropriação e violência (a questão política
no campo). São Paulo, Hucitec, 1980.
__________ A imigração e a crise do Brasil agrário. São Paulo, Brasiliense,
1973.
MOREIRA, Emilia et alii. Os caras pintadas de suor e da fuligem da
cana. João Pessoa, Relatório Técnico de Pesquisa, CNPQ/UFPb,
julho/1995.
MOREIRA, Emilia. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa,
Ed. Universitária, 1996.
__________ Evolution et transformations récentes de l'organisation
agraire de la Paraíba. Paris, Tese de Doutorado, 1988.
SUDENE. Boletim Conjuntural do Nordeste de 1995.
__________ Agregados Econômicos Regionais de 1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 367

8. OS MOVIMENTOS SOCIAIS
NO
CAMPO E AS CONQUISTAS
DA
CLASSE TRABALHADORA *

“Pois aqui está a minha vida.


Pronta para ser usada.

Vida que não se guarda


nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço
da vida.
Para servir ao que vale
a pena e o preço do amor.”

(do poema A Vida Verdadeira de Thiago de


Melo)

As mudanças nas formas de utilização


do solo consubstanciadas no avanço da cana e do
pasto, a intensificação da concentração da
propriedade da terra nas mãos de um número
cada vez menor de pessoas e a mecanização de
certas etapas do processo produtivo nas áreas
onde foi mais forte a modernização da atividade
agropecuária, são responsáveis não só por
modificações profundas nas relações de trabalho
no campo paraibano, como pela

*Neste capítulo os autores contaram com a colaboração dos professores


Rosa Maria Godoy da Silveira e Giuseppi Tosi.
367
368 Emília Moreira e Ivan Targino

expulsão/expropriação do produtor direto, como


foi evidenciado nos capítulos anteriores. A
especulação imobiliária, sobretudo na franja
litorânea, vem se constituindo em mais um
elemento de expulsão do trabalhador do campo.
Face ao caráter excludente do
processo de modernização da agricultura, tem-se
observado, nas últimas décadas, uma
organização crescente dos trabalhadores rurais
como forma de resistência à sua exclusão do
processo de geração e/ou apropriação da riqueza
gerada no campo. A organização dos
trabalhadores rurais tem ocorrido em algumas
frentes de luta:
a) luta contra a exploração do
trabalho e por melhores condições de trabalho e
de vida;
b) luta contra a
expulsão/expropriação, que se configura na luta
pelo direito de “ficar na terra”, de “viver da terra”
e de “não se submeter ao capital”;
c) luta pelo retorno à terra, pela
reconquista da “terra para o trabalho”;
d) luta dos pequenos produtores por
uma política agrícola (assistência técnica e
creditícia) que lhes garanta o direito não só de
permanecer com a terra e na terra, como de nela
produzir e dela retirar o indispensável a uma
sobrevivência digna;
No presente capítulo, será dada
atenção especial às duas primeiras formas de
resistência, por serem mais significativas no
contexto dos movimentos sociais no campo
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 369

paraibano e, em certa medida, englobarem as


duas últimas.
A organização dos pequenos
produtores tem encontrado abrigo nos sindicatos
dos trabalhadores rurais, seja enquanto assume a
defesa de política creditícia e assistencial para
essa categoria, seja enquanto serve de suporte e
de apoio à sua organização como ocorre no vale
do Mamanguape. Com isso, não se afirma que a
organização dos pequenos produtores é
completamente absorvida pelo movimento
sindical. Sabe-se do papel que as ONG’s têm
desempenhado enquanto animadoras e
estimuladoras desse processo, bem como
algumas políticas públicas têm estimulado tais
organizações na medida em que restringem os
seus benefícios a pequenos produtores agregados
em associações e/ou cooperativas, a exemplo do
Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP).
Por outro lado, as formas organizativas dos
assentamentos, ainda que frágeis, têm servido de
efeito demonstração para outros grupos.
Em relação à luta pelo retorno à terra,
ela é ainda nova no Estado e se caracteriza pela
ocupação de imóveis por trabalhadores
assalariados. Essa ação tem sido organizada pelo
Movimento dos Sem Terra, atuando na Paraíba
desde 1992 e pela Comissão Pastoral da Terra.
Ocupado o imóvel, barracas são levantadas, a
terra é preparada e um grande roçado é plantado
em mutirão. Surge assim o “acampamento”. Daí
tem início todo um processo de negociação com o
Estado, via órgãos competentes, visando a
desapropriação da terra. Na Paraíba, pode-se citar
369
370 Emília Moreira e Ivan Targino

como exemplo de áreas conquistadas, a partir da


“ocupação”, os imóveis: Barra de Cima, em
Pitimbu, hoje subjúdice; Corvoada do Abiaí,
também em Pitimbu (com parcela desmembrada
entregue aos lavradores do MST e que deu
origem ao Assentamento 1°. de Março) e a
Fazenda Apasa, em Pitimbu além de outras como
Muitos Rios (Caaporã) e Paus Brancos (Campina
Grande). Essa forma de luta que pode ser
entendida como uma variante da luta pela posse
da terra. vem tomando vulto. Em maio de 1996
contabilizavam-se onze áreas de acampamento
de trabalhadores sem terra na Paraíba. Elas
correspondiam aos acampamentos de Alto
Grande, em Araruna; Fazenda Gomes, em Alagoa
Grande; Água Fria, em Mamanguape; Engenho
Novo e Massangana, em Cruz do Espírito Santo;
Boa Esperança, em Campina Grande;
Jacumã/Tabatinga, no Conde; Acauã, em Sousa;
Açude das Graças e Sapé, em Sapé; Marinas do
Abiaí, no Conde (v. quadro XXXIII e mapa
concernente em MOREIRA, 1996).

8.1. A luta contra a exploração do


trabalho: a organização sindical

A acentuação da proletarização
observada recentemente no campo decorre de
dois eixos do mesmo processo de subordinação
da agricultura ao capital: de um lado, as
mudanças técnicas na produção agrícola, com o
aproveitamento mais intensivo das terras para
aumentar a produtividade, têm provocado a
destruição da policultura alimentar produzida por
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 371

moradores, parceiros e arrendatários, como já foi


demonstrado; de outro lado, a lógica da
acumulação capitalista, ao desencadear a
expulsão e a expropriação completa dos
lavradores, transforma-os em trabalhadores livres
de toda propriedade, à exceção da sua força-de-
trabalho. Esta, eles são obrigados a vender no
mercado a fim de garantir a sobrevivência. É
desse modo que eles convertem-se em
assalariados de diversos tipos: permanentes
(fichados), temporários (volantes, bóias-frias,
clandestinos).
A incorporação do progresso técnico
restrito a apenas algumas fases do processo
produtivo, a alguns produtos e a algumas regiões,
acentua a sazonalidade do emprego agrícola:
grande parte da mão-de-obra expulsa do campo
passa a habitar as periferias das cidades e as
agrovilas, trabalhando na terra agora como
assalariados, apenas no período da colheita,
limpa e, em alguns casos, no momento da
aplicação de fertilizantes e agrotóxicos. A
mobilidade intra e extra-regional da mão-de-obra
agrícola tem a ver assim com a sazonalidade
crescente da demanda de trabalho no campo.
Estudos empíricos confirmam que na entressafra
da atividade canavieira os trabalhadores migram
para as maiores cidades do seu Estado ou para
outros estados, em busca de biscates e serviços
eventuais, predominando as ocupações na
construção civil.
Na Paraíba, como foi demonstrado ao
longo deste estudo, o assalariamento cresceu
sobretudo a partir da segunda metade do século
371
372 Emília Moreira e Ivan Targino

XX, atrelado principalmente à expansão da cana


(no Litoral, Agreste Baixo e Brejo), à produção do
abacaxi (especialmente no Litoral) e da pecuária
(no Agreste e no Sertão).
Até meados dos anos 80 estimava-se
em mais de duzentos mil os trabalhadores
assalariados do campo paraibano 80. Cerca de 100
mil empregados na atividade canavieira e na
produção do abacaxi. Pesquisas empíricas
realizadas pelo Grupo de Estudos Rurais do
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(CERESAT) e do Laboratório de Tecnologia do
Centro de Tecnologia da UFPb dão conta de que,
nessas atividades, as condições de trabalho são
muito críticas. A título de exemplo, bem como
pela importância que reveste, abordaremos essas
condições através do caso específico da atividade
canavieira.

8.1.1. As condições de vida e


trabalho dos assalariados da cana na
Paraíba

Na atividade canavieira, as jornadas


de trabalho são muito longas, podendo alcançar
até dez horas. Ganha-se por diária, avaliada
através da jornada cumprida. Só há carteira
assinada hoje, nas Usinas e Destilarias onde a
atuação dos Sindicatos e a fiscalização do
80Apesar dos Censos de 1980 e 1985 indicarem a existência de um pouco
mais de 100 mil assalariados no campo paraibano, os dados colhidos junto
aos sindicatos dão conta de que nos anos 80, durante os períodos de pique
da atividade canavieira, esse número correspondia aproximadamente à
mão-de-obra voltada para aquela atividade. Isso devido à maciça
incorporação de trabalhadores sazonais oriundos de outras regiões e
inclusive de outros Estados para trabalhar no corte da cana.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 373

Ministério do Trabalho é mais significativa. Nas


propriedades dos fornecedores de cana, além de
não haver carteira assinada, não é fornecido
comprovante de pagamento. Ganha-se por diária,
avaliada através da jornada cumprida e da
qualidade do trabalho realizado, ou, o que é mais
comum, por produção/tarefa, que “exige a
quantificação do trabalho realizado, o que se dá
através de mensurações que utilizam
instrumentos e unidades de medida, em geral
não oficiais” (ADISSI & SPAGNUL,1989:51).
No corte e no plantio da cana, a
unidade de medida de comprimento utilizada é a
braça ou a braça corrida; as unidades de área são
o cubo, e a conta; as unidades de peso são a
tonelada e a carga (v. quadro XXXIV). Os
instrumentos de medição são a vara e a balança
manual.
Na prática, as estratégias patronais
contra os trabalhadores se apresentam bastante
lesivas por ocasião das medições, pois os
instrumentos são viciados e não fiscalizados pelos
órgãos competentes e não se leva em conta a
qualidade diferenciada da cana. Na verdade, onde
a subtração do trabalho ocorre mais
freqüentemente é na medição da área cortada de
cana, pois a vara não mede de forma linear
rigorosa, realizando “saltos” de área que não são
computados no pagamento dos canavieiros.
No que se refere às obrigações
trabalhistas, estas inexistem para os assalariados
clandestinos. Estes, além de não terem carteira
assinada não percebem décimo terceiro salário,
férias, nem dias de repouso (domingos e
373
374 Emília Moreira e Ivan Targino

feriados). Vários descontos indevidos (falta ao


serviço por motivo de doença, por exemplo), são
feitos nos seus salários.
Vários outros aspectos agravam as
condições de trabalho e de vida dos assalariados
da cana:
a) a precariedade do transporte para
o local de trabalho. Geralmente são utilizados
tratores ou caminhões apropriados para o
transporte de cana (os “gaiolões”). Os
trabalhadores vão junto com as ferramentas e
produtos químicos, desprovidos de qualquer
segurança, o que aumenta os riscos de acidente;
b) o não fornecimento de água
potável nos canaviais. Como as propriedades não
fornecem água potável, é comum a utilização
pelos trabalhadores da água das fontes que
jorram nas bases das vertentes dos tabuleiros, de
barreiros ou de rios e riachos. Considerando-se o
elevado grau de utilização de agroquímicos na
cultura da cana, e a possibilidade de
contaminação do solo e da água, este fato
aparentemente “natural”, passa a representar um
risco para a saúde dos trabalhadores. Por outro
lado, chama a atenção a reutilização generalizada
pelos assalariados da cana, de recipientes vazios
de agrotóxicos como depósito para a água que
levam ao campo;
c) a falta de equipamentos de
proteção (luvas, máscaras, botas, macacões),
bem como o não fornecimento de leite para
atenuar os efeitos danosos dos produtos tóxicos.
Sabe-se que os acidentes durante o corte da cana
são muito comuns. É raro encontrar um
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 375

trabalhador que não tenha sofrido um corte. Em


virtude da posição em que se trabalha, as partes
do corpo mais atingidas são os braços, as mãos e
as pernas, nunca protegidos pelos equipamentos
necessários. Isto sem falar que a ausência de
botas e luvas também expõe o trabalhador aos
riscos decorrentes da presença de animais
peçonhentos (cobras, lacraias, etc.). O manuseio
de produtos químicos sem qualquer proteção
pode provocar intoxicações;
d) o desgaste provocado pelo esforço
físico. Este tipo de desgaste provocado pelo tipo
de trabalho penoso a que são submetidos os
canavieiros, muitas vezes obrigados a cortar até
100 braças de cana por dia para cumprir uma
tarefa determinada pelo “gato”, a carregarem
sacos de adubos de até 50 quilos nas costas, por
largas extensões de terra, regra geral famintos e
enfraquecidos, tem acarretado problemas ósteo-
articulares (artralgias, lombalgias, distenção
muscular, bursites, hérnia de disco, etc.) e o
aparecimento de lesões de esforço repetitivo
(LER) em aplicadores de agrotóxicos que utilizam
repetidamente o dedo polegar para acionar a
alavanca do pulverizador costal. A aplicação de
adubos é muito praticada pelas mulheres. Esta é
uma forma encontrada pelos patrões para
reduzirem os custos salariais uma vez que, regra
geral, elas percebem salários inferiores aos dos
homens. Nessas mulheres constata-se entre
outros, a queda precoce de bexiga e útero. As
grávidas sequer têm assegurado o direito à
licença maternidade garantido em lei.

375
376 Emília Moreira e Ivan Targino

e) o descumprimento da lei de sítio.


Isto é, a não concessão aos moradores de uma
área de dois hectares para plantio de subsistência
no interior da propriedade;
f) a presença de cabos e
administradores munidos de revólver e
espingarda, intimidando os trabalhadores e os
delegados sindicais.
Os índices de miséria da Zona
Canavieira paraibana, onde se concentram os
assalariados, são alarmantes: falta luz elétrica,
instalações sanitárias, água encanada, para ficar
no elementar. A taxa de analfabetismo é de mais
de 80%, a expectativa de vida de menos de 50
anos e a renda familiar média atinge apenas 40%
do salário mínimo (CALHEIROS, C. & PINTO,
L.1991:10), apesar do piso salarial dos
canavieiros ser de um salário mínimo nacional
mais 10%. Neste quadro de pobreza e exploração
a luta dos assalariados deixa de ser por terra e se
centra em torno das reivindicações por melhores
condições de trabalho e salário. Nessa direção,
destaca-se a atuação dos Sindicatos, sobretudo
daqueles situados nas regiões do Litoral e do
Agreste-Brejo.

8.1.2. Breve histórico da organização e


luta dos assalariados

As mobilizações sindicais remontam


ao período pré-64, com as Ligas Camponesas
reivindicando a regulamentação das relações de
trabalho, o pagamento do salário mínimo e a
extensão ao campo das mesmas garantias dadas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 377

aos trabalhadores urbanos. Em 1963, o Estatuto


da Terra assegurava em lei esses direitos, mas a
legislação trabalhista não foi cumprida no Estado,
apesar das mobilizações das Ligas.
Após o golpe de 64, a correlação de
forças no campo pendeu para o lado dos patrões
e se manifestou através da dissolução do
movimento mediante repressão, intervenção nos
sindicatos existentes e criação de novos 81,
afastamento e/ou eliminação de lideranças,
nomeação de dirigentes pelegos, implementação
de uma política assistencialista lesiva aos
trabalhadores.
Apesar de tentativas de rearticulação
do movimento, somente em 1979, com uma
conjuntura de ascensão da sociedade civil contra
o Estado militarista, é que começam a se
mobilizar alguns segmentos de trabalhadores
para uma luta contra a seca, em torno da política
agrícola e por melhores condições de vida e
trabalho. Naquele ano, realizou-se em Brasília o III
Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais,
aprovando a organização da categoria por frentes
de luta: assalariados, pequena produção ou
política agrícola, seca, etc.
Na Paraíba, as indicações do III
Congresso são assumidas principalmente pelos
grupos de militantes e assessores dos centros e
serviços da Igreja, em conjunto com alguns

81Até 1964 tinham sido fundados 30 Sindicatos de Trabalhadores Rurais no


Estado, quer sob a influência das Ligas Camponesas, quer sob a influência da
Igreja Católica. No período de 1965 a 1982 foram criados 101 Sindicatos
(MACDONALD, 1995:103-4).
377
378 Emília Moreira e Ivan Targino

setores do movimento sindical e grupos de


assessoria.
Este conjunto de forças promoveu
com a Fetag o I Encontro de Assalariados da Zona
Canavieira da Paraíba, realizado em setembro de
1982 em Guarabira 82, onde as iniciativas já
existentes neste campo são unificadas num plano
comum e coordenadas pela “Comissão
Canavieira” .
83

8.1.2.1. As campanhas trabalhistas de


1982 a 1983
A primeira grande mobilização
planejada e organizada pela Comissão Canavieira
foi a “Campanha Trabalhista, que se desenvolveu
durante os anos de 1982 e 1983, até a realização
da primeira greve em 1984. Os objetivos desta
campanha eram difundir entre os trabalhadores o
conhecimento dos “direitos”, estimular as ações
trabalhistas na justiça, até aquele momento
inexistentes, e propiciar uma aproximação dos
dirigentes sindicais, em geral pequenos
produtores, desta categoria em expansão, mas
sub-representada no movimento sindical.

82Participaram desse encontro, que marcou o início de um trabalho


articulado com os canavieiros, 125 delegados, entre trabalhadores e
dirigentes sindicais, representando 29 Sindicatos de Trabalhadores Rurais da
Zona Canavieira.
83A Comissão Canavieira era formada por dirigentes sindicais da zona
canavieira e por trabalhadores da Pastoral Rural das Dioceses de João Pessoa
e Guarabira, e contava com a assessoria da “Comissão Justiça e Paz” de
Campina Grande, do “Centro de Orientação dos Direitos Humanos” (CDDH) e
Serviço de Educação Popular (SEDUP), da Diocese de Guarabira e do Grupo
de Pesquisa e Assessoria Sindical da UFPb, de Campina Grande, e do
CENTRU. A coordenação era da Fetag, mas o grupo de trabalhadores e
assessores da Igreja mantinha hegemonia na comissão.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 379

Em outras palavras, a Campanha


Trabalhista tinha como objetivo preparar o
terreno e criar as condições organizativas para as
“Campanhas Salariais” e os “Dissídios Coletivos”,
como vinha acontecendo em Pernambuco desde
1979.
No ano de 1983, três momentos
marcaram a campanha trabalhista:
a) a comemoração do 1 o de Maio,
realizada em Sapé, no coração da zona
canavieira, com a participação de 18 STRs e de
mais de seis mil trabalhadores, que teve como
tema central a luta pelos direitos;
b) o lançamento da campanha
trabalhista em nível do Estado. Realizado em
Alagoa Grande, no dia 27 de agosto, poucos dias
após o assassinato de Margarida Maria Alves,
presidente daquele Sindicato 84, este ato
representou uma resposta do movimento sindical
e popular a um crime com claras conotações
políticas, que visava fazer cair no nascedouro o
movimento trabalhista;
c) a campanha pelo pagamento do 13 o
salário dos canavieiros, iniciada em dezembro,
quando os trabalhadores, pela primeira vez,
receberam uma parte de seus direitos, e que foi
considerado pelos dirigentes como o primeiro
resultado econômico das mobilizações
trabalhistas.

84Esse dia tinha sido escolhido por Margarida para realizar o lançamento da
campanha trabalhista no seu município.
379
380 Emília Moreira e Ivan Targino

8.1.2.2. As campanhas salariais de


1984 a 1990

Durante o ano de 1984, todo o


trabalho foi direcionado para o lançamento do
Dissídio Coletivo e a preparação para uma
possível greve. Os Sindicatos foram organizados
por “pólos sindicais” que assumiram um papel
central na articulação do trabalho com os
assalariados, sob a direção da Fetag, da Contag e
de suas assessorias, substituindo
progressivamente o papel da Comissão
Canavieira. 85
Essa mudança de direção significou
certa desarticulação do comando unificado,
representado pela comissão canavieira. A partir
desse momento a responsabilidade do trabalho
passou a depender da atuação de cada pólo
sindical. Representou igualmente a aplicação na
Paraíba do modelo de dissídio coletivo implantado
em Pernambuco, pela Fetape e Contag.
Entre as alternativas que se
apresentavam para o movimento sindical, havia a
realização de uma Convenção Coletiva sem greve
regulamentada pela CLT (“dissídio frio”), a
realização de uma negociação direta entre
empregadores e trabalhadores sem recorrer à
mediação da justiça (que poderia eventualmente
desembocar numa greve ilegal) e a realização de
85Houve, desde o começo, uma disputa pela direção do trabalho com os
assalariados, entre a Comissão Canavieira e a direção da Fetag e da Contag.
O momento de maior tensão aconteceu no Encontro realizado em julho de
1983, quando prevaleceu a posição da Contag de não partir para a greve,
contra a posição de outros grupos de sindicalistas e assessores favoráveis à
deflagração do movimento grevista já naquele ano.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 381

um Dissídio Coletivo via Lei de Greve (“dissídio


quente”) que foi a proposta que prevaleceu. 86
Optar pela lei de greve, no
entendimento da Contag, significava utilizar todos
os complicados trâmites legais desta lei - que são,
de fato, dispositivos “anti-greve” 87 para tentar
“romper por dentro” os limites da lei, pela força
da mobilização dos trabalhadores, minimizando
assim as possibilidades de uma intervenção
repressiva do governo e dos patrões. Como
argumenta Romeu da Fonte, advogado da Fetape
e assessor da Contag:

“Com essa mobilização,


aliando-se a uma certa
criatividade jurídica, dá para
romper esta lei. Dá para se
conseguir que a greve não seja
declarada ilegal e evitar que
daí venham as conseqüências
piores da lei anti-greve que são
as punições, não pagamento
dos dias de greve e sobretudo
o aumento desenfreado da
repressão. Usineiro e Senhor
de Engenho é truculento no
86Para uma melhor compreensão dessas definições, veja Cadernos do CEDI,
1985.
87A lei no. 4.330 prevê, entre outros dispositivos, a realização de uma
assembléia para a aprovação da pauta de reivindicações com “quórum” de
2\3 da categoria em primeira convocação e votação com escrutínio secreto.
Após a negociação com os patrões, que pode durar no máximo cinco dias, a
matéria passa para decisão do tribunal. A greve pode ser realizada somente
até a sentença do tribunal. Se ela continuar após essa data, será considerada
ilegal. Os patrões podem também recorrer ao Supremo Tribunal Federal e
pedir o “efeito suspensivo”para todas ou para parte das cláusulas julgadas.
381
382 Emília Moreira e Ivan Targino

sentido da palavra. As lutas


que se dão dentro dos
engenhos não são como as da
capital, onde os meios de
comunicação estão próximos e
a repressão é contida pela
própria sociedade que observa
mais de perto, pelos meios de
comunicação... No campo, o
espaço para a repressão é
muito maior ... Daí o desafio de
cumprir o ritmo da lei de
greve, por dentro, rompendo, e
não é somente de cumprir,
também alargar por dentro e
frustrar os objetivos anti-greve
desta lei” (CEDI, 1985:36).

Esse esquema, aplicado com relativo


sucesso em Pernambuco desde 1979, e que
diferencia as greves dos canavieiros do Nordeste
daquelas dos “bóias-frias” de São Paulo, encontra
algumas dificuldades. A lei prevê que os
proprietários sejam notificados com antecedência
e dentro dos moldes legais, evitando assim
qualquer possibilidade de um “efeito surpresa”. A
mobilização é direcionada tanto para pressionar
os patrões como a justiça do trabalho e permitir
um julgamento rápido e o mais favorável possível
aos trabalhadores. O próprio trabalho de
mobilização é realizado de forma intensiva nas
semanas imediatamente anteriores ao dissídio,
até o julgamento, mas não continua da mesma
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 383

forma no período sucessivo, para garantir a


aplicação dos acordos.
Além dessas dificuldades, na Paraíba,
a própria pauta de negociação foi elaborada pela
Contag, tendo como modelo os dissídios de
Pernambuco e do Rio Grande do Norte que não
correspondem à realidade do processo de
trabalho do Estado, sem uma participação efetiva
dos trabalhadores e dirigentes.
Mas, apesar dessas limitações que
terão suas repercussões sobre o ciclo de greve
sucessivas, a primeira greve dos canavieiros da
Paraíba se constitui num marco histórico do
processo de organização da categoria. A
participação dos canavieiros foi massiva, inclusive
naqueles municípios onde os dirigentes sindicais
eram pouco atuantes, mostrando que os
trabalhadores só estavam esperando um
chamado para se mobilizarem.
Durante a campanha salarial firmou-
se um acordo, avalizado por assessores e
lideranças da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura, no qual constavam
os seguintes pontos: elaboração de tabela de
tarefas, fixação da jornada de trabalho em oito
horas, salário igual para todo trabalhador acima
de 16 anos (homens e mulheres), cômputo do
tempo de deslocamento do trabalhador (ida e
volta) como tempo de trabalho, remuneração do
domingo, remuneração em dobro para o trabalho
aos domingos, remuneração adicional por hora
extra e serviços perigosos à saúde, fornecimento
de leite, pagamento do salário-família,
pagamento do salário integral em caso de falta
383
384 Emília Moreira e Ivan Targino

por doença ou acidente de trabalho, proibição do


trabalho com veneno para mulheres e menores
de dezoito anos, licença maternidade, lei do sítio
(até dois hectares para cada morador há um ano
na propriedade); estipulações de moradia, escola,
transporte seguro; fornecimento pelo patrão de
ferramentas, água potável, equipamentos de
proteção; carteira assinada; estipulações de
forma de pagamento; amparo à atuação sindical,
etc.
De 1984 até 1990, apesar da pauta
básica do movimento ter apresentado novas
reivindicações, a convenção entre patrões e
empregados foi a mesma de 84. Ou pior, pois em
1985, ao acréscimo de ganho de 50,0% para os
trabalhadores, os patrões reagiram com um
acréscimo de 50,0% na tabela de tarefas, o que
praticamente invalidou o ganho inicialmente
conquistado.
Da Comissão Canavieira original,
saíram as principais lideranças sindicais cutistas
na Paraíba,88 com proposta de mobilização nos
sindicatos, uma pauta básica por salário, tabela
de tarefas, medição com trena metálica e
estabilidade do delegado sindical. Como ações
coletivas pelo cumprimento do salário e da
tabela, a Central passou a recomendar o
paradeiro, a ação coletiva na justiça, passeatas e
denúncias das empresas que infligissem o
dissídio, além do preparo de lideranças para

88A CUT foi fundada na Paraíba em agosto de 1983. A atuação direta da CUT
no campo se fortalece após a criação do Departamento Estadual de
Trabalhadores Rurais em 1989.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 385

atuarem na quantificação das tarefas dos


trabalhadores rurais.
Ao longo desse processo de luta,
firmaram-se algumas características relevantes
que é importante remarcar:
a) o movimento paraibano se insere
em um movimento mais amplo, a nível de
Nordeste, tendo como ponto de irradiação
Pernambuco e se espraiando pelo Rio Grande do
Norte, Alagoas e Sergipe;
b) assim como há diferenciações
internas intrarregionais no movimento, há formas
diferenciadas de luta em nível externo ao Estado,
nas sub-regiões e municípios, a depender da
experiência passada e acumulada de luta, do
envolvimento dos respectivos dirigentes sindicais
nas campanhas salariais, das concepções de
mobilização, entre outros fatores;
c) houve um deslocamento do eixo de
mobilização do aspecto legalista das primeiras
campanhas para novos eixos de luta, tais como as
propostas da CUT que alcançam atualmente a
perspectiva de campanha unificada em termos de
Nordeste;
d) a construção e elaboração das
pautas de negociação democratizaram-se
mediante novos procedimentos de participação
das bases. As campanhas salariais passaram a ser
preparadas por fases: esclarecimento,
mobilização e organização em assembléias
sindicais; notificação dos patrões;
desencadeamento da greve com piquetes para
assegurá-la; realização da convenção ou do
385
386 Emília Moreira e Ivan Targino

dissídio entre as partes; ações de cumprimento


dos acordos mediante paradeiros; ações coletivas
na justiça; passeatas e concentrações na
Delegacia Regional do Trabalho. Como já foi
mencionado no primeiro item do capítulo, o
movimento conta com o apoio de assessorias dos
próprios sindicatos, de órgãos não
governamentais (ONG’S) e a presença de setores
da Igreja Católica.
A reação dos proprietários varia do
aliciamento de trabalhadores clandestinos de
outras regiões para substituírem os grevistas, ao
condicionamento de acordos trabalhistas ao
aumento do preço da cana pelo Governo, ao não
cumprimento do dissídio, respaldados na
intimidação armada, muitas vezes com desfechos
violentos. Em doze de agosto de 1983, a
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Alagoa Grande, Margarida Maria Alves, à
frente da campanha salarial com 34 ações
trabalhistas encaminhadas à justiça, foi
assassinada e outros crimes semelhantes têm-se
repetido e permanecido impunes.
A suposta omissão do Estado diante
deste quadro, de fato, acaba por garantir a
propriedade privada e assegurar condições para a
exploração dos trabalhadores pelos proprietários
rurais. Neste sentido, tal omissão se manifesta de
diversas formas: através da não fiscalização dos
instrumentos de medidas de produção, das
sentenças produzidas na Justiça do Trabalho,
conferindo legalidade a níveis salariais muito
baixos e da não fiscalização do cumprimento do
dissídio coletivo pela Delegacia Regional do
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 387

Trabalho. Na verdade, o desaparelhamento dos


órgãos de Governo para o exercício de suas
funções não é gratuito e permite o
descumprimento da lei pelos proprietários.
Além destas forças contrárias, o
movimento sindical dos assalariados rurais
enfrenta outras dificuldades:
a) a segmentação dos trabalhadores.
Devido às formas diferenciadas de recrutamento
de mão-de-obra e de inserção no processo
produtivo, existem categorias bastante
diferenciadas de trabalhadores. Isto torna a ação
sindical muito complexa, pois, numa única
unidade produtiva são encontradas várias
categorias (motoristas, assalariados, operários e
técnicos da parte industrial) com datas-base de
dissídio distintas e níveis diferenciados de
organização;
b) a sazonalidade da mão-de-obra, a
distância entre o local de moradia e os locais de
trabalho, a simultaneidade de trabalho em mais
de uma propriedade por parte dos trabalhadores
dificultam a mobilização sindical;
c) a unificação das campanhas
salariais a nível regional se complica pelas
diferentes datas-base dos dissídios, a diversidade
de processos de trabalho nos vários espaços
agrários, a falta de um salário unificado e os
níveis diferenciados de organização sindical;
d) a dificuldade de mobilização se
agrava com o alto índice de desemprego no setor,

387
388 Emília Moreira e Ivan Targino

em conseqüência da mecanização agrícola,


afetando as bases do movimento;
e) as contradições de interesses entre
a categoria de assalariados e a de pequenos
produtores gera a heterogeneidade de
reivindicações no interior dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais e coloca como desafio a
construção da unidade da classe trabalhadora;
f) o rígido controle dos proprietários
sobre os trabalhadores, mediante o uso da
violência e de práticas assistencialistas, inclusive
prendendo nas usinas a mão-de-obra durante o
período do corte, atemoriza e dissuade os
empregados de participarem do movimento.
Atualmente, os assalariados da cana-
de-açúcar enfrentam um novo grande desafio
conjuntural devido à “crise” do Proalcool. Os
fornecedores de cana e usineiros estão
diminuindo a área plantada com cana e
substituindo-a pelo capim ou outras culturas que
absorvem menos mão-de-obra e que pagam
salários ainda menores. Além disso, o processo
recessivo desencadeado pelo Plano Collor, a seca
que assolou o Estado em 1993, a desarticulação
da atividade cotonicultora, a crise do sisal, a
expansão da pecuária (atividade
caracteristicamente poupadora de mão-de-obra),
pelo Agreste-Brejo e até mesmo no Litoral, a
dificuldade de se obter terra para roçado, entre
outros fatores, vêm fechando também outras
fontes tradicionais de emprego, agravando a
miséria e a fome, com conseqüências dramáticas
e imprevisíveis para os assalariados.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 389

8.2. A luta pela terra

Segundo Martins,

“O próprio capital impôs, no


Brasil moderno, a luta pela
terra, como luta contra a
propriedade capitalista da
terra. É a terra de trabalho
contra a terra de negócio”
(MARTINS, 1991:56).

Para o homem do campo, a terra


representa não apenas a possibilidade de sua
sobrevivência, mas também a garantia de poder
permanecer com sua família no seu local de
origem, livre da sujeição do cambão ou do
trabalho alugado. A terra constitui ainda para o
camponês o único bem e a única herança passível
de ser deixada para a família. Em outras palavras,
a terra confere dignidade ao pequeno produtor.
No Brasil, porém, são poucos aqueles
que detêm a posse da terra: de 600 milhões de
hectares aptos para o desenvolvimento da
atividade agropecuária, 420 milhões estão nas
mãos do latifúndio (IBASE, 1993 apud CAMARGO,
1994). Na verdade, o Estado brasileiro nunca se
interessou em democratizar o acesso à terra. Ao
contrário, através das políticas e programas
agrícolas que desenvolve, vem contribuindo para
viabilizar a dominação do capital no campo,
abrindo os caminhos necessários para a
389
390 Emília Moreira e Ivan Targino

exploração da agricultura de modo capitalista em


grandes unidades de produção. O resultado disso
é a expulsão/expropriação maciça do produtor
direto.
Esse processo nem sempre ocorre de
forma passiva. A ele, parcela significativa da
população rural reage, dando origem aos conflitos
agrários. O conflito surge então como uma forma
de resistência do camponês à sua expropriação.
Como bem o diz Martins,
“O nível de expropriação foi
tão longe que acabou
produzindo um fato político
que é a resistência” (MARTINS,
1991:31).

Por outro lado, depois de expulsos,


muitos trabalhadores, inconformados com as
condições de vida encontradas nas periferias das
cidades (pontas de rua e favelas), se
reorganizam, buscam latifúndios improdutivos e
os ocupam, o que deriva também em conflito.
Em outras palavras, o conflito de terra
é fruto do choque de interesses entre capital e
trabalho representado, de um lado, pela
necessidade de subordinação da produção à lei
do lucro e, do outro, pelo direito de permanecer
na terra, de viver na terra e garantir a
sobrevivência da unidade familiar de produção.
Na Paraíba, foram registrados entre
1970 e 1996 mais de 200 conflitos de terra, 89
distribuídos em 57 municípios (v. mapa da
89Aqui se incluem as áreas objeto de denúncias e aquelas cujo conflito teve
um desfecho favorável ou não para a classe trabalhadora.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 391

distribuição dos conflitos in: MOREIRA,1996). Eles


abrangeram mais de cem mil hectares (quase
10% da área utilizada com lavouras em 1980) e
envolveram mais de oito mil famílias (cerca de
quarenta mil pessoas). Concentraram-se
basicamente no Litoral e no Agreste (mais de
90,0% do total). Aí também encontrava-se o
maior número de famílias envolvidas nos conflitos
pela posse da terra. 90
No Litoral, a luta camponesa tem
ocorrido de modo disseminado, tanto em
municípios tradicionais produtores de cana, como
naqueles onde o Proalcool promoveu sua
expansão recente. Porém, nesses últimos sua
incidência é maior. Neles, até 1975, a organização
do espaço baseava-se numa policultura alimentar
praticada por posseiros e arrendatários e na
produção do coco-da-baía. As grandes
propriedades eram ocupadas pela Mata Atlântica
e pelos Cerrados dos tabuleiros, pontilhados por
clareiras formadas pelos roçados dos
arrendatários e por sítios ocupados por posseiros.
O avanço da cana, como já foi
mostrado no segundo capítulo, deu-se tanto sobre
a vegetação natural quanto sobre os roçados e os
sítios, promovendo a expulsão/expropriação dos
pequenos produtores rurais. A resistência
camponesa ao avanço da cana e à conseqüente
expulsão/expropriação, deu origem a um grande
número de conflitos de terra, alguns dos quais de

90Informações mais detalhadas sobre os conflitos de terra na Paraíba


poderão ser encontradas in: MOREIRA, Emilia de Rodat Fernandes. Por um
pedaço de chão. João Pessoa, Ed. Universitária, 1996.
391
392 Emília Moreira e Ivan Targino

repercussão internacional, como o conflito de


Camucim.
No Agreste, as áreas de maior
ocorrência dos conflitos nos últimos vinte e
seis anos correspondem:
a) às Microrregiões de Itabaiana,
Guarabira e Brejo Paraibano, onde a cana-de-
açúcar e a pecuária expandiram-se na década de
70 sobre a policultura alimentar e comercial,
inclusive sobre áreas antes ocupadas com o
algodão herbáceo;
b) à Microrregião do Curimataú
Oriental, área de fortalecimento da atividade
pecuária nos anos 70 e 80;
c) a alguns municípios situados na
porção norte da Microrregião de Campina Grande,
zona de forte expressão da policultura alimentar
e comercial onde a atividade criatória também se
expandiu consideravelmente nas últimas décadas
(v. mapa da distribuição dos conflitos in:
MOREIRA,1996).
No Cariri, os conflitos identificados são
em pequeno número, concentrados em Monteiro,
Sumé e São João do Cariri.
No Sertão, eles aparecem nas áreas
de Perímetro Irrigado como o de São Gonçalo, o
do Açude de Pilões e o de Riacho dos Cavalos e
também em municípios isolados como Patos e
São José do Bonfim (v. mapas relativos aos
conflitos e às famílias neles envolvidas in:
MOREIRA,1996). Nessas áreas a luta pela terra se
confunde com a luta pelo acesso à água. As áreas
de conflito aqui, na sua grande maioria,
localizam-se em torno das barragens.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 393

Em maio de 1996 eram 64 as áreas de


conflito sem solução pela via da reforma agrária
na Paraíba (v. quadro XXXVIII e mapa
concernente in: MOREIRA, 1996). Várias dessas
áreas não têm renovado denúncia ao Incra desde
algum tempo, o que pode ser um indicador seja
de desistência da luta por parte dos
trabalhadores, seja de concretização do processo
de expulsão. Algumas, como a fazenda Sapé, em
Alagoa Grande, Imbiras 2 e 4 em Alagoa Nova,
Acauã, em Sousa, Boa Idéia em Massaranduba,
Capim/Pindoba, em Mamanguape, entre outras,
estavam em maio de 1996 com decreto de
desapropriação já assinado porém aguardando
emissão de TDA para ajuizamento da ação. Essas
áreas deverão estar fora dessa lista muito
brevemente (v. quadro XXXVIII). Outras, embora
desapropriadas, encontravam-se subjúdice e com
o conflito agravado pela pendência judicial (v.
quadro XXXVIII). O mais grave conflito pela posse
da terra do Estado da Paraíba em setembro de
1996 era o da Fazenda Gomes, em Alagoa
Grande.

8.2.1. A dinâmica dos conflitos

Na grande maioria dos conflitos


cadastrados, a concretização da subordinação da
exploração agropecuária à lógica capitalista se
faz pela mudança nas formas de utilização do solo
e nas relações sociais de produção.

“Os proprietários expulsam os


moradores, arrendatários ou
393
394 Emília Moreira e Ivan Targino

posseiros para plantar capim,


cana-de-açúcar, abacaxi ou
agave” (FETAG, 1982:6).

Isto é, procura-se explorar aquelas


culturas que asseguram uma maior lucratividade,
mesmo que esta seja gerada artificialmente pelos
subsídios governamentais. Por outro lado, a
necessidade de explorar racionalmente a terra
não permite que ela seja distribuída entre
parceiros e arrendatários, bem como impõe um
novo ritmo de trabalho que é melhor satisfeito
pelo assalariamento temporário.
O processo de expulsão, em grande
número dos casos, se inicia seja com a morte do
antigo dono, quando a terra é subdividida entre
os herdeiros, seja por ocasião da venda da
propriedade. Durante a administração dos antigos
donos, apesar de “sujeitos”os moradores tinham
garantidos os direitos adquiridos através dos
contratos verbais com eles feitos (sítio, água,
lenha e moradia, em troca de serviço gratuito). O
acesso à terra aos foreiros, parceiros e posseiros,
mesmo que precário, também era permitido.
“O antigo dono representa o
proprietário tradicional que
favorece as relações
clientelistas com seus
trabalhadores e resiste a
mudanças no sistema de
exploração da terra. Esse
período é geralmente
lembrado pelos assentados
como de uma relativa
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 395

tranqüilidade” (CAMARGO,
1994:118).

À transferência de titularidade e ao
subseqüente parcelamento do imóvel segue-se,
via de regra, um processo de venda. Na maioria
dos casos, os trabalhadores não são notificados,
nem lhes é concedido o direito de preferência,
garantido pelo Estatuto da Terra. Esse
descumprimento da lei abre uma brecha para que
eles recorram à justiça, dando início à luta contra
a expulsão-expropriação.

“Os proprietários vendem a


outros sem notificar aos
moradores que vivem na
propriedade há muitos anos,
de 10 até 60 anos” (FETAG,
1982:6).
Por outro lado, ao adquirir a terra, o
novo dono a quer desimpedida de qualquer
obrigação trabalhista, bem como, regra geral,
também deseja explorá-la de forma diferente.

“ (...) os patrões começam a


pedir as casas dos moradores,
botam gado nas posses dos
trabalhadores, plantam capim
nos roçados antes da colheita
ser feita, derrubam as casas
dos moradores, amedrontam
os trabalhadores com
capangas, jagunços, prometem
395
396 Emília Moreira e Ivan Targino

botar na cadeia e provocam


todo tipo de ameaças; quando
a expulsão não é direta, é de
forma indireta: os patrões
proibem de plantar roçado, de
criar animais, de recolher
lenha, de tomar água, ou
entregam terrenos muito
fracos ou muito longe, etc.”
(FETAG, 1982:6).

A esse processo os trabalhadores


reagem de várias formas: arrancando o capim ou
a cana, plantados no lugar dos seus roçados e
refazendo-os através do sistema de mutirão;
entrando na justiça com solicitação de
manutenção de posse; acampando em praça
pública; ocupando a sede local do Incra;
denunciando a violência dos donos em nível
regional, nacional e internacional, através da
imprensa, da Igreja e de outras entidades de
apoio. As ações abaixo se destacam, pela força
que se revestem e pela repercussão que
promovem:

• a resistência do plantio
A luta pela terra na Paraíba traz
embutida a luta contra a subordinação da terra à
monocultura e à pecuária. Ela representa, ainda,
a luta dos que têm fome de alimentos contra os
que têm fome de lucro. É neste sentido que se
coloca a resistência ao plantio de “culturas de
rico” e de “pasto”. Concretamente essa
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 397

resistência se expressa através de ações do tipo


“arranca-capim”ou “arranca-cana” seguida do
replantio do feijão, do milho, da roça (mandioca).
Para isso os camponeses contam, via de regra,
com o apoio dos companheiros de outras áreas de
conflito ou de assentamento e de assessores, em
particular, de representantes da Igreja. Os
roçados são refeitos com trabalho coletivo em
forma de mutirão (CAMARGO,1994);

• As formas de pressão: o acampamento

O acampamento na sede do Incra ou


em praça pública constitui uma das estratégias
de luta dos trabalhadores. Esta é utilizada como
um dos últimos recursos para fazer deslanchar a
ação do Estado, no sentido de tentar vencer as
barreiras impostas pelos impasses de ordem
jurídica. De outro lado, ele representa uma forma
de fugir à violência dos donos, de ampliar o apoio
no seio da sociedade civil e de divulgar o conflito
(CAMARGO,1994). 91

“No dia 5 de julho os 600


trabalhadores, de várias áreas,
inclusive os moradores de
Sede Velha e Corvoada
acamparam em frente ao
palácio do Governo e
ocuparam o palácio exigindo
91A esse respeito leia-se CAMARGO. Da luta pela terra à luta pela
sobrevivência na terra: resgate da discussão e exemplos concretos
de reforma agrária na Paraíba. João Pessoa, Dissertação de Mestrado em
Ciências Sociais, UFPb, 1994.
397
398 Emília Moreira e Ivan Targino

uma solução para o problema


de Abiaí” (CPT:1995).

Essas diversas formas de organização


e reação dos trabalhadores não são suficientes
para frear o processo de expulsão. Ao contrário,
os patrões tanto não desistem como valem-se das
mais diversas formas de ação para concretizar tal
processo. Eles vão desde a tentativa de
persuasão (arremedo de indenização) até a
violência.
8.2.2. A ação dos mediadores

A reação organizada dos


trabalhadores à expulsão/expropriação e sua
relação com o Estado e com o patronato se faz
pela mediação de órgãos de classe, da Igreja
Católica, ou ainda de centros e grupos de
assessorias. Vale ressaltar que no desenrolar do
conflito essas forças desempenham um papel
fundamental na sua sustentação. Com efeito,
aqueles conflitos que tiveram um desfecho de
certo modo favorável aos trabalhadores (Árvore
Alta, Alagamar, Camucim, Capim de Cheiro,
Fazendas Corvoada e Sede Velha do Abiaí, etc.),
foram exatamente aqueles onde essas
instituições atuaram de forma maciça. A
mediação dessas organizações, contudo, não é da
mesma natureza. Enquanto os organismos de
classe agem, principalmente, pelos canais
institucionais (representação junto ao poder
executivo, petições ao Incra, encaminhamento
judiciário, etc.), a ação da Igreja e dos grupos de
assessoria dirige-se muito mais para a elevação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 399

do nível de consciência política, contribuindo para


fortalecer a organização dos trabalhadores,
fundamental para a manutenção e sustentação
da luta. Vale destacar o papel desempenhado
pela Igreja Católica através da Comissão Pastoral
da Terra, dos Centros de Defesa dos Direitos
Humanos, do Serviço de Educação Popular da
Diocese de Guarabira e das CEBs, seja na
condução da luta, seja na mediação dos
interesses dos trabalhadores junto às diversas
instâncias do Estado (órgãos de terra como Incra
e Interpa, governos estadual e federal, justiça,
etc.).

8.2.2.1. A Igreja

Como mediadora dos conflitos a


Igreja, através dos seus setores mais
progressistas, desempenha um importante
papel92. De um lado, ela dá sustentação à luta dos
trabalhadores quando se posiciona em seu favor,
divulgando o conflito, buscando o apoio da
sociedade civil, colocando advogados à disposição
dos trabalhadores e denunciando as ações de
violência dos donos e de seus prepostos. Através
de padres e agentes pastorais leigos, desenvolve
todo um trabalho de conscientização junto aos
pequenos produtores, buscando elevar seu nível
de consciência política e fortalecer sua
capacidade de organização.

92Não é a Igreja enquanto instituição que atua como mediadora dos


conflitos, mas seus segmentos mais progressistas representados por bispos,
padres, agentes pastorais leigos e entidades diversas como a CPT, as CEBS,
etc.
399
400 Emília Moreira e Ivan Targino

Esta, porém, nem sempre foi a


postura adotada pela Igreja Católica. Na verdade,
durante séculos, ela não só se posicionou a favor
dos detentores do poder político e econômico,
como foi parte deste poder. A história da Igreja
Católica no Brasil reflete essa tendência geral. Só
a partir da década de 50 foi se delineando
movimentos no seu interior que se posicionavam
claramente em favor dos trabalhadores e dos
oprimidos e como forma de freiar a influência do
Partido Comunista junto ao homem do campo
(MEDEIROS, 1989:76). Eram movimentos
marginais e que, via de regra, eram vistos com
suspeita pela alta hierarquia eclesiástica. Com o
Concílio Vaticano II, a posição definida por estes
movimentos foi ganhando maior importância e,
em alguns momentos, chegou a ser assumida
pelas estruturas da Igreja. Mas mesmo nesses
momentos, não representava o pensamento da
totalidade do episcopado.
As Conferências episcopais de
Medellin (1968) e Puebla (1979) representaram
um momento importante da formulação e
consolidação da chamada opção preferencial
pelos pobres. Esta posição teve uma
fundamentação teológica através da chamada
Teologia da Libertação, cujos principais expoentes
no Brasil foram Padre Joseph Combln, Leonardo
Boff, Frei Beto, etc. No Brasil, foram precursores
dessa posição o Movimento da Ação Católica e a
constiuição da CNBB sob a influência de D. Hélder
Câmara, o Movimento de Educação de Base, os
Serviços de Assessoria Rural, etc. Porém, só
mesmo após a instalação do regime militar, em
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 401

1964, é que a Igreja brasileira foi assumindo o


papel de porta-voz das resistências ao regime,
passando a defender, de forma oficial, posições
de denúncia à situação de injustiça social e de
opressão política vivenciada no país.
Dentro desse contexto, em 1975, é
criada em Goiás, a Comissão Pastoral da Terra,
como um “serviço cristão à causa dos
camponeses e trabalhadores rurais do Brasil”. A
CPT irá desempenhar uma função aglutinadora
das forças que lutavam pela justiça social no
campo. Através da organização dos
trabalhadores, ela não só passa a defender os
direitos trabalhistas no campo mas, sobretudo,
começa a atuar em áreas de conflito, em conjunto
com dioceses, paróquias e comunidades eclesiais
de base, levantando a bandeira da reforma
agrária. Ela ainda presta assessoria a Sindicatos
de Trabalhadores Rurais, Associações de
Pequenos Produtores, movimentos sociais, etc.
Na Paraíba, essa nova postura da
Igreja Católica começa a tomar corpo nos anos
60. Inicialmente, ela foi mais significativa nos
segmentos urbanos do que no mundo rural. A
ação dos padres Aluísio Guerra, Juarez Benício e
Nóbrega, junto ao movimento estudantil
secundarista e universitário, e dos padres Antonio
Fragoso (ainda nos anos 50) e Everaldo Peixoto e
de alguns seminaristas como Nelson Araújo e
Afonso Lonsing, junto ao movimento operário, são
marcos dessa nova face da Igreja.
No campo, a sua ação em favor dos
trabalhadores surge como uma oposição à
401
402 Emília Moreira e Ivan Targino

influência do Partido Comunista e das Ligas


Camponesas. Nessa época, alguns padres
influenciados pelo movimento “Por Um Mundo
Melhor”e pela atuação dos padres Crespo e Melo
de Pernambuco, apoiaram a formação de alguns
Sindicatos de Trabalhadores Rurais, como uma
forma de contrapor-se às influências do PCB e das
Ligas junto aos camponeses. Essa ação, porém,
era muito tênue e exercida sob fortes reservas da
hierarquia católica paraibana. Exemplo disto foi a
oposição de D. Mário Villas Boas, então Arcebispo
da Paraíba, à proposição de alguns padres em se
instalarem nos municípios de Sapé e Mari,
principais centros das Ligas no Estado. Após o
golpe militar, mesmo este tímido e controvertido
aceno do clero em direção aos trabalhadores se
retrai.
A atuação da Igreja no campo, de
forma mais comprometida, irá ganhando mais
expressão através da tentativa de reorganização
da Ação Católica Rural (ACR) sob a coordenação
do Padre Joseph Servat e da Juventude Agrária
Católica (JAC), sob a coordenação dos padres
Nelson Araújo e Carmil Vieira.
Mas é só após a chegada de D. José
Maria Pires no Estado, em 1966, que a hierarquia
católica passa a tomar posição claramente
favorável aos trabalhadores rurais. A dura
realidade do campo encontrou abrigo na
sensibilidade de D. José para as questões sociais.
Segundo seu depoimento, visitando um
trabalhador doente na zona rural do Estado, foi
testemunha da prepotência do latifúndio. O dono
da terra colocara uma cerca que passava pela
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 403

porta dos fundos e saía pela porta da frente,


dividindo a casa do trabalhador ao meio. Este fato
foi decisivo segundo ele, no fortalecimento da sua
posição em defesa dos trabalhadores. Esta, foi
reforçada com a chegada de D. Marcelo
Carvalheira em 1975 (Guarabira) e de D. Luís
Gonzaga Fernandes, em 1982 (Campina Grande).
Essa nova forma de ser Igreja irá se
refletir até mesmo na maneira de condução da
formação clerical. Adotando os princípios da
“Teologia da Enxada”, busca-se, através de
experiências concretas de pobreza e trabalho
rural, pôr em prática a opção preferencial pelos
pobres assumida em Medellin e Puebla, a partir
da preparação de missionários pobres que
desenvolvem sua formação ao lado, e em
condições semelhantes, às dos excluídos. Grupos
de seminaristas passam a se deslocar para a
periferia de cidades do interior onde, além de se
dedicarem à tarefa de cultivar um roçado,
estudam e exercitam sua ação pastoral junto à
população mais humilde do lugar. Esta
experiência redundou na criação do primeiro
“Centro de Formação de Missionários
Camponeses” da América Latina, em
funcionamento no município de Serra Redonda. D.
José ainda proporcionou a vinda para a Paraíba de
vários agentes pastorais leigos e religiosos de
outras partes do Brasil e do exterior, que
assumiram a orientação da Pastoral no Campo,
enquanto agentes de conscientização e
organização da resistência camponesa à sua
expropriação em decorrência do processo de
modernização da agricultura que estava em
403
404 Emília Moreira e Ivan Targino

curso. Esses agentes da pastoral rural vão


marcando sua presença no apoio à luta pela terra
no Estado, sobretudo no Litoral e no Agreste-
Brejo.
Exemplo concreto da atuação da
Igreja nos conflitos de terra nos anos 70 foi a luta
de Alagamar nos municípios de Itabaiana e
Salgado de São Félix (CANTALICE, 1985). Muitas
outras lutas camponesas foram acompanhadas
pela Pastoral Rural da Paraíba até 1988
(Camucim, Cachorrinho e Coqueirinho, etc.).
Nesse ano, ela transformou-se formalmente em
Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A postura da CPT na Paraíba tem-se
pautado na defesa intransigente dos pobres da
terra. Seu trabalho não se resume ao simples
“apoio à luta”. Ele é bem mais amplo e embute: a
prestação de serviço de assessoria jurídica; a
denúncia de violência; o acompanhamento quase
diário dos trabalhadores em conflito; a divulgação
dos fatos em nível local, nacional e internacional;
a organização das romarias da terra; o trabalho
de formação da consciência política dos
trabalhadores e uma assistência infra-estrutural
(alimentação, transporte, colchões, lonas) por
ocasião dos acampamentos, além de assistência
médica e cobertura financeira quando se faz
necessário. À frente da CPT, destaca-se Frei
Anastácio Ribeiro, hoje coordenador na Paraíba e
na CPT Regional Nordeste.
Ao trabalho de padres, freiras e
agentes pastorais leigos ligados à CPT, se soma o
papel desempenhado pelas autoridades máximas
da Igreja estadual e regional. Estas, além de
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 405

garantirem com seu apoio a ação das bases, em


alguns casos são chamadas para intervir
diretamente. Sua presença nas áreas de conflito e
nos acampamentos, suas declarações na
imprensa e em eventos que participa, sua palavra
durante as cerimônias religiosas transformaram-
se, ao longo dos anos, num ato garantidor da
sobrevivência da luta. A força desta intervenção
se exprime, tanto em nível local como estadual e
regional, pelo impacto que promove junto à
sociedade civil e às instituições do Estado, tais
como os poderes executivo, legislativo e judiciário
levando-os, no mais das vezes, a agilizarem suas
ações. A voz da hierarquia da Igreja tem-se feito
ouvir também na luta contra a impunidade dos
assassinos e mandantes dos crimes contra
trabalhadores rurais.
D. Hélder Câmara, D. José Maria Pires,
D. Marcelo Carvalheira, e D. Luís Gonzaga, são
representantes da hierarquia progressista da
Igreja Católica que, no Nordeste e na Paraíba,
deram testemunho de sua opção pelos pobres,
apoiando a ação pastoral, os movimentos sociais
e populares, a ação sindical e hoje, a ação pela
cidadania. Em defesa da democratização da terra,
contra a fome e a miséria e pelo direito à
cidadania plena para os trabalhadores do campo,
eles colocam-se a favor de lavradores, posseiros e
índios, participam de negociações entre estes, os
órgãos de terra, o poder executivo e
proprietários, fazem denúncia e clamam por
justiça, ocupam espaços nos meios de
comunicação em defesa dos pobres e oprimidos.

405
406 Emília Moreira e Ivan Targino

Não resta dúvida que,

“(...) ao sacralizar a luta pela


terra como uma luta do “Povo
de Deus pela Terra Prometida”,
a Igreja abre para o
trabalhador uma forma de
legitimar, no sentido de
justificar para si mesmo, a
validade dessa luta. Assim,
lutar pela terra deixa de ser
uma transgressão às normas
de respeito a autoridade
instituída, para se tornar uma
luta “abençoada por Deus” e
portanto, de direito. Ou seja,
possibilita que se opere o
divórcio entre a lei e a justiça”
(CAMARGO, 1994:137).

Essa posição adotada pela Igreja


Católica tem sido pouco compreendida por
aqueles que sempre viram na mesma uma aliada
na defesa dos seus interesses, na manutenção
das desigualdades e injustiças sociais e na
inviolabilidade da propriedade privada. Daí as
perseguições, difamações e ameaças que sofrem
todos os representantes da Igreja progressista
que têm uma atuação mais efetiva junto à classe
trabalhadora, sobretudo a do meio rural. O fato é
que, ao se posicionar contra a violação do direito
ao trabalho e à terra, a Igreja deixa de ser apoio
para a classe dominante, da qual sempre foi
aliada, carreando contra si e contra seus
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 407

representantes a ira dos que se consideram


traídos.
Na Paraíba, Frei Hermano, Frei
Anastácio, Padre Luigi Pescamona, Padre João
Maria, Irmã Valéria e muitos outros já foram
sujeitos à violência dos donos, à repressão policial
e/ou responderam/respondem processo na
justiça. São tidos pelos proprietários como
“subversivos”, “agitadores”, “insufladores dos
lavradores” e, mais recentemente, “formadores
de bandos e de quadrilhas”.93
O saldo desse processo, porém, tem
sido positivo para os trabalhadores. O
crescimento dos imóveis adquiridos e/ou
desapropriados para assentamento de população
em áreas de atuação da CPT estão aí para
demonstrar a eficácia da ação da Igreja Católica.
Essa atuação da Igreja “não está, sem
dúvida, isenta de críticas. Mas o ‘não ser perfeita’
não invalida e tampouco contesta o seu papel de
principal mediadora dos conflitos no Estado”
(CAMARGO,1994:142) nem diminui o valor do seu
trabalho. Durante a ditadura militar, foi a Igreja
Católica que na Paraíba furou o cerco da
repressão, rompeu o silêncio dos partidos
políticos e reorganizou os movimentos sociais no
campo através da luta “pela terra prometida”. E é
ela que, ainda hoje, se contrapondo ao avanço
das forças conservadoras no seu interior, faz
parceria com a Organização Sindical e sustenta e
mantém a maior parte dos conflitos pela posse da
terra no Estado.
93A recente prisão de Frei Anastácio Ribeiro, acusado de “formação de
quadrilha”e de “maltrato a menores”é um exemplo disso.
407
408 Emília Moreira e Ivan Targino

Para o trabalhador, a Igreja através da


CPT e o apoio por ela prestado, constituem, de
um lado, a segurança e a certeza de que não
estão sozinhos na luta e, de outro lado, a única
garantia de sobrevivência ao conflito, sobretudo
quando a violência é muito grande.
“(...) Nós só tinha o Sindicato, a
Igreja e o povo do nosso lado.
A Igreja ajudava a gente
fazendo campanha, missa,
pedindo colaboração do povo
nas Igrejas. Se não fosse a
Igreja nós não tinha condição.
Tudo o que a gente tinha aqui
tinha ido por água abaixo, até
a lavoura. A Igreja então
ajudou muito e até hoje
continua ajudando. Qualquer
momento difícil ela corre
encima, discute os problemas
com a gente. Porque pros
ricos, os padres não pode
ajudar pobre não” (Posseiro de
Camucim. In: MOREIRA,
1988:444).

8.2.2.2. A Assessoria Jurídica


A resistência camponesa para
permanecer na terra encontra abrigo em alguns
dispositivos legais, sobretudo nos Estatutos do
Trabalhador Rural (1963) e da Terra (1964). Daí a
importância da Assessoria Jurídica tanto para
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 409

encaminhar as questões, quanto para defender os


trabalhadores. A esse respeito e com muita
propriedade, Camargo afirma:

“Na maioria dos conflitos de


terra é possível identificar dois
campos de batalha distintos,
embora interligados. Em
primeiro lugar, vem a terra
disputada - o espaço físico
onde se dá a ocupação ou a
tentativa de expulsão. É aí que
os trabalhadores sofrem os
atos de violência ou organizam
as ações de resistência. A
segunda instância de confronto
é o fórum, onde se dá o
embate judicial. Por isso,
contar com uma boa
assessoria jurídica é
fundamental para garantir um
resultado favorável para a luta
dos trabalhadores” (1994:142).

É a partir dos anos 70 que irá surgir


na Paraíba as primeiras entidades de assessoria
jurídica de apoio aos trabalhadores do campo. A
primeira delas nasce em 1976 ligada à
Arquidiocese da Paraíba. Trata-se do Centro de
Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), que
durante muitos anos, em especial nos anos
negros da ditadura militar, foi coordenado pelo
advogado Wanderley Caixe.
409
410 Emília Moreira e Ivan Targino

O papel do CDDH era prestar


assistência jurídica aos trabalhadores sem
postular em juízo, uma vez que, para a
Arquidiocese, esta tarefa cabia à organização
sindical (CAMARGO,1994). Por se colocar à frente
desta entidade, acompanhando, mobilizando e
denunciando as ações dos donos, da polícia e do
Estado contra os lavradores, Wanderley não só foi
ameaçado de morte como sofreu um atentado.
Naquela época, marcada pelo medo e pela
violência do latifúndio e da repressão policial, o
CDDH distinguiu-se como um baluarte forte e
destemido, que mereceu o respeito não só dos
trabalhadores, mas também dos segmentos da
sociedade civil comprometidos com a
democratização do país e com a justiça social no
campo.
Na década de 80 surge na Paraíba
uma segunda entidade de assessoria jurídica
voltada para o atendimento das causas
populares. Trata-se da Sociedade de Apoio ao
Movimento Popular e Sindical (SAMOPS), uma
organização não governamental que também
atuará junto aos movimentos sociais rurais
atrelada à Arquidiocese da Paraíba e que presta
serviços à CPT através de ações específicas para
as quais é contratada (CAMARGO,1994). Além
dessas entidades, existem nas dioceses do
interior Centros de Defesa a elas interligados ou
autônomos que também atuam como assessoria
jurídica de apoio aos trabalhadores. A
organização sindical também possui sua
assessoria jurídica, que é colocada à disposição
dos agricultores.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 411

Ainda é muito restrito o número de


advogados que, na Paraíba, desenvolveram e/ou
desenvolvem um trabalho comprometido com as
lutas da classe trabalhadora. Dentre estes
podem-se citar Júlio César Ramalho, Eduardo
Loureiro, Antonio Barbosa, Sebastião Geriz,
Iranice Muniz, entre outros.
Vários fatores têm contribuído para a
escassez de advogados envolvidos com as causas
sociais na Paraíba, e, em particular, com os
movimentos sociais dos trabalhadores rurais.
Numa entrevista realizada por Camargo com
Antonio Barbosa, ele aponta como responsáveis
por essa escassez de advogados trabalhando com
as causas sociais na Paraíba:

“a) a crise econômica que, de


um lado, atinge os movimentos
sociais, diminuindo a sua
capacidade de arrecadar
recursos e, por outro lado,
obriga a maioria dos récem-
formados a buscar uma
imediata colocação no
mercado de trabalho; b) a
dificuldade de engajamento de
novos profissionais nas
entidades de assessoria
jurídica; c) o período de
desgaste por que passa o
próprio movimento,
principalmente no campo
sindical” (CAMARGO, 1994:143).

411
412 Emília Moreira e Ivan Targino

A esses fatores somam-se outros de


efeitos igualmente restritivos:
a) riscos de engajamento. Via de
regra, os advogados que se posicionam em
defesa das causas dos trabalhadores enfrentam a
violência do latifúndio, no mais das vezes
irmanado com o Estado. Ameaças de morte,
espancamentos, seqüestro e até mesmo a perda
de emprego público são assinalados no Brasil e
na Paraíba. Júlio César Ramalho, um dos mais
antigos advogados dos trabalhadores rurais do
Estado, passou por tudo isso, por seu
engajamento na defesa dos camponeses e pela
sua posição intransigente contra o latifúndio.
Neste caso, como em muitos outros, os interesses
patronais foram defendidos e assumidos pelo
Estado em detrimento das causas sociais e dos
direitos da população trabalhadora.
b) a organização e a estrutura dos
cursos de Direito levam a um processo de
formação acrítico face ao aparato legal. A lei é
apresentada, no mais das vezes, como algo
absoluto e não como uma resultante do jogo de
interesses e das forças em ação na sociedade.
Esses cursos estimulam uma formação
desengajada socialmente e voltada basicamente
para o êxito individual. Tal viés é reforçado, num
momento de crise econômica e de
estrangulamento do mercado de trabalho como o
que tem se vivenciado no país. Os altos salários
pagos aos magistrados, promotores e
desembargadores, o sucesso obtido pelos
escritórios de advocacia, pelos assessores
jurídicos de empresas privadas, do setor
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 413

financeiro e do Estado, têm transformado os


cursos de Direito nos mais concorridos para o
ingresso formal nas Universidades. O
conservadorismo dos cursos soma-se à corrida ao
êxito individual, contribuindo para inibir a
ampliação do número de advogados voltados
para as causas sociais.
Apesar da existência de assessorias
jurídicas de apoio à luta dos trabalhadores ligadas
à Igreja, acreditamos que este papel deve ser
fortalecido no âmbito da organização sindical e
dos demais movimentos populares, dada a
importância que ele reveste na condução e no
desfecho da luta.

8.2.2.3. A organização sindical


No que se refere à ação da
organização sindical, esta pode ser analisada de
dois ângulos: considerando-se a atuação dos
Sindicatos e a da Federação dos Trabalhadores da
Agricultura.
A atuação dos Sindicatos varia de
acordo com sua postura política. Onde o Sindicato
não apresenta uma postura combativa ele se
posiciona a favor dos proprietários e age no
sentido de impedir o avanço da luta dos
agricultores, deixando de lado sua função de
representante da classe trabalhadora rural.
Quando, ao contrário, trata-se de um Sindicato
comprometido, ele atua lado a lado dos
trabalhadores na sustentação de sua luta e na
busca da desapropriação do imóvel. É ele o

413
414 Emília Moreira e Ivan Targino

intermediário entre os lavradores e a Federação;


ainda denuncia as práticas de violência dos
donos, intermedia as negociações junto ao
Estado, põe advogados a serviço dos agricultores
e viabiliza, juntamente com a Igreja, a
sobrevivência nos acampamentos. Através do seu
Presidente e dos demais representantes,
posiciona-se em todos os momentos em defesa
dos direitos dos trabalhadores. Vale a pena
destacar entre outros os STRs de Pitimbu e o
papel importante por ele desenvolvido durante o
conflito de Camucim, Sede Velha e Corvoada do
Abiaí; o de Alagoa Grande, cujo apoio foi
fundamental no conflito de Engenho Mares; o de
Caaporã, em sua atuação no conflito de Capim de
Cheiro; o de Bananeiras, o de Santa Rita, o de
Sapé, o de Cruz do Espírito Santo, entre outros.
À Federação cabe assumir a defesa
incondicional dos lavradores. Embora esta seja a
regra, em alguns momentos, dependendo da
linha política dos dirigentes, se tem uma ação
mais ou menos eficiente. No caso do conflito de
Camucim, por exemplo, a ação da Fetag foi muito
criticada e o advogado que esta colocou à
disposição dos posseiros foi acusado de agir
contra eles e a favor dos donos (MOREIRA,1988).
Como representante maior da organização
sindical, a Fetag tem intermediado as
negociações entre o Estado, o Sindicato, os
trabalhadores e o patronato. Apesar de
controvertido, por vezes considerado tímido ou
ineficiente, o apoio da Fetag em muitos casos
tem-se mostrado fundamental para garantir a
permanência da luta e a conquista da terra.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 415

A CUT e a CONTAG apesar de se


posicionarem em favor da Reforma Agrária e de,
em vários momentos, participarem de grupos de
apoio aos trabalhadores, não assumem a
vanguarda da mediação condutora da luta pela
terra na Paraíba. Seus esforços estão
concentrados na luta dos assalariados por
melhores condições de vida e salário.

8.2.2.4. Outros aliados

Além dos mediadores citados,


participam como aliados na luta pela terra na
Paraíba, agricultores de áreas de assentamento,
membros das CEBs, organizações não
governamentais diversas, professores
universitários, entidades de classe do setor
urbano, profissionais liberais, meios de
comunicação, políticos e estudantes. A ação deste
segmento da sociedade civil em defesa dos
trabalhadores das áreas de conflito se manifesta
através de moções de apoio, de abaixo-assinados,
de cartas abertas à população, de visitas às áreas
em conflito, da prestação de assessoria na
elaboração de documentos, etc.
A solidariedade dos agricultores de
outras áreas aos companheiros em luta é
considerada pelos trabalhadores como muito
importante. Ela se manifesta seja nos
acampamentos, onde contribuem com alimentos
por eles produzidos, com trabalho e com a
presença-reforço, seja nos mutirões, seja nas
vigílias noturnas.

415
416 Emília Moreira e Ivan Targino

Dentre os aliados cabe destaque aos


órgãos de comunicação. De modo geral os meios
de comunicação paraibanos, sobretudo a
imprensa escrita, em muito tem contribuído para
propalar a luta dos camponeses ameaçados de
perder a terra, para divulgar as injustiças
existentes no campo e a violência
institucionalizada contra aqueles que decidiram
recusar a expulsão, resistir à proletarização, à
desruralização e à marginalidade e miséria
urbanas. Isto resulta da ação de alguns jornalistas
que, driblando muitas vezes a orientação das
empresas de comunicação, preocupam-se em
divulgar o desenvolvimento da luta, em buscar
abrir espaço para anunciar os acontecimentos,
em posicionar-se em defesa dos trabalhadores.
Na Paraíba, a atuação do jornalismo dando
cobertura ao desenvolvimento dos conflitos de
terra, divulgando as denúncias dos trabalhadores,
denunciando a partir de constatações feitas in
loco, a violência no campo, tem sido de grande
valor para a sustentação de muitos conflitos. A
posição política assumida pelos meios de
comunicação, enquanto empresa capitalista,
espelha o maior ou menor grau de dependência
existente entre esta, a classe patronal e/ou o
Estado. Quanto maior a influência destas duas
instâncias do poder, menor o interesse da
empresa em divulgar o conflito.

8.2.3. A ação dos donos

A posição dos proprietários, e não


podia ser diferente, volta-se para a defesa
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 417

intransigente da propriedade que representa não


só capital investido como também prestígio e
poder. As armas por eles utilizadas são as mais
variadas. Elas vão desde a compra da consciência
do trabalhador, disfarçada através do pagamento
de indenizações, até a ações de violência que
compreendem: a destruição das moradias, dos
bens nelas contidos, das benfeitorias e dos
roçados dos trabalhadores; a pressão psicológica;
as agressões corporais; os assassinatos.
Para atingir seus objetivos, os
proprietários conseguem até mesmo se infiltrar
no interior da organização sindical e ainda usam
de sua influência para subornar funcionários
públicos. Usam do poder do dinheiro para
comprar a consciência política e fazer aliados.
A sua ação contra as desapropriações
se faz até hoje, em várias instâncias. Vai desde a
utilização direta da violência sobre os
trabalhadores, até a ação indireta. Essa teve
lugar junto às Comissões Agrárias instituídas pelo
Ministério da Reforma Agrária da Nova República
(posteriormente extintas), para estudar os casos
passíveis de desapropriação. Manobras junto ao
setor de Cadastro do Incra têm sido denunciadas
no Brasil e na Paraíba, na tentativa de
transformar latifúndios em empresas rurais, não
passíveis de desapropriação. Por último, quando a
desapropriação é decretada, fazia-se e faz-se
ainda hoje apelo à justiça.
Em suma, a ação dos donos é, num
primeiro momento, a defesa intransigente do
patrimônio individual. Numa segunda instância, a
reação dos proprietários à desapropriação pode
417
418 Emília Moreira e Ivan Targino

ser entendida como uma defesa da propriedade


capitalista em si. Isto é, o que está em jogo para
eles não é apenas a apropriação da terra, mas o
instituto da propriedade enquanto tal. Desta
forma, a desapropriação representa um ataque
ao próprio capital. Daí, a posição contrária dos
órgãos patronais a toda a iniciativa de
desapropriação levada a efeito no Estado.

8.2.4. A ação do Estado

O Estado age nesses conflitos de


forma aparentemente contraditória. De um lado,
alimenta e sustenta o conflito e, de outro, procura
“solucioná-lo”.
Enquanto alimentadora dos conflitos,
a ação do Estado se realiza através das políticas
fiscais e creditícias (financiamento para compra
de propriedade, estímulo à pecuária e à cana-de-
açúcar, etc.). O que vale dizer que o Estado, na
sua função de viabilizador do processo de
acumulação do capital, abre os caminhos
necessários à exploração da agricultura de modo
capitalista.
Enquanto “solucionador” do conflito,
age inicialmente através do seu aparelho
repressor (polícia, justiça). Procura garantir o
direito de propriedade privada, dissuadindo a
reação organizada dos trabalhadores pelas mais
diferentes formas. No caso específico da Paraíba,
onde o poder a nível estadual é capturado pela
oligarquia rural, seu caráter repressor-policial é
manifesto, em toda sua pujança, na repressão
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 419

aos conflitos pela terra. A repressão policial,


aliada à morosidade judiciária, leva, em alguns
casos, a desistência da luta após uma indenização
irrisória.
Só quando essas modalidades de
dissuasão não são capazes de desarticular a
reação dos trabalhadores é que a solução
propriamente dita é ensaiada, através da
desapropriação, da compra ou da doação de
terras, visando o assentamento das populações
envolvidas nos conflitos.
Segundo informações fornecidas pelo
Incra e pelo Instituto de Terras da Paraíba
(Interpa), entre 1966 e 1990, vinte e três imóveis
rurais foram desapropriados no Estado (v. quadro
XXXV e mapa concernente in: MOREIRA,1996),
totalizando 41.515,3856 hectares de terra e
envolvendo 2.788 famílias. Para isso foram
utilizados recursos da União (vinte casos) e do
Estado (dois casos).
Vale a pena ressaltar que o maior
número das desapropriações que tiveram lugar
nesse período ocorreram durante a época da
Nova República. O anúncio da disposição do
Governo de realizar a Reforma Agrária, feito em
maio de 1985, durante o IV Congresso do
Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais do
Brasil, deu novas forças àqueles que lutaram
durante anos para ver a “terra de exploração”, na
expressão da Igreja, transformar-se em “terra de
trabalho”, ou seja, em “terra possuída por quem
nela trabalha” (CNBB, 1980:5/20).
Embora sabendo-se que a reforma
anunciada não ultrapassaria os limites
419
420 Emília Moreira e Ivan Targino

estabelecidos pelo Estatuto da Terra, 94 ela contou


com o apoio não só de trabalhadores rurais, como
dos mais diversos segmentos da sociedade, entre
os quais sobressaíam-se a Igreja, a Associação
Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), os
trabalhadores urbanos, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores da Indústria e até mesmo
certos setores progressistas do meio rural.
Entre 1980 e 1996 44 imóveis foram
comprados pelo Incra e pela Fundap (atual
Interpa), perfazendo 12.607,1 hectares e
abrangendo 1.874 famílias (v. quadro XXXVI e
mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Em
grande parte dos casos os recursos foram
provenientes dos Convênios Incra/Programa de
Redistribuição de Terras e Estímulo à
Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra),
Incra/Procanor e também do FinsociaL, do Fundo
de Terras (Funterra), do Bird e da União.
Durante o governo Collor de Melo
(1990/1992), nenhuma desapropriação de terra
ocorreu na Paraíba. Só no governo de Itamar
Franco, quando Marcos Lins assumiu a
presidência do Incra nacional é que novas
desapropriações para fins de reforma agrária
tiveram lugar no Estado. Entre 1993 e início de
1996 29 áreas foram desapropriadas beneficiando
cerca de 2.000 famílias (v. quadro XXXVII e mapa
concernente in: MOREIRA, 1996).
94O Estatuto da Terra não previa a destruição do latifúndio mas a superação
gradativa, a partir de estímulos especiais, de certas contradições que a
propriedade improdutiva da terra gerava para o capitalismo. Tratava-se, na
verdade, de uma modernização do latifúndio, razão pela qual não é uma lei
de Reforma Agrária, mas de desenvolvimento rural, como deixa claro o item
10 da mensagem 33: “Não se contenta o projeto a ser uma Lei da Reforma
Agrária (...) é uma lei de desenvolvimento rural” (SILVA, J.G.1985: 69).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 421

A maior parte dos imóveis


desapropriados, comprados e transferidos acham-
se localizados no Litoral e no Agreste (v. mapas
concernentes in: MOREIRA,1996).
Apesar do crescimento recente das
conquistas de terra pelos trabalhadores, é preciso
chamar a atenção para o fato de que, na Paraíba:
a) existiam sessenta e cinco áreas de
conflito sem solução em maio de 1996, das quais
cinco se destacavam pela gravidade alcançada;
b) as populações envolvidas em
conflitos de terra resistem das mais diversas
formas, inclusive ocupando a sede do Incra,
responsável pela política de Reforma Agrária no
país, para tentar se fazer ouvir pelas autoridades
competentes. Nesses momentos, fica
transparente mais uma contradição do Estado. É
no órgão criado para executar a Reforma Agrária
que se presenciou, durante muito tempo, não o
apoio, mas a expulsão das famílias de
trabalhadores rurais, solicitada seja pelos seus
dirigentes, seja pelas autoridades do governo,
utilizando-se do aparato policial repressor,
representado pelas polícias militar e federal. Só a
partir de 1993 é que esta prática deixou de ser
utilizada. Isto, graças à postura progressista de
Ronald Queiroz e Júlio César Ramalho os
superintendentes do órgão entre 1993 e 1996.
Cabe acrescentar que a “luta pela
terraӎ mais ampla do que um simples acesso a
um lote. Ela compreende também a luta pelas
condições de trabalho na terra. Esse aspecto tem
sido patenteado pela situação das populações
assentadas em diferentes áreas do Estado. Via de
421
422 Emília Moreira e Ivan Targino

regra, elas não contam com assistência técnica


ou creditícia, nem com recursos financeiros
próprios, carecem de infra-estrutura básica (água
potável, luz, escola, posto de saúde, saneamento
e, em alguns casos, as condições de moradia são
extremamente precárias). Daí observar-se um
grau de ocupação do solo considerado baixo, a
transferência ou abandono de lotes, etc. Os
problemas existentes, antes de subsidiarem um
diagnóstico de fracasso e os argumentos contra a
Reforma Agrária, evidenciam a necessidade de
uma política agrícola mais arrojada em favor da
pequena produção. Apesar das restrições
existentes, pesquisas realizadas têm evidenciado
que,

“diminuiu a necessidade de
assalariamento entre os
assentados e foi possível, para a
maioria das famílias, adquirir
bens pessoais e de trabalho,
inclusive casa própria (...)
Segundo os entrevistados seu
rendimento econômico
aumentou após a conquista da
terra” (CAMARGO, 1994:256).

É indiscutível que, apesar de todas as


dificuldades, os assentamentos realizados no
Estado têm contribuído para a geração de
empregos e para a produção de alimentos. Em
1993 quando a seca atingiu de forma arrasadora
a atividade agrícola do Estado, chegando mesmo
a desestruturar a produção de culturas como o
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 423

abacaxi e a cana cujo aporte tecnológico embute


em muitos casos o uso da irrigação, e os saques
alcançaram o Litoral paraibano, a equipe de
pesquisadores do Centro de Referência em Saúde
do Trabalhador da UFPb visitando as áreas de
assentamento do município de Pedras de Fogo
surpreendeu-se. Lá não se percebia o efeito
devastador da seca. A produção de feijão e de
tomate nos pequenos vales molhados pelas águas
que emanavam das ressurgências situadas na
base dos tabuleiros, a produção de mandioca nas
chãs e de abacaxi nas encostas conferiam a estas
áreas o aspecto de ilhas verdes encravadas em
meio a canaviais atrofiados pela falta dágua.
Conforme aponta Maria da Conceição D’Incao :

“O desafio, portanto, parece


ser o de pensar uma política de
reforma agrária como parte
integrante de uma política
agrícola capaz de combinar as
exigências econômicas dos
setores mais desenvolvidos da
agricultura com o
fortalecimento econômico da
pequena produção agrícola já
existente ou a ser criada no
contexto da própria reforma
agrária” (1994:50).

8.3. A violência no campo

A violência no campo não é um


fenômeno novo. Ela se faz presente desde o início
423
424 Emília Moreira e Ivan Targino

da colonização portuguesa no Brasil. Mais do que


se fazer presente, ela é um elemento constitutivo
importante no processo de formação e
estruturação do espaço agrário. O genocídio
indígena, a violência da escravidão, o poder
discricionário dos coronéis sobre os moradores, a
perseguição e extermínio de camponeses e
líderes sindicais nos dias de hoje são faces
distintas de uma mesma realidade: o exercício do
poder dos donos para salvaguardar e fortalecer
esse poder.
Pode-se dizer que a violência no
campo tem sido inerente ao controle monopolista
da terra. Tal controle, ao delimitar o acesso do
produtor direto à terra (seja enquanto produtor
autônomo, seja enquanto assalariado), determina
também os limites da possibilidade de
sobrevivência da população rural. Na vigência do
“sistema morador”, esta delimitação era quase
que absoluta, pois eram restritas as
possibilidades de inserção produtiva na economia
urbana, em virtude de sua fragilidade e
incipiência. Isso ampliava o poder dos senhores
de terra sobre a vida dos moradores. Nessa
época, paternalismo e violência eram as faces
gêmeas do exercício do mando latifundiário.
As transformações ocorridas na
sociedade brasileira impingiram modificações
consideráveis na forma de manifestação do poder
dos senhores de terra, porém sem alterá-lo na
sua essência. Os procedimentos legais adaptam a
estrutura de poder fundiário (para preservá-lo) às
novas condições sócio-econômicas,
consubstanciadas no avanço das forças
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 425

produtivas, na unificação do mercado de trabalho,


nas mudanças nas relações sociais de produção,
na construção da democracia liberal, etc. Na nova
conjuntura, a burguesia agrária, via processo
legislativo, passa para o Estado a obrigação da
defesa dos seus interesses.
Nessa concepção, a violência no
campo está na base do processo de apropriação
privada da terra e na sua consolidação. Isto é, ela
é um elemento interno à organização agrária.
Manifesta-se de forma mais evidente, quando os
excluídos levantam-se contra o pacto
estabelecido entre a aristocracia rural e o Estado
ou quando nem mesmo algumas cláusulas do
pacto são respeitadas pelos proprietários. Ela
envolve três atores principais: os proprietários de
terra, produtores diretos sem terra ou com acesso
precário a ela e o Estado.
Além do poder econômico resultante
do controle dos meios de produção, os
proprietários rurais detêm poder político e força
paramilitar. O poder político ficou evidenciado,
claramente, no episódio de votação da reforma
agrária por ocasião da Constituinte. É o poder de
fazer as leis que protejam os seus interesses. Já o
poder paramilitar se expressa pela possibilidade
que encontram de armar feitores e vigias (por
vezes até grupos mais amplos) para controlar os
trabalhadores. Esta força é largamente ampliada
pelas ligações com o aparato militar local ou
mesmo estadual e com o aparelho judiciário.
O Estado é o agente garantidor da
ordem “democraticamente” estabelecida pelos
donos, via processo legislativo. Para tanto, coloca
425
426 Emília Moreira e Ivan Targino

em funcionamento as instâncias militares e


judiciais. Desse ponto de vista, o Estado se
apresenta como aquilo que é: o avalizador do
processo de acumulação. Como, porém, trata-se
de um Estado democrático, ele por vezes tem de
apresentar-se como aquilo que não é (o defensor
do interesse de todos) a fim de se legitimar ou de
diluir as tensões quando estas se mostram
insuportáveis. Os trabalhadores são os pacientes
da violência legalizada que assegura a sua
exclusão do acesso aos meios de produção.
Na Paraíba, a violência no campo tem
assumido, ao longo do tempo, as mais diversas
formas: despejos, destruições de casa e de
lavouras, prisões arbitrárias, torturas e
assassinatos. Nas áreas de conflito, nas greves
dos canavieiros, dezenas de homens, mulheres e
crianças foram espancados e feridos a bala.
Várias lideranças perderam sua vida, vítimas da
mão armada do latifúndio no nosso Estado. A
grande maioria desses crimes - alguns deles
praticados à luz do dia e na presença de
autoridades públicas - permanecem na mais
completa impunidade: os mandantes e
executores - cujos nomes são de conhecimento
público - não foram levados a julgamento e
presos, o que é demonstrativo da omissão,
quando não da cumplicidade do poder público.
Entre as vítimas fatais do latifúndio nas duas
últimas décadas do século XX relembramos: JOSÉ
SILVINO (CRUZ DO ESPÍRITO SANTO - 1981);
MARGARIDA MARIA ALVES (ALAGOA GRANDE -
1983); ANASTÁCIO ABREU E LIMA (RIO TINTO -
1984); SEVERINO MOREIRA (ITABAIANA - 1988);
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 427

ZÉ DE LELA E BILA (CONDE - 1989 e 1990);


PAULO GOMES (MAMANGUAPE - 1995) (v. mapa
da violência no campo in: MOREIRA, 1996). Todos
eles pagaram com a vida a temeridade de lutar
pela conquista dos direitos mais elementares da
cidadania, de opor-se aos interesses do capital
agrário, de sonhar com uma sociedade onde a
terra, fonte de vida, fosse um bem acessível a
todos.

QUADRO XXXIII

ESTADO DA PARAÍBA
ACAMPAMENTOS DE TRABALHADORES
SEM TERRA
(MAIO/1996)

MUNICÍPIO Nª DE ACAMPAMENTO ÁREA (ha) NO. DE


ORDEM FAMÍLIAS
Alagoa 01 Fazenda Gomes 687,0 75
Grande
Campina 02 Boa Esperança 484,0 29
Grande
Conde 03 Jacumã/Tabating 1.927,0 109
a
Pitimbu 04 Marinas do Abiaí sem 80
informação
Sousa 05 Acauã sem 113
informação
Sapé 06 Açude das sem 101
Graças informação
07 Sapé (imóveis sem 267
São José, Santa informação
Luzia, Santa Cruz
e Gameleira)
Fonte: Incra/Pb e CPT/Pb, maio de 1996

427
428 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXIV

.ESTADO DA PARAÍBA
UNIDADES DE MEDIDA DE COMPRIMENTO, DE
ÁREA E DE PESO UTILIZADAS NO CORTE E
PLANTIO DA CANA

UNIDADES PARAÍBA
De Comprimento braça (2,2 metros)
De Área cubo (2,2 metros)
conta (12X13 braças, ou 755m2)
De Peso tonelada
carga (100 kg)
Fonte: LAT/UFPB. In: ADISSI & SPAGNUL. Convenções Coletivas:
quantificando o roubo dos patrões. Proposta. Ano IV, n°. 42. Rio de Janeiro.
Out. 1989.

QUADRO XXXV

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS DESAPROPRIADAS ENTRE 1966 E 1990
LOCALIZAÇÃO/ No. DE NOME ÁREA (ha) No. DE
MUNICÍPIO ORDEM DO IMÓVEL FAMÍLIAS
Itabaiana 01 Fazenda Urna* 162,1214 26

Conde 02 Tambaba* a. 90,5025 19


03 Gurugi II 592,9685 78

Conde 04 Mucatu 1.669,4000


Alhandra/ 05 Andreza 3.995,6000 208
Pitimbu 06 Garapu 2.200,0000

Alagoa Nova 07 Cajá 284,9458 35


08 Engenho Geraldo 2.181,0034 436

Alagoinha 09 Cajá 274,7002 35


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 429

Araruna 10 Baixio do Riachão 755,8750 46

Santa Rita 11 Águas Turvas 357,2769 31

Jacaraú 12 Jacarateá 127,7687 15

Alhandra 13 Subaúma I 588,6997 98


14 Subaúma II
15 Árvore Alta 1.270,4994 272

Rio Tinto 16 Pic Rio Tinto 18.742,9000 826


17 Campart II 1.883,9499 135

Dona Inês 18 Fazenda Sítio 1.813,7196 82

Barra de Santa 19 Fazenda Quandu 1.408,7033 47


Rosa

Pedras de Fogo 20 Fazendinha 612,3446 77

Tacima 21 Fazenda Vazante 559,7310 36

Salgado de São 22 Alagamar-Piacas 1.137,1664 198


Félix

23 Piacas 805,5093 88
TOTAL 41.515,3856 2.788
*Desapropriadas pelo Estado
a. Subjúdice até julho de 1996
Fonte: Incra/Pb, Fundap/Pb.

429
430 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXVI

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS ADQUIRIDAS ATRAVÉS DE COMPRA PARA
FINS DE REFORMA AGRÁRIA

LOCALIZAÇÃO/ NOME DO IMÓVEL ÁREA (ha) No. DE


MUNICÍPIO FAMÍLIAS
Areia Engenho Cipó* 187,9 32

Alagoa Grande Engenho Mares* 1.103,9 45


Quitéria** 167,7 52

Alagoa Nova Engenhoca* 382,3 49


Cachoeira Pedra Dágua* 242,3 40
Gravatá* 183,1 48

Alagoinha Promissão/Mumbuca* 175,3 40


Ribeiro Grande** 65,5 28

Alhandra Salgadinho* 61,6 09

Araruna Varelo de Cima* 164,0 17


Fazenda Carnaúba* 183,0 57
Serra Verde 100,0 42
Calabouço*** 486,3 24

Bananeiras Engenho Goiamunduba* 374,5 41


Mata Fresca* 89,1 09
Cana Brava* 69,0 04
Baixa Verde* 195,0 31
Nova Vista** 79,9 29
Cumati I e II** 106,7 23

Caaporã Muitos Rios* 416,8 30

Cacimba de Areia Barragem da Farinha 278,9 151

Campina Grande Paus Brancos* 1.180,0 70


Fazenda Velha 93,6 52

Conde Paripe/CapimAçu*** 288,0 60


Paripe III*** 137,2 25
Colinas do Conde 90,5 18

Esperança Bela Vista* 70,0 17


Fazenda Maniçoba* 93,0 18

Itabaiana Santa Clara* 125,5 35


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 431

Imaculada Garra**** 194,8 08

Jericó Açude Carneiro 31,0 41

João Pessoa Engenho Velho* 328,5 90


Mumbaba 39,5 43

Mogeiro Benta Hora 69,8 11

Pedras de Fogo Engenho Novo I* 311,1 40


Corvoada*** 151,4 32

Pilar Barra de São José 48,2 14

Pitimbu Camucim*** 964,5 37


Apasa 1.100,0 153

Salgado de São Félix Maria de Melo 758,4 74


(Alagamar)***
+ Santo Antonio (Alagamar) 163,7 39
***

Teixeira Cachoeira e Maturéia**** 534,2 25


Pedra Lavrada**** 141,7 15

Sumé Sucuru* 130,8 43


TOTAL 12.607,1 1.874
*Imóveis adquiridos através da Fundap (atual Interpa)
** Imóveis adquiridos através do Convênio Incra-Procanor
***Imóveis adquiridos através do Convênio Incra-Funterra
****Imóveis adquiridos com recursos Incra/Bird

431
432 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXVII

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS DESAPROPRIADAS ENTRE 1993 E 1996

LOCALIZAÇÃO/ NOME DO IMÓVEL ÁREA (ha) No. DE


MUNICÍPIO FAMÍLIAS
Alagoa Nova / Cabaças ou 500,0000 34
Massaranduba Imbiras(1995)
Chã do Bálsamo(1994) 500,0000 34
Araçagi Santa Lúcia (1996) 1.041,0000 100
Conde Barra de 771,1199 74
Gramame(1993)
Caaporã Retirada/Capim de 577,0000 103
Cheiro(1994)
Pedras de Fogo Nova Tatiane(1994) 209,8000 30
Engenho Aurora 407,0000 104
Pitimbu Sede Velha do 310,2088 49
Abiaí(1993)í
Primeiro de 205,8357 34
Março(1993)
Teixeirinha(1993) 248,6948 33
Corvoada(1993) 342,0000 30
Barra de Cima do 296,5107 51
Abiaí(1993)*
Monteiro Santa Catarina(1993) 3.697,4500 345
Cruz do Espírito Santo Engenho Santana(1993) 374,7555 55
Massangana(1996) 3.100,0000 402
Engenho 762,0000 101
Novo/Agropar(1996)
Campo de Sementes e 207,0000 45
Mudas(1996)
Lucena Estivas do 467,3800 81
Geraldo(1993)
Salgado de São Félix Sítio Souza(1993) 500,0000 50
Fazenda Campos(1993) 500,0000 50
São Miguel de Taipu Itabatinga(1995) 660,1366 107
Amarela 1(1995) 523,2500 56
Amarela 2(1995) 523,4500 42
Engenho Novo II(1994) 348,3732 57
Engenho Novo-Quinhão ? ?
9B(1995)
Engenho Novo = ? ?
Quinhão 9C(1995)
Engenho Novo- ? ?
Quinhão 8 e parte do
Quinhão 9 (1996)
Bananeiras Fazendas Reunidas 1.363,0000 100
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 433

Sapucaia(1995)
Campina Grande Fazenda Santa Cruz* ? ?
* Subjúdice
Fonte: Incra/Pb

433
434 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXVIII

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS DE CONFLITO NÃO SOLUCIONADO
MAIO/1996
MUNICÍPIO No. DE IMÓVEL SITUAÇÃO
ORDEM ATUAl
Alagoinha 01 Fazenda Genipapo I sem denúncia
desde 1986
02 Fazenda Genipapo II sem denúncia
desde 1986
03 Fazenda Cumarú/Jacaré sem denúncia
desde 1986

Alagoa Grande 04 Fazenda Vertentes sem informação


05 Fazenda São Francisco sem informação
06 Fazenda Santa Rosa sem informação
07 Fazenda Gomes o mais grave
conflito do Estado
08 Fazenda Caiana em vias de
solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação
09 Fazenda Alvorada sem informação

Araruna 10 Fazenda Serra sem denúncia


Verde/Jatobá recente; com
programação de
vistoria pelo
Incra
11 Fazenda Serra da sem denúncia
Confusão recente; com
programação de
vistoria pelo
Incra
12 Alto Grande em vias de
solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Aroeiras 13 Fazenda Guariba de sem denúncia


Cima desde 1986

Areia 14 Fazenda Santa Rosa sem informação


15 Fazenda Lava Pés sem informação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 435

Areia (cont.) 16 Fazenda Várzea do Coati sem informação


17 Fazenda Almécega com processo de
aquisição em
tramitação

Alagoa Nova 18 Fazenda Imbira/gleba 4 em vias de


solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Alagoa Nova/Alagoa 19 Fazenda Sapé em vias de


Grande solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Alagoa 20 Fazenda Imbira/gleba 2 em vias de


Nova/Massaranduba solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação
21 Fazenda Salgadão sem denúncia
recente

Bananeiras 22 Fazenda Caulim Conflito sem


I/Carvalho solução; com
decreto, porém
subjúdice
23 Fazenda Caulim conflito em
andamento
24 Engenho Manitu sem denúncia de
violência;
processo de
aquisição em
andamento
25 Fazenda São José sem denúncia de
violência;
processo de
aquisição em
andamento
26 Fazenda Riacho São Processo de
Domingos desap. em
tramitação

435
436 Emília Moreira e Ivan Targino

Borborema 27 Fazenda Samambaia sem denúncia


desde 1986

Bonito de Santa Fé 28 Acampamento de Viana sem informação


29 Fazenda Umbuzeiro sem informação

Belém 30 Fazenda Genipapo prenúncio de


acirramento do
conflito. Com
ação de despejo

Campina Grande 31 Fazenda Serrotão sem denúncia


desde 1986

Conde 32 Fazenda em vias de


Tabatinga/Jacumã solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Cruz do Espírito Santo 33 Fazenda Milagres sem denúncia


desde 1985
34 Fazenda Engenhoca sem informação

Duas Estradas 35 Fazenda Santa Rosa sem informação


Guarabira 36 Fazenda Maciel sem denúncia
desde 1986

Itabaiana 37 Fazenda Salomão o proprietário


oferecu o imóvel
à venda ao Incra

Lagoa de Dentro 38 Fazenda Pitombeira sem informação


39 Sítio Gravatá proprietário
concorda com a
venda

Massaranduba 40 Boa Idéia em vias de


solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Monteiro 41 Fazenda Tigre-Torres conflito em


andamento

Mamanguape 42 Fazenda Capim/Pindoba em vias de


solução; com
Decreto,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 437

aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação
43 Fazenda Ribeiro em vias de
solução; com
Dec., aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Pilar 44 Engenho Corredor sem denúncia


desde 1992

Pilões 45 Fazenda Ouricuri sem denúncia


desde 1986

Pedras de Fogo 46 Fazendas Corvoada e em vias de


Jatiúca solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação
47 Fazenda Tabatinga II conflito sem
violência
48 Fazenda Santa Emília conflito de
grande proporção

São Miguel de Taipu 49 Engenho Novo /Quinhão conflito em


09D andamento
50 Engenho Novo/Quinhão conflito em
A andamento
Sousa 51 Acauã em vias de
solução; com
Dec. aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação

Serra da Raiz 52 Fazenda Pau d’Árco sem informação

São José do Rio do 53 Mata dos Galdinos sem informação


Peixe
54 Sítio Três Irmãos/Açude sem informação
Pilões

Tacima 55 Fazenda Maniçoba sem denúncia


recente;
processo de
desapropriação
em tramitação

437
438 Emília Moreira e Ivan Targino

56 Fazenda Pão de Açúcar sem denúncia


recente;
processo de
desapropriação
em tramitação

Pitimbu 57 Fazenda Marinas do conflito em


Abiaí andamento

Rio Tinto 58 Praia de Campina conflito em


andamento

Santa Rita 59 Tambauzinho prenúncio de


grande conflito

Sapé 60 Açude das Graças conflito em


andamento
61 Fazendas São José em vias de
solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação
62 Santa Luzia em vias de
solução; com
Decreto,
aguardando
lançamento de
TDA para
ajuizamento da
desapropriação
63 Santa Cruz conflito persiste;
com processo de
desapropriação
tramitando em
Brasília
Sapé 64 Gameleira conflito persiste;
com processo de
desapropriação
tramitando em
Brasília
Riacho dos Cavalos 65 Açude Público Riacho sem informação
dos Cavalos
Fonte: Incra/Pb; CPT/PB.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 439

BIBLIOGRAFIA

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