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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 1

CAPÍTULOS DE GEOGRAFIA
AGRÁRIA DA PARAÍBA
2 Emília Moreira e Ivan Targino

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


reitor
NEROALDO PONTES DE AZEVEDO

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO


E REFORMA AGRÁRIA
superintendente regional
JÚLIO CÉSAR RAMALHO RAMOS

EDITORA UNIVERSITÁRIA
diretor
JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES
vice-diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
divisão de produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
divisão de editoração
EDUARDO FÉLIX DO NASCIMENTO FILHO
secretário
MARINÉSIO CÂNDIDO DA SILVA
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 3

Emilia Moreira
Ivan Targino

CAPÍTULOS DE
GEOGRAFIA
AGRÁRIA DA
PARAÍBA

Editora Universitária
João Pessoa
1996
4 Emília Moreira e Ivan Targino

Copyright by Emilia Moreira e Ivan Targino,1996

Direitos reservados à

UFPB/EDITORA UNIVERSITÁRIA
Caixa Postal 5081
Cidade Universitária
João Pessoa - Paraíba
CEP 58.059-900

Printed in Brazil
Impresso no Brasil

Foi feito do depósito legal

Moreira, Emilia et Targino, Ivan


Capítulos de Geografia Agrária da Paraí-
ba/Emilia Moreira et Ivan Targino. - João
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1996
280p
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 5

A Genaro Ieno,

amigo verdadeiro, companheiro de caminhada,


por ter acreditado no nosso trabalho
não apenas como elaboração acadêmica
mas, e sobretudo,
como contribuição para o fortalecimento
das organizações dos trabalhadores
e da luta por uma sociedade mais justa e
mais humana

A Juliana e Judite,

pelo tempo que lhes foi roubado


do aconchego, do abraço

A Zito e Neusa,
Yoyô e Santinha,

pela vida e
pelos exemplos de luta,
de generosidade
e de alegria.
6 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 7

AGRADECIMENTOS

Externamos nosso agradecimento a todos aqueles que, de alguma


forma, contribuíram para a realização e publicação desse trabalho. Fazemos menção
especial a Ronald Queiroz, Marcos Lins e Márcio José Araújo que se empenharam
não só no sentido de garantir a publicação desse estudo, mas de inserí-lo num projeto
mais amplo de parceria entre o Incra e a Universidade Federal da Paraíba. Não
poderíamos deixar de agradecer a Júlio César Ramalho Ramos atual Superintendente
Regional do Incra na Paraíba, pela paciência e compreensão com os prazos vencidos
decorrentes do atraso na publicação desse estudo.
8 Emília Moreira e Ivan Targino

Sumário
1. Introdução

2. Processo de formação e evolução da organização do espaço agrário


paraibano
2.1. Da conquista à organização inicial do espaço agrário
2.2. O litoral açucareiro
2.2.1. O Engenho: um mundo de poder e auto-suficiência
2.2.1.1. A organização do trabalho
2.2.1.2. A propriedade da terra
2.2.1.3. O surgimento da pequena produção no Litoral: algumas notas
2.2.2. Os Engenhos Centrais: uma experiência efêmera
2.2.3. As Usinas de açúcar
2.2.3.1. A propriedade da terra, a organização da produção e do traba-
lho com a Usina
2.3. O Sertão pecuarista cotonicultor
2.3.1. Cana e curral: uma separação necessária
2.3.2. A organização da produção e do trabalho nas fazendas
2.3.3. A formação do complexo gado-algodão
2.3.4. A pequena produção sertaneja
2.4. O Agreste policultor-pecuarista
2.4.1. O sisal
2.4.2. A evolução da organização do espaço agrário no Brejo paraibano
2.4.2.1. A cotonicultura e a organização da produção e do trabalho no
Brejo
2.4.2.2. A cana-de-açúcar e sua importância na organização da produ-
ção e do trabalho no Brejo
2.4.2.3. E o café substitui a cana dando origem a um novo ciclo eco-
nômico
2.4.2.4. Cana e sisal: uma combinação bizarra
2.4.2.5. A pequena produção de alimentos no Agreste

3. Modificações recentes na organização da produção agropecuária


3.1. A expansão canavieira (1970/1986)
3.2. A crise atual da economia canavieira
3.2.1. A política do governo Collor para a agroindústria canavieira
3.2.2. O Proalcool no governo Itamar Franco
3.2.3. Os efeitos da crise atual da agroindústria canavieira da Paraíba
sobre a classe trabalhadora
3.2.4. Situação atual e perspectivas para o Proalcool
3.3. A expansão da pecuária
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 9

3.4. As culturas alimentares


3.4.1. O desempenho das culturas alimentares tradicionais e modernas
(1970/1980)
3.4.1.1. O abacaxi
3.4.1.2. O tomate
3.4.1.3. A banana
3.4.2. O comportamento recente das culturas alimentares
3.5. As culturas industriais
3.5.1. O algodão
3.5.2. O sisal
3.5.3. O coco-da-baía
3.5.4. O fumo
3.6. A expansão espacial da agricultura
3.7. A produtividade das terras

4.Estrutura fundiária: dinâmica recente

5. Modernização técnica da agropecuária estadual

6.A população rural paraibana: sua evolução e dinâmica atual


6.1. A evolução da população paraibana: um breve histórico
6.2. A dinâmica recente da população, em especial, da população rural
6.2.1. Fecundidade
6.2.2. O crescimento recente da população rural
6.2.3. A mobilidade da população
6.2.3.1. As migrações sazonais
6.2.3.2. Perfil da população rural paraibana

7. Evolução recente do emprego rural e das relações de trabalho no


campo paraibano
7.1. Evolução recente do volume do emprego rural
7.1.1. Retração relativa da capacidade de absorção da força-de-trabalho
por parte do setor primário
7.1.2. Comportamento oscilante do contingente de mão-de-obra enga-
jado na agropecuária
7.1.3. Aumento da força-de-trabalho feminina e juvenil
7.1.4. Manutenção da pequena propriedade como principal fonte de
ocupação
7.2. As mudanças nas relações de trabalho no campo
7.2.1. As relações de trabalho no campo (1970/1990)

8. Os movimentos sociais no campo e as conquistas da classe trabalha-


dora
10 Emília Moreira e Ivan Targino

8.1. A luta contra a exploração do trabalho: a organização sindical


8.1.1. As condições de vida e trabalho dos assalariados da cana na
Paraíba
8.1.2. Breve histórico da organização e luta dos assalariados
8.1.2.1. As campanhas trabalhistas de 1982 a 1983
8.1.2.2. As campanhas salariais de 1984 a 1990
8.2. A luta pela terra
8.2.1. A dinâmica dos conflitos
8.2.2. A ação dos mediadores
8.2.2.1. A Igreja
8.2.2.2. A assessoria jurídica
8.2.2.3. A organização sindical
8.2.2.4. Outros aliados
8.2.3. A ação dos donos
8.2.4. A ação do Estado
8.3. A violência no campo.
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LISTA DE QUADROS
1. Informações gerais sobre as Usinas do Litoral paraibano com destaque para a transfe-
rência de titularidade
2. Quantidade exportada (arroba) de açúcar e algodão pelo porto da Paraíba (1835/1862)
3. Evolução da produção e da área colhida com cana-de-açúcar
4. Parque sucro-alcooleiro do Estado da Paraíba (situação em 1995)
5. Dívidas do setor sucro-alcooleiro
6. Efetivo de bovinos (1981/1993)
7. Efetivo de caprinos, ovinos, suínos e aves (1981/1993)
8. Evolução recente da produção das principais lavouras alimentares (1981/1993)
9. Indicadores da Estrutura Fundiária da Paraíba (1970,1980,1985)
10. Evolução da Estrutura Fundiária do Estado da Paraíba (1970/1980/1985)
11. Pessoal ocupado e valor da produção animal e vegetal, segundo as classes de área
(1980)
12. Potencial de recursos hídricos dos açudes públicos e particulares, segundo as bacias
hidrográficas do Estado da Paraíba (até 1986)
13. População paraibana (1774/1872)
14. População paraibana e brasileira (1872/1980)
15. Índice de fecundidade total segundo a situação domiciliar. Brasil, Nordeste e Paraíba
16. Número médio de filhos por mulher de 15 anos e mais que tiveram filhos, segundo a
renda familiar da mulher, por situação domiciliar
17. População residente total e rural ( 1950/1991)
18. Crescimento da população rural segundo as Mesorregiões (1970/1980)
19. Crescimento da população rural, segundo as Microrregiões (1970/1980)
20. Crescimento da população rural, segundo as Mesorregiões (1980/1991)
21. Crescimento da população rural, segundo as Microrregiões (1980/1991)
22. População residente e população migrante por procedência, segundo o tamanho das
cidades
23. Cidades que apresentaram as maiores taxas anuais de crescimento da população na
década de 80
24. Participação da PEA agrícola na PEA total (1950/1990)
25. PEA do setor primário por sexo, segundo a idade (1970/1980)
26. Evolução do emprego assalariado, segundo as Mesorregiões (1970/1980)
27. Crescimento do emprego assalariado temporário, segundo as Microrregiões
(1970/1980)
28. Crescimento do emprego assalariado permanente, segundo as Microrregiões
(1970/1980)
29. Condição do Produtor por categoria e tamanho do estabelecimento (1970/1980)
30. Evolução do emprego assalariado, segundo as Mesorregiões (1980/1985)
31. Crescimento do emprego assalariado permanente, segundo as Microrregiões
32. Crescimento do emprego assalariado temporário, segundo as Microrregiões
(1980/1985)
33. Acampamentos de trabalhadores sem terra (maio/1996)
34. Unidades de medida de comprimento, de área e de peso utilizadas no corte e plantio
da cana
35. Áreas desapropriadas entre 1966 e 1990
36. Áreas adquiridas através de compra para fins de reforma agrária
37. Áreas desapropriadas entre 1993 e 1996
38. Áreas de Conflito não solucionado (maio/1996)
12 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 13

Prefácio
É um grande prazer prefaciar este livro de Emilia
Moreira e Ivan Targino. Tomei conhecimento do texto em 23 de
abril de 1996 num seminário em João Pessoa, por ocasião da pas-
sagem da Caravana da Cidadania. Percorríamos a Zona da Mata
dos Estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco. Discutíamos a
crise do que se chamou “o setor arcaico” da economia paraibana,
as alternativas para a utilização mais racional das áreas canavieiras e
as soluções para o desemprego crescente no Estado.
As Caravanas da Cidadania nasceram de um desejo
de Luís Inácio Lula da Silva de conhecer o Brasil e discutir direta-
mente com o povo as soluções para seus problemas. A idéia fun-
damental era que alguém que se propunha a governar um país tão
grande e tão diferente em cada um dos seus cantos, não poderia
esperar sentado que um grupo de pessoas iluminadas, reunidas em
São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, elaborasse a sua proposta de
Governo. Era preciso ouvir o povo esquecido pelas elites: os agri-
cultores com terra e os sem terra, os pequenos e médios empresá-
rios, os estudantes e professores, os religiosos, as donas de casa,
enfim, todos aqueles que se preocupavam com o destino do seu
país e que não tinham como expressar suas inquietações e seus
encaminhamentos.
A proposta da Caravana da Cidadania era basica-
mente esta: respaldar um programa de uma candidatura apoiada
pelos partidos populares à presidência da República. Ela começou
em abril de 1993 em Garanhuns (PE) e terminou um ano depois
em Goiânia (GO). Foram mais de 40 mil quilômetros percorridos
de ônibus, visitando cerca de 500 cidades, vilas e povoados de to-
das as regiões do país. Onde o ônibus não podia chegar, fomos de
carro, de barco, de trem, de avião, de helicóptero - de algum jeito
chegamos ao Brasil esquecido pelas elites, escreveu Ricardo Kotsho
14 Emília Moreira e Ivan Targino

no nosso livro Viagem ao Coração do Brasil (São Paulo, Scri-


ta/Ed. Página Aberta, 1994), que faz um relato de parte dessa cru-
zada.
Depois veio a campanha eleitoral e nós perdemos.
Mas a idéia das Caravanas sobreviveu: um ano depois, no segundo
semestre de 1995 estávamos de novo com o ônibus na estrada per-
correndo o Vale do Jequitinhonha (MG) e o Vale do Ribeira (SP).
“La Armata Brancaleone Brasiliana”, como brincava nosso coman-
dante Wander Bueno Prado, continuava a perseguir os mesmos
propósitos: ser um canal de expressão para as pessoas do lugar, das
propostas de solução de seus problemas. E foi assim que chegamos
naquela noite a João Pessoa para discutir as soluções para a crise da
agroindústria canavieira do Nordeste.
É interessante notar que, na era da Internet, o lugar
parece não ser mais uma informação relevante. Você clica num
ponto da tela do seu computador e num instante pode estar na
China ou no Canadá, ou em qualquer outro “site” do mundo que
tiver uma “home page”. Não interessa onde: você está apenas em
mais um local onde se pode obter determinada informação. Na era
da Informática, a desqualificação do lugar e a valorização do local
exprime um significado muito cruel: quem não tiver condições de
se mostrar não existe. Não é que será esquecido, simplesmente não
será lembrado. O lugar não importa a menos que possa ser associa-
do a um “locus” qualquer da rede de informações disponíveis para
o mundo virtual que se está construindo em nome da globalização.
A Caravana da Cidadania estaria assim, supostamente, na contra-
mão da “modernidade”. Buscar o conhecimento do lugar onde se
desenvolve a vida de multidões de brasileiros à margem dos bol-
sões de integração e de globalização ainda não é possível pelos
caminhos da fibra ótica. Ainda se faz necessário palmilhar as sen-
das e as veredas por onde transita o drama de milhares de vidas e
de destinos.
Naquela semana, a Caravana já havia percorrido o
interior do Pará tomando conhecimento do massacre de Eldorado
de Carajás, um lugar que entrou para a História como um dos lo-
cais da luta dos trabalhadores sem terra pela reforma agrária no
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 15

Brasil. A imprensa só falava disso. O Governo só falava disso.


Nem uma palavra sobre as Usinas fechadas de Santa Helena em
Sapé e de Santa Maria em Areia, por onde havíamos acabado de
passar. Eram milhares de pessoas sem emprego e que não tinham
sido sequer indenizadas pelos seus direitos trabalhistas mais ele-
mentares.
Sem esperança de conseguir outras oportunidades
de trabalho na região, muitos já haviam migrado para o Centro-Sul
ou para as grandes cidades do Nordeste. A promotora pública de
Areia estava tentando localizar os 3 mil trabalhadores que têm di-
reito à indenização devido à falência da usina Santa Maria em 1993.
Ela revelou que recebera comunicação da polícia informando que
vários dos trabalhadores despedidos estavam presos por assalto na
cidade de São Paulo ou tinham sido mortos de forma violenta.
Naqueles dias, outras 510 famílias ocuparam as ter-
ras de três fazendas (Santa Luzia, São José e Gameleira), leiloadas
para saldar parte das dívidas junto aos credores da Usina Santa He-
lena, da qual faziam parte. Terra de boa qualidade, mas insuficiente
para acomodar todos nos módulos de 7 hectares indicados para o
lugar. Por isso, frei Anastácio, da CPT, e os presidentes dos Sindi-
catos de Trabalhadores Rurais da região, estavam pressionando o
Incra por novas desapropriações de fazendas já vistoriadas e com-
provadamente improdutivas existentes na região. Na hora da nossa
visita ao acampamento improvisado de barracas de lona preta, es-
tava chegando mais uma família vinda lá de Espírito Santo, “onde
tinham ouvido falar da ocupação”...
A luta dos trabalhadores nordestinos re-encontra
nas ocupações das terras das usinas falidas na Zona da Mata e das
propriedades improdutivas o seu novo “locus”. A crise e o desem-
prego que grassam no campo, em particular, na Zona Canavieira,
minam as possibilidades de conquista das campanhas salariais, co-
mo que tornando-as um “momento ultrapassado” da história da
classe trabalhadora no campo. A luta pela terra confunde-se com a
luta contra o desemprego, a fome, a miséria, a marginalização ur-
bana. Em resumo, a forma que se reveste, nesse momento de crise,
a luta pela sobrevivência dos que não migraram.
16 Emília Moreira e Ivan Targino

Estes “flashes”da vida do mundo rural, apreendidos


pelas andanças da Caravana da Cidadania por esses brasis afora
(inexistentes para tantos pois não são “home page” dos canais da
internet), são objeto de revelação e de análise do presente livro.
Aquele 23 de abril foi um bom encontro entre as
questões levantadas pela Caravana e esta obra que nos permite
entender com clareza a trajetória de luta pela vida dos trabalhado-
res rurais paraibanos.
Ao resgatar o processo de estruturação e organiza-
ção do espaço rural enquanto espaço de exploração, o livro de
Emília e de Ivan mostra as origens de um lado, da geração de ri-
queza sob a forma de açúcar, gado, algodão, café, sisal, álcool... e,
de outro, da produção da pobreza sob a forma de escravos, mora-
dores, foreiros, parceiros, bóias-frias...
O livro analisa a modernização da agricultura que
provocou mudanças substanciais no espaço agrário da Paraíba, a
partir dos anos 60. A melhoria do padrão tecnológico elevou a
produtividade, permitiu a incorporação de novas áreas à exploração
agrícola, estimulou a superação de antigas relações de trabalho,
aprofundando o grau de liberdade do trabalhador. Porém, os auto-
res evidenciam que esta mesma modernidade foi também respon-
sável pela expansão do trabalho infantil e feminino, pela intensifi-
cação do êxodo rural, pelo fortalecimento da migração sazonal de
pequena distância, pelo desenvolvimento de doenças resultantes do
contato com agroquímicos.
Na esteira da “modernidade”, assiste-se também o
avanço da organização dos trabalhadores que propiciou várias con-
quistas seja através da luta do pequeno produtor por crédito, seja
através da luta dos posseiros e moradores pelo direito de permane-
cer na terra, ou ainda, através da luta dos assalariados por melhores
condições de salário, de trabalho e de vida. Nessa luta, não foram
poucos os que tombaram: Nego Fuba, Pedro Teixeira, Zé de Lela,
Bila, Paulo Gomes, Margarida... . Se alguns tombaram, se outros
não suportaram as pressões e deixaram o campo, a história dos
movimentos sociais, recuperada pelos autores, mostra que a resis-
tência de muitos engendrou algumas conquistas: desapropria-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 17

ção/aquisição de terras palco de conflitos, garantia de observância


da legislação trabalhista e melhoria de algumas condições de traba-
lho.
À medida que o livro aprofunda e desvenda essas e
outras questões, ele é útil para os que desejarem um melhor conhe-
cimento da realidade rural da Paraíba. Ele é útil não só para técni-
cos, estudantes, pesquisadores. Ele é importante também como um
instrumento de formação dos que participam e fazem os movimen-
tos sociais no campo.
A ação da Caravana da Cidadania não pode se res-
tringir ao levantamento e registro de problemas e de questões. Ela
precisa ter prosseguimento na formulação e proposição de políticas
e necessita também encontrar eco nas organizações locais de traba-
lhadores através do aprofundamento das questões levantadas. Nes-
se sentido, o livro que ora apresento pode trazer uma contribuição
para o fortalecimento das organizações dos trabalhadores e, por
essa intermediação, para a transformação do agro paraibano de um
espaço de exploração em um espaço de justiça e de vida.

José Graziano da Silva


Professor Titular de Economia Agrícola da Unicamp
18 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 19

1. Introdução
O espaço agrário paraibano desde o início da co-
lonização portuguesa tem-se constituído em um espaço de explo-
ração. As articulações entre as variáveis econômicas, sociais, polí-
ticas e culturais tecem um “ambiente de vida” gravoso à sobrevi-
vência da classe trabalhadora. A sua estruturação e a sua organi-
zação subordinadas inicialmente aos interesses do capital mercan-
til metropolitano e mais recentemente, aos ditames de valorização
do capital industrial e financeiro, não têm como finalidade o
atendimento das necessidades básicas da maioria da população.
Ao se afirmar que o espaço agrário tem sido histo-
ricamente, do ponto de vista do trabalhador, um espaço de explo-
ração, não se nega que as condições de vida no campo não te-
nham experimentado mutações. Com efeito, as formas de explo-
ração têm sofrido alterações ao longo do tempo, à medida que o
espaço agrário evolui e se reestrutura. O escravo, o morador, o
bóia-fria, são expressões diversas dessa exploração, correspon-
dentes a diferentes momentos do processo de acumulação do
capital na agricultura.
Ser livre é qualitativamente diferente de ser escra-
vo. Ser assalariado representa mudança substancial em relação a
ser morador de condição. Ao se exemplificar as transformações
ocorridas, não se deseja passar a impressão de que haja uma me-
lhoria linear nesse processo evolutivo. Se, por um lado, a perda
do acesso à terra por parte do assalariado em relação à sua antiga
condição de morador é sentida, por outro lado, o fim do controle
sobre a sua força-de-trabalho e a de seus familiares é algo subli-
nhado em diferentes testemunhos de agricultores.
Não se deve esquecer também, que as formas
concretas assumidas pela passividade/luta dos trabalhadores, em
19
20 Emília Moreira e Ivan Targino

diferentes momentos da história, têm sido de fundamental impor-


tância para o quadro em que se circunscreve a vida do trabalhador
e as formas de ocupação e de organização do espaço.
Assume-se, portanto, que as condições de vida dos
trabalhadores rurais estão vinculadas ao modo de estruturação e
de organização do espaço agrário. Daí a importância de um estu-
do que procura desvendar a dinâmica organizacional desse espa-
ço, enquanto subsídio para os movimentos que se integram na
luta pela melhoria da qualidade de vida da classe trabalhadora.
Foi com base nesses pressupostos que este traba-
lho foi concebido e desenvolvido. Nele, dá-se ênfase, num pri-
meiro momento, ao processo inicial de formação do espaço agrá-
rio paraibano e à evolução da sua organização até os anos 60 do
século atual. Constata-se aqui que a “aparente” não organização
desse espaço antes da chegada do colonizador estava, na verdade,
relacionada ao estágio de desenvolvimento das sociedades tribais
aí residentes. O espaço “intocado” era de fundamental importân-
cia para a sobrevivência das tribos indígenas. Observa-se ainda
que durante todo período colonial a agricultura estadual se orga-
nizou em função de um “excedente colonial”. As culturas explo-
radas, as relações de trabalho implantadas, o nível tecnológico
vigente e a distribuição da propriedade da terra, tudo isso foi
montado segundo as necessidades de extração de um excedente
por parte do capital mercantil então dominante. Nessa fase, o
“espaço intocado” do período anterior ao descobrimento foi sen-
do modificado, segundo as novas necessidades da estrutura do
poder colonial. Essa dinâmica permaneceu ditando as regras da
organização espacial mesmo após a independência do Brasil. E
não poderia ser diferente, pois o novo status político não impli-
cou em modificações na estrutura de dominação sócio-
econômica.
Embora no final do século passado e início deste
tenham ocorrido mudanças significativas na organização da pro-
dução e do trabalho no campo, tais como a expansão da cotoni-
cultura, a implantação das Usinas de açúcar, o fim da escravidão e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 21

o fortalecimento do sistema morador e de outras relações de tra-


balho pré-capitalistas, a lógica dominante continuou sendo a do
modelo primário-exportador. Mais recentemente, com a domina-
ção real do capital sobre o processo produtivo agrícola, através da
chamada “modernização conservadora”, verificam-se profundas
mudanças na organização do espaço agrário estadual.
O estudo dessas mudanças refletidas no uso do
solo, na estrutura fundiária, na base técnica da produção, na di-
nâmica da população, nas relações de trabalho e no emprego rural
é realizado ao longo dos capítulos três a sete. A análise efetuada
ao longo desses capítulos não se restringe a um “inventário” da
paisagem. Procura-se ir além da aparência do fenômeno para
apreender o processo global do qual as transformações da paisa-
gem são apenas um elemento. Deste modo, as modificações da
organização agrária são situadas dentro de um quadro explicativo
mais amplo. Elas são relacionadas ao processo de modernização
conservadora da agricultura que aqui teve lugar e que se consti-
tuiu no vetor primordial da expansão do capital no agro paraiba-
no. Foi, portanto, o novo padrão de acumulação implantado,
onde o Estado desempenha papel importante, que determinou as
alterações mencionadas.
A reação da população a esse processo seja através
da luta por terra ou por melhores condições de vida e trabalho,
bem como a violência no campo paraibano, são abordados no
capítulo oito. Nele faz-se menção ao papel do Estado, da Igreja,
da classe patronal, dos movimentos sociais e das organizações
não governamentais frente à luta dos trabalhadores. Para a sua
elaboração contou-se com a colaboração da professora Rosa Ma-
ria Godoy na versão preliminar do item que trata da luta dos tra-
balhadores por melhores condições de vida, salário e trabalho. O
professor Giuseppe Tosi não só revisou esse item, como com-
plementou-o com informações preciosas, fruto da sua experiência
de trabalho junto ao movimento sindical.
As fontes estatísticas básicas utilizadas são: a) as
fornecidas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
21
22 Emília Moreira e Ivan Targino

tatística (FIBGE), através dos Censos Agropecuários de 1970,


1975, 1980 e 1985; dos Censos Demográficos de 1970, 1980 e
1991, das publicações sobre a produção agrícola e pecuária muni-
cipal de 1980 a 1993 e da Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílio (PNAD) de 1983 a 1990, e; b) as fornecidas pela SU-
DENE através do Boletim Conjuntural do Nordeste de 1995, e
dos Agregados Econômicos Regionais de 1995.
Os técnicos do Ideme e os bolsistas do CNPq que
participaram da confecção do Atlas de Geografia Agrária do Es-
tado, contribuíram no levantamento dos dados analisados ao logo
do trabalho. A eles deixamos registrados os nossos agradecimen-
tos.
A análise da distribuição espacial dos fenômenos
estudados baseou-se nos mapas e esboços cartográficos contidos
no Atlas, bem como em pesquisas empíricas realizadas seja pelos
responsáveis pelo trabalho seja por pesquisadores e estudiosos da
questão agrária e do meio ambiente.
Faz-se necessário acrescentar, que o Atlas de Ge-
ografia Agrária da Paraíba constitui um complemento deste livro.
Os mapas, e gráficos ali contidos constituem a representação grá-
fica dos fatos aqui analisados. Daí a importância de se trabalhar
conjuntamente os dois compêndios. De fato, a proposta inicial
consistia na elaboração de um Atlas texto. A angústia da espera
por mais de um ano pela publicação definitiva do Atlas só foi
compensada pelo fato de termos aproveitado o tempo para revi-
sar, atualizar e complementar os textos. Prontos, eles acabaram
por ultrapassar os limites da proposta inicial, isto é, a de constituí-
rem textos explicativos do material contido no Atlas. O surgimen-
to deste livro constitui, portanto, o fruto desse processo.
Na verdade, esse processo engloba todo um esfor-
ço de reflexão, de estudo e de participação em movimentos popu-
lares que extrapola de muito o tempo de elaboração do Atlas de
Geografia Agrária da Paraíba. Parte dos textos aqui contidos teve
sua origem na tese de doutoramento de um dos autores (Emilia
Moreira). Outra parte nasceu em resposta a demandas dos movi-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 23

mentos popular e sindical ligados à questão agrária e já foram


parcialmente apresentados e/ou publicados em Anais de Encon-
tros e Congressos. Para serem utilizados, passaram por revisão,
reelaboração ou foram simplesmente complementados. A presen-
te publicação representa portanto, a reorganização de um traba-
lho há muito iniciado, numa cumplicidade de mãos e de vidas
com a construção de uma sociedade mais justa.

23
24 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 25

2. PROCESSO DE FORMAÇÃO E
EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
DO ESPAÇO AGRÁRIO
PARAIBANO
(da conquista do território aos anos 60
do século XX)

“O tempo era bom? Não era.


O tempo é, para sempre.
A era da antiga era
roreja incansavelmente”.

Carlos Drummond de Andrade,


Versos do poema “As impurezas do branco”

Neste capítulo tenta-se resgatar, em linhas gerais,


o processo de formação e a evolução da organização do espaço
agrário paraibano (da conquista do território aos anos 60 do sécu-
lo XX), buscando destacar as mudanças nele ocorridas ao longo
do tempo.
A abordagem espaço-temporal dos fatos não se
prende a uma periodização histórica bem marcada dos mesmos.
A preocupação não é a de fazer um trabalho de história. A pre-
tensão maior é a de demonstrar que o espaço agrário paraibano
não constitui uma realidade homogênea, dada e acabada, mas um
produto heterogêneo da ação diversificada do homem sobre a
natureza. Ação esta condicionada pelo modo de organizar a pro-
dução de bens e serviços e pelas articulações sócio-políticas e
culturais que são essenciais à sua sobrevivência. Como esse pro-
cesso não é estático (ele evolui e se transforma ao longo do tem-
po), o espaço agrário, enquanto fruto do mesmo, está sempre se
25
26 Emília Moreira e Ivan Targino

reorganizando para reproduzir as novas formas de produção e as


novas relações sociais que se estabelecem a cada momento histó-
rico. São esses aspectos que se busca ressaltar nesta unidade de
trabalho, a qual compreende quatro grandes subunidades: a que
trata do processo inicial de organização do espaço agrário parai-
bano e as que estudam a evolução dessa organização nas regiões
do Litoral Açucareiro ou Zona da Mata, do Sertão Pecuarista-
Cotonicultor e do Agreste Policultor-Pecuarista.

2.1. Da conquista à organização inicial do espaço agrário

A conquista do atual território paraibano só ocor-


reu quase um século após o descobrimento do Brasil. O fato con-
siderado como marco inicial desse processo seria a fundação da
cidade de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, a 18 qui-
lômetros da foz do rio Paraíba. Daí teve início a apropriação do
espaço pelo elemento colonizador, o qual se deparou em vários
momentos com a resistência da população nativa. Essa popula-
ção, segundo pesquisas recentes, agrupava-se em três grandes
nações: Tupi, Cariris e Tarairiús.
De acordo com Borges, os índios da nação Tupi
dividiam-se em potiguaras e tabajaras.1 Habitavam dominante-
mente a região litorânea. Os potiguaras concentravam-se ao norte
do rio Paraíba, sendo encontrados ao longo do rio Mamanguape
e, mais para oeste, na altura da serra de Copaoba (Serra da Raiz).
Os tabajaras, concentrados ao sul do rio Paraíba, foram aldeados
em Aratagui (Alhandra), Jacoca (Conde), Piragibe (João Pessoa),
Tibiri (Santa Rita) e Pindaúna (Gramame). Parcela dos índios da
tribo tabajaras deixou a Paraíba em 1599 (BORGES apud MELO
& RODRIGUES, 1993:35).
A nação Tarairiús era formada por dez tribos, as-
sim distribuídas: a) Janduís, à altura dos atuais municípios de San-

1Os índios tabajaras, conforme observa AGUIAR, migraram para a Paraíba e se fixaram no litoral
pouco antes da conquista do território pelos portugueses (1992:25-26).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 27

ta Luzia e Patos, e no vale do Curimataú; b) Ariús, ao longo dos


rios Piranhas, Sabugi e Seridó e na região de Patu, próxima ao Rio
Grande do Norte; c) Pegas, nas proximidades dos atuais municí-
pios de Pombal e Catolé do Rocha; d) Panatis, em áreas próximas
aos rios Piranhas e Espinharas; e) Sucurus, originariamente em
Bananeiras e Cuité, tendo como zona de concentração os vales
dos rios Curimataú e Trairi. Citam-se ainda as tribos Paiacus na
fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará, Canindés, na
Serra de Cuité, Genipapos na fronteira do Rio Grande do Norte
com o Ceará, Cavalcantis que representavam uma facção dos
Ariús, em Campina Grande e Vidais, na zona fronteiriça do Rio
Grande do Norte com o Ceará (BORGES apud MELO & RO-
DRIGUES, 1993:36).
Os índios da nação Cariris distribuíam-se ao longo
dos rios do Peixe, Paraíba e Piancó. De acordo com Borges, eles
compreendiam as tribos: Chocós e Paratiós (em Monteiro e Tei-
xeira), Carnoiós (em Cabaceiras e Boqueirão), Bodopitás ou Fa-
gundes (perto de Campina Grande), Bultrins (nos Cariris de Pilar
e Alagoa Nova), Icós (no Rio do Peixe, Sousa e Conceição) e
Coremas (no curso do rio Piancó) (BORGES apud MELO &
RODRIGUES, 1993:35).
Como as demais nações indígenas, as que habita-
vam a Paraíba apresentavam organização comunitária, inclusive
como forma de enfrentar as adversidades externas. A sua sobre-
vivência dependia, fundamentalmente, de sua relação com os
recursos naturais, em particular, com a terra.

“Organizados em uma economia comunitá-


ria, os índios cultivavam a mandioca, o mi-
lho, o fumo e o algodão e praticavam a caça,
a pesca e a coleta. Para tanto, a terra era
mais que o celeiro natural, era a própria ra-
zão de existência da comunidade” (MO-
REIRA & EGLER, 1985:16).
27
28 Emília Moreira e Ivan Targino

Com a chegada dos europeus, os índios mantive-


ram com eles relações amistosas e, mais do que isso, cooperativas.
Almeida Prado assim descreve as formas de prestação de serviço
dos índios aos portugueses nessa fase do escambo:

"O potiguara buscava a madeira, cortava-a


como o cliente queria, transportava-a até o lo-
cal de embarque, auxiliava no acondiciona-
mento a bordo. Cultivava, a pedido do foras-
teiro, o algodão silvestre e mais espécies de seu
interesse. Construía galpões, onde a colheita
pudesse ficar sem se deteriorar até o embar-
que: levantava abrigos para a tripulação re-
pousar em terra; fazia consertos (...) amea-
lhava provisões em que figurava em primeiro
lugar o beiju de mandioca" (PRADO,
1964: 51).

Enquanto a posse da terra e a sua liberdade não


estiveram ameaçadas, como ocorria na exploração do pau-brasil,
os índios não ofereceram resistência ao colonizador. No entanto,
à medida em que o sentido da colonização evoluiu para a apropri-
ação da terra e para a sujeição do nativo, este reagiu. A reação dos
indígenas à subordinação da sua terra e do seu povo ao processo
colonizador constitui a primeira forma de luta pela terra que teve
lugar na Paraíba. O desfecho desse processo de resistência foi-
lhes, contudo, adverso.
" A conquista da Paraíba, além do seu ca-
ráter defensivo contra os corsários, é antes de
tudo o preço do avanço da cana-de-açúcar que
parte de Pernambuco, atravessa Itamaracá e
chega à várzea dos rios paraibanos. Não só
a terra deve ser tomada ao índio da região,
que tem nos franceses um forte incentivador à
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 29

resistência armada: é preciso justificar o seu


extermínio. Apela-se então para a chamada
Guerra-justa: índio que pega em armas con-
tra os portugueses é passível de morte. Se
aprisionado, legalmente passa a ser escravo.
O índio se enquadra então numa das catego-
rias: índio aliado, domesticado ou inimigo,
conforme se sujeite ou não ao domínio portu-
guês" (MEDEIROS, 1990:6).
A submissão do espaço paraibano à dominação
colonial foi acompanhada pelo massacre da população nativa, seja
através de sua pura e simples eliminação, seja pelos ultrajes a que
foi submetida, ou ainda em virtude de doenças que contraiu no
contato com o colonizador e da sua participação como "aliado"
nas guerras.2
Sobre a violência e o genocídio dos nativos na
Paraíba, exemplifica assim o historiador José Octávio de Arruda
Melo, ao narrar fatos referentes à ação dos colonizadores no sen-
tido de submeter os potiguaras à sua dominação em nosso territó-
rio:
"Na zona aproximadamente ocupada pelos
atuais municípios de Caiçara, Serra da Ra-
iz, Duas Estradas, Pirpirituba e Belém, a
violência funcionou em níveis elevadíssimos.
Ferido numa perna, o que o deixou aleijado,
3
Feliciano acometeu os índios com brutalida-
de, bastando dizer-se que numa só sortida fo-
ram mortos cento e vinte, com aprisionamento
de oitenta. Embora resistissem, sob a lide-

2O estudo sobre a mão-de-obra indígena da Paraíba no período colonial realizado por Maria do
Céu Medeiros, nos fornece informações importantes sobre esse processo de submissão e massacre
da população nativa do Estado, e ainda fornece uma indicação bibliográfica bastante ampla sobre
o tema (MEDEIROS:1990).
3Refere-se a Feliciano Coelho Carvalho, capitão-mor da Paraíba de 1592 a 1600, principal respon-
sável pela subjugação dos potiguaras na Paraíba.
29
30 Emília Moreira e Ivan Targino

rança dos caciques Páo Seco e Zorobabé, os


índios terminaram esmagados" (MELO,
1994:32).
A penetração do processo de colonização em di-
reção ao interior foi também acompanhada pelo rastro do sangue
nativo. A reação do indígena sertanejo à sua transformação em
cativo e pela defesa de suas terras deu origem à chamada Guerra
dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris. Esta se estendeu pelos
sertões do Nordeste de 1680 a 1730, sendo considerada pelo his-
toriador Irineo Joffily como "a maior guerra anti-colonialista que já se
travou em território brasileiro". O saldo foi o extermínio desta popu-
lação ou sua fuga do nosso território para terras que hoje com-
preendem o Estado do Rio Grande do Norte. Alguns historiado-
res chegam mesmo a atribuir a fraca contribuição nativa para a
formação da sociedade sertaneja paraibana à sua eliminação ou à
sua expulsão promovida pela Guerra dos Bárbaros (ME-
LO,1994:73-74).
No jogo de dominação travado, o ataque direto do
colonizador às tribos não foi a única nem, em alguns casos, a mais
forte tática de luta. Não se deve esquecer a estratégia do coloni-
zador de lançar tribos inteiras umas contra as outras. Os episódios
que envolvem a fundação da cidade de Nossa Senhora das Neves
são ilustrativos dessa tática (AGUIAR,1992:24-25).
O que resta desta população, hoje, são alguns
poucos remanescentes dos potiguaras, habitando a reserva indí-
gena de Baía da Traição. Sua sobrevivência e permanência nesta
área constitui o resultado de uma longa história de luta. Ao longo
do século XX viram suas terras serem ocupadas e usurpadas pela
Companhia de Tecidos Rio Tinto, por grileiros ligados às destila-
rias de álcool que se instalaram na área após o Proalcool, ou ainda
por empresas ligadas à especulação imobiliária (MELO, 1994:34).
Contra esse processo de invasão, algumas comunidades indígenas,
a exemplo de “Jacaré de São Domingos”, reagiram. Porém, só em
janeiro de 1993 foi que se deu a demarcação de suas terras pelo
Governo Federal. De mais de 30.000 hectares originais, foram
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 31

demarcados 5.032 hectares. Mesmo assim, até o momento, ainda


não se procedeu à expulsão dos invasores.
A percepção que tem o indígena de sua situação,
enquanto sujeito de um processo que o exclui do direito à sobre-
vivência na terra, terra esta que ele considera como mãe, como a
essência de sua vida e da liberdade de ser, acha-se expressa no
poema a seguir:

"Tudo o que fere a terra, fere também os fi-


lhos da terra.
O índio é filho da terra.
A terra é a nossa vida e a nossa liberdade.
Os grandes senhores da terra não compreen-
dem o povo índio,
Porque os grandes senhores da terra escravi-
zam a terra.
São estranhos que chegam de noite, roubam
da terra tudo quanto querem.
Para eles um torrão de terra é igual a outro.
A terra não é sua irmã, é sua inimiga.
Eles a destroem e vão embora.
Deixam para trás o túmulo de seus pais,
roubam a terra dos seus filhos.
Sua ganância empobrecerá a terra e eles dei-
xarão atrás
de si só a areia cansada dos desertos.
A força do povo índio é amar e defender a ter-
ra.
Ela é de todos os homens.
Quem tem direito de vender a mãe de todos
os homens?
A terra é a nossa vida e a nossa liberdade.
Índio sem terra é como tronco sem raízes à
beira do caminho.
Tudo o que fere a terra, fere também os filhos
da terra"

(Texto de um índio, recolhido pela CPT. Cit. por CARVALHO,


Murilo. In: Brasil: Sangue da terra.1980:89)

31
32 Emília Moreira e Ivan Targino

A principal motivação da conquista do território


paraibano foi a ocupação efetiva e a implantação aqui, a exemplo
do que já se fazia em Pernambuco, de um sistema de exploração
colonial voltado para atender aos interesses da Metrópole coloni-
zadora. A conformação inicial do espaço agrário paraibano foi,
portanto, "marcada pela articulação à metrópole portuguesa, a qual define o
sentido e a direção do processo de ocupação e povoamento" (FERNAN-
DES, 1992:1).
Essa ocupação deu-se, principalmente, no sentido
leste-oeste, do Litoral em direção ao Sertão. No Litoral, ela base-
ou-se na produção da cana-de-açúcar. A evolução da atividade
canavieira teve influência também na ocupação e no povoamento
do Sertão e do Agreste. Isso porque a necessidade de especializa-
ção das terras na produção da cana determinou a separação das
atividades canavieira e pecuária. Daí resultou uma divisão regional
do trabalho: a Zona da Mata voltou-se para a produção do açúcar
e o interior (Agreste e Sertão), para a produção do gado e de gê-
neros alimentícios. A retração da economia açucareira na segunda
metade do século XVII contribuiu significativamente para o po-
voamento do Agreste, por liberar mão-de-obra e forçar a migra-
ção em direção ao interior. Desse modo, a organização inicial do
espaço agrário paraibano teve como suporte a atividade canavieira
(no Litoral) e as atividades pecuária e policultora no Agreste e no
Sertão.

2.2. O Litoral açucareiro

O predomínio da cana na paisagem da Zona da


Mata paraibana é uma constante, do início da colonização aos
dias atuais. Porém, a forma como se organizou o espaço nem
sempre foi a mesma. Ela sofreu modificações significativas, de-
pendendo ora de condicionantes externos, ora das mudanças nas
relações técnicas e sociais de produção. De modo geral é possível
identificar três grandes momentos desse processo no período em
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 33

análise: o do domínio dos Engenhos; o da efêmera experiência


dos Engenhos Centrais e o de dominação da Usina de Açúcar.
2.2.1. O Engenho: um mundo de poder e auto-
suficiência

“O engenho-banguê, o fogo aceso,


O caldo no parol, as rodas lentas,
A cana abrindo o massapê do brejo,
A cantiga de ferro da moenda.
A boca rubra da fornalha baixa,
A casa-de-purgar, o barro, as tinas,
A escumadeira, o coco, o mel das tachas,
O bueiro borrando o céu de tisna.
O pão na forma, o canto na moagem,
A anti-usina, ainda em pé, botando,
A aguardente, o álcool, o vinagre.
O açúcar na mesa, antigos móveis,
E o cheiro do melaço embriagando
O tempo-avô com seus alvos bigodes.

Versos do poema “Nordestinados” de Marcus Accioly

A organização inicial do espaço agrário litorâneo,


a exemplo do que ocorreu em toda fachada oriental do Nordeste,
baseou-se na produção açucareira destinada ao mercado externo,
na divisão das terras em grandes unidades produtivas conhecidas
por Engenho e no trabalho escravo. Tratava-se de um espaço
construído e organizado para atender às necessidades de acumu-
lação do capital mercantil. Daí ele ser tido como um "espaço
alienado", ou seja, um espaço produzido para atender necessida-
des externas.
À exceção dos produtos de luxo importados da
metrópole, os Engenhos produziam quase tudo que necessita-
vam. O senhor de Engenho detinha grande poder nos limites de
sua propriedade. Segundo Antonil, ser senhor de Engenho era

33
34 Emília Moreira e Ivan Targino

um título que todos ambicionavam, pois implicava “em ser obedecido


e respeitado por muitos”.
O Engenho de açúcar constituía a base econômica
e social da Colônia. A unidade de produção do sistema açucareiro
compreendia tanto a atividade agrícola quanto a atividade indus-
trial.
A atividade agrícola abrangia a produção da cana,
como cultura principal, e de produtos de subsistência, como cul-
tivos suplementares.
O plantio da cana era realizado nas várzeas de rios
conseqüentes como o Paraíba, o Mamanguape, o Una, o Grama-
me, o Miriri e o Camaratuba, não só por apresentarem condições
edafo-climáticas mais favoráveis, como também por se constituí-
rem em vias naturais de penetração. Ao longo destas, foram insta-
lados os primeiros Engenhos. Segundo Melo, em 1634, dos 18
Engenhos existentes na Paraíba, dois situavam-se na área de Ma-
manguape junto aos rios Camaratuba e Miriri. Os demais distribu-
íam-se pelo vale do Paraíba, aproveitando a extensa rede de aflu-
entes deste - Tibiri, Tambiá, Inhobim e Gargaú (MELO, 1994:
43). Cultivou-se inicialmente a variedade de cana denominada
"crioula". No século XIX foi introduzida a cana caiana. A partir
de então, passou-se a cultivar variações desse tipo de cana, como
a "imperial" e a "cristalina", que foram suplantadas pela "cana
manteiga" ou "Flor de Cuba" (ANDRADE, 1986:80).
O trabalho nos canaviais era desenvolvido em
cinco etapas principais: o preparo do solo, o plantio, a limpa, a
colheita e o transporte da cana para os Engenhos. Em decorrên-
cia do longo ciclo vegetativo da cana era (e ainda é) comum ter-se
sempre duas safras a cuidar, quais sejam, a do ano corrente e a
que será moída no ano seguinte (ANDRADE, 1986:72/73).
A atividade industrial, desenvolvida pelo Engenho,
compreendia todo processo de transformação da cana em açúcar.
Ela iniciava-se, regra geral, em setembro, utilizando tanto o traba-
lho escravo, quanto o trabalho de portugueses pobres. Estes con-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 35

sagravam-se às atividades técnicas ligadas à produção do açúcar: o


mestre-purgador, o banqueiro, o mestre-de-açúcar, o caixeiro.4
O mestre-de-açúcar e o banqueiro ocupavam-se
do cozinhamento do caldo da cana e da fabricação do açúcar. O
mestre purgador administrava a casa de purgar, dirigia o processo
de purgamento (embranquecimento do açúcar) e zelava pelo "mel
de furo", utilizado como matéria-prima para a fabricação da rapa-
dura. O caixeiro encaixava o açúcar e determinava o barreamento
dos cantos das caixas, a retirada do dízimo, a porção dos lavrado-
res, etc.5
Além dos trabalhadores ligados às atividades téc-
nicas, os Engenhos empregavam ainda a mão-de-obra portuguesa
nas atividades administrativas (o feitor-mor, o feitor de moendas,
o feitor de campo, etc.). Essas categorias de trabalhadores eram
pagas com um pequeno salário, constituindo-se em mão-de-obra
livre, assalariada.

2.2.1.1. A organização do trabalho

Em função do atrasado padrão técnico e do “ca-


lendário agrícola pesado”, os Engenhos necessitavam de mão-de-
obra numerosa. "Para um partido de 40 tarefas - cerca de 12 hectares -
requeria-se nada menos de 20 escravos" (MELO, 1986:38). Utilizou-se
inicialmente a força-de-trabalho indígena da própria região, bem
como índios tapuias trazidos do Maranhão, "para nutrir de braços
cativos as plantações e os Engenhos".

4Segundo Manoel Correia de Andrade, os primeiros técnicos dos engenhos nordestinos eram
judeus importados da Europa por Duarte Coelho. Estes, e os pequenos lavradores, teriam con-
formado "o núcleo central de uma classe média rural" (...) (ANDRADE, 1986: 62).
5A respeito das atividades técnicas desenvolvidas pelos portugueses nos Engenhos, leia-se AN-
DRADE, M. C. de. Op. cit. p. 77/78.
35
36 Emília Moreira e Ivan Targino

"O primeiro Engenho da Paraíba - o Engenho


D’El-Rei no Tibiri (1587) - apelou para o
trabalho do índio manso (...). (MEDEIROS,
1990:8). Isto porque "o escravo africano, nos
primeiros tempos, por sua diminuta proporção,
não bastava para todas as necessidades de um
Engenho corrente a moente" (ALMEIDA
apud MEDEIROS,1990:8).

Em 1634, em 18 Engenhos do vale do Paraíba,


encontravam-se índios domesticados auxiliando nos trabalhos
agrícolas e na produção do açúcar (MEDEIROS, 1980:8).
Os indígenas não se submeteram ao trabalho es-
cravo de forma passiva. Sua resistência à escravidão manifestava-
se através da baixa produtividade, da indolência e da fuga.

"Nos Engenhos e plantações fundados pela no-


breza lusitana, o indígena teimava em rejeitar o
trabalho escravo, dava constantes demonstrações
de rebeldia e, quando não conseguia fugir, termi-
nava abatido pelos castigos ou pelas doenças,
morrendo às dezenas ou às centenas.
(...)Rebelava-se igualmente contra o trabalho se-
dentário, tornava-se um escravo de ínfimo rendi-
mento e manifestava pela "indolência" seu pro-
testo contra o estilo de vida a que o queriam sub-
jugar" (GUIMARÃES, 1968:15/16).

Os índios foram substituídos por negros trazidos


da África, na condição de escravos. Estes eram adquiridos no
mercado e transformados em cativos de um senhor. Os negros
efetuavam tanto o trabalho agrícola (plantação e colheita da cana
e dos produtos de subsistência), como participavam da atividade
fabril ligada à produção do açúcar. Manuel Correia de Andrade
assim descreve o trabalho dos escravos nos canaviais:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 37

"(...) Homens e mulheres eram empregados nas


duras fainas do campo e nos trabalhos da indús-
tria. Apenas no campo, as mulheres não traba-
lhavam com o machado; no plantio e na limpa
do canavial os escravos eram postos a trabalhar
com o nascer do sol e se recolhiam à senzala à
noite, terminando a faina com o pôr do sol. Na
colheita da cana, cabia a cada negro cortar, por
dia, trezentos e cinqüenta feixes de 12 canas que
eram amarrados por uma escrava. Assim, cada
cortador de cana era acompanhado na sua faina
por uma amarradora. Essa quantidade era o
suficiente para a fabricação de uma forma de
açúcar.
Uma vez cortada e amarrada, era a cana trans-
portada para a casa da moenda e depositada
num amplo salão, o picadeiro” (ANDRADE,
1986:78/79).

Além do trabalho nos canaviais, cabia aos escravos


cultivar lavouras alimentares para seu próprio sustento e para o
consumo do senhor e de sua família, trabalhar na mata cortando,
empilhando e transportando madeira em carros de boi para abas-
tecer as fornalhas, participar do trabalho fabril e de atividades
domésticas, limpar o pátio e o Engenho, preparar os alimentos,
apontar as ferramentas de trabalho, etc. Eram as escravas quem
transportavam a cana do picadeiro para a moenda, faziam passar
o bagaço entre os tambores, arriscando-se a acidentes graves,
consertavam e acendiam as caldeiras e cuidavam do parol. Nas
fornalhas, trabalhavam os escravos doentes, os considerados re-
beldes ou criminosos, estes, presos a correntes. Eram também os
escravos quem colocavam o mel cozinhado no tendal, transporta-
vam as formas para a casa de purgar, amassavam o barro de pur-
gar, etc.(ANDRADE, 1986:78).
37
38 Emília Moreira e Ivan Targino

Tratava-se de uma condição de vida e trabalho


desumana.
"A jornada de trabalho levava a exaustão físi-
ca, fornecendo a quem a observasse, uma imagem
de pesadelo no qual fogo, suor, negros, correntes,
rodas e caldeiras ferventes, misturavam-se indis-
tintamente" (ROBLES & QUEIROZ,
1987:27).

Vivendo em senzalas infectas, submetidos a casti-


6
gos diversos , mal nutridos e enfraquecidos pelo excesso de tra-
balho e pelas condições de vida que lhes eram impostas, encon-
travam-se mais fragilizados diante das epidemias, das catástrofes
naturais (como inundações e secas) e da fome (particularmente
quando a produção de alimentos era insuficiente), perecendo nes-
ses momentos em grande número.7
O castigo era inerente ao caráter de exploração e
de coação do sistema. Era a forma de submeter a vontade e o
corpo dos escravos e escravas aos ditames do eito (e leito) e do
fabrico do açúcar. Era uma conseqüência do estado de animalida-
de a que foram reduzidos os escravos. A bondade do senhor po-
dia apenas determinar o grau de crueldade de um castigo.

6Sobre os castigos infligidos aos escravos na Paraíba, veja, entre outros documentos históricos, a
Carta Régia datada de 07 de fevereiro de 1698, contida na obra de Irineu Pinto (1977: 91). Manoel
Correia no seu A terra e o homem no Nordeste e Celso Mariz na obra Evolução econômica
da Paraíba, também fazem referência aos castigos infligidos aos negros escravos no Nordeste.
7Segundo Celso Mariz, em 1641 morreram mais de mil negros numa epidemia de varíola desenca-
deada com a inundação da várzea do Paraíba ocorrida naquele ano. Esse estudioso faz também
menção à insuficiência da produção de alimentos em áreas de cana, responsável pela disseminação
da fome e pela grande mortandade entre os escravos (MARIZ, 1978:11/12). Irineu Pinto ressalta
que na seca que durou de 1791 a 1793, "o abade de S. Bento, Fr. Bento da Conceição Araújo, nada pôde
fazer para que não morresse uma parte da escravatura dos engenhos de sua instituição. Os que não morreram,
sustentaram-se durante oito ou dez meses de ervas por não poder mantê-los a citada instituição" (PINTO,
1977:179). Em 1856, segundo estatísticas oficiais, uma epidemia de cólera teria sido responsável
pela morte de 2.982 negros, o que representava cerca de 10,0% do total da população escrava
existente no Estado em 1851 (PINTO, 1977:207/248).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 39

Um belo poema de Jorge de Lima refere-se ao


negro escravo do Brasil da seguinte forma:

Pai João secou como um pau


/sem raiz
Pai João remou canoas.
Cavou a terra.
Fez brotar do chão/
a esmeralda
Das folhas - café, cana
/algodão
A filha de Pai João tinha
/um peito de
Turina para os filhos de
ioiô mamar:
Quando o peito secou a filha
/de Pai João
Também secou agarrada num
Ferro de engomar.
A pele de Pai João ficou
/na ponta
Dos chicotes
A força de Pai João ficou
/no cabo
Da enxada e da foice
A mulher de Pai João o branco
A roubou para fazer mucama
O sangue de Pai João
se sumiu no sangue bom
Como um torrão de açúcar
/bruto
Numa panela de leite.
Pai João foi cavalo pra
/os filhos de ioiô montar.
Pai João sabia histórias tão
/bonitas que
Davam vontade de chorar

(Versos do poema “Pai João” de Jorge de Lima).

39
40 Emília Moreira e Ivan Targino

Na economia colonial, eram os escravos meras


mercadorias e a escravidão "uma modalidade de exploração da força-de-
trabalho baseada direta e previamente na sujeição do trabalho, através do
trabalhador, ao capital comercial” (MARTINS, 1979:16). Nesse con-
texto, tanto o trabalho quanto o trabalhador são propriedades do
senhor. Assim sendo, o trabalhador é reduzido à condição de
objeto. Ele é uma "coisa", que pertence a um dono, que pagou
por ele um preço: o preço de mercado. Essa "coisificação" do
escravo reflete a ideologia de uma classe dominante que se crista-
lizava na postura da Igreja da época (a idéia do escravo enquanto
"coisa" foi reforçada por uma bula papal que afirmava que o ne-
gro não tinha alma).
Referindo-se às características da força-de-
trabalho escrava e à forma cruel como esta era tratada na planta-
tion canavieira paraibana, Aécio Villar de Aquino relata o seguinte:

"A crueldade contra escravos na Paraíba se en-


contra devidamente comprovada nos escritos de
diversos autores, nos jornais da época e na docu-
mentação dos cartórios. O escravo inútil, velho
ou doente, era frequentemente abandonado à
própria sorte, pois nele o que valia era a sua
produção. Rodrigues de Carvalho narra diversos
casos de crueldade contra cativos, que ouviu de
uma velha ex-escrava, praticados pelos senhores
de Engenho Lalão, Mello Azevedo e José
Lopão. Estes senhores costumavam dar fim
àqueles escravos que só serviam para dar despe-
sas. Acontecia um "acidente simulado" e o es-
cravo inútil era incinerado na fornalha, enforca-
do, afogado (...) Adhemar Vital escreve a respei-
to das desumanidades praticadas pelo major Ur-
sulino de Tapuá, personagem cuja perversidade o
tornou célebre em toda Paraíba (...) Era um sá-
dico, um verdadeiro celerado desumano que com-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 41

prava por baixo preço escravos viciados ou rebel-


des e os submetia a toda sorte de suplícios até
conseguir amansá-los, quando não faleciam em
conseqüência do castigo" (AQUINO,
1993:141).
Em muitos casos, até o direito à procriação era
limitado pela necessidade que tinha o senhor de ter braços fortes
e sadios para o trabalho. Daí o surgimento, de um lado, do "re-
produtor de senzala" e, de outro, da alienação do direito à pater-
nidade por parte dos que tinham que se submeter às leis seletistas
de reprodução impostas pelo senhor.
A resistência negra à escravidão se manifestou,
entre outros, através da sabotagem ao trabalho, do suicídio, da
fuga e da formação dos "quilombos". O quilombo do Cumbe,
situado no município de Santa Rita, o do Engenho Espírito San-
to, o dos Craúnas no vale do Piancó, entre outros, constituem
alguns dos exemplos desta reação.
"O escravo negro na Paraíba adotou quase todas
as formas de resistência à escravidão admitidas
por Roger Bastide (...). Foram freqüentes os sui-
cídios de escravos (...); diversos assassinatos de
senhores e seus familiares, feitores e outras pesso-
as de quem sofreram agravos (...) (...) a sabota-
gem ao trabalho faz parte do próprio sistema es-
cravista e daí a vigilância constante do feitor; não
consta que tenha havido revoltas de negros de cer-
ta envergadura na Paraíba, mas pequenas rebe-
liões locais, principalmente nos presídios. A par-
ticipação dos negros escravos nas diversas rebe-
liões de que foi fértil o século XIX é inconteste,
às vezes assumindo até uma certa liderança como
no caso dos "Quebra-Quilos; as fugas de cativos
foram inúmeras. Organizaram-se em mucambos
e quilombos. Existiu não só o célebre quilombo
41
42 Emília Moreira e Ivan Targino

do Cumbe, situado no local da atual cidade de


Santa Rita em fins do século XVII. Koster dá
notícias de um mucambo de negros fugitivos nos
arredores de Mamanguape e já na segunda me-
tade do século XIX existiu um quilombo no
Engenho Espírito Santo, contando inclusive,
com a participação de índios fugidos das aldeias,
que perturbou durante anos a vida daquela loca-
lidade, chegando a interromper as comunicações
com grande parte da Província e que resistiu te-
nazmente ao seu extermínio”(AQUINO,
1993:142).

Na Paraíba, como em outros estados do Nordeste,


o trabalho escravo (embora menos numeroso que em outras pro-
víncias), constituiu o suporte da atividade açucareira por três sé-
culos e representou uma parcela significativa da população. Mes-
mo no final do período escravocrata, os negros representavam
13% da população dos municípios paraibanos (PINTO,
1977:208).
Embora o trabalho escravo tenha sido a relação de
trabalho dominante durante esse período, ela não foi exclusiva.
Outras formas de trabalho foram introduzidas, sobretudo em
períodos de crise do sistema. Assim, a regressão do sistema açuca-
reiro, na segunda metade do século XVII, provocada pela crise de
acumulação que nele se processou, em decorrência de mudanças
na estrutura do mercado internacional de açúcar, foi responsável
por algumas modificações nas relações de trabalho vigentes na
atividade açucareira, visando garantir sua sobrevivência. Como os
senhores de Engenho não podiam adquirir a mão-de-obra escrava
suficiente para atender suas necessidades de braços, devido ao
aumento de preço da força-de-trabalho escrava, passaram a facili-
tar o estabelecimento de camponeses no interior de suas terras
(ANDRADE, 1986:104). Surge daí os lavradores e em seguida o
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 43

sistema de moradores que posteriormente iria substituir o traba-


lho escravo.
Os lavradores constituíam uma categoria de pe-
quenos agricultores que forneciam cana para os Engenhos traba-
lhando, seja em terra própria, seja em pedaços de terra dos Enge-
nhos que eles alugavam. Para moer a cana nos Engenhos, paga-
vam ao senhor "metade da produção, se lavravam terras próprias, ou dois
terços, ou três quintos, conforme a maior ou menor distância e a qualidade
das terras, se estas eram do Engenho” (ANDRADE, 1986:113). Esta-
belece-se assim um sistema de parceria, atrelado e submetido ao
latifúndio canavieiro.

"Essas modificações na organização interna do


trabalho permitiram a sobrevivência do sistema
açucareiro. Isto porque, no caso dos lavradores,
por exemplo, o senhor de Engenho, mantendo o
controle dos meios de produção (terras e Enge-
nhos), lhes transferia os custos de produção da
cana e ainda apropriava-se de uma certa margem
de benefício. Isto sem falar da renda fundiária
(paga em trabalho ou dinheiro) que recebia da-
queles que alugavam suas terras" (MOREI-
RA, 1990:06).

Os moradores eram camponeses sem terra que


recebiam do proprietário fundiário a autorização de habitar na
propriedade, ocupar um pedaço de terra (os sítios) e nele cultivar
uma roça. Em alguns casos, podiam criar animais de pequeno,
médio e grande portes. Tinham direito a lenha e a água. Apesar
de produzirem essencialmente para o autoconsumo, obtinham
eventuais excedentes que vendiam nas feiras livres. Às vezes re-
cebiam um salário.

"Um salário de condição, mais baixo do que o


vigente no mercado, salário que o senhor da terra
43
44 Emília Moreira e Ivan Targino

obrigava a rebaixar(...)” (GORENDER,


1987:30).

Eram obrigados a prestar serviços gratuitos ao


senhor (o cambão), dois ou três dias por semana (moradores de
condição ou cambãozeiros), ou a pagar uma renda fundiária em
dinheiro, o foro, (moradores foreiros). Muitas vezes, além do
foro, eram obrigados também a pagar o cambão. Além do mora-
dor de condição, existia também o "morador agregado" (sistema
de trabalho mais antigo que era utilizado pelos grandes proprietá-
rios). Este trabalhador, em troca de um pedaço de terra, "ficava
obrigado a trabalhar para o Engenho, cabendo-lhe, entre outras coisas, o
trato e o corte da tarefa de 625 braças" (SÁ, 1992:7).

"A permissão ‘graciosa’ do senhor de Engenho,


do morador morar e cultivar um pedaço de terra
(mesmo em casos em que não existisse pagamen-
to de renda em dinheiro) garantia a propriedade
privada da terra em áreas que, do contrário, po-
deriam ser consideradas devolutas. Isto evitava
que o homem livre fosse um ocupante e transfor-
mava-o em agregado, engendrando nele e em tor-
no dele, uma ideologia de submissão e aceitação
de sua condição de despossuído, legitimando con-
cretamente, ao nível das relações sociais, a pro-
priedade territorial privada, já existente em ter-
mos legais" (CABRAL, 1987:35).

Deste modo, no sistema de morada, as condições


de sobrevivência da população mantinham uma estreita relação
com o acesso à terra. A possibilidade maior ou menor de acesso à
terra dependia não só do chefe da família como de toda a família.
Isto porque, quanto mais numerosa fosse a prole masculina, mai-
or a possibilidade de encontrar "morada".
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 45

Outra característica do sistema de morada era o


seu caráter interpessoal. O acordo e as condições estabelecidas
eram negociadas diretamente entre as partes, sem qualquer inter-
mediação estatal. Era um acordo desigual porque podia ser rom-
pido a qualquer momento pelo proprietário da terra, enquanto
que o rompimento por parte do trabalhador só podia ocorrer se
ele não estivesse em débito com o patrão. O contrato era oral e
implicava uma série de compromissos de parte a parte. Ao patrão
cabia dar a terra, a água, a lenha, a permissão de plantar e criar.
Ao morador cabia trabalhar unicamente para o senhor, obedecer-
lhe e ser-lhe fiel. O controle que o senhor exercia sobre essa força
de trabalho se fazia através do acesso à terra. Em alguns casos, à
medida que se consolidava o sistema de morada, esse controle era
reforçado pelo endividamento do trabalhador através dos siste-
mas de barracão e de vales. O trabalhador endividado era impedi-
do de sair da terra a não ser quando o patrão assim o desejasse. A
sujeição ao barracão e ao vale imprimia um caráter de semi-
escravidão ao sistema de morada.

O barracão correspondia a um "armazém


pertencente ao Engenho ou arrendado a alguém
de confiança do senhor; recebendo o morador, va-
les ao invés de dinheiro, ficava geralmente em dé-
bito devido aos preços exorbitantes do barracão.
Desta forma, ficava atrelado ao Engenho e ain-
da mais limitado na liberdade de dispor de sua
força-de-trabalho, vendendo-a a quem quisesse"
(CABRAL, 1987:39).

Essa relação desequilibrada era garantida pela for-


ça policial. Se o trabalhador saísse da terra devendo ao patrão,
este acionava a polícia e mandava prender o devedor. Caso não
fosse preso, bastava a fama de devedor para dificultar-lhe o aces-
so à morada noutra propriedade.

45
46 Emília Moreira e Ivan Targino

Alguns versos do poeta Geraldo Alencar põem em


confronto esses dois mundos (o do patrão explorador e o do mo-
rador):

(...) “Que é que meu patrão fazia


Se fosse meu moradô
Trabaiando todo dia
Bem por fora do valô?
Me vendo num palacete
Sabureando banquete
Daqueles que o sinhô come
E o sinhô no meu roçado
Trabaiando no alugado
Doente e passando fome?”(...)

Versos do poema “Pergunta de moradô”

Outras malhas das relações sociais reforçavam as


relações pessoais. Pode-se citar: o alinhamento com os patrões
nas disputas eleitorais e as relações de compadrio; quando neces-
sário, a defesa do patrão em eventuais conflitos com outros pro-
prietários. Em troca dessa lealdade, os trabalhadores recebiam,
além das condições de moradia já citadas, proteção e assistência.
Em outras palavras, a sujeição do trabalhador em troca de prote-
ção reforçava a dominação e o controle da classe patronal sobre o
mesmo.
O depoimento abaixo, embora não retrate o mo-
mento histórico ora analisado, constitui um testemunho da conti-
nuidade de um processo gestado no período colonial e que, em-
bora apresentando diversificações, podia ser encontrado facil-
mente no Litoral paraibano até duas décadas atrás.

"A gente dava um dia de serviço de quinze em


quinze dias e ainda pagava mais um forinho.
Aí acabaram com esse negócio de pagar um dia
de quinze em quinze dias e passaram a cobrar
um foro. Aí passaram para o eito. Eito significa
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 47

assim: é trabalhar quatro ou cinco dias com a


famia pros dono da terra e aí eles paga e aí não
cobra mais foro. Fica o trabalhador trabalhando
e recebe a sua semana que trabalhou. É um pa-
gamento mas não é um salário; é mais ou menos
meio salário". (Depoimento de um antigo
morador do Engenho Tabatinga, locali-
zado em Pedras de Fogo, referindo-se à
evolução do pagamento da renda pelos
moradores da citada propriedade no sé-
culo atual, mais precisamente entre 1930
e 1978).8

As formas de trabalho tipo lavrador e morador


conviveram com o sistema escravagista até sua abolição. Cessada
a escravidão, o sistema morada se consolidou e tornou-se a forma
dominante de trabalho nos engenhos de açúcar do Litoral parai-
bano.

2.2.1.2. A propriedade da terra

Do mesmo modo que a propriedade dos escravos,


as formas de apropriação da terra na Zona da Mata foram organi-
zadas segundo as necessidades da produção açucareira e segundo
as normas culturais e políticas dominantes na época. Estava-se em
plena transição da Idade Média para a Idade Moderna. Com esta
afirmação não se está advogando uma mera transposição das
formas feudais para o Brasil.
A produção canavieira requeria tecnicamente a
instalação de canaviais em grandes propriedades, dado o seu cará-
ter monocultor e a necessidade de aprovisionamento de matéria-
prima para o funcionamento da unidade fabril. As condições téc-
nico-materiais da produção reforçam os padrões político-culturais

8Cf. MOREIRA, Emilia. Por um pedaço de chão. João Pessoa, Editora Universitária, 1996.

47
48 Emília Moreira e Ivan Targino

dominantes de apropriação da terra. Daí entender-se porque a


produção açucareira, subordinada aos interesses do capital mer-
cantil internacional, teve como suporte a concessão de grandes
sesmarias. A distribuição das terras em sesmarias foi responsável
tanto pelo caráter privado que adquiriu a propriedade da terra,
quanto pela criação dos alicerces da grande propriedade que ca-
racteriza o sistema açucareiro.

As sesmarias requeridas tinham enorme


extensão. "Aqueles que as requeriam, quando
conseguiam, juntavam outras terras através de
novos requerimentos sempre deferidos. Gostavam
de perder de vista as suas terras. De nunca lhes
avistarem os horizontes. Foi necessário que, em
1697, Carta Régia limitasse o tamanho das
concessões a uma área de três léguas de compri-
mento por uma de largura. Quase onze mil hec-
tares. E já era uma restrição...” (MELO,
1986:36).

Na Paraíba, as primeiras sesmarias foram concedi-


das nas várzeas dos rios Paraíba, Jaguaribe, Una, Tibiri e Grama-
me. Segundo Celso Mariz, " a primeira sesmaria de registro em nosso
arquivo é de 10 de janeiro de 1586, de uma légua no rio Una (...) para
plantar cana" (MARIZ,1978:4).
Embora não se possa precisar com exatidão o
número de sesmarias doadas na Paraíba, o historiador João de
Lyra Tavares na obra História territorial da Parahyba registra
1.138 cartas de doação emitidas entre 1586 e 1824, para plantar
cana, criar gado ou cultivar lavouras de subsistência. Segundo
Melo:

"A primeira sesmaria paraibana foi concedida


ainda no século XVI, quando seu número não
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 49

passou de cinco. No século XVII, essa cifra


cresceu, mas na primeira metade, sua localização
não ultrapassou os vales dos rios Paraíba e
Mamanguape, o que significa colonização ainda
restrita ao Litoral. Na segunda metade do século
XVII e, principalmente no século XVIII, essas
sesmarias alcançaram os pontos mais distantes
do território paraibano, o que representou a ex-
pansão deste, com incorporação das terras serta-
nejas à colonização" (MELO, 1994:29).

A concessão de sesmarias foi suspensa em 17 de


julho de 1822 e em 18 de setembro de 1850 foi aprovada a Lei
601, conhecida como Lei de Terras de 1850. Esta lei tinha por
pressuposto básico a mercantilização da terra. A partir dela o
acesso à terra limitava-se a quem tivesse condições de adquirí-la.
Sua importância para a constituição do mercado de trabalho é
ressaltada por José Graziano da Silva quando afirma que:

"Enquanto a mão-de-obra era escrava, o lati-


fúndio podia até conviver com terras de "acesso
relativamente livre" (porque a propriedade dos
escravos e de outros meios de produção aparecia
como condição necessária para alguém usufruir a
posse dessas terras). Mas quando a mão-de-obra
se torna formalmente livre, todas as terras têm
que ser escravizadas pelo regime de propriedade
privada. Quer dizer, se houvesse homem livre
com terra livre, ninguém iria ser trabalhador dos
latifúndios" (SILVA, 1981:25).

Os objetivos principais da Lei de Terras de 1850


consistiam: na proibição do acesso à terra por outro meio que não
fosse a compra; na extinção do processo de ocupação de terras
devolutas, que teve lugar com o fim das sesmarias; na valorização
49
50 Emília Moreira e Ivan Targino

da terra e na sua conseqüente transformação em mercadoria; na


utilização dos recursos oriundos da venda de terras devolutas para
investir na importação de colonos europeus.
Deste modo, com a Lei de Terras de 1850, a terra
se valoriza e adquire importância mercantil e o estabelecimento
da propriedade privada é reforçado no Brasil e por rebatimento,
na Paraíba.

2.2.1.3. O surgimento da pequena produção no


Litoral: algumas notas

Como foi demonstrado, a atividade canavieira


desenvolvida em latifúndios foi responsável pela conformação
inicial do espaço agrário litorâneo. Suas fases de crise, as caracte-
rísticas internas de sua organização e a garantia de sobrevivência
da mão-de-obra por ela utilizada estão na base do processo inicial
de formação de uma pequena produção de alimentos a ela subor-
dinada.

"A cultura de mantimentos (farinha, fava,


mandioca, feijão, fumo...) destinava-se ao abaste-
cimento interno, à reposição da força-de-trabalho
dos canaviais e era parte de uma economia que,
apesar de ser ‘a mais necessária para a terra’
sempre foi considerada secundária e mantida de
forma subordinada" (BASSANEZI,
1994:21).

A produção de alimentos era realizada inicialmen-


te pelos escravos e destinava-se ao seu auto-abastecimento. Se-
gundo Cabral, a existência desta lavoura de subsistência tinha
dupla determinação:

"(...) de um lado, existia como parte de um me-


canismo de adaptação à (...) rigidez da mão-de-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 51

9
obra escrava. Em conjunturas desfavoráveis,
quando de crises de demanda do açúcar, o siste-
ma podia (...) se fechar dentro de si mesmo, sen-
do parte do tempo de trabalho dos escravos antes
dedicada à produção comercial, dirigida então
para a lavoura alimentar. Por outro lado, mes-
mo em conjunturas normais, a existência de la-
voura de subsistência dentro do Engenho repre-
sentava uma necessidade estrutural. Não exis-
tindo uma lavoura alimentar bem desenvolvida
fora do Engenho, suprir as necessidades básicas
dos escravos com mantimentos comprados num
mercado interno incipiente ou no mercado exter-
no, significava monetarizar a reprodução da for-
ça-de-trabalho escrava e fazê-la a altos custos"
(CABRAL, 1987:27/28).

Em outras palavras, através da produção de ali-


mentos, os senhores de Engenho transferiam para os escravos os
custos de sua reprodução.

(...) "Tão importante quanto esta questão, está o


outro elemento citado: num contexto de abun-
dância de terras, adquirir mantimentos num
mercado ainda não organizado, a altos preços,
significava comprometer irremediavelmente parte
considerável do lucro do Engenho" (CABRAL,
1987:27/28).

Posteriormente, com o advento do morador, a


produção de alimentos passou também a ser realizada por este e

9Segundo Gorender, essa rigidez da mão-de-obra escrava significa que "a quantidade de trabalho de
um plantel permanece inalterada apesar das variações da quantidade de trabalho exigida pelas diferentes fases
estacionais ou conjunturais da produção" (GORENDER, J. 1988:210).
51
52 Emília Moreira e Ivan Targino

suas famílias, nos sítios que lhes eram cedidos pelos senhores de
Engenho. Ela era praticada ainda nas terras dos lavradores situa-
das fora dos limites dos Engenhos.
A expansão ou a contração da pequena produção
alimentar nos Engenhos achava-se intrinsecamente relacionadas
aos momentos de expansão ou de retração da atividade canaviei-
ra. Assim, nos momentos de apogeu da atividade, reduzia-se a
produção alimentar uma vez que se exigia que todos os esforços
fossem dirigidos à monocultura, em detrimento da "lavoura bran-
ca".

"A carência de alimentos era um dos graves pro-


blemas estruturais criado não pela falta de terra
para as lavouras de subsistência, que podiam ser
cultivadas nos solos rejeitados pela cultura impe-
rialista, mas pela própria monocultura da cana-
de-açúcar, pelo próprio produto comercial que
monopolizava toda a força-de-trabalho e não po-
dia liberar braços para outras atividades. A de-
ficiência alimentar, que era uma constante na
zona do açúcar, agravava-se e às vezes assumia
aspectos alarmantes nos períodos de seca, cujos
efeitos também se projetavam nas áreas úmidas
da Província" (AQUINO, 1993:136).
No que se refere à formação da pequena proprie-
dade camponesa, embora os historiadores admitam que a propri-
edade latifundiária escravista, nos moldes em que foi desenvolvi-
da no Nordeste, não possibilitava a expansão em grande escala da
posse da terra, fazem menção à ocupação de terras devolutas por
intrusos e posseiros à retaguarda dos Engenhos, considerando
essas ocupações como precursoras da pequena propriedade cam-
ponesa no Litoral. O sistema de lavrador estaria também na base
da formação da pequena propriedade na região.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 53

A pequena produção e a pequena propriedade


camponesa teriam nascido, assim, nos interstícios10 da grande
propriedade monocultora, ou seja, nas "brechas" do sistema ca-
navieiro e a ele subordinada.

2.2.2. Os Engenhos Centrais: uma experiência


efêmera

A crise de acumulação que atingiu a atividade açu-


careira nordestina na segunda metade do século XVII, aprofun-
dou-se e alongou-se por todo o século XVIII. Contribuiu, para
isso, a conjuntura econômica interna, centrada na produção aurí-
fera, a concorrência com o algodão que chegou a ser produzido
em plena zona canavieira e a dependência que a Paraíba tinha em
relação ao mercado de Pernambuco.11
A partir de 1750, algumas medidas foram tomadas
para soerguer a atividade. Destaca-se entre outras, a isenção de
execução sumária dos senhores de Engenho que eram devedores
coloniais e a criação da Companhia Geral de Comércio de Per-
nambuco e Paraíba. A ela cabia realizar investimentos de capital
no setor, expandir o crédito, restaurar e fundar Engenhos.
Por outro lado, como foi demonstrado anterior-
mente, modificações foram sendo introduzidas na organização
interna do sistema, mais especificamente nas relações de trabalho,
visando garantir sua sobrevivência.
Não obstante as isenções, os incentivos recebidos
e as mudanças introduzidas nas relações de trabalho, só nos fins
do século XVIII é que a atividade canavieira irá apresentar mos-

10Interstício aqui deve ser entendido como sugere Bassanezi, não somente entre um latifúndio e
outro, mas também nos limites da propriedade. Cf. BASSANEZI, Inês. Estilos de Vida das
pequenas produtoras rurais: a mulher do sítio e a mulher da roça. João Pessoa, Dissertação
de Mestrado em Serviço Social, UFPb, 1994, p. 24.
11No que respeita à dependência do comércio de açúcar paraibano em relação à praça de Recife,
leia-se, entre outros, ANDRADE, Gilberto Osório. Os rios de açúcar do Nordeste Oriental --
o rio Paraíba do Norte. Recife, IJNPS, 1959.
53
54 Emília Moreira e Ivan Targino

tras de reaquecimento. Isto, em decorrência da revalorização do


açúcar no mercado externo, graças à desarticulação das regiões
produtoras, sobretudo, das Antilhas.
Essa fase, porém, é estancada na segunda metade
do século XIX em conseqüência, de um lado, da crise do fim da
escravidão e, de outro, pela competição desigual do nosso produ-
to com o açúcar de beterraba produzido na Europa, com tecno-
logia e rendimento muito superiores aos nossos. Isto sem falar na
concorrência com áreas produtoras de açúcar de cana como Cuba
e Java.
Na verdade, a tecnologia de produção do açúcar,
na Paraíba, não havia até o início do século XIX sofrido grande
evolução. No que tange ao cultivo do solo, até o final do citado
século pequenas foram as alterações observadas, além da prática
do alqueive,12 da introdução do arado13 e de novas variedades de
cana. A prática da adubação também não era utilizada. No setor
industrial, os Engenhos movidos a tração animal e os Engenhos
d'água só começaram a ser substituídos pelo Engenho a vapor nas
últimas décadas do século passado quando, segundo Manoel Cor-
reia, "a cal passou a substituir a potassa, as fôrmas de barros cederam lugar
as fôrmas de madeira e metal, generalizou-se o uso do bagaço como combustí-
vel a partir de modificações efetuadas nas fornalhas e os tambores das moen-
das que eram colocadas em posição vertical, passaram a ser postos em posição
horizontal" (ANDRADE,1986:81).
As bases técnicas da produção açucareira paraibana
durante o século XIX são assim descritas por Aquino:

"Na Paraíba, durante quase todo século XIX,


nenhum melhoramento substancial foi introduzi-
do nos seus engenhos de açúcar, quer no setor

12O alqueive, largamente utilizado na Europa durante a Idade Média, consistia em deixar a terra
cansada, durante certo tempo, em pousio.
13Segundo Irineu Pinto, foi o Presidente da Província, Dr. Antonio Coelho Sá de Albuquerque
quem mandou buscar em Pernambuco os primeiros arados de ferro para serem utilizados em
alguns Engenhos da Paraíba (PINTO, 1977:209).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 55

agrícola, quer no industrial. Um relatório do


Governador Fernando Delgado Freire de Casti-
lho, datado de 1798, bem demonstra o estado
em que iria iniciar o próximo século a agro-
indústria açucareira paraibana. O uso do arado
era incipiente e se restringia às terras de várzeas,
‘pois que todas as outras são tão cheias de matos
e raízes de árvores que é inútil nelas uma seme-
lhante tentativa’; os terrenos eram roçados a foice
e ‘depois de secos os matos assim roçados, quei-
mam-se de sorte que fica o terreno livre e desem-
baraçado para a plantação’. A precariedade da
parte industrial também ressalta no documento:
as moendas, movidas por cavalos ou bois, eram
de madeira, apenas revestidas de ferro e as canas
necessitavam serem passadas de seis a oito vezes,
podendo-se imaginar o desperdício provocado por
tal tipo de equipamento; o bagaço da cana não
era utilizado nas fornalhas, que gastavam um
carro de lenha para cada pão de açúcar produzi-
do; o açúcar era clarificado com barro, através de
um processo bastante complicado e os mestres de
açúcar eram de baixa qualificação. Quanto à
produção, o Engenho que mói com bestas faz 8
a 12 pães por 24 horas (...)" (AQUINO,
1993:133).

As mudanças tecnológicas introduzidas tanto na


atividade agrícola como na industrial, culminando com o próprio
advento do Engenho a vapor, foram incapazes de evitar a persis-
tência da crise que assolou o sistema açucareiro. Para garantir a
sobrevivência do setor face a esta nova crise, o poder público
estabeleceu, no último quartel do século XIX, incentivos econô-
micos e financeiros para a sua reorganização. Primeiramente,
através da garantia de juros, tentou estimular a canalização de

55
56 Emília Moreira e Ivan Targino

capitais para as unidades fabris que não abrangiam a parte agríco-


la ou de produção de cana (MELO, 1975).
O Engenho Central correspondia a uma unidade
produtora de açúcar cuja atividade limitava-se ao setor fabril (se-
tor de transformação) não abrangendo, portanto, a atividade de
produção agrícola. Sua criação fundamentou-se na idéia de que os
problemas do setor achavam-se concentrados na etapa de indus-
trialização do produto. Desse modo, era para a mesma que deve-
riam convergir a maior parte dos investimentos. Ao separar as
duas atividades, tentava-se preservar o regime de propriedade das
terras e modernizar a fabricação do açúcar. Em outros termos,
com os Engenhos Centrais, ao mesmo tempo em que se preser-
vava a estrutura fundiária tradicional, introduzia-se modificações
econômicas importantes, relativas ao aumento da produtividade e
da rentabilidade, bem como propiciava-se a concentração da ati-
vidade fabril nas mãos de um número relativamente pequeno de
grandes produtores. A atividade agrícola permaneceria nas mãos
dos senhores de Engenho e dos lavradores de cana14.
Esse modelo de organização industrial fundado na
garantia de juros foi um completo fracasso. Isso por uma série de
razões. Dentre elas citam-se: a) a resistência dos senhores de En-
genho em aderir ao projeto pelo risco que corriam de transforma-
rem-se em meros fornecedores de cana, o que significaria a perda
do prestígio e do poder político e econômico que detinham; b) a
má utilização do dinheiro público por parte dos concessionários
dos subsídios; c) a irregularidade do fornecimento da cana; d) a
15
falta de controle de preços do açúcar, entre outros.
Na Paraíba, a primeira e única concessão para a
implantação de Engenho Central data de 11 de março de 1880.
Nessa época, essa forma de organização agrária já caíra em des-
crédito. O Engenho Central aqui criado localizou-se em terras

14Entre as várias obras que tratam da evolução da atividade canavieira e abordam a questão dos
Engenhos Centrais destacamos O açúcar e o homem de Mário Lacerda de Melo.
15A obra Nordeste, açúcar e poder de Martha Santana aborda com muita propriedade essa
questão.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 57

pertencentes ao antigo Engenho São João, no município de Santa


Rita, e recebeu a denominação de Engenho Central São João. Ele
foi inaugurado em 1888 pela Companhia de Engenhos Centrais,
de capital holandês, passou posteriormente à Companhia Geral
de Melhoramentos do Rio de Janeiro e deste à Companhia Açu-
careira da Paraíba. Antes mesmo da sua inauguração, o Engenho
Central São João enfrentou difuldades, como ressalta Santana:

"O governo imperial, por decreto nº. 9.640, de


11 de setembro de 1886, rescindiu por 8 meses a
garantia de juros à Companhia de Engenhos
Centrais das Províncias da Parahyba e Sergipe
(que tinha sede no Rio de Janeiro) por não haver
concluído as obras da fábrica dentro do prazo de-
terminado e fixou o prazo de 8 meses para a
conclusão de seus trabalhos, sob pena de caduci-
dade, o que obrigou a empresa a levantar em-
préstimos na praça de Amsterdã" (1990:196).

Esse prazo foi elastecido por duas vezes: por mais


um ano e, posteriormente, até 31 de agosto de 1888.
Depois de inaugurado, outros problemas surgi-
ram, tais como: a) suprimento de cana insuficiente para atender à
capacidade produtiva da fábrica; isto se deve, de um lado, ao fato
dos proprietários de Engenho continuarem produzindo açúcar, e
de outro, aos pequenos Engenhos e plantadores livres dividirem o
fornecimento da cana por eles produzida entre os Engenhos tra-
dicionais e o Engenho Central; b) relação difícil entre os planta-
dores livres e a Companhia concessionária; c) resistência dos se-
nhores de Engenho em aderir ao projeto, etc.
Embora o Estado tenha intervido no sentido de
beneficiar as oligarquias açucareiras do Nordeste, ainda no final
do Império, criando novas normas com relação às centrais e libe-
rando o restante dos recursos para seu financiamento, sendo a

57
58 Emília Moreira e Ivan Targino

Paraíba contemplada com 450:000$00, a inoperosidade do Enge-


nho Central São João fez dele mais um empreendimento fracas-
sado e um investimento perdido (SANTANA, 1990). Com o in-
sucesso dos Engenhos Centrais, o Estado investiu vigorosamente
no financiamento das Usinas de Açúcar.

2.3. As Usinas de açúcar

“Só os banguês que ainda purgam ainda


o açúcar bruto, com barro, de mistura;
a usina já não o purga: da infância
não de depois de adulto, ela o educa;
em enfermarias, com vácuos e turbinas, em
mãos de metal de gente indústria,
a usina o leva a sublimar em cristal
o pardo xarope: não o purga, cura.

Versos do poema “Psicanálise do Amor” de João Cabral de Melo Neto

A Usina é um estabelecimento voltado para a


produção de açúcar. Trata-se de uma empresa fabril que exerce
também a atividade agrícola. Ela surgiu apoiada pelo poder públi-
co, não constituindo, portanto, um resultado espontâneo do di-
namismo do setor açucareiro, mas uma das várias formas por ele
encontrada para garantir sua sobrevivência.

O impulso inicial dado pelo poder público para a


implantação das primeiras Usinas foi vigoroso. Algumas Usinas
foram isentas dos impostos estaduais por períodos que variavam
de 5 a 15 anos a partir do seu funcionamento (Usinas Espírito
Santo, Mamanguape e Bonfim); outras tiveram abatimento no
imposto de transmissão por compra, o que facilitou o processo de
concentração (Usinas São João e Santana). Apesar do apoio go-
vernamental, o processo de substituição dos Engenhos pelas no-
vas fábricas foi lento e desigual, só vindo a completar-se em mea-
dos deste século.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 59

Durante a primeira metade do século XX, assiste-


se à resistência dos senhores de Engenho ao novo grupo emer-
gente, os usineiros.
A resistência dos bangüês à dominação das Usinas
é fato inconteste.

"Com menores capitais, técnicas mais atrasadas,


baixa produtividade e pondo no comércio um
produto de qualidade inferior, o bangüê resistiu
como pode ao surto usineiro, voltado que estava
para o mercado consumidor regional. A reação
do bangüê fez-se com tal energia que apesar de
sua fraqueza econômica e das vantagens conse-
guidas pelos usineiros perante as instituições gover-
namentais, conseguiu sobreviver por ainda várias décadas até
desaparecer totalmente" (ANDRADE, 1986:95).

As primeiras Usinas paraibanas surgiram no Baixo


Paraíba. A mais antiga é a Usina Santa Rita, fundada em 1910 por
Arquimedes C. de Oliveira com o nome de Usina Cumbe. Locali-
zada no município de Santa Rita, ela foi adquirida em 1922 por
Flávio Ribeiro Coutinho, responsável também pela mudança do
seu nome. A Usina Bonfim, localizada em Sapé, surgiu em 1917 e
pertencia a Gentil Lins. Posteriormente ela foi anexada à Usina
São Gonçalo ou Nossa Senhora do Patrocínio, situada em Cruz
do Espírito Santo, que pertencia a José Galvão de Mello, e à Usi-
na Espírito Santo, pertencente a Adalberto Ribeiro.
Essas Usinas foram compradas por Renato Ribei-
ro Coutinho e fundidas para dar origem a Usina Santa Helena.
A Usina São João, situada também em Santa Rita,
surgiu como Engenho Central em 1888, tendo sido comprada em
1914 pelos herdeiros de João Úrsulo Ribeiro Coutinho e trans-
formado em Usina.
A Usina Santana, no mesmo município, foi fun-
dada com o nome de Usina Pedroza, em 1922, por Manoel Sebas-
59
60 Emília Moreira e Ivan Targino

tião de Araújo Pedroza, tendo passado em 1925 para as mãos de


Flaviano Ribeiro Coutinho (v. quadro I).

Esse processo de transferência de titularidade,


registrado na Paraíba, ocorreu também nas demais regiões açuca-
reiras dos estados nordestinos, conforme ressalta Manoel Correia
de Andrade:

"(...) raros foram os fundadores de Usinas que


se mantiveram como proprietários das mesmas.
A maioria, sem dispor de capital, endividou-se e
teve de se desfazer da Usina passando a indústria a
terceiros" (ANDRADE, 1986:92).

No caso da Paraíba, esse processo de transferência


de titularidade teve por conseqüência a concentração de quase
todas as terras das Usinas situadas no Litoral, nas mãos de uma
única família: a família Ribeiro Coutinho. Só a Usina Monte Ale-
gre não pertenceu a essa família, que foi a maior beneficiada com
os incentivos governamentais dirigidos para o setor. E é ela quem
irá, durante longos anos, deter o poder político e econômico regi-
onal dando origem a uma das mais fortes oligarquias rurais do
Estado, também conhecida como "Grupo da Várzea"16.
Em 1924, a queda do preço do açúcar no mercado
internacional lançou mais uma vez o setor açucareiro numa crise
profunda. Localmente, isso foi reforçado pela enchente do rio
Paraíba, que arruinou casas e plantações. A crise só veio agravar a
situação dos pequenos e médios produtores, cujas propriedades
foram em grande parte absorvidas pelas Usinas. Muitos senhores
de Engenho, sobretudo os da várzea do Paraíba, tiveram suas
dívidas executadas judicialmente pelos usineiros.

16A família Veloso Borges também fazia parte do “Grupo da Várzea”.


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 61

"Outros, ligados por laços antigos de dependência


e clientelismo, resolveram fazer acordos por preços
irrisórios de seus Engenhos na venda aos usinei-
ros, mediante a condição de ocuparem postos de
gerência nas empresas açucareiras ou empregos
para eles e seus familiares no serviço público"
(SANTANA, 1990: 135).

Consta no Registro de Imóveis de Santa Rita, que


entre 1926/27 e 1930/45 vários Engenhos foram adquiridos pe-
los proprietários das Usinas Santa Rita (Flávio Ribeiro Coutinho)
e São João (João Úrsulo e Renato Ribeiro Coutinho) (SANTA-
NA, 1990:135). Esse fato só reforça a tese de que a crise da eco-
nomia açucareira tem, historicamente, contribuído num movi-
mento até certo ponto contraditório, para acentuar a concentra-
ção da propriedade da terra, da renda e do poder, fortalecendo
assim a oligarquia açucareira tradicional e ampliando o seu poder
de barganha junto à máquina estatal.

No final dos anos 60, existiam no Litoral da Para-


íba cinco Usinas de Açúcar funcionando: Santa Rita, São João e
Santana, no município de Santa Rita; Santa Helena, em Sapé e
Monte Alegre, em Mamanguape (v. mapa da distribuição das Usi-
nas e Destilarias in: MOREIRA,1996). Apenas esta última não
pertencia à família Ribeiro Coutinho. Elas comandavam a organi-
zação econômica do espaço agrário regional.

O cultivo da cana, porém, limitava-se às várzeas


de solos aluviais e a algumas encostas dos tabuleiros. Estes, por
apresentarem condições edáficas desfavoráveis (solos pobres e
arenosos) eram utilizados com lavoura de subsistência e coco-da-
baía, ou eram ocupados pela vegetação natural de floresta e cerra-
do, constituindo até o fim dos anos 60 um limite ecológico à ex-
pansão da cana.

61
62 Emília Moreira e Ivan Targino

2.2.3.1. A propriedade da terra, a organização


da produção e do trabalho com a
Usina

A instalação e a expansão das Usinas foram res-


ponsáveis por profundas modificações na organização da produ-
ção e do trabalho com fortes repercussões na organização do
espaço litorâneo da Paraíba. De um lado, elas representaram um
progresso técnico para o setor açucareiro, permitindo mudanças
qualitativas no produto final, com a transformação do açúcar
mascavo em açúcar centrifugado. De outro, contribuíram para a
intensificação da concentração da propriedade da terra e da pro-
dução. Algumas poucas Usinas substituíram centenas de Enge-
nhos.

"A Usina era, assim, um autêntico D. João de


terras, estando sempre disposta a estender seus
trilhos, como verdadeiros tentáculos, pelas áreas
onde pudesse obter cada vez mais canas. Esta
fome de terras iria dar origem ao agravamento do
latifúndio que desde a colonização aflige o Nor-
deste” (ANDRADE,1986:94).

Sobre a concentração fundiária promovida pela


Usina, diz Mário Lacerda de Melo:

"Em uma primeira fase, esse processo de concen-


tração da propriedade fundiária compreendia so-
bretudo terras de velhos bangüês que iam ficando
de fogo morto e tributários das usinas. Em uma
segunda fase, abrangia predominantemente En-
genhos já fornecedores de cana, mas ainda em
mãos dos seus antigos proprietários" (MELO,
1975:56).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 63

A expansão das Usinas promoveu também mu-


danças significativas nas relações de trabalho. Estas se manifes-
tam através:
a) da retração de formas tradicionais de trabalho.
Em um primeiro momento, a Usina consolida o sistema morador,
que era o grande fornecedor de mão-de-obra para a lavoura cana-
vieira. No entanto, à medida em que ela se fortalece e se expande,
começa a disputar as terras que estavam cedidas aos moradores,
aos foreiros e aos lavradores. No bojo deste processo estão pre-
sentes a expulsão dos moradores e a eliminação da categoria de
lavradores. Parcela dessa população expulsa e expropriada con-
verte-se em trabalhadores assalariados da cana. É importante des-
tacar que este processo se deu de modo muito lento. Tanto é que,
no final dos anos 50 e início dos anos 60, várias décadas após a
instalação das primeiras Usinas, o sistema de morada ainda vigo-
rava com grande força na Zona da Mata, preservando sua caracte-
rística secular de exploração: o cambão. Pode-se assim entender o
porquê da eclosão das Ligas Camponesas nessa região, que teve
por bandeira inicial de luta a extinção do cambão e a defesa dos
sítios, ampliando-se para a defesa da reforma agrária, em plena
vigência da Usina. Na Paraíba, os municípios de Sapé e Mari dis-
tinguiram-se como aqueles onde o movimento das Ligas foi mais
expressivo. Todavia, da mesma forma que a reação indígena e
escrava contra a exploração do trabalho e pelo direito à liberdade
e a um pedaço de chão, a luta dos cambãozeiros contra o paga-
mento da renda-trabalho e por uma distribuição mais justa da
terra foi também objeto de repressão e da violência por parte dos
que se dizem "donos da terra". Mais uma vez o preço da luta por
justiça social e por um taco de chão é paga com a vida. Relem-
bramos aqui João Pedro Teixeira e o "Nego Fuba", cujo sangue
na terra se uniu ao dos negros e índios do período colonial, todos
heróis esquecidos nos livros de história oficial (v. mapa da violên-
cia no campo in: MOREIRA,1996).

63
64 Emília Moreira e Ivan Targino

b) da expansão do assalariamento. Com o sistema


Usina, avança o processo de monetarização das relações de traba-
lho via assalariamento da força-de-trabalho. Este processo se dá
pari passu com o da eliminação/transformação das relações de
morada, lembrado no item anterior.
c) do surgimento da figura do fornecedor de cana.
A dominação da Usina sobre o Engenho fez surgir essa figura na
paisagem açucareira nordestina. É o senhor de Engenho que,
perdendo o controle do processo de produção industrial do açú-
car, restringirá sua atividade à produção da matéria-prima para
fornecer à Usina, vinculando-se a esta econômica e juridicamente.
Nem todos os fornecedores, porém, são ex-senhores de Enge-
nho, proprietários da terra que cultivam. Alguns são arrendatários
da Usina ou de outros proprietários;
d) da intensificação da sazonalidade do emprego,
pela introdução do uso de fertilizantes químicos e do aumento da
mecanização;
e) da substituição do senhor de Engenho pelo
usineiro, figura social completamente diferente daquela.

" Sem ligação com o campo, ao contrário do Se-


nhor de Engenho, o usineiro é um homem da ci-
dade, industrial como qualquer outro tipo de
empreendedor e capitão de indústria que apenas
vê na lavoura a produção de matéria-prima in-
dispensável às suas fábricas e marca com uma
intensidade sem igual, a irrupção e a influência
da cultura urbana sobre o campo de que se serve,
pela exploração, mas a que não se liga pela sua
mentalidade e pelos seus hábitos de vida política
no Brasil" (AZEVEDO, 1948:58).

O advento do sistema Usina e a sua posterior


consolidação trouxeram mudanças substanciais tanto na base
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 65

técnica quanto nas relações sociais, implicando em transforma-


ções significativas na organização e estruturação do espaço agrá-
rio litorâneo. Tais transformações irão ser aprofundadas com o
advento do Proalcool, como será analisado no próximo capítulo.
Quer em crescimento, quer em crise, a exploração
da cana-de-açúcar comandou o processo de organização do espa-
ço da porção oriental do Estado da Paraíba. Toda dinâmica espa-
cial aí processada, desde o início da colonização, foi plasmada
segundo os ditames dos interesses do capital mercantil açucareiro.
No entanto, como será visto a seguir, a influência da cana-de-
açúcar se estendeu também às demais áreas do Estado. À dinâmi-
ca da atividade canavieira estiveram associadas, direta ou indire-
tamente, a ocupação do Sertão e a do Agreste paraibanos. O de-
senvolvimento da grande exploração canavieira na Zona da Mata
foi responsável pelo surgimento e expansão de uma atividade
econômica que se estendeu em direção ao interior e se difundiu
povoando o Sertão da Paraíba: a criação de gado. Embora o cria-
tório tenha surgido como uma atividade complementar à da cana-
de-açúcar e tenha mantido relações estreitas com ela, não se pode
reduzi-lo, ao longo do seu desenvolvimento, a um mero apêndice
da casa-grande.
2.3. O Sertão pecuarista cotonicultor

Inicialmente, o gado era criado em currais no inte-


rior dos Engenhos do Litoral. Ele destinava-se quase que inte-
gralmente ao atendimento das necessidades de trabalho. Os ani-
mais de "tiro" eram utilizados para transportar açúcar, lenha e a
cana do eito para o picadeiro. Amarrados a carroças de madeira
em pares de dois ou quatro, deram origem aos tradicionais "car-
ros de boi". Serviam ainda como "animais de tração" para mover
os trapiches.
Neste sentido Guimarães afirma que:

"Os currais eram, inicialmente, uma simples de-


pendência dos Engenhos, destinada a supri-los
65
66 Emília Moreira e Ivan Targino

do gado necessário a todos, para os serviços de


transporte em "carros com dobradas equipações
de bois" ou para o acionamento dos trapiches,
Engenhos cujas moendas precisavam de pelo me-
nos sessenta animais, empregados revesadamente
em grupos de mais ou menos doze de cada vez.
O gado, então, prestava-se quase exclusivamente
como fonte de energia, como animal de trabalho”
(GUIMARÃES, 1968:66/7).

Guimarães chama ainda a atenção para a impor-


tância da criação de gado dentro dos Engenhos. Ele ressalta que
nessas unidades de produção o gado tornou-se "um escravo tão dis-
putado quanto o negro e cujas reservas deveriam ser tão abundantes quanto as
dos produtores humanos” (GUIMARÃES, 1968:67). No mesmo sen-
tido destaca Roberto Simonsen,
"a indústria do açúcar era importante consumi-
dora de gado. Os trapiches e Engenhos movidos
por bois faziam grande desgaste; as carretas pa-
ra lenha e para o açúcar exigiam um número
considerável de cabeças, em porção, talvez, igual
ao da escravatura ocupada"(SIMONSEN,
1978:151).

2.3.1. Cana e curral: uma separação necessária

O crescimento da procura de animais de tiro em


função da expansão da atividade açucareira, o paulatino aumento
do consumo de carne nos Engenhos e centros urbanos em emer-
gência e os conflitos entre criadores e lavradores foram responsá-
veis pela separação das atividades canavieira e pecuária. A pene-
tração do gado para o interior, segundo Guimarães, não se deu

(...)"sem antes haver provocado repetidos confli-


tos entre criadores e lavradores. Estes, pela ne-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 67

cessidade de defender suas plantações, nunca ces-


saram seus esforços no sentido de empurrar para
longe do Litoral os rebanhos em proliferação,
até que uma Carta Régia no alvorecer do século
XVIII fixou a área de criação a mais de 10
léguas da costa" (GUIMARÃES,1968:67).
Essa separação pode ser observada através do
deslocamento do curral para fora do Engenho (o que implicou no
fim da convivência entre eito e curral) e do surgimento da fazen-
da sertaneja. Esta iria imprimir na paisagem e na história regional
do Estado uma dinâmica particular e distinta daquela dos Enge-
nhos do Litoral.

"Quando (...) a Carta Régia de 1701 veio de-


limitar legalmente as fronteiras da grande cria-
ção, a intensa demanda de animais de trabalho,
o paulatino aumento do consumo da carne e,
principalmente, o aparecimento do couro vacum
já teriam impulsionado definitivamente a expan-
são da pecuária, sua separação da agricultura,
seu afastamento cada vez maior de faixa litorâ-
nea"(GUIMARÃES, 1968:67).17

A motivação econômica da ocupação do Sertão


foi, portanto, a pecuária bovina. A penetração dos currais ganha
assim um relevo especial na conformação do território estadual.
Autores como Guimarães e Caio Prado atribuem a essa penetra-
ção um peso importante na concretização da conquista do interi-
or do Brasil.

17A esse respeito leia-se também GALLIZA, Diana. “As economias açucareira e criatória no
Nordeste à época colonial”. In: Revista do IHGP, 24, João Pessoa, 1986.
67
68 Emília Moreira e Ivan Targino

"Só com a agricultura a colonização não teria


penetrado o interior; e é por isso que até o século
XVII os portugueses continuavam a ‘arranhar o
Litoral como caranguejos’. São a mineração e a
pecuária que tornaram possível e provocaram o
avanço; a primeira por motivos óbvios: o valor
considerável do ouro e dos diamantes, em peque-
nos volumes e peso, anulam o problema do
transporte. A segunda, para empregar a pitores-
ca fórmula do mesmo autor que acabei de citar
acima (Roteiro do Maranhão, p.107) ‘porque os
gados não necessitam de quem os carregue, eles
são os que sentem nas longas marchas todo o pe-
so dos seus corpos’..." (PRADO apud GUI-
MARÃES, 1968:68).

2.3.2. A organização da produção e do traba-


lho nas fazendas

A penetração do criatório para o interior deu-se


através dos chamados "caminhos do gado". Estes caminhos ou
trilhas acompanhavam o percurso dos rios que adentravam para o
interior. Na Paraíba, pode-se identificar duas vias principais de
penetração.
A primeira via de penetração para o interior to-
mou a direção leste-oeste. Com efeito, o caminho de adentramen-
to inicial foi o rio Paraíba. Ao longo de suas margens, foram ins-
talados currais e fazendas de gado, dando origem a vários núcleos
populacionais como Pilar, São Miguel, Itabaiana, Mogeiro, etc. A
segunda seguiu a direção sul-norte. Partindo da Bahia, principal
centro de irradiação da pecuária em direção ao norte, o gado se-
guiu o curso do rio São Francisco, atingiu Pernambuco e posteri-
ormente a Paraíba. Essa constituiu-se na principal corrente de
povoamento da zona sertaneja. A Casa da Torre, no final do sé-
culo XVII, era a grande “sesmeira do Vale do Piancó, Piranhas de Ci-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 69

ma e Rio do Peixe. Só nas ribeiras desses rios, as propriedades de Dias


D’Ávila ascendiam a vinte e oito” (MELO, 1994:69). Em virtude das
restritas condições naturais da região sertaneja, os cursos dos rios
eram não só vias de penetração, mas, principalmente, condições
de sobrevivência.

"Os rios constituíam as principais vias de pene-


tração no Sertão paraibano. A facilidade de cir-
culação e a disponibilidade de água condiciona-
ram a ocupação das margens fluviais e produzi-
ram o ‘povoamento de ribeira’, isto é, a instala-
ção de grandes fazendas de gado ao longo dos
rios” (MOREIRA, 1990:10).

Na história da ocupação do Sertão, assume lugar


de destaque a figura do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo,
no final do século XVII e início do século XVIII. Em carta régia
de 28 de novembro de 1710 a sua ação é louvada. A sua família
“chegou a possuir mais de cinqüenta léguas de terra no interior da Paraíba”
(MELO, 1994:75-76).
A ocupação do território sertanejo se deu de mo-
do violento, sendo registradas passagens de crueldade, como se
pode depreender da carta régia de 16 de setembro de 1699.

“Havendo visto a carta que me destes do bom


sucesso que se teve na Campanha com os índios
nossos inimigos nos certões do districto das Pira-
nhas e Pinhancó em que o Capitão mór Theodo-
sio de Oliveira Ledo se tinha havido com muito
valor e desposição e trazido concigo hua nação de
Tapuyas chamadas Arius, que estavão aldeados
junto aos Cariris onde chamam a Campina
Grande que queriam viver com meus vassallos e
reduziremse a nossa Santa Fé. Me pareceu es-
tranhar mui severamente o que obrou Theodosio
69
70 Emília Moreira e Ivan Targino

de Oliveira Ledo em matar a sangue frio muitos


dos índios que tomou na guerra (...)” (apud
PINTO, 1977:93).

Quer se apropriando de terras incultas, quer arre-


batando-as, pela luta, aos índios, o branco colonizador foi espa-
lhando currais pelo interior do Sertão. Assim, segundo Joffily, a
ribeira do Piancó contava no final do século XVIII com setenta e
sete fazendas, a do Espinharas, com cinqüenta e nove, a do Sabu-
gi, com setenta e oito, a Ribeira do Patu com cento e vinte e sete
núcleos de criação (JOFFILY, 1976:318-324). Muitas dessas fa-
zendas, com edificação de uma capela, deram origem a várias
cidades, como lembra Melo:

“Se a de Nossa Senhora do Rosário representou,


entre 1701 e 1721, no arraial do Piranhas,
embrião da futura vila e cidade de Pombal, as
capelas de Cabaceiras, em 1730, Jardim do Rio
do Peixe (Souza), em 1732, Piancó, em 1748,
Patos, em 1772, Catolé do Rocha e Santa Lu-
zia, em 1773 e Monteiro, em 1800, significa-
ram o elemento gerador dessas cidades” (ME-
LO, 1944:75).

Se no Litoral o Engenho foi a unidade fundamen-


tal da organização social, econômica e cultural, na região semi-
árida foi a fazenda que desempenhou tal função. Ela surge, no
dizer de Guimarães, como “um segundo domínio latifundiário” (GUI-
MARÃES, 1968:62) com características próprias que a diferenci-
am do Engenho. Dentre as características que lhe conferem iden-
tidade, pode-se distinguir:
a) instalação de grandes domínios latifundiários
com baixa densidade populacional e econômica. Em função da
pobreza da pastagem natural da caatinga, da existência de um
regime pluviométrico irregular, com uma estação seca muito pro-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 71

longada e da utilização de técnicas rudimentares de criação, mui-


tos hectares eram necessários para alimentar uma rês. Estes fatos,
associados à grande disponibilidade de terras (considerando-se
que a terra do índio, do ponto de vista do colonizador, era terra
disponível porque passível de ser conquistada e apropriada) con-
tribuíram para que a organização da atividade pecuária no Sertão
se desenvolvesse em grandes propriedades: a fazenda;
b) baixo nível de capitalização: era muito baixo o
nível de investimento exigido para a implantação de uma fazenda.
Era suficiente construir uma casa e preparar os currais para ocu-
par 18 quilômetros de terra (PRADO, 1958:45). Uma vez instala-
da, a fazenda se expandia pelo crescimento vegetativo da popula-
ção animal;
c) organização do trabalho combinando trabalho
livre e escravo. O criatório se desenvolveu com base num sistema
ultra-extensivo, com o gado criado solto em áreas muito amplas.
Assim, era impossível ao proprietário ou ao seu preposto, contro-
lar diretamente a produção, o que é apontado como um elemento
inibidor do predomínio do trabalho escravo no Sertão. Além dis-
so, o criatório não exigia uma mão-de-obra numerosa. Poucos
trabalhadores eram suficientes para fazer funcionar uma grande
fazenda. Daí a importância do trabalho livre na organização das
fazendas. Com a expansão do algodão a partir do final do século
XVIII, o trabalho escravo ganhará maior expressão, mas sem
atingir a importância alcançada na zona canavieira. Por outro
lado, o nível de remuneração e de exploração dos trabalhadores
livres e escravos constituía um outro elemento de diferenciação
entre o Engenho e a fazenda. Neste sentido Guimarães afirma:

"Os vaqueiros e fábricas são trabalhadores soci-


almente mais independentes, economicamente me-
lhor retribuídos, em comparação com a extrema
miséria dos demais trabalhadores ‘livres’ e escra-
vos dos Engenhos" (GUIMARÃES,
1968:70).
71
72 Emília Moreira e Ivan Targino

d) a atividade pecuária praticada nas fazendas não


só permitiu o acesso à exploração mas também à propriedade da
terra aos homens pobres livres. Contribuiu para isto o sistema
utilizado para o pagamento do vaqueiro. Este, responsável pela
administração das fazendas, era pago com um quarto da produ-
ção da propriedade. Esta forma de pagamento só era efetuada
após quatro ou cinco anos de trabalho. O vaqueiro recebia então,
de uma só vez, um certo número de animais, suficiente para per-
mitir sua instalação por conta própria em terras que ele comprava,
arrendava ou, simplesmente, se apossava.

"Entre fazendeiros de gado, desde os primeiros


tempos, predominavam os proprietários de exten-
sões intermináveis de terras, que eles mesmos não
poderiam controlar. A propriedade pecuária,
deste modo, seria forçada a subdividir sua explo-
ração, dando lugar, antes de qualquer outro tipo
de latifúndio, ao aparecimento do arrendatário.
Apesar de manter muitos pontos de contato com
o Engenho, (...) a fazenda adotava um sistema
de arrendamento mais próximo da renda agrária
capitalista. Com isso, e inevitavelmente, o modo
de produção da pecuária permitia o acesso à ex-
ploração e mais tarde o acesso à propriedade, de
homens de menores posses. Nesse sentido, a fa-
zenda se opunha ao Engenho como força desa-
gregadora dos privilégios absolutos da nobreza
territorial" (GUIMARÃES, 1968:69).

e) relações com o mercado. Como toda atividade


colonial, o desenvolvimento da pecuária manteve ligações com o
comércio metropolitano, quer de forma direta, pela exportação de
couro, quer de forma indireta através das ligações com a explora-
ção canavieira. No entanto, a dependência em relação ao mercado
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 73

externo foi bem menor do que a experimentada pela cultura da


cana. Desse modo, entende-se porque as crises externas não im-
plicaram em regressão do sistema criatório tal como ocorria com
o sistema açucareiro. A forma de organização da produção e as
ligações com o mercado interno garantiam essa menor vulnerabi-
lidade da fazenda face à exploração colonial. Esse caráter é ressal-
tado por Furtado ao lembrar que em determinados momentos é
possível falar até mesmo em uma pecuária de subsistência no
Nordeste brasileiro (FURTADO, 1959).
Da conjugação dos fatores do quadro natural e da
organização da economia e da sociedade sertanejas, tem-se como
resultado um processo de povoamento contínuo, porém disperso.
A importância do gado nessa região foi tão grande que se fala até
mesmo em uma civilização do couro. Além de fonte de renda
monetária e de meio de subsistência alimentar (carne e leite), o
gado fornecia matéria-prima (couro) para uma série de bens utili-
zados pelo sertanejo: vestuário, calçado, arreio e utensílios domés-
ticos os mais variados (bancos, camas, portas, etc.).

2.3.3. A formação do complexo gado-algodão

O algodão esteve presente nas combinações agrí-


colas existentes no período pré-colonial18 e fazia parte da produ-
ção de autoconsumo da Colônia, destinando-se à confecção dos
tecidos que eram utilizados pela massa da população colonial
(TAKEYA, 1985:27). Porém, só nos fins do século XVIII, com o
crescimento do progresso técnico da indústria têxtil inglesa e o
conseqüente aumento da demanda no mercado internacional, e
durante a Guerra de Independência americana, com o afastamen-
to dos Estados Unidos do mercado mundial, foi que o algodão
passou a ocupar uma posição de destaque no cenário da econo-
mia paraibana.

18 O algodão era utilizado pelos índios na fiação de tecidos.

73
74 Emília Moreira e Ivan Targino

Em 1797, fazia parte das instruções da Coroa ao


novo governador da Paraíba,

“(...) Animar e promover as culturas já existen-


tes (...) cuidar em augmentar as culturas de as-
sucar, tabaco e algodão...” (PINTO,
1977:151).

Por este documento, vê-se que o algodão, no final


do século XVIII, já se situava entre as principais fontes de riqueza
da agricultura paraibana, apesar do processo rudimentar de explo-
ração. Descrição do governador da capitania datada de 1798, re-
gistra a rusticidade tanto da cultura quanto dos equipamentos
utilizados para sua manipulação.
A importância que assume o algodão é ressaltada
pelos dados do quadro II. Estes dados sobre as exportações pa-
raibanas mostram, com muita clareza, como ao longo do século
XIX essa cultura foi se firmando, ao lado da cana-de-açúcar, co-
mo uma das principais fontes de riqueza da então Província. Em
alguns anos, superou o quantitativo das exportações de açúcar.
As oscilações observadas são devidas tanto a fato-
res climáticos (secas periódicas), quanto às conjunturas do merca-
do internacional. Nesse particular, o afastamento ou o retorno
dos Estados Unidos, um dos principais fornecedores para a in-
dústria têxtil inglesa, tiveram forte repercussão na cotonicultura
paraibana, contribuindo para sua expansão ou retração. Os últi-
mos anos da série apresentada no quadro II exemplificam os efei-
tos da conjuntura do mercado internacional sobre o algodão pro-
duzido no Estado. Em 1862, o valor das suas exportações foi
praticamente o dobro das exportações do açúcar (PINTO, 1977,
v.2: 300). Tais circunstâncias receberam os seguintes comentários
de Araújo Lima, então presidente da Província:

“A guerra que lavra nos Estados do Sul e os do


Norte da República Norte Americana, abrio a
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 75

nossos agricultores uma época nova e importante


de resultados proveitosos à riqueza do paiz. O
plantio do algodão que em nosso paiz ia sendo
substituido pelo da canna de assucar, retomado
espaço que havia cedido e pelas noticias sabidas,
é de esperar seja a safra do algodão no corrente
anno, talvez superior a maior que tenha sido co-
lhida. O algodão desta Província sempre mereceu
bom preço nos mercados da Europa pela força e
extensão de sua fibra; mais a lucta existente na-
quelles Estados e proveniente da guerra intestina
deu lugar a que subisse de preço esse produto, em
proveito dos agricultores e da receita do paiz”
(PINTO, 1977, v.2:293).

O algodão expandiu-se por todo o território pa-


raibano, disputando terras e braços até mesmo com a cana-de-
açúcar, em plena Zona da Mata. Já no final do século XVIII este
fenômeno ocorria, como se pode comprovar por documento da
época. Segundo relato do governador da então capitania, até
mesmo o senhor de Engenho “volta-se para a (cultura) do algodão
como repetidas vezes sucede” (PINTO, 1977, v.2:198). Se, no Litoral, o
algodão conquista terras e braços à cana, dependendo das conjun-
turas de mercado, é no Sertão e também no Agreste (como se
verá a seguir) que ele assume posição hegemônica no sistema de
uso do solo regional. Mesmo após a Guerra de Secessão que põe
um fim à chamada “febre do algodão”,19 esse produto continua a

19Alguns fatores de ordem interna também contribuíram para o fechamento do mercado interna-
cional ao produto paraibano. Entre esses fatores pode-se apontar: falta de seleção prévia das
fibras, imprimindo grau elevado de heterogeneidade ao produto; práticas negligentes ou dolosas
dos exportadores (produto molhado, algodão subtraído antes do embarque, mistura de fibras com
caroços, pau e até pedra). " O conjunto dessas variáveis resultaria, necessariamente, em descrédito e rejeição do
algodão paraibano no mercado internacional. Uma conseqüência natural desses fatos foi a queda da arrecadação,
agravando os problemas enfrentados pela Província. A administração paraibana confiante no sucesso alcançado pelo
comércio algodoeiro na primeira metade dos anos sessenta, assume altos compromissos investindo em serviços
75
76 Emília Moreira e Ivan Targino

se expandir no Sertão. É introduzida uma nova variedade, o algo-


dão arbóreo, também conhecido como “mocó”. Esse algodão
possui uma fibra longa e se adapta melhor às condições de semi-
aridez do clima sertanejo. Contrabalançando as dificuldades do
mercado interno, a produção algodoeira vai encontrar um reforço
no crescimento da indústria têxtil regional no final do século XIX
e início do século XX.
Reflexo da expansão cotonicultora no Sertão, é a
instalação de grandes unidades de beneficiamento da fibra e do
caroço, seja de capital estrangeiro como SANBRA e ANDER-
SON CLEYTON, seja de capital local, nas principais cidades do
Sertão (Sousa, Pombal, Patos e Cajazeiras na primeira metade do
século XX). A presença dessas grandes empresas foi de funda-
mental importância para a economia regional, em virtude das
ligações “para trás” que estabelecia com a lavoura. Com efeito,
eram elas que adiantavam parte significativa do capital necessário
para as despesas de cultivo e de colheita, desempenhando assim, a
função de capital financeiro. Tal prática iria dar origem à chamada
compra do “algodão na folha”,20 que representava um sistema de
exploração extremamente danoso ao produtor.
Além da exportação e do suprimento da matéria-
prima, para a indústria têxtil regional, o algodão era também usa-
do para atender às necessidades das famílias em relação a tecidos
rústicos e redes, produzidas em teares manuais, presentes em qua-
se todas as fazendas, bem como a outros itens, como pavios de
lamparinas, cordões, linha para costura, etc...

públicos. Com os percalços que o algodão viria a sofrer, a Província não teve condições de concluir grande parte
dessas obras. No sentido de enfrentar a crise, lança-se mão de várias medidas, algumas odiosas: dispensam-se
servidores públicos, fecham-se escolas de primeiras letras (...). Como essas medidas não se mostraram suficientes
para neutralizar a crise, fez-se um empréstimo, em 1870, da considerável soma de 300:000$000, que seria pago
com grande dificuldade e a longo prazo" (RODRIGUES, 1990:80/81).
20Por esse sistema, o proprietário do capital financeiro avaliava a possível produção do pretenden-
te ao empréstimo para determinar o montante do empréstimo a ser concedido. Na época da
colheita, o valor financeiro era convertido em produto ao preço corrente que se encontrava em
baixa por ser momento de aumento da oferta do produto. Caso a produção não fosse suficiente
para pagar o empréstimo, a dívida em produto era convertida, ao final do ano, em dinheiro, pelo
preço corrente que estava em alta. Estabelecia-se, assim, um processo de endividamento crescente,
obrigando o produtor à relação de dependência permanente às grandes firmas ou proprietários.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 77

Além da demanda externa, outros fatores expli-


cam a expansão do algodão no Sertão:
a) ele representou uma nova fonte de renda para o
produtor sertanejo, sendo considerado durante séculos "o bezerro
do pobre";
b) podendo ser cultivado em associação com as
culturas de subsistência, foi explorado tanto pelo grande proprie-
tário como pelo pequeno e por aqueles produtores que não deti-
nham a posse legal da terra como foreiros e parceiros;
c) pelo fato do seu restolho ser utilizado como
alimento para o gado no período mais seco do ano, transformou-
se numa atividade complementar da pecuária.
Com a consolidação da cotonicultuta no Sertão,
estabelece-se a combinação gado-algodão-policultura, trinômio,
marco da organização do espaço agrário sertanejo paraibano até a
segunda metade do século XX.

2.3.4. A pequena produção sertaneja

No Sertão da Paraíba, a pequena produção de


alimentos desenvolveu-se inicialmente associada à atividade pecu-
ária. A necessidade de abastecimento dos vaqueiros teria contri-
buído para o surgimento de uma produção alimentar baseada
principalmente nas culturas do feijão e do milho no interior das
fazendas e currais, sobretudo nas áreas de baixios, nos vales e
leitos secos dos rios temporários que cortam a região. Apesar dos
condicionamentos naturais restritivos, a presença desta agricultura
no interior semi-árido pode ser explicada:
a) pelo isolamento geográfico do Sertão em rela-
ção às áreas produtoras de alimentos tais como o Litoral e o
Agreste-Brejo;
b) pela redução dos custos de reprodução da mão-
de-obra;
c) pela complementariedade da produção de sub-
sistência com a pecuária através da utilização, pelo gado, do resto-
77
78 Emília Moreira e Ivan Targino

lho que ficava na terra após as colheitas das lavouras alimentares.


Merece destaque a maior concentração da produção alimentar nas
áreas de exceção, como os brejos de altitude existentes no Sertão,
a exemplo de Monte Horebe, Bonito de Santa Fé, Teixeira. Nes-
sas manchas verdes, houve uma maior concentração da produção
e da população, bem como um padrão de distribuição de terras
menos concentrado do que nas demais áreas sertanejas.
A penetração e posterior expansão do algodão no
Sertão, não representou nenhum problema para a pequena produ-
ção alimentar. Ao contrário, houve um processo de sustentação mútua.
Isto pelas razões seguintes: primeiro, o algodão não é uma cultura exclu-
sivista, podendo ser explorada em consórcio com as lavouras alimentares;
segundo, o algodão garantia um certo grau de monetarização da econo-
mia sertaneja; terceiro, o algodão possibilitou a expansão das áreas cedi-
das em arrendamento e/ou parceria, no interior das fazendas de gado.
O consórcio algodão-agricultura alimentar possi-
bilitou, desta forma, uma maior densidade da exploração econô-
mica da região sertaneja e, em conseqüência, uma também maior
densidade populacional, reduzindo os efeitos da pecuária sobre a
dispersão populacional e econômica da área.
Do mesmo modo que no Litoral, a pequena pro-
dução no Sertão desenvolveu-se inicialmente no interior do lati-
fúndio e dele dependente. Sua expansão acha-se ali relacionada à
expansão dos sistemas de parceria e arrendamento, formas de
trabalho características da região.
Constituído o tripé da produção semi-árida, gado-
algodão-culturas alimentares, é bom lembrar que o último elo era, e con-
tinua sendo, o mais frágil. Com efeito, por ocasião das secas periódicas,
quem mais sofre é a produção alimentar. O algodão mocó, cultura
de longo ciclo, tinha melhores condições de resistência. Daí o
Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
(GTDN) afirmar que a seca, além de um desastre econômico, era,
antes de mais nada, um desastre social, pois afetava mais forte-
mente as reservas alimentares da população.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 79

2.4. O Agreste policultor-pecuarista

O Agreste paraibano corresponde à região situada


entre o Litoral úmido e as Mesorregiões semi-áridas da Borbore-
ma e do Sertão. Trata-se de uma área fortemente diversificada,
tanto no que se refere aos aspectos naturais quanto ao uso da
terra, às relações de trabalho e ao potencial econômico. Essa Me-
sorregião compreende duas grandes áreas: a) o Agreste Baixo,
situado imediatamente à retaguarda do Litoral no trecho que se
estende da Depressão Sublitorânea até os primeiros contrafortes
da Borborema e; b) o Agreste Alto, que compreende o Brejo Pa-
raibano, o Agreste Ocidental (à retaguarda do Brejo), as Serras do
Norte (região elevada do Curimataú), e as de Natuba e Umbuzei-
ro. O Brejo Paraibano se distingue como uma mancha úmida que
se individualiza no interior do Agreste.
O processo inicial de ocupação e de povoamento
do Agreste esteve, da mesma forma que no caso sertanejo, relaci-
onado ao desenvolvimento da atividade açucareira. Esta, como
foi anteriormente colocado, promoveu, em seu período áureo, a
separação da produção agrícola e pecuária, determinando uma
divisão espacial do trabalho: o Litoral especializou-se na produção
do açúcar enquanto a lavoura alimentar e a pecuária passaram a
ser produzidos no Sertão e no Agreste.
A expansão do povoamento, porém, está relacio-
nada, entre outros fatores, à retração da economia açucareira a
partir da segunda metade do século XVII.

"Com efeito, nos períodos de retração da econo-


mia açucareira houve movimentos migratórios do
Litoral em direção ao Agreste, como decorrência
da liberação de mão-de-obra pelos engenhos. Es-
ta mão-de-obra (...) deslocou-se para a região
agrestina onde passou a dedicar-se ao cultivo de
alimentos (milho, feijão, fava, mandioca) em pe-

79
80 Emília Moreira e Ivan Targino

quenas propriedades: os sítios" (MOREIRA,


1990:13).

A corrente de povoamento, no entanto, ficou


restrita, inicialmente, ao Agreste Baixo, em particular seguindo o
vale do Rio Paraíba. A ocupação do Agreste Alto foi retardada
pela conjugação de fatores tais como: vegetação de floresta, rele-
vo elevado, presença de indígenas e falta de disponibilidade de
capital. Mesmo assim, em virtude das condições edafo-climáticas
favoráveis, “tem-se notícia da existência de engenhos no Brejo já na segunda
metade do século XVIII” (ALMEIDA, 1994:20).
Contribuiu também para a ocupação do Agreste o
surgimento de currais e de pontos de pouso, para gado e vaquei-
ros oriundos da região sertaneja quando dos longos percursos em
direção ao Litoral. Algumas cidades agrestinas daí se originaram e
tiveram sua dinâmica relacionada às feiras de gado que ali se de-
senvolveram. O núcleo de povoamento de Itabaiana no Agreste
Baixo e a cidade de Campina Grande são dois bons exemplos
desse processo.
A agricultura de subsistência complementada pelo
criatório (voltado para o autoconsumo) foram o suporte do pro-
cesso inicial de organização do espaço agrário agrestino.
Mudanças significativas na sua dinâmica agrária e
urbana regional foram introduzidas a partir de 1780, com o avan-
ço da atividade cotonicultora.
Os principais efeitos do "boom" algodoeiro na
organização sócio-econômica do Agreste foram a monetarização
da economia, modificações no crescimento urbano regional e o
povoamento efetivo da região e, com o declínio da escravidão, a
consolidação do sistema morador.21
A importância do algodão para o processo de
adensamento da população no Agreste é inquestionável. Basta

21Leia-se a respeito: MOREIRA, Emilia. “O processo de ocupação do espaço agrário paraibano”.


João Pessoa, Texto do NDIHR, nº. 23, set. 1990, p. 15.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 81

lembrar que, em 1782, a população da região (7.914 habitantes),


representava cerca de 15% da população da capitania. Setenta
anos depois, mais da metade da população paraibana estava con-
centrada no Agreste, elevando-se a 111.777 habitantes. Tal cres-
cimento populacional só foi possível graças a um intenso “fluxo de
imigrantes, tanto dos Sertões como do Litoral, inclusive de portugueses”
(ALMEIDA, 1994:21), atraídos pela disponibilidade de terras e
pelas condições naturais favoráveis.
O algodão continuou elemento importante nas
combinações agrícolas regionais até a década de oitenta do século
vinte. O seu maior ou menor peso nessas combinações dependia
tanto das oscilações do mercado externo quanto do interno. Po-
rém, antes mesmo da praga do bicudo, o algodão vinha perdendo
importância face à crise da indústria têxtil regional e da sua substi-
tuição pelas fibras sintéticas. Atestam esta afirmação, o declínio
das exportações de algodão pelo porto de Cabedelo e o fecha-
mento de várias unidades de beneficiamento da fibra em Campi-
na, Sapé, Mulungu e Alagoa Grande, por exemplo.
Além do algodão, outras culturas comerciais con-
tribuíram para a afirmação do Agreste como região policultora
por excelência. São exemplos: o café, o sisal, a cana, o fumo, en-
tre outras. Enquanto a exploração do café e da cana restringiu-se
ao Brejo, a dos demais produtos expandiu-se por toda a região.
Entre estas, merece destaque a do sisal, pela sua rápida dissemi-
nação em todo o Agreste e pela sua significação na formação da
renda regional durante o período em que dominou o sistema de
uso de recursos regionais. Em virtude de suas características, a
agave expandiu-se tanto no Agreste Alto, quanto no Agreste Bai-
xo e no Curimataú.

2.4.1. O sisal

81
82 Emília Moreira e Ivan Targino

O sisal é uma fibra resistente produzida pela


"Agave Rigida", planta da família das "Amarilidáceas", originária
do México e da América Central. Expandiu-se no Agreste a partir
de 1940. Concorreu para isto a conjuntura externa favorável (altos
preços e demanda), além das condições ecológicas propícias.
O impacto da expansão sisaleira na região agresti-
na se fez sentir através da revalorização das terras, da abertura de
novas estradas, da renovação das habitações dos proprietários de
terra, com destaque para os senhores de Engenho do Brejo e,
sobretudo, no nível e sazonalidade do emprego rural e nas rela-
ções de trabalho.
Em relação ao nível de emprego, a cultura do sisal
utiliza uma mão-de-obra numerosa no período do corte e no be-
neficiamento da fibra: cortadores, bagaceiros, desfibradores, lava-
dores. Emprega tanto a força-de-trabalho adulta (homens e mu-
lheres) como a infantil. Como o período do corte coincide com a
época mais seca do ano (após o desfibramento o sisal precisa se-
car ao sol), a cultura da agave contribuiu igualmente para reduzir
o desemprego sazonal na agricultura do Agreste paraibano. Os
trabalhadores do sisal eram trabalhadores assalariados pagos pela
produção. Tal fato contribuiu de forma significativa para a mone-
tarização das relações de trabalho na agricultura agrestina.
Os trabalhadores responsáveis pela retirada da
folha são chamados de cortadores. O corte do sisal é feito com
uma pequena foice. Uma vez cortadas, as folhas do sisal são leva-
das em burros pelos "cambiteiros" até o lugar onde se encontra a
desfibradeira. Esta ocupa dois "puxadores de sisal" que introdu-
zem a folha na máquina e um "bagaceiro" que se encarrega de
retirar o bagaço. Após o processo de desfibramento o sisal é co-
locado ao sol para secar e em seguida amarrado em “molhos”
para ser comercializado (MOREIRA, 1978:51).
A cultura do sisal não exige grandes cuidados após
o plantio. Todavia, seu corte e sua transformação, em função da
grande quantidade de mão-de-obra utilizada e do emprego das
desfibradeiras, cujos motores consomem óleo diesel ou são mo-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 83

vidos à eletricidade, tornam a produção onerosa. Por outro lado,


além de ser um produto que só pode ser cultivado em associação
com os produtos de subsistência nos primeiros anos de plantio,
possui ciclo longo, necessitando de quatro anos para a primeira
colheita. Isto explica o fato desta cultura ter-se concentrado nas
médias e grandes propriedades do Agreste.
Em virtude dos altos preços alcançados pelo pro-
duto, os proprietários ampliaram rapidamente seus campos de
agave. Uma vez que este, como foi visto, não podia ser cultivado
em associação com outras culturas, a não ser nos primeiros anos
de plantio, sua expansão se deu em detrimento das lavouras de
subsistência e do algodão, (sobretudo no caso das médias propri-
edades) e até mesmo da pecuária.

"Houve portanto uma conquista de terras às ou-


tras culturas por parte do sisal. Na medida em
que este passou a ocupar terras antes dedicadas
às culturas de subsistência, contribuiu de um la-
do, para o declínio do sistema de aforamento e
parceria e de outro lado, para a expansão das
formas assalariadas de trabalho. Com efeito, via
de regra, a exploração da agave é efetuada com
mão-de-obra assalariada que é remunerada pela
produção realizada" (MOREIRA, 1990:16).

O período áureo do sisal na região restringiu-se


apenas às décadas de 40 e 50. Com o declínio do preço internaci-
onal do sisal nos anos sessenta, devido à concorrência com o fio
sintético e com o sisal africano, a área sisaleira do Agreste foi
fortemente reduzida. Nos finais da década de 60, volta à região as
suas antigas combinações agrícolas: policultura alimentar e co-
mercial e pecuária. Embora de duração efêmera, a cultura sisaleira
deixou marcas na organização sócio-espacial do Agreste. Os lu-
cros do sisal permitiram inversões em “outras atividades econômicas,
inclusive, nos engenhos de rapadura”, bem como melhorias nas habita-
83
84 Emília Moreira e Ivan Targino

ções dos senhores de terra e dos moradores e nos equipamentos


urbanos22 (ALMEIDA,1994:30).
Enquanto o algodão e o sisal se disseminaram por
todas as áreas agrestinas, a cana-de-açúcar e o café tiveram o seu
cultivo restrito ao Agreste Alto, em particular, à área denominada
de Brejo Paraibano. Dada a importância dessa área para a econo-
mia agrária estadual, ela será objeto de uma análise mais detalha-
da.

2.4.2. A evolução da organização do espaço


agrário no Brejo Paraibano

O Brejo Paraibano corresponde a um brejo de


altitude de encostas voltadas para a ação dos ventos. O relevo e a
posição geográfica da região contribuem para a ocorrência de um
clima úmido (com pluviosidade média anual em torno de 1.500 a
1.800 milímetros e temperaturas amenas), solos férteis e uma hi-
drografia perene, condições estas muito favoráveis ao desenvol-
vimento da agricultura.
O processo inicial de ocupação do espaço regional
esteve relacionado à atividade de subsistência. Como foi mencio-
nado anteriormente, em torno dos currais, criados no Agreste
para pouso do gado que vinha do Sertão em direção ao Litoral,
surgiram áreas de produção, destinadas ao abastecimento dos
vaqueiros que, com as feiras de gado, acabaram por se transfor-
mar em núcleos de povoamento.
Ao lado da agricultura de alimentos desenvolveu-
se desde cedo o cultivo da cana-de-açúcar destinada, em princí-
pio, à produção do açúcar mascavo para o autoconsumo. Em
seguida, uma sucessão de culturas, inclusive a própria cana, passa-
ram a marcar a organização do espaço regional dando origem ao

22Esses aspectos serão melhor abordados no item consagrado à evolução da organização agrária
do Brejo Paraibano.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 85

que alguns historiadores e cronistas denominam de ciclos econô-


micos do Brejo.

2.4.2.1. A cotonicultura e a organização da


produção e do trabalho no Brejo

O algodão foi a cultura que primeiro se destacou


no Brejo. Sua produção, iniciada no Agreste no final do século
XVIII já constituía em 1817 o sustentáculo da economia brejeira
(ALMEIDA, 1994:21).
A expansão dessa cultura se deu em todos os ta-
manhos de propriedade (grande, média e pequena). Isto por ser o
algodão uma cultura passível de ser plantada em associação com
as lavouras de alimentos, sobretudo com o feijão, o milho e a
fava, produtos tradicionais da região. Deste modo, ao contrário
do que viria a ocorrer com o sisal, o algodão fortaleceu a produ-
ção de alimentos no Brejo.
A mão-de-obra utilizada inicialmente era a escra-
va. Sendo pouco numerosos na região, os escravos foram logo
substituídos por trabalhadores livres e após a abolição, por mora-
dores e parceiros. Estas formas de trabalho predominavam nas
grandes e médias propriedades. Nas pequenas propriedades, a
produção do algodão era realizada com o trabalho familiar.

O ciclo do algodão foi responsável pela expansão


do povoamento regional e pela introdução, ali, da cultura comer-
cial. Isto deve-se principalmente ao fato de que, o processo de
beneficiamento do algodão era controlado por comerciantes que
se instalaram na região com suas famílias, engendrando de um
lado um aumento da população e, de outro, a diversificação das
atividades urbanas.

Segundo Almeida, o impacto da expansão algodo-


eira seria algo sentido:

85
86 Emília Moreira e Ivan Targino

“incrementa-se o fluxo de imigrantes, tanto dos


sertões como do Litoral, inclusive de portugueses,
reorganiza-se o espaço agrário e estruturam-se os
primeiros núcleos com características urbanas.
Antes de terminar a segunda década, já se conso-
lidavam no cenário brejeiro as povoações de Ba-
naneiras, Pilões, Alagoa Nova e Areia. Esta
última elevada à categoria de vila real em 1818”
(ALMEIDA, 1994:21-22).

A hegemonia do algodão sobre a organização do


espaço agrário brejeiro prolonga-se até a década de sessenta do
século XIX. Nesse momento, assiste-se ao fim da “febre do algo-
dão” motivado, basicamente, pelo retorno dos Estados Unidos ao
mercado internacional desse produto após a Guerra de Secessão.

A saída encontrada para fazer face à crise da ativi-


dade algodoeira foi a expansão da atividade canavieira, presente
nas combinações agrícolas regionais ao lado da agricultura ali-
mentar, desde o processo inicial de ocupação.

2.4.2.2. A cana-de-açúcar e sua importância na


organização da produção e do tra-
balho no Brejo

Embora cultivada desde o princípio do processo


de ocupação, paralelamente às culturas alimentares, a cana-de-
açúcar não foi dominante no sistema de uso de recursos regional
em razão, seja da distância do Litoral, seja da falta de capital. Só
com o declínio do algodão, a cana torna-se a cultura principal do
Brejo. A sua expansão foi possível, não só graças às condições
naturais propícias ao seu cultivo aí existentes (clima quente e
úmido e solos férteis), como também ao capital acumulado du-
rante o ciclo algodoeiro e à estratégia adotada de produzir para o
mercado interno. Ao substituir o algodão ela deu origem ao "ciclo
da cana" no Brejo.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 87

Da mesma forma que no Litoral, a unidade de


produção da atividade canavieira do Brejo era o Engenho. Segun-
do Almeida, os primeiros Engenhos eram muito rústicos, corres-
pondendo a “engenhocas com trapiches totalmente em madeira, cujas fábri-
cas eram palhoças montadas sobre as armações das almanjarras” (AL-
MEIDA,1994: 20), movidos à tração animal. Inicialmente produ-
zia-se unicamente o açúcar mascavo, suficiente apenas para o
autoconsumo. Pouco a pouco a rapadura substituiu em importân-
cia o açúcar, tornando-se o principal produto, seguido da aguar-
dente.
Embora as fases do processo de produção da ra-
padura não tenham sofrido grandes alterações ao longo do tem-
po, algumas modificações foram observadas na sua base técnica
de produção: a moenda passou a ser de ferro e os cilindros antes
montados no sentido vertical passaram a ser montados no sentido
horizontal; os antigos Engenhos à tração animal foram substituí-
dos primeiramente pelo Engenho a vapor, depois pelo de motor a
óleo diesel e finalmente pelo de motor elétrico. As resfriadeiras
que eram anteriormente de madeira foram substituídas pelas cu-
bas de cobre.
Segundo informações colhidas num dos Enge-
23
nhos da região , o processo de produção da rapadura compreen-
dia as seguintes etapas:
a) a preparação do terreno. A preparação do ter-
reno constituía a primeira fase do processo. Esta, mesmo no apo-
geu do ciclo da cana, permanecia praticamente a mesma do perí-
odo de introdução da cultura na região, compreendendo: a derru-
bada da mata (quando se tratava de incorporação de área), a lim-
peza do terreno e o "encoivaramento".24 Praticamente nenhuma
operação mecanizada era utilizada. O plantio da cana se iniciava

23Essas informações foram obtidas através de pesquisa de campo realizada por MOREIRA,
Emilia de Rodat F., para sua monografia de Maîtrise realizada na Universidade de Nanterre-Paris
X.
24"Encoivaramento": processo tradicional de queima do mato.

87
88 Emília Moreira e Ivan Targino

em maio e estendia-se até agosto. Era efetuado tanto pelos mora-


dores como por pessoal contratado temporariamente;
b) o corte da cana. Esta etapa era realizada 12 a 15
meses após o plantio, ficando a soca25. O período de corte ou
colheita da cana se iniciava no mês de agosto e estendia-se até
fevereiro do ano seguinte. Era nesta época que os Engenhos do
Brejo produziam a rapadura. No corte da cana utilizava-se a mão-
de-obra dos moradores, complementada pela de trabalhadores
assalariados temporários;
c) a limpa. Para um melhor desenvolvimento dos
canaviais era comum fazer-se duas ou três limpas ao ano;
d) o transporte da cana para o Engenho. Cortada,
a cana era transportada até os Engenhos pelos "cambiteiros" (tra-
balhadores responsáveis pelo transporte da cana);
e) a moagem. A cana era moída duas vezes para
obter a maior quantidade possível de caldo (também conhecido
por "garapa"). Eram dois os trabalhadores ligados diretamente ao
processo de moagem: um "cevador" ou "tombador", que coloca-
va a cana na moenda e um "virador de banda" que recebia o
bagaço que saía da moenda e o retornava ao cevador para realizar
a segunda prensagem. O caldo escoava para um tanque de alvena-
ria ou de madeira situado atrás da moenda. Do tanque ele passava
por um cano e se depositava num tacho de cobre que ficava na
fornalha;
f) a secagem do bagaço. O bagaço da cana era
estendido para secar no exterior do Engenho. O local onde este
ficava exposto ao sol denominava-se "bagaceira". Seu transporte
do Engenho para a bagaceira era realizado em "bangüês" pelos
"bagaceiros verdes". Os trabalhadores que se ocupavam de revirar
o bagaço para estes secarem mais rapidamente eram denomina-

25"Soca": pedaço da cana que fica no solo após o corte e que pode rebrotar duas vezes ou mais, a
depender de certas condições. A cana do primeiro ano é chamada no Brejo de "planta" ou "pri-
meira folha"; a do segundo e terceiro cortes se nomeia "soca" ou "segunda folha" ou "terceira
folha".
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 89

dos de "bagaceiros secos". Uma vez seco ele era transportado


para a fornalha onde era utilizado como combustível;
g) o cozimento do caldo. O cozimento do caldo
era feito nas fornalhas, em tachos. Regra geral existiam cinco ta-
xos fixados sobre a fornalha. O primeiro, recebia o caldo que
escorria do tanque e era chamado de "parol". Era no parol que o
caldo passava pela primeira fervura. Do parol, o caldo ia para a
"caldeira"(segundo tacho) para a retirada das impurezas. Estas
eram retiradas pelo "caldeireiro" com uma espécie de colher de
sopa presa a um cabo de madeira chamada "vasculhadeira". Era
ainda com a vasculhadeira que o caldeireiro transferia o caldo de
um tacho para outro. Da caldeira ele passava para o "caldeirote"
(tacho menor que o parol e a caldeira) onde tinha início o proces-
so de transformação do caldo em mel ("apuração"). A "apuração"
se completava num outro recipiente chamado "apuradeira" de
onde o mel sai para o "tacho de boca" ou "cuba". Era na cuba
que o mel acabava de ser cozido. O trabalhador responsável pelas
caldeiras e que dava o ponto ao mel era denominado de "mestre
de rapadura";
h) o resfriamento e a coagulação do mel. Uma vez
cozido, o mel era transferido da cuba para as "resfriadeiras" que
consistiam em três tachos, igualmente em cobre, menores que os
tachos de cozimento, onde o mel era depositado para resfriar.
Nas resfriadeiras o mel era "batido" pelos "banqueiros" com uma
pá de madeira de cabo longo, até a coagulação. Em seguida, o mel
coagulado era colocado em fôrmas de madeira com formato de
grades retangulares;
i) o corte e a embalagem da rapadura. Uma vez
secas, as rapaduras eram cortadas pelos "banqueiros" e embaladas
em pilhas de 50 a 100 unidades. Esta embalagem era feita com as
folhas trançadas da palmeira catolé, muito comum na região.

89
90 Emília Moreira e Ivan Targino

Após embaladas, as rapaduras estavam prontas para serem co-


mercializadas26.
A rapadura produzida no Brejo era vendida para
os Sertões do Estado da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

" Os sertanejos vinham ao Brejo em comboios de


burros que serviam para transportar a rapadu-
ra. Para se alimentar durante a viagem e tam-
bém para vender aos habitantes do Brejo, eles
traziam a carne seca de bode. Os comboios de
burro partiam da região carregados de rapadura
e de aguardente além dos cereais ali produzidos:
feijão, fava, milho e a farinha de mandioca. O
Brejo torna-se um verdadeiro celeiro do Sertão"
(MOREIRA, 1990:18).

O trabalho na lavoura canavieira era realizado


tanto por escravos quanto por homens livres. É bem verdade que
a escravidão no Brejo não teve a mesma importância que no Lito-
ral. Porém ela não pode ser negligenciada. Em 1851, a população
escrava de Areia, Alagoa Nova e Bananeiras representava 10% da
população total destas áreas. Com o declínio da escravidão, firma-
se o sistema de morada que irá dominar as relações de trabalho.
As condições de vida dos moradores eram precá-
rias. Estavam sujeitos a um regime de trabalho extenuante e sub-
metidos a baixo nível de remuneração. As casas dos moradores
eram de taipa, cobertas de palha (folhas de catolé) e de chão bati-
do. As residências encontravam-se dispersas pelas propriedades,
forma de garantir a vigilância gratuita das mesmas.

26Em anos recentes, alguns Engenhos passaram a produzir também um outro tipo de rapadura: a
"rapadura de açúcar". Esta, de gosto e qualidade diferentes da rapadura de cana tem um processo
de fabricação mais simples e utiliza uma mão-de-obra mais reduzida. A matéria-prima usada é o
açúcar, de onde se extrai o xarope ao qual são anexados produtos químicos e tintura vegetal para
provocar a coagulação do mel e a coloração.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 91

Malgrado a intensidade do nível de exploração e a


dureza do trabalho na moenda, este tipo de atividade era a mais
procurada pelos trabalhadores, principalmente durante o período
de fabricação da rapadura. Dentre as causas que explicam este
fato pode-se assinalar:
a) a questão do salário: uma jornada de trabalho
no Engenho valia mais ou menos o dobro de uma jornada de
trabalho nos canaviais;

b) o período de fabricação da rapadura: este coin-


cidia com a época seca na região, fase de pouca atividade na agri-
cultura de subsistência. Entre ficar sem trabalhar e efetuar uma
atividade remunerada nos Engenhos, os trabalhadores não tinham
muita escolha;
c) a possibilidade de completar a ração alimentar
da família com a rapadura. Era comum nos Engenhos que os
trabalhadores se alimentassem de rapadura e também recebessem
uma pequena quantidade para distribuir com os familiares.

O senhor de Engenho do Brejo não detinha o


mesmo prestígio social e econômico do senhor de Engenho do
Litoral. Isto não só pelo fato de ser proprietário de menores su-
perfícies, como também pelo tipo de produto produzido, a rapa-
dura e a aguardente, destinados exclusivamente ao mercado inter-
no. A residência dos senhores de Engenho são testemunhos desse
fato. Situada nas proximidades do Engenho, “a casa-grande era uma
construção rústica, de piso de tijolo de alvenaria, coberta de telha-vã”
(ALMEIDA & ALMEIDA, 1995:101-103). Porém, localmente,
eram eles que detinham o poder político e econômico.
O ciclo da cana entrou em declínio na região a
partir do final da última década do século XIX. Teriam contribuí-
do para isso:
a) a elevação dos impostos cobrados à rapadura
que saía do Estado, por determinação da Assembléia estadual. O

91
92 Emília Moreira e Ivan Targino

resultado teria sido a perda do mercado consumidor do Rio


Grande do Norte;
b) a concorrência com a rapadura produzida no
Sertão. A construção de açudes no semi-árido paraibano, possibi-
litou o surgimento das engenhocas sertanejas, presentes ainda
hoje na paisagem daquela região. De consumidor da rapadura e
da aguardente do Brejo, o Sertão passou à condição de produtor,
garantindo parte do seu abastecimento;

c) as doenças que afetaram os canaviais, em parti-


cular a praga da "gomose". A cana caiana, única espécie cultivada
no Brejo durante muito tempo, foi atingida pela doença da gomo-
se que a destruiu quase que completamente. Os Engenhos sofre-
ram o efeito desta destruição e ficaram de "fogo morto" durante
duas ou três colheitas. Os senhores de Engenho se endividaram;
muitos hipotecaram suas terras. Era o fim do primeiro ciclo da
cana na região.
A saída encontrada por alguns senhores de Enge-
nho para superar a situação de dificuldade financeira na qual se
encontravam, foi o rompimento com a monocultura da cana e a
introdução de uma nova cultura de exportação bastante valoriza-
da no mercado internacional: o café.

2.4.2.3. E o café substitui a cana dando ori-


gem a um "novo ciclo econômico"

O cafeeiro é um arbusto da família das rubiáceas


(Coffea arabica), originário da Arábia. O seu cultivo no Brejo
Paraibano foi possível graças às condições de clima e solo regio-
nais razoavelmente favoráveis ao seu desenvolvimento.
A introdução do café no Brejo data do século
XIX. Ao longo da segunda metade desse século, ele se expande
na região. Segundo Celso Mariz, municípios como Bananeiras,
Alagoa Nova, Serraria e Areia chegaram a possuir cerca de 6 mi-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 93

lhões de cafezais. Bananeiras sozinho atingiu a produção de 150


mil arrobas (MARIZ, 1978:54).
O período áureo do café teve curta duração. Em
1920, uma praga denominada "Cerococus Parahybensis" se alas-
trou pelos cafezais, dizimando-os em menos de cinco anos. José
Rufino de Almeida assim descreve a praga:

“Só aquele que viu pode aquilatar a fúria des-


truidora da terrível praga. Sítios ainda indenes,
em poucos meses apresentavam-se aos nossos
olhos como se fortíssima queimada tivesse passa-
do sobre eles. Despiam-se vertiginosamente todas
as folhas. Caíam os frutos. Ressequiam-se os
ramos. Parecia uma coisa tangida por mãos dia-
bólicas e invisíveis. Ia de sítio em sítio, de gruta
em gruta; ora apontando aqui mais fraca para
surgir além, terrível, impetuosa, avassaladora.
(...) Como se vê, a praga abrangia quase toda
zona cafeeira do Estado. O seu avanço perigoso,
parecia levar uma finalidade única: matar o úl-
timo pé de café, no último socavão de gruta”
(ALMEIDA & ALMEIDA, 1995:95-97).

Várias iniciativas malogradas foram feitas para


tentar conter a praga. A este respeito José Rufino assim se refere:

“Medidas sem conta foram tomadas ao alcance


da grei: cal, pulverizações, retirada das sombras,
etc. Não ficaram parados como injustamente se
alega. Nada surtiu efeito. Pediu-se socorro. Ape-
lou-se para os poderes públicos, indiferentes como
sempre às necessidades do agricultor. Nada. De-
sanimava-se. Vendiam-se propriedades por pou-
co mais ou nada” (ALMEIDA & ALMEI-
DA, 1995:95).
93
94 Emília Moreira e Ivan Targino

Essencialmente agrária e dependente do mercado


ora interno, ora externo, a região do Brejo volta-se, com a crise de
acumulação provocada pela desarticulação da produção cafeeira,
para as suas combinações agrícolas tradicionais: agricultura de
subsistência, cana e gado. Concomitantemente, alguns proprietá-
rios rurais tentaram desenvolver outras culturas de mercado como
o fumo em estufa e a amoreira para a produção do bicho da seda.
Estas experiências, por motivos vários, acabaram frustradas. Di-
ante de tal insucesso, eles voltaram a investir na atividade canavi-
eira dando origem a um novo período de hegemonia desta cultu-
ra.

2.4.2.4. Cana e sisal: uma combinação


"bizarra"

Este segundo momento de expansão da atividade


canavieira no Brejo irá caracterizar-se pela coexistência dos En-
genhos de rapadura com as Usinas de açúcar.
Duas Usinas foram instaladas na região nos fins
dos anos 20 e início dos anos 30: a Tanques, em Alagoa Grande e
a Santa Maria, em Areia.
Da coexistência desses dois sistemas agrícolas
resulta uma mudança qualitativa no conjunto do sistema açucarei-
ro regional, mudança esta que irá se exprimir através da domina-
ção da Usina sobre o Engenho. Esta dominação manifesta-se
através: a) da expansão da área cultivada com a cana. Esta expan-
são deu-se a partir do arrendamento ou da compra de Engenhos
pela Usina. Deste modo ela assegurava uma parte da matéria-
prima que utilizava na sua produção. Se a Usina dependesse uni-
camente da cana produzida e fornecida pelos Engenhos, estes
seriam livres para cessar seu fornecimento no momento que dese-
jassem ou no momento em que os interesses da Usina contrarias-
sem os seus. Produzindo sua própria matéria-prima a Usina forti-
ficava sua relação de dominação sobre os Engenhos.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 95

"Por outro lado, dividir o abastecimento da


Usina com os fornecedores de cana era uma for-
ma do usineiro reduzir os riscos das oscilações vi-
olentas do preço internacional do produto, fican-
do os riscos maiores para a lavoura, mesmo que
os usineiros financiassem a produção dos fornece-
dores” (SOBRINHO, 1941:13).
b) da determinação do preço da cana. No momen-
to em que os Engenhos passaram a fornecer cana à Usina eles
passaram também a receber pela cana o preço determinado por
esta. O processo de subordinação e dependência dos Engenhos
em relação às Usinas se aprofunda.
“A intervenção estatal através da Comissão de
Defesa da Produção do Açúcar e posteriormente
do Instituto do Açúcar e do Álcool, visando es-
tabilizar o mercado pelo tabelamento da cana,
pela limitação da produção e estabilidade do pre-
ço do açúcar, por sua vez, favoreceu a expansão
da produção da cana das usinas em detrimento
do interesse dos fornecedores” (TARGINO,
1978:83).
A resposta encontrada pelos senhores de Enge-
nho do Brejo para resistir à dominação da Usina foi aderir ao
cultivo do sisal o qual, como foi visto, contava naquele momento
com uma boa recepção no mercado internacional. Assim, a partir
de 1940 até os fins dos anos 50 o sisal e a cana partilharam o es-
paço agrícola do Brejo originando, segundo Nilo Bernardes, "uma
das mais bizarras combinações agrícolas jamais vista no Brasil" (BER-
NARDES, 1958:44). Foi porém o sisal que teve maior importân-
cia para a economia do Brejo nesse período.
Com o declínio da atividade sisaleira a partir do
final dos anos 50, a cana-de-açúcar voltou a constituir-se no prin-
cipal produto agrícola regional. A partir de então o sistema açuca-
reiro do Brejo caracterizar-se-á pela dominação da Usina.

95
96 Emília Moreira e Ivan Targino

Sem alternativa que permitisse sua independência


em relação à Usina, a grande maioria dos senhores de Engenho
colocaram em segundo plano a produção da rapadura e transfor-
maram-se em meros fornecedores de cana. No início dos anos 70,
poucos eram os Engenhos ainda em funcionamento na região e o
sistema morador, característico da atividade canavieira regional,
encontrava-se em processo de decadência.
A atividade canavieira do Brejo, como de resto em
todo o país, será revigorada com a implantação do Proalcool em
1975, reforçando a dominação das Usinas sobre todo o espaço
agrário regional. Com o fim do Proalcool, a economia brejeira
entra em crise, buscando, atualmente, novas formas de uso de
recursos que permitam a sua revitalização (GONDIM, 1995).

2.4.2.5. A pequena produção de alimentos no


Agreste

Presente no Agreste desde os primórdios da orga-


nização do espaço agrário regional, a pequena produção de ali-
mentos se constituiu sempre uma atividade complementar. Sua
expansão ou retração encontrava-se na dependência do processo
de expansão ou retração das culturas de mercado. Produzida
principalmente por moradores, parceiros e pequenos proprietá-
rios, desenvolveu-se no interior das médias e grandes proprieda-
des e nos seus limites. Conviveu com a cultura do algodão em
todos os padrões de propriedade; retraiu-se aos limites das pe-
quenas e médias unidades de produção durante o período áureo
da agave. Sempre ocupou os poros da atividade monocultora. A
fruticultura, além do milho, do feijão, da mandioca e, em algumas
áreas, da horticultura, são as lavouras de maior importância.
É importante ressaltar que entre as quatro Mesor-
regiões do Estado, é no Agreste onde a pequena produção possui
maior importância relativa tanto econômica como social. Com
efeito, é nesta região onde se encontram os mais baixos índices de
concentração fundiária do Estado.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 97

Com certeza, o peso da pequena produção no


contexto da organização do espaço agrestino foi um dos fatores
responsáveis pelo adensamento populacional dessa região, em
particular, na zona rural.
Do exposto até o presente, depreende-se que o
processo de ocupação, povoamento e organização da produção
agropecuária, atuando sobre a diversidade do quadro natural, en-
gendrou, ao longo do tempo, espaços agrários bastante diferenci-
ados no interior das três grandes unidades espaciais aqui referen-
ciadas. Em 1970 podia-se identificar treze regiões agrárias forte-
mente individualizadas no Estado (MOREI-RA,1988 e 1989).
A partir dos anos 70, o processo de “moderniza-
ção conservadora” da agricultura embora mais atenuado na Para-
íba, do que em outros estados (sobretudo do Centro-Sul), foi res-
ponsável por mudanças profundas na base técnica e na organiza-
ção da produção agropecuária, na distribuição da posse da terra,
na dinâmica da população e do emprego rural, nas formas de or-
ganização e de luta da classe trabalhadora que redundaram numa
nova reestruração do espaço agrário estadual. Os próximos capí-
tulos deter-se-ão na análise dessas mudanças e nos impactos por
elas causados.

97
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 99

QUADRO I
ESTADO DA PARAÍBA
INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS USINAS DO LITORAL PARAIBANO COM DES-
TAQUE PARA A TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE
NOME LOCALIZA- DATA DA FUNDADOR ADQUIRENTE DATA DA NOVO
ORIGINAL ÇÃO FUNDAÇÃO AQUISIÇÃO NOME
DA USINA
Cumbe Santa Rita 1910 Arquimedes Flávio Ribeiro 1922 Usina Santa Rita
C. de Oliveira Coutinho
Bonfim Sapé 1917 Gentil Lins Renato Ribeiro Coutinho 1922 Usina Santa Helena
na condição de tutor dos com sede em Sapé
irmãos
São Gonçalo ou Cruz do Espírito José Galvão de Renato Ribeiro 1922 Usina Santa Helena
N. Sra. do Santo – Mello Coutinho na condição de com sede em Sapé
Patrocínio tutor dos irmãos
Engenho Santa Rita 1888 Companhia de Herdeiros de João Úrsulo 1914 Usina São João
Central São Engenhos Centrais Ribeiro Coutinho
João
Pedrosa Santa Rita 1922 Manuel Sebastião Flaviano Ribeiro 1925 Usina Santana
de Araújo Pedrosa Coutinho
Espírito Cruz do Espírito Adalberto Ribeiro Renato Ribeiro Coutinho 1922 Usina Santa Helena
Santo Santo – na condição com sede em Sapé
de tutor dos irmãos
Fonte: SANTANA,1990.

99
100 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO II

QUANTIDADE EXPORTADA (ARROBA) DE AÇÚCAR


E ALGODÃO PELO PORTO DA PARAÍBA
1835-1862

ANOS AÇÚCAR ALGODÃO


1835/36 116.655 99.804
1836/37 88.246 119.541
1837/38 93.668 109.025
1839/40 98.649 58.870
1840/41 187.336 70.560
1841/42 88.952 58.765
1842/43 122.768 97.010
1843/44 115.175 98.108
1844/45 147.857 128.127
1947/48 153.207 90.721
1852 --- 81.402
1853 156.398 ---
1854 305.082 195.665
1855 96.400 255.492
1857 684.933 188.741
1858 675.870 190.534
1859 914.843 243.187
1860 405.194 178.267
1861 599.594 187.787
1862 889.890 184.973
Fonte: PINTO, 1977. v. 2.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 101

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101
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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 103

3. MODIFICAÇÕES RECENTES NA
ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
AGROPECUÁRIA

“Cadê você meu país do Nordeste


que eu não vi nessa Usina Central Leão
/de minha terra?

Onde está a alegria das bagaceiras?


O cheiro bom do mel borbulhando nas ta-
chas?
A tropa dos pães de açúcar atraindo arapuás?
Onde é que mugem os meus bois trabalhado-
res?
Onde é que cantam meus caboclos lamban-
ceiros?
Onde é que dormem de papo para o ar os be-
bedores
/de resto de alambique?
E os senhores de espora?
E as sinhás-donas de cocó?
E os cambiteiros, purgadores, negros quei-
mados na fornalha?

Ah! Usina Leão, você engoliu


os bangüezinhos do país das Alagoas!”

Versos de Jorge de Lima

No início dos anos 70, conforme análise anterior,


podia-se identificar diferentes formas de organização da produção
agropecuária na Paraíba. No Litoral, a cana-de-açúcar era cultiva-
da em grandes propriedades situadas nas várzeas dos rios conse-
qüentes que cortam a região, enquanto a policultura alimentar era
praticada em associação com o coco-da-baía sobre os tabuleiros
103
104 Emília Moreira e Ivan Targino

costeiros, por pequenos produtores rurais. No Agreste, a policul-


tura alimentar e comercial era complementada, nos mais diversos
graus, pela atividade pecuária, originando uma organização bas-
tante diversificada do espaço agrário. No Brejo, a cana-de-açúcar
partilhava a paisagem com a policultura comercial e a produção
de alimentos. No Sertão, o algodão, a pecuária extensiva e a poli-
cultura alimentar, determinavam a organização da produção regi-
onal.
O processo de modernização da agricultura, leva-
do a efeito na Paraíba a partir de 1970, foi responsável por pro-
fundas alterações nessa dinâmica da organização da produção.
Isso porque ele promoveu a substituição tanto de culturas alimen-
tares e de matérias-primas destinadas ao abastecimento do mer-
cado interno, quanto da vegetação natural de mata, cerrado e caa-
tinga, seja pela cana-de-açúcar, seja pelo pasto plantado.

"Este movimento não constitui apenas uma me-


ra mudança no uso do solo. Ele é bem mais sig-
nificativo na medida em que se considera que as
explorações da cana e da pecuária constituem as
duas novas formas concretas assumidas pelo ca-
pital no processo recente de sua dominação sobre
a agricultura paraibana" (MOREIRA, 1988:
269).

Neste capítulo, procura-se estudar essa dinâmica,


buscando apreender em linhas gerais os efeitos da expansão da
cana-de-açúcar e da pecuária sobre o meio ambiente, a produção
de alimentos e de matérias-primas, a paisagem rural e o emprego
no campo. Estuda-se também o comportamento de outras cultu-
ras industriais como o sisal, o algodão, o coco-da-baía e o fumo
na década de 70 e o desempenho da produção agropecuária nos
anos 80 e início da década de 90. Busca-se ainda analisar a crise
atual da economia canavieira e seus efeitos tanto sobre a organi-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 105

zação da produção agropecuária como sobre as condições de vida


e trabalho da classe trabalhadora.

3.1. A expansão canavieira (1970/1986)

Até 1970, as áreas de maior concentração da cana-


de-açúcar no Estado situavam-se no Litoral, abrangendo os mu-
nicípios de Mamanguape, Sapé, Santa Rita, Cruz do Espírito San-
to, São Miguel de Taipu, Juripiranga, Caaporã e Pedras de Fogo e,
no Brejo, onde se distinguiam os municípios de Borborema, Ser-
raria, Pilões, Cuitegi, Alagoinha, Areia, Alagoa Grande e Alagoa
Nova (v. mapas de cana-de-açúcar in: MOREIRA, 1996). Essas
duas subunidades espaciais contribuíram, naquele ano, com
96,3% do valor total da produção paraibana de cana-de-açúcar e
concentraram cerca de 90,0% da superfície cultivada com esse
produto no Estado.
O plantio da cana era restrito às áreas de condi-
ções naturais mais favoráveis, tais como as áreas úmidas do Brejo
e as várzeas mais largas do Litoral. Os tabuleiros costeiros consti-
tuíam um limite natural à expansão da cana, em função, sobretu-
do, da baixa fertilidade dos seus solos. No Brejo, o relevo movi-
mentado, de encostas íngremes, constituía também um obstáculo
natural ao avanço da cana. Esta destinava-se, ali, à produção da
rapadura e da aguardente.
Em 1975, foi criado o Programa Nacional do Ál-
27
cool (PROALCOOL) apoiado numa forte política de incentivos
fiscais e creditícios. Os incentivos do Proalcool destinavam-se
tanto à produção industrial quanto à agrícola. Em relação ao seg-
mento industrial, o Programa financiava até 80% do valor do

27 O Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) foi criado em novembro de 1975, através do


Decreto Lei nº. 76.593/75, no contexto de um esquema alternativo proposto pelo governo brasi-
leiro para enfrentar a crise energética decorrente da alta dos preços internacionais do petróleo. O
Proalcool visou também a recuperação do setor açucareiro (que vinha enfrentando séria crise com
a queda do preço do açúcar no mercado internacional) e estimular o setor automobilístico, o qual,
por redução de demanda e de queda de lucratividade, sentia-se ameaçado.
105
106 Emília Moreira e Ivan Targino

investimento fixo, no caso das destilarias que utilizassem a cana-


de-açúcar como matéria-prima. Os encargos financeiros engloba-
vam juros de 4% ao ano para as destilarias anexas e de 3% para as
autônomas na área da SUDENE/SUDAM e uma correção mo-
netária equivalente a 40% da variação das Obrigações Reajustá-
veis do Tesouro Nacional (ORTN). Em relação ao setor agrícola,
havia os financiamentos de investimento para fundação ou ampli-
ação de lavouras (preparo do solo, plantio e tratos culturais até a
primeira safra) e financiamento de custeio para despesas relativas
às socas ou às ressocas. O Programa financiou entre 80% e 100%
do valor total do projeto, cobrando juros que variavam entre 10%
(custeio para pequeno produtor) e 26% (investimento para o
grande produtor), sem cláusula de correção monetária. Tais con-
dições de financiamento em uma economia sob processo inflaci-
onário equivaliam, na verdade, a juros negativos para a agroindús-
tria (TARGINO & MOREIRA, 1992).
Para que se tenha uma idéia mais precisa do que
significou o Proalcool em termos de investimento industrial no
Estado, é suficiente destacar que:

"os recursos dele provenientes para financiar a


indústria sucro-alcooleira entre 1975 e 1985 re-
presentaram, aproximadamente, 40% do total
dos financiamentos do FINOR, no mesmo perí-
odo, para o conjunto do setor industrial paraiba-
no. O aumento da capacidade produtiva do seg-
mento industrial da agroindústria sucro-
alcooleira, cuja realização da produção passou a
ser garantida pelo Programa, estimulou o cresci-
mento do segmento agrícola. Estímulo esse refor-
çado pelos recursos destinados à fundação ou re-
forma dos canaviais" (TARGINO & MO-
REIRA, 1992: 549).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 107

Os estímulos fornecidos pelo governo Federal


através do Proalcool permitiram a expansão da cana não só sobre
os tabuleiros costeiros e encostas do Brejo, como sobre municí-
pios do Agreste Baixo, do Agreste Ocidental e do Piemonte da
Borborema. Em outras palavras, o rompimento da barreira ecoló-
gica constituída pelos tabuleiros e encostas íngremes do Brejo,
tornou-se possível a partir do momento em que "os preços do açúcar,
e posteriormente do álcool, compensaram os investimentos necessários para a
aquisição de novas terras, a modernização dos equipamentos, a ampliação do
emprego de fertilizantes, herbicidas e de outras variedades de cana mais adap-
tadas às novas condições ecológicas " (EGLER & TAVARES, 1984:
11).
Apreende-se daí que:
a) a dependência dos condicionantes naturais é
inversamente proporcional ao desenvolvimento das forças produ-
tivas. Quanto maior o desenvolvimento das forças produtivas,
menor se torna a dependência da organização da produção ao
meio físico;
b) a produção canavieira na Paraíba cresceu a par-
tir do Proalcool, à sombra dos subsídios governamentais e do
mercado regulamentado.
A expansão da cana-de-açúcar no Estado já podia
ser observada em 1980. A produção da cana, antes restrita a quin-
ze municípios do Litoral e do Brejo, avançou sobre outros muni-
cípios destas regiões, estendeu-se pelo Agreste Baixo e Piemonte
da Borborema, incorporando em sua passagem mais de vinte mu-
nicípios, promovendo assim uma "homogeneização da paisagem
rural". Essa homogeneidade, que irá se refletir na paisagem atra-
vés do verde dos canaviais, compreende igualmente a incorpora-
ção da dinâmica interna do processo produtivo (v. mapas de ca-
na-de-açúcar e esboços cartográficos in: MOREIRA,1996).

107
108 Emília Moreira e Ivan Targino

O crescimento da área de cana colhida entre 1970


e 1980 foi equivalente a 113,6%28, o que significou a incorporação
de mais de 45 mil hectares de terra pela cana. Deste total, 74% foi
incorporado entre 1975 e 1980. Nesse período, o crescimento
anual da área colhida com cana-de-açúcar no Estado foi de
10,5%.29 Como pode ser visto no quadro III, entre 1981 e 1986 a
cana expandiu-se por mais 58.000 hectares (a área colhida de 120
mil hectares, passou para 178 mil hectares).
A produção, por sua vez, de 1.433.245 toneladas
em 1970, atingiu 3.057.112 toneladas em 1980, o que significou
um aumento absoluto de 1.623.867 toneladas (113,3%). Só no
período de 1975/1980 esse aumento da produção foi equivalente
a 61,0%, o que correspondeu a um crescimento de 10% ao ano.
Em 1986, a produção de cana do Estado já equivalia a 10,7 mi-
lhões de toneladas (v. quadro III).30
Os municípios que mais se destacaram nessa ex-
pansão foram os que compõem a franja litorânea como Mataraca,
Rio Tinto, Lucena, João Pessoa, Conde, Alhandra, Pitimbu e Ca-
aporã. No Agreste, a cana avançou sobre os municípios de Guri-
nhém, Caldas Brandão, Pilar, Itabaiana, Mulungu e Guarabira,
entre outros, na sua maioria sem tradição canavieira (v. mapas de
cana-de-açúcar in: MOREIRA, 1996).
Desse modo, sob o Proalcool, ocorreu uma rede-
finição da região canavieira do Estado, seja pela incorporação de
novos municípios, seja pela expansão da fronteira canavieira in-

28De 40.007 hectares passou para 85.455 hectares. FIBGE. Censos Agropecuários da Paraíba,
1970 e 1980.
29A área colhida de cana nem sempre representa o total da área plantada. As diferenças nas datas
de plantio permitem que certos partidos não se encontrem em idade de corte no momento da
colheita. Se este aspecto for levado em conta, pode-se inferir que a incorporação de terras pela
cana entre 1970 e 1980 pode ter sido ainda maior do que a cifra enunciada.
30Cf. FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1986. Vale destacar que o crescimento da produção e
da área cultivada com cana até aqui enunciados, incluem o conjunto do Estado. Ou seja, aí estão
embutidas as informações relativas às áreas de produção de cana do Sertão. A importância dos
dados relativos ao Sertão, porém, se comparados aos identificados para o Litoral, Agreste e Brejo,
tornam-se insignificantes. Isso, apesar da importância local assumida pela produção de rapadura e
aguardente nas engenhocas sertanejas.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 109

clusive nos municípios tradicionalmente produtores de cana.


Considerando a importância dessa cultura em nível dos municí-
pios, definiu-se a “Zona Canavieira Moderna” do Estado. Esta,
estende-se do Litoral até os limites ocidentais do Brejo Paraibano,
compreendendo 38 municípios (v. mapas de cana de açúcar in:
MOREIRA,1996). Ela engloba áreas que apresentam as melhores
aptidões agrícolas do Estado (várzeas do Litoral, e porções do
Agreste-Brejo) ou que são favoráveis à mecanização em virtude
da topografia tabular ou suavemente ondulada (tabuleiros e vár-
zeas do Litoral).
Nesta Zona, a produção de cana que era de
1.371.384 toneladas em 1970, alcançou 5.510.425 toneladas em
1985, o que representou um crescimento da ordem de 302,0%; a
superfície de cana colhida cresceu 215,0% no mesmo período (de
37.225 hectares, para 117.187 hectares).
O estudo comparativo do uso do solo no Litoral
Sul da Paraíba entre 1974 e 1985, realizado com base na análise
de fotografias aéreas, permite visualizar melhor este processo de
expansão da cana. Observando-se no Atlas de Geografia Agrária
do Estado o esboço cartográfico relativo ao Litoral Sul, constata-
se que, em 1974, a produção da cana restringia-se às várzeas dos
rios Goiana, Paraíba, Mumbaba e Miriri. As áreas estuarinas e os
trechos de domínio do tabuleiro eram ocupados por vegetação de
mangue e pela vegetação de mata e de cerrado dos tabuleiros,
intercalada por manchas de culturas alimentares e comerciais (v.
esboço cartográfico in: MOREIRA,1996).
As fotografias aéreas de 1985 permitem identificar
o novo percurso seguido pela cana, a qual, em sua passagem,
substituiu grande parte da vegetação natural e importantes tre-
chos tradicionais produtores de alimentos, inclusive de abacaxi e
de coco-de-praia (v. esboço cartográfico in: MOREIRA,1996).
Observando mais em detalhes o caso específico
do município de Sapé, constata-se que a cana-de-açúcar, entre
1974 e 1985 tanto substituiu grande parte da vegetação de cerrado
e mata ali encontrada, como culturas alimentares e o abacaxi,
109
110 Emília Moreira e Ivan Targino

produto comercial de grande peso na economia municipal (v.


esboço cartográfico in: MOREIRA,1996).
No início dos anos 90, a Paraíba colocava-se como
quarto maior produtor de cana no ranque nacional, com uma
participação de 4,8% do total produzido. A participação da cana-
de-açúcar na composição do valor da produção agrícola estadual
em 1990, de 45,7%, foi a mais alta entre todos os produtos das
lavouras permanente e temporária.
O peso da importância assumida pela expansão da
cana no Estado pode ser também avaliado na medida em que se
analisa o comportamento da produção de álcool e do parque in-
dustrial sucro-alcooleiro a partir de 1975. A produção de álcool,
de apenas 806 mil litros na safra de 1975/76, alcançou, na safra
de 1984/85, a cota de 229,3 milhões de litros (POLARI, 1990:06).
Até a implantação do Proalcool, a Paraíba contava
com sete Usinas de açúcar, algumas dezenas de Engenhos, na sua
maioria em estado de decadência, e com apenas três destilarias de
álcool, sendo duas delas anexas e uma autônoma.
De 1975 a 1985, dez novas destilarias foram im-
plantadas e as pré-existentes foram ampliadas (v. Quadro IV).31 O
resultado foi:

"o aumento da capacidade de produção do álcool


da ordem de 250 milhões de litros ao ano, e uma
inversão de capital de cerca de 175,8 milhões de
dólares, a preço de 1989, 70,0% dos quais ori-
ginados de recursos do Proalcool" (POLARI,
1990:6).

Do exposto, alguns aspectos merecem ser realça-


dos. Em primeiro lugar, o fato de que a intervenção protecionista
do Estado na atividade canavieira a partir de 1975, através do
Proalcool, foi fundamental para garantir a sobrevivência do setor

31Não estão contabilizadas aqui as destilarias de aguardente, só as de álcool.


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 111

açucareiro paraibano. Em segundo lugar, chama-se a atenção para


o período de 1980/1986 por coincidir com a maior parte da fase
de crise do crédito agrícola subsidiado no Brasil, cujo volume foi
reduzido em mais de 50% entre 1979 e 1984.

"(...) entre 1979 e 1984 o volume de crédito foi


reduzido em mais de 50%. Praticamente todos
os itens foram atingidos (...). Em 1984, o valor
do crédito foi pouco superior a 1/5 do registrado
em 1979 (...), entre 1980 e 1984, a redução do
crédito de custeio foi da ordem de 40% e a do
crédito de comercialização chegou perto de 70%”
(BUTTEL,1989:08,apud,LIMA,1994:17).

Essa redução do volume do crédito agrícola, pelo


menos até 1986, parece não ter afetado a atividade canavieira
paraibana. Como foi visto, entre 1980 e 1986 o crescimento da
produção e da área colhida com cana-de-açúcar prosseguiu em
escala vertiginosa. O que explicaria tal comportamento?
Para George Martine, a retração do crédito nesse
primeiro momento não teria desestimulado a produção agropecu-
ária brasileira. Isso porque, segundo ele, "a retirada do crédito subsi-
diado genérico foi substituída pelo crédito dirigido ainda mais subsidiado",
(MARTINE,1989:12) tendo a cana sido uma das lavouras mais
beneficiadas nesse processo. Pode-se portanto supor que, na Pa-
raíba, o fortalecimento do Proalcool durante o período do crédito
dirigido teria permitido a continuidade do processo de expansão
da atividade canavieira. Convém chamar a atenção, porém, para o
fato de que essa fase do crédito dirigido compreende apenas o
período de 1979/1984. A que se atribuiría a extensão do cresci-
mento do setor canavieiro nos anos de 1985 e 1986?
Segundo Lima, na Paraíba,

"a continuidade do crescimento da produção ca-


navieira em 1985 e 1986, pode ser atribuída
111
112 Emília Moreira e Ivan Targino

aos efeitos defasados dos investimentos realizados


pelos produtores entre 1979/84, com os recursos
oriundos da nova estrutura do sistema de crédi-
to" (LIMA, 1994:18/19).

É importante salientar que a cana não apenas se


expandiu em termos de produção e área cultivada, como teve sua
importância no contexto da produção agrícola estadual reforçada.
Dois fatores teriam contribuído para isso. De um lado, o longo
período de estiagem que teve lugar entre 1979 e 1983 refletiu
negativamente sobre a atividade de lavoura, estimulando, no tre-
cho oriental do Estado, a substituição de culturas alimentares
tradicionais pela cana. De outro lado, a praga do bicudo que
acometeu os algodoais também teria, em alguns municípios do
Agreste, levado os produtores rurais a transformarem campos de
algodão em áreas destinadas à lavoura canavieira.
Os impactos dessa expansão da atividade canaviei-
ra se fizeram sentir sobretudo:
a) na economia estadual. A cana contribuiu para o
aumento do valor da produção agrícola tanto dos tradicionais
municípios canavieiros, como daqueles onde se processou sua
expansão recente (comparar mapas da distribuição da produção
agrícola de 1970 e 1980 in: MOREIRA,1996). Isso evidencia a
importância da economia canavieira na dinâmica do crescimento
econômico dessas áreas, com rebatimento na economia estadual.
Pode-se também atribuir à atividade canavieira as altas taxas de
produtividade da terra (valor da produção/ha.) encontrados para
1980 no Litoral Sul, área de maior expressão no avanço da cana a
partir de 1975 (v. mapa da produtividade da terra in: MOREI-
RA,1996). É importante salientar que no período compreendido
entre 1970 e 1980, a participação da cana no valor da produção
agrícola estadual passou de 16,1% para 27,6%. Esse aumento da
participação da cana no valor da produção agrícola, associado à
queda da atividade cotonicultora, contribuiu para aumentar a de-
pendência da agricultura da Paraíba a esse produto, cujo desem-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 113

penho acha-se atrelado a um programa cuja manutenção é extre-


mamente crítica;
b) no emprego rural. O impacto do Proalcool so-
bre o emprego agrícola se fez sentir sobretudo através do cresci-
mento do emprego sazonal. Entre 1975 e 1985, o número de
empregados assalariados temporários da Zona Canavieira cresceu
93,6%.

"Embora o aumento da mecanização tenha re-


duzido a necessidade de mão-de-obra em deter-
minadas fases do processo produtivo, ele não afe-
tou a demanda de mão-de-obra no período de co-
lheita. O que vale dizer, que a expansão da área
cultivada implicou na necessidade de um maior
número de trabalhadores, sobretudo no período
de corte" (MOREIRA, 1988:290).

É preciso chamar atenção para o fato de que, a


esse aumento do emprego sazonal, não correspondeu uma me-
lhoria da condição de vida da classe trabalhadora. Ao contrário, o
que se constatou através de estudos realizados pelo Grupo de
Estudo sobre Saúde e Trabalho na Zona Rural da Paraíba (GES-
TAR/UFPb) e pelo Serviço de Educação Popular da Arquidioce-
se de Guarabira (Sedup/PB), foi seu agravamento. Nos meses de
novembro e dezembro de 1984, por exemplo, a renda monetária
média semanal de uma família de trabalhadores da cana no Brejo
representava 97,0% do salário mínimo vigente na época. Essa
remuneração deveria manter uma família composta de aproxima-
damente sete pessoas. Esse baixo nível de renda tem fortes reper-
cussões no padrão alimentar que, deteriorado, se reflete de modo
negativo na saúde da população. Por outro lado, ele é também
demonstrativo da condição de miséria absoluta em que vivem as
famílias canavieiras. A verdade é que a riqueza produzida pela
expansão da cana e pelo apogeu do Proalcool infelizmente não
chegou à mesa da classe trabalhadora. Deve-se também levar em
113
114 Emília Moreira e Ivan Targino

conta que o Proalcool tanto criou como destruiu empregos. A


expulsão-expropriação dos pequenos produtores de subsistência
(moradores, parceiros e foreiros) foi constatada tanto nas áreas
tradicionais produtoras de cana como naquelas que foram por ela
incorporadas mais recentemente. O resultado foi, de um lado, o
esvaziamento demográfico da zona rural e, de outro, o aumento
das tensões sociais no campo, nas áreas onde a resistência cam-
ponesa sobrepujou a força do capital32;
c) na base técnica da produção. O Proalcool foi
também responsável tanto pelo aumento do número de máqui-
nas, tratores e colhedeiras mecânicas, como pela intensificação do
uso de fertilizantes e defensivos químicos utilizados na atividade
canavieira. Isso sem falar na modernização e ampliação do parque
industrial sucro-alcooleiro por ele promovida33;
d) na paisagem rural. Ao integrar o Litoral ao
Agreste e ao Brejo, a cana promoveu uma certa homogeneização
da paisagem rural do trecho oriental do Estado. Por outro lado,
como a paisagem reproduz em maior ou menor escala a dinâmica
da organização do espaço, quando transformada pela cana, reflete
a submissão do espaço agrário às novas leis que regem o processo
de modernização dessa atividade;
e) no meio ambiente e na saúde da população. Na
sua sede de terra, a cana incidiu fortemente sobre a vegetação
natural de Mata Atlântica e de Cerrado dos tabuleiros.

"Submetida a uma secular utilização predatória,


a princípio como fonte de essências nobres e pos-
teriormente pela extração de madeira para fins
os mais diversos (lenha para os engenhos, fabri-
cação de carvão vegetal, construção naval, dor-
mentes para vias férreas, lenha para locomotivas,

32Esses aspectos serão abordados de forma mais detalhada nos itens que tratam da questão do
emprego e da dinâmica população rural na Paraíba.
33Maiores detalhes sobre as mudanças observadas no padrão técnico da produção canavieira estão
contidos no item que aborda as mudanças recentes no padrão técnico da agropecuária estadual.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 115

etc.), os restos da Mata Atlântica encontravam-


se confinados nos vales dos afluentes dos maiores
rios, em pequenas bacias costeiras, nos grotões,
nas cabeceiras dos cursos d'água e nos trechos de
solos mais argilosos situados nos topos dos tabu-
leiros" (TAVARES, 1984:19).

Segundo a FIBGE, a superfície ocupada com a


mata natural na Zona Canavieira da Paraíba em 1975 correspon-
dia a 83.415 hectares. Em 1985 ela havia recuado 34,2%, passan-
do a ocupar apenas 54.838 hectares34.
Pesquisas realizadas em 1985 a partir de análises
de fotografias aéreas e de exaustivos trabalhos de campo com-
provam que, no município de Santa Rita, as Matas de Cravaçu e
Aldeia que constituíam o maior testemunho da Mata Atlântica
existente no Estado, foram, em sua maior parte, substituídas pela
cana e por estradas de acesso às destilarias de Jacuípe e Japungu.
No processo de degradação dessas matas, nem mesmo as áreas de
cabeceiras dos cursos d'água foram preservadas (CARVALHO &
MADRUGA, 1985). Segundo a FIBGE, as áreas de mata natural
desse município sofreram uma redução de 3,0% ao ano entre
1970 e 1985, o que representou uma perda de 3.522 hectares.
Ao sul de João Pessoa, nos tabuleiros situados
próximo a Alhandra, a Mata da Chica sofreu também um forte
processo de destruição.
Em Pitimbu, a Floresta Subperenifólia Atlântica e
o Cerrado constituíam, até 1970, as principais formas de utiliza-
ção dos solos dos tabuleiros situados a sudeste, leste e norte da
planície do rio Abiaí, que corta o município. Hoje, o que resta da

34O aumento da área ocupada com a mata natural em alguns municípios da Zona Canavieira entre
1970 e 1985 negam as evidências constatadas nos trabalhos de campo e nas fotografias aéreas
consultadas. Ele talvez possa ser explicado por um possível subdimensionamento dessa área em
1970, decorrente de condições menos favoráveis para a efetivação dos levantamentos, ou a um
superdimensionamento efetuado durante o Censo de 1985. Acreditamos mais na primeira hipóte-
se. Se assim for, é possível que o recuo de 34,2% na área ocupada pela mata natural esteja subdi-
mensionado.
115
116 Emília Moreira e Ivan Targino

exuberante floresta e das relíquias de cerrado que ali eram encon-


tradas, são manchas isoladas. Os canaviais avançaram sobre essas
formações vegetais alcançando o fundo dos vales e dos grotões
úmidos. A devastação desses grotões traz uma série de problemas
para a população visto que, neles, ocorrem ressurgências que lhes
assegura o abastecimento de água potável durante o período de
estiagem. As famílias que habitam o topo dos tabuleiros, onde os
aqüíferos são escassos, também se utilizam das fontes para se
abastecer. A retirada da mata é responsável pelo desaparecimento
dessas fontes, obrigando os habitantes da região a buscar água
cada vez mais distante. De acordo com a FIBGE, de 5.221 hecta-
res de mata existente em Pitimbu em 1970, restavam apenas 459
hectares em 1985. Esse processo de substituição da Mata e do
Cerrado por canaviais se reproduz nos municípios vizinhos de
Alhandra, Caaporã e Pedras de Fogo, estendendo-se em direção
ao norte até Mataraca e a oeste, até Sapé (v. esboços cartográficos
in: MOREIRA,1996).
Outros efeitos perversos do Proalcool sobre o
meio ambiente e que têm rebatimento sobre a saúde da popula-
ção estão relacionados à utilização indiscriminada, intensiva e
contínua de fertilizantes químicos, corretivos de solo e agrotóxi-
cos.
Sabe-se que a maioria dos adubos sintéticos utili-
zados contém uma variedade muito grande de impurezas. No
caso dos superfosfatos, as mais freqüentes são o Arsênio, o Cád-
mio, o Cromo, o Cobalto, o Cobre, entre outros. O acúmulo des-
ses elementos de pouca mobilidade, no solo, pode esterilizá-los;
nos lençóis freáticos, por longo tempo, pode contaminá-los
(EGLER & TAVARES, 1984).
Não se tem conhecimento, na Paraíba, de estudos
detalhados que permitam identificar os impactos causados pelo
uso disseminado e intenso de fertilizantes químicos sobre os solos
dos tabuleiros e das várzeas do Litoral. Recentemente, porém,
análises realizadas por pesquisadores do Departamento de Siste-
mática e Ecologia e do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recur-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 117

sos do Mar da UFPb, detectaram alterações no teor de nitratos e


nitritos em alguns mananciais de água da zona canavieira do Es-
tado. Elevados teores de nitrato na nascente do rio Açu, tributário
do rio Mamanguape, cujo estuário é o segundo maior do Estado e
nos reservatórios de águas dos rios Gramame e Mamuaba, identi-
ficados pelos citados pesquisadores, são por eles considerados
evidências indiretas de contaminação desses ecossistemas, por
fertilizantes químicos usados nas plantações de cana que circun-
dam essas áreas (WATANABE et alii, 1994). Esse fato vem sen-
do objeto de preocupação por parte dos pesquisadores do Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador da UFPb (CERESAT),
pela possibilidade por eles levantada, de crianças menores de 6
meses serem acometidas de anemia por formação de metamoglo-
bina e de formação de nitrosamina (agente cancerígeno) em adul-
tos, a partir da ingestão de água, legumes ou verduras ricas em
nitratos e nitritos.
Dentre os pesticidas orgânicos (naturais e sintéti-
cos) e os inorgânicos, os mais utilizados na região canavieira da
Paraíba são os compostos clorados e derivados e os compostos
organofosforados. Os herbicidas mais comumente aplicados são
Ametrina, Carbamato, Glyphosate ou Glifosato, Terbuthiuron,
Terbacil, Ácido 2,4-Dicloro Fenoxiacético (2,4 D) e Paraquat.
Aplicam-se também inseticidas fosforados orgânicos, inseticidas
carbamatos e fungicidas (Benomil e Captafol) (MITSUNA-
GA,1990). A aplicação intensiva e contínua desses produtos em
áreas de solo com alta capacidade de filtração como os tabuleiros,
contribui para ampliar os riscos de contaminação ambiental. Es-
tudo realizado por Watanabe com o objetivo de conhecer o efeito
de alguns desses herbicidas e inseticidas sobre a comunidade peri-
fítica do reservatório de água de Gramame, localizado no municí-
pio canavieiro de Alhandra e que é circundado por plantações de
cana, constatou que os agrotóxicos atuam diretamente sobre a
atividade fisiológica do perefiton, alterando tanto a respiração
quanto a fotossíntese das algas (WATANABE et alii, 1994:8). Os
efeitos nocivos para os seres vivos em geral também não são des-
117
118 Emília Moreira e Ivan Targino

conhecidos. Eles variam da simples cefaléia, irritação na pele,


convulsão, diarréia, até a ocorrência de doenças respiratórias,
teratogênese, câncer e óbito. Os herbicidas Paraquat + Diuron
podem ser citados como altamente tóxicos, algumas gotas po-
dendo ser letais ao homem; o gramoxone e o gramoxil por sua
vez têm sido usados na cultura da cana-de-açúcar em vários mu-
nicípios da Paraíba. Tais produtos são altamente tóxicos podendo
levar a fibrose, edema e hemorragia pulmonar (MITSUNAGA,
1990). Uma pesquisa do GESTAR/UFPb, realizada em 1989
com aplicadores de herbicidas, detectou 26,3% dos trabalhadores
com dosagem de colinesterase alterada.
O risco de intoxicação do trabalhador não pode
ser descartado, sobretudo considerando-se: que não há prepara-
ção adequada dos aplicadores; que tanto os equipamentos de apli-
cação como os de proteção individual se danificam e não são
reparados; que a prática freqüente do uso de água dos rios e açu-
des para a lavagem dos equipamentos contamina as fontes de
água de uso coletivo e que inexiste, na Paraíba, uma estrutrura de
serviços de assistência técnica agrícola e de saúde para executar
medidas e ações de controle do uso de agrotóxicos.
Vale a pena realçar que existe uma certa divisão
sexual e etária do trabalho no manuseio dos agroquímicos. Os
adubos e corretivos de solo são, normalmente, encargo de mulhe-
res e menores. Eles trabalham sem qualquer proteção, daí serem
freqüentes os problemas dermatológicos. O trato com inseticidas
e herbicidas é reservado aos homens jovens. Segundo relatos des-
ses trabalhadores, eles são escolhidos por sua maior força física
para carregar a bomba costal e por terem melhor saúde para su-
portar o veneno. Embora seja comum o relato de trabalhadores
que ficaram "embebedados" durante a aplicação e terem sido
levados para hospitais ou centros de saúde, dificilmente se encon-
tra o registro de tais ocorrências. Há um sub-registro das doenças
e mortes provocadas pela manipulação de tais produtos. Isso é
devido, de um lado, ao despreparo dos agentes de saúde e dos
serviços de saúde, e de outro lado, às pressões do patronato sobre
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 119

esses serviços para que tais ocorrências sejam descaracterizadas


como acidentes de trabalho.
Apesar da legislação brasileira proibir o lançamen-
to do vinhoto e de águas residuais de destilarias nos corpos d'á-
gua, até 1985, era muito freqüente os casos de contaminação hí-
drica por efluentes de Usinas e destilarias (diminuídos hoje em
virtude da intensificação das inspeções e do peso das multas que
são infligidas aos infratores), sobretudo no meio e no final do
período de atividade das Usinas e destilarias. A descarga desse
resíduo altamente nocivo é responsável pela morte de peixes e
crustáceos, pela danificação da flora estuarina e pelo comprome-
timento da saúde da população que absorve alimentos e água
contaminados. Recentemente, análises realizadas por pesquisado-
res do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar da
UFPb (NEPREMAR) comprovaram a contaminação da água em
diferentes setores de sistemas aquáticos da região canavieira. As
altas concentrações de leveduras, os baixos valores de oxigênio
dissolvido e os altos níveis de DBO observados em locais próxi-
mos às destilarias e a constante presença de leveduras fermentati-
vas ao longo do estuário do rio Paraíba, em altas concentrações,
são considerados por estes estudiosos evidências diretas da con-
taminação desses ambientes por vinhoto e águas residuais (WA-
TANABE et alii, 1994).
Em 1985, a abertura das comportas da bacia de
acumulação de vinhoto da destilaria Tabu, denunciada pela im-
prensa estadual, teria provocado a morte de peixes e caranguejos
no estuário do rio Abiaí. A contaminação de pessoas que consu-
miram a água do rio, peixes e crustáceos, também foi constatada.
Mais recentemente, em dezembro de 1994, o
IBAMA autuou a Usina Agican (Agroindústria Camaratuba Ltda.)
por ter poluído o rio Camaratuba com o vinhoto e deste modo
ter provocado a morte de aproximadamente três mil quilos de
peixe de várias espécies e tamanhos (Jornal Correio da Paraíba,
fl.3, 23/12/1994).

119
120 Emília Moreira e Ivan Targino

O Proalcool foi ainda responsável pela intensifica-


ção do processo de concentração da propriedade da terra, pelo
crescimento da utilização do trabalho assalariado de mulheres e
crianças, pela retração da produção de alimentos e pelo conse-
qüente aumento da fome, pela expulsão massiva da população
rural, pela disseminação do trabalho semi-escravo e pelo agrava-
mento das condições de trabalho e vida da classe trabalhadora,
como veremos no decorrer deste estudo.
Não obstante todos os incentivos dirigidos para o
citado Programa, a partir de 1987 os usineiros e plantadores de
cana retornaram ao antigo discurso sobre "a crise do setor".

3.2. A crise atual da economia canavieira

O movimento ascendente da economia canavieira


no Estado vem, a partir da segunda metade dos anos 80, dando
mostras de arrefecimento. A área colhida de 178 mil hectares em
1986 foi declinando sistematicamente até atingir 92 mil hectares
em 1993. A quantidade produzida declinou de 10,7 milhões de
toneladas em 1986 para 7,9 milhões de toneladas em 1992 e, em
virtude da seca, para 1,8 milhão em 1993 (v. quadro III). O ren-
dimento médio por hectare de 60,1 mil kg/ha em 1986, caiu para
51,9 mil kg/ha em 1992 e alcançou 19,8 mil kg/ha em 1993. A
área plantada também foi reduzida. Os usineiros e fornecedores
de cana voltaram a falar em crise e a exigir providências do Esta-
do para "salvar o setor".
Faz-se necessário esclarecer que a drástica redução
na quantidade produzida, na área colhida e na participação da
cana na composição do valor da produção dos principais produ-
tos agrícolas dos municípios canavieiros em 1993, apesar de ter
repercutido fortemente na economia canavieira, não pode ser
atribuída unicamente à crise do setor como alguns querem fazer
crer. Na verdade, esse comportamento altamente negativo da
produção foi comum a todas as lavouras e deveu-se principal-
mente à ausência de chuvas decorrente de uma das mais rigorosas
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 121

secas que afligiram o Nordeste neste século. Tanto é verdade, que


a safra de 94/95 apresentou um crescimento da área de cana co-
lhida equivalente a 40%.35
É também importante chamar a atenção para o
fato de que os resultados alcançados pela produção de cana-de-
açúcar a partir de 1987 até 1992, embora notoriamente declinan-
tes em relação aos anos anteriores, ainda foram superiores aos
obtidos em 1983, em pleno apogeu do Proalcool (v. quadro III).
Os resultados da produção, por si só, não servem,
portanto, como demonstrativo da situação de crise. Na verdade,
malgrado todos os investimentos de capital e incentivos fiscais
fornecidos pelo Proalcool, o setor canavieiro paraibano chegou
ao fim da década de 80 extremamente endividado. Esse, entre
outros fatores, estaria na base do atual quadro de "crise".
Segundo levantamento realizado por uma comis-
são interministerial, criada pelo presidente Collor em fevereiro de
1991 para elaborar um projeto de "Salvação Econômica" para os
usineiros e donos de destilaria, o "SOS Usineiros", a dívida do
setor sucro-alcooleiro nacional com o Banco do Brasil, com o
IAA, com a Receita Federal e com a Procuradoria da Fazenda
Nacional totalizava em setembro de 1991 Cr$ 1.003.526.323,00.
A dívida da Paraíba correspondia a 5,7% desse total, o que repre-
sentava Cr$ 58.868.503,00 (v. quadro V). Esse valor exclui endi-
vidamentos contraídos com outros setores como, por exemplo, o
Banco do Estado da Paraíba, Companhias de Luz e Água (Saelpa,
Cagepa), Secretaria de Finanças do Estado, etc.
A imprensa vem divulgando sistematicamente a
situação de insolvência financeira de algumas Usinas de açúcar
paraibanas, com destaque para a Santa. Maria e a Santa Helena.
A Usina Santa Maria faliu. Em seguida, uma em-
presa, a AGROENGE (Agropecuária e Engenharia S/A), perten-

35Essa informação foi fornecida pelo presidente da Associação dos Plantadores de Cana do
Estado da Paraíba (Asplan) ao Jornal Correio da Paraíba. Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Safra de
cana cresce em 40%". João Pessoa, 20/04/1995.
121
122 Emília Moreira e Ivan Targino

cente a um grupo empresarial do Distrito Federal, que tinha por


presidente o Sr. Josimar Santos, entrou na justiça, ganhou a sus-
pensão da falência, realizou financiamento junto ao Banco do
Brasil visando o soerguimento da Usina e a assumiu. Para isso a
AGROENGE teria contado com o apoio de políticos locais.
Em outubro de 1992, a antiga Usina Santa Maria
reabriu sob o controle desse grupo, com o nome de USIAGRO
(Usina e Agropecuária Ltda.). Durante dois anos ela produziu
açúcar e álcool. Depois disso, voltou a fechar. O grupo empresa-
rial se retirou sem ter conseguido soerguer a empresa. Deixou
para trás mil sacos de açúcar e 712 mil litros de álcool da safra
92/93, além de uma série de problemas. Para o Banco do Brasil,
os produtos estocados integravam uma garantia de financiamento
feita pelo Banco à citada empresa. Para a justiça, porém, eles per-
tenciam à massa falida, portanto, eram passíveis de serem vendi-
dos. Tal venda foi realizada em maio de 1994. Estava previsto que
o dinheiro da venda destes produtos se destinaria ao pagamento
da dívida e das ações trabalhistas.36 As terras da Usina Santa Ma-
ria estão inventariadas no processo de falência.
A Usina Santa Helena/Caiena também está falida.
De acordo com depoimentos de representantes do Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Sapé e com as notícias veiculadas pela
imprensa, a parte industrial da empresa teria sido arrendada à
Usina Agromar Açúcar e Álcool Ltda., com sede no Rio Grande
do Norte, de responsabilidade de um paraibano, Sr. Elmo Teixei-
ra de Carvalho e a parte agrícola, a fornecedores de cana da regi-
ão. Em 1992, a empresa foi acusada de inadimplência para com
os fornecedores-arrendatários. Estes, alegando a situação de ina-
dimplência da empresa com os mesmos, passaram a se negar a
continuar lhes fornecendo cana, complicando o quadro já difícil
de funcionamento da empresa.

36A pesquisa não conseguiu a confirmação sobre o destino dos recursos obtidos com a venda do
estoque de açúcar e álcool deixado pela AGROENGE.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 123

A Usina Monte Alegre foi adquirida pelo Grupo


Soares de Oliveira do próprio Estado.
As Usinas Santa Rita e Santana também faliram.
Segundo o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Santa Rita, o grupo Cavalcante de Morais “está cercando as terras
destas Usinas já tendo arrendado muita terra da Santana” (uma de suas
propriedades, a Fazenda Planalto, teria sido arrendada pela desti-
laria Japungu, do grupo citado). No caso da Usina Santa Rita, esse
grupo não só teria arrendado, como adquirido em leilão grande
quantidade de suas terras (o maior imóvel dessa Usina, a Fazenda
Gargaú, com mais de 6.000 hectares, teria sido por ele adquirida
em leilão).37
A Usina São João, segundo informações obtidas
junto à imprensa, a fornecedores de cana e trabalhadores rurais,
estaria também deficitária, em estado de pré-falência.
A Agroindústria de Camaratuba (destilaria autô-
noma AGICAN), de acordo com as mesmas fontes, enfrentava
também sérios problemas financeiros. Em janeiro de 1993 a em-
presa devia 3 bilhões de cruzeiros só à Cooperativa de Crédito
Rural dos Fornecedores de Cana da Paraíba (Coforpa).38
Em 17 de abril de 1995 a "Folha de São Paulo"
divulgou um documento que revela os principais devedores naci-
onais do Banco do Brasil até novembro de 1994. Dos cem maio-
res devedores, três são Usinas paraibanas: a AGICAN - Agroin-
dústria de Camaratuba - com a 12ª maior dívida, equivalente a R$
27,8 milhões; a Usina Santa Maria S/A, com a 16ª maior dívida,
de R$ 24,7 milhões; a Cia. Industrial Santa Helena, com a 44ª
maior dívida, correspondente a 10,6 milhões, e a Usina Santa Rita
com a 46ª maior dívida, da ordem de 10,3 milhões. A dívida da
Usina Santa Rita, segundo o citado documento, é avaliada pelo

37Essa informação foi fornecida pelo Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais do municí-
pio de Santa Rita.
38Cf. Jornal O Norte. "Usina de cana deve mais de 3 bilhões à cooperativa”. João Pessoa,
08/01/1993.
123
124 Emília Moreira e Ivan Targino

Banco do Brasil como de "difícil solução ou irrecuperável".39 A soma


das dívidas dessas empresas representa 4,98% do total da dívida
dos cem maiores devedores do Banco do Brasil, segundo o do-
cumento citado.
Depois de todos os incentivos financeiros e
econômicos canalizados para o setor através do Proalcool, o que
explicaria tal situação? Configura-se de fato mais uma "Crise" da
atividade canavieira”? A crise do Proalcool se constitui num pro-
longamento da crise do Estado? Ela é uma conseqüência da ver-
dadeira crise, que é a crise que está, mais uma vez, sendo vivenci-
ada pelo capital?
Algumas teses tentam explicar a "crise atual" da
economia canavieira. Destacamos aqui algumas delas:
a) até a primeira metade dos anos 80 as Usinas
eram administradas utilizando-se capital de giro de terceiros (em-
préstimos bancários subsidiados a juros baixos como foi visto na
introdução deste texto). Concomitantemente, elas vinham, ao
longo do tempo, sendo beneficiadas com anistias para seus débi-
tos ou sendo agraciadas com a não aplicação da correção monetá-
ria sobre os mesmos. A partir da gestão do Ministro Dilson Funa-
ro (1986), as autoridades monetárias passaram de um lado a dimi-
nuir o crédito e, de outro, a exigir o pagamento dos débitos. Por
outro lado, a crise por que passa a economia nacional tem levado
o Governo Federal, bem como os governos estaduais a serem
mais rigorosos na cobrança das dívidas do setor, relativas ao pa-
gamento das taxas e impostos. Isso teria colocado o sistema em
condições financeiras críticas. Acostumados à "anistia", os usinei-
ros se vêem numa situação até certo ponto singular;
b) a cobrança mais incisiva dos débitos das empre-
sas junto ao INSS e à Receita Federal teria contribuído para agra-
var o quadro. Um levantamento preliminar realizado pela Receita
Federal até dezembro de 1990 indicava que apenas seis empresá-

39Cf. Jornal Folha de São Paulo. "Calote no Banco do Brasil - Cem devedores dão prejuízo de
R$1,5 bi". São Paulo, 17/04/1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 125

rios do setor sucro-alcooleiro da Paraíba lhes devia até aquele


momento o equivalente a 4 milhões e 442 mil cruzeiros em débi-
tos que já vinham rolando desde o tempo do IAA. À época, parte
dessas dívidas já tinham sido encaminhadas à Procuradoria da
Fazenda Nacional para ser efetuada a cobrança e outra parte
permanecia na Receita;40
c) os usineiros afirmam que a elevação dos custos
de produção da lavoura, sobretudo com a elevação dos preços
dos transportes, teria implicado em não renovação da frota e ele-
vação da sua depreciação. Segundo estimativas, os custos de pro-
dução no final de 1990 situar-se-ia 30% acima do preço da cana.
Isto estaria provocando a redução do plantio;
d) a perda do poder político e econômico da bur-
guesia canavieira nordestina face à do sul, que tem maior capaci-
dade de produção e de produtividade, teria contribuído para acen-
tuar a crise do setor;
e) há quem, como Manoel Correia de Andrade,
aponte como mais um problema da agroindústria açucareira e
como uma das causas do agravamento da situação financeira das
Usinas, o fato delas terem, historicamente, promovido a intensifi-
cação da concentração fundiária, financeira e de renda, chegando
a um ponto de estrangulamento tal, que o fornecedor de cana,
figura de suma importância na dinâmica do sistema, estaria se
transformando numa figura em extinção. Como resultado, o que
se tem observado é a devolução de Engenhos, por eles arrenda-
dos, à administração das Usinas e a dificuldade dessas em manter
milhares de hectares sob sua responsabilidade. Por outro lado,
nos Engenhos fornecedores, de proprietários, vem ocorrendo a
substituição da cana por outras culturas e pela pecuária. Com isso
vem caindo a quantidade de cana fornecida às Usinas, tornando
ainda mais crítica a situação;

40Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Dívida de Usineiros com Receita Federal ultrapassa 4,2 bilhões".
João Pessoa, 15/12/1990.
125
126 Emília Moreira e Ivan Targino

f) a concentração da propriedade da terra e as mu-


danças nas relações de trabalho promovidas pelas Usinas geraram
gravíssimos problemas sociais. Estes se expressam através da des-
ruralização do trabalhador, da sua transformação em assalariado e
da acentuação da sua condição de pobreza. Embora tenha sido
suficientemente capaz de gerar os problemas sociais citados, a
Usina não tem, na mesma proporção, mostrado eficiência para
solucioná-los. Ao contrário, tende a agravá-los na medida em que
desemprega mão-de-obra e não cumpre com as leis trabalhistas.
Isso vem provocando o seu acionamento pela justiça, através de
milhares de ações trabalhistas que hoje representam milhões de
reais, a serem pagos aos trabalhadores. Em alguns casos, o valor
devido aos trabalhadores é tão alto que, considerando-se a preca-
riedade financeira de certas Usinas, seria necessário que elas se
desfizessem de parte de suas terras e/ou dos seus equipamentos
para cobri-lo. No caso da Santa Maria, por exemplo, são U$ 5
milhões de créditos trabalhistas a serem pagos, valor este superior
ao passível de ser alcançado pelas 12 propriedades a ela perten-
centes;41
g) a falta de racionalidade empresarial na adminis-
tração das empresas é também apontada como uma das respon-
sáveis pela crise das Usinas. Esta falta de racionalidade é vista
como um reflexo da mentalidade arcaica das oligarquias tradicio-
nais; não se pode negar que a Usina de açúcar, via de regra, ao
contrário das destilarias autônomas, "está longe de ser caracterizada
como uma empresa capitalista cuja existência física seja moldada na concor-
rência e na competitividade do mercado". E que o fornecedor ou usinei-
ro local seja reconhecido como "manifestações da burguesia industrial
moderna". A falta de "racionalidade empresarial capitalista" era
compensada através do "fortalecimento dos vínculos de dependência em
relação à burocracia governamental federal e do reforço do clientelismo como
forma de regulação da dominação política açucareira" (ALBUQUER-
QUE, 1991:121). Na medida em que as práticas de clientelismo

41Essa informação foi fornecida por trabalhadores rurais residentes nas propriedades da Usina e
por sua Assessoria Jurídica.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 127

vão se tornando impotentes para continuar a garantir "o paraíso de


privilégios financeiros", a racionalidade empresarial arcaica tende a
desabar. Daí, a impressão que se tem é que a crise atual do setor
sucro-alcooleiro da Paraíba passa pelo processo de desintegração
do poder pré-moderno;
h) um outro elemento interveniente na agudização
da crise da Usina é a mudança nas relações sociais de produção
associada a uma ação mais eficiente da organização sindical. Isto
é, tradicionalmente a miséria do trabalhador morador era o ele-
mento garantidor da rentabilidade da atividade açucareira no
Nordeste. Com o fim do sistema morador e sua substituição pelo
trabalho assalariado, aumentam os custos da produção, sobretudo
quando a remuneração do trabalho passa a ser afetada mais for-
temente pela ação sindical. Isto, apesar das diversas formas en-
contradas pela classe patronal para burlar a legislação trabalhista e
os acordos dos dissídios coletivos;
i) a classe patronal canavieira propala que a redu-
ção dos subsídios à produção de cana e as restrições por que tem
passado o crédito agrícola (redução do volume e elevação dos
juros) têm contribuído para o encarecimento dos serviços das
dívidas do setor, bem como têm limitado as possibilidades de
refinanciamento das mesmas;
j) os fornecedores e usineiros afirmam ainda que a
baixa lucratividade apresentada pela atividade, aliada às restrições
impostas pela crise econômica nacional, têm reduzido a sua capa-
cidade de investimentos quer no segmento agrícola, quer no seg-
mento industrial, comprometendo a continuidade do seu proces-
so de modernização;
l) o desvio de recursos do setor produtivo para o
de consumo ostentatório é também apontado como responsável
pela "crise". Ou seja, a transformação dos recursos obtidos para
estimular a produção, intensificar o processo modernizador (atra-
vés da renovação de equipamentos e de melhorias técnicas) em
bens de consumo de luxo como mansões, jóias, meios de trans-

127
128 Emília Moreira e Ivan Targino

porte individuais, viagens ao exterior, etc., só teria contribuído


para agravar o quadro financeiro das Usinas;
m) a impossibilidade das Usinas tradicionais con-
tinuarem a funcionar em função da sua insolvência financeira
(hipotecas e dívidas superiores ao valor do patrimônio existente;
lucros econômicos e ganhos financeiros insuficientes para cobrir
os débitos) constitui mais um fator de agravamento da "crise";
n) o deslocamento de investimentos da cana-de-
açúcar para outras atividades econômicas como a pecuária teria
também contribuído para a atual situação;
o) a seca que se estendeu do Sertão ao Litoral do
Estado em 1993 atingiu os canaviais, atrofiou a cana e compro-
meteu de forma violenta a safra de 93/94, agravando a situação
do setor, sobretudo do seu segmento pré-moderno;
p) os produtores de cana garantem que a falta de
uma política de preço justo para o produto e de estímulo à pro-
dução está levando as Usinas a trabalhar no vermelho e os forne-
cedores a enfrentarem enormes dificuldades. O presidente da
Asplan/PB, em depoimento à imprensa local, afirmou que uma
das maiores dificuldades dos plantadores de cana do Estado con-
siste no preço mínimo da tonelada de cana. "Mil quilos do produto
estão sendo vendidos pelo preço medíocre de R$ 14,64, quando na verdade
este valor era para ser de mais de R$ 23,00";42
q) os empresários da cana alegam ainda que a cor-
reção das suas dívidas pela TR (Taxa Referencial de Juros) ao lado
da manutenção do congelamento do preço do produto, desde o
início do Plano Real, estaria agravando a crise do setor e inviabili-
zando-o;
r) a inadimplência de algumas Usinas junto aos
seus fornecedores de cana estaria levando-os a desviarem o seu
fornecimento para empresas situadas fora do Estado, desabaste-
cendo assim as Usinas locais.

42Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Safra da cana cresce em 40%". João Pessoa, 20/04/1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 129

Não há dúvida de que o Proalcool passa por uma


séria crise. É notório que os recursos públicos dirigidos para o
mesmo, embora não desprezíveis, sofreram uma redução muito
importante estando, hoje, longe do que foi outrora. A isto se so-
ma o declínio do preço internacional do petróleo e a aproximação
do país, com a exploração em altos níveis de profundidade, na
Bacia de Campos, da sua auto-suficiência na produção desse pro-
duto. Por outro lado, a partir de 1990, nota-se um certo revigo-
ramento do mercado internacional do açúcar.
Ao lado desses fatores cuja ação indica para a con-
tinuidade da crise, observam-se alguns esforços na busca de solu-
ções. Destacamos aqui:
a) as tentativas de integração econômica do setor
através: da consorciação da cana-de-açúcar com outras culturas
alimentares, particularmente o feijão; do aproveitamento do baga-
ço de cana como fonte de energia, o que propiciaria a integração
do setor canavieiro, ao de produção de energia elétrica; do apro-
veitamento da levedura protéica (um dos produtos derivados do
processo de produção) e a utilização do bagaço de cana misturado
ao melaço, como ração animal, o que permitiria a integração das
atividades canavieira e pecuária. Nesse mesmo sentido vai o
aproveitamento do bagaço de cana para a produção de madeira
(tipo aglomerado) e celulose, como já se faz em Cuba;
b) as pesquisas de melhoria das espécies cultivadas
e das técnicas de cultivo;
c) a melhoria do controle de qualidade do álcool a
partir da renovação dos equipamentos laboratoriais e da unifor-
mização dos métodos de controle, visando atender às exigências
da Petrobrás como também, e sobretudo, à redução dos custos de
produção. Existe também a preocupação de que esse controle
seja extensivo a todas as etapas do processo produtivo, uma vez
que só assim se teria uma minimização ideal dos custos e um au-
mento significativo da produtividade;
d) a intensificação do processo de mecanização da
lavoura como forma de reduzir os custos com mão-de-obra. Isso
129
130 Emília Moreira e Ivan Targino

sem falar nas formas espúrias de reduzir esses custos (adulteração


das unidades de medida das tarefas, sub-remuneração do trabalho
de crianças, de adolescentes e da mulher, etc.).
Esses fatores atuam no sentido de aumentar a
produtividade e de integrar o setor canavieiro a outros ramos da
atividade agrícola e ao de produção de energia elétrica. No entan-
to, o seu impacto é restringido pelas dificuldades de financiamen-
to anteriormente apontadas.
e) a incorporação do segmento arcaico da ativida-
de ao setor moderno, através da aquisição das antigas Usinas, ou
das suas terras, por grupos empresariais diversos, da Paraíba e de
outros estados, como os vizinhos Pernambuco e Rio Grande do
Norte, inclusive por alguns que já detêm o controle de destilarias
autônomas, como foi anteriormente demonstrado.
No caso da Paraíba, algumas tentativas vêm sendo
feitas pelo segmento moderno da economia canavieira em dire-
ção, sobretudo, à intensificação da mecanização, à melhoria dos
processos e técnicas de cultivo e ao controle de qualidade do ál-
cool. O setor arcaico e os fornecedores, com raríssimas exceções,
não apresentam porém qualquer avanço nesse sentido, restringin-
do sua ação à integração do cultivo da cana com outras culturas
ou com a pecuária;

3.2.1. A política do Governo Collor para a


agroindústria canavieira

A política do Governo Collor para a agroindústria


canavieira se definiu logo após sua posse, em 15 de março de
1990, quando ele anunciou o fim de todos os subsídios do Estado
(excetuando-se a Zona Franca de Manaus) e continuou na prática,
mantendo aqueles destinados à agroindústria canavieira, de 25%
para os usineiros do Nordeste e de 10,5% para os do Sudeste. O
que ele mudou, de fato, foi o nome de "subsídio" para "taxa de
equalização de custos". Desde o princípio então, negando todo
discurso que vinha praticando desde a "caça aos marajás" quando
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 131

ainda governador de Alagoas, o governo Collor adotou uma polí-


tica de favorecimento aos empresários da cana. Por ocasião do
lançamento do Plano Collor I, foram estes empresários (usineiros
e fornecedores de cana) os primeiros a conseguir desbloquear os
cruzados retidos, alegando falta de recursos para saldar seus débi-
tos com os trabalhadores, em especial com os assalariados da
cana (PADRÃO,1990). Posteriormente, o governo lhes pagou em
cruzeiros, os subsídios (taxas de equalização de custos) que lhes
eram devidos desde o Governo Sarney, num montante de Cr$
871 milhões. Isto sem falar que o governo Collor atendeu a duas
reivindicações históricas dos donos de destilarias e Usinas:
a) a incorporação da "taxa de equalização de cus-
tos", que eles recebiam pela cana usada na produção de álcool, ao
preço de venda ao consumidor. Assim, os donos de destilaria
passavam a receber o subsídio no ato de faturamento do produto,
sem atraso (PADRÃO,1990);
b) a extinção do IAA e a adoção do índice da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) para reajustar os preços da cana
e do álcool. Discordando dos preços estabelecidos pelo IAA, por
considerarem que os mesmos não cobriam os custos de produ-
ção, os usineiros já haviam realizado um convênio com a FGV
para a elaboração dos seus próprios índices e vinham pressionan-
do o Governo para aceitá-los como oficiais. Collor propiciou
mais este ganho à classe patronal canavieira (PADRÃO,1990).
É também desse Governo o projeto "SOS Usinei-
ros", elaborado pela Comissão Interministerial criada através da
Portaria nº. 83 de 15/02/91, publicada no Diário Oficial de
18/02/91, que propõe a renegociação das dívidas dos usineiros
com base, mais uma vez, em juros baixos e prazos dilatados. Isto,
sem falar que a comissão recomenda um tratamento diferenciado
caso por caso, levando em consideração a capacidade individuali-
zada de pagamento dos débitos. Para tal, classifica as unidades
produtivas em quatro grupos: empresas capitalizadas; empresas
razoavelmente capitalizadas (que devem mas pagam em dia, cor-
respondendo a 20% do total); empresas com dificuldades finan-
131
132 Emília Moreira e Ivan Targino

ceiras mas consideradas viáveis (estas representando 50,0% do


total); e as empresas inadimplentes ou consideradas inviáveis (cer-
ca de 10 a 20% do total). Estas estariam fadadas ao desapareci-
mento.
Vale ainda a pena chamar a atenção para a omis-
são tanto do Governo Federal, quanto dos governos estaduais, no
que diz respeito à divulgação do valor do débito de cada unidade
de produção, seja junto ao Banco do Brasil e aos Bancos Estadu-
ais, seja junto ao tesouro Nacional, a Receita Federal e às Secreta-
rias de Finanças dos estados. O que se divulga é o valor global
dos débitos por unidade da Federação e com os mais importantes
credores. Nos tempos "coloridos" em que o governo exigia rigor
com relação aos escândalos que envolviam os Ministérios do Tra-
balho, da Previdência Social e da Saúde, e que divulgava a lista de
"Marajás da Previdência", era de se estranhar a resistência em
repassar à sociedade os nomes dos usineiros devedores e o mon-
tante da dívida por unidade credora. Por outro lado, entende-se
que, com representantes dos usineiros no Congresso Nacional e
no Governo, do porte do então Ministro da Ação Social Ricardo
Fiúza, e os compromissos políticos assumidos pelos governos
estaduais com o setor durante as campanhas eleitorais, fosse mais
fácil fazer valer a lei do silêncio.
No fundo, porém, nada aconteceu porque a políti-
ca geral do Governo era de fortalecimento e de garantia de so-
brevivência do setor. É a história que se repete. Prova disso foi a
presença do Presidente Collor no I Encontro Internacional de
Energia da Cana-de-Açúcar, ocorrido em agosto de 1990, em
Maceió, e sua afirmação de que o "Proalcool é um patrimônio nacio-
nal".
O lançamento do Proalcool II, vinculado à ecolo-
gia durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente no Rio de
Janeiro, confirmou a intenção do governo Collor em manter e
ampliar este programa

3.2.2. O Proalcool no Governo Itamar Franco


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 133

Em fevereiro de 1993, o jornal Folha de São Paulo


noticiava a decisão do governo Itamar Franco de retomar o Pro-
alcool. Um Grupo de Trabalho foi criado para definir o futuro do
Programa. A criação deste GT seria a resposta à mobilização dos
usineiros que solicitavam do governo:
a) a manutenção dos 22,5% que o álcool carburan-
te deveria ocupar no consumo de energia do setor de transporte
rodoviário, conforme definido no lançamento do Proalcool em
1975;
b) a elevação da participação dos veículos a álcool
dos então 26% da frota total para 40%. Para tanto, solicitavam
que a frota de veículos oficial fosse toda ela de carros a álcool;
c) a concessão de incentivos para a produção de
veículos a álcool;
d) a garantia de compra, por parte do governo, do
estoque de álcool para a formação de reservas estratégicas;
e) o aumento imediato do preço ao produtor até a
eliminação da defasagem existente em relação aos custos de pro-
dução;
f) o adequado financiamento dos estoques de ál-
cool não comercializados.43
Até aquela data, algumas medidas já haviam sido
tomadas por Itamar. Os representantes do Governo se compro-
meteram, em princípio, a induzir a indústria automobilística a
chegar ao percentual de 40% da sua produção para carros a álco-
ol. O Governo prometeu também utilizar cerca de US$ 170 mi-
lhões, com a finalidade de adquirir os estoques de álcool das Usi-
nas, embora não tenha estabelecido o prazo para tal compra.
Comprometeu-se ainda em estudar uma "correção progressiva"
de forma a eliminar a distorção entre o preço do produto e os
custos de produção, em abrir uma linha de crédito no Banco do

43Cf. Jornal Folha de São Paulo. "Futuro do Proalcool será selado em 60 dias". São Paulo,
14/02/1993.
133
134 Emília Moreira e Ivan Targino

Brasil, cobrando TR mais 12% ao ano, além de abrir financiamen-


to para reposição da cana-de-açúcar com as mesmas taxas.44
Apesar das iniciativas levadas a efeito pelo Gover-
no Itamar Franco, os usineiros adentraram a gestão Fernando
Henrique Cardoso com o mesmo discurso e exigindo mais uma
vez que o Estado brasileiro se coloque a serviço da "salvação do
Proalcool".

3.2.3. Os efeitos da crise atual da agroindús-


tria canavieira da Paraíba sobre a
classe trabalhadora.

Não obstante as iniciativas dos Governos Collor e


Itamar, dirigidas no sentido do soerguimento da atividade canavi-
eira do Nordeste e do Sudeste do Brasil, não resta dúvida que o
setor sucro-alcooleiro, em particular, o seu segmento mais atrasa-
do (Usinas de açúcar e destilarias anexas), enfrenta sérios proble-
mas de ordem econômica como foi demonstrado nos itens ante-
riores.
Na Paraíba, a retração da expansão da cana é um
fato consumado. A falência de algumas Usinas e a dificuldade de
funcionamento de outras, também constituem fatos concretos.
Na esteira da crise, como se situa a classe traba-
lhadora?
No que tange ao exercício do trabalho, o que se
constatou nas últimas safras foi que, nas Usinas mais deficitárias,
parte das terras foram arrendadas a terceiros e, onde plantou-se
cana, alguns trabalhadores da região foram aproveitados. Os que
aí não conseguiram trabalho deslocaram-se para outras Usinas e
destilarias do Estado ou mesmo de Pernambuco. Observou-se
então uma acentuação do deslocamento de população de uma
área para outra. Falamos em "acentuação" porque estes desloca-
mentos são comuns no período de safra da cana. Em algumas

44Idem.Ibid.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 135

Usinas falidas, como é o caso da Santa Maria, em Areia, parte dos


trabalhadores lá ainda permanecem cultivando a terra com produ-
tos alimentares e esperando uma solução para os créditos traba-
lhistas a que têm direito e que anseiam verem revertidos em terra
para cultivarem.
No que se refere à luta dos trabalhadores, ela tem
seguido dois caminhos:
a) nas Usinas tidas como "falidas", onde as dívidas
com os trabalhadores tanto de seu segmento industrial como
agrícola são grandes, aciona-se a justiça através dos advogados
dos sindicatos ou de entidades assessoras. Na maioria dos casos, a
ação na justiça é resolvida através de acordo entre as partes e o
pagamento de uma indenização, regra geral, muito aquém do va-
lor devido. Conforme depoimento dos próprios trabalhadores, as
indenizações obtidas não podem ser consideradas como "vitória"
da categoria. Isto porque as modificações impostas pela mídia na
cultura popular levam os agricultores indenizados a aplicar o pe-
queno capital obtido em bens de consumo duráveis, como gela-
deira, rádio, televisão, som, etc. Assim, os recursos se esgotam
rapidamente e sua situação de pobreza permanece a mesma. Isto,
quando ela não aumenta em decorrência da perda do direito à
roça e ao trabalho noutras unidades de produção, o que, no mais
da vezes, passa a lhes ser negado pelos proprietários, seja por
medo, seja por desforra pelo fato do agricultor ter recorrido à
justiça contra um deles;
b) nas Usinas em situação deficitária e nas destila-
rias, a ação sindical volta-se, principalmente, para a exigência do
cumprimento das reivindicações em pauta a cada dissídio coleti-
vo, utilizando-se muitas vezes do recurso da greve. A partir de
1993, porém, com o agravamento do desemprego e a ampliação
da entressafra, as condições de barganha da classe trabalhadora
têm sido cada vez mais reduzidas.
Por outro lado, no bojo da "crise", as mudanças
na utilização do solo, já iniciadas na zona canavieira, sobretudo
com a expansão da pecuária semi-intensiva, podem trazer conse-
135
136 Emília Moreira e Ivan Targino

qüências ainda mais graves para o emprego rural. Isto porque a


expansão da cana expulsou o trabalhador da terra, mas não cor-
tou a sua vinculação com a atividade agrícola. Parte significativa
dos trabalhadores expulsos continuou vinculada à agricultura na
condição de assalariado. A expansão da pecuária nas áreas de
cana pode significar o desvinculamento definitivo de grande parte
dos trabalhadores da atividade agrícola. A isto, soma-se o interes-
se crescente da classe patronal em intensificar o processo de me-
canização, sobretudo no período da colheita, fase de pico da de-
manda de emprego no setor canavieiro. Caso esses dois caminhos
se cruzem, o resultado será, sem dúvida, o crescimento do de-
semprego rural e o agravamento da situação de pobreza em que
se encontram os trabalhadores do setor canavieiro do Estado.
Na Paraíba, a substituição da cana-de-açúcar pelo
pasto plantado já pode ser observada tanto em municípios tradi-
cionais produtores da cana como Sapé e São Miguel de Taipu,
como em alguns que sofreram os efeitos da expansão canavieira
promovida pelo Proalcool como Gurinhém, Caldas Brandão e
Itabaiana.
Observa-se ainda na zona canavieira paraibana a
substituição da cana por outros produtos agrícolas, tais como o
inhame, o abacaxi e a acerola. À exceção do abacaxi, as duas ou-
tras culturas pagam salários mais baixos que a cana, o que consti-
tui mais um agravante para a condição já precária de vida da clas-
se trabalhadora.
Outro problema recente tem a ver com a expan-
são do período de entressafra e do conseqüente desemprego sa-
zonal na atividade canavieira, observado em 1993 e 1994, em
decorrência da conjugação de um período de seca rigorosa com a
crise de acumulação do setor.

3.2.4. Situação atual e perspectivas para o Pro-


alcool
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 137

Quatro meses após o início do governo Fernando


Henrique Cardoso, permanecem as dúvidas quanto ao futuro do
Programa Nacional do Álcool. Os usineiros e plantadores de cana
estão na rua e no Congresso Nacional fazendo pressão pelo fim
da TR e pelo aumento do preço do produto. Os trabalhadores
incluem nas pautas de negociação e no encaminhamento das suas
lutas, o item garantia de emprego.
Alguns economistas defendem a retomada do
Proalcool na Paraíba uma vez que o mesmo teria condições de
criar aqui 100 mil novos empregos.
Outras questões merecem também ser colocadas.
Depois de ter expulso o homem do campo, de tê-lo confinado
nas periferias urbanas, agrovilas e vilarejos rurais de beira de es-
trada, em troca de trabalho temporário e mal remunerado, como
pensar o Proalcool como solução para o desemprego por ele
mesmo gerado? Se o Programa ressurgir mais uma vez ancorado
nos subsídios governamentais, quantos anos se terá de nova " fase
áurea"? Quanto tempo os novos empregos criados terão de ga-
rantia? De que forma um novo Proalcool poderia contribuir para
solucionar a situação de miséria da classe trabalhadora voltada
para a atividade canavieira? E para o desemprego sazonal? Teria o
Proalcool II as condições de saldar a dívida social e ambiental
contraída pelo Proalcool I, ou tenderia a ampliá-la?
Acreditamos que a dependência das economias
municipal e regional a uma única atividade mantida por um Pro-
grama cuja sustentabilidade é crítica, para a geração de emprego e
renda, acaba por submeter estas duas instâncias e a população a
um clima de total insegurança e instabilidade, por favorecer os
baixos salários e estimular a acentuação da exploração do traba-
lho.
No nosso entender, só uma política criativa e res-
ponsável que racionalize os recursos na busca de um desenvolvi-
mento integrado em nível municipal, apoiado na diversificação
das atividades urbanas e rurais, associada a uma política de demo-

137
138 Emília Moreira e Ivan Targino

cratização da terra e de preservação ambiental, teria condições de


reverter o quadro de miséria da Zona Canavieira.
Enfim, o debate está aberto. Os contra e os a fa-
vor se posicionam. Que pelo menos agora, 20 anos após sua im-
plantação, os diversos segmentos da sociedade possam fazer aqui-
lo que não lhes foi concedido no momento em que os militares
resolveram lançar o Proalcool: discutir e avaliar sua validade e
optar por sua permanência ou não, a partir de um balanço conse-
qüente dos efeitos sociais, econômicos e ambientais que este ge-
rou e das implicações futuras de uma destas opções sobre o con-
junto da economia e do emprego em nível da realidade do Esta-
do.

3.3. A expansão da pecuária

A expansão da atividade criatória na década de 70


foi um dos marcos do processo de modernização da agropecuária
estadual. Para sua efetivação, ela contou com o crédito subsidia-
do, com juros muito baixos e um longo período de carência (três
anos). O Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o Banco do
Estado da Paraíba (Paraiban), foram os principais agentes da polí-
tica de crédito e de financiamento da pecuária no Estado.
Esses bancos oficiais efetuaram repasses dos re-
cursos de bancos ou entidades estrangeiras como o Banco Mun-
dial (BIRD), o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID),
entre outros, além dos recursos oriundos do Fundo de Investi-
mentos do Nordeste (FINOR), do PROTERRA, do POLO-
NORDESTE e do PROJETO NORDESTE, que também se
inseriram nesta política.
Esses estímulos fornecidos pelo poder público, ao
lado da demanda de carne e leite nos maiores centros urbanos,
propiciaram a expansão da pecuária, sobretudo da bovinocultura,
a partir de 1970.
O rebanho bovino cresceu, a partir de então, de
modo significativo em todo o Estado. De 865.948 cabeças em
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 139

45
1970, passou para 1.296.081 cabeças em 1980 , o que significou
um ritmo de crescimento geométrico da ordem de 4,1% ao ano.
Ou seja, onde havia dez cabeças de gado em 1970, encontravam-
se quatorze em 1980.
Em nível regional, destacaram-se as Microrregiões
Geográficas agrestinas de Araruna, Itabaiana e Guarabira, além
dos municípios que compõem a bacia leiteira de Campina Gran-
de: Aroeiras, Umbuzeiro, Queimadas, Fagundes e Boqueirão,
situados no Agreste Meridional (v. mapas relativos ao crescimen-
to do efetivo de bovinos in: MOREIRA,1996). Nessas áreas, o
crescimento do número de bovinos representou mais de 30,0%
do aumento observado no conjunto do Estado.
As regiões sertanejas tradicionalmente consagradas
à atividade pecuária, sobretudo à pecuária bovina, também apre-
sentaram um aumento significativo do rebanho, da ordem de
56,0%, na década de 70. A bacia leiteira de Sousa, as regiões de
Patos e da Serra de Teixeira merecem destaque (v. mapas relativos
ao crescimento do efetivo de bovinos in: MOREIRA,1996). Essas
áreas, além dos municípios de Cajazeiras e S. José de Piranhas,
eram as maiores produtoras de leite do espaço sertanejo em 1980.
O crescimento da produção de leite se deu em torno delas, avan-
çando sobre o vale do Piancó, acompanhando a direção da ex-
pansão do rebanho (v. mapa in: MOREIRA,1996).
O rebanho de médio porte experimentou igual-
mente um significativo aumento (30,0%) no período em estudo.
O Cariri reafirmou a sua especialização na produção de caprinos e
ovinos. O fortalecimento da caprinocultura nessa região é con-
firmado através do aumento do efetivo animal da ordem de
50,0% na maioria dos municípios que a compõem (v. MOREI-
RA,1996).

45Esses dados são fornecidos pela FIBGE, através dos Censos Agropecuários da Paraíba de 1970
e 1980. De acordo com as informações da Produção Pecuária Municipal, também da FIBGE, que,
como já foi mencionado, utiliza metodologia diferente do Censo para a obtenção dos seus dados,
o rebanho bovino da Paraíba em 1980 seria ainda maior que o citado, de 1.317.783 cabeças. Cf.
FIBGE. Produção Pecuária Municipal, 1980.
139
140 Emília Moreira e Ivan Targino

O rebanho suíno concentrava-se, sobretudo, nas


Microrregiões de Cajazeiras e Itaporanga e nos municípios que
compõem a bacia leiteira de Campina Gande (v. MOREI-
RA,1996).
Dos animais de pequeno porte, sobressaem as
aves, com um crescimento superior a 70,0% no conjunto do Es-
tado. Em nível municipal, o crescimento se deu de modo disperso
em todas as Microrregiões, com destaque para o Litoral Sul, para
a Microrregião de Patos e alguns municípios isolados do Agreste,
Brejo, Seridó e Sertão da Paraíba (v. MOREIRA,1996). O forte
crescimento da produção de aves deve-se ao aumento acelerado
da demanda de carne nos maiores centros urbanos, associado ao
aumento de preço observado na carne bovina.
Essa melhoria do desempenho da atividade pecuá-
ria pode também ser encarada como um reflexo das modificações
introduzidas no processo produtivo a partir dos anos 60, tais co-
mo:
a) modificações no padrão alimentar dos reba-
nhos. O melhoramento das pastagens naturais e a maior utilização
de pastagens plantadas e de rações industriais, mais ricas em nu-
trientes que o pasto natural, estão na base das transformações que
vêm se processando na alimentação dos rebanhos;
Tais modificações estão consubstanciadas:
 no melhoramento das pastagens, pela ampliação das pastagens
plantadas. O pasto plantado se difundiu aceleradamente por
todo o território estadual (v. MOREIRA,1996). A superfície
consagrada ao seu cultivo cresceu cerca de 176,0% entre 1970
e 1980, o que correspondeu a incorporação, pelo pasto, de
117.012 hectares de terra. Embora esse crescimento tenha sido
comum a todas as Microrregiões do Estado, inclusive àquelas
de tradição canavieira, foi nas situadas no Agreste onde ele se
deu com mais força (v. MOREIRA,1996). Nesse movimento
ascendente, destacaram-se as forrageiras de corte, como a cana
forrageira, o capim sempre-verde, o capim elefante e o coloni-
ão. A menor expansão das pastagens artificiais no Sertão pode
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 141

ser atribuída, em parte, às limitações de ordem climática, des-


favoráveis ao desenvolvimento das gramíneas.
 na difusão da palma forrageira. No que se refere à palma for-
rageira, embora os censos não forneçam informações sobre a
área cultivada, é possível avaliar o seu crescimento através da
evolução da sua participação na composição do valor da pro-
dução agro-extrativa estadual e municipal. Essa participação,
em nível do Estado, cresceu oito pontos percentuais na década
de 70 (de 2,5% passou para 10,7%). Em nível regional, distin-
guem-se, sobretudo, as Microrregiões do Cariri Oriental e
Ocidental e a bacia leiteira de Campina Grande. Na maioria
dos municípios dessas áreas, a palma passou, em 1980, a se
constituir no principal produto, contribuindo, em alguns casos,
com mais de 50,0% do valor da produção agro-extrativa vege-
tal (v. MOREIRA,1996). A palma forrageira é importante para
a complementação alimentar dos rebanhos, sobretudo nos pe-
ríodos secos.
 na introdução da algaroba. Outra fonte de alimentação animal
que se propagou de modo considerável nas áreas mais secas do
Estado a partir de 1970 foi a algaroba. A algarobeira é uma ár-
vore da família das leguminosas. Originária do deserto perua-
no, foi introduzida no Brasil em 1942. Sua difusão no semi-
árido nordestino é recente. A algarobeira apresenta duas gran-
des vantagens para o produtor pecuarista: é resistente à seca e
frutifica justamente no período seco, podendo suprir a alimen-
tação do gado em período de estiagem. Na Paraíba, a produ-
ção de algaroba concentrava-se, em 1980, nas Microrregiões
do Cariri Oriental e Ocidental, onde já existiam mais de um
milhão de árvores plantadas (83,0% da produção estadual). A
produção dos municípios de Serra Branca, Barra de São Mi-
guel e Sumé correspondia a 65,4% da produção estadual. O
plantio da algarobeira se expandiu pelo Agreste e por quase
todo o Sertão. Essa expansão deveu-se, sobretudo, ao apoio
financeiro do governo, via IBDF/SUDENE, para projetos de
reflorestamento.
141
142 Emília Moreira e Ivan Targino

 na disseminação do uso de rações industriais. A alimentação


suplementar formada de rações industriais, compostas de con-
centrados extra-pastagem, também cresceu de importância no
Estado nos anos 70. Isso se torna evidente através da compa-
ração dos dados censitários referentes ao período, os quais dão
conta de um aumento superior a 2.000,0% nas despesas dos
estabelecimentos agrícolas com ração industrial. A importância
crescente das rações industriais para alimentação do gado foi
também constatada no âmbito municipal e regional (v. MO-
REIRA,1996);

b) modificações no estado sanitário do rebanho.


Dentre as doenças que mais afetam a população animal do Esta-
do sobressaem a febre aftosa, o carbúnculo e a raiva, além da
bicheira e da verminose. Embora ainda se costume tratar esses
males com métodos tradicionais, a disseminação do uso de pro-
dutos farmacêuticos e de vacinas tem-se ampliado consideravel-
mente;
c) modificações qualitativas nos rebanhos. Os
censos não fornecem informações sobre a qualidade dos reba-
nhos. As investigações de campo permitiram observar a introdu-
ção de processos e técnicas melhoradas, notadamente nas propri-
edades do Agreste e granjas especializadas do Litoral. Dentre as
melhorias introduzidas, salientam-se: a seleção de reprodutores, a
introdução do gado holandês (tourino) e o cruzamento do gado
zebu com o holandês, buscando a obtenção de uma raça melho-
rada. No meio dos grandes pecuaristas, vem difundindo-se, espe-
cialmente a partir dos últimos anos da década de 70, práticas mais
modernas de controle da reprodução animal, tais como o confi-
namento do touro com a vaca em período de cio e, de modo ain-
da restrito, a inseminação artificial.
Outra prática em expansão e que tem contribuído
para a melhoria do rebanho é o cercamento das propriedades, a
divisão das pastagens e seu rodízio. Essa prática vem se aprimo-
rando em função da influência do crédito bancário cuja liberação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 143

muitas vezes subentende a formação e a divisão das áreas de pas-


to.
A expansão da atividade pecuária nos anos 70
pode ser ainda explicada por outras razões, tais como:
a) por ser uma atividade menos sujeita às irregula-
ridades climáticas e às oscilações de preço, ela se constitui numa
forma de aplicação de recursos mais segura que a agricultura;
b) por requerer um menor coeficiente de absorção
de mão-de-obra, a pecuária se apresenta como uma forma encon-
trada pelos proprietários para se omitir dos custos trabalhistas
impostos pela legislação específica.
Essa expansão, caracterizada como "fenômeno da
pecuarização", foi mais forte no Agreste do que no Sertão. A
transformação das terras consagradas à policultura alimentar, em
áreas de pasto, rompeu com a forma de convivência tradicional
entre agricultura e pecuária, que caracterizou historicamente os
diversos espaços agrestinos. Essa mudança acarretou a libera-
ção/expulsão de trabalhadores, parceiros e arrendatários, gerando
conflitos e intensificando o êxodo rural. Além dos impactos sobre
as relações de trabalho e a mobilidade da população, os efeitos da
pecuarização também se fizeram sentir sobre a vegetação da caa-
tinga. Houve um intenso processo de destruição da vegetação
natural para dar lugar aos pastos plantados.

3.3.1. O comportamento recente da atividade


pecuária

Esse movimento ascendente da atividade pecuária


observado na década de 70 não mantém o mesmo ritmo e inten-
sidade nos anos que se seguem. Ao contrário, se observarmos o
comportamento do rebanho bovino do Estado no período de
1981 a 1985 podemos mesmo visualizar um ligeiro declínio. De
1.295.745 cabeças existentes em 1981, passa-se para 1.240.627 em
1985, o que significou um crescimento negativo de 4,2% no perí-
odo (-1,0% ao ano) (v. quadro VI).
143
144 Emília Moreira e Ivan Targino

Esse declínio do rebanho bovino pode ser atribuí-


do, em grande parte, ao longo período de estiagem que se esten-
deu de 1979 a 1983, atingindo todo o Estado (particularmente o
Semi-árido e o Agreste) e à redução da política de crédito dirigido
para o setor. Observando-se o quadro VI pode-se perceber a par-
tir de 1984 uma retomada do crescimento do efetivo de bovinos
em relação aos dois anos anteriores, ficando o rebanho com um
número de cabeças em torno de 1,4 milhão de 1986 até 1989. A
partir daí ele sofre uma nova queda reduzindo-se para 1,3 milhões
de cabeças e em 1993, em virtude de mais um pico de seca, re-
duz-se drasticamente para 858.853 cabeças (v. gráfico in: MO-
REIRA,1996).
Se tomarmos os anos de 1970 e 1990 como refe-
rência para analisarmos a participação do rebanho bovino da Pa-
raíba na composição do rebanho nordestino e nacional verifica-
remos a ocorrência de uma queda significativa desta participação.
Em 1970, a Paraíba detinha 1,7% do rebanho nacional e 9,8% do
nordestino. Em 1990 essa participação passou a ser de apenas
0,9% em relação ao rebanho nacional e de 5,1% em relação ao do
Nordeste (ALBUQUERQUE, 1994:26).
No que se refere aos caprinos, observa-se a partir
de 1980 uma certa estagnação do crescimento do efetivo (de 520
mil cabeças em 1981 passou para 525 mil em 1992). O rebanho
ovino apresentou uma variação negativa da ordem de 7,6% entre
1981 e 1992. Os suínos, embora tenham apresentado um cresci-
mento negativo entre 1981 e 1983, tornaram a crescer a partir de
então tendo sido, à exceção das aves, o grupo animal que apre-
sentou os melhores resultados no período (v. quadro VII) (v. grá-
ficos in: MOREIRA,1996).
No que se refere ao comportamento da produção
de aves, observou-se um crescimento continuado. A produção do
frango de corte seguiu sua expansão em todo o Estado, com des-
taque para o Agreste (especialmente a Microrregião de Guarabira,
onde se implantou a empresa Guaraves que vem difundindo a
avicultura na região através do sistema de franquia).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 145

À exceção das aves, toda produção animal da Pa-


raíba sofreu os efeitos da seca de 1993. A título de exemplo, ob-
servou-se que o conjunto do rebanho ovino, caprino, suíno e
bovino reduziu-se em 30% entre 1992 e 1993 (v. quadro VII). O
que é mais grave, o efetivo desses rebanhos em 1993 era menor
que o existente em 1981.
Do exposto, ressalta-se a importância da década
de 70 para a modernização e expansão da atividade pecuária no
Estado. Nesse período, o criatório ampliou suas fronteiras no
interior do semi-árido e do Agreste, expandiu-se pelo Brejo e
alcançou o Litoral. Nesse percurso, ocupou espaços antes consa-
grados à produção de alimentos e de matérias-primas; substituiu
trechos de mata nas áreas úmidas e subúmidas; contribuiu para a
degradação da caatinga; gerou conflitos pela posse da terra e
acentuou o êxodo rural. A partir dos anos 80, a redução dos in-
centivos fiscais e creditícios e os repetidos períodos de seca que
afligiram o Estado, contribuíram tanto para o arrefecimento da
modernização da pecuária como para a atenuação do ritmo e da
intensidade do processo de expansão desta atividade na Paraíba.
3.4. As culturas alimentares
Do mesmo modo que o estudo do comportamen-
to da atividade pecuária, este item aborda o desempenho das cul-
turas alimentares em dois momentos: durante os anos 70 e entre
1981 e 1993. Essas culturas são aqui reunidas em dois grupos: as
que compõem as lavouras de alimentos tradicionais (feijão, milho,
mandioca, arroz, batata-doce, inhame frutas e batata-inglesa) e as
que denominamos de culturas alimentares modernas (abacaxi,
banana e tomate).
3.4.1. O desempenho das culturas alimentares
tradicionais e modernas (1970/1980)
Da análise do comportamento das culturas alimen-
tares tradicionais na década de 70, alguns aspectos sobressaem:

145
146 Emília Moreira e Ivan Targino

a) a produção de feijão, embora disseminada em


todo o Estado, era mais concentrada nas Microrregiões agrestinas
e na Microrregião de Teixeira. Distinguiam-se como maiores pro-
dutores os municípios de Manaíra, Tavares, Água Branca e Juru,
além de Conceição e S. José de Piranhas, no Sertão e Cacimba de
Dentro, Araruna, Solânea, Esperança, Mogeiro, Gurinhém e Sal-
gado de São Félix, no Agreste (v. MOREIRA,1996);
b) a produção de milho, também difundida em
todo o território estadual, era mais expressiva em torno de Cam-
pina Grande e de Tavares (v. MOREIRA,1996);
c) a mandioca, o inhame e a batata-doce, eram
produzidos sobretudo no Litoral (v. MOREIRA,1996);
d) as áreas mais tradicionais produtoras de arroz
situavam-se na Depressão do Alto Piranhas, no Vale do Piancó e
na Microrregião de Catolé do Rocha, salientando-se o município
de Sousa como maior produtor (v. MOREIRA,1996);
e) a produção de batata-inglesa restringia-se, prin-
cipalmente, aos municípios que compõem a Microrregião de Es-
perança e ao trecho norte da Microrregião de Campina Grande
(Alagoa Nova, Puxinanã e Lagoa Seca) (v. MOREIRA,1996);
f) a fruticultura disseminava-se por todo o Estado.
O peso desta atividade era particularmente maior na Microrregião
de Guarabira, no Brejo, no Agreste e nas Microrregiões sertanejas
de Sousa e Teixeira. A laranja era mais produzida nas Microrregi-
ões agrestinas e no Litoral Norte (v. MOREIRA,1996).46.
No que se refere ao desempenho da produção, o
que os dados indicam e os mapas deixam claro, é um forte recuo

46Embora os mapas de produção e área colhida com os produtos da lavoura de alimentos repre-
sentem a realidade do ano de 1980, pode-se afirmar com certeza que não houve alterações nas
regiões maiores produtoras. Por exemplo, as áreas maiores produtoras de arroz, de feijão e de
batata-inglesa, entre outros, continuam sendo as mesmas de 1970. O que varia de um ano para o
outro são os números concernentes aos quantitativos produzidos e colhidos a nível municipal, sem
que se altere com isso o grau de especialização regional. Mesmo onde a cana ou o pasto incidiu
mais fortemente sobre a lavoura alimentar e esta sofreu os mais fortes recuos, a especialidade
regional da produção de alimentos (banana, arroz, feijão, etc.) não foi quebrada.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 147

das lavouras alimentares tradicionais na década de 70 (v. MO-


REIRA,1996).
À exceção do inhame, do arroz e da batata-inglesa
que apresentaram um certo incremento da produção, os demais
produtos da lavoura alimentar sofreram forte retração na quanti-
dade produzida (v. MOREIRA,1996). A retração da área colhida
também foi significativa e abrangeu até mesmo as culturas de
arroz e da batata-inglesa (v. MOREIRA,1996).
A produção dos alimentos básicos (feijão, milho e
mandioca) caiu de 320.268 toneladas em 1970 para 252.336 tone-
ladas em 1980, o que significa uma redução de 67.932 toneladas,
equivalente a um crescimento negativo da produção de 21,2%. A
área colhida reduziu-se em 35%. Isso significa que quem tinha 10
hectares plantados com feijão, milho e mandioca em 1970, passou
a ter 6,5 hectares em 1980. Esse declínio é tão mais grave quando
se considera que a população estadual cresceu no mesmo período
a uma taxa geométrica de 2,4% ao ano. Do cotejo desses dois
fatos, fica evidenciada a retração do padrão alimentar com reper-
cussão sobre a qualidade de vida e saúde da maior parte da popu-
lação estadual.
Essa retração das lavouras alimentares tradicionais
não pode ser atribuída exclusivamente à influência da seca que
castigou a região a partir de 1979. O crescimento da produção
canavieira e da pecuária desempenhou um papel de fundamental
importância nessa dinâmica. Alguns estudos comprovam que
houve substituição dessas culturas pela cana em todas as Micror-
regiões canavieiras, especialmente nas de Sapé e do Litoral Sul
(FIGUEIREDO, 1992; LIMA,1993) e pelo pasto nas áreas de
expansão da pecuária, a exemplo do que foi observado nos muni-
cípios da Microrregião de Itabaiana, com destaque para o municí-
pio do mesmo nome (MOREIRA,1989) e em Gurinhém (MO-
REIRA, 1988).

147
148 Emília Moreira e Ivan Targino

Das culturas alimentares modernas, salientam-se o


abacaxi, o tomate e a banana.
3.4.1.1. O abacaxi

Presente no Brasil desde os primórdios da coloni-


zação, o abacaxi foi introduzido na Paraíba na década de 30. As
primeiras áreas de cultivo restringiam-se aos municípios de Mari e
Sapé. Sua fase de maior crescimento no Estado ocorreu na déca-
da de 60. Nesse período, a produção passou de 21,1 milhões de
frutos (1960) para 51,1 milhões (1970). Na década seguinte, o
crescimento absoluto da produção, embora tenha persistido, não
conseguiu superar o alcançado no período anterior, permanecen-
do em torno dos mesmos 30 milhões de frutos (de 51,1 milhões
passou para 82,3 milhões).
Os municípios maiores produtores de abacaxi do
Estado, em 1980, eram Mari, Mamanguape e Sapé. Eles foram
responsáveis por 69,0% da produção estadual naquele ano (v.
MOREIRA,1996). O abacaxi é produzido em menor escala em
quase todos os municípios do Litoral, na Microrregião de Guara-
bira e, de modo bem menos significativo, no Brejo. Tradicional-
mente porém, são os municípios de Sapé, Mari, Mamanguape,
Pedras de Fogo, Araçagi e Itapororoca que comandam a sua pro-
dução. Trata-se de uma cultura produzida tanto por grandes, co-
mo por médios e pequenos produtores.
A expansão da lavoura do abacaxi efetivou-se
principalmente sobre as áreas anteriormente consagradas à pro-
dução do fumo, do algodão, da mandioca e de outras lavouras de
subsistência.
Por outro lado, essa expansão, e a posterior con-
solidação dessa cultura na Paraíba, esteve intimamente relaciona-
da à demanda do mercado externo, sobretudo o argentino.
Cerca de 1/3 da produção paraibana de abacaxi
destina-se ao mercado de suco concentrado e o restante ao con-
sumo in natura. As variedades mais produzidas são do tipo Pérola
e Jupy, seguidos do Smouth Cayenne.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 149

Tal como na produção da cultura da cana-de-


açúcar, o crescimento do abacaxi contribuiu, de um lado, para o
declínio do sistema morador e de outras formas de relações de
trabalho não tipicamente capitalistas e, do outro, para expandir o
trabalho assalariado temporário no Litoral e no Agreste (BRITO,
C. 1980:35).

3.4.1.2. O tomate

A produção de tomate era muito restrita no Esta-


do até 1970. A partir de então ela expandiu-se principalmente nos
perímetros irrigados do Cariri (em torno do açude Estevão Mari-
nho e adjacências, em Boqueirão, Cabaceiras e Barra de São Mi-
guel), em Prata, Ouro Velho e Sumé, entre outros (v. MOREI-
RA,1996). A quantidade produzida passou de 5.417 toneladas
para 31.978 toneladas no período mencionado. O tomate produ-
zido no Estado destina-se em parte ao abastecimento das indús-
trias de extrato de tomate e outros derivados, situadas em Per-
nambuco, e ao consumo in natura.
A cultura do tomate apresenta algumas especifici-
dades. Ela é explorada em pequenas unidades produtivas, absor-
vendo tanto o trabalho familiar quanto assalariado, uma vez que,
sendo uma exploração intensiva em trabalho, a mão-de-obra fa-
miliar não é suficiente para atender aos cuidados requeridos em
algumas fases do processo de produção. Além disso, o tomate
exige a utilização de irrigação e de agrotóxicos. Essas exigências
têm duas conseqüências importantes: primeiro, requer um nível
de capitalização do produtor para fazer face às despesas com
aquisição do motor bomba, de canos, de produtos químicos, de
caixotes para embalagem, etc. Esse requerimento de capital inicial
é uma barreira para o pequeno produtor optar pela produção de
tomate; segundo, a utilização de agrotóxicos aliada à prática de
irrigação traz riscos de contaminação para os solos e os mananci-
ais aquáticos. O que é mais grave, alguns desses mananciais abas-

149
150 Emília Moreira e Ivan Targino

tecem cidades, como é o caso do açude de Boqueirão em relação


a Campina Grande.

3.4.1.3. A banana

O cultivo da banana encontrava-se disseminado


em vários municípios do Estado em 1970. No entanto, sua signi-
ficação econômica estava restrita a algumas áreas, sobressaindo-se
como maiores produtores os municípios do Brejo Paraibano, com
destaque para Bananeiras e, no Sertão, o município de Sousa (v.
MOREIRA,1996). Convém lembrar que a bananicultura era bem
diferenciada nessas duas áreas. No Brejo, a banana estava presen-
te em diferentes estratos de propriedade e irá, ao longo da década
de 70, sofrer a concorrência da cana-de-açúcar com o Proalcool.
No Sertão, o cultivo da banana concentrou-se no perímetro irri-
gado de São Gonçalo, sendo, desse modo, cultivado principal-
mente por pequenos produtores rurais. A banana produzida des-
tinava-se sobretudo ao mercado regional, para consumo in natura.
A não integração da produção agrícola com o beneficiamento do
fruto era um dos problemas sérios enfrentados pelos produtores.

3.4.2. O comportamento recente das culturas


alimentares: 1980/1993

A década de 80 foi marcada por fortes oscilações


nos resultados da produção das lavouras alimentares. Entre 1980
e 1983, como pode ser observado no quadro VIII, os produtos
alimentares básicos tradicionais (feijão, milho e mandioca) sofre-
ram importante recuo tanto na área colhida (-28,0%), como na
quantidade produzida (-18,0%) (v. gráfico in: MOREIRA,1996).
A quantidade produzida e a área colhida com arroz também de-
clinou sensivelmente (v. gráfico in: MOREIRA,1996). Apenas a
batata-inglesa teve um desempenho satisfatório nesse triênio (v.
gráfico in: MOREIRA,1996). Esse fraco desempenho das lavou-
ras alimentares tradicionais pode ser em parte explicado pelo efei-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 151

to substituição de culturas (decorrente da continuação do proces-


so de expansão da cana e da pecuária) e pelo prolongamento do
período de seca que teve início em 1979 e se estendeu até 1983,
afetando fortemente a produção agrícola.
O período que se estendeu de 1983 a 1989 corres-
pondeu ao de melhor desempenho da produção de feijão da dé-
cada de 80. A área colhida cresceu em média 9,7% a.a. e a quanti-
dade produzida, 25,6% a.a. neste intervalo. Alguns estudos apon-
tam como responsável por essa melhora do desempenho da pro-
dução do feijão, o esfacelamento da cotonicultura nas áreas pro-
dutoras e sua substituição, sobretudo no Sertão, pelos produtos
alimentares tradicionais. Essa teria sido uma das formas encon-
tradas pelos produtores de algodão para compensar a queda da
renda monetária decorrente da crise da sua produção em nível
regional (SILVEIRA,1992). Os anos de 1987 e 1990 foram anos
de fracos resultados. Embora observe-se uma recuperação da
produção de feijão entre 1990 e 1992, a seca de 1993 teve um
efeito catastrófico sobre a mesma, reduzindo-a drasticamente
como pode ser visto através do quadro VIII. Uma visualização
dessas tendências é possível através do Atlas de Geografia Agrária
do Estado (v. MOREIRA,1996).
Ao contrário do feijão, a mandioca, com exceção
de um ou outro ano, teve um desempenho declinante na década
de oitenta, tanto no que se refere à quantidade produzida quanto
à área colhida. Ela também foi fortemente afetada pela seca de
1993 (v. quadro VIII). Apesar desse fraco desempenho, este pro-
duto foi um dos que aumentou sua participação na composição
do valor da produção agrícola de vários municípios canavieiros
do Estado a partir da segunda metade dos anos 80, permanecen-
do a tendência no início da década de 90 (v. mapas da distribuição
da produção agrícola municipal de 1991 e 1993 in: MOREI-
RA,1996).
O milho, como o feijão, se retraiu nos primeiros
anos da década de 80 e retomou o crescimento da produção,
mesmo que de forma oscilante, a partir de então. De 1990 a 1993,
151
152 Emília Moreira e Ivan Targino

porém, sua produção voltou a declinar. A seca de 1993 atingiu


também de modo muito forte a produção do milho do Estado,
como pode ser visto no quadro VIII (MOREIRA,1996).
Entre 1980 e 1985 a área colhida com arroz redu-
ziu-se muito e a quantidade produzida apresentou altos e baixos.
Entre 1986 e 1988 houve um ganho de área colhida que não se
manteve nos anos seguintes. À exceção do ano de 1991, os pri-
meiros anos da década de 90 foram marcados por um desempe-
nho fraco da rizicultura estadual. Em 1993 a área colhida foi mui-
to afetada, caindo para apenas 1,3 mil hectares contra os 11,3 mil
de 1990, o que significou uma redução da ordem de 87,7%.
No que se refere aos produtos alimentares moder-
nos, destacam-se o abacaxi e a banana.
O abacaxi apresentou resultados positivos não
apenas nos três primeiros anos da década de 80, que coincidiram
com o período de prolongamento da seca de 1979, como até
1988, com um crescimento anual da produção da ordem de
19,0% e da área colhida de 13,0% (v. gráficos in: MOREI-
RA,1996). Nos últimos anos, observa-se uma expansão significa-
tiva da produção do abacaxi tanto nos municípios tradicionais
produtores quanto em outros onde não era explorado. Chama
também a atenção o fato da expansão da cultura vir acompanhada
da expansão da irrigação.
A participação do abacaxi na arrecadação do
ICMS em relação ao setor primário da economia, foi de, respecti-
vamente, 3,88% em 1986, 5,59% em 1987, 7,24% em 1988,
5,16% em 1989 e 7,32% em 1990 (SANTOS, 1992:9).
Entre 1988 e 1993 observou-se um declínio tanto
da produção quanto da área cultivada com abacaxi, com destaque
para o ano de 1990, quando a área colhida sofreu uma redução de
41,6 % em relação a 1988, e o ano de 1993, quando a produção
caiu para cerca da metade da obtida em 1988. Apesar desse com-
portamento declinante, constatou-se a partir de 1990 um cresci-
mento da participação do abacaxi na composição do valor da
produção agrícola de vários municípios onde a cana em 1980
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 153

detinha um maior peso (camparar os mapas da distribuição da


produção agrícola de 1980, 1985, 1991 e 1993 in: MOREI-
RA,1996).
No que se refere à distribuição espacial da produ-
ção, esta concentrava-se, em 1990, em 14 municípios, os quais
eram responsáveis por 95% da produção de abacaxi do Estado,
quais sejam: Sapé, Rio Tinto, Pedras de Fogo, Itapororoca, Ma-
manguape, São Miguel de Taipu, Lucena, Mari, Jacaraú, Mulungu,
Lagoa de Dentro, Santa Rita, Duas Estradas e Araçagi (SAN-
TOS,1992:12).
Segundo Santos, 85% da produção anual do aba-
caxi paraibano é comercializado junto a atacadistas e supermerca-
distas dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia,
Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Alagoas,
Sergipe, Minas Gerais, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal. O
restante da produção é comercializado nas CEASAS de João Pes-
soa e Campina Grande e nas feiras livres das cidades do interior.
De acordo com o citado autor, as exportações do produto foram
sensivelmente reduzidas na década de 80 em função da desorga-
nização do setor exportador e da concorrência desleal dos expor-
tadores sediados em Mari e Sapé (SANTOS, 1992:10/11).
A banana apresentou um aumento da área colhida
de 8,4% a.a. e da produção de 6,9 % a.a. entre 1980 e 1990. Foi a
cultura alimentar que manteve com regularidade bons resultados
no decênio. Os primeiros anos da década de 90 também foram
anos de bom desempenho da produção. Em 1993, apesar de ter
havido um recuo no comportamento da bananicultura estadual,
os patamares de produção alcançados ainda foram superiores aos
obtidos em 1988 e a área colhida só foi inferior a do ano anterior,
de 1992 (v. gráficos in: MOREIRA,1996).
Vale a pena acrescentar que a banana hoje contri-
bui de forma significativa na composição do valor da produção
agrícola de um grande número de municípios do Estado, tendo
alargado consideravelmente o limite de sua fronteira de produção,
sobretudo em direção ao Sertão (v. mapas da distribuição da pro-
153
154 Emília Moreira e Ivan Targino

dução agrícola municipal de 1991 e 1993 in: MOREIRA,1996).


Observa-se também uma expansão significativa da banana nos
municípios do Brejo Paraibano. Nessa área, a banana vem sendo
apontada como uma alternativa cada vez mais importante para a
superação da crise econômica regional decorrente das dificulda-
des da cana-de-açúcar. É preocupante, no momento, o fato da
expansão da banana não estar sendo acompanhada de cuidados
técnicos que permitam um produto de melhor qualidade. Por
outro lado, persiste o problema da falta de integração vertical
com a indústria. O aumento da produção, aliada aos dois proble-
mas citados, tem contribuído para um comportamento declinante
dos preços.
Dos três produtos da lavoura de alimentos consi-
derados aqui como modernos, o tomate foi o que apresentou um
desempenho mais fraco. Sua área colhida sofreu uma redução de
40,5% na década de 80 e a quantidade produzida teve um cresci-
mento negativo da ordem de 33,7%. Nesse período, distingue-se
apenas o ano de 1982 como aquele em que o tomate apresentou
os melhores resultados. Esse comportamento se reproduz nos
primeiros anos da década de 90 (v. gráficos in: MOREIRA,1996).
Apesar desse fraco desempenho, observou-se a disseminação da
produção nos perímetros irrigados do semi-árido, no Seridó Ori-
ental (em municípios como Junco do Seridó, Nova Palmeira, Pe-
dra Lavrada e Picuí), na Serra de Teixeira e em menor proporção
no Agreste. O tomate expandiu-se de modo mais expressivo nas
Microrregiões do Cariri Oriental e Ocidental. Nessas áreas, ele
apresentou um aumento significativo da sua participação na com-
posição do valor da produção na maioria dos municípios, com
destaque para os seguintes: Camalaú, Congo, Monteiro, Prata, São
João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro, Sumé, Taperoá, Bar-
ra de São Miguel, Boqueirão, Cabaceiras, Gurjão e São João do
Cariri. Esta região se afirma na década de 90 como a de maior
importância para a produção de tomate no Estado (v. mapas da
distribuição da produção agrícola municipal de 1991 e 1993 in:
MOREIRA,1996).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 155

Do exposto, pode-se concluir que a dinâmica re-


cente da produção de alimentos tradicionais reproduz o movi-
mento secular de subordinação dessa produção ao processo de
expansão e/ou retração das atividades que comandam a econo-
mia estadual, tais como as atividades canavieira e pecuária. Além
disso, submetida a processos e técnicas mais rudimentares, as
lavouras alimentares tradicionais acham-se mais sujeitas as intem-
péries do clima e às limitações de ordem topográfica e edáfica.
Isso, sem falar na ausência de uma política agrícola e de preços
mínimos dirigida para a pequena produção de alimentos e dos
problemas de comercialização que afligem esse segmento da eco-
nomia agrícola estadual. Esses fatores, somados aos anteriormen-
te citados, contribui para acentuar o já frágil desempenho desse
setor da economia e para torná-lo extremamente vulnerável.
Por outro lado, observa-se que o comportamento
das culturas alimentares modernas, em especial, da banana e do
abacaxi, sofrem menos as influências dos condicionantes naturais
e mais as influências do mercado. Isto porque, além de terem
como locus da produção regiões de clima menos agressivo ou
áreas de exceção (perímetros irrigados), incorporam uma maior
quantidade de componentes tecnológicos (sobretudo o abacaxi),
tais como irrigação, adubação química, mudas selecionadas, agro-
tóxicos, etc.

3.5. As culturas industriais

Das culturas industriais, além da cana-de-açúcar,


distinguem-se o algodão, o sisal, o fumo e o coco-da-baía.

3.5.1. O algodão

O algodão merece uma atenção especial pelo im-


portante papel desempenhado historicamente na organização
econômico-social das Microrregiões agrestinas e sertanejas. Essa
importância, como foi abordado anteriormente, relaciona-se de
155
156 Emília Moreira e Ivan Targino

um lado ao fato desse produto poder ser cultivado em associação


com lavouras de curto ciclo e, de outro lado, por ele ser explora-
do em todos os padrões de propriedade e por produtores proprie-
tários e não proprietários como os parceiros e arrendatários. Além
disso, a cotonicultura se constitui numa atividade complementar
da pecuária e contribui para a formação da renda familiar das
camadas mais pobres da população, notadamente dos pequenos
produtores rurais, tendo sido também responsável pela viabiliza-
ção das relações de produção do tipo arrendamento e parceria nas
Microrregiões sertanejas.
A importância econômica do algodão relaciona-se
também à sua contribuição na formação da receita do Estado.
Nas áreas agrestinas e sertanejas, o peso do algodão na arrecada-
ção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICM) foi sem-
pre mais alto que o da policultura alimentar. Donde sua posição
de destaque na economia agrícola estadual até fins dos anos 70.
Nesse período já se observa um descenso da importância econô-
mica do algodão, em particular, do tipo arbóreo (v. mapas da dis-
tribuição da produção agro-extrativa de 1970 e 1980 in: MOREI-
RA,1996). A participação relativa desta cultura no valor da pro-
dução agro-extrativa estadual declinou de 18,2% para 8,7% entre
1970 e 1980. A produção passou, nesse período, de 36.641 tone-
ladas para 22.517 toneladas e a área colhida experimentou uma
perda de 14.124 hectares.
Fatores climáticos relacionados às estiagens pro-
longadas, além das oscilações dos preços no mercado e do atrasa-
do processo organizacional e tecnológico da produção, são consi-
derados como causas principais do declínio do algodão, sobretu-
do da variedade arbórea, nesse período (v. mapas da distribuição
da produção agro-extrativa e os relativos ao crescimento da pro-
dução do algodão in: MOREIRA,1996).
No que se refere à distribuição da produção, tem-
se que o algodão herbáceo vem substituindo gradativamente o
arbóreo. Nos anos 70 e início da década de 80 ele era encontrado
desde Sapé e Mari, descendo por Itabaiana, subindo para o Curi-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 157

mataú em direção à Tacima, até os limites com o Seridó e o Cari-


ri. A partir daí predominava o algodão arbóreo que se destacava
como principal produto na composição do valor da produção da
maioria dos municípios das Microrregiões do Seridó Ocidental,
Cariri Oriental e Cariri Ocidental (v. mapas da distribuição da
produção agro-extrativa municipal in: MOREIRA,1996).
A partir de 1983 a praga do bicudo começou a
atacar os algodoeiros do Estado, destruindo grande parte dos
algodoais existentes. Até 1985, porém, sua ação devastadora ficou
mais concentrada no Agreste. Entre 1980/1985 observou-se até
mesmo uma certa expansão da produção sertaneja. Em 1984,
embora a área colhida tenha se reduzido, a quantidade produzida
deu um salto, crescendo quase oito vezes em relação ao ano ante-
rior (v. gráficos concernentes in: MOREIRA,1996). Esse compor-
tamento, porém, não persistiu até o final da década. Ao contrário,
os dados da produção agrícola fornecidos pela FIBGE permitem
observar um crescimento negativo da área colhida com algodão
da ordem de 17,2% a.a. e da quantidade produzida de 14,5 % a.a.
entre 1980 e 1990 no conjunto do Estado (v. gráficos concernen-
tes in: MOREIRA,1996). Nos primeiros anos da década de 90 o
quadro torna-se ainda mais grave. Além da persistência da queda
da produção, a área colhida também se retraiu. Em 1993, a seca
tornou ainda mais difícil a situação da atividade cotonicultora do
Estado. A área colhida foi de apenas 24,4 mil hectares contra
680,2 mil em 1981 e a quantidade produzida só alcançou 2,5 mil
toneladas que representam -95,6% do total produzido em 1981
(v. gráficos concernentes in: MOREIRA,1996).
Essa queda foi observada tanto na produção do
algodão arbóreo como na do herbáceo. Ela provocou alterações
profundas na distribuição espacial da produção. Os mapas da
distribuição da produção agrícola do Estado de 1985, 1991 e 1993
comprovam, de um lado, a substituição do algodão arbóreo pelo
herbáceo na formação do produto agrícola de vários municípios,
em diversas regiões do Estado e, de outro, a queda da participa-

157
158 Emília Moreira e Ivan Targino

ção dessa cultura na composição do valor da produção dos prin-


cipais produtos agrícolas produzidos a nível municipal (MOREI-
RA,1996).
Convém destacar que em alguns estados do Brasil
(do Nordeste inclusive), onde houve maior determinação do po-
der público na tomada de decisões mais imediatas de apoio à pes-
quisa e ao uso de recursos técnicos defensivos no acompanha-
mento da cultura, foi possível obter alguns resultados positivos,
senão erradicando-se a praga, mas encontrando-se formas de
convivência com a mesma.
Na Paraíba, o Centro Nacional de Pesquisa do
Algodão, localizado em Campina Grande, vem desenvolvendo
pesquisas, de resultados já comprovados, com variedades preco-
ces do algodão herbáceo e do arbóreo, que permite a retomada da
produção e sua convivência com a praga. Essa, porém, só será
possível se houver vontade política, visto que a sobrevivência da
cotonicultura no Estado requer a utilização de práticas e técnicas
de cultivo mais aprimoradas, tais como: a utilização de sementes
selecionadas, de inseticidas em dosagem correta, de práticas de
cultivo modernas, etc. Isso requer um aumento do custo da pro-
dução nem sempre capaz de ser coberto pelo pequeno produtor,
que sempre teve no algodão sua principal fonte de renda.
A partir do exposto, conclui-se que só uma difu-
são democrática desses processos e técnicas seria capaz de garan-
tir o retorno da atividade e de tirar a Paraíba da atual crise que
atinge a produção do algodão. Por outro lado, mesmo que se re-
cupere internamente, a cotonicultura terá ainda que enfrentar
sérios problemas de mercado uma vez que terá que concorrer
com o algodão produzido noutras regiões e com as fibras sintéti-
cas.
A persistência dessa situação já está tendo fortes
repercussões sobre as relações de trabalho do tipo arrendamento
e parceria, nas regiões sertanejas, dado ao fato de que essas for-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 159

mas de trabalho se alicerçaram, historicamente, com base na


combinação gado-algodão-policultura alimentar. Isso sem falar na
deterioração das condições de vida do pequeno produtor e no
agravamento da situação migratória nas regiões cotonicultoras
tradicionais.

3.5.2. O sisal

A cultura do sisal teve seu período áureo na Paraí-


ba, na década de 50, quando se constituiu no sustentáculo eco-
nômico das Microrregiões do Curimataú Oriental e Ocidental, do
Seridó Oriental, do Brejo, e ainda de Campina Grande e circunvi-
zinhança, além de alguns municípios da Microrregião de Teixeira,
como: Teixeira, Desterro e Imaculada (v. mapas de distribuição
da produção agro-extrativa de 70 que reproduz a nível municipal
e regional esta realidade in: MOREIRA,1996).
Por se tratar de uma cultura de longo ciclo, o re-
torno econômico da produção sisaleira só é possível de ser obtido
depois de vários anos. Por outro lado, como a cultura do sisal só
permite associação com produtos alimentares durante os primei-
ros anos de cultivo, ela é tida como "cultura de rico", sendo en-
contrada principalmente nas médias e grandes propriedades.
Como foi visto anteriormente, o declínio da eco-
nomia sisaleira, a partir dos anos 60, deveu-se à concorrência no
mercado internacional, com o sisal africano e com a fibra sintéti-
ca. Entre 1970 e 1980, a produção sofreu uma redução de mais de
50%. Esse declínio foi comum a todas as áreas de tradição sisalei-
ra do Estado (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Entre
1980 e 1993 a situação de decadência da atividade só se acentuou.
Como pode ser visto nos gráficos contidos no Atlas de Geografia
Agrária, a quantidade produzida e a área colhida com sisal sofreu
um queda progressiva de, respectivamente, -3,4% e -4,9% ao ano
na década de 80, comportamento declinante esse, que adentrou
os anos 90, atingindo o ponto mais crítico em 1993 (MOREI-
159
160 Emília Moreira e Ivan Targino

RA,1996). Nas áreas maiores produtoras, o sisal está perdendo


espaço para a castanha de caju, a mandioca, o coco-da-baía, a
batata-doce, o maracujá e até para o tomate, como na Serra do
Teixeira.
Devido ao rigor da seca de 1993, além da produ-
ção de sisal ter caído a patamares nunca antes alcançados, as fi-
bras tornaram-se muito curtas, o que determinou uma desvalori-
zação do produto no mercado, criando uma situação insustentá-
vel para a atividade.
Além das condições climáticas desfavoráveis,
apontam-se hoje dois outros fatores que, somados àquele, são
responsáveis pelo desmantelamento da produção de sisal da Para-
íba: as dificuldades de produção regional face às limitações do
mercado internacional e a crescente concentração dessa produção
no Estado da Bahia (POLARI, 1990:6/7).

3.5.3. O coco-da- baía

Existem dois tipos de coco-da-baía: o produzido


pelo coqueiro gigante que, seco, destina-se à industrialização, e o
coqueiro anão, destinado ao consumo in natura. Na Paraíba são
encontradas essas duas variedades. Sua produção concentrava-se
até 1970 na franja litorânea do Estado. O coco detinha um peso
importante na composição das combinações agrícolas de municí-
pios como Cabedelo, Lucena, Baía da Traição, Rio Tinto, entre
outros (v. mapa da distribuição da produção agrícola de 1970 in:
MOREIRA,1996).
A partir do Proalcool, grande parte dos coqueirais
dessa região foram substituídos pela cana-de-açúcar. Prova disso
foi o crescimento negativo observado na produção e na área co-
lhida de, respectivamente, 33,4% e 27,6% entre 1975 e 1985. Um
modesto movimento ascendente da produção de coco é observa-
do a partir de 1988, porém esse não corresponde a um crescimen-
to significativo da atividade. Apesar de um desempenho medíocre
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 161

no período estudado, observa-se que, em alguns municípios do


Seridó, dado principalmente ao recuo do sisal e a fragilidade da
economia agrícola regional, o coco passou a ocupar um lugar de
maior destaque na composição do produto agrícola (v. mapas da
distribuição da produção agrícola in: MOREIRA,1996).
Recentemente, os produtores nordestinos de coco
seco industrial denunciaram que essa cultura está sendo prejudi-
cada pela importação da matéria-prima de países da África e do
sudeste asiático onde a produção é fortemente subsidiada e o
preço do produto acaba mais baixo que o nosso (PORTO,1995).

3.5.4. O fumo

Na Paraíba, temos dois tipos de fumo: o de rolo,


concentrado em torno de Mari, e o aromático, no semi-árido.
A produção de fumo de rolo é mais antiga. Embo-
ra não detenha um peso muito importante para a economia agrí-
cola do Estado, sempre desempenhou um papel de destaque em
nível municipal como geradora de renda e emprego.
O fumo de rolo é cultivado, regra geral, utilizan-
do-se o sistema de afolhamento, em áreas que também produzem
cana ou abacaxi. No Litoral, esta lavoura sempre esteve subordi-
nada aos movimentos de expansão ou retração daquelas culturas.
É como se a atividade fumageira ali funcionasse, como anteparo
ou amortecedor da economia agrícola, quando os produtos prin-
cipais (cana e abacaxi) entram em crise.
O trabalho nos fumais é realizado por trabalhado-
res assalariados temporários oriundos, sobretudo, de municípios
localizados no Agreste. O período de plantio e colheita, segundo
depoimento dos trabalhadores de um fumal visitado em Mari,
inicia-se, via de regra, entre março/abril e finaliza em agos-
to/setembro, coincidindo em grande parte com a entressafra da
cana. Entre 1970 e 1993, esta cultura apresentou resultados osci-
lantes e modestos no conjunto do Estado. Só teve expressão na
composição do produto agrícola, no município de Mari.
161
162 Emília Moreira e Ivan Targino

O fumo do tipo aromático destina-se à fabricação


de cigarros finos tais como Hilton e Carlton. Sua difusão no semi-
árido paraibano é relativamente recente. Ela tem início em 1972,
quando a Companhia de Cigarros Sousa Cruz, subsidiária da Bri-
tish American Tabaco, passou a investir na sua produção na regi-
ão do Seridó. A partir de então, unidades experimentais foram
sendo criadas em Patos e Santa Luzia. Entre 1972 e 1978, a pro-
dução era realizada sem uso de tecnologia apropriada. A irregula-
ridade das chuvas aliada às exigências da planta e às características
dos solos e da topografia tornou, porém, obrigatório o uso da
irrigação. A primeira experiência de cultivo irrigado foi feita em
1979 e sua difusão teve início em 1980. Em 1987, o Seridó Oci-
dental, com destaque para o município de Santa Luzia, já liderava
a produção do fumo aromático. Em virtude do sucesso obtido, a
Sousa Cruz expandiu sua ação e passou a investir também nas
regiões em torno de Catolé do Rocha, Sousa e Pombal. Atual-
mente a produção de fumo no semi-árido paraibano se estende
do Seridó Ocidental em direção à Microrregião de Catolé do Ro-
cha, área de maior concentração da produção até 1993.

"O sistema agrícola do fumo aromático, na sua


originalidade, é marcado pela aproximação dos
extremos, ou seja, a relação de uma multinacio-
nal com pequenos produtores e, conseqüentemen-
te, a aplicação de uma tecnologia sofisticada ao
lado de práticas muito rudimentares" (DAN-
TAS, 1993:27).

A produção de fumo aromático é realizada em


pequenas propriedades (de 1,5 a 5 hectares em média) de peque-
nos produtores proprietários ou arrendatários. A mão-de-obra
utilizada é a familiar, no caso dos arrendatários, ou a do morador
parceiro e de sua família, no caso das unidades de produção ad-
ministradas por proprietários. Eventualmente, durante a colheita,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 163

pode ocorrer a contratação de trabalhadores assalariados tempo-


rários.
O fato da atividade fumageira exigir uma mão-de-
obra considerável, investimentos que muitas vezes superam os
aplicados na pecuária extensiva, de estar subordinada a uma em-
presa multinacional e a um contrato que obriga o produtor a plan-
tar fumo por um período de oito anos, explica o desinteresse do
médio e grande proprietários pela produção do fumo.
A produção é organizada pela Cia. Sousa Cruz. É
ela que avaliza os financiamentos junto ao Banco do Brasil, elabo-
rando, inclusive o projeto, e ainda orienta e fiscaliza todas as eta-
pas do processo produtivo. O produtor firma um contrato com a
empresa para a aquisição de um sistema de irrigação. Esse contra-
to é feito sob a forma de custeio agrícola obedecendo a alguns
critérios, quais sejam: a dívida assumida deve ser paga em oito
parcelas anuais, sem juros e correção monetária; em contraparti-
da, o produtor fica obrigado a produzir fumo a preço estabeleci-
do pela empresa, pelo menos durante oito anos e a vender a pro-
dução exclusivamente à mesma. Em caso de desistência, o siste-
ma de irrigação é devolvido sem que se processe qualquer indeni-
zação. O produtor deve ainda adquirir os insumos e equipamen-
tos necessários ao desenvolvimento do processo produtivo, tais
como: trator, inseticidas, esterilizantes, adubos, talagarças, plásti-
cos, etc. Os recursos para aquisição dos instrumentos de trabalho,
dos adubos e defensivos e para as despesas com mão-de-obra são
repassados via Sousa Cruz, seja como adiantamento até que sejam
liberados os financiamentos bancários, quando o capital cedido
pela empresa é recuperado, seja como empréstimo a ser pago
com fumo a cada safra (DANTAS,1993). Desse modo, a ativida-
de fumageira voltada para a produção do fumo aromático acha-se
subordinada à montante e à jusante do processo produtivo ao
setor industrial e, submetida aos mecanismos de dominação de
uma multinacional, "cria formas disfarçadas de trabalho capitalista a

163
164 Emília Moreira e Ivan Targino

domicílio, enquanto a empresa amplia seu campo de pesquisa e experimento


da produção no semi-árido paraibano” (DANTAS, 1993:40).
Por outro lado, num momento como o atual, em
que a atividade cotonicultora, que se constituía na principal fonte
de renda monetária do pequeno produtor e sua família, e na mai-
or geradora de emprego para a mão-de-obra familiar rural da regi-
ão sertaneja, passa por um processo de quase total desapareci-
mento, a produção do fumo aromático aparece como uma alter-
nativa capaz de amenizar, pelo menos em algumas localidades, os
efeitos catastróficos dessa derrocada do algodão sobre a geração
de emprego e renda no meio rural da região semi-árida.
É preciso esclarecer, que o volume de emprego
gerado por essa atividade no semi-árido paraibano é incompara-
velmente inferior ao que era propiciado pela cotonicultura. Isto
porque, enquanto o algodão não estabelecia fronteiras e limites à
produção, o fumo, dada às suas peculiaridades, seleciona espaços
(buscando os mais propícios, sobretudo do ponto de vista das
condições de solo) e produtores (limitando o acesso à produção
aos microproprietários e àqueles que aceitem as condições impos-
tas pela multinacional que controla a produção). Apesar da maior
dificuldade de difusão, a expansão do fumo aromático em algu-
mas áreas do semi-árido paraibano constitui, na conjuntura atual,
um atenuante, e até certo ponto, um fator de amortecimento da
crise do algodão.

3.6. A expansão espacial da agricultura

A expansão espacial da agricultura paraibana, na


década de 70, deu-se essencialmente em função do crescimento
da área consagrada às lavouras temporárias. Essas que ocupavam
515.897 hectares de terra em 1970 (11,0% da área total dos esta-
belecimentos agrícolas), passaram a ocupar 791.935 hectares em
1980 (16,0% da área dos estabelecimentos agrícolas), o que signi-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 165

ficou um avanço dessas lavouras sobre mais de 270 mil hectares


de terra.
Em termos espaciais, a expansão observada nos
anos 70 concentrou-se:
a) no Litoral e em alguns municípios do Agreste
Baixo (v. mapa da expansão da área agrícola in: MOREI-
RA,1996), em função do crescimento das lavouras de cana, do
abacaxi e do inhame (sobretudo da cana);
b) no Curimataú Ocidental, no Seridó, na Serra de
Teixeira e, particularmente, no Cariri da Paraíba, em função, prin-
cipalmente, do crescimento da área cultivada com capim e palma
forrageira, e no vale do Piancó, na região de Catolé do Rocha e
sul de Cajazeiras, em virtude do crescimento tanto da área consa-
grada ao capim quanto da área ocupada com algodão herbáceo (v.
mapa da expansão da área agrícola do Estado entre 1970 e 1980
in: MOREIRA,1996).
A retração da área agrícola, observada em alguns
municípios da franja litorânea nesse período, deve ser imputada
principalmente ao recuo da produção de alimentos. No Agreste e
no Sertão ela deve-se ao declínio tanto do algodão herbáceo
quanto do algodão arbóreo.
Entre 1980 e 1985 esse processo de expansão é
freado. Embora as lavouras temporárias tenham continuado a
ampliar sua área de cultivo (particularmente, para não dizer es-
sencialmente, a lavoura canavieira), o crescimento observado po-
de ser considerado insignificante, se comparado aos resultados da
década anterior. O aumento da área consagrada a essas lavouras
entre 1980 e 1985 foi de apenas 23,9 mil hectares contra os 270
mil observados na década de 70. Por outro lado, constatou-se
uma perda significativa de terras voltadas para as lavouras perma-
nentes. De 588.715 hectares em 1980 para 84.660 hectares em
1985, o que significa uma redução da ordem de -85,6%.
O recuo da expansão espacial das culturas tempo-
rárias e permanentes no qüinqüênio 80/85 pode ser atribuído aos
efeitos da seca de 1979. Como já foi visto, esse período de estia-
165
166 Emília Moreira e Ivan Targino

gem, ao prolongar-se até 1983, promoveu sérios prejuízos à agri-


cultura. Excetuando-se culturas como a cana-de-açúcar, que à
época ainda encontrava-se fortemente protegida por um pacote
tecnológico e pelos estímulos creditícios e fiscais do Proalcool, as
demais lavouras tiveram suas fronteiras retraídas, inclusive aquelas
produzidas em áreas de clima mais favoráveis como as áreas úmi-
das do Agreste/Brejo.

3.7. A produtividade das terras

De modo geral, a maior parte dos municípios pa-


raibanos apresentam baixos índices de produtividade da terra (v.
mapa concernente in: MOREIRA: 1996). Com índices mais ele-
vados, destacam-se apenas três áreas: o Litoral, o Brejo e alguns
municípios circunvizinhos, e o Agreste de Esperança.
As duas primeiras áreas coincidem com as zonas
de produção antiga e recente da cana-de-açúcar.
A região do Agreste de Esperança distingue-se por
se constituir numa área policultora-minifundiária por excelência,
onde se destaca o cultivo de batata-inglesa, do feijão, da mandioca
e da horticultura. O alto índice de produtividade da terra aí en-
contrado permite que se coloque em questão as afirmativas cor-
rentes relativas à improdutividade da pequena produção. Os da-
dos do Censo de 1985 não alteram esta realidade encontrada em
1980.
Com base nas informações contidas neste capítu-
lo, pode-se concluir que a década de 70, em especial o período de
1975/1980, correspondeu ao de maior dinamismo da produção
agropecuária na Paraíba. Esse dinamismo, atrelado ao processo
de modernização conservadora da agricultura, foi responsável por
alterações profundas na organização da produção agropecuária
estadual.
Particularmente concentrado nas atividades cana-
vieira e pecuária, o processo modernizador repercutiu fortemente
tanto sobre o meio ambiente, quanto sobre a produção de alimen-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 167

tos e de outras matérias-primas, com forte rebatimento sobre a


condição de vida e trabalho da classe trabalhadora.
Na década de 80 observou-se um arrefecimento
do ritmo da modernização da agropecuária paraibana. Este pode
ser explicado tanto como uma decorrência da recessão que se
abateu sobre a economia brasileira no final dessa década, com
repercussões em nível regional e estadual, como pela redução dos
incentivos fiscais e creditícios para o setor e às cobranças mais
incisivas das dívidas dos usineiros pelos credores. Esses fatos,
somados a problemas de ordem climática, como a seca, e a ação
de pragas como a do bicudo, geraram uma desorganização do
setor produtivo agropecuário estadual, o qual alcançou a primeira
metade dos anos 90 envolvido numa forte crise.

167
168 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO III

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO E DA ÁREA COLHIDA
COM CANA-DE-AÇÚCAR
1981/1993

ÁREA QUANTIDADE RENDIMENTO


ANO COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO POR
(ha) (t) HECTARE
(t/ha)
1981 120.832 5.230.778 43.289
1982 134.655 7.269.996 53.989
1983 143.962 7.168.926 49.797
1984 155.708 8.951.809 57.491
1985 176.201 10.646.134 60.420
1986 178.077 10.710.752 60.146
1987 162.266 9.514.787 58.636
1988 160.229 8.798.229 54.910
1989 158.762 8.647.252 54.466
1990 156.449 8.282.781 52.942
1991 154.922 8.115.401 52.383
1992 152.454 7.919.930 51.916
1993 92.731 1.837.607 19.816
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 169

QUADRO IV

ESTADO DA PARAÍBA
PARQUE SUCRO-ALCOOLEIRO
(Situação em 1985)

USINAS ANTIGAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO


Santa Rita Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
São João Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
Santana Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
Santa Helena Família Ribeiro Coutinho Sapé
Monte Alegre Grupo Soares de Oliveira Mamanguape
Santa Maria Família Solon Lins Areia
Tanques Família Veloso Borges Alagoa Grande
DESTILARIAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO
ANEXAS
Santa Helena Família Ribeiro Coutinho Sapé
Santana Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
Santa Maria Família Solon Lins Areia
São João Família Ribeiro Coutinho Santa Rita
DESTILARIAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO
AUTÔNOMAS
GIASA (Arthur Grupo Tavares de Melo/PE Pedras de Fogo
Tavares)
Miriri Grupo Cavalcanti de Morais (PE) Sapé
Agican (Sto. Antônio) Grupo Pessoa de Melo (PB) Mataraca
Tabu Grupo Ludgren (PE) Caaporã
Jacuípe Grupo Cavalcanti de Morais (PE) Lucena
Japungu Cia. Nordeste de Participação (CONE- Santa Rita
PAR), AGROFÉRTIL S/A Ind. e
Comércio (BA)
Una Família Ribeiro Coutinho(PB) Sapé
Borborema Família Ribeiro Coutinho(PB) Pirpirituba
Fonte: Informações colhidas junto à ASPLAN/PB e nos trabalhos de campo.

169
170 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO V
DÍVIDAS DO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO
(Em Cr$ mil de 1991- posição segundo a variação da TR em setembro de 1991)
ESTADO BANCO DO BRA- IAA RECEITA FEDERAL PROCURADORIA TOTAL
SIL DA FAZENDA
NACIONAL
AC 10.525.887 – – – 10.525.887
AL 61.985.946 44.483.831 8.523.248 2.983.072 118.076.097
BA 84.908 9.248 223.188 1.948.675 2.266.019
CE 3.672.392 628.002 2.489.473 594.117 7.383.984
DF 498.273 - - 498.273
ES 2.414.907 - - - 2.414.907
GO 25.592.396 7.247 932.385 695.663 27.227.691
MA 7.817.246 168 85.030 - 7.902.444
MT 31.807.082 521 - - 8.425.962
MS 8.425.689 273 - - 8.425.962
MG 52.740.205 25.268.108 15.702.411 - 93.710.724
PA 56.589.536 2.617 - - 56.592.153
PB 44.208.123 2.582.211 3.347.610 8.730.559 58.868.503
PR 18.119.176 6.555 10.307.035 5.659.819 34.092.585
PE 127.656.270 62.693.076 10.118.605 2.888.385 203.356.336
PI 699.854 - - - 699.854
RJ 38.754.270 88.509.127 14.919.303 2.378.525 144.561.225
RN 8.279.824 1.830.654 - 3.224.862 13.334.800
RS 2.253.756 13 103.170 51.821 2.408.760
SC – 9 - - 09
SP 142.626.040 27.643.111 2.053.200 2.425.791 174.748.142
SE 2.899.411 61.731 - 1.663.223 4.624.365
TOTAL 647.651.191 253.729.502 68.804.658 33.244.512 1.003.526.323
Fonte: Relatório parcial da Comissão Interministerial- Setembro, 1991 (Publicado pelo Jornal do Brasil em 15 de setembro de 1991).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 171

QUADRO VI
ESTADO DA PARAÍBA
EFETIVO DE BOVINOS
1981/1993

ANOS EFETIVO DE BOVINOS


1981 1.295.745
1982 1.225.864
1983 1.055.894
1984 1.128.276
1985 1.240.627
1986 1.431.583
1987 1.397.079
1988 1.409.825
1989 1.456.629
1990 1.345.361
1991 1.315.144
1992 1.319.682
1993 858.853
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

QUADRO VII

ESTADO DA PARAÍBA
EFETIVO DE CAPRINOS, OVINOS, SUÍNOS E AVES
1981/1993

ANOS CAPRINOS OVINOS SUÍNOS AVES


1981 520.463 414.629 203.412 1.460.876
1982 526111 389.040 200.532 1.581.209
1983 515.023 341.151 181.063 1.371.793
1984 508.230 355.219 213.465 1.701.919
1985 555.054 396.266 243.159 1.805.029
1986 523.140 385.674 280.196 2.346.513
1987 511.900 370.486 284.288 2.273.944
1988 521.602 381.579 298.000 2.592.235
1989 543.447 414.882 325.319 2.415.172
1990 509.450 380.692 300.726 2.422.076
1991 514.016 388.674 308.470 4.154.789
1992 525.735 382.894 312.419 2.768.948
1993 404.443 273.376 230.787 3.858.895

171
172 Emília Moreira e Ivan Targino

Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 173

QUADRO VIII

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO RECENTE DA PRODUÇÃO DAS PRINCIPAIS LAVOURAS
ALIMENTARES
1981/1993

PRODUTO
ANO FEIJÃO MILHO MANDIOCA
ÁREA(ha) QUANT.(t) ÁREA(ha) QUANT.(t) (ha) (t)
ÁREA QUANT.
1981 249.596 28.178 213.494 26.208 62.721 464.470
1982 207.779 27.843 209.506 26.065 60.492 498.426
1983 192.756 26.436 195.937 24.954 192.756 26.436
1984 307.244 133.619 299.025 199.185 51.148 468.015
1985 297.952 78.268 282.448 159.408 56.264 521.251
1986 333.572 107.030 311.990 181.977 56.642 521.555
1987 333.007 42.795 303.891 63.547 49.205 446.500
1988 328.709 109.926 315.474 171.384 44.242 410.610
1989 337.004 103.920 318.284 156.811 50.108 436.054
1990 206.606 47.894 192.556 46.312 46.002 386.340
1991 281.249 94.456 260.971 130.148 47.270 421.741
1992 306.373 69.232 271.075 91.597 50.709 448.494
1993 53.780 9.392 34.769 6.407 31.875 238.601
Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993.

173
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 175

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cos e Significados Ecológicos de Bioensaios. Sào Carlos/SP, out., 1994.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 177

4. ESTRUTURA FUNDIÁRIA

“Deus fez a grande natura


Com tudo que ela tem,
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém

Se a terra foi Deus quem fez


Se é obra da criação
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.

Esta terra é desmedida


E com certeza é comum,
Precisa ser dividida
Um tanto pra cada um.”

Versos do poema “A Terra é Nossa”. Patativa do Assaré.

O perfil da distribuição da propriedade fundiária


na Paraíba é o resultado de um longo processo, que tem suas ori-
gens na produção do espaço colonial. Como foi analisado anteri-
ormente, essa produção, subordinada aos interesses do capital
mercantil, teve como suporte a concessão de grandes sesmarias
para a exploração da cana-de-açúcar no Litoral e da pecuária (e
posteriormente também do algodão) no interior. O controle mo-
nopolista da terra, elemento essencial ao espaço colonial, foi re-
forçado com a Lei de Terras de 1850.
Não se deve esquecer que o poder sobre a terra
representava também o controle sobre o processo de produção e
reprodução da força de trabalho rural. Daí porque, no ser "senhor
de terra" estava embutido o "ser obedecido por muitos", na expressão
de Antonil.
Os senhores de Engenho do Litoral e os latifundi-
ários pecuaristas do Sertão paraibano constituíam o poder domi-
177
178 Emília Moreira e Ivan Targino

nante. Estes e suas famílias ditavam, de fato, a ordem e a lei. O


controle político, rebatimento do poder econômico, era privilégio
daquelas poucas famílias da aristrocacia rural que se revezavam
no poder. Hoje, embora a história tenha determinado alterações
na organização sócio-econômica do Estado, os filhos das tradici-
onais oligarquias rurais, travestidos da nova roupagem dos cama-
rins políticos regionais, permanecem imbuídos da mesma necessi-
dade de mando, controle e posse da terra.
Por outro lado, a estrutura agrária, não obstante
ter sofrido mudanças significativas ao longo do tempo, sobretudo
no que diz respeito às relações de trabalho (substituição do traba-
lho escravo pelo trabalho livre, proletarização do campesinato,
etc.), preservou sua característica principal: a elevada concentra-
ção fundiária. Em outras palavras, a propriedade da terra perma-
neceu concentrada nas mãos de uma minoria de pessoas, enquan-
to a grande maioria dos proprietários continuou possuidora de
pequenos lotes, que, agregados, representam uma pequena parce-
la da área agrícola do Estado. Isso, sem levar em consideração o
grande número de produtores diretos, desprovidos do direito de
propriedade.
Chama a atenção o fato da modernização da agri-
cultura levada a efeito na década de 70 não ter contribuído para a
reversão desse quadro. Bem ao contrário, agravou-o. Nesse perí-
odo, os estabelecimentos agropecuários do Estado sofreram um
ligeiro declínio: passaram de 169.667 em 1970, para 167.482 em
1980, o que representou uma redução da ordem de 1,3%. Esse
resultado é devido aos estabelecimentos com menos de 20 hecta-
res que, no período em foco, viram declinar o seu número em
mais de quatro mil unidades (v. quadro IX). Comportamento
inverso teve a área ocupada pelo total dos estabelecimentos ru-
rais. Essa passou de 4.582.832 hectares para 4.906.458 hectares, o
que significou um aumento da ordem de 7,1% (v. quadro IX).
Em conseqüência, tem-se a elevação da área média dos estabele-
cimentos bem como do índice de concentração da propriedade da
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 179

terra (v. quadro IX). O índice de Gini47 passou de 0,823 em 1970


para 0,829 em 1980 (HOFFMANN, 1982). Os menores e os
maiores estabelecimentos alteraram sua participação na área agrí-
cola recenseada. Os estabelecimentos com menos de 50 hectares
que ocupavam, em 1970, 25,5% da área total, viram cair essa par-
ticipação para 23,5% em 1980. Os menores de 20 hectares reduzi-
ram em dois pontos percentuais sua participação na área total (de
14,0% para 12,0%). Enquanto isso, a área ocupada pelos estabe-
lecimentos maiores de 500 hectares, que equivalia a 33,3% da área
agrícola total em 1970, passou a representar 34,5% em 1980 (v.
quadro IX).
A redução experimentada pelos pequenos estabe-
lecimentos reflete, de um lado, o processo de intensificação da
concentração fundiária que teve lugar na Paraíba nos anos 70 e,
de outro, a diminuição das possibilidades de acesso à terra, atra-
vés do arrendamento e de outros arranjos institucionais. Essa
redução pode ser atribuída, em parte, à incorporação das peque-
nas pelas médias e grandes unidades de produção. De fato, entre
1970 e 1980 os estabelecimentos rurais com mais de 100 hectares
cresceram 8,6%. Ela representa, também, uma importante mu-
dança de comportamento dos pequenos estabelecimentos rurais.
Como se sabe, uma das características da pequena
propriedade é a sua acentuada inclinação ao fracionamento, de-
corrente da sua subdivisão por motivo de herança. Daí, observar-
se tradicionalmente, não sua redução, mas, ao contrário, sua mul-
tiplicação. No caso específico da Paraíba, isso se confirma entre
1950 e 1970 pelo aumento tanto do número quanto da área dos
estabelecimentos com menos de 50 hectares. Esses passaram de
57.566 em 1950, para 153.979 em 1970, enquanto que sua área
quase duplicou no mesmo período (654.688 hectares em 1950
47O índice de Gini é uma medida de concentração. Ele varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo da
unidade, maior o grau de concentração. É importante ressaltar, que esse índice não considera os
trabalhadores sem terra. Ele mede o grau de concentração fundiária apenas entre os estabeleci-
mentos rurais existentes. Vale lembrar que o grau de concentração deve ser maior do que o indi-
cado pelo índice, visto que este não capta o fato de um mesmo titular possuir mais de um estabe-
lecimento.
179
180 Emília Moreira e Ivan Targino

contra 1.170.890 hectares em 1970). O que poderia explicar essa


reversão de tendência observada na década de 70?
Algumas hipóteses podem ser levantadas para
esclarecer o fenômeno:
a) a expansão da pecuária e da cana-de-açúcar,
atividades que exigem grandes extensões de terra para a sua ex-
ploração, teria contribuído para a incorporação dos pequenos aos
grandes estabelecimentos;
b) as políticas de crédito e assistência técnica diri-
gidas preferencialmente aos grandes produtores devem ter con-
tribuído para o fortalecimento da grande propriedade em detri-
mento da pequena;
c) a utilização dos recursos do Programa de Inte-
gração Nacional (PIN) e do PROTERRA para a aquisição de
terras, pode ter concorrido para a intensificação da concentração
fundiária;
d) a extensão do direito de aposentadoria aos tra-
balhadores rurais, aliada à intensa migração de jovens, teria esti-
mulado a venda dos pequenos lotes de terra;
e) a propaganda e o incentivo à aplicação de capi-
tal em cadernetas de poupança, através dos meios de comunica-
ção, podem ter levado uma parcela dos pequenos proprietários a
vender os seus lotes, acreditando que o rendimento da aplicação
lhes garantiria o futuro;
f) a incidência das estiagens prolongadas pode ter
obrigado os pequenos produtores a vender suas terras como for-
ma de assegurar a sobrevivência da família. Se o pequeno produ-
tor, em período climático estável, não consegue retirar da terra o
necessário para a sobrevivência sua e dos seus, em períodos de
estiagem prolongada, então, sobreviver significa, no mais das ve-
zes, vender seu sítio ao grande proprietário vizinho a um preço,
em geral imposto por este último, e migrar com a família para a
cidade à procura de melhor condição de sobrevivência. E a seca,
que já carrega em suas entranhas o estigma da morte, ceifando na
sua passagem a vida de milhares de crianças e adultos, é utilizada
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 181

para acentuar a pobreza e o estado de miséria em que vive o pe-


queno produtor, garantindo a ampliação das grandes proprieda-
des. A seca funcionaria como um fator de agravamento da ques-
tão fundiária.
Assinale-se que, embora a concentração fundiária
seja a característica marcante da distribuição fundiária como um
todo, existem diferenciações no grau desta concentração em nível
regional e municipal. Isso pode ser confirmado através da análise
do mapa de concentração fundiária do Estado de 1980 (MOREI-
RA,1996), o qual demonstra que:
a) em 34 municípios o índice de Gini era igual ou
superior a 0,80. Destes, quatorze situavam-se no Litoral, doze no
Agreste, e os demais dispersos na região semi-árida. Coinciden-
temente, é nas áreas de clima e solos mais favoráveis à atividade
agrícola que o acesso à terra é mais concentrado na mão de uma
minoria de pessoas. No Litoral e Agreste essas áreas correspon-
dem às de domínio da atividade canavieira;
b) em 70 municípios o índice variava entre 0,70 e
0,79, o que corresponde a uma também elevada concentração de
terra. Nesses municípios, podiam-se encontrar formas diferencia-
das de utilização do solo, tais como: a cana-de-açúcar (no Brejo),
a combinação gado-policultura alimentar (no Curimataú Orien-
tal), o sisal, o algodão arbóreo e a pecuária extensiva (no Curima-
taú Ocidental e Seridó Oriental), a combinação gado-algodão (no
Seridó Ocidental, no Cariri e em torno de Piancó, Sousa, Pombal
e Catolé do Rocha);
c) em 42 municípios o índice variava entre 0,60 e
0,69. Esses municípios acham-se localizados no extremo oeste do
Estado (em torno de Cajazeiras), em Itaporanga e circunvizinhan-
ça, onde a forma de organização do espaço agrário baseava-se na
atividade pecuária, na produção de algodão e da policultura ali-
mentar e na Serra de Teixeira onde, além da produção sisaleira, a
policultura alimentar assume até os dias atuais, uma posição ex-
pressiva. Incluem-se, ainda, nesse grupo, alguns municípios do
Seridó e do Agreste, além de Pitimbu, no Litoral;
181
182 Emília Moreira e Ivan Targino

d) em 20 municípios o índice variava entre 0,40 e


0,59. Esses municípios estão concentrados ao sul de Cajazeiras e
aparecem de modo disperso ao norte de Campina Grande (Ala-
goa Nova e Serra Redonda), no Curimataú (Cacimba de Dentro)
e na zona de influência de Guarabira (Lagoa de Dentro e Duas
Estradas), áreas onde se destaca a policultura alimentar;
e) em 05 municípios encontrava-se um grau muito
baixo de concentração fundiária (entre 0,20 e 0,39). Trata-se de
municípios voltados para a policultura alimentar e para a produ-
ção da batata-inglesa. Eles fazem parte das Microrregiões do
Agreste de Esperança e de Campina Grande;
O grau de concentração da propriedade fundiária
e as diferenças espaciais desta concentração são também eviden-
ciados pelos mapas relativos à participação dos estabelecimentos
menores de 50 e maiores de 500 hectares no número e na área
total dos estabelecimentos contidos no Atlas de Geografia Agrá-
ria da Paraíba (MOREIRA,1996). Da análise desses mapas, alguns
aspectos da realidade fundiária se destacam. Entre esses, podem-
se apontar:

 na quase totalidade dos municípios paraibanos, a participação


dos estabelecimentos com menos de 50 hectares em relação ao
número total de estabelecimentos era superior a 60,0%, em
1980. Comportamento inverso é verificado relativamente à sua
participação na área total dos estabelecimentos. Pode-se até
afirmar que um mapa se constitui na "negativa" do outro;

 os municípios onde mais de 90,0% dos estabelecimentos ti-


nham menos de 50 hectares concentravam-se em três unidades
regionais distintas: Litoral, Agreste e Serra de Teixeira: o que
vale dizer, que a menor participação dos estabelecimentos pe-
quenos é encontrada nas regiões mais caracteristicamente se-
mi-áridas e onde a ocupação se deu sob a égide da pecuária ex-
tensiva;
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 183

 as menores participações dos estabelecimentos com menos de


50 hectares na área total dos estabelecimentos são encontradas
em municípios da franja litorânea, do Agreste Baixo, do Cariri
e do Seridó Oriental;

 a microrregião do Agreste de Esperança constitui, no contexto


estadual, uma exceção quanto à forma como nela se distribui a
propriedade da terra. Nessa região, a participação dos estabe-
lecimentos com menos de 50 hectares é predominante tanto
em relação ao número quanto em relação à área total dos esta-
belecimentos. Chama-se a atenção também para o fato de,
nessa região, não ter sido registrado, pelo Censo Agropecuário
de 1980, qualquer estabelecimento com área superior a 500
hectares. Daí, definir-se o Agreste de Esperança como área
minifundiária por excelência. A particularidade dessa região já
foi destacada na análise do índice de Gini;

 diferentemente do que ocorre com os estabelecimentos rurais


menores de 50 hectares, nos municípios onde os estabeleci-
mentos com área igual ou superior a 500 hectares tinham as
mais altas taxas de participação em relação ao número dos es-
tabelecimentos, aí também ocorriam as mais altas participações
em relação à área, como era de se esperar;

 as maiores taxas de participação desses estabelecimentos na


área total ocorriam no Litoral, na porção meridional do Agres-
te Baixo, na porção ocidental do Agreste, no Cariri, em torno
de Patos e ao norte da microrregião de Catolé do Rocha. Nes-
sas regiões, os grandes estabelecimentos detinham mais de
40,0% da área agrícola, merecendo destaque sete municípios
do Litoral onde tal participação era superior a 60,0% (MO-
REIRA,1996);

183
184 Emília Moreira e Ivan Targino

 a faixa do extremo oeste do Estado (principalmente ao sul de


Cajazeiras), deve ser sublinhada. Nela, de um modo geral,
eram baixas as participações tanto das pequenas quanto das
grandes unidades de produção, quer em relação ao número,
quer em relação à área total dos estabelecimentos. Daí, encon-
trarem-se na região de Cajazeiras baixos índices de concentra-
ção da propriedade fundiária em relação à média estadual. Di-
zendo de outra forma, os pequenos valores do índice de Gini,
nessa região, antes de representarem um acesso mais democrá-
tico à terra, exprimem um menor coeficiente de dispersão das
distribuições dos estabelecimentos segundo a área e o número.
Em resumo, embora a concentração seja a marca
maior da estrutura fundiária paraibana, verifica-se uma diferencia-
ção espacial nesse padrão. A análise das participações dos peque-
nos e grandes estabelecimentos no total do número e da área dos
estabelecimentos agropecuários reforça as diferenciações regio-
nais de concentração da propriedade rural mostradas pelo índice
de Gini para o ano de 1980. O Litoral, o Cariri (ocidental e orien-
tal) e o Seridó Oriental eram as regiões que apresentavam as mai-
ores concentrações de terra nas mãos de poucos proprietários.
No outro extremo da escala, em oposição ao Litoral latifundiário-
monocultor, estava a região do Agreste de Esperança, área mini-
fundiária e policultora por excelência.
No que se refere ao período de 1980 a 1985, certas
alterações foram identificadas na estrutura fundiária da Paraíba.
De fato, como pode ser visto no quadro IX, no
qüinqüênio 1980/1985 a área média dos estabelecimentos rurais
da Paraíba decresceu em relação à década anterior; o índice de
Gini também apresentou uma ligeira redução; a participação dos
estabelecimentos menores de 50 hectares na área total aumentou,
enquanto a dos estabelecimentos maiores de 500 hectares diminu-
iu.
O que explicaria essa aparente reversão de tendên-
cia?
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 185

Analisando mais detalhadamente os dados relati-


vos a 1985, observa-se que o aumento da participação dos peque-
nos estabelecimentos na área total deve-se exclusivamente à ex-
pansão dos menores de 10 hectares. Eles aumentaram sua partici-
pação de 66,86% em 1970 para 72,84% em 1985. A área ocupada
por tais estabelecimentos, embora tenha crescido, não acompa-
nhou o mesmo ritmo do crescimento do seu número, contribuin-
do para a redução do seu tamanho médio de 3,0 hectares, no iní-
cio do período em foco, para 2,6 hectares no final do período (v.
quadro X).
A diminuição da participação dos grandes estabe-
lecimentos, por sua vez, deve-se aos maiores de 1000 hectares.
Eles representavam 0,34% do total dos estabelecimentos em
1980; em 1985 passaram a representar 0,27%. A sua participação
na área total declinou no período de 22,19% para 19,96% (v.
quadro X).
Ao mesmo tempo em que se verificam essas alte-
rações nos extremos da distribuição dos estabelecimentos, os
situados entre 10 e 20 hectares continuaram o processo de retra-
ção observado na década anterior. Entre 1980/1985 essa retração
foi comum também aos estabelecimentos situados entre 20 e 50
hectares. Concomitantemente, as médias e grandes unidades pro-
dutivas entre 100 e 1000 hectares mantiveram a tendência de
crescimento do número e da área observada entre 1970/1980 (v.
quadro X).
Esses indicadores parecem apontar para uma esta-
bilização ou melhoria no padrão de concentração da posse da
terra no Estado. Todavia, alguns aspectos precisam ser levados
em consideração antes de se chegar a tal conclusão.
Em primeiro lugar, faz-se necessário frisar que, na
Paraíba, entre 1980 e 1985, fortaleceram-se a organização dos
trabalhadores e a ação sindical, surgiram as primeiras greves de
canavieiros no campo e multiplicaram-se os conflitos pela posse
da terra. Isto teria gerado uma corrida por parte dos grandes pro-
prietários em direção ao desmembramento de suas propriedades a
185
186 Emília Moreira e Ivan Targino

fim de evitar possíveis ações desapropriatórias. À subdivisão da


propriedade, seguia-se a transferência de titularidade para os
membros mais próximos da família. Uma pequena amostra desse
procedimento pode ser identificada no Incra, em processos de
diversos conflitos de terra que eclodiram no período. Pode-se
afirmar com segurança que entre 1980 e 1985, à subdivisão da
grande propriedade por motivo de herança, quando da morte do
proprietário, somou-se esta outra forma de subdivisão por trans-
ferência de titularidade, com o proprietário em vida, como forma
de driblar possíveis ações de desapropriação por parte do Estado.
Esse procedimento se intensificará a partir de 1985 com a implan-
tação do I Plano Nacional de Reforma Agrária.
Em segundo lugar, a diminuição do tamanho mé-
dio dos estabelecimentos com menos de 10 hectares parece indi-
car que parte da sua expansão se deu em função do seu próprio
fracionamento. Em outras palavras, o crescimento da pequena
propriedade familiar, observado no qüinqüênio 1980/1985, pode
ser fruto tanto do ganho de terras por parte dessas pequenas uni-
dades produtivas,48 quanto da pulverização dos pequenos estabe-
lecimentos e da conseqüente intensificação do processo de mini-
fundização resultante da subdivisão por herança.
A continuidade do processo de redução dos esta-
belecimentos maiores de 10 e menores de 20 hectares e o decrés-
cimo em número e área dos maiores de 20 e menores de 50 hec-
tares não só reforça esta hipótese do fracionamento da pequena
unidade produtiva, como sugere que parte das terras ganha pelos
microestabelecimentos resulta muito mais desta subdivisão do
que da incorporação de terras oriundas das grandes unidades de
produção.
Em terceiro lugar, pode-se ainda atribuir o cresci-
mento da pequena propriedade49 nos primeiros anos da década de

48 De fato, entre 1980 e 1985 os pequenos estabelecimentos (com área inferior a 10 hectares) com
terras próprias cresceram 28,9% (passaram de 50,6 mil para 65,2 mil).
49Aqui entendida como sinônimo de pequeno estabelecimento, não deve ser confundida com a
pequena propriedade minifundiária identificada pelo Incra.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 187

80 à luta dos trabalhadores por terra. Sabe-se que na Paraíba a


resistência camponesa à expulsão-expropriação promovidas pela
expansão das atividades canavieira e pecuária e os conflitos daí
resultantes foram responsáveis pela desapropriação de 41.246
hectares de terra e pela aquisição e transferência de mais de 4.000
hectares para assentamento de população no período50. Acredita-
se que essa contribuição dos trabalhadores para a melhoria do
padrão fundiário do Estado, através da luta por terra, deve ter
crescido substancialmente a partir de 1985. O aumento do núme-
ro de conflitos agrários e a solução de vários deles via desapropri-
ação e compra de propriedades efetuadas pelo Incra, sobretudo a
partir de 1993 e o assentamento subseqüente de trabalhadores
nessas áreas, situadas principalmente no Litoral e no Agreste pa-
raibanos, deve ter contribuído neste período mais recente para
diminuir o número dos excluídos do direito de acesso à terra na
Paraíba. O próximo Censo possivelmente comprovará essa in-
formação.
Em suma, pode-se inferir, a partir do exposto, que
embora se tenha observado um aumento do acesso à terra por
parte do pequeno produtor no período de 1980/1985, o padrão
de concentração da propriedade fundiária no Estado (com índice
de Gini de 0,815 em 1985) ainda é muito alto. Em muitos muni-
cípios, sobretudo do Agreste e do Cariri (oriental e ocidental), ele
foi até mesmo reforçado (comparar os mapas de concentração da
terra de 1980 e 1985 in: MOREIRA,1996).
Os municípios que se distinguiam em 1985 como
os que possuíam a mais elevada concentração da propriedade da
terra no Estado (índice de Gini superior a 0,90) eram, respectiva-
mente: Cabedelo (0,939)51; Santa Rita (0,934); Cruz do Espírito
Santo (0,920); Rio Tinto (0,917) e Pilar (0,904), todos situados na

50Ver a respeito o capítulo referente aos movimentos sociais no campo.


51Deve-se considerar o município de Cabedelo como uma exceção, uma vez que ele é essencial-
mente urbano. A atividade agropecuária, se é que assim pode ser considerada, restringe-se a
pequenas granjas onde o coco-da-baía e uma pecuária incipiente estão a cada dia cedendo lugar aos
loteamentos de veraneio e a habitações secundárias.
187
188 Emília Moreira e Ivan Targino

Mesorregião da Mata Paraibana. No outro extremo, os municí-


pios que apresentavam a melhor distribuição da posse da terra em
1985 eram: Baía da Traição (0,206)52; Lagoa Seca (0,302); Puxina-
nã (0,329) e São Sebastião da Lagoa de Roça (0,279). Alguns ou-
tros municípios também se distinguiam pela baixa concentração
fundiária. Eram eles: Tavares (0,498); Areial (0,426); Alagoa Nova
(0,474) e Montadas (0,424). Todos estes municípios tiveram o
grau de concentração aumentado entre 1980 e 1985 (v. mapas da
concentração da terra in: MOREIRA:1996).
É importante também destacar, ao se estudar a
estrutura fundiária de um Estado como o da Paraíba, que o pro-
blema não se resume apenas à desigual distribuição da terra entre
proprietários. Essa é apenas uma face do problema. A outra face,
tão ou mais importante que a anterior, é aquela representada pelo
grande número de trabalhadores sem terra. Não se dispõe de da-
dos conclusivos que possibilitem precisar o número de trabalha-
dores sem terra no Estado. No entanto, a partir de alguns dados
censitários, pode-se ensaiar uma estimativa precária. Em 1980,
foram recenseados 167.485 estabelecimentos agropecuários. Na-
quele mesmo ano, o Censo registrava 234.859 famílias residentes
na zona rural. Mesmo supondo-se que cada estabelecimento per-
tence a uma família (o que não ocorre), resultaria que cerca de 67
mil famílias residentes na zona rural não tinham a propriedade da
terra. Deve-se lembrar outro fator que concorre para a subesti-
mação: naquele número não estão incluídas as famílias que, em-
bora residentes nas cidades, tinham a sua força-de-trabalho ocu-
pada nas atividades primárias.
A permanência de altos índices de concentração
da propriedade fundiária faz com que a Reforma Agrária perma-

52Chama a atenção esse dado obtido através do Censo de 1985 para o município de Baía da
Traição. Isto porque esse município apresentava um dos mais altos índices de concentração da
propriedade da terra do Estado em 1980. Por outro lado, nele não se constatou, entre 80/85,
nenhum fato que justificasse uma mudança tão radical no seu padrão de concentração da proprie-
dade da terra (política agressiva de reforma agrária ou multiplicação das áreas de conflito, etc.).
Pode-se supor a partir daí que tenha havido alguma falha no levantamento ou no processamento
das informações em nível censitário, seja superdimensionando os indicadores relativos a 1980, seja
subdimensionando-os em 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 189

neça na ordem do dia. O discurso conservador tem tentado mos-


trar que esse é um tema superado, arcaico, ultrapassado. O pro-
gresso técnico, a subordinação real da agricultura ao capital, a
verticalização e integração do processo produtivo teriam trans-
formado o agro brasileiro tão radicalmente que a estrutura fundiá-
ria não se constituiria mais em empecilho para o desenvolvimento
sócio-econômico do país. Segundo esta visão, a realização de uma
reforma agrária, isto sim, constituir-se-ia em um problema. Iria
subtrair terras de empresas competentes para entregá-las a pesso-
as sem capacidade de gerenciamento e sem condições de capitali-
zação. Exemplificam tais afirmações com o que tem ocorrido em
certas áreas desapropriadas para fins de Reforma Agrária.
A análise do caso paraibano mostra alguns pontos
importantes:

 a modernização da agricultura, conforme visto no capítulo 3,


concorreu para a pecuarização e para o fortalecimento da mo-
nocultura, tornando o setor primário estadual como que refém
do gado e da cana;
 o crescimento da riqueza produzida não se deu concomitan-
temente com a sua distribuição, o que vale dizer que as condi-
ções de vida da população trabalhadora rural não foram me-
lhoradas na mesma proporção (v. cap. 3);
 as relações de trabalho, como será visto no capítulo 7, foram
modernizadas. Isto é, foram quebradas as ligações do traba-
lhador com a terra ao se reduzir a parceria, o arrendamento e a
morada. O trabalhador, para garantir sua sobrevivência, passa
a depender apenas da venda de sua força-de-trabalho;
 ao tempo em que o trabalho se apresenta “livre”, reduz-se o
requerimento da força-de-trabalho por hectare explorado, em
virtude das mudanças nas relações técnicas de produção;
 o desenraizamento do trabalhador em relação à terra enquanto
fonte de alimento (e, parcialmente, de trabalho) leva-o à mu-

189
190 Emília Moreira e Ivan Targino

dança de habitat, indo residir nas periferias urbanas. É intenso


o êxodo rural no período (v. capítulo 6).
Tem-se como resultado o aguçamento dos pro-
blemas sociais, colocando em risco o ordenamento social estabe-
lecido. Não fosse por outras razões, o quadro social que se dese-
nha com as cores dramáticas da miséria, da fome, da marginalida-
de, da estruturação de poderes paralelos ao do Estado traz a ques-
tão agrária para a ordem do dia. Em vez de problema superado, é
um problema a ser superado e com certa urgência.
Além das razões apontadas acima para a necessi-
dade de democratização da propriedade fundiária, importa desta-
car o papel desempenhado pela pequena propriedade tanto no
que se refere à sua capacidade de absorção da mão-de-obra, quan-
to à produção agropecuária, em especial, na produção das princi-
pais lavouras de subsistência. As estatísticas oficiais confirmam tal
assertiva. Em 1980, por exemplo, eram os pequenos estabeleci-
mentos que absorviam a maior parte de mão-de-obra ocupada no
setor primário. Das 648,6 mil pessoas ocupadas na agropecuária,
624,8 mil (96,33%) eram absorvidas pelos estabelecimentos de até
50 hectares. Só nos menores de 10 hectares estava ocupada
43,79% da força-de-trabalho do setor. Eram ainda os estabeleci-
mentos menores de 50 hectares que respondiam por 48,6% do
valor da produção agropecuária (49,8% da produção animal e
47,9% da produção vegetal). No caso das culturas do milho, do
feijão e da mandioca, a participação dos pequenos estabelecimen-
tos no total do valor da produção agrícola estadual era de 74,9%,
82,4% e 88,5% respectivamente (v. quadro XI).
As médias e grandes propriedades são obrigadas a
organizar suas atividades tendo em vista a obtenção do lucro,
conseqüência da subordinação da agricultura ao capital. Daí vol-
tar-se para aquelas atividades e culturas cuja rentabilidade seja
sustentada pelo mercado ou pelas políticas governamentais. As
culturas onde os riscos são maiores, como é o caso das culturas
alimentares tradicionais, na Paraíba, são deixadas para a pequena
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 191

produção. Aí, a organização familiar da produção tem maior elas-


ticidade de absorção dos riscos climáticos e mercadológicos.
Do exposto, o que se apreende é que a pequena
produção não é tão ineficiente quanto apregoam os arautos do
latifúndio. "Ineficiência" sempre evocada como argumento contra
a reforma agrária.

191
192 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO IX

ESTADO DA PARAÍBA
INDICADORES DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA
1970, 1980, 1985

ESTATÍSTICAS 1970 1980 1985


Mil estabelecimentos com decla- 169,6 167,4 203,2
ração de área
Área total (milhões de hectares) 4,5 4,9 4,8
Área média (hectares) 27 29 23,9
Índice de Gini 0,823 0,829 0,815
Estabelecimentos menores de 25,5 23,5 24,5
50 ha/área total
Estabelecimentos menores de 20 14,0 12,0 13,5
ha/área total
Estabelecimentos maiores de 500 33,3 34,5 32,6
ha/área total
Fonte: FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba, 1970, 1980, 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 193

QUADRO X

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA
1970/1980/1985

1970 1980 1985


CLASSE No. DE ÁREA No. DE ÁREA No. DE ÁREA
DE ESTS. DOS ESTS. DOS ESTS DOS
ÁREA % ESTS. % % ESTS % % ESTS. %
(ha) (ha) (ha) (ha)
0-10 115.842 68,28 372.292 8,12 11.981 66,86 345.993 7,05 148.052 72,84 393.527 8,08
10-20 20.965 12,36 279.411 6,09 20.471 12,22 270.953 5,52 20.329 10,00 268.586 5,51
20-50 17.172 10,12 519.187 11,33 17.869 10,67 539.189 10,99 17.737 8,73 535.432 10,99
50-100 7.290 4,30 493.168 10,76 7.992 4,77 544.281 10,09 7.940 3,91 540.245 11,09
100-200 4.165 2,45 556.232 12,14 4.477 2,73 612.605 12,49 4.627 2,27 618.401 12,69
200-500 2.861 1,69 835.741 18,24 3.052 1,82 897.277 18,29 3.117 1,53 923.916 18,97
500-1000 817 0,48 547.005 11,94 905 0,54 607.426 12,38 921 6,45 619.082 12,71
1000 e + 530 0,31 979.796 21,38 563 0,34 1.088.734 22,19 541 0,27 972.224 19,96
s/área 25 0,01 – – – – – – – – – –
declarada
TOTAL 169.667 100,00 4.582.832 100,00 167.485 100,00 4.906.458 100,00 203.264 100,00 4.871.413 100,00
Fonte: FIBGE. Censos Agropecuários da Paraíba, 1970, 1980 e 1985.

193
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 195

QUADRO XI

ESTADO DA PARAÍBA
PESSOAL OCUPADO E VALOR DA PRODUÇÃO ANI-
MAL E VEGETAL, SEGUNDO AS CLASSES DE ÁREA
1980

VALOR DA VALOR DA
CLASSES PESSOAL PRODUÇÃO PRODUÇÃO
DE ÁREA OCUPADO ANIMAL VEGETAL
(ha) (CR$ 1.000) (CR$ 1.000)
- 10 333.753 1.445.375 3.425.377
10 - 20 82.900 634.833 934.430
20 - 50 83.385 962.843 1.250.437
50- 100 47.093 663.417 899.198
100 - 1.000 83.548 1.806.825 3.585.934
1.000 - 10.000 17.719 586.843 1.598.760
10.000 e mais 112 6.049 1.934
s/declaração 97 – –
TOTAL 648.607 6.109.285 11.696.923
Fonte: FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba, 1980.

195
196 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA
FIBGE. Censos agropecuários da Paraíba, 1970, 1980 e 1985.
__________ Censo demográfico da Paraíba, 1980.
HOFFMANN, R. “Evolução da desigualdade da distribuição da posse da terra no Brasil no
período 1960-80”. In: Revista Brasileira de Reforma Agrária. Campinas 12(6),
Nov/Dez., 1982.
MOREIRA, Emilia de Rodat F. Evolution et transformations récentes de l'organisation
agraire de la Paraíba. Paris. Tese de Doutorado, 1988.
__________ Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Ed. Universitária, 1996.
SAMPAIO & SILVA. “A questão agrária no Brasil: o que realmente mudou nos anos 80/85?” In:
Revista Brasileira de Reforma Agrária. Campinas, 17(3) Dezembro 87/maio 88.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 197

5. MODERNIZAÇÃO TÉCNICA DA
AGROPECUÁRIA ESTADUAL

“Adubos, debulhadoras a vapor, progressos


da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma
ciência!
Ó mostruários dos caxeiros-viajantes
Dos caxeiros viajantes, cavaleiros andantes
da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos
calmos escritórios!
Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó úl-
timos figurinos!
Ó artigos inúteis que todo mundo quer com-
prar!
Olá grandes armazéns com várias seções!
Olá anúncios elétricos que vêm e estão e de-
saparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que
hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, no-
vos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente
mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submari-
nos, aeroplanos!

Versos do poema “Ode Triunfal”de Fernando Pessoa

O processo recente de modernização da agricultu-


ra brasileira subentendeu a sua subordinação às necessidades de
acumulação capitalista.
Ao subordinar-se às leis do lucro, a agricultura
necessita aumentar a produtividade do trabalho, ou seja, ela ne-
cessita que cada trabalhador produza mais em menos tempo. Isso
só é possível de obter-se aumentando a jornada e/ou intensifi-
197
198 Emília Moreira e Ivan Targino

cando o ritmo de trabalho das pessoas. Para tal, se faz necessário


uma mudança nas relações técnicas de produção, o que leva a
uma integração maior da agricultura com a indústria, seja como
compradora de adubos, máquinas e defensivos, seja como vende-
dora de matérias-primas.
No Brasil, a implantação da indústria pesada entre
1955 e 1961, a consolidação do Complexo Agroindustrial, a cria-
ção de um Sistema de Crédito Nacional, a intensificação do pro-
cesso de urbanização e a ação do Estado através da implementa-
ção de políticas agrícolas destinadas a favorecer e incentivar a
aquisição dos produtos da indústria pelos produtores rurais (so-
bretudo os médios e grandes), constituíram a mola mestra da
"modernização conservadora da agricultura". Do ponto de vista
tecnológico, essa modernização apoiou-se em dois elementos
básicos: a quimificação e a mecanização.
Segundo Kageyama e Silva, na década de 70 o
consumo aparente de defensivos agrícolas no Brasil cresceu a taxa
de 7,2% ao ano, tendo sido os herbicidas que apresentaram as
maiores taxas. O consumo de fertilizantes também cresceu muito,
a uma taxa geométrica real média de 15,5% ao ano e o número de
tratores utilizados nos estabelecimentos agropecuários multipli-
cou-se por três (KAGEYAMA & SILVA, 1983:542/543).
Essa incorporação do progresso técnico propicia-
do pelo processo de modernização da agricultura se processou,
porém, de forma espacialmente desigual. Ela foi bem mais intensa
no Centro-Sul do país do que nas regiões Norte e Nordeste.
Exemplo disso é a concentração de 80,9% do número de tratores
existentes no país em 1980, nas regiões Sul e Sudeste contra 7,4%
no Norte e Nordeste. Em nível estadual, São Paulo distinguia-se
com 25,9% do total de tratores utilizados no setor agropecuário
nacional, seguido do Rio Grande do Sul (com 22,4%), do Paraná
(com 15,4%), e de Minas Gerais (com 8,9%) (FIBGE, 1980:54).
Enquanto isso, na Paraíba, existiam em 1980 menos de 1,0% do
total nacional. Considerando-se o uso de trator como o principal
elemento da mecanização da agricultura brasileira, este dado refe-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 199

rente à Paraíba pressupõe um processo de modernização bastante


modesto.
O processo mais atenuado de modernização da
agricultura paraibana em relação ao Centro-Sul do país é também
evidenciado pelos seguintes indicadores relativos ao ano de 1980:
a) apenas 3,8% dos estabelecimentos agropecuá-
rios utilizavam adubos químicos;
b) o número de arados mecânicos existentes era
inferior a 3.000 para um total de 167.485 estabelecimentos rurais
(em média, para cada mil estabelecimentos existiam 13,5 arados
mecânicos);
c) o gasto dos estabelecimentos com defensivos
agrícolas correspondia a 1,6% do total de suas despesas, e;
d) a área irrigada representava apenas 0,4% da área
dos estabelecimentos rurais existentes no Estado.
Esses baixos valores indicam um grau ainda muito
baixo de tecnificação da agricultura paraibana em 1980. Todavia,
quando comparados aos valores existentes em 1970, eles deixam
transparecer, em nível estadual, um movimento ascendente repre-
sentado, sobretudo, pela intensificação da utilização de processos
mecânicos (tratores, arados, colhedeiras) e de insumos químicos
(fertilizantes, corretivos, defensivos).
Esse movimento ascendente pode ser constatado
através:
a) do crescimento observado no número de trato-
res existentes. Esses passaram de 822 em 1970, para 3.109 em
1980, o que significou um aumento de 2.287 unidades, corres-
pondente a um crescimento relativo de 278,2%;
b) da redução da área média por trator utilizado.
Essa, que era de 5.575,2 hectares em 1970, declinou para 1.578,1
hectares em 1980;
c) da redução da média dos estabelecimentos
agropecuários por trator utilizado, de 206 para 54 no mesmo pe-
ríodo;

199
200 Emília Moreira e Ivan Targino

d) do crescimento do número de arados mecâni-


cos que, de 659 em 1970, passaram para 2.275 em 1980, o que
significou um aumento absoluto da ordem de 1.616 arados (equi-
valente a um crescimento relativo de 245,2%);
e) do declínio da área média utilizada por arado
mecânico, de 6.954,2 hectares em 1970 para 2.156,7 hectares em
1980;
f) da redução da média dos estabelecimentos por
arado mecânico utilizado, que caiu de 257 para 73 no mesmo
período.
g) do aumento da disponibilidade de tratores em
relação à força-de-trabalho que mais do que triplicou: de 1,4 tra-
tor, passou para 4,8 trator por 1.000 pessoas ocupadas na agricul-
tura no período de 1970/1980. Este aumento foi superior ao veri-
ficado em nível nacional. De acordo com Kageyama e Silva, no
Brasil, no mesmo período, a disponibilidade de tratores por pes-
soa ocupada não chegou a triplicar. Ela passou de 9,4 para 25,1
trator por 1.000 pessoas ocupadas (KAGEYAMA & SILVA,
1983: 544).
Além desses indicadores do crescimento da meca-
nização referentes à década de 70, observou-se ainda um impor-
tante aumento do número de estabelecimentos que passaram a
utilizar adubos químicos. De 579 em 1970, eles chegaram a atingir
um número superior a 6.000 em 1980. Tem-se também um au-
mento bastante significativo dos gastos dos estabelecimentos com
defensivos agrícolas (de Cr$ 1.777 milhões em 1970 passaram
para Cr$ 72.423 milhões53 em 1980) e dos gastos com adubos e
corretivos que deu um salto de Cr$ 4.389 milhões em 1970 para
Cr$ 270.572 milhões54 em 1980.
Esse fortalecimento da mecanização e da utiliza-
ção de fertilizantes e defensivos químicos foi disseminado em
todas as Microrregiões do Estado. Existem, porém, diferenças

53Em Cr$ de 1970.


54Em Cr$ de 1970.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 201

espaciais quanto à sua intensidade, evidenciados nos mapas do


Atlas de Geografia Agrária da Paraíba (v. MOREIRA,1996). Da
análise desses mapas, pode-se inferir que:
a) em 1980, a área que concentrava o maior núme-
ro de tratores do Estado coincidia com a Mesorregião da Mata
Paraibana, que detinha 32,7% do total dos tratores existentes.
Merecem destaque as Microrregiões do Litoral Sul e de Sapé (com
mais de 21,0% do total estadual). Destinguem-se também as Mi-
crorregiões sertanejas de Sousa e Catolé do Rocha (com 12,3%) e
a Microrregião de Monteiro, no Cariri Ocidental (com 8,8% do
total);
b) embora na maioria dos municípios do Estado o
número de tratores tenha crescido mais de 100,0% na década de
70, merecem ser sublinhados os que compõem o Litoral Sul, Ita-
pororoca e Jacaraú no Litoral Norte, além de alguns municípios
do Curimataú, do Cariri Ocidental e do Sertão (v. mapa que trata
do crescimento dos tratores entre 1970 e 1980 in: MOREIRA,
1996);
c) em 1980, era ainda pequeno o uso de colhedei-
ras mecânicas. Apenas 219 foram cadastradas pelo Censo, das
quais 32,0% se encontravam nos municípios de Santa Rita, Cruz
do Espírito Santo, Sapé, Caaporã e Juripiranga, municípios estes
onde foi muito forte o avanço da atividade canavieira no período;
d) a utilização do arado de tração animal era co-
mum a todo o Estado. Todavia, os arados mecânicos eram en-
contrados em maior número no Litoral. A Mesorregião da Mata
detinha em 1980 31,3% do total de arados mecânicos existentes
no Estado com destaque para a Microrregião de Sapé com 13,0%
do total estadual;
e) o crescimento do número de arados mecânicos
nos anos 70 também foi maior no Litoral, sobretudo no Litoral
Sul. Taxas de crescimento superiores a 500,0% foram registradas
ainda no Agreste, no Cariri, no Seridó Ocidental, em torno de
Patos, de Sousa e de Cajazeiras;

201
202 Emília Moreira e Ivan Targino

f) nas Microrregiões do Agreste de Esperança, de


Teixeira e Catolé do Rocha, áreas que se distinguem, seja pela
predominância da pequena e média propriedade, seja pelo relevo
montanhoso, pouca ou nenhuma mudança foi observada no que
tange à mecanização da atividade agropecuária na década de 70;
g) no que se refere à utilização de adubos quími-
cos, destaca-se mais uma vez a Mesorregião da Mata Paraibana,
seguida, em grau de importância, da Microrregião de Sousa e, no
Agreste, das Microrregiões do Curimataú Oriental, do Brejo, de
Esperança e de alguns municípios do Agreste Baixo (v. mapa
concernente in: MOREIRA, 1996).
O que sobressai da análise efetuada é que a melho-
ria do padrão técnico adotado pela agropecuária foi maior na área
de tradição canavieira e nas de expansão recente da cana-de-
açúcar situadas no Litoral e no Agreste, isto é, nas áreas de maior
atuação do Proalcool. Ela foi também importante em algumas
Microrregiões sertanejas, em particular, naquelas onde a expansão
da atividade pecuária se deu de modo significativo.
É importante ressaltar também que a intensifica-
ção do processo de mecanização foi mais expressiva nas maiores
que nas menores unidades de produção. Exemplo disso é que o
crescimento do número de tratores nos estabelecimentos maiores
de 200 hectares foi equivalente a cerca de 60,0% do aumento
observado para o conjunto do Estado.
Nas pequenas propriedades, as inovações tecnoló-
gicas só foram parcialmente absorvidas. Ressaltam-se, particular-
mente, aquelas cuja introdução depende de uma escala mínima de
produção e são mais onerosas, como a mecanização. Em 1980,
do total de tratores e arados mecânicos utilizados, apenas 15,9% e
13,7%, respectivamente, pertenciam aos pequenos estabelecimen-
tos. Em contrapartida, do total dos estabelecimentos que utiliza-
vam adubos químicos e defensivos agrícolas 80,1% e 85,8%, res-
pectivamente, eram menores de 50 hectares. O que vale dizer,
que a tendência da tecnificação dos pequenos produtores da Para-
íba, do mesmo modo que acontece para o conjunto do país, é de
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 203

absorver principalmente as tecnologias físico-químicas e, num


grau muito menor, as tecnologias mecânicas.55 Este dado é preo-
cupante uma vez que se sabe que não existe controle e muito
menos uma difusão das formas adequadas de utilização de agro-
químicos, sobretudo nas pequenas unidades de produção. E são
exatamente estas que se responsabilizam pelo grosso da produção
de alimentos que é consumido pela população.
Evidencia-se assim o caráter parcial e desigual do
processo de modernização. No que tange à mecanização, ela se
restringiu a alguns produtos, em especial ao abacaxi e à cana,
atingiu apenas algumas fases do ciclo produtivo e se incrustou nas
médias e grandes propriedades. No caso das tecnologias físico-
químicas, pode-se até dizer que sua difusão foi mais "democráti-
ca", uma vez que ela atingiu todos os segmentos de propriedade e
todos os tipos de produtores.
Essa modernização desigual é responsável tanto
pela acentuação das disparidades intra e extra-regionais, como
pela intensificação da sazonalidade do trabalho agrícola, pelo
agravamento do êxodo rural e por uma maior concentração da
renda e da posse da terra.
Esse progresso técnico observado na agricultura
paraibana na década de 70, mesmo atenuado, só foi possível gra-
ças à ação do Estado. Este, não só subsidiou a aquisição de insu-
mos, máquinas e equipamentos poupadores de mão-de-obra, co-
mo, através do Proalcool, propiciou a ampliação do parque indus-
trial sucro-alcooleiro estadual.
Faz-se necessário chamar a atenção para o fato de
que esse avanço do processo de tecnificação da agricultura não
persistiu com o mesmo ritmo e intensidade nos primeiros anos da
década de 1980. Ao contrário, o que se observou, notadamente
no que se refere ao avanço da mecanização, foi uma reversão de

55 Leia-se a respeito da relação entre tecnologia e campesinato no Brasil, o artigo de José Graziano
da Silva: “Tecnologia e Campesinato: o caso brasileiro”. In: A pequena produção agrícola. Santa
Maria, V Encontro Nacional de Geografia Agrária, 1984.
203
204 Emília Moreira e Ivan Targino

tendência. O número de tratores declinou de 3.109 em 1980 para


2.884 em 1985 (-7,2% no período) e o de arado mecânico de
2.275 para 2.119 (-6,8% no período). Do ponto de vista espacial,
a única região onde o número de tratores continuou crescendo foi
a Zona da Mata, área de mais forte expressão do avanço da cana-
de-açúcar no Estado e onde se concentra a produção do abacaxi,
cultura que é grande absorvedora de tecnologia. Esse crescimento
porém, foi expressivamente mais modesto que o observado no
período anterior. No que se refere aos arados mecânicos, não se
observou nenhum incremento em qualquer unidade espacial, ao
contrário, os dados regionais reproduzem a realidade constatada
para o conjunto do Estado. Outros indicadores confirmam o ar-
refecimento do processo modernizador da agricultura estadual na
primeira metade dos anos 80:
a) a área média utilizada com tratores e arados
mecânicos aumenta (1.689,3 ha/trator em 1985 contra 1.578,1 em
1980 e 2.299,2 ha/arado mecânico em 1985 contra 2.156,7 em
1980);
b) o número médio de estabelecimentos por trator
e arado mecânico cresce no período (de 54 para 70 estabeleci-
mentos/trator e de 73 para 95 estabelecimentos/arado mecânico).
c) apenas as colhedeiras mecânicas apresentaram
um crescimento positivo no período (de 36,9%). Este crescimen-
to, porém, foi concentrado em cinco municípios canavieiros: San-
ta Rita, Pedras de Fogo, Sapé, Alhandra e Mamanguape (com
mais de 60% do crescimento observado para o conjunto do Esta-
do).
A partir das informações colhidas, o que se pode
deduzir é que a continuidade do processo de tecnificação da agri-
cultura paraibana nesse período limitou-se basicamente à incorpo-
ração das tecnologias físico-químicas. De fato, o número de esta-
belecimentos agrícolas que utilizam adubos químicos cresceu en-
tre 1980 e 1985 7,17% ao ano (o que representou um aumento
absoluto da ordem de 2.672 estabelecimentos). Este crescimento,
embora mais concentrado nas regiões produtoras de cana e aba-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 205

caxi, também foi observado em municípios sertanejos como em


Paulista, Pombal, Sousa, Sumé e Teixeira, no Seridó Ocidental, na
região minifundiária policultora de Esperança, em Campina
Grande, Massaranduba e Natuba. As despesas dos estabelecimen-
tos com adubos químicos e corretivos também aumentou de
6,05% para 8,14% no período. Este aumento foi comum a todos
os tamanhos de estabelecimento. No que se refere ao uso de de-
fensivos químicos, houve também um ligeiro aumento do número
de estabelecimentos que o utilizam (0,7% no período). As despe-
sas com estes produtos no total das despesas dos estabelecimen-
tos cresceram quase um ponto percentual (de 1,6% para 2,4%).
O que explicaria estas mudanças no ritmo, na in-
tensidade e na direção da modernização agrícola do Estado?
Uma das explicações para tal fato estaria relacio-
nada à redução do crédito genérico e subsidiado na fase denomi-
nada por George Martine como de "crise do crédito", que se es-
tendeu de 1979 a 1984. Esta redução teria comprometido a conti-
nuidade da mecanização. Por outro lado, a substituição do crédito
genérico pelo crédito dirigido, beneficiando lavouras como a cana
de açúcar, justificariam a continuação do processo de incorpora-
ção de tecnologias mecânicas a partir de 1980 apenas nas áreas de
atuação do Proalcool.
Um outro aspecto relevante das mudanças obser-
vadas no padrão técnico da agropecuária paraibana na década de
70 refere-se à questão da irrigação.
Durante muito tempo, costumou-se atribuir às
estiagens prolongadas o quadro de pobreza e atraso ao qual vive
submetido o homem do campo no Nordeste. Segundo Genysson
Evangelista,

"no discurso conservador das oligarquias rurais


que sempre acumularam riqueza à custa da po-
breza dos que labutam no campo, a seca - um
fenômeno natural - passou a ser resposta fácil
para um problema complexo e de múltiplas de-
205
206 Emília Moreira e Ivan Targino

terminações, que envolve interesses sociais e


econômicos conflitantes" (EVANGELISTA,
G. 1980: 8/9).

Não resta dúvida que as potencialidades e limita-


ções do meio natural exercem influência sobre as atividades agro-
pecuárias. Isso porque essas atividades dependem dos recursos de
água e solo. Sabe-se, porém, que quase sempre o homem é capaz
de recriar a natureza, revertendo as limitações de ordem físico-
ambiental, a partir da utilização de processos e técnicas produti-
vas racionais, atendendo desta forma a interesses sociais amplos.
Na Paraíba e, de resto, no Nordeste como um
todo, as políticas governamentais de desenvolvimento regional
restringiram-se durante muito tempo ao combate à seca através
da acumulação de água, mediante a construção de açudes (regra
geral em propriedades privadas, e com objetivos políticos bem
determinados), sem preocupar-se com as áreas disponíveis para a
irrigação. O discurso das oligarquias rurais obtinha, assim, o re-
forço do Estado. Em 1986, como consta no quadro XII, a Paraí-
ba contava com 41 açudes públicos estaduais e 3.181 açudes par-
ticulares distribuídos nas bacias dos rios Piranhas (onde se con-
centravam 80,4% do total de açudes existentes no Estado), Paraí-
ba, Jacu, Curimataú, Mamanguape e bacias litorâneas menores. Só
nos açudes públicos acumulavam-se 3.416 milhões de metros
cúbicos de água. Incluindo-se os açudes particulares, esse número
elevava-se para 7.164 milhões.
Deve-se levar em conta que a grande maioria des-
ses reservatórios de água localizavam-se no Sertão, no Cariri e no
Seridó (onde a seca incide de modo mais intenso).
A persistência do fenômeno da seca e a diminui-
ção dos intervalos entre os períodos de estiagem prolongada co-
locou na ordem do dia a necessidade de não apenas acumular
água, mas, principalmente, de permitir a continuidade da atividade
agropecuária durante os períodos secos, via processo de irrigação,
bem como de adaptar a utilização do solo aos rigores climáticos.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 207

Na Paraíba, as primeiras experiências concretas de


utilização racional da água foram realizadas nos perímetros irriga-
dos de São Gonçalo, no município de Sousa, do Açude Enge-
nheiro Arcoverde, em Condado, e do açude de Sumé.
Essas áreas constituem verdadeiras exceções nos
Sertões da Paraíba, onde os irrigantes cultivam em pequenos lo-
tes, não só frutas (em especial banana e o tomate) como o feijão,
o arroz e o milho, entre outros produtos de importância secundá-
ria.56
A reincidência da seca no final da década de 70
trouxe mais uma vez à ordem do dia a discussão sobre a questão
da irrigação no semi-árido. Passa-se a admitir, a partir de então,
que esta só seria viável se atrelada a uma estrutura de captação,
armazenagem e distribuição de água que contemplasse também a
pequena e média açudagem, que possibilitasse paralelamente a
difusão de poços e cacimbas, a perenização de rios e, sobretudo,
que beneficiasse o pequeno e médio produtor.
Alguns programas governamentais tais como o
Prohidro e o Projeto Sertanejo (voltados para o conjunto do se-
mi-árido nordestino) e o Projeto Canaã (voltado especificamente
para o semi-árido paraibano) procuraram, em termos de objetivos
gerais, atingir tais metas. Contudo, suas propostas só foram parci-
almente realizadas. O Programa de Aproveitamento de Recursos
Hídricos do Nordeste (Prohidro), que do ponto de vista técnico
objetivava “elevar as disponibilidades de água para abastecimento humano

56 Segundo Mário Lacerda de Melo, a utilização por lavouras do espaço compreendido no períme-
tro do açude de São Gonçalo, em 1984, de acordo com os dados fornecidos pelo Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) abrangia uma superfície equivalente a 722,0 ha.
Desse total, 66,1% eram constituídos por lavouras temporárias, com destaque para o arroz e o
feijão macassar, 38,1% da superfície com predominância da banana (255,0 ha ou 35,3% da área
cultivada total). Já a superfície do perímetro de irrigação do açude Engenheiro Arcoverde corres-
pondia a 444,0 hectares, dos quais 281,0 ha, ou 63,3% tinha infra-estrutura para a irrigação e 139,0
ha. (31,3%) achava-se até aquele momento em operação. Cultivava-se, sobretudo, o algodão
herbáceo. O perímetro de irrigação de Sumé abrange 627,0 hectares dos quais 272,0 hectares
possuíam infra-estrutura de irrigação. A parcela irrigada em 1984 correspondia a 210,0 hectares
(33,5%). O principal produto aí cultivado é o tomate. Cf. MELO, Mário Lacerda de. Áreas de
exceção nos Sertões da Paraíba. Recife, SUDENE, 1985.
207
208 Emília Moreira e Ivan Targino

e animal, dar suporte hídrico à irrigação e fortalecer a economia das unidades


agrícolas de produção” (KASPRZYKOWSKI, apud CARVALHO,
1988: 293) deu ênfase à construção de açudes em propriedades
rurais privadas, apoiado na “concessão de crédito rural barato (juros de
7% ao ano, carência de três anos e prazo de amortização de 10 anos), além
de outros esquemas de apoio governamental (...)” (CARVALHO,
1988:293). Ele contribuiu ainda “para dilatar as possibilidades existen-
tes em matéria de desvio de crédito, fornecido por seu intermédio, de suas
finalidades principais. Neste sentido, o programa não poderia deixar de fun-
cionar como instrumento de reforço aos “novos” interesses, também conserva-
dores, do Nordeste semi-árido, servindo, em conseqüência, para recuperar a
força política da solução hidráulica, então definida stricto sensu” (CARVA-
LHO, 1988: 294).
O Projeto Sertanejo beneficiou particularmente as
maiores propriedades e, ao contrário do que se propunha, teve
êxito apenas ao propiciar a valorização do capital via valorização
de terras e expansão da pecuária.
O Projeto Canaã, por sua vez, limitou-se à cons-
trução e instalação de barragens, colocando no plano secundário
os seus maiores objetivos, quais sejam:

"propiciar aos trabalhadores rurais sem terra a


oportunidade de explorar, mediante a sua força
de trabalho e a da sua família, a cultura da ter-
ra, cuja posse e respectiva titulação lhe serão as-
seguradas" (GOVERNO DO ESTADO
DA PARAÍBA, 1983:55).

Mais recentemente, o Projeto Nordeste (programa


de desenvolvimento que tem por meta o apoio ao pequeno e mé-
dio produtor) colocou a difusão de métodos alternativos de irri-
gação mais uma vez em pauta.
A verdade, porém, é que em 1970, segundo o
Censo Agropecuário, havia na Paraíba apenas 13.437 hectares de
terra irrigada e em 1980 esse total foi acrescido de mais 4.615
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 209

hectares, perfazendo 18.052 hectares. Sabendo-se que o total de


terras efetivamente irrigáveis nas bacias hidrográficas do Estado
abrange 244.580 hectares, a área irrigada cadastrada pelo Censo
de 80 era ainda muito pequena (7,4% das terras potencialmente
irrigáveis).57 Isso sem falar que 36,3% deste total concentravam-se
em apenas cinco municípios quais sejam: Sousa, Pombal e Belém
do Brejo de Cruz, no Sertão, Sapé e Pedras de Fogo, no Litoral.
Entre 1980 e 1985 esse quadro sofre uma alteração muito peque-
na: a área irrigada cresce 843 hectares, passando a representar
7,7% das terras efetivamente irrigáveis.
A expansão da área irrigada observada entre 1970
e 1980 se deu, sobretudo, nas Microrregiões de Catolé do Rocha,
de Cajazeiras, de Patos, do Seridó Ocidental, do Cariri Ocidental,
na região da bacia leiteira de Campina Grande (Campina Grande,
Boqueirão, Barra de São Miguel, Queimadas, Aroeiras e Umbu-
zeiro), nas Microrregiões de Itabaiana e Guarabira, além de alguns
municípios do Litoral como Sapé, Pedras de Fogo, Caaporã,
Conde e João Pessoa. Entre 1980 e 1985 distingue-se, além das
áreas citadas, o município de Sousa com um crescimento signifi-
cativo da área irrigada.
Como pode-se constatar, a expansão espacial da
irrigação na década de 70 coincidiu com as áreas, seja de tradição
canavieira como Sapé, seja com aquelas onde se processou no
período o avanço da cana ou da pecuária e ainda com municípos
produtores de abacaxi. Os dados fornecidos pelo PRONI sobre a
área irrigada no Estado entre 1987 e 1990 reforçam essa tendên-
cia (v. mapa da área irrigada no período de 1987 a 1990 in: MO-
REIRA,1996).

57 Segundo o Diagnóstico do Programa Estadual de Irrigação realizado pela Secretaria da Agricul-


tura, Irrigação e Abastecimentto (SAIA/PB) e a Comisão Estadual de Planejamento Agrícola
(CEPA/PB), as áreas efetivamente irrigáveis das bacias hidrográficas da Paraíba resultam do
confronto entre as áreas potenciais para a irrigação com as disponibilidades hídricas anuais médias
existentes em cada bacia. Em outras palavras, as "áreas efetivas" correspondem à disponibilidade
de recursos de "terras irrigáveis", delimitadas para cada bacia hidrográfica. Cf. SAIA/CEPA.
Programa estadual de irrigação. Vol. I - Diagnóstico. João Pessoa, 1988.
209
210 Emília Moreira e Ivan Targino

Do exposto, um aspecto merece ser levado em


consideração: a solução para o problema da seca não deve se re-
sumir na difusão pura e simples de técnicas de manejo dos recur-
sos hídricos. Sem que se realize modificações no sistema de dis-
tribuição e posse da terra e se estimule de fato o pequeno produ-
tor e a pequena produção, em particular, a produção de alimen-
tos, "a técnica continuará submetida à miséria secular e a grande maioria da
população sertaneja permanecerá à mercê das intempéries do clima"
(EGLER & MAGALHÃES, 1985:30).
Em suma, a disseminação do progresso técnico no
processo produtivo agrícola da Paraíba levado a efeito pelo pro-
cesso de modernização da agricultura, embora atenuado em rela-
ção ao Centro-Sul e arrefecido na década de 80, teve repercussões
tanto a nível da utilização dos solos quanto sobre o emprego rural
e até mesmo sobre o meio físico. Isso porque a expansão do uso
de máquinas, fertilizantes e defensivos químicos permitiu a ex-
pansão de certas atividades como a cana-de-açúcar, em áreas até
então consideradas impróprias ao seu cultivo. A irrigação, mesmo
considerada ainda insuficiente, criou áreas agrícolas de exceção no
Sertão, num exemplo de que a natureza pode ser recriada pela
ação do homem. O avanço da mecanização e das tecnologias
físico-químicas ao aumentar a produtividade do trabalho, nas
áreas onde essas mudanças foram mais incisivas, liberou mão-de-
obra e contribuiu para acentuar o emprego sazonal e o êxodo
rural, como será visto nos itens que se seguem.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 211

QUADRO XII
ESTADO DA PARAÍBA - POTENCIAL DE RECURSOS HÍDRICOS DOS AÇUDES
PÚBLICOS E PARTICULARES, SEGUNDO AS BACIAS HIDROGRÁFICAS (até 1986)
BACIAS AÇUDES AÇUDES AÇUDES PARTICULARES TOTAIS
HIDROGRÁFICAS PÚB.FEDERAIS PÚB.ESTADUAIS
No Volume No Volume No Volume No Volume
(106 m3) (106 m3) (106 m3) (106 m3)
1. Bacia do Rio Piranhas 18 1.905,74 57 606,39 2.599 3.904,80 2.674 6.416,93
1.1. Sub-bacia do Rio do Peixe 5 395,42 7 7,30 384 629,76 396 1.032,48
1.2. Sub-bacia do Alto Piranhas – – 5 24,58 96 219,47 101 244,05
1.3. Sub-bacia do Rio Piancó 6 1.393,78 21 411,04 675 2.253,71 702 4.058,53
1.4. Sub-bacia do Médio Piranhas 3 69,27 10 64,51 900 427,49 913 561,27
1.5. Sub-bacia do Rio Espinharas 2 19,52 3 62,09 242 116,39 247 198,00
1.6. Sub-bacia do Rio Seridó 2 27,75 11 36,87 302 257,98 315 322,60
2. Bacia do Rio Paraíba 18 661,03 30 188,82 342 528,35 390 1.378,20
2.1. Sub-bacia do Rio Taperoá 9 49,07 12 60,28 124 252,54 145 361,69
2.2. Sub-bacia do AltoParaíba 3 73,34 8 107,46 79 76,33 90 257,13
2.3. Sub-bacia do Médio Paraíba 5 538,30 7 6,25 47 47,82 59 592,37
2.4. Sub-bacia do Baixo Paraíba 1 0,32 3 14,83 92 151,86 96 167,01
3. Bacia do Jacu – – 3 15,28 22 17,26 25 32,54
4. Bacia do Curimataú 2 13,40 5 9,71 45 39,68 52 62,79
5. Bacia do Mamanguape 2 1,33 9 14,08 155 53,09 166 68,50
6. Bacias Litorâneas Menores 1 0,20 1 0,57 18 4,98 20 5,18
6.1. Bacia do Rio Camaratuba 1 0,20 – – 18 4,98 19 5,18
6.2. Bacia do Rio Jacuípe – – – – – – – –
6.3. Bacia do Rio Gramame – – – – – – – –
6.4. Bacia do Rio Pitanga – – 1 0,57 – – 1 –
6.5. Bacia do Rio Goiana – – – – – – – –
Total 41 2.581,70 105 834,85 3.181 4.548,16 3.327 7.964,14
Fonte: DNOCS/SRH. Cadastramento dos Açudes do Estado da Paraíba (Quadro reproduzido do
texto “Agricultura e seus problemas” de autoria do economista Genysson Evangelista).

211
212 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Otamar de. A economia política do Nordeste: secas, irrigação e desenvolvi-
mento. Rio de Janeiro, Campus, Brasília, ABID, 1988.
EGLER, C. & MAGALHÃES, C. “Hidrografia e recursos hídricos da Paraíba”. In: Atlas Geo-
gráfico da Paraíba. João Pessoa, 1985.
EVANGELISTA, G. A agricultura e seus problemas. João Pessoa, Texto para discussão, 1990
(mimeo).
FIBGE. Aspectos da evolução da agropecuária brasileira: 1940-1980. Rio de Janeiro, 1980.
__________ Censo Agropecuário da Paraíba, 1970, 1980,1985.
GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA. Projeto Canaã: diretrizes e metas. João Pessoa,
Secretaria de Recursos Hídricos, 1983.
KAGEYAMA, A. Angela & SILVA, José Graziano da. “Os resultados da modernização agrícola
dos anos 70”. Rio de Janeiro. Revista Estudos Econômicos 13 (3): 537-559 set/dez,
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MELO, Mário Lacerda de. Áreas de exceção dos Sertões da Paraíba. Recife, SUDENE, 1985.
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SAIA/CEPA. Programa estadual de irrigação. João Pessoa, Diagnóstico, Vol. I., 1988
SILVA, José Graziano da. “Tecnologia e Campesinato: o caso brasileiro”. In: A pequena produ-
ção agrícola. Santa Maria, V Encontro Nacional de Geografia Agrária, 1984.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 213

6. A POPULAÇÃO RURAL
PARAIBANA: SUA EVOLUÇÃO E
A DINÂMICA ATUAL

“É lá pra’quelas bandas,
que mora a fome,
encarnada no bucho grande
da minha prole doentia,
estampada nas vertigens da subnutrição
e nos calcanhares rachados do pisar descalço,
na terra abrasada pela seca”.

Versos do poema “Amargurenças do Camponês” de Carlos


Jehovan e Esechiac A. Lima.

Sabe-se que a dinâmica populacional não decorre


apenas de fatores biológicos, mas que é também determinada
social e historicamente. Na verdade, não existe uma lei geral de
população que possa ser aplicada a qualquer conjunto humano,
independentemente de suas condições sociais e materiais. A cada
modo de produzir corresponde também um modo de reproduzir-
se. O nascer, o morrer e o migrar são datados.
Conseqüentemente, a rigor, não existe “uma” po-
pulação paraibana, nem “uma” população rural paraibana, mas
várias populações, obedecendo a leis diferentes (ritmos de cres-
cimento, de reprodução, de organização distintos) segundo as
classes sociais e as formas de produção das condições materiais
de vida. Não obstante se adotar tal arcabouço teórico, é-se força-
do pelas limitações dos dados estatísticos, a tratar a população
como um todo. Contudo, à medida das disponibilidades das in-
formações, procura-se dar as nuances possíveis à análise segundo
a concepção acima esboçada.

213
214 Emília Moreira e Ivan Targino

Neste capítulo, analisa-se a evolução e a dinâmica


recente da população paraibana, em especial, do seu contingente
rural. O estudo será feito à luz das mudanças ocorridas na organi-
zação do espaço agrário, uma vez que não é possível entender a
dinâmica populacional desvinculando-a das condições sociais,
culturais e materiais de sua reprodução.

6.1. A evolução da população paraibana: um breve histórico

As informações sobre a população paraibana até a


primeira metade do século XVIII são praticamente inexistentes.
Dispõe-se apenas de estimativas esparsas e grosseiras para o con-
junto da Província, bem como de dados avulsos sobre um ou
outro núcleo de povoamento (PINTO, 1977.v. I:36/44/51). Só a
partir do período pombalino é que surge a preocupação em levan-
tar de forma mais sistemática os dados populacionais. Isto porém,
não solucionou o problema da confiabilidade dos mesmos. Inte-
resses, preconceitos e dificuldades operacionais imbricavam-se,
impedindo a obtenção de informações consistentes e confiáveis.
A título de exemplo, pode-se lembrar o Ronco das
Abelhas em 1852. Em decorrência do decreto imperial n . 798 de
18 de junho de 1851, determinando os registros paroquiais de
nascimento e óbito, espalhou-se entre a população que o objetivo
desse decreto era a escravização do povo livre em virtude da sus-
pensão do tráfico negreiro procedente da África, em 1850 (FRA-
GOSO,1988:34). A insatisfação ganhou força de um levante po-
pular, tendo como foco de irradiação o atual município de Ingá.
Daí aquele censo ter sido considerado pelo povo como “papel da
escravidão” (PINTO,1977. v. I: 210) e ter encontrado sérias dificul-
dades na sua execução.
Algumas informações sobre a população paraiba-
na e sua distribuição espacial no período de 1774 a 1872 estão
apresentadas no quadro XIII. Apesar do cuidado com que se de-
ve manipular estes dados, eles apontam para alguns pontos im-
portantes da história demográfica da Paraíba, a saber:
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 215

a) até a segunda metade do século XVIII a Paraíba


era pouco povoada. Possuía entre 30 e 50 mil habitantes, enquan-
to a população de Pernambuco já era da ordem de 142 mil habi-
tantes (JÚNIOR,1984:156). Além de rarefeita, a população parai-
bana era desigualmente distribuída: concentrava-se no Litoral,
principalmente na área sob jurisdição direta da capital, onde resi-
dia aproximadamente 1/3 do total; o Agreste, à exceção da área
situada no vale do Paraíba, permanecia praticamente despovoado,
havendo alguma concentração apenas em torno de Vila Nova da
Rainha, atual Campina Grande; o Sertão, cujo povoamento tinha
iniciado no fim do século XVII (SEIXAS,1993), detinha cerca de
¼ da população, tendo como principais núcleos as Vilas de São
João e de Pombal;
b) durante o período de um século (1774-1872), a
população cresceu cerca de 12 vezes, apenas quatro vezes menos
do que seria uma previsão malthusiana. A ocorrência de cinco
períodos de seca, bem como surtos de varíola, febre amarela e
cólera (PINTO,1977.v. I:137/197/215/219) com certeza contri-
buíram para frear o crescimento da população apesar das imigra-
ções quer de escravos até 1850, quer de colonos58. Segundo Celso
Mariz,

“(...) foi enorme o prejuízo em braços que a Pro-


víncia sofreu em 1856, quando a epidemia do
“cólera-morbus” matou um terço exato da popu-
lação de 300 mil habitantes” (MA-
RIZ,1978:18);

c) o terceiro ponto de destaque diz respeito ao


forte crescimento populacional experimentado pelo Agreste do

58A presença de estrangeiros na Paraíba, segundo o Censo de 1872, era irrisória. Naquele ano,
foram recenseados apenas 843 estrangeiros. As principais áreas de procedência eram: África (373),
Portugal (290), Itália (58), Alemanha (49) e França (27).
215
216 Emília Moreira e Ivan Targino

final do século XVIII a meados do século XIX. Em 1851, a po-


pulação dessa área representava mais da metade da população
provincial, enquanto que em 1782 era da ordem de 15%. Para
esse surto de povoamento do Agreste contribuíram o fim da Con-
federação dos Cariris, a expansão da cultura do algodão e a imi-
gração da população sertaneja. As melhores condições naturais do
Brejo Paraibano atraíram as populações das regiões mais áridas,
sobretudo nos períodos de seca (MARIZ,1978:97).
Só a partir de 1872 é que se dispõe de melhores e
mais sistemáticas informações sobre o contingente populacional
do Estado. Mesmo assim, não são merecedoras de toda confian-
ça. Só com os Censos mais recentes é que se tem dados mais se-
guros.59
O confronto dos dados relativos ao período de
1782-1872 (quadro XIII) com os dados populacionais do período
1872-1980 (quadro XIV), ressalta que o ritmo de crescimento da
população paraibana nos últimos cem anos foi mais lento do que
no período anteriormente enfocado; no último século, a popula-
ção cresceu cerca de 7 vezes contra 12 vezes no século anterior.
O quadro XIV permite a visualização desses diferentes ritmos de
crescimento.
A observação das informações censitárias, durante
os últimos cem anos, sobre a evolução da participação da popula-
ção paraibana no total da população brasileira permite identificar
três períodos distintos, a saber: a) o primeiro período de declínio
da participação (de 1872 a 1900); b) o período de aumento da
participação (1900 a 1940) e; c) o novo período de declínio da
participação (de 1940 a 1980).
A seguir, procura-se, sumariamente, analisar cada
um destes períodos:
a) primeiro período de declínio (1872-1900).
Por ocasião do primeiro recenseamento geral, a população parai-

59O Censo Demográfico mais recente, de 1991, vem sendo fortemente criticado por especialistas
que não lhe atribuem a mesma confiabilidade do realizado em 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 217

bana representava 3,8% da população brasileira. Ao final das três


décadas em foco, essa participação cai praticamente um ponto
percentual. A população brasileira cresceu 75%, enquanto que a
paraibana aumentou apenas 33%. Alguns fatores podem ser arro-
lados como causas explicativas para esse declínio:

 em primeiro lugar, a produção agrícola estadual entra em crise.


Para isso concorreu, de um lado, o fechamento do mercado
externo ao açúcar brasileiro em resposta à expansão do açúcar
de beterraba na Europa e a do açúcar de cana nas Antilhas, Ja-
va e Filipinas60, e, de outro lado, a retração da cultura do algo-
dão determinada pelo fim da Guerra de Secessão americana
(MARIZ,1978:21/22);

 em segundo lugar, nesse período ocorreu a grande seca de


1877-79. Ela foi responsável não só pela desorganização do se-
tor agrícola, como também pela mortalidade de uma parcela
significativa da população. Segundo Mariz,

“foi a seca mais mortífera e desorganizadora da


nossa história... não há descrição bastante vivaz
para a fome, o êxodo e conseqüente morticínio,
que se produziram” (MARIZ, 1978:22);

 em terceiro lugar, o “boom”da borracha tornou a Amazônia


um pólo de atração para as populações dos Estados nordesti-
nos castigados tanto pelas secas quanto pela desorganização da
atividade agrícola regional;

 em quarto lugar, embora com um poder explicativo bem mais


atenuado, deve-se lembrar a venda de escravos para os cafezais

60Em 1872, a Paraíba exportou 11.786 toneladas de açúcar. Durante o período em foco, houve
uma gradativa redução das exportações, chegando, em 1900, a exportar apenas 3.275 toneladas
(CALDAS, D. apud ANDRADE, 1987:28).
217
218 Emília Moreira e Ivan Targino

paulistas e fluminenses, com efeitos nocivos sobre o produto


agrícola paraibano. Já em 1855, o Presidente Paes Barreto as-
sim se exprimia:

“A falta de braços, que todos os dias vai se tor-


nando mais sensível, pela grande quantidade de
escravos que são exportados para o sul,...são ou-
tros entre tantos embaraços com que luta a la-
voura da Parahyba” (PINTO,1977. v.
II:229);
 em quinto lugar, nesse período, verifica-se o incremento dos
fluxos imigratórios externos que se dirigiam principalmente
para a região do café.
Esse último fator ampliou o denominador da fra-
ção ao passo que os demais concorreram para reduzir o numera-
dor, resultando, obviamente, no declínio da contribuição do Es-
tado para a formação da população brasileira.
b) período de aumento da participação (1900-
1940). Nessa fase, registra-se uma ligeira retomada do crescimen-
to da participação da população paraibana no total da população
brasileira, ainda que sem atingir o nível de 1872. Nesse período,
são encontradas as maiores taxas de crescimento da população
estadual durante os últimos cem anos (3,4% a.a. entre 1900-1920
e 1,9% a.a. entre 1920-1940). Como é pouco provável que tenha
havido uma mudança nos padrões de mortalidade e de natalidade
da Paraíba em relação ao Brasil durante aqueles anos, só resta a
hipótese de uma forte redução da emigração estadual como expli-
cação para a elevação da taxa de crescimento da população, uma
vez que a imigração foi insignificante. Alguns fatores econômicos
podem ter contribuído para aumentar a “capacidade estadual de
retenção” de população como se verá a seguir:

 com o declínio do ciclo da borracha, diminui o poder de atra-


ção da região Norte sobre os fluxos migratórios procedentes
do Nordeste. Por outro lado, não havia ainda se constituído
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 219

um outro pólo alternativo para onde se dirigisse a população


estadual. O crescimento da economia cafeeira e a expansão da
economia urbana industrial do Sudeste ainda não tinha torna-
do essa região em pólo de atração para os migrantes estaduais,
em virtude de uma série de fatores entre os quais pode-se
apontar: a existência de mão-de-obra disponível em áreas mais
próximas (Bahia, Minas, Espírito Santo) e as deficiências dos
meios de comunicação;

 internamente, assiste-se a um revigoramento da atividade agrí-


cola, destacando-se, em particular, a da cana-de-açúcar e a do
algodão. A exportação anual do açúcar que, como já foi visto,
situava-se em um patamar de 3 mil toneladas na primeira dé-
cada, passa para cerca de 7 mil toneladas na década de 30
(ANDRADE,1987:28). A agroindústria canavieira passa por
sérias modificações tanto no processo produtivo (instalação de
Usinas), quanto na organização do mercado (criação do IAA).
Essas alterações, ao mesmo tempo em que impulsionaram a
atividade açucareira, contribuíram também para reduzir as os-
cilações que a caracterizavam. Ocorre igualmente um novo
surto algodoeiro, motivado pela elevação do seu preço. O va-
lor das exportações de algodão que era da ordem de 6,8 mi-
lhões de cruzeiros, em 1913, eleva-se no qüinqüênio 1933-37
para 533,3 milhões (MARIZ,1978:38,46). O crescimento no-
minal das exportações nesse período está bem acima do nível
de variações de preços no período (PELAEZ e SUZIGAN,
1981:180). Vale lembrar que as lavouras de cana-de-açúcar e
do algodão deixam de depender unicamente do mercado ex-
terno. O crescimento industrial, sobretudo dos setores têxtil e
alimentar, assim como o aumento da população do Sudeste,
foram fatores que concorreram para a formação do mercado
interno para aqueles produtos, embora a produção sulina já
começasse a concorrer com a nordestina;

219
220 Emília Moreira e Ivan Targino

 verifica-se, também no Estado, um aumento das atividades


urbanas, sobretudo daquelas ligadas ao beneficiamento e co-
mercialização do algodão. Com efeito, durante os primeiros 40
anos do século XX, não só cresceu o número das pequenas
descaroçadoras, seu número alcançando cerca de 800 em todo
o Estado (MARIZ,1978:121), como também das pequenas e
médias indústrias que foram sendo instaladas nas principais ci-
dades da Paraíba. O dinamismo das atividades de beneficia-
mento e de comercialização do algodão foi um fator decisivo
no crescimento urbano e no aumento da demanda de traba-
lhadores61, isto apesar da presença das fábricas e usinas ter um
efeito destruidor sobre as pequenas unidades de beneficiamen-
to. A este respeito afirma Celso Mariz:

“Deu-se com a indústria do algodão o mesmo fe-


nômeno que se produziu com a do açúcar... A
cada chaminé da Anderson Clayton, da SAN-
BRA e do grupo moderno que se aparelhou ao
aparecimento destes, paravam 50 vapores em
torno”(MARIZ,1978:122);

c) segundo período de declínio (1940-1980). A


partir de 1940, os dados censitários acusam um decréscimo da
participação paraibana em relação à brasileira: 3,4% em 1940,
contra 2,3% em 1980. Esse declínio deve ser creditado, funda-
mentalmente, à intensificação do processo emigratório estadual.
Para isso contribuíram tanto os fatores de expulsão presentes na
estrutura econômica paraibana, quanto a consolidação dos fatores
de atração no Centro-Sul e nas áreas de expansão da fronteira
agrícola.
O censo demográfico de 1991 registra mais uma
retomada do crescimento da participação da população paraibana

61O efeito dinamizador do algodão sobre as cidades é retratado, no caso de Campina Grande, por
Epaminondas Câmara no seu livro Datas campinenses.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 221

no total da população brasileira. Tal fato é atribuído por diversos


estudos sobre o processo demográfico nordestino na década de
80, tanto à “migração de retorno”, quanto à atenuação dos fluxos
migratórios para o Sudeste, conseqüências da crise e das trans-
formações do mercado de trabalho que incidem mais fortemente
naquela região.
Após esboçar um quadro geral da evolução do
contingente populacional paraibano, procura-se, na seqüência,
analisar alguns aspectos da dinâmica atual da população paraiba-
na, particularmente da população rural.

6.2. A dinâmica recente da população, em especial, da popu-


lação rural

A dinâmica demográfica recente da Paraíba carac-


teriza-se, principalmente, pelo declínio da fecundidade, pela in-
tensificação da mobilidade e pela redução do contingente rural. A
seguir analisa-se cada uma dessas variáveis à luz das mudanças
recentes que tiveram lugar na organização do espaço agrário esta-
dual.

6.2.1. Fecundidade

A análise dos dados censitários relativos aos inter-


valos de 1960/70 e 1970/8062 permite identificar uma redução do
índice de fecundidade total da Paraíba de 7,7 para 5,8 (v. quadro
XV). Essa redução foi mais intensa em nível estadual do que em
nível regional e nacional. A queda na média de filhos tidos por
mulher foi da ordem de 1,9 na Paraíba, contra 1,4 no Brasil e no
Nordeste (v. quadro XV). Em outras palavras, a média paraibana
situou-se abaixo das médias nordestina e nacional.

62. O fato do Censo Demográfico de 1991 até a data de fechamento deste texto só ter fornecido
informações sobre os totais da população residente, rural e urbana, limitou esta análise às décadas
de 60 e 70.
221
222 Emília Moreira e Ivan Targino

Essa diminuição da taxa de fecundidade foi co-


mum tanto à zona urbana quanto à rural. Destaca-se, porém, a
zona urbana onde esse declínio foi mais acentuado (de 1,7 contra
1,1 na zona rural) (v. quadro XV).
A utilização de modo mais disseminado e diversi-
ficado de métodos anticonceptivos e um mais baixo índice de
nupcialidade na zona urbana são apontados como fatores explica-
tivos desse diferencial de fecundidade entre o campo e a cidade.
Esta explicação, porém, é tida como insuficiente uma vez que se
restringe às determinações próximas, e, como tal, permanece a
nível das aparências do fenômeno e, portanto, incapaz de apreen-
der o real. Alguns estudos chamam a atenção para a relação exis-
tente entre renda familiar e número médio de filhos por mulher.
Com efeito, na Paraíba, em 1980, era possível identificar uma
relação direta entre renda e número de filhos até o nível de 5 salá-
rios mínimos e uma relação inversa a partir desse nível de renda
tanto na zona rural quanto na urbana com destaque para a primei-
ra (v. quadro XVI).
Partindo dessa relação entre renda e número de
filhos e das constatações feitas para o caso da Paraíba, pode-se
concluir que quanto mais pobres mais prolíferas são as mulheres
paraibanas, em particular, as residentes na zona rural. Não se pre-
tende a partir daí negar o papel que joga a divulgação de métodos
anticoncepcionais no declínio da taxa de fecundidade. Chama-se
aqui apenas a atenção para o fato de que até mesmo o acesso aos
meios anticonceptivos é determinado social, econômica e cultu-
ralmente. Só quando se desce ao nível de concretude das classes
sociais é que se pode desvendar a dinâmica populacional dessas
classes (MARX,1977:166).

6.2.2. O crescimento recente da população


rural

Uma das características da evolução recente da


população paraibana é a redução do seu contingente rural. Com
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 223

efeito, a partir de 1970, observa-se uma diminuição, a ritmo cada


vez mais acentuado, da população rural do Estado. Como mos-
tram os dados do quadro XVII, em 1950, aproximadamente três
quartos da população estadual residiam na área rural, enquanto
que, em 1991, segundo o censo demográfico, essa participação
era da ordem de apenas 36,0%. Esse declínio tem sido tão inten-
so, que a população rural recenseada em 1991 é menor do que a
de 1950.
Tal comportamento não pode ser explicado, inte-
gralmente, por mudanças no padrão reprodutivo da população.
Embora tenha ocorrido um declínio da taxa de natalidade da po-
pulação rural (53,2% na década de sessenta contra 43,3% na dé-
cada de setenta) e uma ligeira diminuição da taxa de mortalidade
(20,4% e 19,4% nos períodos acima referenciados), a taxa de
crescimento vegetativo da população rural na década de setenta
era ainda elevada (2,4%).63
Assim sendo, o declínio da população rural obser-
vado só pode ser atribuído a um intenso êxodo rural. Durante os
anos setenta, é estimado que aproximadamente 440 mil pessoas
teriam deixado o campo64. Esse número representa cerca de um
terço da população rural paraibana recenseada em 1980 e um
décimo do êxodo rural nordestino (MOURA, Hélio. 1985:170).
Nesse período, à exceção do Sertão Paraibano, todas as demais
Mesorregiões do Estado apresentaram taxas negativas de cresci-

63O fato do Censo Demográfico de 1991 até a data de fechamento deste texto só ter fornecido
informações sobre os totais da população residente, rural e urbana, limitou esta análise à década de
setenta.
64O cálculo do êxodo rural foi feito segundo a seguinte fórmula:
ER=P*80 - P80 + I, onde:
ER = êxodo rural estimado;
P*80 = População estimada para 1980 com base nas taxas de crescimento vegetativo
calculadas para as Microrregiões Homogêneas pela Fundação Joaquim Nabuco (MOURA, Hé-
lio:1986);
P80 = População residente segundo o Censo de 1980;
I = Estoque de imigrantes rurais com até 10 anos de permanência

223
224 Emília Moreira e Ivan Targino

mento anual da população rural. Merece destaque a Mata Parai-


bana e o Agreste (v. quadro XVIII).
As Microrregiões que apresentaram as mais eleva-
das taxas negativas de crescimento do seu contingente rural fo-
ram, respectivamente, João Pessoa, Sapé, Brejo Paraibano e
Campina Grande. As que apresentaram crescimento positivo lo-
calizam-se dominantemente no semi-árido (v. quadro XIX).
Essa diminuição da população rural paraibana
persistiu durante os anos oitenta. Com efeito, ao se comparar a
taxa de crescimento da população rural do Estado no período de
1980 a 1991 (-1,2%) com a do período de 1970 a 1980 (-0,4%),
observa-se uma intensificação do processo de retração dessa po-
pulação.
As áreas que tiveram seu contingente mais reduzi-
do, porém, revertem-se em relação à década anterior, passando as
Mesorregiões do semi-árido à frente das Mesorregiões da Mata e
do Agreste como pode ser comprovado no quadro XX.
As Microrregiões que apresentaram as mais altas
taxas negativas de crescimento da população rural foram, respec-
tivamente, Seridó Ocidental, Seridó Oriental, Cariri Ocidental e
Catolé do Rocha, todas no semi-árido, numa reversão nítida da
tendência observada nos anos 70 (v. mapa concernente in: MO-
REIRA,1996). Apenas o Litoral Sul apresentou crescimento posi-
tivo no período (v. quadro XXI). Trata-se, coincidentemente,
daquela Microrregião onde a luta pela terra não só originou focos
importantes de resistência à expulsão-expropriação (Sede Velha
do Abiaí, Corvoada, Capim Assu, Capim de Cheiro), como onde
também se verificaram importantes desapropriações de terra, a
exemplo de Paripe (1982), Subaúma (1983), Camucim (1985),
Gurugi II (1990) que garantiram a permanência de grande núme-
ro de famílias no campo (v. capítulo 8).
A redução da população rural tanto em termos
relativos quanto em termos absolutos é tida, historicamente, co-
mo uma das conseqüências do desenvolvimento capitalista da
agricultura. A dominação do capital sobre a agricultura torna ex-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 225

cedente uma parcela significativa dos trabalhadores rurais, em


decorrência da elevação da composição orgânica do capital, das
mudanças nas relações sociais de produção e das transformações
no uso do solo requeridas pela sua metamorfose em mercadoria.
Por outro lado, as áreas rurais cuja organização produtiva não
sofreu o processo de mudança e permanecem estagnadas, em
decorrência da sua estrutura fundiária e de fatores sócio-culturais,
também passam a expulsar os acréscimos demográficos que não
podem ser absorvidos produtivamente. Tais áreas são chamadas
de “viveiros populacionais” (SINGER, 1985:197).
Não resta dúvida de que as transformações recen-
tes da organização agrária paraibana, circunscritas no quadro de
uma “modernização conservadora” e os impactos dela decorren-
tes, estão na origem dos fluxos populacionais. Isto é, uma série de
fatores resultantes da subordinação real da agricultura ao capital
têm contribuído para a intensificação do êxodo rural. Como esses
fatos já foram analisados nos itens anteriores deste trabalho,
enumera-se aqui aqueles considerados mais relevantes, tais como:
a) a expansão da cana-de-açúcar em áreas tradicio-
nalmente policultoras;
b) a expansão da pecuária e as modificações no
seu processo produtivo, notadamente o aumento da área de pas-
tagem plantada e a quebra da complementariedade que mantinha
com a policultura tradicional, tanto no Sertão como no Agreste;
c) transformações nas relações sociais de produ-
ção, destacando-se, de um lado, a desarticulação do antigo siste-
ma de morada e, de outro, o avanço do trabalho assalariado, so-
bretudo, do temporário;
d) a dependência da agricultura em relação ao ca-
pital financeiro, impingindo-lhe esse último controle de cus-
tos/receitas que redundam em estratégias de utilização mais lucra-
tiva do solo;
e) o reforço da concentração da posse e da propri-
edade fundiária, sobretudo na década de 70, dificultando o acesso
do produtor direto à terra.
225
226 Emília Moreira e Ivan Targino

f) na segunda metade da década de 80 e primeiros


anos da década de 90, a desestruturação e o quase total desapare-
cimento da atividade cotonicultora, o agravamento do processo
de decadência da atividade sisaleira, a crise do Proalcool e a au-
sência de uma política agrícola dirigida para a pequena produção e
para a conseqüente fixação do homem no campo;
g) a atração exercida pela cidade, em particular
sobre os jovens do campo, o desengano destes com o trabalho
rural e o sonho de obter melhores condições de sobrevivência.
A esses fatores somam-se as condições restritivas
do meio à atividade agrícola, com destaque para os períodos de
seca prolongada (a exemplo do ocorrido entre 1979 e 1983).
Da conjugação desses elementos tem resultado a
exacerbação do processo migratório estadual. Em algumas áreas,
o esvaziamento do campo atinge níveis alarmantes. A zona rural
de Itabaiana é uma delas. A quase totalidade das terras desse mu-
nicípio encontra-se coberta de capim e de cana-de açúcar, com a
predominância do primeiro (MOREIRA, 1988).

6.2.3. A mobilidade da população

“Não tenho nome seu moço,


Apesar de batisado,
Só me chamam retirante,
Ou entonce flagelado”

Poema de autor anônimo

Os fluxos migratórios procedentes do campo,


destinam-se tanto a outros Estados, quanto às cidades do próprio
Estado. O deslocamento de população da área rural para a urbana
é um dos principais fatores explicativos para o crescimento ex-
pressivo das cidades paraibanas.
Durante a década de 70 a população urbana do
Estado cresceu a taxas próximas de 4,0% a.a. Vale lembrar que
nesse período, à exceção das cidades com população entre dez e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 227

vinte mil habitantes que cresceu a uma taxa de 2,4% a.a., todos os
outros estratos apresentaram taxas em torno da média estadual.
Observou-se ainda que a participação dos migrantes de proce-
dência rural no total da população foi superior a 14,0% em todos
os estratos de cidades (v. quadro XXII). Isso significa que o êxo-
do rural, nesse decênio, desempenhou papel relevante na urbani-
zação, independentemente do tamanho dos núcleos urbanos.
Os dados do quadro XXII mostram um outro
efeito da migração de procedência rural. O êxodo rural tem cola-
borado não só para a urbanização da população como também
para a sua concentração. Dos 233 mil migrantes de procedência
rural, recenseados em 1980 nas cidades da Paraíba, mais de seis
décimos encontravam-se residindo nas cidades com população
superior a vinte mil habitantes. Essa constatação relativiza a hipó-
tese da “migração por etapa”, segundo a qual os migrantes rurais
se dirigiriam primeiro para as pequenas cidades e só depois iriam
para as maiores. As etapas iniciais funcionariam como um perío-
do de adaptação para o ingresso futuro num mercado de trabalho
urbano mais formalizado. As informações censitárias, ao contrá-
rio, indicam uma passagem direta de um número significativo de
migrantes da área rural para as cidades maiores com destaque para
Campina Grande e João Pessoa. Esse fenômeno foi responsável
pela proliferação de favelas observada nessas duas cidades no
período, compostas dominantemente por população oriunda da
zona rural dos municípios paraibanos, com destaque para os do
Litoral e do Agreste.
Embora os migrantes de procedência rural se con-
centrem nas cidades maiores, o seu peso no contingente de mi-
grantes é inversamente proporcional ao tamanho da cidade. Isso
estaria relacionado à fragilidade da estrutura da economia urbana
das pequenas cidades, tornando-as incapazes de atrair de forma
significativa migrantes de outros núcleos urbanos, absorvendo
com mais intensidade os migrantes procedentes das áreas rurais
dos municípios circunvizinhos.

227
228 Emília Moreira e Ivan Targino

Vale lembrar que o peso dos migrantes de proce-


dência rural na década de 70 deve ter sido bem maior do que
mostram as informações do quadro XXII. Os dados em análise
não consideram os deslocamentos campo-cidade quando efetua-
dos dentro do próprio município.
Em nível dos municípios, verificou-se que, em
todos, as taxas de crescimento observadas foram inferiores à taxa
de crescimento vegetativo da população rural, o que vale dizer
que as áreas rurais de todos os municípios perderam população
durante o período de 1970 a 1980. No entanto, a intensidade do
processo se deu de forma diferenciada. Grosso modo, pode-se
afirmar que o êxodo foi mais intenso no Litoral, no Agreste, e nas
Microrregiões sertanejas localizadas na Depressão do Alto Pira-
nhas e na de Catolé do Rocha. Essas observações permitem al-
gumas considerações:
a) em primeiro lugar, não se pode estabelecer uma
relação direta entre êxodo rural e condicionamentos naturais res-
tritivos à atividade agrícola. Embora se encontrem áreas do semi-
árido com elevados índices de expulsão da sua população rural, o
fenômeno foi mais intenso e generalizado no Agreste e no Lito-
ral, subunidades espaciais mais bem dotadas do Estado do ponto
de vista das condições edafo-climáticas. Ao contrário, na faixa
central do Cariri, uma das áreas mais secas da Paraíba, o êxodo
rural foi de baixa intensidade. Desse modo, a seca não pode ex-
plicar, sozinha, a intensidade e a dimensão do fenômeno em aná-
lise;
b) em segundo lugar, as áreas de maior evasão
populacional coincidiram com aquelas que, na década de setenta,
sofreram em maior grau o processo de modernização conserva-
dora da agricultura. Processo este materializado seja no avanço da
cana-de açúcar e/ou da pecuária, seja na expansão do assalaria-
mento e na retração das relações de trabalho pré-capitalistas, seja
ainda na elevação do grau de mecanização do processo produtivo,
ou no aumento da concentração da propriedade fundiária.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 229

Infelizmente, o Censo Demográfico de 1991 não


divulgou até então os dados sobre migração. Estes permitiriam
estabelecer um paralelo entre as características e a dimensão do
êxodo rural na Paraíba nos dois últimos decênios. Diante de tal
limitação, é-se obrigado a buscar referenciais capazes de fornecer
alguns indicadores do processo recente, em trabalhos efetuados
para o conjunto do Nordeste nos anos 80 e nos dados relativos
ao crescimento da população da Paraíba entre 1980 e 1991. Como
foi anteriormente colocado, alguns estudos sobre a dinâmica de-
mográfica recente do Nordeste indicam que a migração de retor-
no teria sido uma das características dos movimentos populacio-
nais da região na década de 80. A crise da economia nacional e
suas repercussões sobre o emprego, nos grandes centros urbanos,
seria responsável pelo retorno de parcela significativa da popula-
ção nordestina que residia em outras regiões, em especial, no
Centro-Sul. O cotejo dos dados censitários, por sua vez, permi-
tem afirmar que, seguramente, não foi para o campo que esses
fluxos migratórios se dirigiram na Paraíba. Prova disso é o des-
censo do contingente rural que aqui se deu, justamente na fase
dominada pela “migração de retorno” e o aumento significativo da
população na grande maioria das cidades do Estado. Entre 1980 e
1991, muitas cidades paraibanas situadas, seja no Litoral, no
Agreste-Brejo ou no Sertão, apresentaram taxas anuais de cresci-
mento de sua população superiores a 5,0% (v. quadro XXIII).
Por outro lado, pesquisas recentes comprovam
que um retorno de população urbana à zona rural vem ocorrendo
mesmo que de modo tímido na Paraíba, desde o início dos anos
90, particularmente no Litoral e no Agreste-Brejo (MOREI-
RA,1995). Esse fluxo migratório compõe-se, regra geral, de ex-
moradores expulsos que residiam em vilarejos e pontas de rua.
Em grande parte dependente do trabalho assalariado na atividade
canavieira, essa população, frente à crise dessa atividade e do con-
seqüente desemprego, não tem encontrado alternativas de sobre-
vivência. Para fugir da situação de miséria e desemprego, vem se
organizando com o apoio do Movimento dos Sem Terra e/ou da
229
230 Emília Moreira e Ivan Targino

CPT e ocupando latifúndios improdutivos em busca do “retorno à


terra de trabalho” (MOREIRA,1996). Algumas das mais recentes
desapropriações e aquisições de imóveis efetuadas pelo Incra (1o.
de Março, Teixeirinha, Apasa e Nova Vida), são representativas
desse novo processo.
Outro aspecto importante a ser considerado no
estudo dos movimentos populacionais rurais refere-se às migra-
ções sazonais. Na Paraíba, as migrações sazonais estão relaciona-
das à atividade canavieira e ao deslocamento de trabalhadores das
regiões agrestina e sertaneja para se ocuparem da colheita da ca-
na-de-açúcar (de agosto a janeiro) na Zona da Mata seja na Paraí-
ba, seja em estados vizinhos.

6.2.3.1. As migrações sazonais

Os deslocamentos de trabalhadores das regiões


agrestina e sertaneja para a Zona da Mata durante os períodos de
colheita da cana-de-açúcar não constituem um fato novo. Vários
estudos já ressaltaram a sua importância em nível do Nordeste.
Entre esses, pode-se lembrar os de Manoel Correia de Andrade e
os de Maria Teresa Suarez.
Segundo a hipótese levantada por Suarez, a origem
desse movimento migratório "remonta ao período de implantação das
Usinas e abolição do trabalho escravo" (SUAREZ,1977:93). Esses flu-
xos eram formados por minifundistas e trabalhadores sem terra
(sitiantes ou rendeiros), procedentes das regiões do Sertão e prin-
cipalmente do Agreste. Eles dirigiam-se à Zona da Mata durante
o período de estiagem e de subocupação nas suas áreas de ori-
gem. De acordo com Suarez, embora esses fluxos tenham sido
consideráveis até épocas bem recentes, “vinham perdendo importân-
cia” (idem, ibidem:96). Na base desse declínio estariam as trans-
formações que se processaram nas relações de trabalho (desrurali-
zação e proletarização do trabalhador rural), ao lado da crise por
que passava a atividade canavieira no início dos anos setenta.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 231

Aquela tendência, no entanto, foi interrompida.


Observa-se recentemente um fortalecimento desses fluxos na
zona canavieira. Para a reversão dessa tendência concorreram
uma série de fatores entre os quais pode-se citar:
a) a expansão canavieira propiciada pelo Proalcool
aumentou consideravelmente a demanda por trabalho na época
da safra;
b) a modernização agrícola (mecanização e utiliza-
ção de produtos químicos) reduziu e concentrou o tempo de tra-
balho sem alterar o tempo de produção da lavoura canavieira
aumentando, com isto, a sazonalidade do trabalho na cultura da
cana-de açúcar, e, portanto, a demanda do trabalho no momento
da colheita;
c) as mudanças nas relações sociais de produção
decorrentes da exclusividade da cana na utilização do solo, da
modernização técnica da agricultura, bem como das modificações
introduzidas na legislação trabalhista, transformaram o assalaria-
mento temporário na relação de trabalho predominante;
d) a pecuarização do Agreste, principalmente na
década de 70, que acentuou de um lado o processo de desrurali-
zação agrestino e, de outro, o processo de urbanização e, em con-
seqüência, a disponibilidade de mão-de-obra local face à fragilida-
de da economia urbana regional;
e) o fortalecimento da ação sindical na zona cana-
vieira a partir do início da década de 80, conduziu a uma maior
agressividade dos trabalhadores nas suas reivindicações, inclusive
com a organização de greves por ocasião dos dissídios coletivos;
face a este poder organizativo, os proprietários procuram contra-
tar trabalhadores não pertencentes às bases territoriais dos sindi-
catos;
f) as estiagens prolongadas atingindo a produção e
o emprego agrícola nas regiões do Sertão e do Agreste/Brejo
contribuíram para reforçar as dificuldades de acesso dos trabalha-
dores rurais à terra, acentuando o êxodo rural.

231
232 Emília Moreira e Ivan Targino

Pode-se afirmar que a dinamização recente dos


fluxos sazonais para a zona canavieira deve-se tanto às modifica-
ções na base técnico-material e nas relações de produção que
aumentaram a demanda sazonal de trabalho, quanto às mudanças
político-institucionais (redemocratização, retomada da organiza-
ção sindical), que levaram os fornecedores de cana e usineiros a
procurarem esses trabalhadores. Essa tem sido a estratégia patro-
nal para enfrentar as lideranças e a organização do movimento
sindical.
Pesquisa de campo realizada no Litoral paraibano
em 1994, por pesquisadores do CERESAT/UFPB, identificou
dois tipos de fluxos migratórios sazonais: um espontâneo e outro
organizado.
O fluxo espontâneo é aquele formado por traba-
lhadores que, por conta própria, dirigem-se para a zona canaviei-
ra, principalmente para suas maiores cidades, como Sapé e Santa
Rita. Alojam-se em quartos alugados na periferia dessas cidades,
em condições muito precárias. Nesses quartos, os únicos utensí-
lios domésticos presentes são redes, panelas e a trempe (três pe-
dras dispostas de forma triangular no chão, entre as quais se colo-
ca a lenha e sobre as quais é colocada a panela para cozinhar). Os
próprios trabalhadores cuidam da sua alimentação. Eles passam a
procurar trabalho nas mesmas condições que os bóias-frias locais,
isto é, apresentam-se cotidianamente no mercado de trabalho, na
tentativa de serem agenciados por um “gato”. Normalmente não
usufruem dos direitos trabalhistas (carteira assinada, 13o. salário,
férias e repouso remunerados, etc.). Segundo dados levantados
pelo GESTAR (Grupo de Saúde e Trabalho Rural/UFPb), em
1985 a remuneração média desses trabalhadores era inferior a um
salário mínimo (GESTAR,1985).
O fluxo organizado é aquele formado por traba-
lhadores contratados por um chefe de turma ligado aos proprietá-
rios. Esse agenciador chega numa determinada localidade e con-
voca jovens e adultos para o trabalho no corte da cana. Os traba-
lhadores são transportados em caminhões e alojados em galpões,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 233

nas propriedades das Usinas. A situação desses galpões é, via de


regra, desumana, embora bastante diferenciada. Encontram-se
galpões de alvenaria com sanitários externos e tanques para arma-
zenar água, como também encontram-se galpões cobertos de
telha mas cujas paredes são de pau-a-pique, fechado por sacos de
plástico para embalar adubos, sem sanitários e sem depósitos de
água. Nesse último caso, o galpão serve também de depósito de
agrotóxicos, sobre os quais os trabalhadores armam suas redes.
De um modo geral, os galpões são pequenos para abrigar o nú-
mero de trabalhadores. Segundo estes, "as redes batem umas nas
outras e falta lugar para botar troços". Nos galpões, regra geral, não há
energia, é comum a presença de insetos (muriçocas, baratas, ca-
ranguejeira...). A alimentação durante a semana é preparada por
um cozinheiro. Os trabalhadores adquirem os alimentos nas cida-
des mais próximas e pagam a alguém para preparar a alimentação.
Esta consiste em uma das combinações: farinha/feijão/charque;
feijão/ ovo/farinha; feijão puro; farinha/peixe seco; quarenta
(papa de farinha de milho, água e sal); rapadura e bolacha. Nos
galpões não existe espaço para a cozinha. Um fogão a lenha do
lado de fora serve como tal. Sem proteção contra o vento, as pa-
nelas acabam por receber poeira e fuligem de cana que se mistu-
ram com comida.
Os trabalhadores que integram o fluxo organizado
possuem algumas vantagens em relação ao fluxo espontâneo. Eles
não pagam transporte, não dispendem com aluguel e possuem a
garantia de trabalho todos os dias. Em compensação, são obriga-
dos a:
a) executar todas as tarefas designadas pelo chefe
de turma. Mesmo durante a noite eles podem ser convocados
para trabalhar no “lambaio”, isto é, trabalhar durante a noite no
ritmo das máquinas, juntando as canas por elas deixadas. Alguns
deles são adolescentes com menos de 18 anos que, para ganhar o
equivalente a duas tarefas, trabalham no lambaio das 18:00 às 6:00

233
234 Emília Moreira e Ivan Targino

horas da manhã;65 b) submeter-se a uma intensidade de trabalho


maior do que a dos outros trabalhadores; c) terem suas ações con-
troladas mesmo fora do ambiente de trabalho (o jogo de cartas e
a bebida são proibidos e a penalidade para a transgressão é a per-
da de dias de trabalho durante a semana). Caso não aceitem as
condições de trabalho, são afastados e substituídos.
Estes fluxos são formados basicamente por ho-
mens, na sua maioria jovens. Em um dos galpões visitados, só
haviam jovens entre 14 e 21 anos de idade. A falta de ocupação
no local de origem é a grande razão para a vinda. Do ganho obti-
do o trabalhador tem que garantir sua alimentação no galpão e a
sobrevivência da sua família. Assim, vê-se obrigado a gastar o
mínimo possível na aquisição de gêneros para si, o que explica as
combinações alimentares extremamente precárias enumeradas
anteriormente. Eles são procedentes tanto das periferias das cida-
des do Agreste (Itatuba, Araruna, Cacimba de Dentro - em con-
seqüência da forma de agenciamento, os trabalhadores de cada
galpão procedem de uma mesma localidade), quanto dos vilarejos
e vilas que passam a se constituir em uma nova característica das
áreas rurais do Agreste: o habitat rural concentrado. O aumento
dessas concentrações rurais contrasta com o esvaziamento das
propriedades.
A organização dos galpões fica sob a responsabili-
dade do cabo de turma, que não é necessariamente o cabo de
eito. O jogo de cartas e a bebida são proibidos, a penalidade para
a transgressão é a perda de dias de trabalho durante a semana.
Nos casos de acidentes a responsabilidade cai primeiramente so-
bre o cabo de turma. Só nos casos mais graves é que a Usina é
comunicada.
Dentre as vantagens desse tipo de trabalhador
para as Usinas podem-se citar:

65Sobre as condições de trabalho de crianças e adolescentes na atividade canavieira da Paraíba leia-


se: MOREIRA et alii. Os caras pintadas de suor e da fuligem da cana: um estudo das condições de
vida e trabalho dos trabalhadores mirins da cana. João Pessoa. Relatório Técnico de pesquisa.
CNPq, 1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 235

a) mão-de-obra disponível. Como já foi dito ante-


riormente, os trabalhadores não só são inteiramente disponíveis,
como obrigados a executar o trabalho que lhe for determinado.
Em outras palavras, eles não têm nenhuma autonomia na escolha
do conteúdo, nem da intensidade do trabalho a ser realizado;
b) mão-de-obra disciplinada fora da ingerência dos
sindicatos. Já que são trabalhadores procedentes de outros muni-
cípios não têm ligações com o sindicato local. Mais do que isso, a
imagem difundida sobre o sindicato é a de aproveitador que não
cuida das necessidades dos trabalhadores. Dada a "distância" dos
sindicatos, fica difícil a fiscalização das condições de trabalho,
bem como a arregimentação desses trabalhadores por ocasião das
greves;
c) mão-de-obra mais facilmente explorável. Se-
gundo depoimento do presidente do Sindicato de Trabalhadores
Rurais do município de Caaporã, a tarefa que os trabalhadores
devem realizar cada dia é maior que a estabelecida pelos dissídios
coletivos, o que resulta, concretamente, em uma jornada de traba-
lho mais longa. Por alguns depoimentos colhidos, muitos têm que
trabalhar também aos sábados e até mesmo aos domingos, para
poder completar a tarefa que lhes foi destinada para aquela sema-
na e assim obter o salário integral.
As informações acima contidas mostram, de um
lado, o grau de desproteção e insegurança dos migrantes sazonais
da zona canavieira paraibana e, de outro, as precárias condições
de trabalho e de vida a que são submetidos nos galpões e pontas
de rua.
Outro ponto importante no estudo da população
rural paraibana refere-se à sua distribuição espacial. Esta é marca-
da por forte desigualdade como veremos a seguir.

6.2.3.2. Perfil distributivo da população rural


paraibana

235
236 Emília Moreira e Ivan Targino

A população rural do Estado da Paraíba, em 1991,


era de 1.149.048 habitantes, representando 36,0 % do contingente
demográfico estadual. Essa distribui-se de modo muito irregular
pelo território estadual (v. mapas referentes à distribuição da po-
pulação rural por município in: MOREIRA,1996). De um modo
geral, a porção central do Estado (Mesorregião da Borborema) e a
Microrregião de Patos, no Sertão, apresentam os menores contin-
gentes populacionais, enquanto que a maior concentração de mu-
nicípios com população superior a dez mil habitantes é registrada
no Agreste. No Sertão paraibano distingue-se a Microrregião de
Teixeira, por abrigar o maior contingente de população rural en-
tre todas as Microrregiões sertanejas. Nela, todos os municípios
possuíam mais de cinco mil habitantes na sua área rural em 1991.
A desigualdade da distribuição espacial da popula-
ção rural é melhor evidenciada pelo mapa de densidade populaci-
onal contido no Atlas de Geografia Agrária da Paraíba (MOREI-
RA,1996). É nítida a divisão do Estado em três grandes porções:
a) a zona oriental da Paraíba, composta pelo Lito-
ral e Agreste, onde são registrados os mais altos índices de densi-
dade. Excetuando-se os municípios de Bayeux, Cabedelo e João
Pessoa (na Microrregião de João Pessoa); Mataraca (na Microrre-
gião do Litoral Norte); Juripiranga e Mari (na Microrregião de
Sapé); Campina Grande (na Microrregião do mesmo nome) e os
municípios do Curimataú Ocidental (exceto Arara)66, os demais
tinham, em 1991, índices de densidade superior a 20 hab/km2
(82,4% do total dos municípios daquelas Mesorregiões). Deve-se
ainda salientar que as mais altas densidades estavam concentradas
no Agreste, com destaque para a Microrregião de Esperança que
apresentava uma densidade de população rural da ordem de 85,31
hab/km2, a maior entre todas as Microrregiões do Estado
(v.Cartograma concernente in: MOREIRA,1996). Em nível mu-
nicipal as maiores densidades eram encontradas em São Sebastião

66 Todos apresentavam densidade de população rural inferior a 20 hab/km2.


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 237

da Lagoa de Roça (214,8 hab/km2), Dona Inês (115,6 hab/km2 ),


Lagoa Seca (114,9 hab/km2) e Areia (106,5 hab/km2).
b) a área central do Estado é a que detinha os me-
nores índices de densidade populacional. As Microrregiões do
Cariri Oriental, do Cariri Ocidental e do Seridó Ocidental disti-
guem-se por apresentar densidade rural inferior a 10 hab/km2;
c) excetuando-se a Microrregião de Patos (com
menos de 10 hab/km2), o extremo oeste do Estado apresentava
índices médios de densidade da sua população rural (v. cartogra-
ma concernente in: MOREIRA,1996).
Esse perfil distributivo da população rural parai-
bana mantém estreita relação com uma combinação de fatores
que inclui, tanto os elementos do quadro natural, quanto do pro-
cesso histórico de ocupação do espaço e das formas atuais de
utilização do solo. É expressiva a correspondência entre as áreas
de maior densidade populacional, com as que combinam policul-
tura alimentar e valores mais elevados da produção agrícola. Por
outro lado, as áreas rurais menos povoadas correspondem àquelas
cujas condições do meio apresentam-se mais restritivas à ativida-
de agrícola (regiões de clima árido como o Cariri e o Seridó), ou
ainda àquelas onde, paralelamente ao avanço do processo de pe-
cuarização, foi muito intenso o desmantelamento da principal
atividade agrícola, no caso, a cotonicultora, em decorrência da
praga do Bicudo (Microrregião de Patos).
Em suma, uma análise mais conseqüente da dinâ-
mica da população rural do Estado deve levar em consideração as
transformações recentes na organização da produção agropecuá-
ria, que respondem a uma crescente subordinação desta atividade
à acumulação capitalista. Nesse contexto, as limitações do quadro
natural atuam não apenas como fator de expulsão em momentos
de ocorrência das estiagens prolongadas, mas também como fator
que tem concorrido para a reorientação das formas de utilização
do solo e das relações de trabalho anteriormente vigentes. Reori-
entação que resulta em liberação de mão-de-obra do setor primá-
rio e na acentuação dos fluxos migratórios sazonais.
237
238 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XIII

POPULAÇÃO PARAIBANA
1774/1872
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 239

ANOS LITORAL AGRESTE (1) SERTÃO TOTAL


1774* 16.929 6.155 7.221 30.305
1775* - - - 52.000
1782* 30.009 7.914 14.540 52.463
1808** - - - 95.182
1811* - - - 122.407
1812* - - - 95.162
1819** - - - 96.448
1823** - - - 122.407
1830** - - - 246.000
1840* - - - 227.870
1847* 35.868 92.356 23.228 151.452
1851* 42.526 111.777 54.649 208.952
1860*** - - - 212.000
1867** - - - 300.000
1872** - - - 376.226
Fontes: * PINTO.1977; ** MARCÍLIO. 1974; ***SEIXAS. 1985

1. Entende-se aqui como Agreste a área compreendida pela Vila do Pilar, Paróquia de Taipu,
Cidade de Areia, Vila do Ingá, Paróquia de Natuba, Vila de Alagoa Nova, Vila de Bananeiras,
Paróquia de Cuité, Vila de Independência e Vila de Campina Grande.

QUADRO XIV

POPULAÇÃO PARAIBANA E BRASILEIRA


1872/1980

ANOS BRASIL (1) PARAÍBA (2) .100 (1, 2)


1872 9.930.478 376.226 3,79
1890 14.333.915 457.232 3,19
1900 17.438.434 490.784 2,81
1920 30.635.605 961.106 3,14
1940 41.236.315 1.422.282 3,45
1950 51.944.397 1.713.259 3,30
1960 70.992.343 2.018.023 2,84
1970 94.508.554 2.382.617 2,52
1980 119.002.706 2.770.176 2,32
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos de 1872 a 1980.

QUADRO XV

ÍNDICE DE FECUNDIDADE TOTAL SEGUNDO A SITUA-


ÇÃO DOMICILIAR. BRASIL, NORDESTE E PARAÍBA
239
240 Emília Moreira e Ivan Targino

LUGAR 1960-1970 1970-1980


TOTAL URBA- RURAL TOTAL URBA- RURAL
NO NO
BRASIL(1) 5,7 4,5 7,7 4,3 3,6 6,4
NORDESTE(1) 7,5 6,4 8,4 6,1 4,9 7,6
PARAÍBA(2) 7,7 6,6 8,8 5,8 5,1 7,7
Fontes: (1) MOURA, 1985:161
(2) SUDENE, 1984:185

QUADRO XVI

NÚMERO MÉDIO DE FILHOS POR MULHER DE 15 ANOS


E MAIS QUE TIVERAM FILHOS, SEGUNDO A RENDA
FAMILIAR DA MULHER, POR SITUAÇÃO DOMICILIAR
1980

CLASSE DE URBANA RURAL


RENDA TOTAL (1) (2) 1-2
Até ¼ do S.M. 5,7 5,9 5,8 -0,3
¼ a ½ do S.M. 6,4 6,5 6,4 -0,1
½ a 1 S.M. 6,2 6,0 6,4 0,4
1 a 2 S.M. 6,8 6,2 7,6 1,4
2 a 5 S.M. 6,6 6,1 8,4 2,3
5 a 10 S.M. 5,6 5,3 7,9 2,6
10 a 20 S.M. 4,5 4,4 5,7 1,3
+ de 20 S.M. 4,2 4,2 5,4 1,2
s/rendimento 5,1 4,3 5,5 1,2
s/declaração 7,7 7,0 8,6 1,6
TOTAL 6,3 5,9 6,8 0,9
Fonte: FIBGE. Censo Demográfico da Paraíba, 1980
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 241

QUADRO XVII

ESTADO DA PARAÍBA
POPULAÇÃO RESIDENTE TOTAL E RURAL
1950 - 1991

ANOS TOTAL(1) RURAL(2) 2/1 100


1950 1.713.259 1.256.543 73,3
1960 2.000.851 1.303.515 65,1
1970 2.382.617 1.380.461 57,9
1980 2.770.176 1.321.172 47,6
1991 3.201.114 1.149.048 36,0
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1950, 1960, 1970, 1980 e 1991.

QUADRO XVIII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO
AS MESORREGIÕES
1970/1980

TAXA GEOMÉTRICA DE
MESORREGIÃO CRESCIMENTO ANUAL
DA POPULAÇÃO RURAL
(%)
1970/1980
MATA PARAIBANA -1,60
AGRESTE -0,68
BORBOREMA -0,03
SERTÃO PARAIBANO 0,15
PARAÍBA -0,44
Fonte: FIBGE.Censos Demográficos da Paraíba,1970 e 1980.

241
242 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XIX

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO
AS MICRORREGIÕES
1970/1980

TAXA GEOMÉTRICA DE
MICRORREGIÃO CRESCIMENTO ANUAL DA
POPULAÇÃO RURAL (%)
1970/1980
João Pessoa -3,92
Litoral Norte -0,51
Litoral Sul -0,40
Sapé -1,93
Curimataú Oriental 0,14
Brejo Paraibano -1,68
Campina Grande -1,30
Curimataú Ocidental -0,17
Esperança -0,09
Guarabira -0,79
Itabaiana -0,33
Umbuzeiro 0,35
Cariri Oriental -0,36
Cariri Ocidental 0,01
Seridó Ocidental -0,39
Seridó Oriental 0,42
Cajazeiras 0,10
Catolé do Rocha 0,21
Itaporanga 0,05
Patos -0,20
Piancó -0,70
Sousa -0,02
Teixeira 1,27
Fonte. FIBGE. Censos Demográficos de 1970 e 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 243

QUADRO XX

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO
AS MESORREGIÕES
1980/1991

TAXA GEOMÉTRICA DE
MESORREGIÃO CRESCIMENTO ANUAL
DA POPULAÇÃO RURAL
(%)
1980/1991
MATA PARAIBANA -0,72
AGRESTE -1,05
BORBOREMA -1,78
SERTÃO PARAIBANO 1,51
PARAÍBA -1,26
Fonte: Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991

QUADRO XXI
243
244 Emília Moreira e Ivan Targino

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO
AS MICRORREGIÕES
1980/1991

TAXA GEOM. DE CRESCI-


MICRORREGIÃO MENTO ANUAL DA POPULA-
ÇÃO RURAL (%)
1980/1991
João Pessoa -0,44
Litoral Norte -0,87
Litoral Sul 0,52
Sapé -1,44
Curimataú Oriental -1,23
Brejo Paraibano -1,39
Campina Grande -0,25
Curimataú Ocidental -1,53
Esperança -0,36
Guarabira -1,93
Itabaiana -1,00
Umbuzeiro -0,31
Cariri Oriental -0,71
Cariri Ocidental -2,50
Seridó Ocidental -2,98
Seridó Oriental -1,10
Cajazeiras -1,23
Catolé do Rocha -2,00
Itaporanga -1,48
Patos -2,69
Piancó -1,71
Sousa -1,98
Teixeira -0,33
Fonte. FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 245

QUADRO XXII
ESTADO DA PARAÍBA
POPULAÇÃO RESIDENTE E POPULAÇÃO MIGRANTE POR PROCEDÊNCIA, SEGUNDO O TAMA-
NHO DAS CIDADES1 1970/1980
CLASSES/ANO NÚMERO POPULAÇÃO TOTAL2 POPULAÇÃO MIGRANTE
1970 Total3 Urbana Rural
menos de 1.000 33 13.727 2.207 1.004 1.203
1.000 — 2.000 40 41.588 6.024 2.847 2.146
2.000 — 3.000 23 35.552 5.803 2.942 2.857
3.000 — 5.000 31 84.692 15.626 7.753 7.852
5.000 — 10.000 23 103.107 22.607 10.703 11.861
10.000 — 20.000 11 121.107 29.896 17.848 11.938
20.000 — 60.000 7 191.026 54.222 40.740 13.458
60.000 e mais 2 376.123 125.847 100.263 25.406
Total 966.922 262.234 184.110 77.721

1980
menos de 1.000 33 20.675 4.820 1.822 2.998
1.000 — 2.000 40 60.600 13.771 4.880 8.891
2.000 — 3.000 23 54.850 13.125 4.952 8.173
3.000 — 5.000 31 125.502 29.780 12.269 17.511
5.000 — 10.000 23 149.261 43.938 17.964 25.974
10.000 — 20.000 11 153.786 50.153 26.431 23.722
20.000 — 60.000 7 289.065 118.968 66.377 52.591
60.000 e mais 2 548.684 240.911 147.569 93.342
Total 1.402.423 515.466 282.264 233.202
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

Notas: 1) As cidades foram classificadas segundo o tamanho de suas populações em 1980.


2) Não inclui população urbana dos distritos.
3) Inclui procedência ignorada.

245
246 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXIII

ESTADO DA PARAÍBA
CIDADES QUE APRESENTARAM AS MAIORES TAXAS
ANUAIS DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO NA
DÉCADA DE 80

TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO


CIDADES GEOMÉTRICO DA POPULAÇÃO (%)
1980/1991
Mataraca 14,30
Conde 14,07
Lucena 12,85
Jacaraú 9,60
Juru 8,49
Paulista 8,37
Quixaba 8,18
Caaporã 8,06
Emas 8,01
Pedra Branca 7,90
São Sebastião da Lagoa de Roça 7,52
Serra Grande 7,49
Santana de Mangueira 7,23
Camalaú 7,22
Curral Velho 6,96
Montadas 6,91
Pitimbu 6,89
São Bento 6,81
Triunfo 6,80
São José de Espinharas 6,93
Desterro de Malta 6,88
Nova Palmeira 6,76
Bom Sucesso 6,74
Queimadas 6,73
Junco do Seridó 6,68
Bom Jesus 6,45
Seridó 6,34
Livramento 6,30
Frei Martinho 6,27
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 247

BIBLIOGRAFIA
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SUAREZ, M.T.S. Cassacos e corumbas. São Paulo, Ática,1977

247
248 Emília Moreira e Ivan Targino
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 249

7. EVOLUÇÃO RECENTE DO
EMPREGO RURAL E DAS
RELAÇÕES DE TRABALHO NO
CAMPO PARAIBANO

“Que é que meu patrão fazia


Se eu passasse a sê patrão
E meu patrão de repente
Tomasse a minha patente
De cativo moradô,
Morando numa paioça
Trabaiando em minha roça
Sendo meu trabaiadô?

E enquanto no meu roçado


Tratasse do meu legume
Me visse todo equipado
Todo pronto de prefume
Entrá pra dentro do carro
Fumando belo cigarro
Sem oiá seu sacrifiço
E o senhô acabrunhado
Trabaiando, trabaiando,
Acabando meu serviço?

Versos do poema Pergunta de Moradô, de Geraldo Gonçal-


ves de Alencar

De um modo geral, o nível do emprego mantém


relação com uma série de fatores tais como nível do produto,
ritmo de acumulação, evolução das relações técnicas e sociais de
produção e estrutura fundiária. No caso da agricultura, pode-se

249
250 Emília Moreira e Ivan Targino

acrescentar também a quantidade de terras incorporadas ao pro-


cesso produtivo, bem como as formas de uso do solo. Vale dizer,
que o nível e a composição do emprego são resultantes de uma
série de fatores, alguns atuando como estimuladores, outros como
inibidores da utilização da força-de-trabalho na produção de bens
agropecuários. Por outro lado, a evolução das variáveis relaciona-
das com o mundo do trabalho rural estão estreitamente vincula-
das à dinâmica da população rural. De um lado, a capacidade do
setor primário de gerar emprego e renda constitui uma das condi-
ções fundamentais para a fixação do homem no campo e, de ou-
tro lado, algumas alterações nas relações sociais de produção
pressupõem a expropriação/expulsão de parcela significativa da
população rural.

O período em estudo é bastante rico para eviden-


ciar tais interações. Como já foi visto em capítulos anteriores, a
organização do espaço agrário estadual tem sofrido transforma-
ções significativas, no sentido de sua modernização, vale dizer, no
sentido de sua subordinação real ao capital. O processo de desen-
volvimento daí resultante tem gerado, de um lado, o crescimento
da riqueza, consubstanciado no aumento do produto e de sua
concentração e, de outro lado, em movimento aparentemente
contraditório, a exclusão social de parcela significativa da classe
trabalhadora e a deterioração das relações sociais. Os impactos da
modernização conservadora do espaço agrário sobre as relações
de trabalho e o emprego no campo paraibano serão objeto de
estudo dos próximos itens.

7.1. Evolução recente do volume do emprego rural

A análise dos dados relativos ao quantitativo do


emprego no campo paraibano ressalta alguns aspectos importan-
tes, a seguir discutidos.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 251

7.1.1. Retração relativa da capacidade de ab-


sorção da força-de-trabalho por parte
do setor primário

A modernização da atividade agrícola e o cresci-


mento das atividades urbanas têm provocado, nas últimas déca-
das, mudanças significativas na composição setorial do emprego
no Estado. Como pode ser observado no quadro XXIV, o setor
primário absorvia, em 1950, quase oito décimos da população
economicamente ativa (PEA) estadual. Essa participação tem
declinado de forma persistente, atingindo cerca de três décimos
em 1990. A análise dos dados chama a atenção para o fato de que
foi na última década que se operou a mais brusca redução: perda
de vinte pontos percentuais nos anos oitenta, contra 27 pontos
nas três décadas anteriores. O declínio relativo da capacidade de
absorção de mão-de-obra por parte do setor primário guarda uma
estreita correlação com a evolução da sua contribuição na forma-
ção do produto interno bruto. Esse setor respondia por mais da
metade do PIB estadual em 1950, enquanto que na primeira me-
tade dos anos noventa esta participação situa-se em torno dos dez
pontos percentuais. Observa-se, portanto, ao longo da segunda
metade do século XX a quebra da hegemonia das atividades pri-
márias, tanto na geração da riqueza quanto na absorção da força-
de-trabalho. Acontece a transição de uma sociedade rural para
uma sociedade urbana, com todas as vantagens e problemas daí
decorrentes.
O declínio relativo da capacidade de absorção de
mão-de-obra pelo setor primário reproduziu-se tanto em nível
regional como municipal nos anos setenta. Alguns aspectos refe-
rentes ao comportamento da PEA agrícola paraibana nesse perí-
odo podem ser visualizados nos mapas contidos no Atlas de Ge-
ografia Agrária da Paraíba (MOREIRA,1996). Esses mapas mos-
tram como a diminuição da PEA agrícola se deu de forma disse-
minada em todo o Estado. Em 1970, em apenas seis municípios,
a sua participação na PEA total era inferior a 50,0%. Em 1980,
251
252 Emília Moreira e Ivan Targino

esse número quase que triplica. Além disso diminuem de forma


significativa os municípios onde o setor primário absorvia mais de
90,0% da sua força-de-trabalho. Importa lembrar que, na maioria
dos casos, o declínio do poder de absorção do setor primário não
corresponde ao fortalecimento da economia urbana desses muni-
cípios, o que permitiria incorporar o contingente de trabalhadores
repelido pela atividade agropecuária;

7.1.2. Comportamento oscilante do contingen-


te de mão-de-obra engajado na agro-
pecuária

A comparação dos dados censitários sobre a PEA


agrícola, relativos aos anos de 1970 e 1980, mostra uma redução
do total da PEA da ordem de 6% (437,9 mil em 1970 e 412,6 mil
em 1980). Durante a década de oitenta, os dados da PNAD rela-
tivos à PEA rural apontam para um emprego médio da ordem de
426 mil pessoas. É bem verdade que não se pode comparar os
dados dos Censos Demográficos com os da PNAD. No entanto,
as informações colhidas pela PNAD na década de oitenta indicam
um patamar do nível do emprego rural não muito diferente da-
queles registrados pelos Censos Demográficos em 1970 e 1980.
Com os cuidados devidos, pode-se arriscar a afirmação de que o
nível absoluto do emprego rural, nas últimas décadas, tem apre-
sentado alguma oscilação em torno de um patamar um pouco
superior a quatrocentos mil empregos.
Esses dados parecem contradizer uma afirmação
bastante recorrente na literatura de que as mudanças na base téc-
nica da agricultura leva a uma redução absoluta do emprego pri-
mário. Assim, era de se esperar que o declínio do emprego obser-
vado na década de setenta tivesse continuado na década de oiten-
ta. Alguns fatores tais como a expansão do grau de feminilidade
da força-de-trabalho, o aumento do número de trabalhadores
jovens e a persistência da pequena propriedade, que serão discuti-
dos na seqüência, parecem ter atuado no sentido de atenuar os
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 253

efeitos do processo de modernização sobre o volume do emprego


rural.
Além dos fatores acima enumerados, não se deve
esquecer que a despeito da redução da sua participação relativa no
PIB estadual, o produto do setor agrícola, malgrado as grandes
secas ocorridas no período em estudo, não deixou de crescer,
embora a um ritmo bem inferior ao dos demais setores da eco-
nomia. Na década de sessenta, o PIB do setor primário cresceu
1,3% contra 7,6% e 9,7% do PIB dos setores secundário e terciá-
rio, respectivamente. Na década de 80, as taxas observadas foram
de 4,6% contra 5,2% e 6,0% para os setores industrial e de servi-
ços. De alguma forma, o comportamento do produto do setor
primário deve ter contribuído para a manutenção do patamar do
nível do emprego rural nas últimas décadas.

7.1.3. Aumento da força-de-trabalho feminina


e juvenil

A observação dos dados referentes ao comporta-


mento da mão-de-obra quanto ao sexo e à idade (v. quadro
XXV), destaca alguns fatos relevantes: em primeiro lugar, um
decréscimo persistente da participação dos homens no conjunto
da mão-de-obra. Com efeito, o grau de masculinidade, que era da
ordem de 92% em 1970, decai para 88% em 1980 e para 72% em
1989. Verifica-se também que a variação ocorrida se deu tanto em
termos relativos quanto absolutos. A redução da força-de-
trabalho masculina é observada com mais intensidade nas faixas
etárias acima de 20 anos de idade; em segundo lugar, contrapon-
do-se à redução absoluta e relativa dos homens trabalhadores,
tem-se a elevação do contingente das mulheres e dos jovens (v.
quadro XXV e MOREIRA, 1996). O que vale dizer que o cres-
cimento da mão-de-obra feminina e juvenil tem arrefecido os
impactos da redução do trabalho masculino adulto sobre o con-
junto do emprego agrícola.

253
254 Emília Moreira e Ivan Targino

O crescimento da força-de-trabalho juvenil e fe-


minina é confirmado através dos dados do Censo Agropecuário
relativos ao pessoal ocupado nas atividades agropecuárias. Segun-
do essa fonte, o número de crianças menores de 14 anos (v. gráfi-
co concernente in: MOREIRA,1996) e de mulheres ocupadas na
atividade agropecuária, cresceu respectivamente 4,5% e 2,5% na
década de setenta. Dentre as crianças de menos de 14 anos ocu-
padas no setor primário, destacaram-se as do sexo feminino com
um crescimento da ordem de 7,9% (MOREIRA,1996). Na Zona
Canavieira paraibana o número de mulheres ocupadas na agricul-
tura cresceu 39,5% entre 1975 (ano de criação do Proalcool) e
1985. Nesse mesmo período, o número de crianças menores de
14 anos engajadas no processo produtivo agrícola na região au-
mentou 35,0%.
O que teria determinado as mudanças na compo-
sição do emprego rural quanto a sua estrutura etária e sexual du-
rante as últimas décadas? Além de algumas explicações de ordem
metodológica (MARTINE & ARIAS,1988),67 algumas causas
podem ser buscadas na dinâmica do processo modernizador da
agricultura que teve lugar no período em foco e nos seus impac-
tos sobre o uso do solo, a base técnica da produção, as relações
de trabalho e sobre a dinâmica migratória da população rural. As
transformações ocorridas na organização agrária estadual têm
contribuído para a expulsão de camada significativa da população
da zona rural, bem como propiciaram o avanço do assalariamento
da força-de-trabalho agrícola.

67São três as fontes básicas de informações sobre emprego rural na Paraíba: o Censo Agropecuá-
rio, o Censo Demográfico e a PNAD. Essas fontes porém, apresentam certas limitações no que
tange à possibilidade de se fazer análise comparativa de seus dados. Isso porque elas utilizam
metodologias e processos operacionais distintos que redundam, conseqüentemente, em resultados
também distintos. Essa forma diferenciada de apresentação dos dados antes de implicar em
equívoco de uma ou outra fonte, representa a realidade a partir da forma como ela foi abordada,
da data dos levantamentos realizados e dos diferentes conceitos aplicados. Segundo Martine e
Arias, “Não se trata do fato de uma ou outra fonte estar ‘errada’ nos seus conceitos, na sua metodologia ou nos
seus dados. São fontes que têm objetivos diferentes e conseqüentemente, abordagens distintas” (MARTINE,G. &
ARIAS, A. 1988:61).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 255

Em relação ao efeito da migração sobre o empre-


go feminino e infantil, tem-se que, embora o êxodo rural venha
ocorrendo de modo maciço no Estado, a migração afeta mais
fortemente a população masculina em idade ativa. Ao sair do
campo, as famílias fixam-se nas periferias urbanas ou nos aglome-
rados rurais, cabendo ao pai e aos filhos maiores a busca de opor-
tunidades de trabalho seja na construção civil, seja em atividades
de serviços de baixa remuneração, seja ainda, em atividades agrí-
colas como a canavieira. Os baixos níveis salariais percebidos
obrigam à mulher e aos filhos menores engajarem-se na atividade
agropecuária ou ampliarem o número de horas que já dedicavam
à agricultura seja como assalariados, seja na pequena produção
familiar, no caso da família ser pequena proprietária.
Desse modo, o movimento ascendente do empre-
go feminino e infantil acusado pelas fontes de informação anteri-
ormente citadas, pode ser imputado, parcialmente, tanto à emi-
gração dos membros masculinos adultos da família, como à ne-
cessidade de ampliação da renda familiar, dado o baixo nível de
remuneração da força-de-trabalho do chefe da família. Está em
curso uma mudança do papel da mulher no mundo do trabalho
rural. A ela cabia a procriação e a execução de algumas tarefas
bem precisas na unidade de produção familiar: ajuda no plantio e
na colheita e o trato da criação miúda. Hoje assiste-se não só ao
controle do processo produtivo nas pequenas unidades familiares
cujo chefe migrou, como também ao seu assalariamento. O que
antes era desonra para o trabalhador (ter a mulher e os filhos no
eito) hoje passa a ser uma necessidade.
Quanto ao efeito crescente do assalariamento no
campo, observa-se que a transformação do produtor direto em
assalariado temporário repercute sobre o nível de renda da famí-
lia, obrigando o ingresso das mulheres e dos filhos menores de
idade no processo produtivo, como estratégia de garantir a sobre-
vivência familiar. Para tanto, tem concorrido também a forma de
pagamento do trabalho através de um sistema combinando pro-
dução e diária. Isto é, estima-se qual seria a produção do traba-
255
256 Emília Moreira e Ivan Targino

lhador em um dia de trabalho e faz-se o pagamento da diária


àquele que tenha atingido a cota. Isso tem obrigado o pai de famí-
lia a levar os filhos para ajudá-lo a executar a tarefa/diária para ele
definida. Sobretudo na área canavieira, não é desprezível o núme-
ro de menores ocupados dessa forma (GESTAR,1988). Além do
trabalho da criança e do adolescente como “ajudantes” do pai,
expande-se também o trabalho assalariado do menor, sobretudo
nas lavouras comerciais (cana, abacaxi, inhame, etc.). Sobre a im-
portância do trabalho infanto-juvenil, alguns pesquisadores do
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESAT) ao
analisar o fenômeno na área canavieira da Paraíba afirmam que:

“Não de pode negar que o elevado grau de po-


breza da classe trabalhadora é o principal res-
ponsável pela inserção prematura dos jovens no
mercado de trabalho. As famílias vêem-se obri-
gadas a recorrer à força-de-trabalho de seus filhos
como forma de complementar a renda e garantir
o sustento mínimo da unidade familiar” (MO-
REIRA et alii, 1995:14).

7.1.4. manutenção da pequena propriedade


como principal fonte de ocupação

Conforme foi discutido no capítulo 4, apesar das


modificações na organização agrária, constata-se que a pequena
propriedade68 ainda continua expressiva no contexto da estrutura
fundiária estadual. Em 1985, ela representava mais de 90% do
total dos estabelecimentos agrícolas (v. quadro X no cap. 4). Essa
observação é de fundamental importância para a questão do em-
prego, já que essas propriedades têm absorvido mais de três quar-
tos do pessoal ocupado no setor agropecuário paraibano. A pe-

68O termo pequena propriedade é aqui utilizado como sinônimo de pequeno estabelecimento
agrícola.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 257

quena propriedade funciona como um freio ao processo de redu-


ção da força-de-trabalho rural que se poderia esperar com a mo-
dernização da atividade. A pequena propriedade do solo consegue
reter parte do contingente populacional que tenderia a migrar.
Evidentemente que ao fazer essa afirmação não se está dizendo
que a pequena propriedade impede a mobilidade espacial da po-
pulação. Vários estudos têm mostrado, inclusive, que a migração
de parte da força-de-trabalho da pequena propriedade é parte da
estratégia de sobrevivência dessas unidades familiares de produ-
ção (GARCIA JR.,1983; FIGUEIREDO, 1991). A remessa de
recursos por parte dos homens adultos que migraram garante
parte importante da reprodução da unidade produtiva familiar.
Com a saída do chefe, conforme já discutido no item anterior, a
mulher e os filhos garantem a exploração da terra e os cuidados
com os animais. Interessante destacar que, segundo os dados cen-
sitários, o crescimento maior da força-de-trabalho infantil e femi-
nina se dá exatamente na categoria de “membros não remunera-
dos da família”.
Entre as pequenas propriedades deve-se destacar
aquelas com menos de 10 hectares cujo número, após sofrer uma
pequena redução na década de 70, voltou a crescer na primeira
metade dos anos oitenta, conforme os dados do Censo Agrope-
cuário de 1985 (v. quadro X no cap. 4). Esse comportamento da
pequena propriedade na década de oitenta deve-se a vários fato-
res, podendo-se sublinhar dois deles: a luta pela terra que tem
conseguido a desapropriação e/ou aquisição de várias áreas no
Estado, como será visto no capítulo seguinte, e o processo de
fracionamento da pequena unidade de produção por motivo de
herança. Em algumas áreas visitadas, esse processo tem se dado
com tal intensidade que algumas regiões de minifúndio tem se
convertido em verdadeiros núcleos de povoamento rural concen-
trado. O que ocorre no Sítio Rio Vermelho, no município de Sa-
pé, é bastante ilustrativo desse processo. Em virtude do tamanho
dos lotes que se restringem basicamente ao chão da casa e a um
terreiro, os homens adultos têm, forçosamente, que migrar. Em
257
258 Emília Moreira e Ivan Targino

muitos casos, esses trabalhadores não realizam um movimento


migratório tradicional de média ou longa duração mas, simples-
mente, passam a semana fora e voltam no final da semana com o
dinheiro para a feira. Trata-se de uma nova forma de articulação
do minifúndio, desta feita com setores da economia urbana, em
particular, com o da construção civil.
A importância do peso da pequena propriedade na
absorção e retenção de mão-de-obra pode ser percebida também
quando se constata que mesmo com o declínio do sisal e do algo-
dão, culturas que apresentaram os maiores índices de ocupação
homem/hectare entre as lavouras em 1980, não aconteceu a re-
dução do emprego rural que se podia esperar.69
A manutenção da capacidade de absorção da mão-
de-obra pela pequena propriedade deve-se não só ao crescimento
do seu número e da sua área, como também e, principalmente, ao
fato dessas unidades produtivas não terem sido atingidas de modo
substancial pelo processo de modernização. No capítulo 5, frisa-
va-se o aspecto desigual e seletivo desse processo. As mudanças
na base técnica da produção atingiram mais fortemente algumas
culturas (cana, abacaxi, tomate, p. ex.) e concentraram-se nas
grandes e médias propriedades.
Se o volume do emprego, pelas razões até aqui
discutidas e expostas, não foi afetado de modo mais profundo
pelas modificações em curso no agro paraibano, o mesmo não se
pode dizer das relações de trabalho. Como será visto a seguir,
durante a segunda metade do século XX ocorreram mudanças
substanciais nas relações de trabalho no campo, que tiveram reba-
timento nas relações sociais, ora “purificando” o caráter capitalis-
ta das mesmas, ora eliminando/recriando antigas relações.

7.2. As mudanças nas relações de trabalho no campo

69Ressalte-se também que os efeitos da praga do bicudo sobre a cultura do algodão ainda não
teriam sido captados pelo Censo de 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 259

A dominação do capital sobre o processo produti-


vo agrícola concretizado na Paraíba através da expansão da ativi-
dade canavieira (via Proalcool) e da pecuária e, mais recentemen-
te, da fruticultura, tiveram repercussões profundas sobre as rela-
ções de trabalho no campo. O marco maior desse processo cor-
responde ao avanço do trabalho assalariado, em particular, do
trabalho assalariado temporário e a persistência/recriação de for-
mas de trabalho tradicionais como a parceria e a posse da terra,
como veremos a seguir.

7.2.1. As relações de trabalho no campo


(1970/1990)

Não resta dúvida de que o novo modelo de acu-


mulação adotado pela agropecuária paraibana a partir da década
de 70 foi responsável pela expansão do trabalho assalariado no
campo observado nesse período. Essa expansão foi acompanhada
pelo processo de expulsão/expropriação de milhares de produto-
res diretos. O que vale dizer que o assalariamento do campo se
deu em detrimento de algumas formas tradicionais de trabalho.
De fato, enquanto os empregados assalariados passaram de
73.833 em 1970 para 166.584 em 1980, o que representou um
crescimento médio de 125,6% no período, o trabalho familiar70
apresentou um crescimento negativo da ordem de 2,7% (-0,3% ao
ano), os parceiros subordinados71 reduziram-se em 27,9% (-3,2%
ao ano) e os moradores e agregados sofreram uma retração da

70Denomina-se de trabalho familiar o que é executado pelo responsável e pelos membros não
remunerados da família. São considerados “responsáveis e membros não remunerados da família”
pelo Censo Agropecuário os produtores e os administradores que no momento do Censo eram
responsáveis pela direção dos estabelecimentos e os membros de sua família que os ajudavam na
execução dos trabalhos sem receber qualquer tipo de remuneração. FIBGE. Censo Agropecuário -
1970/1980.
71 O Censo Agropecuário considera como parceiros subordinados as pessoas diretamente subor-
dinadas ao responsável pelo estabelecimento que recebem em troca das tarefas que executam uma
quota-parte da produção obtida com seu trabalho (meia, terça, etc.). FIBGE. Censo Agropecuário
- 1970/1980.
259
260 Emília Moreira e Ivan Targino

ordem de 71,7% (-11,9% ao ano) no mesmo período. Merecem


destaque os empregados assalariados temporários72, com um
crescimento superior ao verificado para o total de assalariados
(162,1% no período; 10,0% ao ano) e os empregados assalariados
permanentes73 com um crescimento da ordem de 52,5% no perí-
odo.
O crescimento do trabalho assalariado represen-
tou, na verdade, um processo de tercerização das contratações de
trabalhadores na agricultura. Vários estudos têm mostrado como,
sobretudo na região açucareira, os trabalhadores temporários pas-
saram a ser agenciados por “gatos” ou empreiteiros que contra-
tam os serviços a serem realizados com os proprietários. Essa foi
a forma encontrada de tentar driblar a legislação trabalhista ou,
pelo menos, de dificultar o trabalho de fiscalização dos órgãos do
Estado e dos sindicatos.
Esse crescimento do trabalho assalariado observa-
do na década de setenta foi comum a todas as Mesorregiões do
Estado (v. quadro XXVI e mapas concernentes in: MOREIRA,
1996). No Litoral e no Agreste, a implantação do Proalcool e a
modernização da atividade canavieira por ele promovida, estão na
base desse crescimento. Nos municípios dessas regiões que com-
põem a Zona Canavieira da Paraíba (v. capítulo 3) ao lado de um
declínio da população rural da ordem de -1,43% ao ano no decê-
nio, observou-se um aumento dos empregados assalariados tem-
porários de 18,5%. Enquanto isso os moradores e agregados re-
duziam-se em 82,3% e os arrendatários em 18,5%. Entre 1975 e
1985 o crescimento dos empregados assalariados na citada região

72O Censo Agropecuário considera como “empregados temporários” as pessoas contratadas para
tarefas eventuais ou de curta duração em troca de um salário (em dinheiro ou em quantidade fixa
de produto). FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980. Os empregados temporários são também
conhecidos: como bóias-frias (porque costumam levar a comida para o trabalho consumindo-a
fria); como volantes (por não terem um local fixo de trabalho, estando a cada dia executando suas
tarefas em locais diferentes); como trabalhadores clandestinos (por não terem carteira assinada e
assim não serem beneficiados pelas leis trabalhistas).
73Os empregados assalariados permanentes são aqueles que exercem atividades de caráter efetivo
ou de longa duração em troca de um salário (em dinheiro ou em quantidade fixa de produto).
FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 261

foi de 93,6%. Significa dizer que no período áureo do Proalcool,


paralelo ao esvaziamento do campo, observou-se uma intensifica-
ção do trabalho assalariado nos municípios produtores de cana da
porção oriental do Estado e uma forte retração de formas de tra-
balho pré-capitalistas como o sistema morador e o arrendamento.
Por outro lado, o engajamento da população nas frentes de traba-
lho durante a seca que teve início em 1979 e se estendeu até 1983,
deve ter contribuído para o aumento significativo observado no
número de empregados assalariados nas Mesorregiões do semi-
árido.
Em nível das Microrregiões, à exceção das de Sa-
pé, de Campina Grande e de Esperança, todas as demais apresen-
taram importante aumento dos empregados assalariados temporá-
rios entre 1970 e 1980 (v. quadro XXVII e mapas do Atlas de
Geografia Agrária in: MOREIRA,1996). Na porção oriental do
Estado ressalta-se a Microrregião do Litoral Sul, justamente aque-
la onde foi mais intensa a ação do Proalcool no período. No que
tange aos empregados permanentes, apenas as Microrregiões de
Guarabira, Umbuzeiro, do Seridó Oriental e de Teixeira acusaram
crescimento negativo (v. quadro XXVIII e mapas do Atlas de
Geografia Agrária in: MOREIRA,1996). A participação dos assa-
lariados no total do pessoal ocupado também aumentou de 12,6%
para 25,6% nos anos setenta.
É necessário chamar a atenção para o fato de que
à transformação do produtor direto em assalariado não corres-
pondeu uma melhoria no padrão de vida da população. Ao con-
trário, segundo os dados da PNAD, em 1985, mais de 85,0% da
população ocupada na atividade agrícola ou não era remunerada
(30,8%) ou percebia até um piso salarial (54,4%). Do total de em-
pregados na atividade agrícola, 97,3% trabalhavam sem carteira
assinada. Assim, o peso que assume o emprego rural na Paraíba,
ao tempo em que reforça os indicadores do baixo nível de desen-
volvimento sócio-econômico do Estado, em razão dos níveis de
remuneração aí prevalecentes, acentua a dimensão da pobreza da
maior parte da população estadual.
261
262 Emília Moreira e Ivan Targino

Nos anos setenta, ao lado do avanço do assalaria-


mento do trabalhador rural, observou-se como já foi mencionado,
a retração de algumas formas de trabalho tradicionais. No caso do
trabalho familiar, este declinou em 87 municípios (50,9% do total
dos municípios existentes no Estado) situados tanto nas áreas
produtoras de cana do Litoral e do Brejo como no Agreste de
Esperança (onde a pequena produção desempenha um papel re-
levante), na bacia leiteira de Campina Grande e em outras áreas
do Agreste, do Cariri e do Sertão da Paraíba (v. mapas concernen-
tes in: MOREIRA,1996). Sua participação no total do pessoal
ocupado passou de 79,6% em 1970 para 69,8% em 1980. Os par-
ceiros subordinados, por sua vez, reduziram-se em 90 municípios
(52,6% do total), na sua grande maioria situados em áreas onde
essa forma de trabalho é considerada tradicional como no Sertão,
no Curimataú e no Agreste (incluindo-se o Brejo) (v. mapas con-
cernentes in: MOREIRA,1996). A participação dos parceiros su-
bordinados no total do pessoal ocupado, caiu de 6,9% em 1970
para 4,5% em 1980. Mais expressivo foi o comportamento dos
moradores e agregados que se reduziram em 105 municípios do
Estado (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996).
No que tange aos produtores rurais74, os dados
censitários indicam que eles também sofreram redução nos anos
setenta em 57,0% dos municípios paraibanos. Passaram de
169.667 para 167.410 o que significou uma diminuição de 2.257
produtores (-1,3% no período). Essa diminuição foi constatada
tanto entre os produtores proprietários como entre os não pro-
prietários (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Ela deve-
se particularmente à queda dos arrendatários75 e dos pequenos
proprietários (v.quadro XXIX). Os arrendatários apresentaram

74Os Censos Agropecuários de 1970 e 1980 consideram como produtores rurais as pessoas físicas
ou jurídicas que detêm a responsabilidade da exploração do estabelecimento, quer seja o mesmo
pertencente a si próprio ou a terceiros.
75Arrendatários para o Censo Agropecuário são produtores rurais que alugam terras de terceiros e
pagam um aluguel em dinheiro ou sua equivalência em produto. FIBGE. Censo Agropecuário -
1970/1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 263

um comportamento decrescente da ordem de 23,5% (-2,6% ao


ano). Esse fato foi observado na maioria dos municípios do Esta-
do com destaque:
a) para alguns situados na zona canavieira do Lito-
ral tais como Cruz do Espírito Santo, Sapé, Santa Rita, Pitimbu,
São Miguel de Taipu, Mataraca, entre outros (v. mapa do cresci-
mento do produtor arrendatário in: MOREIRA, 1996);

b) para os situados nas diversas subunidades espa-


ciais que compõem o Agreste e o restante do semi-árido paraiba-
no. Merece menção especial a retração dessa categoria no Sertão
onde o arrendamento constitui uma das formas mais comuns e
mais tradicionais de trabalho (MOREIRA, 1996).
Os produtores proprietários76 passaram de
108.232 em 1970 para 104.849 em 1980 (-3,1% no período). Res-
ponsável por isso foram os pequenos proprietários com menos de
vinte hectares de terra, que sofreram uma redução equivalente a
7,2% (-0,75% ao ano) (v.quadro XXIX).

A diminuição da força-de-trabalho familiar, bem


como dos parceiros subordinados, dos arrendatários, dos mora-
dores e agregados e dos pequenos proprietários observada na
década de setenta, exprime com muita clareza a retração de for-
mas e relações de trabalho que não se ajustam às novas necessi-
dades de acumulação capitalista na agricultura.

“É o capital necessitando libertar a terra en-


quanto meio de produção, de formas de organi-
zação que não se coadunam com a sua expansão
na esfera produtiva e que só são permitidas en-

76Produtores Proprietários são os que detêm a propriedade jurídica das terras do estabelecimento
(inclusive por usufruto, enfiteuse, comodato, herança, etc.). FIBGE. Censo Agropecuário -
1970/1980.
263
264 Emília Moreira e Ivan Targino

quanto não se constituem impedimento à sua ex-


pansão” (CANTALICE, D. 1985:85)
Se do ponto de vista do capital esse processo re-
presenta a “libertação da terra” e sua metamorfose em capital, do
ponto de vista do trabalhador ele significa o “cativeiro da terra”,
isto é, a impossibilidade de acesso a ela a não ser enquanto força-
de-trabalho assalariada.
Quanto aos produtores parceiros77, embora obser-
ve-se um aumento significativo no conjunto do Estado (18,0% no
período), no plano regional eles reduziram-se em oito das treze
regiões agrárias identificadas em 1970 por Moreira (MOREI-
RA,1988). Vale a pena ressaltar que essa redução se deu inclusive
nas áreas onde essa forma de trabalho teve maior peso em seten-
ta: no Agreste de Esperança e no Cariri (v. mapa concernente in:
MOREIRA,1996). O seu crescimento foi maior na porção seten-
trional do Agreste (com destaque para os municípios de Barra de
Santa Rosa, Cuité, Cacimba de Dentro e Arara, no Curimataú) e
no extremo oeste do Estado (v. mapa concernente in: MOREI-
RA,1996).
Os posseiros78 constituem a categoria dos produ-
tores sem terra que mais se expandiu no período em estudo
(35,7%). Essa expansão deu-se tanto em nível estadual como na
escala intrarregional (o seu número aumentou na maioria das su-
bunidades espaciais que compõem o Estado) (MOREIRA,1996).
Nos anos 80, no que tange às relações de trabalho
no campo, um aspecto chama a atenção: a reversão observada na
tendência geral de crescimento tanto do trabalho familiar como
do trabalho assalariado. Este último, segundo os dados do Censo
Agropecuário, teria apresentado um crescimento negativo da or-
dem de 34,9% entre 1980/85. O número de empregados assalari-

77Produtores Parceiros são aqueles que exploram terras de terceiros em regime de parceria medi-
ante contrato verbal ou escrito, que prevê o pagamento obrigatório, de um percentual da produção
obtida. FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.
78Os posseiros ou ocupantes são produtores rurais que exploram terras públicas, devolutas ou de
terceiros (com ou sem o consentimento do proprietário), nada pagando pelo uso da terra.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 265

ados teria se retraído em todas as Mesorregiões da Paraíba à exce-


ção da Mata Paraibana (v. quadro XXX). Em nível microrregio-
nal, as regiões que apresentaram crescimento positivo do trabalho
assalariado permanente nesse período foram as do Litoral Sul, do
Litoral Norte e de Sapé, na Zona da Mata; de Campina Grande e
Umbuzeiro no Agreste; do Cariri Oriental e do Cariri Ocidental
na região da Borborema e na de Catolé do Rocha no Sertão (v.
quadro XXXI). O crescimento do trabalho assalariado temporário
concentrou-se basicamente nas Microrregiões que compõem a
Zona da Mata e na Microrregião de Teixeira (v. quadro XXXII).
Por sua vez, o trabalho familiar que havia apresentado um com-
portamento decrescente nos anos setenta, cresceu 31,1% na pri-
meira metade da década de oitenta. Além disso, os posseiros vi-
ram seu contingente aumentar em 38,7% e os produtores parcei-
ros tiveram um aumento superior a 100,0% no mesmo período.
Embora observe-se uma continuidade no processo de retração
dos arrendatários, a taxa de crescimento negativa apresentada no
período foi bem menor que a observada nos anos setenta: -1,2%
entre 1980/1985 contra -23,5% entre 1970/80.
Em suma, o que se destaca da análise realizada é
que nos anos setenta a organização agrária paraibana apresentou,
como tendência geral, o avanço do trabalho assalariado e a retra-
ção de algumas relações de trabalho pré-capitalistas (sistema mo-
rador, parceria e arrendamento). Isso reflete a crescente subordi-
nação real do processo de produção agrícola ao capital.79 A agri-
cultura subordina-se à lei do lucro e, para tal, necessita de um lado
reduzir os custos com a mão-de-obra e, de outro, utilizar a terra
da forma mais lucrativa possível. Desse jogo resulta o processo de
expropriação/expulsão do trabalhador rural. Apesar dessa ten-
dência geral, verifica-se a persistência e a recriação de relações de
trabalho pré-capitalistas tanto nos anos setenta como na década
seguinte. Nos anos oitenta, a persistência do crescimento do tra-
79A crescente subordinação da agricultura paraibana ao capital financeiro é constatada através da
elevação dos financiamentos obtidos pelo setor. Estes tiveram sua participação no valor da produ-
ção agropecuária elevada de 15,6% em 1970, para 27,0% em 1980.
265
266 Emília Moreira e Ivan Targino

balho assalariado, sobretudo do trabalho assalariado temporário,


restringiu-se basicamente àquela região cujo processo moderniza-
dor continuou sendo incentivado: a Zona da Mata. Ao lado, po-
rém, desse movimento ascendente do trabalho assalariado na
região canavieira litorânea, verifica-se o seu recuo nas demais
regiões do Estado acompanhado do fortalecimento da parceria e
da posse da terra.
O crescimento dos parceiros e dos posseiros de-
monstrado vem fortalecer a tese defendida por José de Souza
Martins de que:

“(...) embora o quadro clássico do capitalismo


mostre o capital se expandindo à custa da ex-
propriação e da proletarização dos trabalhadores
no campo, uma coisa produzindo necessariamen-
te a outra, em nosso país esse processo não é as-
sim tão claro nem tão simples. O capital se ex-
pande no campo mas não proletariza necessari-
amente o trabalhador. Uma parte dos expropri-
ados ocupa novos territórios, reconquista a auto-
nomia do trabalho, pratica uma traição às leis
do capital” (MARTINS, 1980:17).

É ainda José de Sousa Martins que afirma ao tratar


do problema do campesinato nas sociedades capitalistas:

“(...) as transformações econômicas, sociais e ins-


titucionais promovidas pela expansão do capita-
lismo redefinem concretamente categorias sociais
não caracteristicamente capitalistas. Isto é, embo-
ra estas categorias não sejam destruídas pelas
modificações sociais, nem por elas engendradas,
passam a determinar-se por mediações funda-
mentais da sociedade capitalista” (MARTINS,
1973:25).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 267

Pode-se concluir que, apesar das variações obser-


vadas nos dados censitários sobre o emprego e as relações de
trabalho no campo relativas à década de setenta, comparativa-
mente à primeira metade dos anos oitenta, algumas tendências se
destacam ao longo do período como um todo: recuo da capaci-
dade relativa de absorção de mão-de-obra pelo setor primário;
redução da PEA agrícola masculina em idade adulta; aumento da
participação de mulheres e crianças no processo produtivo agríco-
la; persistência da pequena propriedade enquanto importante
fonte de ocupação da mão-de-obra; avanço do trabalho assalaria-
do em detrimento de algumas formas de trabalho tradicionais
(particularmente dos moradores e arrendatários).
Apesar de todas as mudanças observadas na orga-
nização agrária estadual nas duas décadas estudadas, observou-se
uma forte resistência das pequenas unidades de produção a sub-
meterem-se a esse processo. Estas, como foi demonstrado, não
perderam sua característica de grandes absorvedoras de mão-de-
obra, contrapondo-se ao latifúndio que, ou ocupa uma reduzida
mão-de-obra (quando dedicado à pecuária), ou restringe sua ca-
pacidade de absorção a uma determinada fase do processo produ-
tivo (quando dedicado a lavouras comerciais). Por outro lado,
embora não se questione o avanço do assalariamento da força-de-
trabalho como conseqüência das modificações levadas a efeito na
organização da produção e do trabalho no campo no período em
estudo, é inegável que o fortalecimento da organização dos traba-
lhadores através de sua luta por terra nos anos oitenta contrapôs-
se a esse processo.O significativo crescimento dos posseiros con-
firma muito bem essa afirmativa. O avanço da parceria, por sua
vez, pode ser atribuído à necessidade do grande e do médio pro-
dutor de dividir os riscos da produção, garantindo assim o con-
trole sobre a terra durante a fase de crise do crédito generalizado.
Mais recentemente, já no início dos anos 90, al-
guns estudos vêm apontando novas alterações na dinâmica do
emprego rural na Paraíba. No que tange ao Litoral e ao Agreste,
essas alterações estão vinculadas à crise que assola a atividade
267
268 Emília Moreira e Ivan Targino

canavieira. Como já foi anteriormente colocado, durante o perío-


do de apogeu do Proalcool assistiu-se a um processo de desrurali-
zação e expulsão maciça da população rural, que, no entanto,
manteve-se vinculada à atividade agrícola pelo emprego assalaria-
do temporário. Operou-se, no dizer dos trabalhadores, “o tranca-
mento das terras para o trabalho”. Em muitos casos, após a expulsão
da população, procedeu-se à destruição das residências dos anti-
gos moradores, representando a impossibilidade do retorno ao
campo. Nesse contexto, a crise da produção sucro-alcooleira sig-
nifica não apenas o fim do emprego temporário mas, sobretudo, a
impossiblidade do emprego em si. Pois, de um lado, a economia
urbana das cidades que abrigaram aqueles trabalhadores é incapaz
de absorvê-los de forma produtiva e, de outro lado, as possibili-
dades de retorno para o campo são absolutamente restritas uma
vez que as terras se encontram trancadas para as antigas relações
de trabalho. Acrescente-se a isto a expansão da pecuária em áreas
anteriormente ocupadas pela lavoura canavieira. Deste modo,
resta ao trabalhador seja a migração para os centros urbanos mai-
ores, seja a migração sazonal para algumas áreas onde a cultura
canavieira permanece em exploração no Litoral do Estado. O
fechamento das Usinas Santa Maria, Borborema, Santa Rita, Santa
Helena, Santana e Una representa, desta forma não apenas um
problema econômico para a já combalida economia estadual, mas,
sobretudo, um grave problema social. São milhares de trabalhado-
res que se encontram sem possibilidades de acesso a um posto de
trabalho. O crescimento do Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra no Estado nos anos noventa tem exatamente na crise do
emprego rural uma das suas bases objetivas.
Em relação às áreas semi-áridas, as informações
disponíveis apontam para duas forças principais que estariam
atuando no sentido de reduzir o emprego e promover mudanças
nas relações de trabalho tradicionais daquelas regiões. Em primei-
ro lugar, a crise da lavoura algodoeira provocada pela praga do
bicudo tenderia a quebrar a base de sustentação das formas locais
de arrendamento. Na verdade, conforme já analisado no capítulo
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 269

2, a exploração do algodão dava sustentação econômica para as


relações de arrendamento no interior das grandes propriedades
do semi-árido. Com a crise do algodão, desaparece a principal
fonte de renda monetária dos arrendatários, corroendo, em con-
seqüência, as possibilidades de sustentação dessa relação. Em
segundo lugar, a crise por que passa a produção pecuária com a
redução do efetivo bovino, aliada às mudanças nas suas formas de
exploração com a introdução de melhorias nas formas de alimen-
tação do gado (pastagens plantadas, palma forrageira, introdução
de rações industriais, etc.) teriam contribuído também para enfra-
quecer as relações de arrendamento. Como visto anteriormente, o
restolho dos roçados garantia parte da alimentação do gado nos
períodos de seca. A ação conjugada desses dois fatores (crise do
algodão e crise/modificação da pecuária) teriam agido no sentido
de reduzir o emprego rural e as relações de arrendamento tradici-
onais. O forte declínio da população rural das Microrregiões situ-
adas no semi-árido registrado pelo Censo Demográfico de 1991,
parece corroborar, ainda que de forma indireta, os impactos da
praga do bicudo e da crise/modificação da pecuária sobre o em-
prego rural dessas áreas.
Poder-se-ia lembrar que a expansão das áreas irri-
gadas atuariam no sentido de contrabalançar a ação daquelas duas
forças sobre o nível do emprego rural. Embora se reconheça que
o nível de ocupação de mão-de-obra na agricultura irrigada seja
bem mais elevado do que na agricultura de sequeiro, não se deve
esquecer que as possibilidades de irrigação do semi-árido paraiba-
no não são tão grandes. Na verdade, a agricultura irrigada no se-
mi-árido ainda é de pequena monta e se encontra restrita a deter-
minadas áreas.
As análises efetuadas ao longo deste capítulo res-
saltam a necessidade de ações que procurem reverter as tendên-
cias gerais apresentadas pelo emprego no espaço agrário paraiba-
no durante a segunda metade do século XX.
O nível de pobreza em que se encontra a grande
maioria dos trabalhadores rurais não é tolerável para uma socie-
269
270 Emília Moreira e Ivan Targino

dade que se diz democrata e alicerçada no princípio da cidadania.


Por outro lado, a implementação de uma política para o setor
agropecuário que contemplasse mecanismos eficientes de estímu-
lo à produção, com uma ação mais efetiva sobre a estrutura agrá-
ria, com certeza poderia contribuir para a manutenção do empre-
go e a fixação do trabalhador na terra. Como será visto no capítu-
lo seguinte, a atuação dos movimentos sociais no campo, adian-
tando-se à ação estatal e muitas vezes opondo-se a ela, tem se
orientado exatamente nessas duas direções: lutar por melhores
condições de trabalho e por possibilidades de permanência na
terra.

QUADRO XXIV
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 271

ESTADO DA PARAÍBA
PARTICIPAÇÃO DA PEA AGRÍCOLA NA PEA TOTAL
1950-1990

1950 (1) 1960(1) 1970 (1) 1980 (1) 1990 (2)


PEA TOTAL 517.275 595.354 675.409 821.415 1.237.173
PEA AGRÍ- 404.015 437.615 437.937 412.609 426.690
COLA
% 78,1 73,5 64,8 50,2 34,48
Fonte: FIBGE (1). Censos Demográficos da Paraíba, 1950, 1960, 1970, 1980.
FIBGE (2). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 1990
dados relativos à Pea de domicílio rural).

271
272 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXV

ESTADO DA PARAÍBA
POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA DO SETOR PRIMÁRIO POR SEXO,
SEGUNDO A IDADE
1970-1980-1989
1970 (1) 1980 (1) 1989 (2)
IDADE TOTAL HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER
10 — 14 44.024 40.943 3.081 48.166 42.305 5.861 64.120 51.736 12.384
15 — 19 68.429 63.360 5.069 70.635 63.273 7.362 69.432 53.072 16.360
20 — 24 54.706 50.980 3.726 42.430 38.697 3.733 48.643 33.167 15.476
25 — 29 40.205 37.563 2.642 34.701 32.021 2.680 42.895 28.300 14.595
30 — 34 36.371 33.878 2.493 34.069 30.578 3.491
35 — 39 30.769 28.352 2.417 31.719 27.626 4.093 79.599a. 54.392a. 25.207a.
40 — 44 33.029 30.328 2.701 31.976 27.723 4.253
45 — 49 30.229 27.756 2.473 24.617 20.905 3.712 62.356b. 38.477 b. 23.879 b.
50 — 54 28.842 26.322 2.520 26.360 22.734 3.626
55 — 59 22.660 20.683 1.977 24.091 21.253 2.838 42.010c. 31.397c. 10.613c.
60 — 64 19.041 17.338 1.703 19.117 17.004 2.113
65 — 69 12.959 11.793 1.166 13.743 12.397 1.346
70 e mais 15.705 14.343 1.362 10.256 9.464 792 42.457d. 34.938d. 7.519d.
Idade 968 864 104 729 680 49 – – –
Ignorada
Total 437.937 404.503 33.434 412.609 366.660 45.949 451.512 325.479 126.033
FONTE: (1) FIBGE -Censos Demográficos da Paraíba, 1970-1980.
(2) FIBGE -Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 1989 (dados relativos à Pea de
domicílio rural).
a. idade entre 30 e 39 anos b. idade entre 40 e 49 anos c. idade entre 50 e 59 anos d. idade entre 60 anos e mais
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 273

QUADRO XXVI

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO,
SEGUNDO AS MESORREGIÕES
1970 - 1980
MESORREGIÕES 1970 1980 1970/80
VARIAÇÃO(%)
MATA 16.900 22.893 35,5
AGRESTE 30.846 45.029 46,0
BORBOREMA 10.045 27.236 171,1
SERTÃO 16.042 71.426 345,2
PARAÍBA 73.833 166.584 125,6
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1970, 1980.

QUADRO XXVII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO TEMPORÁRIO,
SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1970 - 1980
1970/1980
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa 62,7
Litoral Norte 35,2
Litoral Sul 223,2
Sapé -17,8
Curimataú Oriental 145,5
Brejo Paraibano 24,9
Campina Grande -12,2
Curimataú Ocidental 75,9
Esperança -33,1
Guarabira 34,9
Itabaiana 112,1
Umbuzeiro 356,2
Cariri Oriental 795,1
Cariri Ocidental 217,8
Seridó Ocidental 291,8
Seridó Oriental 70,6
Cajazeiras 205,6
Catolé do Rocha 152,0
Itaporanga 132,8
Patos 376,7
Piancó 679,3
Sousa 370,5
Teixeira 541,4
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

QUADRO XXVIII
273
274 Emília Moreira e Ivan Targino

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO PERMANENTE,
SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1970 - 1980

1970/1980
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa 47,8
Litoral Norte 52,2
Litoral Sul 258,3
Sapé 20,6
Curimataú Oriental 193,9
Brejo Paraibano 42,2
Campina Grande 69,9
Curimataú Ocidental 29,6
Esperança 71,7
Guarabira -1,7
Itabaiana 35,3
Umbuzeiro -20,2
Cariri Oriental 101,4
Cariri Ocidental 57,2
Seridó Ocidental 298,5
Seridó Oriental -27,1
Cajazeiras 205,6
Catolé do Rocha 152,0
Itaporanga 22,4
Patos 124,5
Piancó 163,6
Sousa 132,1
Teixeira -40,5
Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 275

QUADRO XXIX

ESTADO DA PARAÍBA
CONDIÇÃO DO PRODUTOR POR CATEGORIA E TAMANHO DO ESTABELECI-
MENTO
1970 - 1980 - 1985.
TAMANHO DOS
ESTABELECIME- PROPRIETÁRIOS ARRENDATÁRIOS PARCEIRO OCUPANTE
NTOS POR CLAS-
SES
DE ÁREA 1970 1980 1985 1970 1980 1985 1970 1980 1985 1970 1980 1985
(ha)
menos de 10 61.801 56.581 71.445 30.348 23.127 23.940 4.674 5.393 13.468 19.019 26.880 39.199
10 — 20 17.062 16.573 16.913 1.875 1.495 801 421 658 977 1.607 1.745 1.638
20 —50 15.142 15.930 16.049 780 603 317 261 287 477 989 1.049 894
50 — 100 6.579 7.308 7.321 248 214 146 85 95 178 378 375 295
100 —200 3.754 4.234 4.336 164 106 60 36 61 95 211 176 136
200 — 500 2.626 2.829 2.924 81 85 60 47 30 50 107 108 83
500 — 1000 750 860 859 17 15 15 9 3 15 41 27 32
1000 e mais 500 534 521 6 9 6 3 5 3 21 – 11
Sem declaração 18 - 11 2 - - - - - 5 15 2
Total 108.232 104.849 120.379 33.521 25.654 25.345 5.536 6.532 15.263 22.378 30.375 42.290
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba - 1970, 1980 e 1985.

275
276 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXX

ESTADO DA PARAÍBA
EVOLUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO, SEGUNDO AS ME-
SORREGIÕES
1980 - 1985
MESORREGIÕES 1980 1985 1980/85
VARIAÇÃO(%)
Mata 22.893 29.371 28,3
Agreste 45.029 25.635 -43,1
Borborema 27.236 17.013 -37,5
Sertão 71.426 36.412 -49,0
PARAÍBA 166.584 108.431 -34,9
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980 e 1985

QUADRO XXXI

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO PERMANENTE,
SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1980/85
1980/1985
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa -22,2
Litoral Norte 54,9
Litoral Sul 65,8
Sapé 0,1
Curimataú Oriental -43,9
Brejo Paraibano -52,8
Campina Grande 1,7
Curimataú Ocidental -25,1
Esperança -3,9
Guarabira -21,7
Itabaiana -5,2
Umbuzeiro 38,5
Cariri Oriental 22,9
Cariri Ocidental -29,9
Seridó Ocidental -18,0
Seridó Oriental 27,3
Cajazeiras -44,8
Catolé do Rocha 12,2
Itaporanga -29,9
Patos -26,7
Piancó -19,2
Sousa -75,9
Teixeira -54,2
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980, 1985.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 277

QUADRO XXXII

ESTADO DA PARAÍBA
CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO
TEMPORÁRIO, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES
1980/85

1980/1985
MICRORREGIÃO Variação(%)
João Pessoa 3,6
Litoral Norte 113,5
Litoral Sul -0,5
Sapé 19,5
Curimataú Oriental -56,9
Brejo Paraibano -39,3
Campina Grande -34,0
Curimataú Ocidental -47,9
Esperança -85,7
Guarabira -41,1
Itabaiana -60,2
Umbuzeiro -63,7
Cariri Oriental -57,1
Cariri Ocidental -21,1
Seridó Ocidental -80,7
Seridó Oriental -52,8
Cajazeiras -44,8
Catolé do Rocha 12,2
Itaporanga -35,3
Patos -53,0
Piancó -51,3
Sousa -63,9
Teixeira 11,6
Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980, 1985.

277
278 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA
CANTALICE, Dulce. Capital, estado e conflito: questionando Alagamar. Campina Grande,
Dissertação de Mestrado em Economia Rural, 1985.
FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba de 1970 e 1980.
__________ Censo Demográfico da Paraíba de 1970 e 1980.
__________ Pesquisa por Amostra de Domicílio-Paraíba, de 1983 a 1990.
FIGUEIREDO, 1991. A pequena produção no Agreste de Esperança: o caso de Areial. João
Pessoa, Projeto de dissertação de Mestrado em Economia, s/d.
GARCIA JR, Afrânio Raul. Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1983.
GESTAR. Saúde e trabalho na zona rural da Paraíba:o caso de Sapé. João Pessoa, Relatório
de Pesquisa, 1988.
MARTINE, George & ARIAS, Alfonso. “A Evolução do emprego no campo”. São Paulo. In:
Revista Brasileira de Estudos de População. Vol. 4, no 2, jan/jun.,1988.
MARTINS, José de Sousa. Expropriação e violência (a questão política no campo). São
Paulo, Hucitec, 1980.
__________ A imigração e a crise do Brasil agrário. São Paulo, Brasiliense, 1973.
MOREIRA, Emilia et alii. Os caras pintadas de suor e da fuligem da cana. João Pessoa,
Relatório Técnico de Pesquisa, CNPQ/UFPb, julho/1995.
MOREIRA, Emilia. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Ed. Universitária,
1996.
__________ Evolution et transformations récentes de l'organisation agraire de la Paraíba.
Paris, Tese de Doutorado, 1988.
SUDENE. Boletim Conjuntural do Nordeste de 1995.
__________ Agregados Econômicos Regionais de 1995.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 279

8. OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO
CAMPO E AS CONQUISTAS DA
*
CLASSE TRABALHADORA

“Pois aqui está a minha vida.


Pronta para ser usada.

Vida que não se guarda


nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço
da vida.
Para servir ao que vale
a pena e o preço do amor.”
(do poema A Vida Verdadeira de Thiago de Melo)

As mudanças nas formas de utilização do solo consubs-


tanciadas no avanço da cana e do pasto, a intensificação da con-
centração da propriedade da terra nas mãos de um número cada
vez menor de pessoas e a mecanização de certas etapas do pro-
cesso produtivo nas áreas onde foi mais forte a modernização da
atividade agropecuária, são responsáveis não só por modificações
profundas nas relações de trabalho no campo paraibano, como
pela expulsão/expropriação do produtor direto, como foi eviden-
ciado nos capítulos anteriores. A especulação imobiliária, sobre-
tudo na franja litorânea, vem se constituindo em mais um elemen-
to de expulsão do trabalhador do campo.
Face ao caráter excludente do processo de modernização
da agricultura, tem-se observado, nas últimas décadas, uma orga-
nização crescente dos trabalhadores rurais como forma de resis-

* Neste capítulo os autores contaram com a colaboração dos professores


Rosa Maria Godoy da Silveira e Giuseppi Tosi.
279
280 Emília Moreira e Ivan Targino

tência à sua exclusão do processo de geração e/ou apropriação da


riqueza gerada no campo. A organização dos trabalhadores rurais
tem ocorrido em algumas frentes de luta:
a) luta contra a exploração do trabalho e por me-
lhores condições de trabalho e de vida;
b) luta contra a expulsão/expropriação, que se
configura na luta pelo direito de “ficar na terra”, de “viver da terra” e
de “não se submeter ao capital”;
c) luta pelo retorno à terra, pela reconquista da
“terra para o trabalho”;
d) luta dos pequenos produtores por uma política
agrícola (assistência técnica e creditícia) que lhes garanta o direito
não só de permanecer com a terra e na terra, como de nela pro-
duzir e dela retirar o indispensável a uma sobrevivência digna;
No presente capítulo, será dada atenção especial às
duas primeiras formas de resistência, por serem mais significativas
no contexto dos movimentos sociais no campo paraibano e, em
certa medida, englobarem as duas últimas.
A organização dos pequenos produtores tem en-
contrado abrigo nos sindicatos dos trabalhadores rurais, seja en-
quanto assume a defesa de política creditícia e assistencial para
essa categoria, seja enquanto serve de suporte e de apoio à sua
organização como ocorre no vale do Mamanguape. Com isso,
não se afirma que a organização dos pequenos produtores é com-
pletamente absorvida pelo movimento sindical. Sabe-se do papel
que as ONG’s têm desempenhado enquanto animadoras e esti-
muladoras desse processo, bem como algumas políticas públicas
têm estimulado tais organizações na medida em que restringem os
seus benefícios a pequenos produtores agregados em associações
e/ou cooperativas, a exemplo do Programa de Apoio ao Pequeno
Produtor (PAPP). Por outro lado, as formas organizativas dos
assentamentos, ainda que frágeis, têm servido de efeito demons-
tração para outros grupos.
Em relação à luta pelo retorno à terra, ela é ainda
nova no Estado e se caracteriza pela ocupação de imóveis por
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 281

trabalhadores assalariados. Essa ação tem sido organizada pelo


Movimento dos Sem Terra, atuando na Paraíba desde 1992 e pela
Comissão Pastoral da Terra. Ocupado o imóvel, barracas são le-
vantadas, a terra é preparada e um grande roçado é plantado em
mutirão. Surge assim o “acampamento”. Daí tem início todo um
processo de negociação com o Estado, via órgãos competentes,
visando a desapropriação da terra. Na Paraíba, pode-se citar co-
mo exemplo de áreas conquistadas, a partir da “ocupação”, os
imóveis: Barra de Cima, em Pitimbu, hoje subjúdice; Corvoada do
Abiaí, também em Pitimbu (com parcela desmembrada entregue
aos lavradores do MST e que deu origem ao Assentamento 1°. de
Março) e a Fazenda Apasa, em Pitimbu além de outras como
Muitos Rios (Caaporã) e Paus Brancos (Campina Grande). Essa
forma de luta que pode ser entendida como uma variante da luta
pela posse da terra. vem tomando vulto. Em maio de 1996 conta-
bilizavam-se onze áreas de acampamento de trabalhadores sem
terra na Paraíba. Elas correspondiam aos acampamentos de Alto
Grande, em Araruna; Fazenda Gomes, em Alagoa Grande; Água
Fria, em Mamanguape; Engenho Novo e Massangana, em Cruz
do Espírito Santo; Boa Esperança, em Campina Grande; Jacu-
mã/Tabatinga, no Conde; Acauã, em Sousa; Açude das Graças e
Sapé, em Sapé; Marinas do Abiaí, no Conde (v. quadro XXXIII e
mapa concernente em MOREIRA, 1996).

8.1. A luta contra a exploração do trabalho: a


organização sindical

A acentuação da proletarização observada recen-


temente no campo decorre de dois eixos do mesmo processo de
subordinação da agricultura ao capital: de um lado, as mudanças
técnicas na produção agrícola, com o aproveitamento mais inten-
sivo das terras para aumentar a produtividade, têm provocado a
destruição da policultura alimentar produzida por moradores,
parceiros e arrendatários, como já foi demonstrado; de outro la-
do, a lógica da acumulação capitalista, ao desencadear a expulsão
281
282 Emília Moreira e Ivan Targino

e a expropriação completa dos lavradores, transforma-os em tra-


balhadores livres de toda propriedade, à exceção da sua força-de-
trabalho. Esta, eles são obrigados a vender no mercado a fim de
garantir a sobrevivência. É desse modo que eles convertem-se em
assalariados de diversos tipos: permanentes (fichados), temporá-
rios (volantes, bóias-frias, clandestinos).
A incorporação do progresso técnico restrito a
apenas algumas fases do processo produtivo, a alguns produtos e
a algumas regiões, acentua a sazonalidade do emprego agrícola:
grande parte da mão-de-obra expulsa do campo passa a habitar as
periferias das cidades e as agrovilas, trabalhando na terra agora
como assalariados, apenas no período da colheita, limpa e, em
alguns casos, no momento da aplicação de fertilizantes e agrotó-
xicos. A mobilidade intra e extra-regional da mão-de-obra agrícola
tem a ver assim com a sazonalidade crescente da demanda de
trabalho no campo. Estudos empíricos confirmam que na entres-
safra da atividade canavieira os trabalhadores migram para as
maiores cidades do seu Estado ou para outros estados, em busca
de biscates e serviços eventuais, predominando as ocupações na
construção civil.
Na Paraíba, como foi demonstrado ao longo deste
estudo, o assalariamento cresceu sobretudo a partir da segunda
metade do século XX, atrelado principalmente à expansão da
cana (no Litoral, Agreste Baixo e Brejo), à produção do abacaxi
(especialmente no Litoral) e da pecuária (no Agreste e no Sertão).
Até meados dos anos 80 estimava-se em mais de
duzentos mil os trabalhadores assalariados do campo paraibano80.
Cerca de 100 mil empregados na atividade canavieira e na produ-
ção do abacaxi. Pesquisas empíricas realizadas pelo Grupo de
Estudos Rurais do Centro de Referência em Saúde do Trabalha-

80Apesar dos Censos de 1980 e 1985 indicarem a existência de um pouco mais de 100 mil assalari-
ados no campo paraibano, os dados colhidos junto aos sindicatos dão conta de que nos anos 80,
durante os períodos de pique da atividade canavieira, esse número correspondia aproximadamente
à mão-de-obra voltada para aquela atividade. Isso devido à maciça incorporação de trabalhadores
sazonais oriundos de outras regiões e inclusive de outros Estados para trabalhar no corte da cana.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 283

dor (CERESAT) e do Laboratório de Tecnologia do Centro de


Tecnologia da UFPb dão conta de que, nessas atividades, as con-
dições de trabalho são muito críticas. A título de exemplo, bem
como pela importância que reveste, abordaremos essas condições
através do caso específico da atividade canavieira.

8.1.1. As condições de vida e trabalho dos as-


salariados da cana na Paraíba

Na atividade canavieira, as jornadas de trabalho


são muito longas, podendo alcançar até dez horas. Ganha-se por
diária, avaliada através da jornada cumprida. Só há carteira assina-
da hoje, nas Usinas e Destilarias onde a atuação dos Sindicatos e a
fiscalização do Ministério do Trabalho é mais significativa. Nas
propriedades dos fornecedores de cana, além de não haver cartei-
ra assinada, não é fornecido comprovante de pagamento. Ganha-
se por diária, avaliada através da jornada cumprida e da qualidade
do trabalho realizado, ou, o que é mais comum, por produ-
ção/tarefa, que “exige a quantificação do trabalho realizado, o que se dá
através de mensurações que utilizam instrumentos e unidades de medida, em
geral não oficiais” (ADISSI & SPAGNUL,1989:51).
No corte e no plantio da cana, a unidade de medi-
da de comprimento utilizada é a braça ou a braça corrida; as uni-
dades de área são o cubo, e a conta; as unidades de peso são a
tonelada e a carga (v. quadro XXXIV). Os instrumentos de medi-
ção são a vara e a balança manual.
Na prática, as estratégias patronais contra os traba-
lhadores se apresentam bastante lesivas por ocasião das medições,
pois os instrumentos são viciados e não fiscalizados pelos órgãos
competentes e não se leva em conta a qualidade diferenciada da
cana. Na verdade, onde a subtração do trabalho ocorre mais fre-
qüentemente é na medição da área cortada de cana, pois a vara
não mede de forma linear rigorosa, realizando “saltos” de área
que não são computados no pagamento dos canavieiros.

283
284 Emília Moreira e Ivan Targino

No que se refere às obrigações trabalhistas, estas


inexistem para os assalariados clandestinos. Estes, além de não
terem carteira assinada não percebem décimo terceiro salário,
férias, nem dias de repouso (domingos e feriados). Vários descon-
tos indevidos (falta ao serviço por motivo de doença, por exem-
plo), são feitos nos seus salários.
Vários outros aspectos agravam as condições de
trabalho e de vida dos assalariados da cana:
a) a precariedade do transporte para o local de
trabalho. Geralmente são utilizados tratores ou caminhões apro-
priados para o transporte de cana (os “gaiolões”). Os trabalhado-
res vão junto com as ferramentas e produtos químicos, desprovi-
dos de qualquer segurança, o que aumenta os riscos de acidente;
b) o não fornecimento de água potável nos cana-
viais. Como as propriedades não fornecem água potável, é co-
mum a utilização pelos trabalhadores da água das fontes que jor-
ram nas bases das vertentes dos tabuleiros, de barreiros ou de rios
e riachos. Considerando-se o elevado grau de utilização de agro-
químicos na cultura da cana, e a possibilidade de contaminação
do solo e da água, este fato aparentemente “natural”, passa a re-
presentar um risco para a saúde dos trabalhadores. Por outro la-
do, chama a atenção a reutilização generalizada pelos assalariados
da cana, de recipientes vazios de agrotóxicos como depósito para
a água que levam ao campo;
c) a falta de equipamentos de proteção (luvas,
máscaras, botas, macacões), bem como o não fornecimento de
leite para atenuar os efeitos danosos dos produtos tóxicos. Sabe-
se que os acidentes durante o corte da cana são muito comuns. É
raro encontrar um trabalhador que não tenha sofrido um corte.
Em virtude da posição em que se trabalha, as partes do corpo
mais atingidas são os braços, as mãos e as pernas, nunca protegi-
dos pelos equipamentos necessários. Isto sem falar que a ausência
de botas e luvas também expõe o trabalhador aos riscos decorren-
tes da presença de animais peçonhentos (cobras, lacraias, etc.). O
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 285

manuseio de produtos químicos sem qualquer proteção pode


provocar intoxicações;
d) o desgaste provocado pelo esforço físico. Este
tipo de desgaste provocado pelo tipo de trabalho penoso a que
são submetidos os canavieiros, muitas vezes obrigados a cortar
até 100 braças de cana por dia para cumprir uma tarefa determi-
nada pelo “gato”, a carregarem sacos de adubos de até 50 quilos
nas costas, por largas extensões de terra, regra geral famintos e
enfraquecidos, tem acarretado problemas ósteo-articulares (artral-
gias, lombalgias, distenção muscular, bursites, hérnia de disco,
etc.) e o aparecimento de lesões de esforço repetitivo (LER) em
aplicadores de agrotóxicos que utilizam repetidamente o dedo
polegar para acionar a alavanca do pulverizador costal. A aplica-
ção de adubos é muito praticada pelas mulheres. Esta é uma for-
ma encontrada pelos patrões para reduzirem os custos salariais
uma vez que, regra geral, elas percebem salários inferiores aos dos
homens. Nessas mulheres constata-se entre outros, a queda pre-
coce de bexiga e útero. As grávidas sequer têm assegurado o direi-
to à licença maternidade garantido em lei.
e) o descumprimento da lei de sítio. Isto é, a não
concessão aos moradores de uma área de dois hectares para plan-
tio de subsistência no interior da propriedade;
f) a presença de cabos e administradores munidos
de revólver e espingarda, intimidando os trabalhadores e os dele-
gados sindicais.
Os índices de miséria da Zona Canavieira paraiba-
na, onde se concentram os assalariados, são alarmantes: falta luz
elétrica, instalações sanitárias, água encanada, para ficar no ele-
mentar. A taxa de analfabetismo é de mais de 80%, a expectativa
de vida de menos de 50 anos e a renda familiar média atinge ape-
nas 40% do salário mínimo (CALHEIROS, C. & PINTO,
L.1991:10), apesar do piso salarial dos canavieiros ser de um salá-
rio mínimo nacional mais 10%. Neste quadro de pobreza e explo-
ração a luta dos assalariados deixa de ser por terra e se centra em
torno das reivindicações por melhores condições de trabalho e
285
286 Emília Moreira e Ivan Targino

salário. Nessa direção, destaca-se a atuação dos Sindicatos, sobre-


tudo daqueles situados nas regiões do Litoral e do Agreste-Brejo.

8.1.2. Breve histórico da organização e luta


dos assalariados

As mobilizações sindicais remontam ao período


pré-64, com as Ligas Camponesas reivindicando a regulamenta-
ção das relações de trabalho, o pagamento do salário mínimo e a
extensão ao campo das mesmas garantias dadas aos trabalhadores
urbanos. Em 1963, o Estatuto da Terra assegurava em lei esses
direitos, mas a legislação trabalhista não foi cumprida no Estado,
apesar das mobilizações das Ligas.
Após o golpe de 64, a correlação de forças no
campo pendeu para o lado dos patrões e se manifestou através da
dissolução do movimento mediante repressão, intervenção nos
sindicatos existentes e criação de novos81, afastamento e/ou eli-
minação de lideranças, nomeação de dirigentes pelegos, imple-
mentação de uma política assistencialista lesiva aos trabalhadores.
Apesar de tentativas de rearticulação do movimen-
to, somente em 1979, com uma conjuntura de ascensão da socie-
dade civil contra o Estado militarista, é que começam a se mobili-
zar alguns segmentos de trabalhadores para uma luta contra a
seca, em torno da política agrícola e por melhores condições de
vida e trabalho. Naquele ano, realizou-se em Brasília o III Con-
gresso Nacional de Trabalhadores Rurais, aprovando a organiza-
ção da categoria por frentes de luta: assalariados, pequena produ-
ção ou política agrícola, seca, etc.
Na Paraíba, as indicações do III Congresso são
assumidas principalmente pelos grupos de militantes e assessores
dos centros e serviços da Igreja, em conjunto com alguns setores
do movimento sindical e grupos de assessoria.

81Até 1964 tinham sido fundados 30 Sindicatos de Trabalhadores Rurais no Estado, quer sob a
influência das Ligas Camponesas, quer sob a influência da Igreja Católica. No período de 1965 a
1982 foram criados 101 Sindicatos (MACDONALD, 1995:103-4).
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 287

Este conjunto de forças promoveu com a Fetag o


I Encontro de Assalariados da Zona Canavieira da Paraíba, reali-
zado em setembro de 1982 em Guarabira82, onde as iniciativas já
existentes neste campo são unificadas num plano comum e coor-
denadas pela “Comissão Canavieira”83.

8.1.2.1. As campanhas trabalhistas de 1982 a


1983
A primeira grande mobilização planejada e organi-
zada pela Comissão Canavieira foi a “Campanha Trabalhista, que
se desenvolveu durante os anos de 1982 e 1983, até a realização
da primeira greve em 1984. Os objetivos desta campanha eram
difundir entre os trabalhadores o conhecimento dos “direitos”,
estimular as ações trabalhistas na justiça, até aquele momento
inexistentes, e propiciar uma aproximação dos dirigentes sindi-
cais, em geral pequenos produtores, desta categoria em expansão,
mas sub-representada no movimento sindical.
Em outras palavras, a Campanha Trabalhista tinha
como objetivo preparar o terreno e criar as condições organizati-
vas para as “Campanhas Salariais” e os “Dissídios Coletivos”,
como vinha acontecendo em Pernambuco desde 1979.
No ano de 1983, três momentos marcaram a cam-
panha trabalhista:
a) a comemoração do 1o de Maio, realizada em
Sapé, no coração da zona canavieira, com a participação de 18

82Participaram desse encontro, que marcou o início de um trabalho articulado com os canavieiros,
125 delegados, entre trabalhadores e dirigentes sindicais, representando 29 Sindicatos de Trabalha-
dores Rurais da Zona Canavieira.
83A Comissão Canavieira era formada por dirigentes sindicais da zona canavieira e por trabalhado-
res da Pastoral Rural das Dioceses de João Pessoa e Guarabira, e contava com a assessoria da
“Comissão Justiça e Paz” de Campina Grande, do “Centro de Orientação dos Direitos Humanos”
(CDDH) e Serviço de Educação Popular (SEDUP), da Diocese de Guarabira e do Grupo de
Pesquisa e Assessoria Sindical da UFPb, de Campina Grande, e do CENTRU. A coordenação era
da Fetag, mas o grupo de trabalhadores e assessores da Igreja mantinha hegemonia na comissão.
287
288 Emília Moreira e Ivan Targino

STRs e de mais de seis mil trabalhadores, que teve como tema


central a luta pelos direitos;
b) o lançamento da campanha trabalhista em nível
do Estado. Realizado em Alagoa Grande, no dia 27 de agosto,
poucos dias após o assassinato de Margarida Maria Alves, presi-
dente daquele Sindicato84, este ato representou uma resposta do
movimento sindical e popular a um crime com claras conotações
políticas, que visava fazer cair no nascedouro o movimento traba-
lhista;
c) a campanha pelo pagamento do 13o salário dos
canavieiros, iniciada em dezembro, quando os trabalhadores, pela
primeira vez, receberam uma parte de seus direitos, e que foi con-
siderado pelos dirigentes como o primeiro resultado econômico
das mobilizações trabalhistas.

8.1.2.2. As campanhas salariais de 1984 a 1990

Durante o ano de 1984, todo o trabalho foi direci-


onado para o lançamento do Dissídio Coletivo e a preparação
para uma possível greve. Os Sindicatos foram organizados por
“pólos sindicais” que assumiram um papel central na articulação
do trabalho com os assalariados, sob a direção da Fetag, da Con-
tag e de suas assessorias, substituindo progressivamente o papel
da Comissão Canavieira.85
Essa mudança de direção significou certa desarti-
culação do comando unificado, representado pela comissão cana-
vieira. A partir desse momento a responsabilidade do trabalho
passou a depender da atuação de cada pólo sindical. Representou

84Esse dia tinha sido escolhido por Margarida para realizar o lançamento da campanha trabalhista
no seu município.
85Houve, desde o começo, uma disputa pela direção do trabalho com os assalariados, entre a
Comissão Canavieira e a direção da Fetag e da Contag. O momento de maior tensão aconteceu no
Encontro realizado em julho de 1983, quando prevaleceu a posição da Contag de não partir para a
greve, contra a posição de outros grupos de sindicalistas e assessores favoráveis à deflagração do
movimento grevista já naquele ano.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 289

igualmente a aplicação na Paraíba do modelo de dissídio coletivo


implantado em Pernambuco, pela Fetape e Contag.
Entre as alternativas que se apresentavam para o
movimento sindical, havia a realização de uma Convenção Cole-
tiva sem greve regulamentada pela CLT (“dissídio frio”), a reali-
zação de uma negociação direta entre empregadores e trabalhado-
res sem recorrer à mediação da justiça (que poderia eventualmen-
te desembocar numa greve ilegal) e a realização de um Dissídio
Coletivo via Lei de Greve (“dissídio quente”) que foi a proposta
que prevaleceu.86
Optar pela lei de greve, no entendimento da Con-
tag, significava utilizar todos os complicados trâmites legais desta
lei - que são, de fato, dispositivos “anti-greve”87 para tentar
“romper por dentro” os limites da lei, pela força da mobilização
dos trabalhadores, minimizando assim as possibilidades de uma
intervenção repressiva do governo e dos patrões. Como argumen-
ta Romeu da Fonte, advogado da Fetape e assessor da Contag:

“Com essa mobilização, aliando-se a uma certa


criatividade jurídica, dá para romper esta lei.
Dá para se conseguir que a greve não seja decla-
rada ilegal e evitar que daí venham as conse-
qüências piores da lei anti-greve que são as puni-
ções, não pagamento dos dias de greve e sobretudo
o aumento desenfreado da repressão. Usineiro e
Senhor de Engenho é truculento no sentido da
palavra. As lutas que se dão dentro dos enge-

86Para uma melhor compreensão dessas definições, veja Cadernos do CEDI, 1985.
87A lei no. 4.330 prevê, entre outros dispositivos, a realização de uma assembléia para a aprovação
da pauta de reivindicações com “quórum” de 2\3 da categoria em primeira convocação e votação
com escrutínio secreto. Após a negociação com os patrões, que pode durar no máximo cinco dias,
a matéria passa para decisão do tribunal. A greve pode ser realizada somente até a sentença do
tribunal. Se ela continuar após essa data, será considerada ilegal. Os patrões podem também
recorrer ao Supremo Tribunal Federal e pedir o “efeito suspensivo”para todas ou para parte das
cláusulas julgadas.
289
290 Emília Moreira e Ivan Targino

nhos não são como as da capital, onde os meios


de comunicação estão próximos e a repressão é
contida pela própria sociedade que observa mais
de perto, pelos meios de comunicação... No cam-
po, o espaço para a repressão é muito maior ...
Daí o desafio de cumprir o ritmo da lei de greve,
por dentro, rompendo, e não é somente de cum-
prir, também alargar por dentro e frustrar os ob-
jetivos anti-greve desta lei” (CEDI, 1985:36).

Esse esquema, aplicado com relativo sucesso em


Pernambuco desde 1979, e que diferencia as greves dos canaviei-
ros do Nordeste daquelas dos “bóias-frias” de São Paulo, encon-
tra algumas dificuldades. A lei prevê que os proprietários sejam
notificados com antecedência e dentro dos moldes legais, evitan-
do assim qualquer possibilidade de um “efeito surpresa”. A mobi-
lização é direcionada tanto para pressionar os patrões como a
justiça do trabalho e permitir um julgamento rápido e o mais fa-
vorável possível aos trabalhadores. O próprio trabalho de mobili-
zação é realizado de forma intensiva nas semanas imediatamente
anteriores ao dissídio, até o julgamento, mas não continua da
mesma forma no período sucessivo, para garantir a aplicação dos
acordos.
Além dessas dificuldades, na Paraíba, a própria
pauta de negociação foi elaborada pela Contag, tendo como mo-
delo os dissídios de Pernambuco e do Rio Grande do Norte que
não correspondem à realidade do processo de trabalho do Esta-
do, sem uma participação efetiva dos trabalhadores e dirigentes.
Mas, apesar dessas limitações que terão suas re-
percussões sobre o ciclo de greve sucessivas, a primeira greve dos
canavieiros da Paraíba se constitui num marco histórico do pro-
cesso de organização da categoria. A participação dos canavieiros
foi massiva, inclusive naqueles municípios onde os dirigentes sin-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 291

dicais eram pouco atuantes, mostrando que os trabalhadores só


estavam esperando um chamado para se mobilizarem.
Durante a campanha salarial firmou-se um acordo,
avalizado por assessores e lideranças da Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura, no qual constavam os seguin-
tes pontos: elaboração de tabela de tarefas, fixação da jornada de
trabalho em oito horas, salário igual para todo trabalhador acima
de 16 anos (homens e mulheres), cômputo do tempo de desloca-
mento do trabalhador (ida e volta) como tempo de trabalho, re-
muneração do domingo, remuneração em dobro para o trabalho
aos domingos, remuneração adicional por hora extra e serviços
perigosos à saúde, fornecimento de leite, pagamento do salário-
família, pagamento do salário integral em caso de falta por doença
ou acidente de trabalho, proibição do trabalho com veneno para
mulheres e menores de dezoito anos, licença maternidade, lei do
sítio (até dois hectares para cada morador há um ano na proprie-
dade); estipulações de moradia, escola, transporte seguro; forne-
cimento pelo patrão de ferramentas, água potável, equipamentos
de proteção; carteira assinada; estipulações de forma de pagamen-
to; amparo à atuação sindical, etc.
De 1984 até 1990, apesar da pauta básica do mo-
vimento ter apresentado novas reivindicações, a convenção entre
patrões e empregados foi a mesma de 84. Ou pior, pois em 1985,
ao acréscimo de ganho de 50,0% para os trabalhadores, os pa-
trões reagiram com um acréscimo de 50,0% na tabela de tarefas,
o que praticamente invalidou o ganho inicialmente conquistado.
Da Comissão Canavieira original, saíram as princi-
pais lideranças sindicais cutistas na Paraíba,88 com proposta de
mobilização nos sindicatos, uma pauta básica por salário, tabela
de tarefas, medição com trena metálica e estabilidade do delegado
sindical. Como ações coletivas pelo cumprimento do salário e da
tabela, a Central passou a recomendar o paradeiro, a ação coletiva

88A CUT foi fundada na Paraíba em agosto de 1983. A atuação direta da CUT no campo se
fortalece após a criação do Departamento Estadual de Trabalhadores Rurais em 1989.
291
292 Emília Moreira e Ivan Targino

na justiça, passeatas e denúncias das empresas que infligissem o


dissídio, além do preparo de lideranças para atuarem na quantifi-
cação das tarefas dos trabalhadores rurais.
Ao longo desse processo de luta, firmaram-se al-
gumas características relevantes que é importante remarcar:
a) o movimento paraibano se insere em um mo-
vimento mais amplo, a nível de Nordeste, tendo como ponto de
irradiação Pernambuco e se espraiando pelo Rio Grande do Nor-
te, Alagoas e Sergipe;
b) assim como há diferenciações internas intrarre-
gionais no movimento, há formas diferenciadas de luta em nível
externo ao Estado, nas sub-regiões e municípios, a depender da
experiência passada e acumulada de luta, do envolvimento dos
respectivos dirigentes sindicais nas campanhas salariais, das con-
cepções de mobilização, entre outros fatores;
c) houve um deslocamento do eixo de mobilização
do aspecto legalista das primeiras campanhas para novos eixos de
luta, tais como as propostas da CUT que alcançam atualmente a
perspectiva de campanha unificada em termos de Nordeste;
d) a construção e elaboração das pautas de negoci-
ação democratizaram-se mediante novos procedimentos de parti-
cipação das bases. As campanhas salariais passaram a ser prepara-
das por fases: esclarecimento, mobilização e organização em as-
sembléias sindicais; notificação dos patrões; desencadeamento da
greve com piquetes para assegurá-la; realização da convenção ou
do dissídio entre as partes; ações de cumprimento dos acordos
mediante paradeiros; ações coletivas na justiça; passeatas e con-
centrações na Delegacia Regional do Trabalho. Como já foi men-
cionado no primeiro item do capítulo, o movimento conta com o
apoio de assessorias dos próprios sindicatos, de órgãos não go-
vernamentais (ONG’S) e a presença de setores da Igreja Católica.
A reação dos proprietários varia do aliciamento de
trabalhadores clandestinos de outras regiões para substituírem os
grevistas, ao condicionamento de acordos trabalhistas ao aumento
do preço da cana pelo Governo, ao não cumprimento do dissídio,
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 293

respaldados na intimidação armada, muitas vezes com desfechos


violentos. Em doze de agosto de 1983, a presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, Margarida Maria
Alves, à frente da campanha salarial com 34 ações trabalhistas
encaminhadas à justiça, foi assassinada e outros crimes semelhan-
tes têm-se repetido e permanecido impunes.
A suposta omissão do Estado diante deste quadro,
de fato, acaba por garantir a propriedade privada e assegurar con-
dições para a exploração dos trabalhadores pelos proprietários
rurais. Neste sentido, tal omissão se manifesta de diversas formas:
através da não fiscalização dos instrumentos de medidas de pro-
dução, das sentenças produzidas na Justiça do Trabalho, confe-
rindo legalidade a níveis salariais muito baixos e da não fiscaliza-
ção do cumprimento do dissídio coletivo pela Delegacia Regional
do Trabalho. Na verdade, o desaparelhamento dos órgãos de
Governo para o exercício de suas funções não é gratuito e permi-
te o descumprimento da lei pelos proprietários.
Além destas forças contrárias, o movimento sindi-
cal dos assalariados rurais enfrenta outras dificuldades:
a) a segmentação dos trabalhadores. Devido às
formas diferenciadas de recrutamento de mão-de-obra e de inser-
ção no processo produtivo, existem categorias bastante diferenci-
adas de trabalhadores. Isto torna a ação sindical muito complexa,
pois, numa única unidade produtiva são encontradas várias cate-
gorias (motoristas, assalariados, operários e técnicos da parte in-
dustrial) com datas-base de dissídio distintas e níveis diferencia-
dos de organização;
b) a sazonalidade da mão-de-obra, a distância en-
tre o local de moradia e os locais de trabalho, a simultaneidade de
trabalho em mais de uma propriedade por parte dos trabalhadores
dificultam a mobilização sindical;
c) a unificação das campanhas salariais a nível re-
gional se complica pelas diferentes datas-base dos dissídios, a

293
294 Emília Moreira e Ivan Targino

diversidade de processos de trabalho nos vários espaços agrários,


a falta de um salário unificado e os níveis diferenciados de organi-
zação sindical;
d) a dificuldade de mobilização se agrava com o
alto índice de desemprego no setor, em conseqüência da mecani-
zação agrícola, afetando as bases do movimento;
e) as contradições de interesses entre a categoria
de assalariados e a de pequenos produtores gera a heterogeneida-
de de reivindicações no interior dos Sindicatos de Trabalhadores
Rurais e coloca como desafio a construção da unidade da classe
trabalhadora;
f) o rígido controle dos proprietários sobre os
trabalhadores, mediante o uso da violência e de práticas assisten-
cialistas, inclusive prendendo nas usinas a mão-de-obra durante o
período do corte, atemoriza e dissuade os empregados de partici-
parem do movimento.
Atualmente, os assalariados da cana-de-açúcar
enfrentam um novo grande desafio conjuntural devido à “crise”
do Proalcool. Os fornecedores de cana e usineiros estão dimi-
nuindo a área plantada com cana e substituindo-a pelo capim ou
outras culturas que absorvem menos mão-de-obra e que pagam
salários ainda menores. Além disso, o processo recessivo desen-
cadeado pelo Plano Collor, a seca que assolou o Estado em 1993,
a desarticulação da atividade cotonicultora, a crise do sisal, a ex-
pansão da pecuária (atividade caracteristicamente poupadora de
mão-de-obra), pelo Agreste-Brejo e até mesmo no Litoral, a difi-
culdade de se obter terra para roçado, entre outros fatores, vêm
fechando também outras fontes tradicionais de emprego, agra-
vando a miséria e a fome, com conseqüências dramáticas e im-
previsíveis para os assalariados.

8.2. A luta pela terra


Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 295

Segundo Martins,

“O próprio capital impôs, no Brasil moderno, a


luta pela terra, como luta contra a propriedade
capitalista da terra. É a terra de trabalho contra
a terra de negócio” (MARTINS, 1991:56).

Para o homem do campo, a terra representa não


apenas a possibilidade de sua sobrevivência, mas também a garan-
tia de poder permanecer com sua família no seu local de origem,
livre da sujeição do cambão ou do trabalho alugado. A terra cons-
titui ainda para o camponês o único bem e a única herança passí-
vel de ser deixada para a família. Em outras palavras, a terra con-
fere dignidade ao pequeno produtor.
No Brasil, porém, são poucos aqueles que detêm a
posse da terra: de 600 milhões de hectares aptos para o desenvol-
vimento da atividade agropecuária, 420 milhões estão nas mãos
do latifúndio (IBASE, 1993 apud CAMARGO, 1994). Na verda-
de, o Estado brasileiro nunca se interessou em democratizar o
acesso à terra. Ao contrário, através das políticas e programas
agrícolas que desenvolve, vem contribuindo para viabilizar a do-
minação do capital no campo, abrindo os caminhos necessários
para a exploração da agricultura de modo capitalista em grandes
unidades de produção. O resultado disso é a expul-
são/expropriação maciça do produtor direto.
Esse processo nem sempre ocorre de forma passi-
va. A ele, parcela significativa da população rural reage, dando
origem aos conflitos agrários. O conflito surge então como uma
forma de resistência do camponês à sua expropriação. Como bem
o diz Martins,
“O nível de expropriação foi tão longe que aca-
bou produzindo um fato político que é a resistên-
cia” (MARTINS, 1991:31).

295
296 Emília Moreira e Ivan Targino

Por outro lado, depois de expulsos, muitos traba-


lhadores, inconformados com as condições de vida encontradas
nas periferias das cidades (pontas de rua e favelas), se reorgani-
zam, buscam latifúndios improdutivos e os ocupam, o que deriva
também em conflito.
Em outras palavras, o conflito de terra é fruto do
choque de interesses entre capital e trabalho representado, de um
lado, pela necessidade de subordinação da produção à lei do lucro
e, do outro, pelo direito de permanecer na terra, de viver na terra
e garantir a sobrevivência da unidade familiar de produção.
Na Paraíba, foram registrados entre 1970 e 1996
mais de 200 conflitos de terra,89 distribuídos em 57 municípios (v.
mapa da distribuição dos conflitos in: MOREIRA,1996). Eles
abrangeram mais de cem mil hectares (quase 10% da área utiliza-
da com lavouras em 1980) e envolveram mais de oito mil famílias
(cerca de quarenta mil pessoas). Concentraram-se basicamente no
Litoral e no Agreste (mais de 90,0% do total). Aí também encon-
trava-se o maior número de famílias envolvidas nos conflitos pela
posse da terra.90
No Litoral, a luta camponesa tem ocorrido de
modo disseminado, tanto em municípios tradicionais produtores
de cana, como naqueles onde o Proalcool promoveu sua expan-
são recente. Porém, nesses últimos sua incidência é maior. Neles,
até 1975, a organização do espaço baseava-se numa policultura
alimentar praticada por posseiros e arrendatários e na produção
do coco-da-baía. As grandes propriedades eram ocupadas pela
Mata Atlântica e pelos Cerrados dos tabuleiros, pontilhados por
clareiras formadas pelos roçados dos arrendatários e por sítios
ocupados por posseiros.

89Aqui se incluem as áreas objeto de denúncias e aquelas cujo conflito teve um desfecho favorável
ou não para a classe trabalhadora.
90Informações mais detalhadas sobre os conflitos de terra na Paraíba poderão ser encontradas in:
MOREIRA, Emilia de Rodat Fernandes. Por um pedaço de chão. João Pessoa, Ed. Universitá-
ria, 1996.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 297

O avanço da cana, como já foi mostrado no se-


gundo capítulo, deu-se tanto sobre a vegetação natural quanto
sobre os roçados e os sítios, promovendo a expul-
são/expropriação dos pequenos produtores rurais. A resistência
camponesa ao avanço da cana e à conseqüente expul-
são/expropriação, deu origem a um grande número de conflitos
de terra, alguns dos quais de repercussão internacional, como o
conflito de Camucim.
No Agreste, as áreas de maior ocorrência dos con-
flitos nos últimos vinte e seis anos correspondem:
a) às Microrregiões de Itabaiana, Guarabira e Brejo
Paraibano, onde a cana-de-açúcar e a pecuária expandiram-se na
década de 70 sobre a policultura alimentar e comercial, inclusive
sobre áreas antes ocupadas com o algodão herbáceo;
b) à Microrregião do Curimataú Oriental, área de
fortalecimento da atividade pecuária nos anos 70 e 80;
c) a alguns municípios situados na porção norte da
Microrregião de Campina Grande, zona de forte expressão da
policultura alimentar e comercial onde a atividade criatória tam-
bém se expandiu consideravelmente nas últimas décadas (v. mapa
da distribuição dos conflitos in: MOREIRA,1996).
No Cariri, os conflitos identificados são em pe-
queno número, concentrados em Monteiro, Sumé e São João do
Cariri.
No Sertão, eles aparecem nas áreas de Perímetro
Irrigado como o de São Gonçalo, o do Açude de Pilões e o de
Riacho dos Cavalos e também em municípios isolados como Pa-
tos e São José do Bonfim (v. mapas relativos aos conflitos e às
famílias neles envolvidas in: MOREIRA,1996). Nessas áreas a luta
pela terra se confunde com a luta pelo acesso à água. As áreas de
conflito aqui, na sua grande maioria, localizam-se em torno das
barragens.
Em maio de 1996 eram 64 as áreas de conflito
sem solução pela via da reforma agrária na Paraíba (v. quadro
XXXVIII e mapa concernente in: MOREIRA, 1996). Várias des-
297
298 Emília Moreira e Ivan Targino

sas áreas não têm renovado denúncia ao Incra desde algum tem-
po, o que pode ser um indicador seja de desistência da luta por
parte dos trabalhadores, seja de concretização do processo de
expulsão. Algumas, como a fazenda Sapé, em Alagoa Grande,
Imbiras 2 e 4 em Alagoa Nova, Acauã, em Sousa, Boa Idéia em
Massaranduba, Capim/Pindoba, em Mamanguape, entre outras,
estavam em maio de 1996 com decreto de desapropriação já assi-
nado porém aguardando emissão de TDA para ajuizamento da
ação. Essas áreas deverão estar fora dessa lista muito brevemente
(v. quadro XXXVIII). Outras, embora desapropriadas, encontra-
vam-se subjúdice e com o conflito agravado pela pendência judi-
cial (v. quadro XXXVIII). O mais grave conflito pela posse da
terra do Estado da Paraíba em setembro de 1996 era o da Fazen-
da Gomes, em Alagoa Grande.

8.2.1. A dinâmica dos conflitos

Na grande maioria dos conflitos cadastrados, a


concretização da subordinação da exploração agropecuária à lógi-
ca capitalista se faz pela mudança nas formas de utilização do solo
e nas relações sociais de produção.

“Os proprietários expulsam os moradores, ar-


rendatários ou posseiros para plantar capim, ca-
na-de-açúcar, abacaxi ou agave” (FETAG,
1982:6).

Isto é, procura-se explorar aquelas culturas que


asseguram uma maior lucratividade, mesmo que esta seja gerada
artificialmente pelos subsídios governamentais. Por outro lado, a
necessidade de explorar racionalmente a terra não permite que ela
seja distribuída entre parceiros e arrendatários, bem como impõe
um novo ritmo de trabalho que é melhor satisfeito pelo assalari-
amento temporário.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 299

O processo de expulsão, em grande número dos


casos, se inicia seja com a morte do antigo dono, quando a terra é
subdividida entre os herdeiros, seja por ocasião da venda da pro-
priedade. Durante a administração dos antigos donos, apesar de
“sujeitos”os moradores tinham garantidos os direitos adquiridos
através dos contratos verbais com eles feitos (sítio, água, lenha e
moradia, em troca de serviço gratuito). O acesso à terra aos forei-
ros, parceiros e posseiros, mesmo que precário, também era per-
mitido.
“O antigo dono representa o proprietário tradici-
onal que favorece as relações clientelistas com seus
trabalhadores e resiste a mudanças no sistema de
exploração da terra. Esse período é geralmente
lembrado pelos assentados como de uma relativa
tranqüilidade” (CAMARGO, 1994:118).

À transferência de titularidade e ao subseqüente


parcelamento do imóvel segue-se, via de regra, um processo de
venda. Na maioria dos casos, os trabalhadores não são notifica-
dos, nem lhes é concedido o direito de preferência, garantido pelo
Estatuto da Terra. Esse descumprimento da lei abre uma brecha
para que eles recorram à justiça, dando início à luta contra a ex-
pulsão-expropriação.

“Os proprietários vendem a outros sem notificar


aos moradores que vivem na propriedade há
muitos anos, de 10 até 60 anos” (FETAG,
1982:6).
Por outro lado, ao adquirir a terra, o novo dono a
quer desimpedida de qualquer obrigação trabalhista, bem como,
regra geral, também deseja explorá-la de forma diferente.

“ (...) os patrões começam a pedir as casas dos


moradores, botam gado nas posses dos trabalha-

299
300 Emília Moreira e Ivan Targino

dores, plantam capim nos roçados antes da co-


lheita ser feita, derrubam as casas dos morado-
res, amedrontam os trabalhadores com capangas,
jagunços, prometem botar na cadeia e provocam
todo tipo de ameaças; quando a expulsão não é
direta, é de forma indireta: os patrões proibem de
plantar roçado, de criar animais, de recolher le-
nha, de tomar água, ou entregam terrenos muito
fracos ou muito longe, etc.” (FETAG,
1982:6).

A esse processo os trabalhadores reagem de várias


formas: arrancando o capim ou a cana, plantados no lugar dos
seus roçados e refazendo-os através do sistema de mutirão; en-
trando na justiça com solicitação de manutenção de posse; acam-
pando em praça pública; ocupando a sede local do Incra; denun-
ciando a violência dos donos em nível regional, nacional e inter-
nacional, através da imprensa, da Igreja e de outras entidades de
apoio. As ações abaixo se destacam, pela força que se revestem e
pela repercussão que promovem:

 a resistência do plantio
A luta pela terra na Paraíba traz embutida a luta
contra a subordinação da terra à monocultura e à pecuária. Ela
representa, ainda, a luta dos que têm fome de alimentos contra os
que têm fome de lucro. É neste sentido que se coloca a resistência
ao plantio de “culturas de rico” e de “pasto”. Concretamente essa
resistência se expressa através de ações do tipo “arranca-
capim”ou “arranca-cana” seguida do replantio do feijão, do mi-
lho, da roça (mandioca). Para isso os camponeses contam, via de
regra, com o apoio dos companheiros de outras áreas de conflito
ou de assentamento e de assessores, em particular, de represen-
tantes da Igreja. Os roçados são refeitos com trabalho coletivo
em forma de mutirão (CAMARGO,1994);
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 301

 As formas de pressão: o acampamento

O acampamento na sede do Incra ou em praça


pública constitui uma das estratégias de luta dos trabalhadores.
Esta é utilizada como um dos últimos recursos para fazer deslan-
char a ação do Estado, no sentido de tentar vencer as barreiras
impostas pelos impasses de ordem jurídica. De outro lado, ele
representa uma forma de fugir à violência dos donos, de ampliar
o apoio no seio da sociedade civil e de divulgar o conflito (CA-
MARGO,1994).91

“No dia 5 de julho os 600 trabalhadores, de


várias áreas, inclusive os moradores de Sede Ve-
lha e Corvoada acamparam em frente ao palácio
do Governo e ocuparam o palácio exigindo uma
solução para o problema de Abiaí”
(CPT:1995).

Essas diversas formas de organização e reação dos


trabalhadores não são suficientes para frear o processo de expul-
são. Ao contrário, os patrões tanto não desistem como valem-se
das mais diversas formas de ação para concretizar tal processo.
Eles vão desde a tentativa de persuasão (arremedo de indeniza-
ção) até a violência.
8.2.2. A ação dos mediadores

A reação organizada dos trabalhadores à expul-


são/expropriação e sua relação com o Estado e com o patronato
se faz pela mediação de órgãos de classe, da Igreja Católica, ou
ainda de centros e grupos de assessorias. Vale ressaltar que no

91A esse respeito leia-se CAMARGO. Da luta pela terra à luta pela sobrevivência na terra:
resgate da discussão e exemplos concretos de reforma agrária na Paraíba. João Pessoa,
Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFPb, 1994.
301
302 Emília Moreira e Ivan Targino

desenrolar do conflito essas forças desempenham um papel fun-


damental na sua sustentação. Com efeito, aqueles conflitos que
tiveram um desfecho de certo modo favorável aos trabalhadores
(Árvore Alta, Alagamar, Camucim, Capim de Cheiro, Fazendas
Corvoada e Sede Velha do Abiaí, etc.), foram exatamente aqueles
onde essas instituições atuaram de forma maciça. A mediação
dessas organizações, contudo, não é da mesma natureza. Enquan-
to os organismos de classe agem, principalmente, pelos canais
institucionais (representação junto ao poder executivo, petições
ao Incra, encaminhamento judiciário, etc.), a ação da Igreja e dos
grupos de assessoria dirige-se muito mais para a elevação do nível
de consciência política, contribuindo para fortalecer a organização
dos trabalhadores, fundamental para a manutenção e sustentação
da luta. Vale destacar o papel desempenhado pela Igreja Católica
através da Comissão Pastoral da Terra, dos Centros de Defesa
dos Direitos Humanos, do Serviço de Educação Popular da Dio-
cese de Guarabira e das CEBs, seja na condução da luta, seja na
mediação dos interesses dos trabalhadores junto às diversas ins-
tâncias do Estado (órgãos de terra como Incra e Interpa, gover-
nos estadual e federal, justiça, etc.).

8.2.2.1. A Igreja

Como mediadora dos conflitos a Igreja, através


dos seus setores mais progressistas, desempenha um importante
papel92. De um lado, ela dá sustentação à luta dos trabalhadores
quando se posiciona em seu favor, divulgando o conflito, bus-
cando o apoio da sociedade civil, colocando advogados à disposi-
ção dos trabalhadores e denunciando as ações de violência dos
donos e de seus prepostos. Através de padres e agentes pastorais
leigos, desenvolve todo um trabalho de conscientização junto aos

92Não é a Igreja enquanto instituição que atua como mediadora dos conflitos, mas seus segmen-
tos mais progressistas representados por bispos, padres, agentes pastorais leigos e entidades diver-
sas como a CPT, as CEBS, etc.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 303

pequenos produtores, buscando elevar seu nível de consciência


política e fortalecer sua capacidade de organização.
Esta, porém, nem sempre foi a postura adotada
pela Igreja Católica. Na verdade, durante séculos, ela não só se
posicionou a favor dos detentores do poder político e econômico,
como foi parte deste poder. A história da Igreja Católica no Brasil
reflete essa tendência geral. Só a partir da década de 50 foi se de-
lineando movimentos no seu interior que se posicionavam clara-
mente em favor dos trabalhadores e dos oprimidos e como forma
de freiar a influência do Partido Comunista junto ao homem do
campo (MEDEIROS, 1989:76). Eram movimentos marginais e
que, via de regra, eram vistos com suspeita pela alta hierarquia
eclesiástica. Com o Concílio Vaticano II, a posição definida por
estes movimentos foi ganhando maior importância e, em alguns
momentos, chegou a ser assumida pelas estruturas da Igreja. Mas
mesmo nesses momentos, não representava o pensamento da
totalidade do episcopado.
As Conferências episcopais de Medellin (1968) e
Puebla (1979) representaram um momento importante da formu-
lação e consolidação da chamada opção preferencial pelos pobres.
Esta posição teve uma fundamentação teológica através da cha-
mada Teologia da Libertação, cujos principais expoentes no Brasil
foram Padre Joseph Combln, Leonardo Boff, Frei Beto, etc. No
Brasil, foram precursores dessa posição o Movimento da Ação
Católica e a constiuição da CNBB sob a influência de D. Hélder
Câmara, o Movimento de Educação de Base, os Serviços de As-
sessoria Rural, etc. Porém, só mesmo após a instalação do regime
militar, em 1964, é que a Igreja brasileira foi assumindo o papel
de porta-voz das resistências ao regime, passando a defender, de
forma oficial, posições de denúncia à situação de injustiça social e
de opressão política vivenciada no país.
Dentro desse contexto, em 1975, é criada em Goi-
ás, a Comissão Pastoral da Terra, como um “serviço cristão à causa
dos camponeses e trabalhadores rurais do Brasil”. A CPT irá desempe-
nhar uma função aglutinadora das forças que lutavam pela justiça
303
304 Emília Moreira e Ivan Targino

social no campo. Através da organização dos trabalhadores, ela


não só passa a defender os direitos trabalhistas no campo mas,
sobretudo, começa a atuar em áreas de conflito, em conjunto com
dioceses, paróquias e comunidades eclesiais de base, levantando a
bandeira da reforma agrária. Ela ainda presta assessoria a Sindica-
tos de Trabalhadores Rurais, Associações de Pequenos Produto-
res, movimentos sociais, etc.
Na Paraíba, essa nova postura da Igreja Católica
começa a tomar corpo nos anos 60. Inicialmente, ela foi mais
significativa nos segmentos urbanos do que no mundo rural. A
ação dos padres Aluísio Guerra, Juarez Benício e Nóbrega, junto
ao movimento estudantil secundarista e universitário, e dos pa-
dres Antonio Fragoso (ainda nos anos 50) e Everaldo Peixoto e
de alguns seminaristas como Nelson Araújo e Afonso Lonsing,
junto ao movimento operário, são marcos dessa nova face da
Igreja.
No campo, a sua ação em favor dos trabalhadores
surge como uma oposição à influência do Partido Comunista e
das Ligas Camponesas. Nessa época, alguns padres influenciados
pelo movimento “Por Um Mundo Melhor”e pela atuação dos
padres Crespo e Melo de Pernambuco, apoiaram a formação de
alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais, como uma forma de
contrapor-se às influências do PCB e das Ligas junto aos campo-
neses. Essa ação, porém, era muito tênue e exercida sob fortes
reservas da hierarquia católica paraibana. Exemplo disto foi a
oposição de D. Mário Villas Boas, então Arcebispo da Paraíba, à
proposição de alguns padres em se instalarem nos municípios de
Sapé e Mari, principais centros das Ligas no Estado. Após o golpe
militar, mesmo este tímido e controvertido aceno do clero em
direção aos trabalhadores se retrai.
A atuação da Igreja no campo, de forma mais
comprometida, irá ganhando mais expressão através da tentativa
de reorganização da Ação Católica Rural (ACR) sob a coordena-
ção do Padre Joseph Servat e da Juventude Agrária Católica
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 305

(JAC), sob a coordenação dos padres Nelson Araújo e Carmil


Vieira.
Mas é só após a chegada de D. José Maria Pires no
Estado, em 1966, que a hierarquia católica passa a tomar posição
claramente favorável aos trabalhadores rurais. A dura realidade do
campo encontrou abrigo na sensibilidade de D. José para as ques-
tões sociais. Segundo seu depoimento, visitando um trabalhador
doente na zona rural do Estado, foi testemunha da prepotência
do latifúndio. O dono da terra colocara uma cerca que passava
pela porta dos fundos e saía pela porta da frente, dividindo a casa
do trabalhador ao meio. Este fato foi decisivo segundo ele, no
fortalecimento da sua posição em defesa dos trabalhadores. Esta,
foi reforçada com a chegada de D. Marcelo Carvalheira em 1975
(Guarabira) e de D. Luís Gonzaga Fernandes, em 1982 (Campina
Grande).
Essa nova forma de ser Igreja irá se refletir até
mesmo na maneira de condução da formação clerical. Adotando
os princípios da “Teologia da Enxada”, busca-se, através de expe-
riências concretas de pobreza e trabalho rural, pôr em prática a
opção preferencial pelos pobres assumida em Medellin e Puebla,
a partir da preparação de missionários pobres que desenvolvem
sua formação ao lado, e em condições semelhantes, às dos excluí-
dos. Grupos de seminaristas passam a se deslocar para a periferia
de cidades do interior onde, além de se dedicarem à tarefa de
cultivar um roçado, estudam e exercitam sua ação pastoral junto à
população mais humilde do lugar. Esta experiência redundou na
criação do primeiro “Centro de Formação de Missionários Cam-
poneses” da América Latina, em funcionamento no município de
Serra Redonda. D. José ainda proporcionou a vinda para a Paraí-
ba de vários agentes pastorais leigos e religiosos de outras partes
do Brasil e do exterior, que assumiram a orientação da Pastoral no
Campo, enquanto agentes de conscientização e organização da
resistência camponesa à sua expropriação em decorrência do pro-
cesso de modernização da agricultura que estava em curso. Esses
agentes da pastoral rural vão marcando sua presença no apoio à
305
306 Emília Moreira e Ivan Targino

luta pela terra no Estado, sobretudo no Litoral e no Agreste-


Brejo.
Exemplo concreto da atuação da Igreja nos confli-
tos de terra nos anos 70 foi a luta de Alagamar nos municípios de
Itabaiana e Salgado de São Félix (CANTALICE, 1985). Muitas
outras lutas camponesas foram acompanhadas pela Pastoral Rural
da Paraíba até 1988 (Camucim, Cachorrinho e Coqueirinho, etc.).
Nesse ano, ela transformou-se formalmente em Comissão Pasto-
ral da Terra (CPT).
A postura da CPT na Paraíba tem-se pautado na
defesa intransigente dos pobres da terra. Seu trabalho não se re-
sume ao simples “apoio à luta”. Ele é bem mais amplo e embute:
a prestação de serviço de assessoria jurídica; a denúncia de violên-
cia; o acompanhamento quase diário dos trabalhadores em confli-
to; a divulgação dos fatos em nível local, nacional e internacional;
a organização das romarias da terra; o trabalho de formação da
consciência política dos trabalhadores e uma assistência infra-
estrutural (alimentação, transporte, colchões, lonas) por ocasião
dos acampamentos, além de assistência médica e cobertura finan-
ceira quando se faz necessário. À frente da CPT, destaca-se Frei
Anastácio Ribeiro, hoje coordenador na Paraíba e na CPT Regio-
nal Nordeste.
Ao trabalho de padres, freiras e agentes pastorais
leigos ligados à CPT, se soma o papel desempenhado pelas auto-
ridades máximas da Igreja estadual e regional. Estas, além de ga-
rantirem com seu apoio a ação das bases, em alguns casos são
chamadas para intervir diretamente. Sua presença nas áreas de
conflito e nos acampamentos, suas declarações na imprensa e em
eventos que participa, sua palavra durante as cerimônias religiosas
transformaram-se, ao longo dos anos, num ato garantidor da so-
brevivência da luta. A força desta intervenção se exprime, tanto
em nível local como estadual e regional, pelo impacto que pro-
move junto à sociedade civil e às instituições do Estado, tais co-
mo os poderes executivo, legislativo e judiciário levando-os, no
mais das vezes, a agilizarem suas ações. A voz da hierarquia da
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 307

Igreja tem-se feito ouvir também na luta contra a impunidade dos


assassinos e mandantes dos crimes contra trabalhadores rurais.
D. Hélder Câmara, D. José Maria Pires, D. Marce-
lo Carvalheira, e D. Luís Gonzaga, são representantes da hierar-
quia progressista da Igreja Católica que, no Nordeste e na Paraíba,
deram testemunho de sua opção pelos pobres, apoiando a ação
pastoral, os movimentos sociais e populares, a ação sindical e
hoje, a ação pela cidadania. Em defesa da democratização da ter-
ra, contra a fome e a miséria e pelo direito à cidadania plena para
os trabalhadores do campo, eles colocam-se a favor de lavradores,
posseiros e índios, participam de negociações entre estes, os ór-
gãos de terra, o poder executivo e proprietários, fazem denúncia e
clamam por justiça, ocupam espaços nos meios de comunicação
em defesa dos pobres e oprimidos.
Não resta dúvida que,

“(...) ao sacralizar a luta pela terra como uma


luta do “Povo de Deus pela Terra Prometida”,
a Igreja abre para o trabalhador uma forma de
legitimar, no sentido de justificar para si mesmo,
a validade dessa luta. Assim, lutar pela terra
deixa de ser uma transgressão às normas de res-
peito a autoridade instituída, para se tornar
uma luta “abençoada por Deus” e portanto, de
direito. Ou seja, possibilita que se opere o divór-
cio entre a lei e a justiça” (CAMARGO,
1994:137).

Essa posição adotada pela Igreja Católica tem sido


pouco compreendida por aqueles que sempre viram na mesma
uma aliada na defesa dos seus interesses, na manutenção das desi-
gualdades e injustiças sociais e na inviolabilidade da propriedade
privada. Daí as perseguições, difamações e ameaças que sofrem
todos os representantes da Igreja progressista que têm uma atua-

307
308 Emília Moreira e Ivan Targino

ção mais efetiva junto à classe trabalhadora, sobretudo a do meio


rural. O fato é que, ao se posicionar contra a violação do direito
ao trabalho e à terra, a Igreja deixa de ser apoio para a classe do-
minante, da qual sempre foi aliada, carreando contra si e contra
seus representantes a ira dos que se consideram traídos.
Na Paraíba, Frei Hermano, Frei Anastácio, Padre
Luigi Pescamona, Padre João Maria, Irmã Valéria e muitos outros
já foram sujeitos à violência dos donos, à repressão policial e/ou
responderam/respondem processo na justiça. São tidos pelos
proprietários como “subversivos”, “agitadores”, “insufladores dos lavra-
dores” e, mais recentemente, “formadores de bandos e de quadrilhas”.93
O saldo desse processo, porém, tem sido positivo
para os trabalhadores. O crescimento dos imóveis adquiridos
e/ou desapropriados para assentamento de população em áreas
de atuação da CPT estão aí para demonstrar a eficácia da ação da
Igreja Católica.
Essa atuação da Igreja “não está, sem dúvida, isenta de
críticas. Mas o ‘não ser perfeita’ não invalida e tampouco contesta o seu papel
de principal mediadora dos conflitos no Estado” (CAMARGO,1994:142)
nem diminui o valor do seu trabalho. Durante a ditadura militar,
foi a Igreja Católica que na Paraíba furou o cerco da repressão,
rompeu o silêncio dos partidos políticos e reorganizou os movi-
mentos sociais no campo através da luta “pela terra prometida”. E é
ela que, ainda hoje, se contrapondo ao avanço das forças conser-
vadoras no seu interior, faz parceria com a Organização Sindical e
sustenta e mantém a maior parte dos conflitos pela posse da terra
no Estado.
Para o trabalhador, a Igreja através da CPT e o
apoio por ela prestado, constituem, de um lado, a segurança e a
certeza de que não estão sozinhos na luta e, de outro lado, a única
garantia de sobrevivência ao conflito, sobretudo quando a violên-
cia é muito grande.

93A recente prisão de Frei Anastácio Ribeiro, acusado de “formação de quadrilha”e de “maltrato a
menoresӎ um exemplo disso.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 309

“(...) Nós só tinha o Sindicato, a Igreja e o povo


do nosso lado. A Igreja ajudava a gente fazendo
campanha, missa, pedindo colaboração do povo
nas Igrejas. Se não fosse a Igreja nós não tinha
condição. Tudo o que a gente tinha aqui tinha
ido por água abaixo, até a lavoura. A Igreja en-
tão ajudou muito e até hoje continua ajudando.
Qualquer momento difícil ela corre encima, dis-
cute os problemas com a gente. Porque pros ricos,
os padres não pode ajudar pobre não” (Possei-
ro de Camucim. In: MOREIRA,
1988:444).

8.2.2.2. A Assessoria Jurídica


A resistência camponesa para permanecer na terra
encontra abrigo em alguns dispositivos legais, sobretudo nos Es-
tatutos do Trabalhador Rural (1963) e da Terra (1964). Daí a im-
portância da Assessoria Jurídica tanto para encaminhar as ques-
tões, quanto para defender os trabalhadores. A esse respeito e
com muita propriedade, Camargo afirma:

“Na maioria dos conflitos de terra é possível


identificar dois campos de batalha distintos, em-
bora interligados. Em primeiro lugar, vem a ter-
ra disputada - o espaço físico onde se dá a ocupa-
ção ou a tentativa de expulsão. É aí que os tra-
balhadores sofrem os atos de violência ou organi-
zam as ações de resistência. A segunda instância
de confronto é o fórum, onde se dá o embate judi-
cial. Por isso, contar com uma boa assessoria ju-
rídica é fundamental para garantir um resultado
favorável para a luta dos trabalhadores”
(1994:142).
309
310 Emília Moreira e Ivan Targino

É a partir dos anos 70 que irá surgir na Paraíba as


primeiras entidades de assessoria jurídica de apoio aos trabalhado-
res do campo. A primeira delas nasce em 1976 ligada à Arquidio-
cese da Paraíba. Trata-se do Centro de Defesa dos Direitos Hu-
manos (CDDH), que durante muitos anos, em especial nos anos
negros da ditadura militar, foi coordenado pelo advogado Wan-
derley Caixe.
O papel do CDDH era prestar assistência jurídica
aos trabalhadores sem postular em juízo, uma vez que, para a
Arquidiocese, esta tarefa cabia à organização sindical (CAMAR-
GO,1994). Por se colocar à frente desta entidade, acompanhando,
mobilizando e denunciando as ações dos donos, da polícia e do
Estado contra os lavradores, Wanderley não só foi ameaçado de
morte como sofreu um atentado. Naquela época, marcada pelo
medo e pela violência do latifúndio e da repressão policial, o
CDDH distinguiu-se como um baluarte forte e destemido, que
mereceu o respeito não só dos trabalhadores, mas também dos
segmentos da sociedade civil comprometidos com a democratiza-
ção do país e com a justiça social no campo.
Na década de 80 surge na Paraíba uma segunda
entidade de assessoria jurídica voltada para o atendimento das
causas populares. Trata-se da Sociedade de Apoio ao Movimento
Popular e Sindical (SAMOPS), uma organização não governa-
mental que também atuará junto aos movimentos sociais rurais
atrelada à Arquidiocese da Paraíba e que presta serviços à CPT
através de ações específicas para as quais é contratada (CAMAR-
GO,1994). Além dessas entidades, existem nas dioceses do interi-
or Centros de Defesa a elas interligados ou autônomos que tam-
bém atuam como assessoria jurídica de apoio aos trabalhadores.
A organização sindical também possui sua assessoria jurídica, que
é colocada à disposição dos agricultores.
Ainda é muito restrito o número de advogados
que, na Paraíba, desenvolveram e/ou desenvolvem um trabalho
comprometido com as lutas da classe trabalhadora. Dentre estes
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 311

podem-se citar Júlio César Ramalho, Eduardo Loureiro, Antonio


Barbosa, Sebastião Geriz, Iranice Muniz, entre outros.
Vários fatores têm contribuído para a escassez de
advogados envolvidos com as causas sociais na Paraíba, e, em
particular, com os movimentos sociais dos trabalhadores rurais.
Numa entrevista realizada por Camargo com Antonio Barbosa,
ele aponta como responsáveis por essa escassez de advogados
trabalhando com as causas sociais na Paraíba:

“a) a crise econômica que, de um lado, atinge os


movimentos sociais, diminuindo a sua capacida-
de de arrecadar recursos e, por outro lado, obriga
a maioria dos récem-formados a buscar uma
imediata colocação no mercado de trabalho; b) a
dificuldade de engajamento de novos profissionais
nas entidades de assessoria jurídica; c) o período
de desgaste por que passa o próprio movimento,
principalmente no campo sindical” (CAMARGO,
1994:143).
A esses fatores somam-se outros de efeitos igual-
mente restritivos:
a) riscos de engajamento. Via de regra, os advoga-
dos que se posicionam em defesa das causas dos trabalhadores
enfrentam a violência do latifúndio, no mais das vezes irmanado
com o Estado. Ameaças de morte, espancamentos, seqüestro e
até mesmo a perda de emprego público são assinalados no Brasil
e na Paraíba. Júlio César Ramalho, um dos mais antigos advoga-
dos dos trabalhadores rurais do Estado, passou por tudo isso, por
seu engajamento na defesa dos camponeses e pela sua posição
intransigente contra o latifúndio. Neste caso, como em muitos
outros, os interesses patronais foram defendidos e assumidos pelo
Estado em detrimento das causas sociais e dos direitos da popula-
ção trabalhadora.

311
312 Emília Moreira e Ivan Targino

b) a organização e a estrutura dos cursos de Direi-


to levam a um processo de formação acrítico face ao aparato le-
gal. A lei é apresentada, no mais das vezes, como algo absoluto e
não como uma resultante do jogo de interesses e das forças em
ação na sociedade. Esses cursos estimulam uma formação desen-
gajada socialmente e voltada basicamente para o êxito individual.
Tal viés é reforçado, num momento de crise econômica e de es-
trangulamento do mercado de trabalho como o que tem se viven-
ciado no país. Os altos salários pagos aos magistrados, promoto-
res e desembargadores, o sucesso obtido pelos escritórios de ad-
vocacia, pelos assessores jurídicos de empresas privadas, do setor
financeiro e do Estado, têm transformado os cursos de Direito
nos mais concorridos para o ingresso formal nas Universidades.
O conservadorismo dos cursos soma-se à corrida ao êxito indivi-
dual, contribuindo para inibir a ampliação do número de advoga-
dos voltados para as causas sociais.
Apesar da existência de assessorias jurídicas de
apoio à luta dos trabalhadores ligadas à Igreja, acreditamos que
este papel deve ser fortalecido no âmbito da organização sindical
e dos demais movimentos populares, dada a importância que ele
reveste na condução e no desfecho da luta.

8.2.2.3. A organização sindical


No que se refere à ação da organização sindical,
esta pode ser analisada de dois ângulos: considerando-se a atua-
ção dos Sindicatos e a da Federação dos Trabalhadores da Agri-
cultura.
A atuação dos Sindicatos varia de acordo com sua
postura política. Onde o Sindicato não apresenta uma postura
combativa ele se posiciona a favor dos proprietários e age no
sentido de impedir o avanço da luta dos agricultores, deixando de
lado sua função de representante da classe trabalhadora rural.
Quando, ao contrário, trata-se de um Sindicato comprometido,
ele atua lado a lado dos trabalhadores na sustentação de sua luta e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 313

na busca da desapropriação do imóvel. É ele o intermediário en-


tre os lavradores e a Federação; ainda denuncia as práticas de
violência dos donos, intermedia as negociações junto ao Estado,
põe advogados a serviço dos agricultores e viabiliza, juntamente
com a Igreja, a sobrevivência nos acampamentos. Através do seu
Presidente e dos demais representantes, posiciona-se em todos os
momentos em defesa dos direitos dos trabalhadores. Vale a pena
destacar entre outros os STRs de Pitimbu e o papel importante
por ele desenvolvido durante o conflito de Camucim, Sede Velha
e Corvoada do Abiaí; o de Alagoa Grande, cujo apoio foi funda-
mental no conflito de Engenho Mares; o de Caaporã, em sua atu-
ação no conflito de Capim de Cheiro; o de Bananeiras, o de Santa
Rita, o de Sapé, o de Cruz do Espírito Santo, entre outros.
À Federação cabe assumir a defesa incondicional
dos lavradores. Embora esta seja a regra, em alguns momentos,
dependendo da linha política dos dirigentes, se tem uma ação
mais ou menos eficiente. No caso do conflito de Camucim, por
exemplo, a ação da Fetag foi muito criticada e o advogado que
esta colocou à disposição dos posseiros foi acusado de agir contra
eles e a favor dos donos (MOREIRA,1988). Como representante
maior da organização sindical, a Fetag tem intermediado as nego-
ciações entre o Estado, o Sindicato, os trabalhadores e o patrona-
to. Apesar de controvertido, por vezes considerado tímido ou
ineficiente, o apoio da Fetag em muitos casos tem-se mostrado
fundamental para garantir a permanência da luta e a conquista da
terra.
A CUT e a CONTAG apesar de se posicionarem
em favor da Reforma Agrária e de, em vários momentos, partici-
parem de grupos de apoio aos trabalhadores, não assumem a van-
guarda da mediação condutora da luta pela terra na Paraíba. Seus
esforços estão concentrados na luta dos assalariados por melhores
condições de vida e salário.

8.2.2.4. Outros aliados


313
314 Emília Moreira e Ivan Targino

Além dos mediadores citados, participam como


aliados na luta pela terra na Paraíba, agricultores de áreas de as-
sentamento, membros das CEBs, organizações não governamen-
tais diversas, professores universitários, entidades de classe do
setor urbano, profissionais liberais, meios de comunicação, políti-
cos e estudantes. A ação deste segmento da sociedade civil em
defesa dos trabalhadores das áreas de conflito se manifesta atra-
vés de moções de apoio, de abaixo-assinados, de cartas abertas à
população, de visitas às áreas em conflito, da prestação de asses-
soria na elaboração de documentos, etc.
A solidariedade dos agricultores de outras áreas
aos companheiros em luta é considerada pelos trabalhadores co-
mo muito importante. Ela se manifesta seja nos acampamentos,
onde contribuem com alimentos por eles produzidos, com traba-
lho e com a presença-reforço, seja nos mutirões, seja nas vigílias
noturnas.
Dentre os aliados cabe destaque aos órgãos de
comunicação. De modo geral os meios de comunicação paraiba-
nos, sobretudo a imprensa escrita, em muito tem contribuído para
propalar a luta dos camponeses ameaçados de perder a terra, para
divulgar as injustiças existentes no campo e a violência institucio-
nalizada contra aqueles que decidiram recusar a expulsão, resistir
à proletarização, à desruralização e à marginalidade e miséria ur-
banas. Isto resulta da ação de alguns jornalistas que, driblando
muitas vezes a orientação das empresas de comunicação, preocu-
pam-se em divulgar o desenvolvimento da luta, em buscar abrir
espaço para anunciar os acontecimentos, em posicionar-se em
defesa dos trabalhadores. Na Paraíba, a atuação do jornalismo
dando cobertura ao desenvolvimento dos conflitos de terra, di-
vulgando as denúncias dos trabalhadores, denunciando a partir de
constatações feitas in loco, a violência no campo, tem sido de
grande valor para a sustentação de muitos conflitos. A posição
política assumida pelos meios de comunicação, enquanto empresa
capitalista, espelha o maior ou menor grau de dependência exis-
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 315

tente entre esta, a classe patronal e/ou o Estado. Quanto maior a


influência destas duas instâncias do poder, menor o interesse da
empresa em divulgar o conflito.

8.2.3. A ação dos donos

A posição dos proprietários, e não podia ser dife-


rente, volta-se para a defesa intransigente da propriedade que
representa não só capital investido como também prestígio e po-
der. As armas por eles utilizadas são as mais variadas. Elas vão
desde a compra da consciência do trabalhador, disfarçada através
do pagamento de indenizações, até a ações de violência que com-
preendem: a destruição das moradias, dos bens nelas contidos,
das benfeitorias e dos roçados dos trabalhadores; a pressão psico-
lógica; as agressões corporais; os assassinatos.
Para atingir seus objetivos, os proprietários conse-
guem até mesmo se infiltrar no interior da organização sindical e
ainda usam de sua influência para subornar funcionários públicos.
Usam do poder do dinheiro para comprar a consciência política e
fazer aliados.
A sua ação contra as desapropriações se faz até
hoje, em várias instâncias. Vai desde a utilização direta da violên-
cia sobre os trabalhadores, até a ação indireta. Essa teve lugar
junto às Comissões Agrárias instituídas pelo Ministério da Refor-
ma Agrária da Nova República (posteriormente extintas), para
estudar os casos passíveis de desapropriação. Manobras junto ao
setor de Cadastro do Incra têm sido denunciadas no Brasil e na
Paraíba, na tentativa de transformar latifúndios em empresas ru-
rais, não passíveis de desapropriação. Por último, quando a desa-
propriação é decretada, fazia-se e faz-se ainda hoje apelo à justiça.
Em suma, a ação dos donos é, num primeiro mo-
mento, a defesa intransigente do patrimônio individual. Numa
segunda instância, a reação dos proprietários à desapropriação
pode ser entendida como uma defesa da propriedade capitalista

315
316 Emília Moreira e Ivan Targino

em si. Isto é, o que está em jogo para eles não é apenas a apropri-
ação da terra, mas o instituto da propriedade enquanto tal. Desta
forma, a desapropriação representa um ataque ao próprio capital.
Daí, a posição contrária dos órgãos patronais a toda a iniciativa de
desapropriação levada a efeito no Estado.

8.2.4. A ação do Estado

O Estado age nesses conflitos de forma aparente-


mente contraditória. De um lado, alimenta e sustenta o conflito e,
de outro, procura “solucioná-lo”.
Enquanto alimentadora dos conflitos, a ação do
Estado se realiza através das políticas fiscais e creditícias (financi-
amento para compra de propriedade, estímulo à pecuária e à ca-
na-de-açúcar, etc.). O que vale dizer que o Estado, na sua função
de viabilizador do processo de acumulação do capital, abre os
caminhos necessários à exploração da agricultura de modo capita-
lista.
Enquanto “solucionador” do conflito, age inicial-
mente através do seu aparelho repressor (polícia, justiça). Procura
garantir o direito de propriedade privada, dissuadindo a reação
organizada dos trabalhadores pelas mais diferentes formas. No
caso específico da Paraíba, onde o poder a nível estadual é captu-
rado pela oligarquia rural, seu caráter repressor-policial é manifes-
to, em toda sua pujança, na repressão aos conflitos pela terra. A
repressão policial, aliada à morosidade judiciária, leva, em alguns
casos, a desistência da luta após uma indenização irrisória.
Só quando essas modalidades de dissuasão não são
capazes de desarticular a reação dos trabalhadores é que a solução
propriamente dita é ensaiada, através da desapropriação, da com-
pra ou da doação de terras, visando o assentamento das popula-
ções envolvidas nos conflitos.
Segundo informações fornecidas pelo Incra e pelo
Instituto de Terras da Paraíba (Interpa), entre 1966 e 1990, vinte e
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 317

três imóveis rurais foram desapropriados no Estado (v. quadro


XXXV e mapa concernente in: MOREIRA,1996), totalizando
41.515,3856 hectares de terra e envolvendo 2.788 famílias. Para
isso foram utilizados recursos da União (vinte casos) e do Estado
(dois casos).
Vale a pena ressaltar que o maior número das de-
sapropriações que tiveram lugar nesse período ocorreram durante
a época da Nova República. O anúncio da disposição do Gover-
no de realizar a Reforma Agrária, feito em maio de 1985, durante
o IV Congresso do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais
do Brasil, deu novas forças àqueles que lutaram durante anos para
ver a “terra de exploração”, na expressão da Igreja, transformar-se
em “terra de trabalho”, ou seja, em “terra possuída por quem nela traba-
lha” (CNBB, 1980:5/20).
Embora sabendo-se que a reforma anunciada não
ultrapassaria os limites estabelecidos pelo Estatuto da Terra,94 ela
contou com o apoio não só de trabalhadores rurais, como dos
mais diversos segmentos da sociedade, entre os quais sobressaí-
am-se a Igreja, a Associação Brasileira de Reforma Agrária
(ABRA), os trabalhadores urbanos, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Indústria e até mesmo certos setores progressis-
tas do meio rural.
Entre 1980 e 1996 44 imóveis foram comprados
pelo Incra e pela Fundap (atual Interpa), perfazendo 12.607,1
hectares e abrangendo 1.874 famílias (v. quadro XXXVI e mapas
concernentes in: MOREIRA,1996). Em grande parte dos casos os
recursos foram provenientes dos Convênios Incra/Programa de
Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e

94O Estatuto da Terra não previa a destruição do latifúndio mas a superação gradativa, a partir de
estímulos especiais, de certas contradições que a propriedade improdutiva da terra gerava para o
capitalismo. Tratava-se, na verdade, de uma modernização do latifúndio, razão pela qual não é
uma lei de Reforma Agrária, mas de desenvolvimento rural, como deixa claro o item 10 da mensa-
gem 33: “Não se contenta o projeto a ser uma Lei da Reforma Agrária (...) é uma lei de desenvol-
vimento rural” (SILVA, J.G.1985: 69).
317
318 Emília Moreira e Ivan Targino

do Nordeste (Proterra), Incra/Procanor e também do FinsociaL,


do Fundo de Terras (Funterra), do Bird e da União.
Durante o governo Collor de Melo (1990/1992), ne-
nhuma desapropriação de terra ocorreu na Paraíba. Só no gover-
no de Itamar Franco, quando Marcos Lins assumiu a presidência
do Incra nacional é que novas desapropriações para fins de re-
forma agrária tiveram lugar no Estado. Entre 1993 e início de
1996 29 áreas foram desapropriadas beneficiando cerca de 2.000
famílias (v. quadro XXXVII e mapa concernente in: MOREIRA,
1996).
A maior parte dos imóveis desapropriados, com-
prados e transferidos acham-se localizados no Litoral e no Agres-
te (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996).
Apesar do crescimento recente das conquistas de
terra pelos trabalhadores, é preciso chamar a atenção para o fato
de que, na Paraíba:
a) existiam sessenta e cinco áreas de conflito sem
solução em maio de 1996, das quais cinco se destacavam pela
gravidade alcançada;
b) as populações envolvidas em conflitos de terra
resistem das mais diversas formas, inclusive ocupando a sede do
Incra, responsável pela política de Reforma Agrária no país, para
tentar se fazer ouvir pelas autoridades competentes. Nesses mo-
mentos, fica transparente mais uma contradição do Estado. É no
órgão criado para executar a Reforma Agrária que se presenciou,
durante muito tempo, não o apoio, mas a expulsão das famílias de
trabalhadores rurais, solicitada seja pelos seus dirigentes, seja pelas
autoridades do governo, utilizando-se do aparato policial repres-
sor, representado pelas polícias militar e federal. Só a partir de
1993 é que esta prática deixou de ser utilizada. Isto, graças à pos-
tura progressista de Ronald Queiroz e Júlio César Ramalho os
superintendentes do órgão entre 1993 e 1996.
Cabe acrescentar que a “luta pela terra”é mais
ampla do que um simples acesso a um lote. Ela compreende tam-
bém a luta pelas condições de trabalho na terra. Esse aspecto tem
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 319

sido patenteado pela situação das populações assentadas em dife-


rentes áreas do Estado. Via de regra, elas não contam com assis-
tência técnica ou creditícia, nem com recursos financeiros pró-
prios, carecem de infra-estrutura básica (água potável, luz, escola,
posto de saúde, saneamento e, em alguns casos, as condições de
moradia são extremamente precárias). Daí observar-se um grau de
ocupação do solo considerado baixo, a transferência ou abandono
de lotes, etc. Os problemas existentes, antes de subsidiarem um
diagnóstico de fracasso e os argumentos contra a Reforma Agrá-
ria, evidenciam a necessidade de uma política agrícola mais arro-
jada em favor da pequena produção. Apesar das restrições exis-
tentes, pesquisas realizadas têm evidenciado que,

“diminuiu a necessidade de assalariamento entre os as-


sentados e foi possível, para a maioria das famílias,
adquirir bens pessoais e de trabalho, inclusive
casa própria (...) Segundo os entrevistados seu
rendimento econômico aumentou após a conquis-
ta da terra” (CAMARGO, 1994:256).

É indiscutível que, apesar de todas as dificuldades,


os assentamentos realizados no Estado têm contribuído para a
geração de empregos e para a produção de alimentos. Em 1993
quando a seca atingiu de forma arrasadora a atividade agrícola do
Estado, chegando mesmo a desestruturar a produção de culturas
como o abacaxi e a cana cujo aporte tecnológico embute em mui-
tos casos o uso da irrigação, e os saques alcançaram o Litoral pa-
raibano, a equipe de pesquisadores do Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador da UFPb visitando as áreas de assentamen-
to do município de Pedras de Fogo surpreendeu-se. Lá não se
percebia o efeito devastador da seca. A produção de feijão e de
tomate nos pequenos vales molhados pelas águas que emanavam
das ressurgências situadas na base dos tabuleiros, a produção de
mandioca nas chãs e de abacaxi nas encostas conferiam a estas
áreas o aspecto de ilhas verdes encravadas em meio a canaviais
319
320 Emília Moreira e Ivan Targino

atrofiados pela falta dágua. Conforme aponta Maria da Conceição


D’Incao :

“O desafio, portanto, parece ser o de pensar uma


política de reforma agrária como parte integrante
de uma política agrícola capaz de combinar as
exigências econômicas dos setores mais desenvol-
vidos da agricultura com o fortalecimento econô-
mico da pequena produção agrícola já existente
ou a ser criada no contexto da própria reforma
agrária” (1994:50).

8.3. A violência no campo

A violência no campo não é um fenômeno novo.


Ela se faz presente desde o início da colonização portuguesa no
Brasil. Mais do que se fazer presente, ela é um elemento constitu-
tivo importante no processo de formação e estruturação do espa-
ço agrário. O genocídio indígena, a violência da escravidão, o
poder discricionário dos coronéis sobre os moradores, a persegui-
ção e extermínio de camponeses e líderes sindicais nos dias de
hoje são faces distintas de uma mesma realidade: o exercício do
poder dos donos para salvaguardar e fortalecer esse poder.
Pode-se dizer que a violência no campo tem sido
inerente ao controle monopolista da terra. Tal controle, ao delimi-
tar o acesso do produtor direto à terra (seja enquanto produtor
autônomo, seja enquanto assalariado), determina também os limi-
tes da possibilidade de sobrevivência da população rural. Na vi-
gência do “sistema morador”, esta delimitação era quase que ab-
soluta, pois eram restritas as possibilidades de inserção produtiva
na economia urbana, em virtude de sua fragilidade e incipiência.
Isso ampliava o poder dos senhores de terra sobre a vida dos mo-
radores. Nessa época, paternalismo e violência eram as faces gê-
meas do exercício do mando latifundiário.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 321

As transformações ocorridas na sociedade brasilei-


ra impingiram modificações consideráveis na forma de manifesta-
ção do poder dos senhores de terra, porém sem alterá-lo na sua
essência. Os procedimentos legais adaptam a estrutura de poder
fundiário (para preservá-lo) às novas condições sócio-
econômicas, consubstanciadas no avanço das forças produtivas,
na unificação do mercado de trabalho, nas mudanças nas relações
sociais de produção, na construção da democracia liberal, etc. Na
nova conjuntura, a burguesia agrária, via processo legislativo, pas-
sa para o Estado a obrigação da defesa dos seus interesses.
Nessa concepção, a violência no campo está na
base do processo de apropriação privada da terra e na sua conso-
lidação. Isto é, ela é um elemento interno à organização agrária.
Manifesta-se de forma mais evidente, quando os excluídos levan-
tam-se contra o pacto estabelecido entre a aristocracia rural e o
Estado ou quando nem mesmo algumas cláusulas do pacto são
respeitadas pelos proprietários. Ela envolve três atores principais:
os proprietários de terra, produtores diretos sem terra ou com
acesso precário a ela e o Estado.
Além do poder econômico resultante do controle
dos meios de produção, os proprietários rurais detêm poder polí-
tico e força paramilitar. O poder político ficou evidenciado, cla-
ramente, no episódio de votação da reforma agrária por ocasião
da Constituinte. É o poder de fazer as leis que protejam os seus
interesses. Já o poder paramilitar se expressa pela possibilidade
que encontram de armar feitores e vigias (por vezes até grupos
mais amplos) para controlar os trabalhadores. Esta força é larga-
mente ampliada pelas ligações com o aparato militar local ou
mesmo estadual e com o aparelho judiciário.
O Estado é o agente garantidor da ordem “demo-
craticamente” estabelecida pelos donos, via processo legislativo.
Para tanto, coloca em funcionamento as instâncias militares e
judiciais. Desse ponto de vista, o Estado se apresenta como aqui-
lo que é: o avalizador do processo de acumulação. Como, porém,
trata-se de um Estado democrático, ele por vezes tem de apresen-
321
322 Emília Moreira e Ivan Targino

tar-se como aquilo que não é (o defensor do interesse de todos) a


fim de se legitimar ou de diluir as tensões quando estas se mos-
tram insuportáveis. Os trabalhadores são os pacientes da violência
legalizada que assegura a sua exclusão do acesso aos meios de
produção.
Na Paraíba, a violência no campo tem assumido,
ao longo do tempo, as mais diversas formas: despejos, destruições
de casa e de lavouras, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos.
Nas áreas de conflito, nas greves dos canavieiros, dezenas de ho-
mens, mulheres e crianças foram espancados e feridos a bala.
Várias lideranças perderam sua vida, vítimas da mão armada do
latifúndio no nosso Estado. A grande maioria desses crimes -
alguns deles praticados à luz do dia e na presença de autoridades
públicas - permanecem na mais completa impunidade: os man-
dantes e executores - cujos nomes são de conhecimento público -
não foram levados a julgamento e presos, o que é demonstrativo
da omissão, quando não da cumplicidade do poder público. Entre
as vítimas fatais do latifúndio nas duas últimas décadas do século
XX relembramos: JOSÉ SILVINO (CRUZ DO ESPÍRITO
SANTO - 1981); MARGARIDA MARIA ALVES (ALAGOA
GRANDE - 1983); ANASTÁCIO ABREU E LIMA (RIO
TINTO - 1984); SEVERINO MOREIRA (ITABAIANA -
1988); ZÉ DE LELA E BILA (CONDE - 1989 e 1990); PAU-
LO GOMES (MAMANGUAPE - 1995) (v. mapa da violência
no campo in: MOREIRA, 1996). Todos eles pagaram com a vida
a temeridade de lutar pela conquista dos direitos mais elementares
da cidadania, de opor-se aos interesses do capital agrário, de so-
nhar com uma sociedade onde a terra, fonte de vida, fosse um
bem acessível a todos.

QUADRO XXXIII
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 323

ESTADO DA PARAÍBA
ACAMPAMENTOS DE TRABALHADORES
SEM TERRA
(MAIO/1996)

MUNICÍPIO Nª DE ACAMPAMENTO ÁREA (ha) NO. DE FAMÍ-


ORDEM LIAS
Alagoa Grande 01 Fazenda Gomes 687,0 75
Campina Gran- 02 Boa Esperança 484,0 29
de
Conde 03 Jacumã/Tabatinga 1.927,0 109
Pitimbu 04 Marinas do Abiaí sem informação 80
Sousa 05 Acauã sem informação 113
Sapé 06 Açude das Graças sem informação 101
07 Sapé (imóveis São sem informação 267
José, Santa Luzia,
Santa Cruz e Gamelei-
ra)
Fonte: Incra/Pb e CPT/Pb, maio de 1996

QUADRO XXXIV

.ESTADO DA PARAÍBA
UNIDADES DE MEDIDA DE COMPRIMENTO, DE ÁREA E
DE PESO UTILIZADAS NO CORTE E PLANTIO DA CANA

UNIDADES PARAÍBA
De Comprimento braça (2,2 metros)
De Área cubo (2,2 metros)
conta (12X13 braças, ou 755m2)
De Peso tonelada
carga (100 kg)
Fonte: LAT/UFPB. In: ADISSI & SPAGNUL. Convenções Coletivas: quantificando o roubo dos
patrões. Proposta. Ano IV, n°. 42. Rio de Janeiro. Out. 1989.

QUADRO XXXV

323
324 Emília Moreira e Ivan Targino

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS DESAPROPRIADAS ENTRE 1966 E 1990
LOCALIZAÇÃO/ No. DE NOME ÁREA (ha) No. DE
MUNICÍPIO ORDEM DO IMÓVEL FAMÍLIAS
Itabaiana 01 Fazenda Urna* 162,1214 26

Conde 02 Tambaba* a. 90,5025 19


03 Gurugi II 592,9685 78

Conde 04 Mucatu 1.669,4000


Alhandra/ 05 Andreza 3.995,6000 208
Pitimbu 06 Garapu 2.200,0000

Alagoa Nova 07 Cajá 284,9458 35


08 Engenho Geraldo 2.181,0034 436

Alagoinha 09 Cajá 274,7002 35

Araruna 10 Baixio do Riachão 755,8750 46

Santa Rita 11 Águas Turvas 357,2769 31

Jacaraú 12 Jacarateá 127,7687 15

Alhandra 13 Subaúma I 588,6997 98


14 Subaúma II
15 Árvore Alta 1.270,4994 272

Rio Tinto 16 Pic Rio Tinto 18.742,9000 826


17 Campart II 1.883,9499 135

Dona Inês 18 Fazenda Sítio 1.813,7196 82

Barra de Santa Rosa 19 Fazenda Quandu 1.408,7033 47

Pedras de Fogo 20 Fazendinha 612,3446 77

Tacima 21 Fazenda Vazante 559,7310 36

Salgado de São Félix 22 Alagamar-Piacas 1.137,1664 198

23 Piacas 805,5093 88
TOTAL 41.515,3856 2.788
*Desapropriadas pelo Estado
a. Subjúdice até julho de 1996
Fonte: Incra/Pb, Fundap/Pb.
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 325

QUADRO XXXVI

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS ADQUIRIDAS ATRAVÉS DE COMPRA PARA FINS
DE REFORMA AGRÁRIA

LOCALIZAÇÃO/ NOME DO IMÓVEL ÁREA (ha) No. DE FAMÍLIAS


MUNICÍPIO
Areia Engenho Cipó* 187,9 32

Alagoa Grande Engenho Mares* 1.103,9 45


Quitéria** 167,7 52

Alagoa Nova Engenhoca* 382,3 49


Cachoeira Pedra Dágua* 242,3 40
Gravatá* 183,1 48

Alagoinha Promissão/Mumbuca* 175,3 40


Ribeiro Grande** 65,5 28

Alhandra Salgadinho* 61,6 09

Araruna Varelo de Cima* 164,0 17


Fazenda Carnaúba* 183,0 57
Serra Verde 100,0 42
Calabouço*** 486,3 24

Bananeiras Engenho Goiamunduba* 374,5 41


Mata Fresca* 89,1 09
Cana Brava* 69,0 04
Baixa Verde* 195,0 31
Nova Vista** 79,9 29
Cumati I e II** 106,7 23

Caaporã Muitos Rios* 416,8 30

Cacimba de Areia Barragem da Farinha 278,9 151

Campina Grande Paus Brancos* 1.180,0 70


Fazenda Velha 93,6 52

Conde Paripe/CapimAçu*** 288,0 60


Paripe III*** 137,2 25
Colinas do Conde 90,5 18

Esperança Bela Vista* 70,0 17


Fazenda Maniçoba* 93,0 18

Itabaiana Santa Clara* 125,5 35

Imaculada Garra**** 194,8 08

325
326 Emília Moreira e Ivan Targino

Jericó Açude Carneiro 31,0 41

João Pessoa Engenho Velho* 328,5 90


Mumbaba 39,5 43

Mogeiro Benta Hora 69,8 11

Pedras de Fogo Engenho Novo I* 311,1 40


Corvoada*** 151,4 32

Pilar Barra de São José 48,2 14

Pitimbu Camucim*** 964,5 37


Apasa 1.100,0 153

Salgado de São Félix Maria de Melo 758,4 74


(Alagamar)***
+ Santo Antonio (Alagamar) *** 163,7 39

Teixeira Cachoeira e Maturéia**** 534,2 25


Pedra Lavrada**** 141,7 15

Sumé Sucuru* 130,8 43


TOTAL 12.607,1 1.874
*Imóveis adquiridos através da Fundap (atual Interpa)
** Imóveis adquiridos através do Convênio Incra-Procanor
***Imóveis adquiridos através do Convênio Incra-Funterra
****Imóveis adquiridos com recursos Incra/Bird

QUADRO XXXVII
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 327

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS DESAPROPRIADAS ENTRE 1993 E 1996

LOCALIZAÇÃO/ NOME DO IMÓVEL ÁREA (ha) No. DE FAMÍ-


MUNICÍPIO LIAS
Alagoa Nova / Cabaças ou Imbiras(1995) 500,0000 34
Massaranduba
Chã do Bálsamo(1994) 500,0000 34
Araçagi Santa Lúcia (1996) 1.041,0000 100
Conde Barra de Gramame(1993) 771,1199 74
Caaporã Retirada/Capim de Chei- 577,0000 103
ro(1994)
Pedras de Fogo Nova Tatiane(1994) 209,8000 30
Engenho Aurora 407,0000 104
Pitimbu Sede Velha do Abiaí(1993)í 310,2088 49
Primeiro de Março(1993) 205,8357 34
Teixeirinha(1993) 248,6948 33
Corvoada(1993) 342,0000 30
Barra de Cima do Abiaí(1993)* 296,5107 51
Monteiro Santa Catarina(1993) 3.697,4500 345
Cruz do Espírito Santo Engenho Santana(1993) 374,7555 55
Massangana(1996) 3.100,0000 402
Engenho No- 762,0000 101
vo/Agropar(1996)
Campo de Sementes e Mu- 207,0000 45
das(1996)
Lucena Estivas do Geraldo(1993) 467,3800 81
Salgado de São Félix Sítio Souza(1993) 500,0000 50
Fazenda Campos(1993) 500,0000 50
São Miguel de Taipu Itabatinga(1995) 660,1366 107
Amarela 1(1995) 523,2500 56
Amarela 2(1995) 523,4500 42
Engenho Novo II(1994) 348,3732 57
Engenho Novo-Quinhão ? ?
9B(1995)
Engenho Novo = Quinhão ? ?
9C(1995)
Engenho Novo- Quinhão 8 e ? ?
parte do
Quinhão 9 (1996)
Bananeiras Fazendas Reunidas Sapu- 1.363,0000 100
caia(1995)
Campina Grande Fazenda Santa Cruz* ? ?
* Subjúdice
Fonte: Incra/Pb

327
328 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXVIII

ESTADO DA PARAÍBA
ÁREAS DE CONFLITO NÃO SOLUCIONADO
MAIO/1996
MUNICÍPIO No. DE IMÓVEL SITUAÇÃO
ORDEM ATUAl
Alagoinha 01 Fazenda Genipapo I sem denúncia desde
1986
02 Fazenda Genipapo II sem denúncia desde
1986
03 Fazenda Cumarú/Jacaré sem denúncia desde
1986

Alagoa Grande 04 Fazenda Vertentes sem informação


05 Fazenda São Francisco sem informação
06 Fazenda Santa Rosa sem informação
07 Fazenda Gomes o mais grave conflito
do Estado
08 Fazenda Caiana em vias de solução;
com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
09 Fazenda Alvorada sem informação

Araruna 10 Fazenda Serra Verde/Jatobá sem denúncia recente;


com programação de
vistoria pelo Incra
11 Fazenda Serra da Confusão sem denúncia recente;
com programação de
vistoria pelo Incra
12 Alto Grande em vias de solução;
com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação

Aroeiras 13 Fazenda Guariba de Cima sem denúncia desde


1986

Areia 14 Fazenda Santa Rosa sem informação


15 Fazenda Lava Pés sem informação

Areia (cont.) 16 Fazenda Várzea do Coati sem informação


17 Fazenda Almécega com processo de
aquisição em tramita-
ção

Alagoa Nova 18 Fazenda Imbira/gleba 4 em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 329

Alagoa Nova/Alagoa Grande 19 Fazenda Sapé em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação

Alagoa Nova/Massaranduba 20 Fazenda Imbira/gleba 2 em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
21 Fazenda Salgadão sem denúncia recente

Bananeiras 22 Fazenda Caulim I/Carvalho Conflito sem solução;


com decreto, porém
subjúdice
23 Fazenda Caulim conflito em andamen-
to
24 Engenho Manitu sem denúncia de
violência; processo de
aquisição em anda-
mento
25 Fazenda São José sem denúncia de
violência; processo de
aquisição em anda-
mento
26 Fazenda Riacho São Domingos Processo de desap. em
tramitação

Borborema 27 Fazenda Samambaia sem denúncia desde


1986

Bonito de Santa Fé 28 Acampamento de Viana sem informação


29 Fazenda Umbuzeiro sem informação

Belém 30 Fazenda Genipapo prenúncio de acirra-


mento do conflito.
Com ação de despejo

Campina Grande 31 Fazenda Serrotão sem denúncia desde


1986

Conde 32 Fazenda Tabatinga/Jacumã em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação

Cruz do Espírito Santo 33 Fazenda Milagres sem denúncia desde


1985
34 Fazenda Engenhoca sem informação

Duas Estradas 35 Fazenda Santa Rosa sem informação


Guarabira 36 Fazenda Maciel sem denúncia desde
1986

329
330 Emília Moreira e Ivan Targino

Itabaiana 37 Fazenda Salomão o proprietário oferecu


o imóvel à venda ao
Incra

Lagoa de Dentro 38 Fazenda Pitombeira sem informação


39 Sítio Gravatá proprietário concorda
com a venda

Massaranduba 40 Boa Idéia em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação

Monteiro 41 Fazenda Tigre-Torres conflito em andamen-


to

Mamanguape 42 Fazenda Capim/Pindoba em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
43 Fazenda Ribeiro em vias de solução;
com Dec., aguardando
lançamento de TDA
para ajuizamento da
desapropriação

Pilar 44 Engenho Corredor sem denúncia desde


1992

Pilões 45 Fazenda Ouricuri sem denúncia desde


1986

Pedras de Fogo 46 Fazendas Corvoada e Jatiúca em vias de solução;


com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
47 Fazenda Tabatinga II conflito sem violência
48 Fazenda Santa Emília conflito de grande
proporção

São Miguel de Taipu 49 Engenho Novo /Quinhão 09D conflito em andamen-


to
50 Engenho Novo/Quinhão A conflito em andamen-
to
Sousa 51 Acauã em vias de solução;
com Dec. aguardando
lançamento de TDA
para ajuizamento da
desapropriação

Serra da Raiz 52 Fazenda Pau d’Árco sem informação

São José do Rio do Peixe 53 Mata dos Galdinos sem informação


54 Sítio Três Irmãos/Açude Pilões sem informação
Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 331

Tacima 55 Fazenda Maniçoba sem denúncia recente;


processo de desapro-
priação em tramitação
56 Fazenda Pão de Açúcar sem denúncia recente;
processo de desapro-
priação em tramitação

Pitimbu 57 Fazenda Marinas do Abiaí conflito em andamen-


to

Rio Tinto 58 Praia de Campina conflito em andamen-


to

Santa Rita 59 Tambauzinho prenúncio de grande


conflito

Sapé 60 Açude das Graças conflito em andamen-


to
61 Fazendas São José em vias de solução;
com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
62 Santa Luzia em vias de solução;
com Decreto, aguar-
dando lançamento de
TDA para ajuizamen-
to da desapropriação
63 Santa Cruz conflito persiste; com
processo de desapro-
priação tramitando em
Brasília
Sapé 64 Gameleira conflito persiste; com
processo de desapro-
priação tramitando em
Brasília
Riacho dos Cavalos 65 Açude Público Riacho dos sem informação
Cavalos
Fonte: Incra/Pb; CPT/PB.

331
332 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA

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