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Psicologia e
Compromisso Social
Educação Inclusiva: Desafios, Limites e Perspectivas
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Luciana Bicalho Este trabalho vem germinando ao longo dos junto com sua família e sua bagagem de ne-
Cavanellas três últimos anos, período em que venho atu- cessidades especiais e específicas.
Psicóloga, Formada ando como psicóloga da Funlar (Fundação
pela Universidade do Municipal Lar Escola Francisco de Paula - Tudo isso parecia caber no colo da equipe e
Estado do Rio de SMDS),no Rio de Janeiro, no acompanhamen- pela primeira vez, muitas famílias sentiam
Janeiro (UERJ) em 1991.
to de pessoas portadoras de deficiência - ou poder começar a dividir seus sentimentos.
Mestre em Filosofia
pela UERJ. necessidades especiais - e de seus familiares. Eu, ainda à distância, arriscava-me a pensar
No início, sentia-me paralisada diante de cri- que o maior estímulo - já que tratava-se de
anças tão diferentes, cuja diferença apresen- um trabalho de estimulação essencial - era o
tava-se a mim gigantesca, maior que elas pró- afeto dedicado a essas pessoas que, antes
prias, pequenas, no colo de suas mães. mesmo de suas caras, traziam escancaradas
as marcas da estranheza e experimentavam
Limitava-me a observar o trabalho da equipe abruptamente os olhares assustados e
que, interdisciplinarmente, dividia olhares e rechaçadores dos que pensam viver na nor-
opiniões e, cúmplice, oferecia-se em movi- malidade.
mento de acolhida à criança e sua família, re-
presentada quase sempre pela mãe. Era como Lutando por uma nova forma de vida, muitas
18 uma passagem de um colo menor para um dessas famílias endureciam e fechavam-se ao
maior, onde havia espaço agora para a criança contato externo, ensurdecendo-se à própria
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Educação Inclusiva: Desafios, Limites e Perspectivas
escuta interna, que também continha revol- O momento de receber a notícia, normalmen-
ta, rejeição e dor. te conjugado ao primeiro contato entre mãe
e filho recém-nato, fora traumático. Médicos
Para proteger sua cria, ou pelo menos, para despreparados traziam friamente a novidade
tentar levar a vida adiante, mantinham guar- cercada de desinformação e desesperança,
dados seus sentimentos, temendo que a me- praticamente inviabilizando a constituição de
nor revelação destes trouxesse à tona a fra- qualquer espécie de vínculo maternal e pa-
queza e o desânimo, minando forças fragil- ternal; muito frequentemente inaugurando um
mente sustentadas. Era preciso continuar, mas longo processo de exclusão.
como compartilhar sentimentos ambíguos em
um mundo hostil à diferença? [...] Os depoimentos prestados por pais de cri-
anças com deficiências, e confirmados em ou-
Na grande maioria dos casos, integrantes de tros estudos semelhantes (Santos,1991; San-
uma camada social desprovida de condições tos,1996; Terassi, 1993) não deixam dúvidas
razoáveis de moradia, saúde, educação, lazer de que os médicos, em geral, têm dificuldade
etc agora, com um(a) filho(a) ”deficiente“ na comunicação do diagnóstico. Muitas vezes
viam-se definitivamente excluídos socialmen- se restringindo a transmitir a noção da defici-
te, ou seja, de condições mínimas de convi- ência como uma doença crônica, não fazendo
vência social com seus próprios pares, com a qualquer referência a elementos terapêuticos e
comunidade e com a sociedade em geral. educacionais que auxiliem as famílias no pla-
nejamento da vida de seu filho.2
Em busca de ”tratamento“ para a deficiência
de seu(sua) filho(a), chegavam a um lugar A esta altura, já inserida no contexto insti-
onde podiam ser vistos e onde a diferença tucional, clareava-se para mim a demanda à
encontrada em toda a parte acabava transfor- qual poderia e deveria responder. Como psi-
mando o alheio e impróprio em identidade: a
cóloga, fora eu então incluída na equipe para
identidade do desamparo.
lidar com a fragilidade emocional dessas pes-
soas que chegavam responsáveis (pais, avós,
Aos poucos, alguns pais abriam-se à chegada
tios etc.) por uma criança ”deficiente“.
de alguém sinceramente interessado; outros
rapidamente entregavam seus filhos como que
Inicialmente trabalhando exclusivamente jun-
para livrar-se do fardo; invariavelmente, guar-
to à equipe, percebemos a necessidade de
dadas as diversas reações, todos precisavam
um espaço específico para as famílias, onde
de um outro, alguém que servisse de amparo.
estas pudessem compartilhar experiências com
outras de vivências semelhantes e onde tam-
Seu desejo e expectativa eram de ”cura“, da
bém pudessem receber atenção e cuidado.
restituição da perda, da reconstituição do so-
A Psicologia e o Serviço Social uniram-se nes-
nho, mas sua necessidade era de braços que
te projeto e estabelecemos encontros perió-
juntos pudessem carregar a frustração.
dicos em diferentes horários, abertos a qual-
quer pessoa interessada.
[...] Mas há a chance de a pessoa aceitar o
desafio do desamparo e de crescer com ele.
Foi legitimado assim um espaço de escuta e
Começa por desdramatizá-lo, pois pertence à
construção de vínculo com as famílias, visan-
finitude da vida humana. Não somos onipo-
do apoiar e incentivar o investimento no pro-
tentes nem demos a nós a existência. Vivemos
uma pobreza essencial. Dependemos objeti- cesso de desenvolvimento das crianças.
vamente dos outros.1 1- Boff, L.1998, p.118.
[...] Então, o profissional deve abrir espaço para
O acolhimento prestado pela equipe acenava que a mãe se coloque, e que sua escuta não 2-Glat,R.; Nunes,L; Ferreira,J;
Mendes,E. 1998, p.82.
com a possibilidade de um primeiro movimen- esteja previamente contaminada por precon-
to no sentido da inclusão, o que em muitos ceitos. O médico tem papel importantíssimo 3- Glat,R; Nunes,L; Ferreira,J;
Mendes,E; opus cit, p.83
casos não havia sido experimentado realmen- na formação das expectativas que os pais terão
te nem pela própria família. Incluindo a crian- com relação à criança, pois, crianças integra-
ça, incluía-se também a família, até então das na família apresentam [...] maiores êxitos 19
excluída e excluidora. nos tratamentos. 3
Luciana Bicalho Cavanellas
Educar vem do latim ex-ducere, que quer di- de igualdade; o que neste caso pode signifi-
zer ”conduzir ou arrancar para fora“; ou seja car o convite à participação integrada tanto
criar condições e recursos para que cada um em brigas quanto em brincadeiras comuns a
seja, descubra o seu modo próprio de ser. qualquer criança.
Cuidar do outro exige cuidados. É necessário Nisto consiste a beleza da proposta da educa-
estar atento para não se deixar cair na super- ção inclusiva: atingir a todos em seu processo
proteção ou no abandono - modos comple- de desenvolvimento pela qualidade das estra-
mentares de evitar o olhar direto para o outro tégias de aprendizagem, desafiando limites e
e para si. incentivando descobertas.
Há duas maneiras extremas de [...] cuidar do Aprender com o outro num relacionamento
outro [...]. Uma delas é o Einspringende envolvente e significante é exercer a humani-
Fürsorge, que literalmente, em alemão quer dade em sua plenitude; é a condição de ser-
dizer: cuidar do outro pulando em cima dele mos-uns-com-os-outros inerente à nossa pró-
ou, em outras palavras, pôr o outro no colo, pria existência.
mimá-lo, fazer tudo pelo outro, dominá-lo,
manipulá-lo ainda que de forma sutil. A outra Ninguém pode permanecer em si; a humani-
maneira de cuidado para com o outro é o dade do homem, a subjetividade, é uma res-
Vorspringende Fürsorge, em alemão - pular em ponsabilidade pelos outros, uma
frente ao outro; quer dizer, possibilitar ao ou- vulnerabilidade extrema. 13
tro assumir seus próprios caminhos, crescer,
amadurecer, encontrar-se consigo mesmo.1 2 Portanto há que se preparar para viver uma
relação genuína. Não há como se ausentar da
relação; o significado da falta se impõe e con-
vida à interação.
O psicólogo é aquele que, assim como qual- própria falibilidade e presença engajada em
quer outro, desde que mais íntimo de si pró- uma teia de interferências diversas.
prio e portanto de suas estranhezas, pode tor-
nar-se mais hábil em compreender e lidar com Seu compromisso deve ser o de incluir-se
o estranho no outro. como profissional e cidadão no paradigma e
na lógica da inclusão, mantendo-se hospita-
leiro à diferença e à dor em si mesma.
Sua presença pode ser encorajadora na medi-
da em que contribui para a desmistificação e
Eu quando cheguei aqui chorava muito, me
aproximação do real em cada história, situa- sentia perdida, sem rumo. Achei muito apoio
ção, pessoa. nas mães e nos profissionais. Eu sei que tenho
um longo caminho a seguir mas já consigo vê-
Seu papel é o de ajudar a transformar apoio lo com esperança e certeza que vou vencer
externo em auto-suporte, sempre atento à sua esse desafio14.
Boff,L.(1997). A Águia e a Galinha, Uma Metáfora da Condição Huma- Heidegger,M.(1981). Todos Nós...Ninguém, Um Enfoque Referências
na. Rio de Janeiro: Ed.Vozes, 1998. Fenomenológico do Social. São Paulo: Editora Moraes.
bibliográficas
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da PUC-Rio, número 10 vol.2, 37-67. neiro: Sette Letras.