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Seguem abaixo trechos selecionados na Obra de Freud em que o autor trata de questões
referentes à epistemologia da psicanálise. Identifiquem aqueles que possam servir à
discussão e à explicação do ponto epistemológico que estão abordando.
FREUD, Sigmund. (1895/1950) Projeto para uma Psicologia científica. In. In: Sigmund
Freud: Obras completas. V. 1. Rio de Janeiro, Imago, 1996.
“(...) essa “psicologia” fica mais explicada: Ela tem-me acenado à distância desde
tempos imemoriais, mas agora que deparei com as neuroses, tornou-se muito mais próxima.
Vivo atormentado por duas intenções: descobrir que forma tomará a teoria do funcionamento
psíquico se nela for introduzido um método de abordagem quantitativo, uma espécie de
economia de força nervosa, e, em segundo lugar, extrair da psicopatologia tudo o que puder
ser útil à psicologia normal. É de fato impossível conceber uma noção geral satisfatória dos
distúrbios neuropsicóticos, a menos que se possa relacioná-los a hipóteses claras sobre os
processos psíquicos normais. Venho dedicando todos os meus minutos livres dessas últimas
semanas a esse trabalho; passo as noites, das onze até as duas horas da madrugada, a
imaginar, comparar e fazer conjecturas desse gênero; e só desisto quando chego a uma
conclusão absurda ou fico tão irremediavelmente exausto que perco todo o interesse pela
minha atividade médica cotidiana.” (p. 213)
“A intenção é prover uma psicologia que seja ciência natural: isto é, representar os
processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais
especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de contradição. Duas são as
ideias principais envolvidas: A que distingue a atividade do repouso deve ser considerada
como Q, sujeita às leis gerais do movimento. Os neurônios devem se encarados como as
partículas materiais.” (p.224-225)
Em primeiro lugar, não resta dúvida de que o mundo externo constitui a fonte de todas
as grandes quantidades de energia, pois, segundo as descobertas da física, ele consiste em
poderosas massas que estão em movimento violento e que esse movimento é transmitido pelas
ditas massas. O sistema, orientado para esse mundo externo, terá a missão de descarregar com
a maior rapidez possível as Qs que penetram nos neurônios, mas, de qualquer maneira, ficará
exposto aos efeitos das Qs maiores.” (p. 232)
“Onde se originam as qualidades? Não no mundo externo. Pois lá, segundo o parecer
da nossa ciência natural, à qual também devemos submeter a psicologia aqui [no Projeto], só
existem massas em movimento e nada mais.” (p. 235)
No texto A interpretação dos sonhos
FREUD, Sigmund. (1900) A interpretação dos sonhos. In: Sigmund Freud: Obras
completas. V. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
“A ideia que nos é apresentada é a de uma localidade psíquica. Deixemos de lado que
o aparelho psíquico em questão também nos é conhecido como preparado anatômico e
evitemos ceder à tentação de determinar anatomicamente a localidade psíquica. Vamos
permanecer no terreno da psicologia e apenas seguir a sugestão de imaginar o instrumento que
serve para as atividades psíquicas como, digamos, um microscópio composto, um aparelho
fotográfico ou algo assim. A localidade psíquica corresponde, então, a um lugar dentro de um
aparelho em que um dos estágios preliminares da imagem se forma. Como sabemos, no caso
do microscópio e do telescópio esse lugar corresponde, em parte, a localidades ideais, a
regiões em que não se acha nenhum elemento concreto do aparelho. Considero desnecessário
pedir desculpas pelas imperfeições dessa ou de qualquer imagem semelhante. Esses símiles
devem apenas nos ajudar na tentativa de tornar inteligível a complexidade do funcionamento
psíquico, dissecando esse funcionamento e atribuindo diferentes funções aos vários
componentes do aparelho.” (p. 539-540)
“A experiência nos mostra que durante o dia esse caminho que leva à consciência pelo
pré-consciente é barrado para os pensamentos oníricos pela censura da resistência. De noite
eles obtêm acesso à consciência, mas então surge a questão de que modo o fazem e graças a
qual modificação. Se isso lhes fosse possibilitado pelo fato de à noite diminuir a resistência
que monta guarda na fronteira entre inconsciente e pré-consciente, teríamos sonhos feitos do
material das nossas representações, que não apresentam o caráter alucinatório que nos
interessa no momento.
A diminuição da censura entre os dois sistemas Ics e Pcs pode nos explicar apenas
formações oníricas como o Autodidasker, mas não sonhos como o da criança em chamas, que
colocamos como problema no início destas investigações.” (p.545)
“No caso dos sonhos, a regressão talvez seja facilitada ainda pela cessação da corrente
progressiva que durante o dia vem dos órgãos sensoriais, um fator auxiliar que em outras
formas de regressão tem de ser compensado pelo fortalecimento dos outros motivos para ela.
Não esqueçamos de observar também que, nesses casos patológicos de regressão, assim como
nos sonhos, o processo da transferência de energia deve diferir daquele das regressões na vida
psíquica normal, pois torna possível um investimento alucinatório pleno dos sistemas de
percepção.” (p.550)
“Vejo três possibilidades para a origem de um desejo: 1) Ele pode ter sido despertado
durante o dia e, devido a circunstâncias externas, não ter sido satisfeito; resta assim, para a
noite, um desejo reconhecido e não resolvido; 2) ele pode ter surgido durante o dia, mas ter
sido rejeitado; resta então um desejo não resolvido, mas suprimido; ou 3) ele pode não ter
relação com a vida diurna e ser um daqueles desejos que apenas à noite se agitam em nós, a
partir do que é reprimido. Se voltarmos ao nosso esquema do aparelho psíquico, situamos um
desejo [Wunsch] do primeiro tipo no sistema Pcs; supomos que um desejo [Wunsch] do
segundo tipo foi obrigado a recuar do sistema Pcs para o Ics e apenas nesse se conservou (se é
que o fez); e, quanto ao impulso com desejos do terceiro tipo, acreditamos que não é capaz de
transpor o sistema Ics. A pergunta, então, é se os desejos dessas diferentes fontes têm o
mesmo valor para o sonho, o mesmo poder de instigar um sonho.” (p. 554)
“Os sonhos desprazerosos podem ser também “sonhos de punição”. Deve-se admitir
que, ao reconhecê-los, de certo modo acrescentamos algo novo à teoria dos sonhos. O que
neles se realiza é também um desejo inconsciente, o de punição do sonhador por um impulso
com desejo proibido e reprimido. Nisso eles se submetem à exigência aqui sustentada, de que
a força motriz para a formação do sonho tem de ser fornecida por um desejo que pertence ao
inconsciente.” (p. 560)
No texto Introdução ao Narcisismo.
FREUD, Sigmund. (1912) Introdução ao Narcisismo. In: Sigmund Freud: Obras completas.
V. 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
“É certo que noções como a de uma libido do Eu, energia dos instintos do Eu e assim
por diante não são particularmente fáceis de apreender nem suficientemente ricas de
conteúdo; uma teoria especulativa das relações em jogo procuraria antes de tudo obter um
conceito nitidamente circunscrito como fundamento. Acredito, no entanto, ser justamente essa
a diferença entre uma teoria especulativa e uma ciência edificada sobre a interpretação da
empiria. Esta não invejará à especulação o privilégio de uma fundamentação limpa,
logicamente inatacável, mas de bom grado se contentará com pensamentos básicos nebulosos,
dificilmente imagináveis, os quais espera apreender de modo mais claro no curso de seu
desenvolvimento, e está disposta a eventualmente trocar por outros. Pois essas ideias não são
o fundamento da ciência, sobre o qual tudo repousa; tal fundamento é apenas a observação.
Elas não são a parte inferior, mas o topo da construção inteira, podendo ser substituídas e
afastadas sem prejuízo. Em nossos dias vemos algo semelhante na física, cujas concepções
básicas sobre matéria, centros de força, atração etc. não seriam menos problemáticas do que
as correspondentes na psicanálise.” (p.13)
“Dada a completa ausência de uma teoria dos instintos que de algum modo nos
orientasse, é lícito, ou melhor, é imperioso experimentar alguma hipótese de maneira
consequente, até que falhe ou se confirme. Há vários pontos em favor da hipótese de uma
diferenciação original entre instintos sexuais e instintos do Eu, além de sua utilidade para a
análise das neuroses de transferência.” (p.14)
Em terceiro lugar é preciso não esquecer que todas as nossas concepções provisórias
em psicologia devem ser, um dia, baseadas em alicerces orgânicos. Isso torna provável que
sejam substâncias e processos químicos especiais que levem a efeito as operações da
sexualidade e proporcionem a continuação da vida individual naquela da espécie. Tal
probabilidade levamos em conta ao trocar as substâncias químicas especiais por forças
psíquicas especiais. Precisamente porque em geral me esforço para manter longe da
psicologia tudo o que dela é diferente, inclusive o pensamento biológico, quero neste ponto
admitir expressamente que a hipótese de instintos sexuais e do Eu separados, ou seja, a teoria
da libido, repousa minimamente sobre base psicológica, escorando-se essencialmente na
biologia Então serei consistente o bastante para descartar essa hipótese, se a partir do trabalho
psicanalítico mesmo avultar outra suposição, mais aproveitável, acerca dos instintos. Até
agora isso não aconteceu. Pode ser que — em seu fundamento primeiro e em última instância
— a energia sexual, a libido, seja apenas o produto de uma diferenciação da energia que atua
normalmente na psique.” (p. 14-15)
No texto Pulsão e seus destinos
FREUD, Sigmund. (1914) As pulsões e seus destinos (Edição bilíngue). 1ª ed. Tradução
Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. - (Obras Incompletas de
Sigmund Freud ; 2)
“Frequentemente ouvimos a exigência de que uma ciência deve ser construída sobre
conceitos fundamentais claros e precisos. Na realidade, nenhuma ciência, nem mesmo a mais
exata, começa com tais definições. O verdadeiro início da atividade científica consiste, antes,
na descrição de fenômenos, que serão depois agrupados, ordenados e correlacionados. Já na
descrição, não se pode evitar a aplicação de determinadas ideias abstratas ao material, ideias
tomadas de algum lugar, por certo não somente das novas experiências. Tais ideias – os
futuros conceitos fundamentais da ciência – tornam-se ainda mais indispensáveis na
elaboração posterior da matéria. No princípio, elas devem manter certo grau de
indeterminação; não se pode contar aí com uma clara delimitação de seus conteúdos.
Enquanto se encontram nesse estado, chegamos a um entendimento quanto ao seu significado,
remetendo-nos continuamente ao material experiencial, do qual parecem ter sido extraídas,
mas que, na verdade, lhes é subordinado. Portanto, elas têm a rigor o caráter de convenções,
embora seja o caso de dizer que não são escolhidas de modo arbitrário, mas sim determinadas
por significativas relações com o material empírico, relações essas que imaginamos poder
adivinhar antes mesmo que as possamos reconhecer e demonstrar. Apenas após uma exaustiva
investigação do campo de fenômenos que estamos abordando, podem-se apreender de forma
mais precisa seus conceitos científicos fundamentais e progressivamente modificá-los, de
modo que eles se tornem utilizáveis em larga medida e livres de contradição. Então, é possível
ter chegado o momento de defini-los. O progresso do conhecimento, entretanto, não tolera
nenhuma rigidez nas definições. Como nos ensina de modo brilhante o exemplo da Física,
também os “conceitos fundamentais” firmemente estabelecidos passam por uma constante
modificação de conteúdo.
(...) Por pressão de uma pulsão entende-se seu fator motor, a soma de força ou a
medida da exigência de trabalho que ela representa. O caráter impelente é uma característica
geral da pulsão, sua própria essência. Toda pulsão é uma parcela de atividade” (p. 23)
No texto O recalque
No texto Caminhos da Terapia Psicanalítica (1919 [1918])
Mas não posso crer, meus senhores, que nessa psicossíntese se nos apresente uma
nova tarefa.” (p. 137)
No texto Além do princípio de prazer
FREUD, Sigmund. (1920) Além do princípio de prazer. In: Sigmund Freud: Obras
completas. V. 14. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
“Na teoria psicanalítica, não hesitamos em supor que o curso dos processos psíquicos é
regulado automaticamente pelo princípio do prazer; isto é, acreditamos que ele é sempre
incitado por uma tensão desprazerosa e toma uma direção tal que o seu resultado final
coincide com um abaixamento dessa tensão, ou seja, com uma evitação do desprazer ou
geração do prazer. Se atentamos para esse curso, ao considerar os processos psíquicos que
estudamos, introduzimos o ponto de vista econômico em nosso trabalho. Uma descrição que,
junto ao fator topológico e ao dinâmico, procure levar em conta esse fator econômico, parece-
nos ser a mais completa que hoje podemos imaginar, merecendo a designação de
metapsicológica.” (p. 121)
“Tenho a impressão de que essas últimas reflexões nos fizeram compreender melhor a
dominação do princípio do prazer; mas não pudemos esclarecer os casos que a ele se opõem.
Vamos dar um passo adiante, então. Às excitações externas que são fortes o suficiente para
romper a proteção nós denominamos traumáticas. Acho que o conceito de trauma exige essa
referência a uma defesa contra estímulos que normalmente é eficaz. Um evento como o
trauma externo vai gerar uma enorme perturbação no gerenciamento de energia do organismo
e pôr em movimento todos os meios de defesa. Mas o princípio do prazer é inicialmente posto
fora de ação. Já não se pode evitar que o aparelho psíquico seja inundado por grandes
quantidades de estímulo; surge, isto sim, outra tarefa, a de controlar o estímulo, de ligar
psicologicamente as quantidades de estímulo que irromperam, para conduzi-las à eliminação.”
(p. 141)
Mas de que modo se relacionam o caráter impulsivo e a compulsão à repetição? Aqui
se nos impõe a ideia de que viemos a deparar com uma característica geral dos instintos,
talvez de toda a vida orgânica, que até agora não foi claramente reconhecida ou, pelo menos,
explicitamente enfatizada. Um instinto [leiam pulsão] seria um impulso, presente em todo
organismo vivo, tendente à restauração de um estado anterior, que esse ser vivo teve de
abandonar por influência de perturbadoras forças externas, uma espécie de elasticidade
orgânica ou, se quiserem, a expressão da inércia da vida orgânica.” (p. 147-148)
Para nós o interesse maior relaciona-se ao tratamento dado ao tema da duração da vida
e da morte nos trabalhos de A. Weismann. Desse pesquisador vem a diferenciação da
substância viva em uma metade mortal e outra imortal; aquela mortal é o corpo no sentido
estrito, o soma, apenas ela está sujeita à morte natural, mas as células germinativas são
potentia [potencialmente] imortais, na medida em que são capazes de, em certas condições
favoráveis, desenvolver-se num novo indivíduo, ou, expresso de outra forma, rodear-se de um
novo soma.” (p. 155)