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PONTOS DE EPISTEMOLOGIA

Seguem abaixo trechos selecionados na Obra de Freud em que o autor trata de questões
referentes à epistemologia da psicanálise. Identifiquem aqueles que possam servir à
discussão e à explicação do ponto epistemológico que estão abordando.

Nas Cartas a Fliess - Carta, datada de 25 de maio de 1895 (Carta 24),

FREUD, Sigmund. (1895/1950) Projeto para uma Psicologia científica. In. In: Sigmund
Freud: Obras completas. V. 1. Rio de Janeiro, Imago, 1996.

“(...) essa “psicologia” fica mais explicada: Ela tem-me acenado à distância desde
tempos imemoriais, mas agora que deparei com as neuroses, tornou-se muito mais próxima.
Vivo atormentado por duas intenções: descobrir que forma tomará a teoria do funcionamento
psíquico se nela for introduzido um método de abordagem quantitativo, uma espécie de
economia de força nervosa, e, em segundo lugar, extrair da psicopatologia tudo o que puder
ser útil à psicologia normal. É de fato impossível conceber uma noção geral satisfatória dos
distúrbios neuropsicóticos, a menos que se possa relacioná-los a hipóteses claras sobre os
processos psíquicos normais. Venho dedicando todos os meus minutos livres dessas últimas
semanas a esse trabalho; passo as noites, das onze até as duas horas da madrugada, a
imaginar, comparar e fazer conjecturas desse gênero; e só desisto quando chego a uma
conclusão absurda ou fico tão irremediavelmente exausto que perco todo o interesse pela
minha atividade médica cotidiana.” (p. 213)

“A intenção é prover uma psicologia que seja ciência natural: isto é, representar os
processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais
especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de contradição. Duas são as
ideias principais envolvidas: A que distingue a atividade do repouso deve ser considerada
como Q, sujeita às leis gerais do movimento. Os neurônios devem se encarados como as
partículas materiais.” (p.224-225)

“Deriva diretamente das observações clínicas patológicas, especialmente no que diz


respeito a ideias excessivamente intensas - na histeria e nas obsessões, nas quais, como
veremos, a característica quantitativa emerge com mais clareza do que seria normal.
Processos, como estímulos, substituição, conversão e descarga que tiveram de ser ali descritos
[em conexão com esses distúrbios], sugeriram diretamente a concepção da excitação neuronal
como uma quantidade em estado de fluxo. Parecia lícito tentar generalizar o que ali se
comprovou. Partindo dessa consideração, pôde-se estabelecer um princípio básico da
atividade neuronal em relação a Q, que prometia ser extremamente elucidativo, visto que
parecia abranger toda a função. Esse é o princípio de inércia neuronal: os neurônios tendem a
se livrar de Q. A estrutura e o desenvolvimento, bem como as funções [dos neurônios], devem
ser compreendidos com base nisso.” (p. 225)
“o sistema nervoso recebe estímulos do próprio elemento somático - os estímulos
endógenos - que também têm que ser descarregados. Esses estímulos se originam nas células
do corpo e criam as grandes necessidades: como, respiração, sexualidade. Deles, ao contrário
do que faz com os estímulos externos, o organismo não pode esquivar-se; não pode empregar
a Q deles para a fuga do estímulo. Eles cessam apenas mediante certas condições, que devem
ser realizadas no mundo externo. (Cf., por exemplo, a necessidade de nutrição.) Para efetuar
essa ação (que merece ser qualificada de “específica”), requer-se um esforço que seja
independente da Q endógena e, em geral, maior, já que o indivíduo se acha sujeito a
condições que podem ser descritas como as exigências da vida. Em conseqüência, o sistema
nervoso é obrigado a abandonar sua tendência original à inércia (isto é, a reduzir o nível [da Q
a zero). Precisa tolerar [a manutenção de] um acúmulo de Q suficiente para satisfazer as
exigências de uma ação específica. Mesmo assim, a maneira como realiza isso demonstra que
a mesma tendência persiste, modificada pelo empenho de ao menos manter a Q no mais baixo
nível possível e de se resguardar contra qualquer aumento da mesma - ou seja, mantê-la
constante. Todas as funções do sistema nervoso podem ser compreendidas sob o aspecto das
funções primária ou secundária impostas pelas exigências da vida.” (p. 226)

“Agora, entretanto, teremos que examinar o nosso pressuposto de que as quantidades


de estímulo que chegam aos neurônios, procedendo da periferia externa, são de ordem
superior às que chegam da periferia interna do corpo. Existem, de fato, muitos argumentos a
favor desse pressuposto.

Em primeiro lugar, não resta dúvida de que o mundo externo constitui a fonte de todas
as grandes quantidades de energia, pois, segundo as descobertas da física, ele consiste em
poderosas massas que estão em movimento violento e que esse movimento é transmitido pelas
ditas massas. O sistema, orientado para esse mundo externo, terá a missão de descarregar com
a maior rapidez possível as Qs que penetram nos neurônios, mas, de qualquer maneira, ficará
exposto aos efeitos das Qs maiores.” (p. 232)

“Nada sei a respeito da magnitude absoluta dos estímulos intercelulares; mas me


aventurarei a admitir que eles sejam de uma ordem de magnitude relativamente pequena e
idêntica à das resistências das barreiras de contacto. Se for assim, isso é facilmente
compreensível. Esse pressuposto resguardaria a identidade essencial entre os neurônios e, e
explicaria biológica e mecanicamente sua diferença no que tange à permeabilidade..” (p. 232-
233)

“a consciência não nos fornece conhecimentos completos nem fidedignos sobre os


processos neuronais, que estes devem ser considerados em sua totalidade, antes de mais nada,
como inconscientes, e que devem ser inferidos como os demais fenômenos naturais.” (p. 233)

“Onde se originam as qualidades? Não no mundo externo. Pois lá, segundo o parecer
da nossa ciência natural, à qual também devemos submeter a psicologia aqui [no Projeto], só
existem massas em movimento e nada mais.” (p. 235)
No texto A interpretação dos sonhos

FREUD, Sigmund. (1900) A interpretação dos sonhos. In: Sigmund Freud: Obras
completas. V. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

“A ideia que nos é apresentada é a de uma localidade psíquica. Deixemos de lado que
o aparelho psíquico em questão também nos é conhecido como preparado anatômico e
evitemos ceder à tentação de determinar anatomicamente a localidade psíquica. Vamos
permanecer no terreno da psicologia e apenas seguir a sugestão de imaginar o instrumento que
serve para as atividades psíquicas como, digamos, um microscópio composto, um aparelho
fotográfico ou algo assim. A localidade psíquica corresponde, então, a um lugar dentro de um
aparelho em que um dos estágios preliminares da imagem se forma. Como sabemos, no caso
do microscópio e do telescópio esse lugar corresponde, em parte, a localidades ideais, a
regiões em que não se acha nenhum elemento concreto do aparelho. Considero desnecessário
pedir desculpas pelas imperfeições dessa ou de qualquer imagem semelhante. Esses símiles
devem apenas nos ajudar na tentativa de tornar inteligível a complexidade do funcionamento
psíquico, dissecando esse funcionamento e atribuindo diferentes funções aos vários
componentes do aparelho.” (p. 539-540)

“Assim, imaginemos o aparelho psíquico como um instrumento composto, cujos


componentes chamaremos de instâncias ou, por amor da expressividade, sistemas. Depois
esperaremos que esses sistemas possam manter uma relação espacial constante entre si, como,
por exemplo, os vários sistemas de lentes de um telescópio são dispostos um atrás do outro. A
rigor, não há necessidade de supor uma ordenação realmente espacial dos sistemas psíquicos.
Basta que se estabeleça uma ordem fixa, na qual, em certos processos psíquicos, os sistemas
sejam percorridos pela excitação em determinada sequência temporal. Em outros processos, a
sequência pode sofrer uma alteração; vamos manter em aberto essa possibilidade. Em prol da
brevidade, passaremos a chamar os componentes do aparelho de “sistemas ψ”.” (p. 540)

“Denominamos pré-consciente o último dos sistemas na extremidade motora, para


indicar que os processos de excitação que nele ocorrem podem chegar à consciência sem
maior impedimento, caso determinadas condições forem satisfeitas; por exemplo, se atingirem
certo grau de intensidade, se aquela função denominada atenção for distribuída de certa forma
etc. Ele é, ao mesmo tempo, o sistema que tem as chaves da motilidade voluntária. O sistema
por trás deste chamamos o inconsciente, pois não tem acesso à consciência senão pelo pré-
consciente; ao passar por este, seu processo de excitação tem de se submeter a modificações.”
(p. 544)

“A experiência nos mostra que durante o dia esse caminho que leva à consciência pelo
pré-consciente é barrado para os pensamentos oníricos pela censura da resistência. De noite
eles obtêm acesso à consciência, mas então surge a questão de que modo o fazem e graças a
qual modificação. Se isso lhes fosse possibilitado pelo fato de à noite diminuir a resistência
que monta guarda na fronteira entre inconsciente e pré-consciente, teríamos sonhos feitos do
material das nossas representações, que não apresentam o caráter alucinatório que nos
interessa no momento.

A diminuição da censura entre os dois sistemas Ics e Pcs pode nos explicar apenas
formações oníricas como o Autodidasker, mas não sonhos como o da criança em chamas, que
colocamos como problema no início destas investigações.” (p.545)

“Também a recordação deliberada e outros processos constituintes de nosso


pensamento normal correspondem a um movimento regressivo, no aparelho psíquico, de
algum ato complexo de representação para a matéria-prima dos traços mnêmicos a ele
subjacentes. No estado de vigília, porém, esse movimento para trás nunca vai além das
imagens mnêmicas; não consegue produzir o reavivamento alucinatório das imagens
perceptuais.” (p. 545-546)

“No caso dos sonhos, a regressão talvez seja facilitada ainda pela cessação da corrente
progressiva que durante o dia vem dos órgãos sensoriais, um fator auxiliar que em outras
formas de regressão tem de ser compensado pelo fortalecimento dos outros motivos para ela.
Não esqueçamos de observar também que, nesses casos patológicos de regressão, assim como
nos sonhos, o processo da transferência de energia deve diferir daquele das regressões na vida
psíquica normal, pois torna possível um investimento alucinatório pleno dos sistemas de
percepção.” (p.550)

“Vejo três possibilidades para a origem de um desejo: 1) Ele pode ter sido despertado
durante o dia e, devido a circunstâncias externas, não ter sido satisfeito; resta assim, para a
noite, um desejo reconhecido e não resolvido; 2) ele pode ter surgido durante o dia, mas ter
sido rejeitado; resta então um desejo não resolvido, mas suprimido; ou 3) ele pode não ter
relação com a vida diurna e ser um daqueles desejos que apenas à noite se agitam em nós, a
partir do que é reprimido. Se voltarmos ao nosso esquema do aparelho psíquico, situamos um
desejo [Wunsch] do primeiro tipo no sistema Pcs; supomos que um desejo [Wunsch] do
segundo tipo foi obrigado a recuar do sistema Pcs para o Ics e apenas nesse se conservou (se é
que o fez); e, quanto ao impulso com desejos do terceiro tipo, acreditamos que não é capaz de
transpor o sistema Ics. A pergunta, então, é se os desejos dessas diferentes fontes têm o
mesmo valor para o sonho, o mesmo poder de instigar um sonho.” (p. 554)

“Os sonhos desprazerosos podem ser também “sonhos de punição”. Deve-se admitir
que, ao reconhecê-los, de certo modo acrescentamos algo novo à teoria dos sonhos. O que
neles se realiza é também um desejo inconsciente, o de punição do sonhador por um impulso
com desejo proibido e reprimido. Nisso eles se submetem à exigência aqui sustentada, de que
a força motriz para a formação do sonho tem de ser fornecida por um desejo que pertence ao
inconsciente.” (p. 560)
No texto Introdução ao Narcisismo.

FREUD, Sigmund. (1912) Introdução ao Narcisismo. In: Sigmund Freud: Obras completas.
V. 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

“É certo que noções como a de uma libido do Eu, energia dos instintos do Eu e assim
por diante não são particularmente fáceis de apreender nem suficientemente ricas de
conteúdo; uma teoria especulativa das relações em jogo procuraria antes de tudo obter um
conceito nitidamente circunscrito como fundamento. Acredito, no entanto, ser justamente essa
a diferença entre uma teoria especulativa e uma ciência edificada sobre a interpretação da
empiria. Esta não invejará à especulação o privilégio de uma fundamentação limpa,
logicamente inatacável, mas de bom grado se contentará com pensamentos básicos nebulosos,
dificilmente imagináveis, os quais espera apreender de modo mais claro no curso de seu
desenvolvimento, e está disposta a eventualmente trocar por outros. Pois essas ideias não são
o fundamento da ciência, sobre o qual tudo repousa; tal fundamento é apenas a observação.
Elas não são a parte inferior, mas o topo da construção inteira, podendo ser substituídas e
afastadas sem prejuízo. Em nossos dias vemos algo semelhante na física, cujas concepções
básicas sobre matéria, centros de força, atração etc. não seriam menos problemáticas do que
as correspondentes na psicanálise.” (p.13)

“Dada a completa ausência de uma teoria dos instintos que de algum modo nos
orientasse, é lícito, ou melhor, é imperioso experimentar alguma hipótese de maneira
consequente, até que falhe ou se confirme. Há vários pontos em favor da hipótese de uma
diferenciação original entre instintos sexuais e instintos do Eu, além de sua utilidade para a
análise das neuroses de transferência.” (p.14)

Em terceiro lugar é preciso não esquecer que todas as nossas concepções provisórias
em psicologia devem ser, um dia, baseadas em alicerces orgânicos. Isso torna provável que
sejam substâncias e processos químicos especiais que levem a efeito as operações da
sexualidade e proporcionem a continuação da vida individual naquela da espécie. Tal
probabilidade levamos em conta ao trocar as substâncias químicas especiais por forças
psíquicas especiais. Precisamente porque em geral me esforço para manter longe da
psicologia tudo o que dela é diferente, inclusive o pensamento biológico, quero neste ponto
admitir expressamente que a hipótese de instintos sexuais e do Eu separados, ou seja, a teoria
da libido, repousa minimamente sobre base psicológica, escorando-se essencialmente na
biologia Então serei consistente o bastante para descartar essa hipótese, se a partir do trabalho
psicanalítico mesmo avultar outra suposição, mais aproveitável, acerca dos instintos. Até
agora isso não aconteceu. Pode ser que — em seu fundamento primeiro e em última instância
— a energia sexual, a libido, seja apenas o produto de uma diferenciação da energia que atua
normalmente na psique.” (p. 14-15)
No texto Pulsão e seus destinos

FREUD, Sigmund. (1914) As pulsões e seus destinos (Edição bilíngue). 1ª ed. Tradução
Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. - (Obras Incompletas de
Sigmund Freud ; 2)

“Frequentemente ouvimos a exigência de que uma ciência deve ser construída sobre
conceitos fundamentais claros e precisos. Na realidade, nenhuma ciência, nem mesmo a mais
exata, começa com tais definições. O verdadeiro início da atividade científica consiste, antes,
na descrição de fenômenos, que serão depois agrupados, ordenados e correlacionados. Já na
descrição, não se pode evitar a aplicação de determinadas ideias abstratas ao material, ideias
tomadas de algum lugar, por certo não somente das novas experiências. Tais ideias – os
futuros conceitos fundamentais da ciência – tornam-se ainda mais indispensáveis na
elaboração posterior da matéria. No princípio, elas devem manter certo grau de
indeterminação; não se pode contar aí com uma clara delimitação de seus conteúdos.
Enquanto se encontram nesse estado, chegamos a um entendimento quanto ao seu significado,
remetendo-nos continuamente ao material experiencial, do qual parecem ter sido extraídas,
mas que, na verdade, lhes é subordinado. Portanto, elas têm a rigor o caráter de convenções,
embora seja o caso de dizer que não são escolhidas de modo arbitrário, mas sim determinadas
por significativas relações com o material empírico, relações essas que imaginamos poder
adivinhar antes mesmo que as possamos reconhecer e demonstrar. Apenas após uma exaustiva
investigação do campo de fenômenos que estamos abordando, podem-se apreender de forma
mais precisa seus conceitos científicos fundamentais e progressivamente modificá-los, de
modo que eles se tornem utilizáveis em larga medida e livres de contradição. Então, é possível
ter chegado o momento de defini-los. O progresso do conhecimento, entretanto, não tolera
nenhuma rigidez nas definições. Como nos ensina de modo brilhante o exemplo da Física,
também os “conceitos fundamentais” firmemente estabelecidos passam por uma constante
modificação de conteúdo.

Um conceito fundamental, convencional a essa maneira e até agora bastante obscuro,


mas do qual não podemos abrir mão na Psicologia, é o da pulsão. Procuremos, pois, preenchê-
lo com conteúdos, partindo de diferentes lados.” (p. 21)

“Obtivemos agora, portanto, material para a diferenciação entre o estímulo pulsional e


o outro estímulo (fisiológico) que atua sobre o anímico. Em primeiro lugar: o estímulo
pulsional não advém do mundo exterior, mas do interior do próprio organismo. Por isso, ele
atua de modo diferente sobre o anímico e requer outras ações para sua eliminação. Além
disso, toda a essência do estímulo está na suposição de que ele atua como um impacto único,
podendo, então, ser também neutralizado através de uma única ação adequada, cujo modelo
estaria na fuga motora em face da fonte estimuladora. Certamente, esses impactos podem se
repetir e se somar, mas isso em nada altera a concepção do processo e as condições para a
suspensão do estímulo. A pulsão, por sua vez, jamais atua como uma força momentânea de
impacto, mas sempre como uma força constante.” (p. 21-22)
“Se julgarmos que mesmo a atividade do aparelho anímico mais altamente evoluído
está sujeita ao princípio de prazer, quer dizer, que é regulada automaticamente por sensações
da série prazer–desprazer, então dificilmente poderemos negar a pressuposição posterior, a de
que essas sensações reproduzem o modo como o domínio dos estímulos acontece. Isso, por
certo, no sentido de que a sensação de desprazer tem a ver com o aumento, e a sensação de
prazer, com a diminuição do estímulo. Mas preservemos cuidadosamente a considerável
indeterminação dessa hipótese até que, de certa forma, nos seja possível intuir o modo como
se relacionam prazer–desprazer com as oscilações nas grandezas dos estímulos que atuam
sobre a vida anímica. Por certo, são possíveis relações muito variadas e nada simples.” (p. 23)

“Voltando-nos agora do lado biológico à observação a partir da vida anímica, então


nos aparece a “pulsão” como um conceito fronteiriço entre o anímico e o somático, como
representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo que alcançam a alma,
como uma medida da exigência de trabalho imposta ao anímico em decorrência de sua relação
com o corporal.

(...) Por pressão de uma pulsão entende-se seu fator motor, a soma de força ou a
medida da exigência de trabalho que ela representa. O caráter impelente é uma característica
geral da pulsão, sua própria essência. Toda pulsão é uma parcela de atividade” (p. 23)

No texto O recalque
No texto Caminhos da Terapia Psicanalítica (1919 [1918])

FREUD, Sigmund. Caminhos da Terapia Psicanalítica Fundamentos da clínica


psicanalítica Tradução Claudia Dornbusch. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
(Obras incompletas de Sigmund Freud; 6)

“O trabalho através do qual trazemos à consciência do paciente o material anímico


recalcado foi chamado por nós de Psicanálise. Por que “análise”, que significa
desmembramento, decomposição e remete a uma analogia com o trabalho do químico com as
substâncias que ele encontra na natureza e leva ao laboratório? Porque uma tal analogia
realmente existe em um ponto importante. Os sintomas e as manifestações patológicas do
paciente são de natureza altamente intricada, bem como todas as suas atividades anímicas; os
elementos dessa composição intricada são, em última instância, motivos e moções pulsionais.
Mas o doente nada sabe desses fatores elementares ou sobre eles possui apenas informações
insuficientes. Então lhe ensinamos a entender a composição dessas formações anímicas de
alta complexidade, remetemos os sintomas às moções pulsionais que os motivaram,
comprovamos nos sintomas esses motores pulsionais até então desconhecidos do doente, tal
como o químico extrai a substância de base [Grundstoff], o elemento químico em meio ao sal
dentro do qual encontrava-se irreconhecível por estar associado com outros elementos. Da
mesma forma, mostramos ao paciente, a partir de suas manifestações anímicas não
consideradas como patológicas, que a motivação dessas manifestações só lhe era parcialmente
conhecida de forma consciente, e que outros motivos pulsionais também atuaram ali e
permaneceram desconhecidos para ele.” (p. 136-137)

“A partir dessa comparação pertinente da atividade médica psicanalítica com um


trabalho químico, então, poderia surgir a motivação para um novo rumo da nossa terapia. Nós
analisamos o paciente, isto é, decompomos a sua atividade anímica em seus componentes
elementares e mostramos a ele esses elementos pulsionais individual e isoladamente; então,
não parece óbvio exigir que também o ajudemos na nova e melhor composição dos
componentes? Os senhores sabem que essa exigência realmente foi feita. Ouvimos o seguinte:
depois da análise da vida anímica doente, deve ocorrer a sua síntese! E logo se aliou a essa
exigência a preocupação de se dar muita análise e pouca síntese, assim como o esforço de
transferir o peso maior do efeito psicoterapêutico para a síntese, uma espécie de reconstituição
daquilo que fora praticamente destruído pela vivissecção.

Mas não posso crer, meus senhores, que nessa psicossíntese se nos apresente uma
nova tarefa.” (p. 137)
No texto Além do princípio de prazer

FREUD, Sigmund. (1920) Além do princípio de prazer. In: Sigmund Freud: Obras
completas. V. 14. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

“Na teoria psicanalítica, não hesitamos em supor que o curso dos processos psíquicos é
regulado automaticamente pelo princípio do prazer; isto é, acreditamos que ele é sempre
incitado por uma tensão desprazerosa e toma uma direção tal que o seu resultado final
coincide com um abaixamento dessa tensão, ou seja, com uma evitação do desprazer ou
geração do prazer. Se atentamos para esse curso, ao considerar os processos psíquicos que
estudamos, introduzimos o ponto de vista econômico em nosso trabalho. Uma descrição que,
junto ao fator topológico e ao dinâmico, procure levar em conta esse fator econômico, parece-
nos ser a mais completa que hoje podemos imaginar, merecendo a designação de
metapsicológica.” (p. 121)

“Decidimos relacionar prazer e desprazer com a quantidade de excitação — não ligada


de nenhuma maneira — existente na vida psíquica, de tal modo que o desprazer corresponde a
um aumento, e o prazer, a uma diminuição dessa quantidade. Nisso não pensamos numa
relação simples entre a força das sensações e as modificações a elas correspondentes;
tampouco — após tudo o que nos ensinou a psicofisiologia — numa proporção direta;
provavelmente o fator decisivo para a sensação é a medida de diminuição ou aumento num
dado período de tempo. A experimentação talvez contribuísse em algo neste ponto, mas para
nós, psicanalistas, não é aconselhável adentrarmos esses problemas, enquanto observações
bem definidas não nos possam guiar.” (p. 121-122)

“O que se segue é especulação, às vezes especulação extremada, que cada um pode


apreciar ou dispensar, conforme a atitude que lhe for própria. É, além do mais, uma tentativa
de explorar consequentemente uma ideia, por curiosidade de ver aonde levará.

A especulação psicanalítica parte da impressão, recebida na investigação dos


processos inconscientes, de que a consciência pode não ser a característica geral dos
processos psíquicos, mas apenas uma função particular deles.” (p. 136)

“Tenho a impressão de que essas últimas reflexões nos fizeram compreender melhor a
dominação do princípio do prazer; mas não pudemos esclarecer os casos que a ele se opõem.
Vamos dar um passo adiante, então. Às excitações externas que são fortes o suficiente para
romper a proteção nós denominamos traumáticas. Acho que o conceito de trauma exige essa
referência a uma defesa contra estímulos que normalmente é eficaz. Um evento como o
trauma externo vai gerar uma enorme perturbação no gerenciamento de energia do organismo
e pôr em movimento todos os meios de defesa. Mas o princípio do prazer é inicialmente posto
fora de ação. Já não se pode evitar que o aparelho psíquico seja inundado por grandes
quantidades de estímulo; surge, isto sim, outra tarefa, a de controlar o estímulo, de ligar
psicologicamente as quantidades de estímulo que irromperam, para conduzi-las à eliminação.”
(p. 141)
Mas de que modo se relacionam o caráter impulsivo e a compulsão à repetição? Aqui
se nos impõe a ideia de que viemos a deparar com uma característica geral dos instintos,
talvez de toda a vida orgânica, que até agora não foi claramente reconhecida ou, pelo menos,
explicitamente enfatizada. Um instinto [leiam pulsão] seria um impulso, presente em todo
organismo vivo, tendente à restauração de um estado anterior, que esse ser vivo teve de
abandonar por influência de perturbadoras forças externas, uma espécie de elasticidade
orgânica ou, se quiserem, a expressão da inércia da vida orgânica.” (p. 147-148)

“Mas, em última instância, a história do desenvolvimento da terra e de sua relação


com o sol é que deixaria sua marca no desenvolvimento dos organismos. Os instintos
orgânicos conservadores acolheram cada uma dessas mudanças impostas ao curso da vida e as
preservaram para a repetição, e assim produzem a enganadora impressão de forças que
aspiram à transformação e ao progresso, quando apenas tratam de alcançar uma antiga meta
por vias antigas e novas. Também essa meta final de todo esforço orgânico pode ser indicada.
Seria contrário à natureza conservadora dos instintos que o objetivo da vida fosse um estado
nunca antes alcançado. Terá de ser, isto sim, um velho estado inicial, que o vivente
abandonou certa vez e ao qual ele se esforça por voltar, através de todos os rodeios de seu
desenvolvimento. Se é lícito aceitarmos, como experiência que não tem exceção, que todo ser
vivo morre por razões internas, retorna ao estado inorgânico, então só podemos dizer que o
objetivo de toda vida é a morte, e, retrospectivamente, que o inanimado existia antes que o
vivente.” (p.149)

Para nós o interesse maior relaciona-se ao tratamento dado ao tema da duração da vida
e da morte nos trabalhos de A. Weismann. Desse pesquisador vem a diferenciação da
substância viva em uma metade mortal e outra imortal; aquela mortal é o corpo no sentido
estrito, o soma, apenas ela está sujeita à morte natural, mas as células germinativas são
potentia [potencialmente] imortais, na medida em que são capazes de, em certas condições
favoráveis, desenvolver-se num novo indivíduo, ou, expresso de outra forma, rodear-se de um
novo soma.” (p. 155)

No texto Novas Conferências introdutórias – Conferência 32 – Angústia e instintos.

FREUD, Sigmund. (1932) Novas Conferências introdutórias – Conferência 32 – Angústia


e instintos. [Angst und Triebleben]. In: Sigmund Freud: Obras completas. V. 18. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.

“Trata-se realmente de concepções, isto é, de introduzir as ideias abstratas corretas, cuja


aplicação ao material bruto da observação faz surgir ordem e transparência nele.” (Freud 1933
[1932], p. 161)

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