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AZUIFJOS

Reitoria da Universidade
Federal da Bahia

976

6412
ALVADOR BAHIA . BRASIL ANO 2003
Palácio dos Azulejos/Palace of Tiles
Trabalhar no Palácio daa Reitoria da Univer- Working at the Reitoria - the central
sicade Federal da Bahia garante privilégios administration building of the Federal
Exemplo: belos azulejos adornam suas sa- University at Bahia (UFBa) - has certain

las e tantos corredores. privileges. For example. its rooms and


hallways are adorned with gorgeous tiles.
Temos agora, enfim, a chance de compar-
tilhar os adornos da Now. we finally have an opportunity to
azulejaria com aqueles
que não visitam a Reitoria com freqüência. share this decorative tile work with people
Para isso, foram inventados os livros, para who do not frequent the Reitoria. This is
why books were invented - to transport
transportar os que vêem e lêem a lugares
onde não podem estar. people who can see and read to places
where they cannot be physically present.
A UFBa dispunha dos últimos volumes de
UFBa sill possessed the last remaining
uma plaqueta intitulada Azulejos da Rei-
copies of an album titled Azulejos da Reito-
toria da Universidade da Babia, mandada
ria da Universidade da Babia. dated 1952.
publicar pelo reitor Edgard Santos, datada
published by its president. Edgard Santos.
de 1953, impressa em cliches monocro-
containing halftone photoengravings
máticos, contendo ensaio de José
accompanied by an essay by José Vallada-
Valladares. Ao assumirmos a Reitoria, en-
res. When I became president, I found that
contramos o projeto de uma nova edição
Professor Manoel Marcos D'Aguiar Freire
mais completa, em policronmia, encanmi-
Neto had submitted a plan to publish a new,
nhado pelo professor Manoel Marcos
more complete edition in full color. Pro-
D'Aguiar Freire Neto. O professor Femando
fessor Femando da Rocha Peres embraced
da Rocha Peres aceitou o desafio de organi-
the challenge of organizing this new edition.
zar esta nova edição.
We presented a proposal to the Odebrecht
Apresentamos uma proposta de patrocinio, Group and they immediately agreed to
imediatamente aceita, à Organização de- sponsor the project. The results can be
brecht. O resultado, aqui está. seen in this book.
Vejamos os azulejos, para que possamos, Let us noW enjoy these azulejos so we can
sempre juntos, valorizar a memória e o jointly appreciate the memory and cultur
patrimonio cultural da UFBa. alma mater al treasures of UFBa, the alma mater of
da universidade brasileira. Brazilian universities.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Reitor da UFBa / President of UFBa
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor / President:
NAOMAR DE ALMEIDA FILHO

Planejamento e coordenação cditorial,


diagramação, direção gráfica /
Editorial design and coondination,
layout, art diection
SALVADOR MONTEIRO

Textos/ 7exts:
JOSÉ VALLADAREs
c PEDRO MOACIR MAIA

Organizador da edição /
Organized by:
FERNANDO DA ROCHA PERES
SOBRECAPA
76 77)
Dança campestre (ver págs.
e

Fotos/Photos: Detalbe: anjos do patnel Eurpa (ver pázs. 46 e 417


SÉRGIO BENUTTI
PAGINA 1
Vinheta: detalhe do painel pág. 10
Preparação de textos e revisão /
Preparation and revision of the texts: PÁGINAS 2 E3
da Universidade
ROSEANE LUZ 1-Fachada da Reitoria
Federal da Babia
2-Antigo Solar do Bom Gosto situado perto
Tradução para o inglês / English translation: do local do prédio acima -, demolido em 1933
"Moizes salvado das agoas", pág. 12
H. SABRINA GLEDHILL 3- Pormenor do painel
FOLHA DE ROSTO
No alto, painel da Mitologia (ver págs. 42 e 43)
Abaixo, cena buçólica (ver pág. 74)
Azulejos : Reitoria da Universidade Federal da Bahia / A direita, repetição do detalhe da sobrecapa
textos de José Valladares e Pedro Moacir Maia;
fotos de Sérgio Benutti. - Salvador: Universidade

Federal da Bahia, 2003.


164 p.: principalmente il. col.; 31 cm.

Bahia. -
1. Brasil Artes. 2. Portugal -Artes. 3.Azulejos COVER
II. Maia, Pedro Moacir. II
Benutti, Sérgio. Country dance (see pp. 76 and 77)
I. Valladares, José.
TV Universidade Federal da Bahia. Detail of angels from Europa panel (see pp. 46 and 47)
CDD 738.6
PAGE 1
Vignette: detail from panel on p. 10

E cxpressamente proibida a reprodução PAGES 2 AND 3


deste livro, no todo ou em parte
textos e -

imagens -,
1 - Federal University at Babia
de seus autoress/
sem a devida autorização central administration building
be Bom Gosto Manor - located near the site
No part of this publication may 2
illustrations -

neither text nor in 1933


reproduced of the above building - demolished
-

authors
except a s permited by the of Moses"panel, p. 12
3- Detail of the "Finding
TITLE PAGE
42 and 43)
Above, Mythology panel (see pp.
Pstrocinio / Sponsor Belou, pastoral scene (see p. 74)
detail shown on cover
DEBR ECHT Right, same
I O Azulejo JosÉ VALLADARES

NSINA a Enciclopédia Britânica que já os egíp- balha dentro da mesma tradição, e esses ladrilhos
cios da lI Dinastia (2980-2900 a.C.) - a dinastia de de reflexo brilhante figuram entre o que há, no mun-

curta duração, fundada pelo faraó Zosere servida do, de mais gracioso para a decoração de paredes.
pelo gênio de Imhotep - faziam uso da cerâmica No mundo ocidental, Espanha e norte da Africa.
esmaltada na decoração das paredes. os oleiros muçulmanos vieram a adotar outro tipo
No vale do Tigres-Eufrates, mais a leste, o proces- de desenho, dando origem aos famosos azulejos
so era tanmbém conhecido e até mais estimado, em- espanhóis, como os do Alhambra, de Granada, e

os da chamada Casa de Pilatos, em Sevilha. O dese-


pregando-se tijolos pintados e vidrados. São fa-
mosos os frisos de animais dos palácios caldeus, nho, em vez de fluente e desenvolto, como nos mo-
babilônicos e assirios. delos persas, tornou-se acentuadamente geomé-
trico, de laçaria e arabescos. Em vez das folhas. pal-
Nessa regiào, os ladrilhos de parede vieram de-
metas e flores, fitas entrelaçadas formando estrelas
pois. Apareceram na Siria e na Pérsia, quase ao mes-
de oito a dez pontas, octógonos, pentágonos irre-
mo tempo. No século XIlI, as cidades de Rhages e
Veramine, ambas na Pérsia, tornaram-se centros gulares e arranjos semelhantes. Cores principais: o
azul, o verde, o castanho e o branco, mais tarde se
afamados pela sua produção, tanto para a ornamen-
empregando também o preto e o amarelo. Dessa
taçao externa como para a ornamentação interna
dos edificios. Usavam também ladrilhos de formato época, conhecem-se igualmente azulejos armo-
riados de fabricação árabe, mas eram feitos de enco-
que eranm colocados segundo a técnica
irregular, menda para as casas nobres crists.
do mosaico, cada peça de uma cor, o desenho se
formando mediante a justaposição dos diferentes Para que pudessem passar do mosaico cerâmico
ladrilhos, conforme oplano previamente elaborado. ao desenho no próprio azulejo, tiveram os oleiros
de descobrir um processo que evitasse a mistura
No sentido em que o entendemos moderna
de suas cores, quando levado ao fogo para vitri-
mente, somente no século XIV foi que o azulejo se
ficação. O mais antigo-ao que se presume, de ori-
estabilizou. Isto é, o azulejo de forma regular
gem gótica-é o processo denominado corda-seca:
quadrada, retangular ou poligonal, a forma quadra
consiste em "vincar os desenhos no barro ainda
da sendo tida como uma soluçào levantina.
fresco, isolando as superticies a esmaltar com uma
A Pérsia sempre ditou o gosto decorativo nos azu- mescla de óleo de linhaça e mangans."
lejos do mundo muçulmano oriental. Aproveitaram
OS motivos de sua antiga tapeçaria - folhas, pal-
outras flores. O colorido é que era 1 Azulejo é palavra espanhola, do árabe azuleicb, que quer
metas, cravos e
dizer "pequena pedra lustrosa" (cf. Diccionario de la Lengua Es-
dilerente: para fundo, o branco azulado; os dese-
panola, da Real Academia Española, ed. 1925). A origem da pala-
nhos, predominantemente em azul e verde, com vra não se liga, pois, à predomináncia da cor azul na decoração
tOques de vemelho, rOsa e anmarelo. Ainda nos dias desses ladrilhos, conforme geralmente se presume.
atuais, na Turquia, Siria e na própria Pérsia se tra- 2e3-J.M. dos Santos Simöes, Aztulejos, 9 e 11.
pela da cuenca, quer pela
No principio do s culo XVI, uma nova técnica da corda-seca, quer
veio facilitar ainda mais a decoração. Obtinha os
técnica da maiólica ilaliana
mesmos cfeitos cromáticos da corda-seca, mas a origem
indiscutivel
azulejo de tapele, de
mu-
O
separação dos esmaltes conseguida por mcio
era
çulmana, é aquele onde a decoraçao encontra seus

de arestas ou relevos, impressos no barro fresco nas folhase nas


limites nos caprichos da laçaria,
com moldesespeciais.' Em português, diz-se aresla simetricamente ordenadas. Em-
flores estilizadas c
ou concha; em espanhol, que é a designação mais bora de colorido diferente, seus desenhos tém pa-
adotada. cuenca. Tanto para um como para o outro, rentesco Com os tapetes orientais, daí o nome por
Málaga. Valência, Granada e Sevilha continuaram conhecidos. Nao só os tapetes: também
que ficaram
sendo os grandes centros de manufatura. serviram de inspiração a esses
os tecidos de brocado

E também do século XVI a introdução na penínsu- painéis de efeito caleidoscópico, que emprestam
ao ambiente uma sensaçäão de extraordinária rique-
la ibérica da pintura sobre azulejo liso, conformea
técnica da maiólica italiana. Foi seu portador Fran- za.° O azulejo de tapete já era fabricado com as
cesco Nicoloso, natural de Pisa, donde a denomi- técnicas da corda-seca e da cuenca ganhou pers-
nação de pisano, também dada a esse tipo de azulejo. pectivas ilimitadas com a introdução da maiólica.

Na Alemanha, já no século XIV se espalhara o Já os painéis figurados somente podiam surgir


uso de azulejos em relevo com esmalte verde, ama- com a téécnica da maiólica. As vastas composições
às vezes centenas
relo ou castanho, especialmente para o revestimen- que se arrumam com dezenas- e
to de fornos. Além da Alemanha, encontram-se na - de ladrilhos seriam impraticáveis com os recursos
Suíça e norte da Austria, ricamente ornados de das técnicas anteriores. Com o desenho desemba-
formas góticas e, depois, de formas renascentistas. raçado sobre a grande superficie lisa, porém, a
História Sagrada, a Mitologia, a História Pátria, os
Dos azulejos do norte da Europa, entretanto, os costumes regionais etc. iriam servir de fonte inesgo-
mais importantes são os de Delft, na Holanda, que
tável para esses quadros de vulto, que no terceiro
se celebrizaram pelo tipo conhecido como motivo
quartel do século XVI ainda constituíam alta novi-
isolado. O fabrico desse tipo começou, aproximada- dade. A classe dos figurados comporta, ademais,
mente, em 1600. Liso, quadrado, pequeno, cada uma subdivisão - os simplesmente figurados e os
um contém uma figura, um pedaço de paisagem
bistoriados propriamente, isto é, aqueles em que
ou cena de costumes, pintados à mão livre, geral- se reproduz uma história bem definida.
mente em azul-acinzentado ou em cor de vinho
sobre fundo branco-azulado. No meado do século O azulejo de motivo isolado, também chamado
xVII, esses azulejos entraram em grande voga, tanto de desenbo solto ou avulso, apareceu, como vimos.
na Alemanha como na Inglaterra e América do Holanda. Com freqüência são providos de cerca-
na
Norte, espccialmente na moldura das lareiras. A dura que permite a formação de um painel, cada
partir da segunda metade do século XVIII, foram pedra contendo seu assunto em separado; nunca.
muito imitados, sobretudo nas Ilhas Britânicas.5 porém, a formação do desenho fica a depender
totalmente da justaposição dos ladrilhos, como no
de tapete e no figurado
Do ponto de vista decorativo, são comumente
classificados os azulejos em: de tatpete, painéis figu- í - J . M. dos Santos Simões, Azulejos, 9 e 11.

rados e de motivo isolado. O mosaico-cerâmico 5 Excetuadas as outras referências, todas informações acima
dos antigos, os alicatados granadinos e sevilhanos, oram colhicas na última edição da Encyclopaedia Britannica,
colaboração de Talbot F. Hamlin, palavra "tile".
os engohes de Valência, os de caixilbo e outros
6- Simoes, op. cit., 13.
ipos anteriores pertencem ao período em que os
7-Simoes, Os Azulejos do Paço de Vila Viçosa. 25 e 32.
ccramistas ainda não haviam dominado a pintura
Com vitrificação dos ladrilhos, quer pela técnica 8- Para ilustração abunlante cde azulejos avulsos, cf. Dutch Tiles
of the XV-XVIUI Century.

16
II - O Azulejo em Portugal

IZ UMA AUTORIDADE no assunto, que não Provavelmente, foram esses painéis que serviram
há provas da
fabricação do azulejo em Portugal de inspiração pintores ceramistas de Lisboa, de
aos
antes do século XVI.' Foi
tarde, quando se consi- Coimbra e do Porto. Dentre estes, Antônio de Oli-
dera que na peníínsula ibérica tantos centros havia
veira Bernardes (falecido em 1732, atividade co
com manufaturas
adiantadas, se bem que devidas nhecida de 1690 a 1720) é considerado como o
à conquista árabee não à cultura dos
tantes da região.
antigos habi- verdadeiro criador do
azulejo artístico português,
tanto pelas datas em que trabalhou como pela exce-
No entanto, foi lente qualidade de sua técnica e composições. Em
Portugal um dos do lugares
mundo onde o azulejo logrou sua escola ou com seus alunos, aprenderam todos
aceitação mais
fervorosa, vindo a ser um elemento decorativo aqueles mestres que pintaram sobre azulejo no
quase obrigatório, tantO nas igrejas como nos século xVIII.
edifícios públicos e residências particulares. A O painel figurado, de maiores ou menores di-
partir dos começos do Seiscentismo - informa-
mensões, executado na técnica da maiólica italiana,
nos outro especialista -, tornou-se um elemento
essencial de ornamentação.

Dominada sua técnica e economicamente justi- 1 -Simões, Azulejos, 12.

ficada sua produç o, passou a fabricação de azule 2 Gustavo de Matos Sequeira, Inventário Atístico
Distrito de Santarém, XLIV.
de Portugal:
jos a ser uma atividade importante em muitas cida-
3-José Queiroz, Cerâmica Portuguesa, 231.
des do país, sobretudo Lisboa, despertando em
4 Simoes, op.cit., 15-16. Embora
sua gente uma forte sedução pelos revestimentos
o
azulejo portugues se tenha
feito famOso através dos painéis figurados, de que temos to bons
que tão bem se casavam à natureza do clima e ao exemplos no Brasil, os melhores exemplares lá produzidos cor
tipo de arquitetura. "O azulejo é a expressão carac- respondem, todavia, ao período que se estende dos fins do séculoo
XVI a meados do XVII (cf. Luis Keil,
terística de nossa nacionalidade, o símbolo jovial uenário Atistico de Portu-
gal: Distrito de Portalegre, XLVT). Até cerca de 1640, o desenho foi
de nosso povo", assevera um grande estudioso da seguro; as cores, com matéria-prima importada da Espanha. de
cerâmica portuguesa. "Foi eé", acrescenta, "a deco- grande pureza; vidrado e esmalte eram fundidos simuluaneamen
ração predileta do interior e exterior da casa." E te, pela técnica do grandfeu dita, na época, à veneziana
-

-,
obtendo-se um padräo policromo e quente, de um brilhantismo
justifica, com espírito observador e bastante lirismo: superior. Com a separação das coroas, porém, ficaram as fábricas
Exposto ao ar livre, é risonho; tocado de sol, é portuguesas privadas da matéria-prima espanhola. Logo se obser-
festivo; dentro do aposento, tranqüiliza a criatura, vou rebaixamento na
qualidade da pintura, que deixou de ser
dá-lhe bom humor, preserva-a da invernia incle- fixada juntamente com o vidrado, para ser fixada em
segundas
eterceiras fornadas. Reduziu-se a policromia ao azul e ao amarelo
mente e do tórrido ver o."3
de fogo brando, de mufla. Nos fins do século, com a
influência
da azulejaria holandesa, até o amarelo haveria de
Sabe-se que, a partir de 1680, de Delft, Roterdà ser abando-
nado: ficou, tão-somente, o azul de cobalto sobre fundo branco
e Amsterdä importaram-se grandes composições de estanho (Simoes, op. cit.,
todos tão conhecido.
14-5)-o azulejo azul e branco, de
figuradaspara igrejas e palacioS portugueses.

17
de tal sorte
proliferou em Portugal que recebeu a registos-, que por devoção ou outro motivo eram
denominação, já acima referica, de azulejo artístico colocados na sobreporta ou fachada das casas,
português. Realmente, nenhum outro país produziu
igual quantidade de azulejos desse tipo. Não quer Após terremoto de Lisboa (1755), painéis
o

isto dizer, entretanto, que sejam também consicle- figurados policromos, conforme o esquema das cin-
rados o
que de melhor saiu das manufaturas do co cores-azul, vercle, roxo-escuro, amarelo (mais
pais. Alega um historiador da arte lusitana que o ou men0s queimado) e branco.
azulejo, a exemplo da tapeçaria, percdeu suas qua- .Dessa data até 1790, preferência pelos
enqua-
lidades características, do momento em que come- dramentos de concheados à francesa, assim como
çou a copiar quadros. No seu modo de ver, a pelas estampas e gravuraS francesas para modelo
não se presta às
pintura
grandes composições sobre cer- da composição.
mica, uma vez que nào é possível
conseguir efeitos .No finm do século e
primeiro quartel do seguin-
icdenticos de perspectiva, de cor e de desenho. Ade-
mais, mesmo quando originalmente bem te, azulejos com grinaldas policromas, medalhões,
pintados, festoes de verdura e flores.
o
fogo da cozedura, para fixação do esmalte e vitri-
ficação da superficie, provoca alterações. Em sua A da segunda metade do século XIX, da
partir
opinião, as bordaduras mesma forma que nas outras artes
ou
enquadramentos afigu- menores, as
imposiçòes da industrialização vieram afetar a qua-
ram-se mais belos que os painéis. No século XVIII,
diz, a única exceção está nas pequenas cenas cam- lidade dos azulejos portugueses. Embora se conti-
pestres e galantes, onde a fantasia do pintor se nuasse a fazer painéis
figurados à moda antiga, a
sentia livre, pois não sofria o peso da pintura à mão livre cedeu terreno àdecoração es-
responsabili-
dade do assunto, como diante das enormes com- tampilhada, que qualquer pessoa podia executare
posições copiadas de algum quadro ou estampa. que permitia a produção em grande escala. Era
preciso fazer face à concorrência das fábricas fran-
Seja como for, o século XVIlI assinalou o período cesas, inglesas, alem s e holandesas. São deste pe-
de maior produção de azulejos em Portugal. A essa riodo (1840-1890) e dessa
época pertence circunstância que a nós, brasi- qualidade os revestimen-
leiros, deve ser salientada - a maioria dos belos
tosque cobrem quase totalmente a fachada de casas
residenciais brasileiras, que ainda se encontram
painéis que enriquecem tantos de nossos templos com relativa abundância no io, Bahia, Recife e
e solares. Durante os cem anos que viram o fausto em cidades do Maranhão. "Esses belos acabamen-
das cortes de Dom João Ve de Dom José I, as refor- tos de
mas do marquês de Pombal e os sobressaltos da
parede", observa ilustre arquiteto patrício,
estavam sempre "de bom acordo com outros atr-
Revolução Francesa, a azulejaria portuguesa apre- butos cerâmicos:
7

sentou os seguintes aspectos:


pinhas, esferas, figuras etc..."A
julgar pela procedência das pinhas, esteras e
A produção em massa dos painéis figurados, figuras, geralmente da fábrica de Santo Antônio
do Porto, também os azulejos provinham dessa
com enquadramentos de barroquismo exagerado, cidade que tanto contribuiu para
incluindo pilastras com amorini faceiros, groteschi o embelezamen-
imaginosos, candeliere complicados, golfinhos, to do Brasil imperial.
querubins fechando albarradas floridas etc. O perio-
do da pintura em escala grandiosa terminou, porém.
cerca de 1740, abandonando-se os revestimentos - Keil, op. cit., XLVI. Cabe observar, no entanto, que
nem senp
gigantes e retornando-se, como no tempo dos azu- pintor de azulejos se submeteu servilmente ao modelo, como
se poderá verificar nas alterações, sobretudo espaciais. que
lejos de tapete, aos alizares e aos rodapés de cerca- introduziu nas gravuras de Otto van Veen, quando as
utilizou
dura singela. para os paineis que ornam o claustro do Convento de So
Francisco da Bahia (cf. Carlos Ou, "Os Azulejos do Convento de
A produção secundária de azulejos avulsos São Francisco da Bahia", 17 e
seg.).
imitação ordinária do modelo holandês-é impor - Simoes, op. cit., 16, e Matos Sequeira, op. cit., XLVIL.
tante não confundir com os pequenos painéis, ditos 7-Joaquim Cardoso, "Azulejos na Arquitetura Brasileira", 20

18
Assim, irregulariclacde da superficie-ondulan-
na
os da Quinta da Bacalhoa. No entanto, os primeiros
te e às vezes
encaroçada como na desigualdade
-

são de origem holandesa;" e os demais apenas re


do desenho, possui o
azulejo português um sabor presentam diminuta parcela da cxtraordinária
de espontaneidade rusticiclade que logo
e dife- o quanticlale produzicla nas diferentes olarias do país.
rencia do produto de outros
lugares. Tal sabor não Os recentes e cuidadosos Inventários Artisticos
constitui defeito, antes pelo contrário, dá aos
maior força plástica. Serào menos bem
painéis publicados sobo patrocínio da Academia Nacional
é certo; mas,
acabados, de Belas Artes de Lisboa revelam a paixäo que os
em
compensação, proporcionam mais Construtores antigos tinham pelo revestimento cerá-
encantamento para a vista. mico das paredes, não perdendo oportunidade de
Quanto ao tamanho, acrescentar essa nota alegre a suas habitaçóes, casas
o
azulejo feito em Portugal de culto e do serviço público. Tendo vivido três
é quase duas vezes mais espesso que os outros e
seus lados
medem, geralmente, 14 séculos sob a influência praticamente exclusiva de
en- centímetros, Portugal, o Brasil havia de se beneficiar desse gosto
quanto os de procedência diversa são menores -
usualmente, 13 e, hoje em dia, representar um rico campo de
com
centímetros.
estudos para os que se interessam pela história do
Toda que se fala dos azulejos portugue
vez em
ses é comum ouvir-se mencionar os
azulejo português.
magníficos
painéis que ornam o Palácio Ducal de Vila Viçosa, 8-Queiroz, op. cil., 241.
os da Casa Senhorial dos
Marqueses de Fronteira e 9-Simoes, Os Azulejos do Paço de Vila Viçosa, 37 e seg.

19
III - O Azulejo no B r a s i l

O. NA BAHIA, no Recife e no Rio de Janeiro onde


Se encontram os exemplares mais antigos de azule-
Em corredores e na suntuosa sacristia da igreja
do Colégio dos Jesuítas, atual Catedral Basílica; no
refeitório do Convento de São Francisco; no antigo
jos no Brasil. Poder-se-á dizer: sobretudo, na Bahia.
E natural que assim fosse. Já nos fins do século XVI, Convento dos Carmelitas Descalços, atualmente Se-
as três ciclades eram bastante ricas e a velha capital minário de Santa Teresa; na ermida de Nossa Senho-
da colonia devia gozar de um prestígio que ra do Monte Serrat; na capela do Engenho Velho, às
acarretava maiores preocupaões de embele- margens do Paraguaçu, e em diversas barras retira-
zament0 artístico. das de solares coloniais e colocadas no palacete da
Educação e Saúde, podemos apreciar exemplares
Adverte um estudioso do assunto,' não haver do- de diferentes padrões que, apesar do tempo, ainda
cumentação comprobatória do emprego de azulejo conservam o brilho de seus azuis e de seus amare-
no Brasil durante o século XVI. A importação de los de ouro. Na capela do Engenho Velho, o entusi-
Portugal-e talvez da Espanha -terá tido início no asmo de seu dono pelos azulejos chegou a tal pon-
decorrer do século seguinte, em data que até o to que ele adotou um revestimento quase total do
momento não se conseguiu precisar. Também não interior, criando um efeito único, de mundo irreal.
se sabe se os holandeses, que ocuparam quase 50o Na portada da capela encontra-se a data de 1660.
anos o Nordeste do país, trouxeram revestimentos Nessa época, tais revestimentos - mesmo os mo-
ceramicOs para suas edificações. derados, de rodapés e alizares - dependiam, entre

Os azulejos trazidos para o Brasil no século XVII nós, da presença de artifices especializados. E o
se conclui do termo de uma reunião
foram os do tipo chanmado de tapete. A julgar pelos que que os
terceiros do Carmo tiveram a 25 de abril de 1683.
exemplares que ainda se encontram na Bahia, os
mais belos sào os tricromáticos - amarelo, azul e quando o irmão tesoureiro participou estar na cidla-
de um "oficial de azulejador", pelo que sugeria se
branco -

com ornamentação geométrica de capri-


chosas laçarias, arabescos e motivos florais estili- aproveitassem seus serviços, fazendo-se apenas
zados, a decoração obtida pela técnica da maiólica. dois castiçais de prata, com o dinheiro em caixa -

Em nenhuma casa ou igreja brasileira, até hoje, foi e usandoo saldo para azulejar a capela - , em ve
dos quatro castiçais em que estavam pensando. o
registrado azulejo de corda-seca ou de cuenca. oficial de azulejador pediu, pela mão-de-obra, dez
A esses azulejos tricromáticos, ouve-se muito patacas por cada braça assentada e 17$000 por
na Bahia atribuir origem espanhola, considerando- cada milheiro de azulejos, fora dois moios de Cal,
se portugueses Os que säo em branco e azul. A areia e negros para ajudá-lo.
atribuiçào não pOssui fundamento científico, mas
São
1 - Godofredo Filho, prefácio a Azulejos do Coveno e
nos induz a pensar que os primeiros azulejos da
Francisco da Bahia, de Silvanisio Pinheiro, XX.
Bahia tenham vindo ainda sob o período da domi- 2- AOTCS. Livro 2 dos Assenteamentos da Ordem 1660-1709
nação espanhola em Portugal, ou seja, antes de 1640, 174 r. v. Gentileza da Diretoria do Patrimônio Histórico e ATL

e que fossem tricromáticos. Nacional (DPHAN).

20
Cinqienta anos mais tarcde, a tarela de assentar Omo os do claustro de Sao Francisco, datado de
azulejos já era confiada a
sinmples pedreiros. Na 1733.cm todos estes lugares, na capital da Bahia,
mesma Ordem Terceira do
Carnmo vemoS (que, em encontramos exemplares de maior ou menor per-
1733, unma pessoa deste oficio
ganhou 7$0-i0 pela feiçao, que ilustram a evoluçao do azulejo no Por-
colocaçào dos azulejos do claustro ugal setecentista, desde os grandes painéis em
Na intençao de tornar mais branco e azul, com seus enquadramentos de exa-
fácil o trabalho dos
assentadores, os fabricantes de azulejos estabelece- geralo barrocquisno, aos alizares de cartelas con-
ram um sistema de
marcação das pedras, dando cheadase assimtricas do rococó e às compOsições
sua
colocaçåo exata no conjunto do painel. Consiste graciosase policromas do neoclássico. Na região
o sistema no uso
de très contramarcas: uma, indlica- do Reconcavo, para só citar uma cidade, temos
tiva do
painel, colocada na parte alta de cada pedra, em Cachoeira tanto a primorosa Ordem Terceira
a mesma em todas
as
pedras do mesmo painel; e do Carmo como a matriz, ambas ostentando
painéis
duas, indicativas da
posição da pedra dentro do de valor os da matriz, num tamanho
-

gigante,
painel, colocadas por baixo -

uma, indicativa de como não se


depara em outras igrejas.
sua
posição no sentido horizontal e outra, no verti
cal. No Ainda no século XIX, Os templos baianos conti-
princípio do século XIX, um frade francis-
cano deixou-nos interessante documento a nuaram mandando vir azulejos para sua decoração.
Foi assim que somente em 1855 se colocaram os
respeito, acrescentando que os pretos oficiais eram
capazes de assentar cada um, por dia, 150 e, às azulejos dos corredores da Basílica do Bonfim." Mas
onde o azulejo do século XIX
vezes, mais azulejos.' esplende, na paisagem
Da mesma forma que em
baiana, é na fachada dos edificios. No só na capital
do ponto de vista da
Portugal, o século XVIII, como em cidades do interior
que tiveram seus pe-
quantidade, foi o grande século ríodos de prosperidade há cem anos
passados. Na
do azulejo no Brasil. Na Bahia, gozam de justa e Praça Duque de Caxias e na Praça Cairu, na Ladeira
imorredoura fama os painéis historiados dos Aflitos, na Rua Portugal, no bairro de
que
adornam a capela-mor e os dois claustros do Con- em Santo Antônio e na Soledade
Itapagipe,
vento de São Francisco permanecem de
os
primeiros, datados de
-

pé muitos sobrados de aspecto nobre, com seu


1737, da autoria de Bartolomeu Antunes, de Lisboa;
exterior todo azúlejado, apenas
Os outros, um
pouco posteriores, possivelmente interrompido pelas
janelas, portas e sacadas gradeadas. Constituem um
da mesma autoria." São também dessa
época áurea dos elementos mais
do azulejo artístico português os encantadores pai- simpáticos de nossa arquitetura
néis de ex-votos na capela-mor da Matriz da Boa
Viagem, pois rendem graças a milagres ocorridos
3 AOTCS. Receita e Despesca 1730-48, fo. 25 r. Idem. Em
em 1728, 1731 e 1737 A nave da Igreja da Santa 1705, a
Santa Casa pagou 6$400 ao
Casa, com seus magníficos painéis narrativos (um "azulejador" Joào da Costa, apenas
para "alimpar" o azulejo da sua igreja (ASCS. Receita e
deles, da procissão dos Fogaréus) e o salão nobre 1700-09, fo. 255 v. Gentileza da DPHAN). Despesa
da mesma instituição; diversas dependências da 4 Frei Sebastião de Jesus, guarliao e
depois provincial (1802-
Ordem Terceira de São Francisco; a Igreja do Ro 1808). Apud Ou "O Claustro do Convento de São
Francisco da
sário dos Pretos, no Pelourinho; a Matriz da Saúde; Bahia", 92-3.
5 -Ou, "Os Azulejos do Convento de Såo Francisco da
a Capela de Santo Antônio da Mouraria; a sacristia 12. No convento, além desses, e também do
Bahia",
século XVIll, são os
da Basilica da Conceição da Praia; a Matriz do Pilar; p:ainéis à entrada da nave, os da portaria e os da sacristia.
o Convento do Desterro; salões do Paço do Salda- 6 Publicados por Edgard de Cerqueira Falcão,
Babia, 213-5.
kelíquias da
nha, atual Liceu de Artes e Oficios; o palacete que
7- Todos os azulejos mencionados
foi do conde dos Arcos, no Garcia (hoje, Instituto foram publicados por Falcào,
op. cit.
Dois de Julho); o Museu do Estado, com painéis
8- Arquivo da Igreja do Bonfim, Recibos de 1855-6, n.46. Gentileza
provenientes do Convento do Carmo (um deles, o d:a DPHAN. Os clo corpo da igreja somente foram
colocados em
maior e mais belo, relativo à obra do legislador 1873, como "medida de asseio" (Marieta Alves,
Igreja do
Licurgoe baseado em gravura de Ottovan Veen), Bonfim, 12).

21
também azulejos franceses, inglesesc alemaes,"de
imperial, pouco influindo no aspecto do conjunto dimensocs e estilos diversOs, mas sua freqüéncia é
a circunstância de serem azulejos estampilhados, aos portugucses.
ou em relevo, e nào desenhados à nmào livre, como reduzida, quando comparada
seus antecessores do século XVIl1
Até que se apure de maneira exaustiva a origem azulejos de Sao Francisco e, certamente
9- De Lisboa vicram os

assemelham pela técnica de fabricaçãoe


dos azulejos que vieram para a Bahia, adiantemos, Iodos que a este se

estilo artístico. Na (quarta década dO século XVII, várias vezes a


com a devida reserva, porém com base no já inves- Ordem Terceira do Carmo pagou tretes de azulefos vindos darquela
tigado enm arquivos ou nas próprias peças, que Lis- cidade (AOTCS, Receila e Despesa 1 730-48, fo.47v e 53v

boa foi o grande centro fornecedor," talvez exclu- Gentileza da DPHAN).


sivo no século XVII, depois concorrendo com a 10 A procedéncia, muitas vezes, acha-se gravadla no reverso do

cidade do Porto. Nos últimos cem anOs, apareceram ladrilho.

22
IV Os Azulejos da Reitoria
-

S AZULEJOS que presentemente ornam


cio da Reitoria da
o
palâ- Para se fazer idéia da riqueza que era o Solar
Universidade da Bahia são do Bom Gosto, que também ficou muito conhecido
tipo que as olarias portuguesas fabricaram desde
como Solar
o terceiro
quartel do século XVIII até cerca de 1830. Aguiar, além das poucas fotografias
publicadas por Guerra Duval, temos de nos valer
O
Hospital das Clínicas, ao lado, levanta-se sobre das descrições deixadas por
o mesmo chão do
quem o
freqüentou.
solar a que Do mesmo cronista que assinalou
mente, demolido em
pertenceram original- a importância
1933. Da história desse belíssi- da família na sociedade baiana, temos as
mo solar, conhecido por Bom Gosto, o
que se sabe seguintes evocações:
é muito pouco. A
julgar pelos seus elementos arqui- O
Bom Gosto era um solar, um paço, uma vasta
tetônicos -

fachada, janelas, molduras, caixilhos, casabem portuguesa, bem nacional. Todo um vasto
arcadas, balaústres, colunas jônicas' etc., todos de
único andar, suspenso do solo, a
acentuado delicado gosto neoclássico, como
e que se subia por
escadas nobres. Nos baixos, nos porões, cômodos
nosso palácio da Associação Comercial - , trata-se
de edificação do para dependentes, escravos, subalternos. Aí esta-
primeiro quartel do século XIX. vam as seges ou carros visitas solenes
Consta que foi construído pelo comerciante para as e as
portu- solenidades da vida. As
guês Pedro Barbosa de Madureira, falecido a 21 de cadeirinhas,
cadeiras as
de arruar, para as damaS e senhoras
julho de 1868, conforme se vê na lápide do jazigo que negros de
libré conduziam aos ombros. Incluída, no
de família, na Igreja da Piedade. Passou a ser pro- corpo
do edificio, a capela, de talha doirada e
priedade de Francisco Pereira de Aguiar, futuro azulejos
celestes, espaçosa, tanto que o Senhor dos Passos,
marechal-de-campo, coma morte do filho que este
houve de sua primeira mulher, que era filha de grande, dava para andor nas procissões públicas,
quando invocado a peregrinar.
Pedro Barbosa de Madureira e que falecera antes.
Alto pé direito, largos corredores, áreas internas
Francisco Pereira de Aguiar, filho legítimo de
Domingos Pereira de Aguiare de dona Maria Jacinta
ajardinadas ou pátios centrais, como o clima pedia,
pois os quartos de habitações davam para fora e
de Aguiar, nascido na capital da Bahia a 26 de
julho de 1820 e falecido em 1904, fez uma brilhante para aí, intimidade, comunicante pelos largos es-
paços em torno, cercados de balaustradas. Silhares
carreira como engenheiro militar, prestando rele-
de preciosos azulejos antigos, que vieram do
vantes serviços tanto ao país como ao seu estado Reino,
natal.2 De seu casamento em segundas núpcias,
deixou numerosa descendência. Diz um cronista
1 Vide F. Guerra Duval, Album das
de nossa terra e de nossa gente: "Ainda hoje, a alta
Bahia, 67-77.
Curiosidades Artísticas da
sociedade da Bahia ostenta o nome Aguiar, asso-
ciado aos Macedo, Costa Pinto, Castro Rebelo, Cer-
2- Informações gentilmente fornecidas pelo dr. Francisco Gomes
de Oliveira Neto, descendente do marechal, historiador e

queira Lima, Liberato de Matos... e outros colaterais professor universitário.


e descendentes dos Aguiar."3 3 Afrânio Peixoto, Breviário da Babia, 79.

23
diferentes olarias. Nenhum
deles traz
contavam histórias biblicas e heróicas, cncimados mendados a
indicação de fábrica.
ASsinatura ou qualquer
por cornijas douradas, sobre as quais corriam tetos
sobretudo no
apainelados." Do ponto de vista iconográfico,
à indumentária das n u m e r o s a s cenas
Nào se sabendo a data de construçào do solar, que se refere
nem outro documento a respeito esclarecedor, tor- de costumes pesca, caça, galanteio,
-
danças, jogos
homens e mulheres se
na-se impossíivel estabelecer com precisão quando e até de medicina caseira-,
do século XVIII e
foram colocados os painéis de azulejo. Sua varieda- vestem à moda do último quartel
o s cavalhei-
de-no esquema cromático, no brilho dos esmaltes, principios do XIX. Em alguns quadros,
de aba
no tom das cores, no desenho dos enquadramentos ros usam tricórnio e, em outros, chapéus

alguns, as mulheres aparecem com


e na composição das cenas - daria margem a que redonda; em

se presumisse terem sido assentados em diferentes vestidos de cintura baixa; em outros, com cintura
Diretório. Tal
épocas: desde o terceiro quartel do século XVIII, alta, no limite dos seios, já à moda
claramente, um período de
até cerca de 1830, que é o período a que correspon- diversidade evidencia,
tanto podia estar documentada nas
dem os diferentes tipos. Neste caso, seriam mais transição que
de azulejos se serviu
antigos os painéis com cartelas de quase puro con- estampas de que o pintor
talvezcontribuição
uma
cheado rococó e mais recentes aqueles em que as para modelo, como ser

pormenor daquelas a
favor dos
cartelas assumem configuração retangular ou oval, sua, alterando um

ao gosto do neoclássico e depois do estilo Império. hábitos que seus olhos testemunhavam.

Sabemos, porém, que o solar n o é do terceiro Embora não tenhamos dúvida sobre a origem
quartel do século XVII, assim como sabemos que, portuguesa desses azulejos, em nenhum dos painéis
na pintura de azulejos, modelos antigos continua-
a paisagem, natural ou urbanizada, afigura-se de
ram a ser utilizados muito tempo depois,' por uma
Portugal. Telhados, moinhos, embarcações, jardins
questão de tradição, de comodismo e de falta de
espírito criador. Nas molduras e em outros porme- igrejas e palácios deixam antes a impressão de cená-
rios holandeses, italianos e franceses, modificados.
nores puramente decorativos é que vamos surpre-
elemento novo interfe- naturalmente, no que é acessório, pelo pincel do
ender, mais comumente, o
ceramista portuguès.
rindo no figurino antigo. E o que, ao nosso ver,
acontece com os azulejos do Solar Aguiar. Datarão, Quanto aos azulejos bistoriados propriamente
como a casa, do primeiro quartel do século XIX, ditos os mitológicos e os bíblicos , assim com
sendo alguns realmente no estilo dessa época e os que parecem relatar as singularidades do Orien-
outros no estilo da época precedente. te, e os alegóricos da vaidade humana, as fontes
de inspiração deverao ter sido as iustraçòes de
A maioria dos painéis é azul sobre fundo
na cor
obras entào circulantes, que uma pesquisa mais
branco, o azul variando de tonalidade, desde o safi demorada poderá identificar.
ra, intenso e profundo, ao pálido e aguado. Tam-
**
bém se observam variações no esmalte, onde tanto
vemos do brilhante, obtido com grande fogo, como F. Guerra Duval, em 1928, no seu Album das
do fosco, decorrente de uma cozedura moderada. Curiosidades Artísticas da Bahia, foi o primeiro a
Os que são policromos obedecem ao esquema da publicar vistas internas do Solar Bom Gosto e alguns
Real Fábrica do Rato -
cenas em azul e branco e
de seus painéis de azulejos. Vê-se, por aí, que certos
moldura policroma, isto é, verde, roxo-escuro e
comodos da casa eram contornados de alizares cerå-
amarelo mais ou menos queimado-, esquema ado-
tado no terceiro quartel do século XVIll e mantido
até o fim da terceira década do século seguinte 4- Afranio Peixoto, Breviário da Babia, 79.
De tais variações, na tonalidade da mesma cor, no 5-Queiroz, Cerânica Portuguesa, 232.
brilho dos esmaltes e no esquema cromático, a 6- Ibid, 242.
conclusão parece ser que os azulejos foram enco- 7-Cr. R.Turner Wilcox, La Moda en el Vestir, 263-315.

24
micos, O mesmo acontecendo no pátio central de
uma visita ao novo e imponente palácio para se
elegantes arcadase grades de balaústres facetados. fazer idéia da opulência do acervo. Não só de sua
Cinco depois, antes da
anos quantidade como da variedade dos assuntos,
membro da família. o dr. demolição da
do solar,
um inquestionavelmente o maior encanto e a melhor
Pinto, professor e diretor da
José Aguiar Costa atração do conjunto.
Faculdade de Medicina,
teve o cuidado de fazer
levantando assim
fotografar toda acoleção, Não foi fácil a adaptação de painéis feitos sob
um documentário,
ajuda do
sem medida para a decoração de um palacete residen-
qual teria sido duplamente trabalhoso o cial, nas dependências de um edifício público da
mento dos aproveita-
painéis nos salões e corredores da Reito- importância de uma reitoria de universidade, onde
ria. graças à iniciativa do atual
reitor,. professor Ed- o
comprimento das paredes havia obedecido a cri-
gard do Rego Santos.
térios funcionais e não às dimensões
daqueles pai-
néis. Por esse motivo, as barras de
Com o auxílio dessa
preciosa documentação, janela ficaram
verificamos que azulejos se agrupavam em 13
Os
sem
aproveitamento. Nessa adaptação, pois, além
do problema dimensional, a
diferentes séries, caracterizadas
pelos seus enqua- primeira precaução
dramentos e colorido, e mais uns foi evitar que assuntos de relativa banalidade, como
quatro painéis caça, pesca, dança etc. fossem destinados a aposen-
isolados. Interessante é observar que, no caso de tos como o salão de
molduras idênticas, a diversidade dos temas repre- recepção, o gabinete do Magní1
sentados fico Reitor e a sala do Conselho Universitário. Mas
correspondia
a contramarcas diferentes
se isto foi
dos ladrilhos,
no reverso alcançado, deve-se mais a felizes coinci-
significando tratar-se não
de uma. mas sim de duas séries. dências, do tamanho das paredes com o tema dos
painéis, do que ao propósito de assim proceder.
Nem todos os silhares
que ornavam o Solar Bom Na parte mecânica do aproveitamento, sugeriram
Gosto puderam ser
aproveitados no edificio da Rei- os
arquitetos colocação dos ladrilhos, ao in-
que a
toria. Enm alguns, de tal sorte os ladrilhos ficaram
vés de direta, fosse feita
em
prejudicados comaremoção, que se tornou impra- pequenas chapas de
eternite, depois caldeadas nas
ticável reconstituir os painéis. Quase todos os roda- paredes. Desse mo-
do, a arrumação dos azulejos foi realizada com mais
pés se inutilizaram. A maioria. porém, e o que
segurança e, em caso de necessidade, será menos
havia de melhor, conseguiu-se aproveitar. Bastará difícil, no futuro, a retirada dos painéis.

25
Iconografia dos Azulejos PEDRO MOACIR MALA

Para a
Valorização da Azulejaria

SURPREENDENTE a ausência da azulejaria nas


tinham destacado e da qual há muitos exemplos
histórias das artes no Brasil e no currículo de da mais alta qualidade, também no Brasil.
nossas universidades.
De uns rinta anos para cá, muitos historiadores
Historicamente, Os portugueses trouxeram paraa da arte portuguesa tiveram seu interesse despertado
a sua colõnia o habito de ornamentar seus para a azulejaria, a partir dos esforços e realizações
edificios, religiosos e civis, com azulejos, azuis e do pesquisador português Santos Simões (1907-
brancos ou policromos. Junto à talha dourada de 1972), em três direções: a organização do Museu
altares e molduras de pinturas nas igrejas, a Nacional do Azulejo, entre 1960-1965, em Lisboa; a
azulejaria será, talvez, a mais notável contribuição criação de uma Brigada de Estudos da Azulejaria.
de Portugal à arte universal. patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian;
Na Bahia, o uso de azulejos estendeu-se, docu- e a publicação de um corpus da azulejaria em
mentadamente, de meados do século XVII (na atual Portugal e em seus antigos domínios, em cinco
Catedral) ao penúltimo quartel do século XIX (na volumes, obra gigantesca do próprio Santos Simões.
Igreja do Bonfim). Trata-se, principalmente, de pai- editada entre 1964 e 1979.
neis figurados ou narrativos, com personagens e Azulejos da Reitoria, de José Valladares, primeira
acontecimentos os mais diversos, religiosos e pro- publicação do assunto, em livro, saiu muito antes
1anos, e a sua variedade temática ultrapassa o que de tudo isso. Mérito maior para o autor. A
José
a pintura entre nós pode oferecer, na sucessão dos Valladares, grandes elogios ainda são do mesmo
estilos barroco, rococó, neoclássico. Atente-se, ainda, Santos Simões. Conheceram-se em Salvador, em
que a azulejaria conservou-se melhor que as outras agosto de 1959,e apenas quatro meses mais tarde

artes, tendo sofrido menos com intempéries, Com o nosso conterrâneo Valladares perdeu a vida em
a
incuria, o vandalismo, e mesmo com intervenções acidente de aviação, no Rio de
Janeiro.
Testauradoras nem sempre acertadas, no passado, O mestre dedicou-Ihe seu
grande livro, Azuleja-
No Brasil, José Valladares (1917-1959) foi o pri- ria Portuguesa no Brasil (1500-1922),
publicado
em 1965, como "preito de
neiro autor a estudar e a reproduzir OS
azulejos homenagem ao estudiosob
e com a saudade do
POrtugueses encomendados para um só edificio,doo amigo"; e incorporou trechos
Bairro de José Vallaclares sobre o Solar
drAguiar, ou Solar do Bom Gosto, no
Aguiar, com os
Lanela, em Salvador. Tinham sido retirados as ves ligeiros comentários dos oitenta painéis reinstalados
na atual Reitoria.
peras de sua demolição, em 1933, guardados duran-
e cerca de vinte anos e, afinal, foram assentados
Nesta nova ediçào dos Azulejos da Reitoria da
da Ba- Universidade Federal da Babia, oferecemos
OvO prédio da Reitoria da Universiclade aos
mais tarde, Universidade Federal), em 1951-52 leitores a fidelidade estética de uma
reprodução
virtuale uma necessaria introcdução ao conhecimen-
Nessa poca, em os portugueses
dedicavam

basta atenção à azulejaria, arte em que tanto sSe to desta tão presente arte cerâmica.

12
uma das espécies deu-se o aparecimento de
- ál Pormenores acentuam o exotismo dos painéis.
buns e livros ilustrados com gravuras em que todos irvores desconhecidas, coquciros de palmas abun-
os tipos de concheados e assinmetrias conmbinavam- dantes e carregados de frutos, um páio com balaus-
se aos nais variados motivos chineses. Destinavam- trada em treliça, um criado a proteger seu senhor
se, sobretudo, :a0s artesaos, como modelos possi- com pára-sol. pagodes ao longe- um deles, ocupan-
veis à criação de exemplares de artes aplicadas ou do metade do quadro, precedido de longa escada-
decorativas, Paisagens com caminhos tortuOSOS e ria perto da qual um pescador imobiliza-se com a
escadarias que a lugar algum conduzem. pagodes tranqüilidade que se atribui aos orientais.
cercados de temaços com treliças. grndes rochedos
Há mais de uma série de chinoiseries na azuleja-
furados, a naureza ostentando árvores estranhas.
flores gigantescas, animais fabulosos como o dra-
ria do século XVII. em Portugal. mas talvez nenhu-
ma apresente tal quantidade de painéis. No Paco
gao. passaros maravilhosos.. a favorecer formas
do Sobralinho, enm Vila Franca de Xira. perto de
imagense compOsiçòes nov:as Lisboa, existem alguns com personagerns iguais aos
Ainda da Reitoria - todos. porém. em dimensões menores
se véem.
várias cidades européias. apo-
em
Sentos inteiramente decorados e mobiliados com e com emolduramento diferente.
chinesices.

Um desses virtuoses do desenho e da gravura a


serem utilizados por outrem foi Jean-Baptiste Pille- Trabalbos e Divertimentos Populares
ment (1728-1808). Grande viajante, viveu alguns
anos em Portugal. Basta citar títulos de alguns de
seus álbuns para termos idéia do que se propôs, STA SÉRIE é extraordinária por dois motivos: a
transmitir o que o apaixonava, estimulando novos quantidade de painéis-uns quarenta quadros cera-
talentos: A neu book of Cbinese ornaments.... micos e a focalização. quase exclusiva. em perTso-
1755: Etudes de diffërentes figures chinoises.... nagens populares. gente do povo. pescadores e
1758: Fleurs de caprice et fleurs de fantasie dans camponeses no trabalho ou em momentos de ócio.
le goit chinois.. 1760.
Foram deixados de lado os pastores e pastoras
Quando foram feitos estes dezesseis painéis de idealizados que, em diferentes épocas e regiðes.
azulejos. instalados nas paredes da galeria do Con- na literatura e nas artes, desejavam transmitir a idéia
selho Universitário (c.1800), o rococó já tinha sido da superioridade do campo sobre a cidade: de uma
substituído pelo estilo Império, cujos elementos "Arcádia" onde o ambiente e as ocupações próprias
tornavam felizes as pessoas - mesmo o amor não
servem-hes de moldura (págs. 82 a 93).
corespondido resultava em tristeza agradável... .E
Coube, talvez com exclusividade, aos portugue-
apenas duas vezes aparecem aqui os parques e
ses criarem chinesices em azulejaria, três dezenas jardins ordenados à francesa (págs. 66 e 67). que
de figuras que se podem considerar tipicas com se tornaram moda no resto da Europa - mas não
os seus bigodes e rabichOs, suas vestes e seus na Inglatera, que tinha o seu tipo de paisageme
instrumentos musicais, os jogos e brincadeiras, até de jardim.
mesmo o mágico com um macaquinho na cabeça
- pois, verdadeiro ou em disfarce, seria tributo do O que se vê nesses azulejos são paisagens natu-
rais, acidentadas, ribeirinlhas ou campestres- estas
pintor azulejeiro a outra temática da época, a das últimas, sempre com grandes árvores como apoio
singeriesou macaquices... E indiferente se as feiçòes
da composiçào artística - e sobretudo movimenta-
não parecem às de chineses como se devessem
das por indivíduos ou grupos dedicando-se à pesca
ser de um só tipo somático as centenas de milhòes
e às tarefas rurais ou divertindo-se. Ocasionalmente.
de naturais do país distante! A finalidade era
atender a uma encomenda, com a técnica e os Na verdade. parte da naturez:a aí mostrada pode
limites de uma arte cerîmica especifica. ser considerada como exemplos de uma categora

138
ica, a do pitoresco, que desde meados do sé- mesma proeminëncia s Aguiares, cem anos
mais

ulo
XVIII foi objeto da cogitação de osofos
filósofosee da tarde, que encomendou quadros em azulejos para
de jardinistas ingleses,
t e o r i z a ç ã o . sucedendo às dis- a sua residência por saudades do país natal. Motivo
ssOes das características que diferenciam outras escolha dos
semelhante teria influído na

categorias, Como O Sublime e o belo. proprietários do Solar do Bom Gosto,


Conhecedores
retratadas...
Chegand, então, ao final do século, coube ao
das regiðes de ancestrais seus, aqui
nOVo, rústicos pescadores e camponeses, a anima- do século
AO contrário das grandes paisagens
o de vistas pitorescas, eles mesmos personagens XVII e, ainda, principios do XVIII, nas quais
dignos de figurarem em dezenas de painéis, já semn m e s m o o s bíblicos o u
de grande
personagens -

nada do ridiculo como era habitual mostrá-los: no importância histórica o u mitológica aparecem -

teatro, por um Moli re, no século XVII; por um azulejos homens e


muito reduzidOs, em nossos

mulheres tomam corpo, literalmente! Estão


Marivaux, ainda o XVII. Mas é em outro gênero no

literário, nos romances de Rétif de la Bretonne centro das atençÕes, constituem o foco principal
(1734-1806), um deles publicado em 1794, que os do pintor. Observa-se, no entanto, equilíbrio entre
trabalhos dos camponeses sào o principal tema. o ambiente natural e as atividades dos pro-
Esses azulejos podem ser igualmente datados dos tagonistas.E se homens e mulheres não estão mais
em desvantagem quanto a proporções - como no
anos de passagem de um século para o outro.
século anterior , não nos impedem, contudo, de
Portanto, também novidade é o naturalismo ri-
beirinho e rural focado aqui. E costume dizer-se
apreciar os locais onde se encontram.

que os azulejos bistoriados ou figurados sempre re- Agradam-nos as paisagens em pleno campo,
produzem cenase episódios de gravuras que cir- com a sua vegetação, e as margens dos rios (ou
culavam pela Europa, à disposição de qualquer ate- enseadas); o arvoredo (espécies há que
liê ou olaria. Talvez não seja demais supor que, mereceram molduras exclusivas); o casario em
uma vez ou outra, o mestre azulejeiro resolvesse segundo plano e a sua variedade; o terreno em
criar, só ou com auxiliares, um conjunto de qua- três ou quatro níveis, em que o azul de cobalto,
dros, sem copiar gravuras. Atribuídos por José Me esbatendo-se, marca as distâncias, a partir dos
co, em parte, a FranciscoJorge da Costa-que conme- labregos em luta, orientados por um treinador
çara a desenhar esses azulejos a partir de gravuras (págs. 116 e 117), vend0-se muitos tropeiros, em
e m certo momento ele, ou outro mestre, decidiu calma, conduzindo seus animais... Deleitam-nos
pintar também homens e mulheres que via à beira- essasfontes em jardins privados, esses chafarizes
rio, ou cuicdando do gado, ou plantando e colhendo. de uso público, uma ponte e uma
passarela,
trechos de uma fortaleza, uma igreja, uma
Especialistas em azulejaria, portugueses, assegu- extensa quinta... E encanta-nOs a visåo desses
ram que estas cenas-

notadamente o casario nos portos fluviais Ou em enseadas, com embar-


undos nada têm de seu país. Que importa, se
cações a chegar ou
preparando-se para partir,
apreciadores estrangeiros não pensarem assim? Por com seu mastaréu e velame mexendo-se ao
outro lado, pescadores e camponeses não deviam deslizar das águas.
Ser tao diferentes em Portugal e em outros paises..
A presença de
Maior interesse teria saber-se o porquë da enco crianças, täo pouco comum na
pintura da época, acrescenta notas gracioOsas a estes
menda, quem teria oferecido aspectos tão diversos
de espaçose situações: quatro meninos em um
amplo programa iconográfico: dezenas pai- bote,
neis de sozinhos! Outro, menor ainda, ansioso e
azulejos, incluindo cerca de quarenta com de ter nas mãos o temeroso
8nte do povo, para decorar um solar de família peixinho fisgado pelo pai... Mais
um, descalço, já
Da1ana do mais alto nível social..
nas querem a
servind em uma taverna... Meni-
atenção das mes, pastoras,
abe-se de emigrante português, Martins uma terceira, bem-vestida enquanto
pai e a màe, todos prontos comportada,
e
entre o
dlarino, enriquecido na Bahia e atingindo a para o embarque...

13
de complexidade ou de monumentalidade,
O Clister e a Pastora principalmente no século XVIII. Säo estas que
merecem mais a atenção de alguns estudiosos e
A SERIE de azulejos com trabalhos e diverti- apreciadores, do que propriamente as cenas
há representadas. Diga-se, no entanto, que
mentos populares, um painel cujo tema pode
chocar ou ser contemplado com certa malicia: uma conservadas em desenhos ou em moldes, nas
jOvem dcitada apresta-se a suspender o vestido e olarias, eram ocasionalmente repetidas em cenas
a posicionar-se a fim de receber aplicação de clister as mais diversas, o que resultava, vez por outra,
(págs. 68 e 69). O tema do reméedio (assim classi- em incongruência do painel, em seu todo.
ficado por Donald Posner) aparece na arte holan-
Cada uma das sete ou oito séries temáticas do
desa do século XVII. Em pintura de Jan Steen (1626-
antigo Solar Aguiar tem a óbvia semelhança das
1679), por exemplo, a "paciente", no leito, espera
cenas entre si; mas para Os mestres azulejeiros e
a receita que escreve o médico, cercado pelos sor-
para os que iam colocar os painéis, eram as mol-
ridentes familiares (e o menino já segura a serin-
duras que as distinguiam.
ga)... Em parede do aposento, uma escultura de
Cupido e um quadro com casal enlaçando-se alu- Observe-se, por utro lado, que o conjunto atual-
dem a qual é o "remédio" adequado... mente mais numeroso, na Reitoria, aqui denomina-
do Trabalhos e divertimentos populares, recebeu
Numa gravura do francês Abraham Bosse (1602-
quatro molduras diferentes-talvez por serem desti-
1676), a cena é mais semelhante à nossa, pois é
nadas a locais diversos, talvez para evitar-se a mo-
um homem devidamente equipado quem vai apli
notonia, ou porque foram propostas pelas olarias
car o clister. Na legenda, que mais nos confunde
ou escolhidas por quem as encomendou.
pela ambigüidade, os últimos versos dizem: "l lo
remédio/ vous rafraichissara car vous n'estes que Pode verificar-se, com exemplos na Reitoria,
Slammes, /Et l'outil que je tiens entrera doucement." aquilo para o que Mário Barata chamou a atenção,
O tema difundiu-se de forma extraordinária na há muito: é na azulejaria que melhor se percebe
a evolução dos estilos artísticos no Brasil, barroco,
do século XVII, na França, e até
pintura galante
mesmo o maior artista da época, Antoine Watteau rococó e neoclássico. Aqui, nesta vasta produção
(1684-1721), utilizou-o em bela pintura e primoroso de fins do século XVIII, nada mais existe do
desenho. O sucesso deveu-se também às ilustrações barroco espetacular de igrejas baianas, mas pode-
se acompanhar nos emolduramentos o rococó em
para livros libertinos inclusive pornográficos - e
-

às gravuras. Terá sido uma destas que foi copiada seu apogeu, a sua fase tardia e a sua dissolução;
amostras significativas do estilo Império, com
ou adaptada pelo pintor azulejeiro.
superabundância de ornatos, que o fundo
amarelo realça; exemplos do neoclassicismo - em

alguns casos, bastante simplificado - reduzido a


Emolduramento de Azulejos linhas e faixas de cor lilás.

Dos concheados característicos do rococó, al-


guns são perfeitos (págs. 60 e 61), mas há
AZULEJO PORTUGUÈS mede 14 centímetros de
lado e os emolduramentos mais simples são feitos
exemplOs em que se adensam (págs. 70 a 73) -

nesta última, dir-se-ia que sobressaindo-se a


com a metade de um, chamando-se friso; com um
personagem. O azul de cobalto tornou-se intenso,
azulejo inteiro, cercadura; e com dois, barra. Sua
pintura, a azul ou policroma, tem desenho distinto
em parte devido a pinceladas mais largas. Foramn
também acrescentados novos elementos, como
do conjunto que envolve.
meias-canas trançadas e jarrinhos com flores no
Existem, porém, molduras com qualidade ar- alto (págs. 106 a 109). Em cima e embaixo de
tística, muito atrativas, e que atingiram altO grau determinados painéis, o concheado quase se

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sfaz (pags. 62, 63 e 67), pois estendeu-se século
para
Cse cspelhos, os trumeaux do
luxUOSOs
e
itá-los em toda a sua largura. de s e r vistosa
de Luis XV... Nao deixa, porém,
contra
da flora
deli.

combinaçao de motivos
isódios de itologia (Irontispicio e págs. atracnte eSsa
Nos
das o fundo amarelo vivo.
49),
assim Como em um séries com Traba-
ornamentaçao
2a
nentos pulares, surgem motivos do Oncoclassicismo aboliu a pesada
se guirlan botoes de flores, ou mostrar-se claro, em suas
cores,
a com anterior, (qucrendo
ilo Império: bem verdade que
nao
C leve, em s e u s adornos. E
cstilo

tinhas, no ueno painel (pág. 97), será am- o s pequenos buques


mais
jada nos dem (pags. 98 e 99). O mesmo estilo Cmos aqui os cordoes vegctais, fieiras de pérolas
floridos, as plumas, fitas
plhacd
e
revela-se
nos mascardes femininos de cujas bocas C ramos
t o r n a r graciosissimos
0S
que contribuem para
Olras guirlandas (págs. 8 a 1le41)e, melhor
oS ramos cresceme cercam
no antigo Solar do
azulejos
Conde dos Arcos
(atual

ainda, nos paineis Onde Faculdade Dois de Julho). Mas o roxo clareou-se n o s
lados. Filho
as cenas por
todoS Os
painéis com as histórias deJosé
do Fgilo e do
e
emolduramentos da estilística foi excessiva
lgualmente típicos säo os
Pródigo. A simplificação fossem a s linhas
episódio da vida de Moisés emolduramento, não
Torre de Babel
e do quase näo há
embaixo, bem c o m o
com a densa folhagem roxa que se ergue e faixas de c o rlilás, em cima e
(pág. 12), e m verde e
amarelo claro.
enrolando-se e desenrolando-se, até OS esponjados laterais,
desde a base, outras sé-
transformar-se e m guirlandas alto, pendendo no
Mais dois tipos de molduras
distinguem
No rodapé, divertimentos populares. O
então de pormenores arquitetônicos. ries dos Trabalbos e
lados,
u m a roseta amarela. elementOs arquiteturais; n o s
sobre esponjados azul e roXO, primeiro tem apenas terminam e m volutas
e
da incongruëncia entre moldura e pilastras fingidas que começam rosetas brancas
A propósito (págs. 100 a 105). Em
outra cercadura,
um exemplO aqui, o da m e s m a cor, e m
cena, talvez possa apontar-se sucedem-se, enleadas por torçais
dos Eremitas e Monges e m oração (págs. 56 e 57). 122 124).
refletido em gran-
movimento contínuo (págs. 106, 118, e

O tema, austero e tocante, parece

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