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SUMÁRIO

1. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ................................................................. 2

2. CONCEITO .............................................................................................. 3

3. EDUCAÇÃO DO DEFICIENTE INTELECTUAL....................................... 5

4. ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO ............................ 11

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 15

LEITURA COMPLEMENTAR ......................................................................... 17

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 33

LEITURA COMPLEMENTAR ......................................................................... 35

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 48

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1. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Na procura de uma compreensão mais global das deficiências em geral, em


1980, a OMS propôs três níveis para esclarecer todas as deficiências, a saber: defici-
ência, incapacidade e desvantagem social. Em 2001, essa proposta, revista e reedi-
tada, introduziu o funcionamento global da pessoa com deficiência em relação aos
fatores contextuais e do meio, citando entre as demais e rompendo o seu isolamento.
Ela chegou a motivar a proposta de substituição da terminologia “pessoa defi-
ciente” por “pessoa em situação de deficiência”. (ASSANTE, 20003), para destacar os
efeitos do meio sobre a autonomia da pessoa com deficiência. Assim, uma pessoa
pode sentir-se discriminada em um ambiente que lhe impõe barreiras e que só destaca
a sua deficiência ou, ao contrário, ser acolhida, graças às transformações deste am-
biente para atender às suas necessidades.
Além de todos esses conceitos, que em muitos casos são antagônicos, existe
a dificuldade de se estabelecer um diagnóstico diferencial entre o que seja “doença
mental” (que engloba diagnósticos de psicose e psicose precoce) e “deficiência men-
tal” principalmente no caso de crianças pequenas em idade escolar.

Fonte: pessoascomdeficiencia.com.br

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Por todos esses motivos, faz-se necessário reunir posicionamentos de diferen-
tes áreas do conhecimento, para conseguirmos entender mais amplamente o fenô-
meno mental. A deficiência intelectual não se esgota na sua condição orgânica e/ou
intelectual e nem pode ser definida por um único saber. Ela é uma interrogação e
objeto de investigação de inúmeras áreas do conhecimento.
A grande dificuldade de conceituar essa deficiência trouxe consequências in-
deléveis na maneira de lidarmos com ela e com quem a possui. O medo da diferença
e do desconhecido é responsável, em grande parte, pela discriminação sofrida pelas
pessoas com deficiência, mas principalmente por aquelas com deficiência mental.

2. CONCEITO

Fonte:i53.tinypic.com

O sociólogo Erving Goffman desenvolveu uma estrutura conceitual – a estig-


matização, para definir essa reação diante daquele que é diferente e que acarreta um
certo descrédito e desaprovação das demais pessoas. Freud, em seu trabalho sobre
o Estranho, também demonstrou como o sujeito evita aquilo que lhe parece estranho
e diferente e que no fundo remete a questões pessoais e mais íntimas dele próprio.
Presa ao conservadorismo e à estrutura de gestão dos serviços públicos edu-
cacionais, a escola, como instituição, continua norteada por mecanismos elitistas de

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promoção dos melhores alunos em todos os seus níveis de ensino e contribui para
aumentar e/ou manter o preconceito e discriminação em relação aos alunos com de-
ficiência mental.
Há que se considerar também as resistências de profissionais da área, que
criam ainda mais obstáculos para se definir o atendimento a pessoas com deficiência
mental. Por todas essas razões, o Atendimento Educacional Especializado para alu-
nos com deficiência intelectual necessita ser urgentemente reinterpretado e reestrutu-
rado.
A deficiência intelectual desafia a escola comum no seu objetivo de ensinar, de
levar o aluno a aprender o conteúdo curricular, construindo o conhecimento. O aluno
com essa deficiência tem uma maneira própria de lidar com o saber, que não corres-
ponde ao que a escola preconiza. Na verdade, não corresponder ao esperado pela
escola pode acontecer com todo e qualquer aluno, mas os alunos com deficiência
intelectual denunciam a impossibilidade de a escola atingir esse objetivo, de forma
tácita.
Eles não permitem que a escola dissimule essa verdade. As outras deficiências
não abalam tanto a escola comum, pois não tocam no cerne e no motivo da sua ur-
gente transformação: considerar a aprendizagem e a construção do conhecimento
acadêmico como uma conquista individual e intransferível do aprendiz, que não cabe
em padrões e modelos idealizados.
O aluno com deficiência intelectual tem dificuldade de construir conhecimento
como os demais e de demonstrar a sua capacidade cognitiva, principalmente nas es-
colas que mantêm um modelo conservador de ensino e uma gestão autoritária e cen-
tralizadora.
Essas escolas apenas acentuam a deficiência, aumentam a inibição, reforçam
os sintomas existentes e agravam as dificuldades do aluno com deficiência mental.
Tal situação ilustra o que a definição da Organização Mundial de Saúde - OMS de
2001 e a Convenção da Guatemala acusam como agravante da situação de deficiên-
cia.
O caráter meritocrático, homogeneizador e competitivo das escolas tradicionais
oprimem o professor, reduzindo-o a uma situação de isolamento e impotência, princi-
palmente frente aos seus alunos com deficiência mental, pois são aqueles que mais
“entravam” o desenvolvimento do processo escolar, em todos os seus níveis e séries.
Diante da situação, a saída encontrada pela maioria dos professores é desvencilhar-

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se desses alunos que não acompanham as turmas, encaminhando-os para qualquer
outro lugar que supostamente saiba como ensiná-los.
O número de alunos categorizados como deficientes mentais foi ampliado enor-
memente, abrangendo todos aqueles que não demonstram bom aproveitamento es-
colar e com dificuldades de seguir as normas disciplinares da escola. Os aparecimen-
tos de novas terminologias, como as “necessidades educacionais especiais”, aumen-
taram a confusão entre casos de deficiência intelectual e outros que apenas apresen-
tam problemas na aprendizagem, por motivos que muitas vezes são devidos às pró-
prias práticas escolares.
Se as escolas não se reorganizarem para atender a todos os alunos, indistin-
tamente, a exclusão generalizada tenderá a aumentar, provocando cada vez mais
queixas vazias e maior distanciamento da escola comum dos alunos que suposta-
mente não aprendem.

3. EDUCAÇÃO DO DEFICIENTE INTELECTUAL

A necessidade de encontrar soluções imediatas para resolver a premência da


observância do direito de todos à educação fez com que algumas escolas procuras-
sem saídas paliativas, envolvendo todo tipo de adaptação: de currículos, de ativida-
des, de avaliação, de atendimento em sala de aula que se destinam unicamente aos
alunos com deficiência. Essas soluções continuam reforçando o caráter substitutivo
da Educação Especial, especialmente quando se trata de alunos com deficiência men-
tal.

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Fonte: educaja.com.br

Tais práticas adaptativas funcionam como um regulador externo da aprendiza-


gem e estão baseadas nos propósitos e procedimentos de ensino que decidem o que
falta ao aluno de uma turma de escola comum. Em outras palavras, ao adaptar currí-
culos, selecionar atividades e formular provas diferentes para alunos com deficiência
e/ou dificuldade de aprender, o professor interfere de fora, submetendo os alunos ao
que supõe que eles sejam capazes de aprender.
Na concepção inclusiva, a adaptação ao conteúdo escolar é realizada pelo pró-
prio aluno e testemunha a sua emancipação intelectual. Essa emancipação é conse-
quência do processo de auto regulação da aprendizagem, em que o aluno assimila o
novo conhecimento, de acordo com suas possibilidades de incorporá-lo ao que já co-
nhece.
Entender este sentido emancipador da adaptação intelectual é sumamente im-
portante para o professor comum e especializado. Aprender é uma ação humana cri-
ativa, individual, heterogênea e regulada pelo sujeito da aprendizagem, independen-
temente de sua condição intelectual ser mais ou ser menos privilegiada. São as dife-
rentes ideias, opiniões, níveis de compreensão que enriquecem o processo escolar e
clareiam o entendimento dos alunos e professores. Essa diversidade deriva das for-
mas singulares de nos adaptarmos cognitivamente a um dado conteúdo e da possibi-
lidade de nos expressarmos abertamente sobre ele.

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Fonte: static.tuasaude.com

Ensinar é um ato coletivo, no qual o professor disponibiliza a todos alunos, sem


exceção, um mesmo conhecimento. Ao invés de adaptar e individualizar/ diferenciar
o ensino para alguns, a escola comum precisa recriar suas práticas, mudar suas con-
cepções, rever seu papel, sempre reconhecendo e valorizando as diferenças.
As práticas escolares que permitem ao aluno aprender e ter reconhecidos e
rizados os conhecimentos que é capaz de produzir, segundo suas possibilidades, são
próprias de um ensino escolar que se distingue pela diversificação de atividades. O
professor, na perspectiva da educação inclusiva, não ministra um “ensino diversifi-
cado” e para alguns. Ele prepara atividades diversas para seus alunos (com e sem
deficiência mental) ao trabalhar um mesmo conteúdo curricular. Essas atividades não
são graduadas para atender a níveis diferentes de compreensão e estão disponíveis
na sala de aula para que os alunos as escolham livremente, de acordo com seus
interesses.
Para exemplificar esta prática, consideremos o ensino dos planetas do sistema
solar para uma turma de alunos com e sem deficiências. As atividades podem variar
de propostas de elaboração de textos, a construção de maquetes do sistema plane-
tário, realização de pesquisas em livros, revistas, jornais, internet, confecção de car-
tazes, leituras interpretativas de textos literários e poesias, apresentação de seminá-
rios sobre o tema, entre outras.

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Fonte: turismoadaptado.wordpress.com

O aluno com deficiência mental, assim como os demais colegas, escolhe a ati-
vidade que mais lhe interessar e a executa.Essa escolha e a capacidade de desem-
penhar a tarefa não é predefinida pelo professor. Tal prática é distinta daquelas que
habitualmente encontramos nas salas de aula, nas quais o professor escolhe e deter-
mina uma tarefa para todos os alunos realizarem individualmente e uniformemente,
sendo que para os alunos com deficiência intelectual ele oferece uma outra atividade
facilitada sobre o mesmo assunto ou até mesmo sobre outro completamente diferente.
Contraditoriamente, esta tem sido a solução adotada pelos professores para impedir
a “exclusão na inclusão”. Utilizando como exemplo esse mesmo conteúdo - o ensino
dos planetas do sistema solar - é comum o professor selecionar uma atividade de
leitura e interpretação de textos para todos os alunos, cabendo àquele com deficiência
intelectual apenas colorir um dos planetas em folha mimeografado.
Modificar essas práticas discriminatórias é um verdadeiro desafio, que implica
em inovações na forma de o professor e o aluno avaliarem o processo de ensino e de
aprendizagem. Elas exigem a negação do caráter padronizador da aprendizagem e
eliminam todas as demais características excludentes das escolas comuns, que ado-
tam propostas pedagógicas conservadoras.
A prática escolar inclusiva provoca necessariamente a cooperação entre todos
os alunos e o reconhecimento de que ensinar uma turma é, na verdade, trabalhar com
um grande grupo e com todas as possibilidades de subdividi-lo. Dessa forma, nas

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subdivisões de uma turma, os alunos com deficiência intelectual podem aderir a qual-
quer grupo de colegas, sem formar um grupo à parte, constituído apenas de alunos
com deficiência e/ou problemas na aprendizagem.
Para conseguir trabalhar dentro de uma proposta educacional inclusiva, o pro-
fessor comum precisa contar com o respaldo de uma direção escolar e de especialis-
tas (orientadores, supervisores educacionais e outros), que adotam um modo de ges-
tão escolar, verdadeiramente participativa e descentralizada. Muitas vezes o professor
tem ideias novas para colocar em ação em sua sala de aula, mas não é bem recebido
pelos colegas e pelos demais membros da escola, devido ao descompasso entre o
que está propondo e o que a escola tem o hábito de fazer para o mesmo fim.
A receptividade à inovação anima a escola a criar e a ter liberdade para expe-
rimentar alternativas de ensino. Sua autonomia para criar e experimentar coisas novas
se estenderá aos alunos com ou sem deficiência e assim os alunos com deficiência
intelectual serão naturalmente valorizados e reconhecidos por suas capacidades e
respeitados em suas limitações.
A liberdade do professor e dos alunos, de criarem as melhores condições de
ensino e de aprendizagem, não dispensa um bom planejamento de trabalho, seja ele
anual, mensal, quinzenal ou mesmo diário. Ser livre para aprender e ensinar não im-
plica em uma falta de limites e regras ou, ainda, em cair num espontaneismo de atu-
ação. O ano letivo, assim como a rotina diária de uma turma, devem contemplar um
tempo para planejar, outro para executar, outro para avaliar e socializar os conheci-
mentos aprendidos. Todo esse processo é realizado coletivamente e individualmente.
Um exemplo de rotina de sala de aula seria desenvolver, em um primeiro mo-
mento, o planejamento coletivo, que compreende uma conversação livre entre o pro-
fessor e seus alunos a respeito do emprego do tempo naquela jornada. Esse momento
permite ao aluno expressar-se livremente a respeito do que pretende fazer/aprender
nesse dia e à professora colocar suas intenções no mesmo sentido. No planejamento
todo o grupo pode tomar decisões com relação às atividades e aos grupos a serem
formados para realizá-las. Num segundo momento, as atividades são realizadas con-
forme o plano estabelecido. Finalmente a jornada de trabalho é reconstituída na última
parte dessa rotina, com a participação de todos os alunos. Eles então socializam o
que aprenderam e avaliam a produção realizada no dia. O aluno com deficiência men-
tal, como os demais, participa igualmente de todos esses momentos: planejamento,
execução, avaliação e socialização dos conhecimentos produzidos.

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Fonte: www.aen.pr.gov.br

A avaliação dos alunos com deficiência intelectual visa ao conhecimento de


seus avanços no entendimento dos conteúdos curriculares durante o ano letivo de
trabalho, seja ele organizado por série ou ciclos. O mesmo vale para os outros alunos
da sua turma, para que não sejam feridos os princípios da inclusão escolar. A promo-
ção automática, quando é exclusiva para alunos com deficiência mental, constitui uma
diferenciação pela deficiência, o que caracteriza discriminação. Em ambos os casos,
o que interessa para que um novo ano letivo se inicie é o quanto o aluno, com ou sem
deficiência, aprendeu no ano anterior, pois nenhum conhecimento é aprendido sem
base no que se conheceu antes.
As barreiras da deficiência intelectual diferem das barreiras encontradas nas
demais deficiências. Trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar com o saber
em geral, fato que reflete preponderantemente na construção do conhecimento esco-
lar. A educação especializada tradicional, realizada nos moldes do treinamento e da
adaptação, reforça a deficiência desse aluno. Essas formas de intervenção mantêm o
aluno em um nível de compreensão que é muito primitivo e que a pessoa com defici-
ência intelectual tem dificuldade de ultrapassar - o nível das chamadas regulações
automáticas, descritas por Piaget. É necessário que se estimule o aluno com defici-
ência intelectual a avançar na sua compreensão, criando-lhe conflitos cognitivos, ou
melhor, desafiando-o a enfrentá-los.

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O Atendimento Educacional Especializado deve propiciar aos alunos com defi-
ciência intelectual condições de passar de um tipo de ação automática e mecânica
diante de uma situação de aprendizado/experiência – regulações automáticas para
um outro tipo, que lhe possibilite selecionar e optar pelos meios que julguem mais
convenientes para agir intelectualmente – regulações ativas, também descritas por
Piaget.

4. ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

O Atendimento Educacional Especializado para tais alunos deve, portanto, pri-


vilegiar o desenvolvimento e a superação de seus limites intelectuais, exatamente
como acontece com as demais deficiências, como exemplo: para o cego, a possibili-
dade de ler pelo braile; para o surdo, a forma mais conveniente de se comunicar e
para a pessoa com deficiência física, o modo mais adequado de se orientar e se loco-
mover.

Fonte: apaeflorianopolis.org.br

Para a pessoa com deficiência mental, a acessibilidade não depende de supor-


tes externos ao sujeito, mas tem a ver com a saída de uma posição passiva e auto-
matizada diante da aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber.
De fato, a pessoa com deficiência intelectual encontra inúmeras barreiras nas intera-
ções com o meio para assimilar as propriedades físicas do objeto de conhecimento,

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como por exemplo: cor, forma, textura, tamanho e outras características retiradas di-
retamente desse objeto. Isso ocorre porque são pessoas que apresentam prejuízos
no funcionamento, na estruturação e na construção do conhecimento.
Por esse motivo, não adianta propor-lhes atividades que insistem na repetição
pura e simples de noções de cor, forma etc. para que, a partir desse suposto aprendi-
zado, o aluno consiga entender essas e as demais propriedades físicas dos objetos,
e ainda possa transpô-las para outros contextos de aprendizagem. A criança sem de-
ficiência intelectual consegue espontaneamente retirar informações do objeto e cons-
truir conceitos, progressivamente. Já a criança com deficiência intelectual precisa
exercitar sua atividade cognitiva, de modo que consiga o mesmo, ou uma aproxima-
ção do mesmo avanço.
Esse exercício intelectual implica em trabalhar a abstração, através da projeção
das ações práticas em pensamento. A projeção e a coordenação das ações práticas
em pensamento são partes de um processo cognitivo que é natural nas pessoas que
não têm deficiência mental. Para aquelas que têm uma deficiência mental, essa pas-
sagem deve ser estimulada e provocada, para que consigam interiorizar o conheci-
mento e fazer uso dele, oportunamente.
O Atendimento Educacional Especializado para as pessoas com deficiência in-
telectual está centrado na dimensão subjetiva do processo de conhecimento. O co-
nhecimento acadêmico refere-se à aprendizagem do conteúdo curricular; o Atendi-
mento Educacional Especializado, por sua vez, refere-se à forma pela qual o aluno
trata todo e qualquer conteúdo que lhe é apresentado e como consegue significá-lo,
ou seja, compreendê-lo.
É importante insistir que o Atendimento Educacional Especializado não é en-
sino particular, nem reforço escolar. Ele pode ser realizado em grupos, porém é pre-
ciso estar atento para as formas específicas de cada aluno se relacionar com o saber.
Não é indicado realizá-lo em grupos formados por alunos com o mesmo tipo de pro-
blema (patologias) e/ou desenvolvimento. Pelo contrário, esses grupos devem ser
constituídos de alunos da mesma faixa etária e em vários níveis do processo de co-
nhecimento.
Alunos com síndrome de Down, por exemplo, poderão compartilhar esse aten-
dimento com colegas, com outras síndromes, sequelas de paralisia cerebral e ainda
outros com ou sem uma causa orgânica esclarecida de sua deficiência e com diferen-
tes possibilidades de acesso ao conhecimento.

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O Atendimento Educacional Especializado para o aluno com deficiência inte-
lectual deve permitir que esse aluno saia de uma posição de “não saber”, ou de “re-
cusa de saber” para se apropriar de um saber que lhe é próprio, ou melhor, que ele
tem consciência de que o construiu.
A inibição, definida na teoria freudiana, ou a “posição débil” enunciada por La-
can provocam atitudes particulares diante do saber, influenciando a pessoa na aqui-
sição do conhecimento acadêmico. O aluno com deficiência mental, como qualquer
outro aluno, precisa desenvolver a sua criatividade, a capacidade de conhecer o
mundo e a si mesmo, não apenas superficialmente ou por meio do que o outro pensa.
O nosso maior engano é generalizar a dotação intelectual das pessoas com deficiên-
cia intelectual em um nível sempre muito baixo, carregado de preconceitos sobre a
capacidade de, como alunos, progredirem na escola, acompanhando os demais cole-
gas. Desse engano derivam todas as ações educativas que desconsideram o fato de
que cada pessoa é uma pessoa, que tem antecedentes diferentes de formação, ex-
periências de vida e que sempre é capaz de aprender e de exprimir um conhecimento.

Fonte: www.ceir.org.br

Por maior que seja a limitação do aluno com deficiência mental, ir à escola
comum para aprender conteúdos acadêmicos e participar do grupo social mais amplo

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favorece o seu aproveitamento no Atendimento Educacional Especializado e vice-
versa. O Atendimento Educacional Especializado é, de fato, muito importante para o
progresso escolar do aluno com deficiência mental.
Aqui é importante salientar que a “socialização” justificada, como único objetivo
da entrada desses alunos na escola comum, especialmente para os casos mais gra-
ves, não permite essa complementação e muito menos significa que está havendo
uma inclusão escolar.
A verdadeira socialização, em todos os seus níveis, exige construções cogniti-
vas e compreensão da relação com o outro. O que tem acontecido, em nome dessa
suposta socialização, é uma espécie de tolerância da presença do aluno em sala de
aula e o que decorre dessa situação é a perpetuação da segregação, mesmo que o
aluno esteja frequentando um ambiente escolar comum.
O arranjo físico do espaço reservado ao atendimento precisa coincidir com o
seu objetivo de enriquecer o processo de desenvolvimento cognitivo do aluno com
deficiência intelectual e de oferecer-lhe o maior número possível de alternativas de
envolvimento e interação com o que compõe esse espaço. Portanto, não pode repro-
duzir uma sala de aula comum e tradicional. O espaço físico para o Atendimento Edu-
cacional Especializado deve ser preservado, tanto na escola especial como na escola
comum, ou seja, deve ser criado e utilizado unicamente para esse fim.
O tempo reservado para esse atendimento será definido conforme a necessi-
dade de cada aluno e as sessões acontecerão sempre no horário oposto ao das aulas
do ensino regular. As escolas especiais, diante dessa proposta, tornam-se espaços
de Atendimento Educacional Especializado nas diferentes deficiências para as quais
foram criadas e devem guardar suas especificidades. Elas não podem justificar a ma-
nutenção da estrutura e modelo da escola comum, recebendo alunos sem deficiência
– a chamada “inclusão ao contrário” e nem mesmo atender a todo o tipo de deficiência
em um mesmo espaço especializado.
As instituições especializadas devem fazer o mesmo com suas escolas espe-
ciais e também conservar o atendimento clínico especializado. A avaliação do Atendi-
mento Educacional Especializado, seja a inicial como a final, têm o objetivo de conhe-
cer o ponto de partida e o de chegada do aluno, no processo de conhecimento. Para
que se possa montar um plano de trabalho para esse atendimento, não é tão impor-
tante para o professor saber o que o aluno não sabe quanto saber o que ele já conhece
de um dado assunto.

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BIBLIOGRAFIA

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favorecer a inclusão escolar. Artigo aceito para publicação na Revista Espaço do
INES, Rio de Janeiro, 2010.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Autora: Elsa Midori Shimazaki


Acesso no dia: 23/06/2016

O TRATAMENTO DAS PESSOAS COM DEFIÊNCIA MENTAL


Educação do deficiente mental
O tratamento dado às pessoas com deficiência mental reporta-se à antiguidade
como afirma González (1999). Alguns dados revelam que o tratamento para essas
pessoas, em determinado momento, mostra-se de forma pitoresca ou artística, como
revela a pintura de Velasquez denominado “The fools of King Phillip of Spain”. O papiro
de Tebes, datado de 1552 a.C., faz referência à deficiência mental, discutindo o
tratamento de pessoas com habilidades intelectuais limitadas. Ainda nos anos 449 a.
C., os romanos fazem referências a “palhaços” e “monstros” e citam a falta de
habilidade dessas pessoas em cuidar de si mesmas, de suas famílias ou em servir a
sociedade. Confúcio, em 500 a.C., assim como o Grego Hipócrates em 400 a.C,
expressaram interesses quanto ao cuidado e tratamento das pessoas com deficiência
mental.
Após a Revolução Francesa, e, com os crescentes discursos da igualdade,
fraternidade e liberdade, há uma mudança, pelo menos teórica, a respeito da
deficiência. Aparecem as primeiras intenções de tratamento específico e de processo
educativo. Criam-se tipos de instituições claramente diferentes: o médico e o
educativo, além de incorporar-se a aplicação de práticas de efeitos classificatórios,
especialmente às pessoas com deficiência mental.
A definição de deficiência mental tem evoluído ao longo do tempo, como mostra
Almeida (2004). Segundo a autora, a definição aceita no momento, elaborada em
2002, é uma revisão da anterior que fora elaborada em 1994. Almeida (2004) define
deficiência mental, fundamentada em Luckasson et al. (2002), como uma
incapacidade caracterizada por limitações significativas, tanto no funcionamento
intelectual como no comportamento adaptativo e está expresso nas habilidades
sociais, conceituais e práticas. Essa incapacidade deve originar-se antes dos 18 anos
de idade.
Luria (1986) afirma que Vygotsky (1896-1923), ao trabalhar com as pessoas
com necessidades especiais, concentrou a atenção nas habilidades que essas

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pessoas tinham, pois entendia que tais habilidades poderiam dar aportes para o
desenvolvimento das capacidades de tais indivíduos. Dessa forma, rejeitava as
descrições puramente qualitativas no que se referia a “traços psicológicos
unidimensionais refletidos de resultados de testes” (p. 34).
Atualmente, os testes de avaliação e classificação da inteligência têm sido
questionados e contestados, todavia, a classificação da deficiência mental ainda é
feita por meio de testes de inteligência na maioria das instituições que atende pessoas
com deficiência mental.
O mesmo autor afirma que o século XIX foi um momento representativo de
inúmeros avanços para os "deficientes", sendo que várias instituições escolares foram
criadas, ainda sob o título de abrigo, assistência e terapia. Somente a partir de meados
do século XX, a conquista e o reconhecimento de alguns direitos dos "deficientes"
puderam ser identificados.
Documentos que registrem tentativas de ensinar a leitura, escrita e oralidade
às pessoas com deficiência mental são relativamente recentes.
A literatura mostra que existem registros de duas maneiras de ensinar-se
pessoas com deficiência mental. A primeira refere-se àquelas intervenções
reducionistas com aportes em treinamento e prática rotineira para o ensino de
habilidades, feitas de forma isolada e descontextualizada. Ensina-se o alfabeto, os
sons de fonemas isolados e a decodificação de palavras isoladas. Outra alternativa
de ensino é aquela que se preocupa com a construção de formas integradas com as
áreas do conhecimento humano, contextualizado. Essa maneira de ensinar inclui a
combinação do ensino da oralidade, leitura e escrita, fazendo uso de textos,
experiências linguísticas e acesso a outras linguagens e comunicações orientadas.
Katims (2000) afirma que, em 1800, Jean Marc-Gaspard Itard, influenciado por
Juan Pablo Bonet, escreveu o primeiro documento onde discutia os procedimentos e
instruções para a alfabetização de uma pessoa com deficiência mental.
Fundamentado no método de Bonet, para ensinar as pessoas com deficiência, na
Espanha, Itard, segundo Banks-Leite; Souza (2000), criou o método cenestésico
multissensorial para ensinar um menino que foi encontrado nas florestas de França.
Esse, por não ter convivido em sociedade, não tinha desenvolvido algumas
características próprias dos humanos e ficou conhecido como “o menino selvagem de
Aveyron”. Itard preocupou-se, inicialmente, em desenvolver as sensações e
percepções, mas segundo as autoras acima citadas, ele tinha “obstinação em ensinar

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o garoto a ler e escrever” (p. 70). Para que o menino selvagem, diagnosticado por
Philippe Pinel como surdo e deficiente mental, adquirisse uma linguagem constituída
por signos convencionais, Itard tentou ensiná-lo a falar e a escrever. Para ensinar o
menino, que recebeu o nome de Victor, estabelecia as relações entre objetos do uso
cotidiano e os respectivos desenhos. Depois substituía os desenhos pelas letras ou
palavras. Banks-Leite; Souza (2000) afirmam que, segundo indicações de Itard, Victor
adquiriu uma linguagem, manejando a escrita (cópia de palavras) e a leitura
(identificação de palavras).
Pelicier; Thuillier (1980) afirmam que Edourd Onesimus Seguin avançou os
estudos de Itard no atendimento às pessoas com deficiência mental. Ensinou-as a
desenhar linhas e ângulos, a escrever letras do alfabeto e a recortar letras do alfabeto
em madeiras e colá-las em cartões. Por meio da adaptação do método de Itard e da
intensiva instrução, Seguin obteve sucesso na área da alfabetização dos seus alunos
que conseguiram escrever e oralizar em situações mais diversificadas.
O uso do alfabeto fosforescente foi utilizado por John Jakob Guggenbühl,
médico suíço, para a alfabetização de pessoas com retardo mental, no Abendberg,
primeira instituição para atendimento de deficientes mentais no continente europeu.
O método preocupava-se em ensinar a leitura por meio da estimulação sensorial e
exposição dos fonemas e grafemas desenhados em letras fosforescente em quadro
negro em salas escuras (NORTON; FALK, 1992).
Katims (2000) afirma que, influenciada por Itard e Seguin, em 1886, Maria
Deteressa Montessori desenvolveu, na Itália, o trabalho na área da alfabetização para
as pessoas com deficiência mental. Montessori (1965) afirmava que as pessoas com
deficiência mental deveriam ser trabalhadas mais em seus aspectos pedagógicos que
médicos. A pesquisadora utilizou no ensino da leitura e da escrita para pessoas com
deficiência mental, pequenos textos, sentenças, cartões de palavras. Na
alfabetização, usou o método sensorial, tanto para as crianças com ou sem
deficiência. Inicialmente, ensinou os movimentos manuais para a escrita, depois fazia
com que os alfabetizandos tocassem em contornos geométricos dos encaixes planos,
finalmente, tocassem com os dedos em letras do alfabeto, feito de madeira pintada e
envernizada. Fazia, em cartões, a correspondência das letras com figuras que
representavam objetos cujo nome começava com a letra indicada. Utilizou-se,
também, do método fônico para a alfabetização, que consistia em nomear as
consoantes foneticamente, onde a professora indicava a letra, depois o cartão, e

19
pronunciava o nome do objeto desenhado, pronunciando o som da primeira letra
(MONTESSORI, 1965).
Ela ensinou a ler e escrever ao mesmo tempo, pois acreditava que uma
habilidade reforçava e dava suporte à outra. É importante ressaltar as contribuições
de Montessori para a educação especial. Ela apresentou o método sensorial, e
também propôs uma nova concepção das pessoas com retardo mental que passaram
a ser vistas como pessoas capazes de aprender e criou um método para alfabetizá-
las.
O uso do método fônico para a alfabetização de estudantes com deficiência
mental foi utilizado pelos educadores pioneiros nos Estados Unidos, na década de 30
do século XX. Kliewer (1998) cita que, em 1931, Braem explicou a técnica do método
fônico, com demonstração de seus alunos que analisaram e decodificaram palavras
usando a unidade fônica. Depois de três décadas, um Inglês com síndrome de Down,
chamado Nigel Hunt, publicou um livro chamado “The world of Niger Hunt: The diary
of a mongoloid youth”, 1em 1967, onde relata como a sua mãe o ensinou. Descreve
que a mãe usou uma técnica gráfica-fonética envolvendo palavras comuns, alfabeto
feito em letras de plástico, e, eventualmente, leituras simples. É importante o mérito
desse trabalho, pois se trata da primeira pessoa a publicar os efeitos da alfabetização
para o cotidiano de uma pessoa com deficiência mental.
Para ensinar os alunos classificados como deficientes mentais moderados a
ler, Samuel Kirk (1978) usou sistema de instrução prática multissensorial em 1933.
Em 1936, sua esposa, que também abriu o caminho para o sistema de instrução, criou
o sistema de escrita sequencial para as pessoas com retardo mental.
A partir da metade do século XX, os educadores do ensino especial do
Departamento de Saúde e Educação dos Estados Unidos, usaram o “flip chart” 2
(álbum seriado) para a experiência com a linguagem no ensino de frases, sentenças
e parágrafos para jovens identificados como deficientes mentais. Os estudantes
relatavam as suas experiências para o professor que registrava em “flip chart”. O
resultado do texto relatado pelo aluno e escrito pelo professor era motivador, pois
apresentava a própria experiência e o vocabulário dos alunos. A escrita foi utilizada

1
O mundo de Niger Hunt: O diário de um jovem mongoloide.
2
Flip Chart é uma palavra utilizada para se referir a cartazes escritos em letras
ampliadas e com sequência de ideias, no entanto, não se sabe se é igual ao que era
usado no século XX, na época do experimento.

20
de forma contextualizada, em direção a diversas habilidades e com ênfase nos
conectores e na relação entre as palavras. Heber, vinte anos depois, usou a linguagem
por meio de uma intervenção longitudinal. Diferente dos outros, como relata Katims
(2000), Heber enfatizou a decodificação específica de palavras do contexto do aluno,
ditando-a. Estudantes com deficiência mental eram imersos regularmente em
ambientes com livros de história. Verifica-se que essas eram as primeiras
experiências na alfabetização de jovens com deficiência mental, pois as anteriores
referem-se somente às crianças.
O primeiro documento que aborda o uso de tecnologia para a alfabetização de
pessoas com deficiência mental é datado de 1960. Trata-se de um ensino programado
que era desenvolvido por meio da tecnologia educacional, com a presença automática
de um “filme tutor”, usado em filmes projetados em 8 mm que ligavam automatica-
mente quando o aluno escolhia uma letra na máquina de datilografia. O “feedback”
ocorria quando o aluno dizia corretamente a letra do alfabeto datilografada. Esse pro-
grama de instrução tecnológica pode ser considerado avançado e promissor porque
ensinava, por meio da visualização, palavras para as pessoas de vários níveis de de-
ficiência mental. A partir de então, a tecnologia educacional tem sido utilizada na alfa-
betização da pessoa com deficiência mental. O uso de “software” em computador tem
evoluído desde a década de 60.
No Brasil, em 1994, Goyos; Almeida (1994, apud Goyos; Freire 2000), desen-
volveram o programa computacional Mestre, fundamentada na “tecnologia derivada
dos estudos sobre equivalência de estímulos” (GOYOS; FREIRE, 2000, p. 48). Esse
programa era um instrumento para que os professores e demais profissionais da edu-
cação infantil, ensino fundamental e educação especial ensinassem habilidades aca-
dêmicas aos seus alunos.
Outro método, introduzido na década de 70, é conhecido como “Ball (bola),
Stick (vara) e Bird (pássaro). Esse método é utilizado para pessoas de todos os níveis
de inteligência, incluindo o deficiente mental moderado e o severo. Fundamenta-se
em três formas básicas para o traçado das letras do alfabeto, a linha (vara), o círculo
(bola) e o ângulo (pássaro). Para a efetivação da alfabetização, usam-se letras escri-
tas com cores diferentes. Nesse método, usa-se, inicialmente, um livro composto de
nomes e verbos de ação, e, gradualmente, os adjetivos e os advérbios são ensinados.
Há a ênfase na decodificação assim como na compreensão da escrita pela população
denominada como deficiente mental.

21
Um documento, datado de 1975, mostra as orientações de alfabetização para
as pessoas com deficiência mental, sensorial, física e para aquelas com graves pro-
blemas de saúde que não podiam frequentar a escola. Katims (2000) descreve que
Butler (1975) publicou um livro com o título “Cusha and her books”3. Nessa obra foram
sugeridos vários meios para o desenvolvimento vocal, verbal, físico, cognitivo e emo-
cional responsáveis pela aquisição da leitura e da escrita. Esse texto é mais dedicado
aos pais e conta a história de Cusha que, apesar de ter múltipla deficiência (física,
mental e auditiva) foi capaz de desenvolver a oralidade, aprender enredo e ações de
uma história, bem como identificar algumas de suas características, por meio de co-
municação alternativa como gestos e expressões, usos de figuras e símbolos.
Com a expansão da educação para todos, reafirmada após o golpe militar, co-
meçam a aparecer autores (COSTA, 1983; MORTATTI, 1992) que sugerem o uso
contextualizado para a alfabetização das pessoas com deficiência mental, pois assim
o aluno é capaz de compreender a importância da alfabetização que era desenvolvida
por meio da leitura, escrita e relato de fatos e atividades cotidianas.
A partir de 1990, começa a discussão sobre a alfabetização emergente para o
deficiente mental. Katims (1991) obtém o primeiro resultado em uma pesquisa sobre
alfabetização. O pesquisador coloca um grupo de jovens, incluindo alguns alunos com
deficiência mental em situações promissoras de alfabetização. Os alunos foram
incluídos em biblioteca de classe, em ambiente com vários materiais escritos, tendo
acesso a livros de história. Para essa pesquisa, o autor formou dois grupos (controle
e experimental) e, após a experiência, o grupo experimental teve muito mais avanço
na alfabetização. Os alunos com deficiência mental do grupo experimental tiveram
progresso significativo em relação aos demais, especialmente, na linguagem escrita,
na compreensão de histórias lidas por outras pessoas, na decodificação da escrita e
leitura e na produção escrita a partir de situações reais ou simuladas. O objetivo era
tornar as pessoas com deficiência mental indivíduos capazes de usar a linguagem de
forma competente.
É importante ressaltar que os encaminhamentos citados pautam-se somente
no método concreto e, a respeito disso, Vygotsky (1988b) afirma que o sistema de
ensino baseado somente no concreto pode eliminar a abstração A educação assim
falha, pois “a criança retardada, quando deixada por si mesma, não atingirá formas

3 Cusha e seus livros

22
bem elaboradas de pensamento abstrato, e que a escola deveria fazer todo esforço
para empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente
faltando no seu próprio desenvolvimento” (p. 34).
Dessa forma, Vygotsky (1988b) afirma que, por meio da mediação social, é
possível utilizar o concreto como “um ponto de apoio necessário e inevitável” para o
desenvolvimento do pensamento abstrato. A educação escolar precisa ajudar os alu-
nos a desenvolverem ideias associativas com abstração, signos e a construção do
pensamento. Para o autor o melhor encaminhamento pedagógico é aquele que de-
senvolve, por meio do pensar, a abstração e a generalização.
O problema da aprendizagem de leitura e escrita da criança portadora de defi-
ciência mental, geralmente, tem sido exposto como uma questão de métodos e técni-
cas. Ide (1992) faz criticas às formas tradicionais de preparação para a leitura e para
a escrita, em que o aluno faz exercícios garfo-motores, tais como de cobrir pontilhados
e preencher folhas e folhas de exercícios fotocopiados, sem nenhum significado con-
creto.
O modelo de alfabetização exposto pela autora e que busca aportes nos méto-
dos tradicionais, torna-se artificial e mecânico e muito distante das práticas sociais.
Feil (1991) afirma que se ensina partindo de letras ou sons para a criança formar
silabas e só mais tarde formar palavras com a única finalidade de fixar as letras estu-
dadas. O aluno passa horas repetindo letras, sílabas e palavras, muitas vezes sem
sentido para ele, até que as memorize. Tal prática, certamente, não se preocupa com
o uso social da linguagem nos contextos reais em que ela pode acontecer.
Na literatura, encontram-se algumas pesquisas realizadas com jovens e adul-
tos com deficiência mental, que passam a ser descritas.
Em pesquisa realizada por Shimazaki; Mori (1998), foi constatado que as pes-
soas adultas com deficiência mental são capazes de serem alfabetizadas, ou seja,
elas conseguem adquirir a tecnologia da escrita. É importante ressaltar que, nessa
pesquisa, não foram estudadas as questões concernentes ao nível de entendimento
da escrita.
Bochner; Outhred; Peiterse (2001), com o objetivo de examinar a linguagem e
a habilidade de alfabetização em jovens e adultos com síndrome de Down, desenvol-
veram uma pesquisa. Entre seus sujeitos, havia alguns que já tinham frequentado a
escola e, qualitativamente, essas pessoas não apresentavam desempenho melhor
que as demais. Os resultados mostraram que os jovens aprenderam a ler, mas as

23
habilidades de linguagem e alfabetização, no que se refere ao seu uso, eram muito
limitadas. Os autores atribuem o fato à deficiência dos alunos e às questões metodo-
lógicas das escolas.
Outra pesquisa com adultos com síndrome de Down é apresentada por Moni;
Jobbing (2001) que, fundamentados na teoria sócio interacionista, desenvolveram um
programa de escolarização com quatro pessoas com 18 anos de idade. Duas dessas
pessoas estudavam em uma escola regular e as outras duas, em uma escola especial.
Os pesquisadores afirmam que os sujeitos melhoraram nas habilidades de codificar e
na fluência, todavia, a compreensão representava sua maior dificuldade.
Shimazaki; Pacheco (2002), fundamentados em Vygotsky, desenvolveram uma
pesquisa onde estudaram a formação de conceitos matemáticos em jovens e adultos
com deficiência mental. A pesquisa relata que a educação dada nas escolas é des-
vinculada do cotidiano e que as pessoas, colocadas em situação onde o processo de
ensino e aprendizagem parte dos problemas cotidianos, pode elaborar conceitos ci-
entíficos.
Os estudos acima citados, Shimazaki; Mori (1998), Bochner; Outhred (2001),
Moni; Jobbing (2001) e Shimazaki; Pacheco (2002) mostram que a pessoas adultas
com deficiência mental requerem apoio e estratégias variadas para que se efetive a
aprendizagem. É preciso o uso constante de atividades de letramento, considerando
não só a idade, como também, o interesse, a experiência e a vida cotidiana. A escola
deve preocupar-se com o modelo ideológico de letramento, pois assim estará desen-
volvendo, por meio do pensar, as funções psíquicas superiores. As pesquisas revelam
que os sujeitos tiveram poucos avanços no que se refere ao desenvolvimento de lei-
tura e escrita.
Nesse sentido, concorda-se com Soares (2003) que não basta saber ler e es-
crever, é necessário saber fazer uso das práticas sociais da leitura e escrita, num
processo de compreensão, onde o indivíduo seja capaz de produzir sentido para a
linguagem e, assim, chegar as suas próprias descobertas, análises e sínteses.
O processo da elaboração da linguagem escrita, para as pessoas com defici-
ência mental, deve ser organizado de forma que esta se torne necessária para a vida.
Portanto, tão importante quanto o ato de ler e escrever enquanto tecnologias, deve
ser o uso social dessas habilidades. Por isso, enfatiza-se que é preciso criar situações
de ensino e aprendizagem onde pessoas com deficiência mental elaborem práticas
sociais de uso da escrita.

24
MUDANÇAS NAS NOMENCLATURAS
A deficiência intelectual que substituiu o termo que se chamava deficiência
mental durante a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006 não
é considerada uma doença ou um transtorno psiquiátrico e sim ou mais fatores que
causam um prejuízo das funções cognitivas que acompanham o desenvolvimento di-
ferente do cérebro. As deficiências intelectuais podem variar de leve à grave, diferen-
ciando muito a intervenção de quem trabalha com este aluno.
A definição de deficiência mental atualmente foi adotada pela Associação Amé-
rica de Retardo Mental (AARM) em 1992, sendo aceita internacionalmente e preconi-
zada nos textos e documentos oficias do nosso país. A deficiência mental é defendida
pela Política Nacional de Educação Especial do MEC (BRASIL, 1997, p. 15) como:
Funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do
período do desenvolvimento concomitante com limitação associadas a duas ou mais
áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequada-
mente as demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidado
especiais, habilidades sociais desempenho da família ou da comunidade, indepen-
dência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho.
Esta definição da AAMR (1992) enfatiza que outros aspectos precisam coexis-
tir, para que uma pessoa seja identificada como portadora de deficiência mental.
Na definição proposta pela AAMR, o funcionamento intelectual (a inteligência)
é entendido como “uma habilidade mental genérica. Inclui raciocínio, planejamento,
solução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas,
aprendizagem rápida e aprendizagem através da experiência”. (BRASIL, p. 13, 2007).
O parâmetro utilizado para circunscrever o funcionamento intelectual é o QI
(Quociente de Inteligência). O conceito de QI é apontado como o mais adequado ao
diagnóstico de deficiência mental. Sabe-se que o QI é amplamente aceito e utilizado
na avaliação da capacidade intelectual tanto nos meios acadêmicos quanto na prática
profissional. No entanto, não se pode continuar confundindo processo de cognição ou
inteligência com o QI: o primeiro diz respeito às funções cognitivas propriamente ditas;
o segundo é um produto das mesmas. (BRASIL, p.13, 2007).
Para falar de Deficiência Mental há necessidade de falar um pouco da
inteligência. A inteligência humana é um atributo mental multifatorial, envolvendo a
linguagem, o pensamento, a memória, a consciência. Assim sendo, a inteligência

25
pode ser considerada um atributo mental que combina muitos processos mentais,
naturalmente dirigidos à adaptação à realidade. (PIAGET, 1980).
Sem dúvida nenhuma, a base estrutural da inteligência humana é o
Pensamento, mais precisamente, o Pensamento Formal. Trata-se, o pensamento, de
uma operação mental que nos permite aproveitar os conhecimentos adquiridos da
vida social e cultural, combiná-los logicamente e alcançar uma nova forma de
conhecimento. (Disponível em: gballone.sites.uol.com.br/infantil/dm3.html. Acesso no
dia: 21/08/2011).
A última revisão da definição da deficiência mental da AAMR, bastante recente
propõe que se abandonem os graus de comprometimento intelectual, pela graduação
de medidas de apoio necessárias às pessoas com déficit cognitivo e destaca o
processo interativo entre as limitações funcionais próprias dos indivíduos que lhes são
disponíveis em seus ambientes de vida. Esta revisão chama atenção nas habilidades
adaptativas, que podem ser definidas como um ajustamento entre as capacidades dos
indivíduos e as estruturas e expectativas do meio em que vivem, aprendem, trabalham
e se aprazem. (MANTOAN, 1984).
Para que considere uma pessoa como deficiência mental, a idade de início da
deficiência deverá situar-se antes dos dezoito anos de idade, ou seja, aparecer
durante o curso de seu desenvolvimento. Essa idade limite está convencionada
consensualmente na proposta da AAMR.
De acordo com a definição, entretanto, o índice QI, exclusivamente, não
constitui condição suficiente para diagnosticar uma pessoa como portadora de
deficiências mental, uma vez que outros aspectos devem ser considerados; são as
áreas de habilidades adaptativas discriminadas na definição sendo que o mínimo de
02 (dois) precisa estar defasado para que o diagnóstico seja definido.
- COMUNICAÇÃO: Diz respeito às habilidades para compreender a expressar
informações pôr meio de palavras – faladas ou escritas – linguagem gestual, digital e
de sinais, toque, gestos, expressões corporais, etc., e para compreender as emoções
e as mensagens de outras pessoas;
- AUTOCUIDADO: Refere-se às habilidades que asseguram a higiene pessoal,
a alimentação, o vestuário, o uso do sanitário, etc.;
-VIDA FAMILIAR: Diz respeito às habilidades necessárias para uma adequada
funcionalidade do lar, no cuidado com os bens da família, a participação nos trabalhos
domésticos, no convívio e nas relações familiares, dentre outros aspectos;

26
- VIDA SOCIAL: Diz respeito às trocas sociais na comunidade, ao respeito e às
relações com os vizinhos, colegas, amigos e membros da comunidade, compartilhar
e cooperar, respeitar limites e normas, fazer escolhas, controlar impulsos, resistir às
frustrações, etc.;
- AUTONOMIA: Refere-se às habilidades para fazer escolhas, tomar iniciativa,
cumprir planejamento, atender aos próprios interesses, cumprir tarefas, pedir ajuda,
resolver problemas, defender-se, explicar-se, buscar ajuda quando necessária etc.
- SAÚDE E SEGURANÇA: Diz respeito às habilidades para cuidar da saúde,
evitar doenças, cuidar da segurança, evitar perigos, seguir leis de trânsito e outras
que visam ao bem-estar e à saúde, desenvolver hábitos pessoais adequados, comu-
nicar necessidades, pedir ajuda etc.
- FUNCIONALIDADE ACADÊMICA: Refere-se às habilidades relacionadas à
aprendizagem dos conteúdos curriculares propostos pela escola que têm relação com
a qualidade de vida da pessoa, como ler, escrever, calcular, obter conhecimentos ci-
entíficos, sociais, relativos à sexualidade e outros, que permitem maior funcionalidade
na vida, independentemente do nível escolar alcançado.
- LAZER: Diz respeito às habilidades para desenvolver interesses e participar
de atividades de entretenimento individual e coletivo, de acordo com a idade e como
o ambiente cultural e comunitário, comportar-se adequadamente, compartilhar, reto-
mar, completar, pedir ajuda, cooperar, etc., na realização dessas atividades;
- TRABALHO: Refere-se às habilidades para realizar um trabalho em tempo
parcial ou total, comportando-se apropriadamente, cooperando, compartilhando, con-
cluindo as tarefas, tomando iniciativas, administrando bem o salário, aceitando a hie-
rarquia e as próprias limitações e dos demais, realizando atividades independentes,
etc. (Módulo: Deficiência Mental, Brasil: 1997, p. 29-31)
Esta última habilidade adaptativa foi uma indicação do MEC.
Muitas causas da deficiência mental são desconhecidas. A Organização das
Nações Unidas divide os fatores de deficiências intelectuais da seguinte forma: 40%
é resultado de causas ambientais e 60% de causas genéticas. As causas podem ter
diversas etiologias, pois sua identificação é difícil de caracterização, podendo às ve-
zes, passar pela análise de diversos especialistas. (HONORA; FRIZANCO, 2008).
O interesse em se conhecer as causas da deficiência mental deve-se à impor-
tância em se detectar as possíveis limitações que ela possa vir a provocar nas pes-
soas e, principalmente, identificar os meios para sanar essas causas ou, mesmo,

27
evitá-las. Para diagnosticar a deficiência mental, os profissionais estudam as capaci-
dades mentais da pessoa e as suas competências adaptativas.
O conhecimento das causas da deficiência mental é importante para a sua pre-
venção. Muitas ações poderiam ser desencadeadas de modo a evitar a ocorrência de
deficiências. O Retardo Mental (RM) pode se apresentar durante os primeiros anos
de vida, mas não pode ser diagnosticado adequadamente antes dos cinco anos de
idade, pois em crianças mais novas não há possibilidade de se aplicar e validar testes
padronizados para determinação do quociente intelectual, sendo utilizada a designa-
ção de atraso global do desenvolvimento, que pode incluir dificuldades no aprendizado
e na adaptação, as quais, por sua vez, podem indicar déficit cognitivo ou intelectual
no futuro.
Ainda quanto à terminologia, os termos RM e deficiência mental em geral são
empregados sem distinção; o RM se relaciona ao atraso do desenvolvimento neu-
ropsicomotor durante a infância, seja qual for à causa, enquanto a deficiência mental
corresponde ao comprometimento do indivíduo adulto, como consequência do RM.
(FARIA, disponível em: gballone.sites.uol.com.br/infantil/dm1.html. Acesso no dia:
23/08/2011).
O atraso mental diagnostica-se pela observação de duas coisas:
_A capacidade do cérebro da pessoa para aprender, pensar, resolver
problemas, encontrar um sentido do mundo, uma inteligência do mundo que as rodeia
(a esta capacidade chama-se funcionamento mental ou funcionamento intelectual).
_A competência necessária para viver com autonomia e independência na co-
munidade em que se insere (a esta competência também se chama comportamento
adaptativo ou funcionamento adaptativo ou ainda habilidades intelectuais).
Segundo Mantoan (1984) as pessoas com deficiência intelectual demonstram
também muita pouca habilidade no que concerne à generalização das aprendizagens.
Este fato levou a vários pesquisadores a levantar hipótese de que a deficiência mental
não repousa no déficit estrutural, mas sobre uma capacidade funcional da inteligência.
As pessoas com deficiência mental também apresentam um subfuncionamento da
memória, portanto segundo a autora o papel do professor: “é fundamental no sentido
de prover o meio escolar dessas condições e difere das condutas do psicólogo ao
solicitar e mediar o exercício das funções cognitivas, porque a intervenção pedagógica
acontece em um contexto interacional de coletividade e tem uma vocação específica,
sem fins individualizados e terapêuticos. ” (p. 10-11).

28
Este subfuncionamento crônico da inteligência destas pessoas pode ser ati-
vado por ajudas, visando propiciar-lhes uma maior mobilidade cognitiva. Segundo
Mantoan, os autores como: Borkowski e Pressley 1987, Scharnorst e Buchel 1990,
Whitman 1987, Feuerstein 1978 e Sternber, 1972 são unânimes destacar a ausência
da consciência metacognitiva nas pessoas com deficiência mental, considerando essa
incapacidade como elemento central das limitações na adaptação e na autonomia.
Portando, o professor deve propiciar aos alunos “experiências de aprendiza-
gem mediatizadas”; levar estas pessoas a desenvolver e utilizar espontaneamente
suas estratégias cognitivas, fazendo-as chegar a um nível de consciência cada vez
mais avançado de suas habilidades mentais. (MANTOAN, 1984).
Segundo ainda a autora acima o uso de habilidades intelectuais alternativas
decorre do desenvolvimento da eficiência cognitiva das pessoas com deficiência men-
tal. Os procedimentos utilizados para estimular essa eficiência têm por base a teoria
da modificabilidade estrutural de Feuerstein (1979, apud Mantoan, 1984) que utilizou
essa expressão para designar a modificação permanente que se opera no indivíduo,
quando participa de experiências de aprendizagem mediatizada.
O portador de deficiência mental na maioria das vezes apresenta dificuldades
ou nítido atraso em seu desenvolvimento neuropsicomotor (ADNPM), aquisição da
fala e outras habilidades (comportamento adaptativo).
Função mental e processos cognitivos são termos usados freqüentemente de
modo intercambiável significando funções ou processos como percepção,
introspecção, memória, criatividade, crença, raciocínio, volição e emoção - em outras
palavras, todas as coisas diferentes que podemos fazer com nossas mentes.
O atraso no desenvolvimento dos portadores de deficiência mental pode se dar
em nível neuropsicomotor, quando então a criança demora em firmar a cabeça, sen-
tar, andar, falar. Pode ainda dar-se em nível de aprendizado com notável dificuldade
de compreensão de normas e ordens, dificuldade no aprendizado escolar. Mas, é pre-
ciso que haja vários sinais para que se suspeite de deficiência mental e, de modo
geral, um único aspecto não pode ser considerado indicativo de qualquer deficiência.
A avaliação da pessoa deve ser feita considerando-se sua totalidade. (BALLONE,
2007 Disponível em: www.psiqweb.med.br/site/ ?area=NO/LerNoticia& idNoti-
cia=29.Acesso no dia:21/08/2011).
Segundo Vygotsky (2001), as leis que regem o desenvolvimento da pessoa
com deficiência mental são as mesmas que regem o desenvolvimento das demais

29
pessoas. Aspecto este também presente nos processos educacionais. Para esse teó-
rico, a criança cujo desenvolvimento foi comprometido por alguma deficiência, não é
menos desenvolvida do que as crianças ‘normais’, porém é uma criança que se de-
senvolve de outra maneira. Isto significa que o desenvolvimento, fruto da síntese entre
os aspectos orgânicos, socioculturais e emocionais, manifesta-se de forma peculiar e
diferenciada em sua organização sociopsicológica. Assim, não podemos avaliar suas
ações e compará-las com as demais pessoas, pois cada pessoa se desenvolve de
forma única e singular.
Nessa direção, cabe apontar ainda, que as pessoas com deficiência mental não
formam um grupo homogêneo entre si. Em outros termos, é preciso ter clareza que
são diferentes entre si e, existindo a diferença, é necessário estar atento às singulari-
dades de cada pessoa e conhecer as suas histórias de vida (OLIVEIRA, 2006).
Segundo Piaget (1987), os alunos com deficiência mental passam pelos mes-
mos estágios de desenvolvimento cognitivo (sensório-motor, pré-operatório, operató-
rio concreto, operatório formal), pelos quais as demais pessoas passam.
O trabalho de Maria Tereza Mantoan (1991) traz um otimismo em relação às
possibilidades de desenvolvimento das estruturas do raciocínio lógico em deficientes
mentais, através de uma técnica de Construtivismo Epistemológico.
Também em relação à memória, igualmente prejudicada na deficiência mental,
considera ser uma habilidade intelectual que pode ser melhorada nos deficientes, atra-
vés de intervenções que fazem uso de estratégias de retenção e de outras capacida-
des necessárias para a lembrança e reconstituição de fatos.
É necessário destacar que crianças com deficiência mental aprendem com
mais dificuldade os conteúdos escolares, de acordo com os limites de seu raciocínio
abstrato, podendo, no entanto, assimilar conhecimentos mais complexos, quando eles
se apresentam a partir de situações e de objetos concretos. (id ibid.).
De acordo com o documento: O Acesso de Alunos com Deficiências às Escolas
e Classes Comuns da Rede Regular (2004) os alunos sem deficiência mental apren-
dem mais rapidamente esses conteúdos, pois têm menos limites em seu raciocínio
abstrato, mas também têm algumas possibilidades intelectuais limitadas e, sem as
situações e exemplos concretos, acabam esquecendo rapidamente o que aprende-
ram. Quando o ensino não é compatível com a capacidade que qualquer aluno tem
de entender o conteúdo escolar, este perde o sentido e é esquecido, rapidamente.

30
Os alunos com deficiência intelectual apresentam tempo de aprendizagem di-
ferente dos demais alunos. Este tempo de aprender de nossos alunos pode ser con-
siderado em diferentes aspectos:
1) Aspectos quantitativos: refere-se ao tempo que pode ser contabilizado, o
contar das horas, dias, semanas, meses ou anos. Por exemplo: um aluno demora 40
minutos para fazer um exercício enquanto o outro demora 3 horas para realizar a
mesma atividade;
2) Aspectos qualitativos: refere-se ao tempo interno, ao tempo que cada pessoa
precisa para cada atividade, aprender algo ou fazer uma tarefa. Por exemplo: o pro-
fessor explica um conteúdo de Matemática (operação matemática: adição), um aluno
demora 20 minutos para entender e outro aluno demora 3 semanas para entender o
mesmo conteúdo;
3) Aspectos sequencial: refere-se ao tempo interno para colocarmos em prática
aquilo que aprendemos na teoria. Por exemplo: após a explicação da operação mate-
mática, o aluno demora 5 minutos para realizar a primeira atividade com sucesso e
outra demora 3 semanas para realizar uma atividade com sucesso. (Revista Ciranda
da Inclusão, junho/2011, p.4-5).
Para garantir que o tempo de cada aluno seja respeitado, deve-se ter um pla-
nejamento flexível, um acompanhamento no contra turno do aluno e uma parceria
efetiva com a família, além dos acompanhamentos clínicos quando necessários, que
podem envolver profissionais de áreas como psicopedagogia, fonoaudiologia, peda-
gogia, psicologia, etc.
Para conhecermos qual é o tempo de cada aluno, podemos avaliar alguns as-
pectos:
O aluno mantém em média o mesmo tempo de aprender para todos
os conteúdos?
O aluno aprende mais rápido quando o assunto é de seu interesse?
O aluno aprende mais rápido quando a aula é mais dinâmica ou
quando são usados materiais concretos?
O aluno se mostra em desenvolvimento ou estacionado no seu pro-
cesso de aprendizagem?
Como está a auto estima desse aluno?
A escola tem servido como um ambiente que faz com que o aluno
se sinta diminuído, fracassado ou desinteressado?

31
O aluno está passando por algum problema pessoal que possa jus-
tificar um problema em seu aprendizado? Por exemplo: separação de pais, escola
nova, nascimento de um irmão, etc. (id ibid., p.5).
Todas essas indagações fornecem dados e pistas para que o professor possa
entender, avaliar e fazer algumas mudanças em seu planejamento para contemplar o
aluno com deficiência intelectual que apresenta dificuldade na aprendizagem.
REFLEXÕES
Ao pensar no aluno com deficiência intelectual e/ou com qualquer outra defici-
ência, tenha em mente alguém que pode aprender, mas menos que os restantes de
99% dos seus colegas da mesma idade; que necessita de muito mais TEMPO e RE-
PETIÇÃO para aprender e reaprender do que os outros; QUE ESQUECE mais do que
quase todos os outros se não praticar frequentemente; que tem dificuldades EM
TRANSFERIR aquilo que aprendeu num dado ambiente para outro; e que raramente
CONSEGUE SINTETIZAR as aprendizagens adquiridas em diferentes situações de
MODO A APLICÁ-LAS efetivamente numa nova situação. Por fim, faça a pergunta:
“Quais são as características determinantes dum programa educativo que pos-
sibilitarão a este aluno ser tão produtivo, independente e eficiente quanto possível,
numa vasta gama de ambientes integrados, no final do seu percurso escolar?

32
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34
LEITURA COMPLEMENTAR

AUTORA: Rita Vieira de Figueiredo Boneti4


ACESSO EM: 23/06/2016
A ESCOLA COMO LUGAR DE INTEGRAÇÃO (OU SEGREGAÇÃO?) DAS
CRIANÇAS PORTADORAS DE DEFICIENCIA INTELECTUAL5
RESUMO
Este artigo se propõe contribuir com a atual discussão a respeito da integração
escolar da criança portadora de deficiência intelectual. A partir de um referencial
bibliográfico, discute-se as implicações dessa integração e a possibilidade de fazer da
escola elemento promotor da autonomia e da integração social dessas crianças. Isto
implica a reestruturação dos serviços educacionais no sentido de alocar na escola
todos os seus recursos (humanos e materiais) comprometendo-os com os desafios
que a nova situação apresenta.
Introdução
O objetivo deste trabalho é discutir o papel da escola no processo de autono-
mia e integração social das pessoas portadoras de deficiência intelectual. O favoreci-
mento da integração escolar se constitui no primeiro passo para a integração social.
A integração das pessoas portadoras de deficiência é, sem dúvida, uma ques-
tão pertinente que se impõe ao conjunto da sociedade. Esta integração se justifica não
somente por razões morais, tendo em vista a eliminação de preconceitos sobre as
pessoas portadoras de deficiência, mas também por razões racionais, que se refere à
implantação, na escola e na sociedade, das condições que favoreçam à autonomia
dessas pessoas na comunidade.
Por integração entendemos uma participação real das pessoas como elemen-
tos ativos e produtivos na sociedade. A participação das pessoas portadoras de defi-
ciência em eventos e situações artificialmente criadas para elas reflete uma falsa In-
tegração, pois uma Integração real implica uma participação real na escola, no lazer
e no trabalho. Dentro desta perspectiva, é necessário reelaborarmos o conceito que
temos das pessoas portadoras de deficiência. É preciso que tenhamos consciência

4
Doutora em Educação. Departamento de Psicopedagogia. Université Laval. Québec – Canadá.
5
FIGUEIREDO, R. V. A Escola Como Lugar de Integração (Ou Segregação?) Da Criança Portadora de Deficiência Inte-
lectual. Revista Educação em Questão, Natal, v. 6, n. 1, p. 112-127, 1996.

35
de que elas têm potencial e de que poderão desenvolver este potencial em favor de
uma maior autonomia social. A autonomia social está intimamente relacionada à ca-
pacidade do sujeito de interagir nos meios sociais, inclusive de exercer um trabalho
remunerado. Esta condição não diz respeito apenas às pessoas portadoras de defici-
ências, mas a todos os seres humanos.
Observações acerca da classificação e definição da deficiência intelectual.
A classificação da deficiência intelectual figura na literatura especializada (Wes-
tling,1986; Payne e Patton,1981) como: leve, moderada, severa e profunda. Estes ní-
veis de classificações são associados a limitações tais como: 1) no plano do desen-
volvimento cognitivo, restringindo a capacidade de aprendizagem escolar; 2) no plano
do desenvolvimento social, limitando a autonomia pessoal e social; e 3) no plano do
desenvolvimento sensorial e motor.
Para exemplificar, tomaremos por base a classificação da deficiência intelectual
leve e moderada
As pessoas submetidas a um teste padronizado de inteligência e que obtêm
um escore entre 55 a 70 e que apresentam problemas no comportamento adaptativo,
são consideradas portadoras de deficiência intelectual leve. Ou seja, essas pessoas
apresentam uma distância de dois desvios padrão em relação ao escore obtido (100)
pelas pessoas consideradas normais. A maioria dessas pessoas só é identificada
como deficiente no início de sua escolarização.
A deficiência intelectual moderada é associada às pessoas que obtêm um es-
core entre 35-40 e 50-55 em um teste de inteligência (Westling,1986). As crianças que
apresentam deficiência intelectual moderada são geralmente identificadas desde o
nascimento ou pelo menos durante o primeiro ano de vida. Essas crianças demons-
tram retardo no desenvolvimento motor, na linguagem ou em outros aspectos do de-
senvolvimento.
A ausência de segurança dos instrumentos de avaliação da deficiência mental,
especialmente dos testes de inteligência, torna a classificação da deficiência intelec-
tual leve extremamente polêmica. Como se trata de um nível de funcionamento inte-
lectual muito próximo do das pessoas consideradas normais está muito mais suscep-
tível a erros de diagnóstico. Lambert (1978) adverte que, como se trata de crianças
que são deficientes apenas algumas horas por dia (durante o período que estão na
escola), esta classificação não deveria existir O autor argumenta que, dado os efeitos

36
negativos da rotulação, a classificação da deficiência mental leve acarreta mais efeitos
negativos que os benefícios do serviço especializado.
No Brasil, um pais marcado por enormes desigualdades socioeconômicas e
culturais, por enormes dificuldades em nível educacional (tanto em relação ao acesso
à escola quanto à qualidade do ensino), a questão da rotulação de crianças como
portadoras de deficiência mental leve é muito mais complicada. Em virtude dessas
desigualdades, crianças advindas das classes economicamente desfavorecidas são
muito mais susceptíveis de serem identificadas como portadoras de deficiência inte-
lectual que aquelas de classe média que apresentam idênticos problemas de compor-
tamento e de aprendizagem na escola. Presentemente, a Association Americaine of
Mental Retardation propõe uma nova definição e classificação da deficiência intelec-
tual. Segundo a A.A.M.R. a deficiência intelectual se refere a limitações substanciais
no funcionamento efetivo de uma pessoa. Ela se caracteriza por um desempenho in-
telectual significativamente abaixo da média e por limitações ligadas a pelo menos
duas esferas das seguintes habilidades práticas de adaptação: comunicação, cuida-
dos pessoais, habilidades domésticas, habilidades sociais, utilização dos recursos e
serviços da comunidade, capacidade de decidir e agir por si mesmo, saúde, conheci-
mentos ou habilidades escolares aplicadas a situações concretas, lazer e trabalho. A
deficiência intelectual se manifesta na pessoa antes dos dezoito anos de idade.
Para a aplicação desta definição, alguns aspectos devem ser observados cui-
dadosamente. Segundo o manual da A.A.M.R. (1992) que orienta o diagnóstico, a
classificação e o sistema de suporte educacional a ser oferecido à pessoa portadora
de deficiência intelectual, uma avaliação deve levar em consideração as diversidades
linguísticas e culturais e as diferenças de fatores relacionadas à comunicação e ao
comportamento. A existência de limitações nas habilidades adaptativas de uma pes-
soa deve se manifestar dentro do contexto do ambiente comunitário-físico de seus
pares de mesma idade. Essas limitações devem ser repertoriadas dentro das neces-
sidades de ajuda desta pessoa.
Dentro desta nova perspectiva, o diagnóstico tem como objetivo i) delimitar a
natureza do suporte educacional que a pessoa tem necessidade, e) classificar e des-
crever:

37
a) o potencial e as fraquezas da pessoa em relação aos aspectos psicológicos-
emocionais; b) o estado geral de saúde física da pessoa, indicando as condições eti-
ológicas; c) o ambiente no qual a pessoa está inserida e o ambiente que venha a
facilitar o seu crescimento e desenvolvimento.
Sem entrar em detalhes quanto à pertinência desta nova orientação da
A.A.M.R., o aspecto que percebemos mais positivo é que se desloca a ênfase da
classificação do nível de deficiência sobre a pessoa, para a identificação do tipo e da
intensidade do suporte que deve ser oferecido. Este aspecto poderá ter uma reper-
cussão positiva diante da integração das pessoas portadoras de deficiência intelectual
no sentido de que mais importante que rotulá-las é buscar o suporte adequado às
suas necessidades. Isto não elimina o caráter discriminatório da educação especial,
mas pelo menos chama atenção para a importância do diagnóstico fundamentado em
critérios rigorosos, bem como para a importância de oferecer um modelo educacional
o menos segregacionista possível.
A Escola como lugar de Integração
A ausência de serviços no sistema regular de ensino para as pessoas porta-
doras de deficiência intelectual de nível moderado e severo6 decorre da ideia precon-
ceituosa de que essas pessoas não poderiam se beneficiar desse sistema de educa-
ção (Brown,1991).
De acordo com esta concepção, não existiam razões para que os estudantes
considerados normais aprendessem a interagir com os estudantes portadores de de-
ficiência. A mesma concepção se dava em relação ao ambiente de trabalho. A ideia
de que as pessoas portadoras de deficiência intelectual não poderiam atuar de modo
eficaz neste ambiente, foi responsável pela inexistência de uma política de formação
profissional. Não existia a preocupação em preparar as pessoas consideradas não
deficientes para interagir de modo construtivo com as pessoas deficientes porque não
existia a consciência de que elas poderiam interagir umas com as outras dentro de
um ambiente natural.
Recentemente e, especialmente depois dos trabalhos de Brown (1991) e seus
colaboradores, é que a sociedade começa a tomar consciência de que as pessoas

6
Utilizamos neste trabalho os termos tradicionais da classificação da deficiência intelectual porque não tivemos
acesso ainda a versão portuguesa da nova classificação sugerida pela A.A.M.R(1992).

38
portadoras de deficiência intelectual mesmo em nível moderado e severo poderão
atuar em diferentes espaços da comunidade, inclusive na escola e no trabalho.
A emergência de pesquisa em educação especial, a formação de grupos de
profissionais empenhados no trabalho com as pessoas portadoras de deficiência e as
pressões legais das associações de grupos de pais têm contribuído muito para que
as crianças portadoras de deficiência ocupem cada vez mais lugar na escola regular
(Payne e Patton,1981). Este fenômeno tem acontecido de modo bastante positivo em
vários países como: Suécia, Itália, Estados Unidos e Canadá. Nos Estados Unidos,
no decorrer dos anos 70 a 80 houve um crescimento muito forte do movimento de
integração das crianças portadoras de deficiência na classe regular de ensino. Entre-
tanto, de acordo com Falvey (1991) esta integração se dá de proporção diferente se-
gundo cada Estado. Por exemplo: no Estado de Virginia, das crianças portadoras de
deficiência intelectual grave (moderada e severa) 33% são escolarizadas em ambien-
tes considerados segregacionistas (instituições e escolas especializadas); 33% estão
integradas na classe regular de ensino; e 33% frequentam ambientes segregacionis-
tas, mas adjacentes à escola regular. Enquanto que no Estado de Vermont, apenas
5% das crianças consideradas gravemente deficientes permanecem em ambientes
segregados.
No Canadá, precisamente na província de Québec, o movimento em favor da
integração escolar das crianças portadoras de deficiência se tornou mais expressivo
no final dos anos 70 com a divulgação do relatório do grupo Copex 7. Este relatório
denuncia o aumento do número de crianças identificadas como excepcionais e critica
a abordagem médica utilizada como modelo para classificar estas crianças e determi-
nar os serviços a serem oferecidos. O referido relatório denuncia ainda que os alunos
que ingressavam nos serviços especiais muito raramente saiam deles. Este docu-
mento teve uma influência muito forte sobre as posições tomadas pelo Ministério de
educação do Québec em relação à educação especial.
Em 1989, o governo do Québec cria a lei 107 que regulamenta a educação
pública e privilegia uma organização escolar fundamentada no reconhecimento do di-
reito de que toda criança tem de receber uma educação de qualidade apropriada as
suas necessidades específicas e dentro de um ambiente escolar normal (MEQ, 1992).

7
Comitê formado por administradores escolares e professores para estudar a problemática do fracasso escolar na
província do Québec.

39
Este fato acelerou o processo de integração da criança portadora de deficiência na
classe regular de ensino. Esta integração exigiu da escola uma reorganização dos
serviços educacionais oferecidos. Isto implica, na adaptação do ensino regular para
atender as necessidades específicas de cada criança. A adaptação é promovida pela
equipe responsável pela escolarização da criança que é constituída do professor do
ensino regular, do educador especialista em educação especial, do diretor da escola
e dos pais da criança.
A equipe elabora um plano de intervenção pedagógica para cada criança inte-
grada no ensino regular. O plano de intervenção, por sua vez, pode prever o ofereci-
mento de serviços especiais dentro da própria sala de aula, ou em outro local. O ser-
viço oferecido na sala regular de ensino tem por base a presença do educador do
ensino especial que trabalhar diretamente com a criança e conjuntamente com o pro-
fessor da sala regular. O serviço oferecido em outro local, como na sala de recurso
por exemplo, propõe que em determinados momentos a criança sai da sala de aula
para receber esses serviços.
Em consonância com a política ministerial em adaptação escolar8, na província
de Québec, encontramos referentes aos anos 90-91, os seguintes índices de integra-
ção das crianças consideradas portadoras de necessidades educacionais especiais7:
Das crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem leves, 91% são
integradas na classe regular no primeiro grau e 58% dessas crianças são integradas
na classe regular no segundo grau;
Das crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem graves, 42% são
integradas na classe regular no primeiro grau e 18% no segundo grau.
No Brasil, as crianças identificadas como portadoras de deficiência intelectual
já são colocadas em classes especiais a partir da primeira série do primeiro grau,
mesmo aquelas consideradas portadoras de deficiência intelectual leve. Geralmente,
são as dificuldades que as crianças encontram durante seu processo de alfabetização
que desencadeiam o encaminhamento dessas crianças para uma avaliação psicoló-
gica. Essa avaliação, na maioria dos Estados brasileiros, é feita pelo serviço de tria-

8
Em Québec utiliza-se o termo adaptação escolar para as adaptações que são efetuadas na escola, especialmente
na classe regular, com o objetivo de favorecer a aprendizagem e a integração da criança portadoras de necessidades
educacionais especiais.

40
gem do órgão da Secretaria de Educação responsável pela educação especial. A cri-
ança identificada como portadora de deficiência é encaminhada para o serviço de
educação especial com o objetivo de receber um atendimento especializado que fa-
voreça seu desenvolvimento e sua aprendizagem. Ela permanece na classe especial
até que seja considerada apta a reingressar no ensino regular ou até concluir a quarta
série do primeiro grau. A partir da quinta série ingressará no ensino regular e perma-
necerá com o acompanhamento de serviço itinerante quando este for considerado
necessário.
Considerando que o início da escolarização é um período extremamente
importante para a socialização das crianças e para a aquisição de comportamentos
sociais, a prática da integração escolar no Brasil, para as crianças portadoras de
deficiência, deve ser urgentemente revisada. A criança agrupada em ambiente
segregativo (classe especial, instituição ou escola especializada) não poderá se
beneficiar da interação com a criança normal. Esta interação é fundamental para a
aquisição dos comportamentos sociais adequados à idade cronológica. Da criança.
Quanto à polêmica a respeito da integração por idade mental ou idade cronológica,
de acordo com McClennen (1991), a integração deve visar à idade cronológica e não
à idade mental da criança. McClennen argumenta que uma criança mais velha
portadora da deficiência mental, não é como uma criança normalmente mais jovem,
porque ela tem vivências e experiências de vida que faz de si uma criança diferente
de uma criança normalmente mais nova, logo as expectativas que devemos ter dela
e as oportunidades que devemos lhe oferecer para viver, trabalhar e se divertir na
comunidade, requerem que se considere a sua idade cronológica.
De acordo com Voetz (in Saint-Laurent,1989), a escola e a comunidade são
essenciais às necessidades educacionais das crianças portadoras de deficiências
graves (moderada e severa). Voetz argumenta que os contextos naturais (escola,
família e comunidade) são necessários para o desenvolvimento das habilidades
funcionais gerais e para a aquisição dos comportamentos que assegurarão no futuro
a autonomia máxima dessas pessoas.
Considerando que os comportamentos sociais se produzem com base em re-
lações e em interações que o sujeito estabelece dentro de uma situação de vida con-
creta, se limitarmos as experiências concretas do sujeito, limitaremos sua possibili-
dade de elaborar comportamentos adequados ao seu grupo social. Em geral, as cri-

41
anças portadoras de deficiência intelectual apresentam dificuldades na aquisição des-
ses comportamentos. Agrupar estas crianças com o objetivo de lhes ensinar os com-
portamentos próprios a suas idades cronológicas é incoerente. Não podemos ensinar
comportamentos isolados do contexto onde eles se manifestam. Não é via o ensino
formal que iremos ensinar às crianças os comportamentos do seu grupo social. A cri-
ança precisa vivenciar situações reais e
7Em Québec emprega-se o termo: ”élèves en dificulté d’apprentissage”.
Interagir com sujeitos reais para que possa elaborar comportamentos adequa-
dos à situação vivenciada.
Analisando a importância de bons modelos para a aquisição de comportamen-
tos sociais, Langevin (1986) diz que, mesmo que o professor fosse capaz de desem-
penhar o papel de um “bom modelo”, ele não seria capaz de compartilhar dos interes-
ses, das ideias e das brincadeiras das crianças, pois são coisas que só podem ser
feitas dentro de uma situação de interações concretas e significativas.
Inúmeras pesquisas demonstram as vantagens do meio escolar regular para a
escolarização das crianças portadoras de deficiência intelectual moderada e severa
(Ziegler e Hambleton; McCarty e Stoden; Porman; Gomes; in Saint Laurent, 1989),
(Goldstein et alii, in Matson e Mulick, 1991). As pesquisas mostram principalmente as
vantagens do meio escolar regular na aquisição de comportamentos sociais. Outros
estudos fazem referência à melhoria nos resultados acadêmicos das crianças após a
integração (Almond,Rodgerse, run; Gottieb, Walker, in Saint-Laurent,1989).
Entretanto, integração escolar não significa colocar todas as crianças deficien-
tes dentro da classe regular sem nenhum critério. Existem alguns aspectos que devem
ser considerados, entre eles: as possibilidades e limitações das crianças a serem in-
tegradas, a preparação do professor e dos alunos da classe regular e o tipo de suporte
educacional que melhor corresponde às necessidades da criança. A classe regular
não se constitui também na única via possível de integração. Embora ela seja a mais
desejável, outros serviços e modalidades de integração também devem ser conside-
rados.
Serviços educacionais e modalidades de integração
O Ministério da Educação-MEC do governo brasileiro através da coordenação
de Educação Especial apresenta uma hierarquia de serviços a serem oferecidos às
pessoas portadoras de deficiência intelectual. Esses serviços partem do menos se-
gregativo (o mais integrado) para o mais segregativo (o menos integrado). Dentro

42
dessa hierarquia vamos encontrar: classe regular, classe especial, salas de recursos,
apoio do professor itinerante, escolas e instituições especializadas.
Segundo o MEC. Estes serviços devem ser oferecidos de acordo com as ne-
cessidades especiais do educando. Ou seja, a criança portadora de necessidades
educacionais especiais poderá ser escolarizada na classe regular de ensino e contar
com o apoio de serviços especializados. Esta modalidade de integração é indicada na
literatura especializada (Salend, 1991; Westling,1986) como a menos segregativa e a
que melhor atende às necessidades educacionais das crianças. A literatura sugere
que mesmo as crianças portadoras de necessidades educacionais especiais graves,
como aquelas portadoras de deficiência intelectual moderada, devem ser escolariza-
das no local mais tradicional de ensino destinado a todas as crianças, a saber, a es-
cola regular (Saint-Laurent,1989). Em casos excepcionais em que a criança não tem
condições de se beneficiar do ensino regular, ela pode ser escolarizada na classe
especial que funciona na escola regular. Entretanto, a literatura sugere que, na me-
dida do possível, a criança seja integrada no ensino regular, preferencialmente nas
aulas de educação física, educação artística e em outras atividades escolares.
No Brasil, a integração escolar das crianças que apresentam dificuldades de
aprendizagem graves não se constitui ainda numa prática rotineira em todo o país,
especialmente, em relação às crianças que apresentam deficiência intelectual. Entre
essas crianças, aquelas consideradas portadoras de deficiência intelectual leve, fre-
quentam a escola regular, mas muitas (a maioria delas) ainda permanecem na classe
especial. As crianças portadoras de deficiência intelectual moderada e severa são es-
colarizadas em instituições ou escolas especializadas. São poucas as que estão na
escola regular, especialmente na classe regular.
Os educadores que defendem a classe especial argumentam que ela assegura
melhor condições de aprendizagem porque oferece métodos de ensino especializa-
dos, atenção do professor quase que individualizada (dado o reduzido número de alu-
nos) e uma maior homogeneidade da turma, visto que as crianças são agrupadas de
acordo com a natureza de suas deficiências. Entretanto, o trabalho de Smicher et Bolm
(citado por Lambert,1978) oferece uma outra leitura dessa. Questão esses autores
mostram que, ao invés de desenvolverem conteúdos e métodos de ensino especiali-
zados, grande número da classe especial segue simplesmente o programa tradicional,
mas com exigências reduzidas ao nível de aquisição dos conteúdos escolares. Em
relação ao argumento da homogeneidade, Bruininks (in Lambert,1978) demonstra que

43
a heterogeneidade prevalece na classe especial e em muitos casos nas mesmas pro-
porções que na classe regular. Isto, devido às correlações imperfeitas entre o QI (base
da separação por nível) e os comportamentos exigidos pelas aprendizagens escola-
res, e, também, pela grande variação de idade cronológica que existe na classe es-
pecial.
Os educadores que defendem a integração escolar na classe regular, perce-
bem a heterogeneidade como uma possibilidade de enriquecimento do grupo. Meirieu
(in Geaudreau et Canavero,1990) afirma que a heterogeneidade dos alunos não é um
fato propriamente escolar; não se constitui também num obstáculo o qual deva ser
reduzido a qualquer preço, mas é uma oportunidade que deve ser aproveitada como
possibilidade de construir-se uma sociedade nova, que respeite as diferenças, e que
forneça a todos os instrumentos conceituais para construir-se a sociedade de amanhã.
Os educadores que defendem a integração escolar se fundamentam em pes-
quisas as quais demonstram que esta integração tem um efeito positivo não somente
nas atitudes dos estudantes portadores de deficiências, mas também nas daqueles
considerados normais (McCarthy & Stodden; Porman; Almond; Rodgers et Krug, in
Saint Laurent, 1979). Entretanto, a integração escolar não pressupõe a ausência de
necessidades educacionais especiais. Pelo contrário, a consciência dessas necessi-
dades implica luta pela garantia dos serviços educacionais especializados
Decidir que serviço educacional é o mais indicado para determinadas crianças
não significa apenas escolher uma modalidade de integração, mas sobretudo refletir
sobre o objetivo da educação.
Segundo Matson e Mulick (1991), devemos oferecer à criança portadora de
deficiência intelectual um ambiente educacional o menos restritivo possível; devemos
também proporcionar-lhes aprendizagens efetivas em nível cognitivo. Para este autor,
não é suficiente desenvolver nessas crianças habilidades afetivas e sociais, mas é
imprescindível lhes oferecer uma educação que permita a sua participação efetiva na
sociedade. Neste caso, qual a melhor maneira de educá-las? Matson e Mulich (1991)
dizem que para responder a esta questão precisamos saber quais são as competên-
cias que a sociedade requer para que uma pessoa seja capaz de atuar efetivamente
no contexto dessa sociedade. A partir da delimitação dessas competências podere-
mos definir os objetivos educacionais. A tarefa da educação é identificar uma peda-
gogia capaz de facilitar às crianças a aquisição dos comportamentos requeridos pela
sociedade.

44
Esta nova realidade impõe à escola um novo desafio. De um lado, a integração
e, do outro, uma educação capaz de responder às necessidades educacionais de to-
dos os seus educandos.
Implicações da Integração Escolar
Discutiremos, nesta última parte, um ponto que consideramos fundamental no
debate da integração escolar: a reorganização da escola em relação aos serviços es-
peciais oferecidos.
Como ja dissemos anteriormente, a integração escolar não pressupõe a ine-
xistência de serviços educacionais especiais. Ao contrário, o princípio da integração
pressupõe assegurar a todas as crianças serviços educacionais de qualidade que
atendam às suas necessidades educacionais específicas. Não é contraditório o fato
de existirem organizações administrativas destinadas a coordenar esses serviços. O
que consideramos contraditório é que os serviços educacionais, destinados a contri-
buir para o melhor desempenho escolar das crianças, sejam alocados fora da escola.
Isto cria uma estrutura educacional paralela. Não faz sentido a manutenção de servi-
ços e de profissionais especializados sem que estes estejam alocados na escola e
implicados com esta como um todo.
A permanência desses serviços e dos recursos humanos especializados em
outros espaços, cria um distanciamento entre aqueles que fazem a educação especial
(educadores e educandos) e a escola. Os alunos do ensino especial se tornam uma
“clientela “diferenciada dentro da própria escola. Os educadores do ensino, especial
por sua vez, também se limitam à “clientela” e ao espaço da educação especial É
como se eles fizessem parte de uma estrutura diferenciada de ensino.
Este aspecto, de fato, dificulta a integração escolar da criança, pois ela fre-
quenta a escola, mas não faz parte dela como um todo. Existem serviços e profissio-
nais “especiais” alheios à escola (embora muitas vezes funcionando e atuando dentro
dela) que devem se ocupar dessa criança.
Com essa estrutura, o profissional do ensino especial (especialista, professor,
psicólogo, assistente social e outros) não se sente envolvido com a escola como um
conjunto. Sua ação se limita à criança do ensino especial. Nesta concepção é como
se a criança não fizesse parte do contexto da escola na qual se pretende que ela
esteja inserida. A ideia de base da integração escolar não é eliminar os serviços edu-
cacionais especiais, pelo contrário, é garantir a sua permanência no interior da escola,
mas dando a eles um outro caráter. Partindo do suposto de que a criança portadora

45
de deficiência, ou não, faz parte da escola como um todo, o educador do ensino es-
pecial não pode restringir suas ações a um campo específico, como, por exemplo, à
classe especial e aos alunos do ensino especial. Ele deve estender suas ações a
todas as esferas da escola.
A integração da criança passa pela integração dos educadores. Esta integra-
ção não significa apenas a presença física do educador do ensino especial na escola
regular. Significa, acima de tudo, que ele esteja comprometido com a escola e com os
seus desafios. No caso da integração da criança no ensino regular, o educador com
formação em educação especial atua lado a lado com o professor da classe regular
no sentido de promover um ensino que corresponda não somente às necessidades
específicas do aluno portador de deficiência, mas que corresponda aos interesse e
necessidades de todos os alunos da classe. Isto requer a adaptação do ensino que,
entre outros aspectos, significa: alocar os recursos humanos na escola para trabalha-
rem conjuntamente no sentido de desenvolver métodos de ensino, programas e ma-
teriais adaptados à nova situação, bem como para atuarem em conflitos e desafios
que toda situação educacional apresenta. Desse modo, a presença de crianças por-
tadoras de deficiência não se constitui num problema para a escola, mas numa pos-
sibilidade de aprendizagem e enriquecimento para todos.
Os adversários da integração justificam:) a falta de formação dos professores
para trabalharem com as crianças portadoras de deficiência,) o nível de exigência do
ensino regular e) a dificuldade da integração para a própria criança e as outras. Con-
forme Geaudreau e Canavero (1990), essas pessoas raramente percebem o que pode
existir de construtivo para a criança considerada normal em interagir verdadeiramente
com a criança deficiente. Para os autores acima citados, este tipo de intolerância re-
vela a percepção do papel da escola como o de preparar a emergência do mais forte
e mais brilhante. Esta concepção decorre de um sistema de valores mais amplo cons-
tituído com base nas relações que se estabelecem no interior dos grupos sociais.
A escola, enquanto elemento básico no processo de autonomia e integração
social das pessoas portadoras de deficiências, não pode deixar de refletir e tentar
precisar as condições essenciais para a promoção desta integração. Afirmam Ge-
audreau e Canavero (1990) que o fato de uma pequena minoria de crianças, portado-
ras de deficiências múltiplas, não ter condições de ser integrada na escola, não deve
colocar em dúvida a integração de uma vasta maioria de crianças que apresentam

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uma deficiência ou outra. Negar a possibilidade de integração escolar dessas crian-
ças é negar a oportunidades de prepará-las para a integração na sociedade. Isto im-
plica instrumentalizá-las para interagir no interior da sociedade, o que significa acesso
à escola, ao trabalho e ao lazer. No entanto, enquanto a escola não aprender a traba-
lhar com as diversidades, não construir um novo conceito que substitua o seu caráter
seletivo, não se criarão as condições nem a vontade política para que a verdadeira
integração seja promovida.

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