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Edna Aparecida Coqueiro; Melissa Reinehr; Adegmar J. Silva (org.

CURITIBA/PR
EDITORA HUMAITA/SEED-PR
2018
Homem Afroparanaense. Grafite sobre papel de Luz Amorin e Candiero.
Edna Aparecida Coqueiro; Melissa Reinehr; Adegmar J. Silva (org.)

CADERNO PEDAGÓGICO
ORALIDADES AFROPARANAENSES

CURITIBA/PR
EDITORA HUMAITA/SEED-PR
2018
Capa
Homem Afroparanaense.
Grafite sobre papel, de Luz Amorim e Candiero.

Letras
Raphaela Corsi.

Projeto Gráfico e Diagramação


Melissa Reinehr

Revisão ortográfica
Michelle Renata Borsatto

Editora Humaita
CNPJ 23.058.439/0001/70
Contatos:
E-maisl: humaitacentrocultural@gmail.com
oralidadesafroparanaenses@gmail.com
41.99161-7961 / 41.98499-1845
https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/editora-humaita/

Secretaria de Estado da Educação do Paraná


Superintendência de Educação
Departamento da Diversidade
Coordenação das Relações Étnico-Raciais e Escolar Quilombola

Avenida Água Verde, 2140 Vila Isabel


Telefone (XX41) 3340-1711/1689
CEP 80240-900 Curitiba, Paraná, Brasil.

COQUEIRO, Edna; REINEHR; Melissa; SILVA, Adegmar J. (org.)


Caderno Pedagógico: oralidades afroparanaenses.
Curitiba: Editora Humaita/SEED/PR, 2018.

ISBN 978-85-69812-06-7

É permitida a reprodução total ou parcial desta obra desde que seja citada a fonte.
Coordenação das Relações Étnico-Raciais e Escolar Quilombola
Edna Aparecida Coqueiro

Equipe Técnico-Pedagógica da Coordenação


das Relações Étnico-Raciais e Escolar Quilombola
Clemilda Santiago
Edimara Soares
Galindo Pedro Ramos

Organização
Adegmar J Silva (Candiero)
Edna Aparecida Coqueiro
Melissa Reinehr

Colaboradores
Clarissa Grassi
Itaercio Rocha
Maria Angélica Marochi

Orientadoras
Celia Regina Tokarski
Edimara Soares
Tania Mara Pacífico

Autores/as
Ana Crhistina Vanali
Ana Lucia Mathias Fernandes Coelho
Claudinei Mendes Bispo
Clemilda Santiago Neto
Edicelia Maria dos Santos de Souza
Jane Marcia Madureira Arruda
Lucia Helena Xavier
Nabor Mauricio Oliveira Chagas
Natalia Apolonia Belino Bonfim da Silva
Paulo Henrique Mueller
Romilda Oliveira Santos
Silviane Cabral da Cunha
Vanessa Dybax
APRESENTAÇÃO
“Construir o Caderno Pedagógico Oralidades Afro-paranaenses tendo
professores/as do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE como
produtores do material, valoriza, incentiva e engrandece o potencial que
temos disponível na rede estadual de ensino”.

Edna Coqueiro, organizadora do Caderno Pedagógico e Coordenadora da


Educação das Relações Étnico-Raciais e Escolar Quilombola, SEED/PR.

Trazer para a sala de aula conteúdos relacionados às temáticas


afrobrasileiras na ótica paranaense ainda é um desafio. A produção de
conhecimentos sobre as contribuições negras na construção da nossa
sociedade apenas recentemente começaram a ser pesquisadas e publicadas.
Um dos objetivos deste projeto é apoiar a inserção da Lei 10.639/03 em sala de
aula, articulando saberes acadêmicos e tradicionais, bem como, os da Década
Internacional dos Povos Afrodescendentes 2015-2024, que visam promover
o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento dos povos de ascendência
africana dentro e fora da África.

Ubuntu: eu sou porque nós somos e juntos somos mais.

Para este fim, reuniram-se durante o ano de 2018 no 15º aniversário da


Lei 10.639/03, um grupo de 20 professores/as e pesquisadores/as da Secretaria
de Estado da Educação do Paraná e convidados, que se dedicaram ao estudo
de subsídios, debates, oficinas e à preparação das Unidades Temáticas aqui
reunidas. A produção traz textos de apoio e sugestões de atividades sobre as
contribuições negras, valorizando a presença afrodescendente em todos os
ciclos de riqueza e desenvolvimento do Paraná, nas mais diversas áreas do
conhecimento.
O Caderno Pedagógico Oralidades Afro-paranaenses é inspirado no
livro Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história
do Paraná, de Mel e Candiero (REINEHR; SILVA, 2016), que apresenta de
forma poética uma série de histórias e estórias de comunidades remanescentes
de quilombos e comunidades tradicionais negras paranaenses. Os temas
desenvolvidos nas Unidades deste caderno pedagógico foram selecionados a
partir da obra, que reúne inúmeros outros fatos e personagens afro-paranaenses
a serem aprofundados oportunamente. Os escritos foram produzidos a
partir das vivências dos autores junto ao Centro Cultural Humaita, que
atua para valorização e visibilidade da presença negra e da herança cultural
afro-brasileira no Paraná, desde 2006. Esta é a quinta obra da coleção
Oralidades Afroparanaenses, cujos títulos anteriores foram AfroLapeanos,
À congada com carinho, Poemas para o santo negro e AfroCuritibanos:
crônicas, manifestos e pensamentos azeviche.
Enquanto os leões não contarem sua história, prevalecerá a versão dos caçadores.

O livro Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na


História do Paraná trancreve poeticamente uma série de fragmentos pouco
conhecidos das centenárias cidades paranaenses e uma homenagem à África. As
comunidades negras e personalidades afro-paranaenses marcantes de Curitiba,
Paranaguá, Castro, Quatro Barras, Palmas, Turvo e Lapa são apresentados ao
leitor, do ponto de vista afrodescendente, a partir de seus valores e modos de
viver.
Sempre é possível voltar atrás e recuperar o que foi esquecido.

Os fatos e personagens afro-paranaenses se encontram nas entrelinhas
das literaturas “oficiais”, na pesquisa da literatura histórica paranaense e, mais
explicitamente, no diálogo com intelectuais e pesquisadores e, principalmente,
no encontro com os mestres e as mestras de notório saber dos mais diversos
campos culturais e artísticos do Paraná e do Brasil. Melissa Reinehr e Adegmar
J. Silva, o Candiero, compartilham nesta obra uma variedade de informações
que ajudam a desconstruir a falsa ideia - amplamente difundida - de que no
Paraná não existe comunidade negra.
As fontes de memória no Paraná contêm inúmeras ações oficiais de
apagamento das contribuições negras e, mais especificamente no Paraná, até
mesmo negando a presença da comunidade afrodescendente. A negação da
presença negra na História do Paraná foi uma das mais perversas manifestações
de racismo estrutural e institucional, profundamente arraigados em nossas
instituições seculares.
A coleção Oralidades Afroparanaenses busca construir pontes
entre o saber ancestral e o acadêmico, contribuindo para o acesso à estes
conhecimentos. O Paraná quase não aparece na historiografia afro-brasileira,
embora também seja um centro irradiador de negritude. Fatos e personalidades
negras importantes da nossa história permanecem na invisibilidade, bem
como suas contribuições nas artes, religiosidade, farmacopeia, tecnologias,
política, educação e outras. Ainda desconhecemos a relevância da história
dos territórios remanescentes de quilombos. Pouco se fala da contribuição
negra no Ciclo do Ouro. O Ciclo dos Tropeiros não é explorado em toda a sua
relevância para a compreensão da história afro-brasileira. O sesquicentenário
da maior revolta escrava do Brasil colônia, em Castro, ainda não recebeu a
devida atenção. O maior santuário do mundo dedicado ao santo negro São
Benedito está na Lapa. O escravo Zacarias, alforriado pelo famoso milagre
de Nossa Senhora Aparecida, a santa negra padroeira do Brasil, é originário
das terras de Curitiba. São surpreendentes e apaixonantes as nossas heroínas e
heróis desconhecidos, que hora trazemos para as salas de aula do Paraná por
meio deste Caderno Pedagógico Oralidades Afro-paranaenses.
CADERNO PEDAGÓGICO

O Caderno Pedagógico Oralidades Afro-paranaenses vem, desta


forma, contribuir para complementar e ampliar os materiais disponíveis
em nossas escolas. Em 2019, subsidia a formação continuada e o trabalho
pedagógico das Equipes Multidisciplinares da rede estadual de ensino da
educação básica.
A oralidade surge, neste contexto, como uma ferramenta de singular
importância para o resgate da nossa memória afroparanaense. Vale ressaltar
que "a tradição oral, até recentemente desconhecida, aparece hoje como uma
preciosa fonte para a reconstituição da história" e foi fundamental para a
construção da monumental obra História Geral da África, pela UNESCO,
"permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no espaço,
compreender, a partir de seu interior, a visão africana do mundo, e apreender
os traços originais dos valores que fundam as culturas e as instituições do
continente." (UNESCO, 2010, pg XXIV).
Assim como a História Geral da África, reconstituída a partir de 1960
pelo Comitê Científico Internacional da UNESCO, a história da presença negra
no Paraná ainda depende de ampla pesquisa e reconstituição pela comunidade
científica. Para este fim, uma das mais importantes fontes, antes vista com
preconceito, é justamente a oralidade. Associada aos subsídios teóricos,
garimpados em diversas obras de referência, ela provoca a nossa curiosidade e
nos orienta na busca de novas pistas para compreender a saga afro-paranaense
até então invisibilizada na historiografia oficial.

Nunca é tarde para voltar atrás e recuperar o que foi esquecido.



No primeiro capítulo intitulado Representações, símbolos e saberes
afro-paranaenses, as unidades tratam da importante contribuição do povo negro
nas construções, nas engenharias, na religiosidade das cidades, especialmente
na capital paranaense e na sustentabilidade quilombola no Estado do Paraná.
Deste modo, as taipas, a tecnologia milenar africana utilizadas nas
construções, e os/as grandes engenheiros/as como Enedina Alves Marques e
os irmãos Rebouças, importantes no desenvolvimento econômico a partir de
suas obras; as Gameleiras sagradas, na Praça Tiradentes de Curitiba, com forte
ligação à religiosidade africana; a história do navio Cormorant como um agente
de combate ao tráfico de pessoas no Porto de Paranaguá; as Comunidades
Remanescentes de Quilombos do Paraná, sua preservação cultural e a
sustentabilidade do seu território são as unidades temáticas presentes neste
capítulo inicial.
As narrativas das mulheres negras: memórias, lutas e resistência é o
nome do segundo capítulo deste caderno pedagógico onde se busca abordar
as memórias, as lutas, a resistência e a força dessas mulheres, que enfrentaram
e ainda enfrentam preconceitos e discriminações de raça e de gênero, porém
vencem em suas histórias, mesmo diante de tantas adversidades.
ORALIDADES AFROPARANAENSES

A partir desse viés, são discutidas a visibilidade da mulher negra,


onde o pano de fundo é a história de Dona Maria Francisco Mathias, seus
percalços e as narrativas sobre grandes mulheres afro-paranaenses presentes
em vários setores da sociedade local e regional; a voz das mulheres negras
que participaram e participam de movimentos sociais, na luta por igualdade
de gênero e enfrentamento ao racismo, ou seja, esse duplo embate ao qual
convivem no dia a dia; e a história de Enedina Alves Marques e sua trajetória
para conseguir conferir grau em engenharia civil, mesmo diante de vários
obstáculos, tanto de gênero quanto de raça, em sua época.
Por fim, o terceiro capítulo intitulado Presença negra no Paraná, fecha
com as reflexões e possibilidades desse Caderno Pedagógico provocando
reflexões sobre a presença negra no Paraná, que apesar de ter sido invisibilizada
e negada na sociedade paranaense, essa presença sempre existiu. A partir
disso, concebe-se a necessidade de recontarmos essa história no ambiente
e comunidade escolar, sem a europeização ou embranquecimento de nosso
estado, e sim com toda a contribuição dada pela população negra desde que
aqui chegou, sendo um dos alicerces do crescimento econômico, cultural e
social do Paraná.
As várias unidades temáticas deste capítulo nos trazem reflexões e
conhecimentos sobre os melaninados e melaninadas do Paraná, ou seja, a
presença do povo preto em nosso estado, onde a beleza e estética negra, os
bailes black e os clubes sociais negros estão presentes; os negros Pamphilo,
duas grandes personalidades do Paraná, especialmente da cidade de Curitiba,
importantes nas áreas do Direito e da Medicina e com grande papel social e
estrutural do estado; a discussão sobre recontar a história do Paraná, contendo
todos os seus personagens, entre eles a população negra aqui presente e a
importância disto para a identidades de negros e negras, principalmente
nossos estudantes das escolas públicas; a presença do negro na Serra do Mar,
no caso dos irmãos Rebouças, além do conhecimento ancestral na utilização
de plantas medicinais. Em ambos os casos retratando a participação negra no
desenvolvimento e prática científica no Brasil; e por fim os poemas ou poesias
azeviches, dando foco à literatura negra no Paraná e no Brasil, retratando
personagens e autores negros, suas histórias e narrativas.
As propostas de atividades reunidas neste Caderno Pedagógico estão
ancoradas numa perspectiva afrocêntrica, ou seja, em oralidades, corporeidades
e musicalidades. Afinal, estes são princípios coletivos e circulares inerentes à
forma tradicional de transmissão de saberes nas culturas de matriz africana,
que contribuem de forma singular em sala de aula, ao promover significativas
experiências e reflexões sobre as Relações Étnico-Raciais e a História e Cultura
Afro-brasileira e Africana.
Boa leitura!
CADERNO PEDAGÓGICO

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
Representações, símbolos e saberes
afro-paranaenses

UNIDADE 1 Da taipa à engenharia:


tecnologia africana na construção do Paraná...........................15
Autor: Nabor Mauricio Oliveira Chagas
Professora orientadora: Célia Regina Tokarski Soto

UNIDADE 2 Baobás e Gameleiras:
símbolos majestosos africanos e afrobrasileiros.........................28
Autora: Jane Marcia Madureira Arruda
Professora orientadora: Edimara Soares

UNIDADE 3 Paranaguá - Cormorant:


alguns segredos.........................................................................................48
Autora: Edicelia Maria dos Santos de Souza
Professora orientadora: Célia Regina Tokarski Soto

UNIDADE 4 Comunidades Remanscentes de Quilombos:


desenvolvimento, sustentabilidade e o fazer pedagógico.......64
Autora: Clemilda Santiago Neto
Professora orientadora: Tânia Mara Pacífico

UNIDADE 5 Quilombos no Paraná:


identidade viva da presença negra.................................................76
Autora: Vanessa Dybax
Professora orientadora: Edimara Soares

10
ORALIDADES AFROPARANAENSES

CAPÍTULO 2
As narrativas das mulheres negras:
memórias, lutas e resistência

UNIDADE 1 Narrativas de vida das Marias:


vividas, sofridas e não reconhecidas..............................................91
Autora: Ana Lucia Mathias Fernandes Coelho
Professora orientadora: Tania Mara Pacífico

UNIDADE 2 Vozes de mulheres


negras em movimento......................................................................104
Autora: Lucia Helena Xavier
Professora orientadora: Tania Mara Pacífico

UNIDADE 3 Visibilidade da mulher negra:


uma verdade inconveniente..........................................................116
Autor: Claudinei Mendes Bispo
Professora orientadora: Edimara Soares

11
CADERNO PEDAGÓGICO

CAPÍTULO 3
Presença negra no Paraná

UNIDADE 1 Melaninados e melaninadas no Paraná:


presença, beleza e resistência.......................................................140
Autora: Natalia Apolonia Belino Bonfim da Silva
Professora orientadora: Tânia Mara Pacífico

UNIDADE 2 Negros Pamphilo: personalidades negras


da sociedade curitibana do século XX......................................160
Autora: Ana Crhistina Vanali
Professora orientadora: Celia Regina Tokarski Soto

UNIDADE 3 Negros e negras no Paraná:


memória e resistência......................................................................182
Autora: Silviane Cabral da Cunha
Professora orientadora: Tânia Mara Pacífico

UNIDADE 4 Reconhecendo a presença negra


na Serra do mar...............................................................................200
Autor: Paulo Henrique Mueller
Professora orientadora: Edimara Gonçalves Soares

UNIDADE 5 Poema ou poesia azeviche? ................................214
Autora: Romilda Oliveira Santos
Professora orientadora: Célia R. Tokarski Soto

AUTORES/AS........................................................................................................236

ORIENTADORAS...................................................................................................241

ORGANIZAÇÃO......................................................................................................242

12
Temos todos, por
ação ou omissão,
estímulo ou
incompreensão,
a responsabilidade
dos fatos
da História.
T. Vilela
ORALIDADES AFRO-PARANAENSES

CAPÍTULO 1

REPRESENTAÇÕES
SÍMBOLOS E
SABERES AFRO-
CADERNO PEDAGÓGICO

PARANAENSES
UNIDADE 1
DA TAIPA À
ENGENHARIA:
TECNOLOGIA AFRICANA
NA CONSTRUÇÃO
DO PARANÁ

Nabor Mauricio Oliveira Chagas


CADERNO PEDAGÓGICO

DA TAIPA À ENGENHARIA:
TECNOLOGIA AFRICANA
NA CONSTRUÇÃO
DO PARANÁ
Nabor Mauricio Oliveira Chagas

Quando nos referimos às contribuições africanas para o desenvolvimento


da sociedade brasileira devemos destacar muitos aspectos presentes em nosso dia
a dia. Quando milhões de homens e mulheres chegaram ao Brasil, na condição de
escravizados, traziam consigo seus costumes, sua cultura e uma vasta sabedoria.
Sabedoria que estava enraizada em sua memória, passada através de gerações.
Com o surgimento das primeiras vilas, em torno de fazendas ou locais
de extração de minérios preciosos, como o ouro, surge a necessidade de
trabalhadores para realizar a construção de casas, estradas, pontes, ruas, igrejas
entre outras. Certamente essa mão de obra era especializada e, para realizar estas
tarefas, deveria ter o conhecimento para efetivar esses serviços.
Historicamente a mão de obra do escravizado é apresentada como
trabalho bruto e braçal. O escravizado é caracterizado como ser não pensante
e sem conhecimentos. No entanto, os povos africanos que aqui chegaram
traziam consigo conhecimentos importantes em diversos ofícios, que já eram
desenvolvidos em suas nações. Segundo Cunha Junior (2011, pg. 11):

Até o século 16 o desenvolvimento africano era superior ao europeu em


várias áreas do conhecimento. Alguns conhecimentos técnicos e tecnológicos
importantes foram desenvolvidos dentro do continente africano, outros
vieram de intercâmbio com a China, Índia e com os países árabes. Importantes
conquistas na matemática, como a geometria e a teoria de sistemas dinâmicos,
na astronomia e mesmo na medicina foram realizados na África.

Os Bantus, grupo africano que veio em maior número para o Brasil na


condição de escravizados, eram conhecidos por serem exímios metalurgistas,
pois dominavam a arte da fundição. Essa relação dos africanos com o ferro fez
com que o continente africano passasse direto da Idade da Pedra para a Idade do
Ferro sem passar pela Idade do Bronze, como aconteceu no continente europeu.
Nos engenhos no Brasil, encontramos até os dias atuais, as ferramentas
produzidas e a tecnologia na construção de engrenagens e moendas, que foram

16
ORALIDADES AFROPARANAENSES

extremamente importantes para os ciclos econômicos de nosso país. Essa mão


de obra foi amplamente utilizada na construção e no desenvolvimento do Estado
brasileiro.
No estado do Paraná, a presença negra e suas tradições foram ocultadas
em detrimento a uma forte presença colonial europeia. A história tenta ignorar
o papel fundamental que negros e negras, escravizados ou livres, exerceram no
desenvolvimento do estado.
Várias pessoas pertencentes aos mais diversos grupos étnicos trabalhavam
nas construções em seus países de origem. Eles ergueram monumentos
grandiosos, casas enormes e verdadeiras fortalezas nos diversos reinos espalhados
pelo continente africano. Trouxeram consigo as mais variadas técnicas de
manipulação de materiais como o barro, o junco, a madeira, a pedra, a lama e o
uso do óleo de baleia para as ligas da argamassa nos edifícios.

Figura 1 e 2 - Comunidade Quilombola João Surá –


Fonte: Vanessa Dybax

Para Cunha Junior (2011, pg. 28):

Adobe, taipa de pilão, taipa de mão são técnicas construtivas com terra crua
para casas e edifícios, encontradas em grande escala no período colonial,
mas em uso até hoje, e que foram introduzidas e difundidas no Brasil pelos
africanos.

Desta forma, fica evidenciada a participação dos grupos étnicos africanos
na construção desse país.

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CADERNO PEDAGÓGICO

CONSTRUÇÕES
NO PERÍODO COLONIAL
Durante o período colonial, uma das técnicas amplamente utilizada na
construção de habitações era a taipa. Dentre as construções em taipa destacam-se
a taipa de pilão, a taipa de mão, o adobe e a cantaria.
Nos prédios de maior importância social, tais como igrejas, prédios
administrativos e os casarões das classes mais abastadas financeiramente, eram
encontrados a técnica da cantaria (pedras talhadas) e adornos diversos.
Os critérios de escolha do barro não se conservaram plenamente, pois
dependia de tradição oral que ficou perdida no tempo. Sabe-se apenas que deve
ser uma mistura bem dosada de argila e areia e alguma fibra vegetal, crina de
animal ou mesmo estrume. Podia-se também misturar óleo de baleia.

ADOBE: o adobe é uma lajota feita de barro, compactados manualmente


em formas de madeira, postos a secar à sombra durante certo número
de dias e depois ao sol. O barro deve conter dosagem correta de argila
e areia, para não ficar nem muito quebradiça, nem demasiadamente
plástica. Para melhorar sua resistência, pode-se acrescentar fibras
vegetais ou estrume de boi. Embora encontremos importantes
construções feitas inteiramente de adobe, o material era usualmente
reservado à divisórias interiores.

Figuras 03 e 04 - Fonte: https://museudecacule.wordpress.com/2016/03/01/construcao-em-adobe/.

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

TAIPA DE PILÃO: a taipa de pilão foi o material mais empregado nas


construções coloniais no Brasil. É uma técnica de origem mourisca
praticada pelos portugueses e espanhóis e conhecida também pelos
negros africanos. Utilizada para alicerce e para paredes, feita com uma
massa misturando terra crua, esterco animal, fibras vegetais, óleos e
sangue de animais, estes são emparelhados em formas de madeiras de
onde vem o nome de taipa.
A técnica consiste em amassar com um pilão o barro colocado em
fôrmas de madeira, semelhantes às formas de concreto utilizadas hoje.
Os taipais têm somente os elementos laterais, e são estruturados por
tábuas e montantes de madeira, fixados por meio de cunhas embaixo
e um torniquete em cima. Após a secagem, o taipal é desmontado e
deslocado para a posição vizinha. E assim sucessivamente.

Figura 5 - Fonte: https://coisasdaarquitetura.


wordpress.com/2010/09/06/tecnicas-construtivas-
-do-periodo-colonial-i/.
Figura 6 - Taipa de pilão. Comunidade Quilombola
João Surá – Fonte: Vanessa Dybax.

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CADERNO PEDAGÓGICO

TAIPA DE MÃO (PAU A PIQUE): pau-a-pique, taipa de sebe, taipa de


mão, barro armado ou taipa de sopapo, são diversos nomes para um dos
sistemas mais utilizados tanto nos tempos da colônia como ainda hoje em
construções rurais, devido a suas qualidades e baixíssimo custo (todos
os materiais são naturais), resistência e durabilidade. Na sua versão
mais depurada, consiste em uma estrutura mestra de peças de madeira,
composta de esteios, baldrames e frechais. Esta trama era amarrada com
cordões de seda, linho, cânhamo ou buriti. Feita a trama, o barro era
jogado e apertado com as mãos, daí o nome de sopapo.

Figuras 07 e 08 - Taipa de mão. Fonte: Célia Regina Tokarski Soto.

CANTARIA: é o serviço utilizando a pedra lavrada de maneira


precisa, de modo que as peças se ajustam perfeitamente umas
sobre as outras sem o auxílio de argamassa aglutinante. Para
o assentamento rigoroso utilizam-se grampos metálicos e, às
vezes, óleo de baleia como adesivo, para auxiliar na vedação. É
um serviço sofisticado, que exige profissional bastante habilitado
chamado de canteiro.

Figura 09 - Cantaria. Por Halley Pacheco de Oliveira.


Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo em São
Miguel das Missões, RS.
https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=28485371.

20
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
→ Trabalhar com cálculo de volume utilizando as dimensões das fôrmas
utilizadas para a confecção do adobe e da taipa de pilão.
→ Trabalhar com a proporção envolvida na mistura de barro e fibra vegetal
na fabricação dos tijolos de adobe e nas paredes de taipa.

Construções Coloniais
no estado do Paraná
Existem muitas construções no estado do Paraná que foram feitas no
período colonial e que, certamente, utilizaram a tecnologia e a mão de obra negra
especializada.
Em um registro feito por Debret, pintor que integrou a Missão Artística
Francesa, observa-se uma imagem da cidade de Curitiba no ano de 1827. Na
pintura pode-se notar a presença de um negro cortando pedras, um mestre
canteiro, trabalhando nas Ruínas de São Francisco.

Figura10 - Curitiba 1827. Fonte: http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/pintores-da-paisagem-paranaense/.

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CADERNO PEDAGÓGICO
A antiga Igreja do Rosário dos
Pretos de São Benedito foi
construída em 1737 pelos negros
e para os negros e reformada
nas primeiras décadas do século
XIX, em estilo colonial simples.
Foi a segunda igreja de Curitiba.
Serviu de matriz de 1875 a 1893,
durante a construção da Catedral,
na Praça Tiradentes.
Figura 11 - Antiga Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito. Fonte: http://www.curitiba-parana.net.
Figura 12 - Atual Igreja do Rosário - Santuário das Almas.
Fonte: http://curitibaparanaocuritibanos.blogspot.com/2011/07/igreja-do-rosario.html.

A igreja Matriz da capital


paranaense foi construída em
1720, demolida em 1875 e
reconstruída entre 1876 e 1893.
Na reconstrução teve como
mestre artífice Vicente Moreira
de Freitas, negro escravizado que
consegue sua alforria e torna-se
personalidade importante na
sociedade da época.
Imagem 13 - Antiga Igreja Matriz de Curitiba. Fonte: http://www.curitiba-parana.net/patrimonio/igreja-matriz.htm.
Imagem 14 - Atual Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
Fonte: https://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=19999#&panel1-1.

Construída por volta do ano 1868 na Lapa, a Casa


Vermelha, com suas paredes de pau a pique, conserva
boa parte da originalidade arquitetônica dos tempos
em que serviu de parada para os tropeiros que seguiam
de Viamão (RS) para Sorocaba(SP).

Figura15 - Casa Vermelha, Lapa/PR.
Fonte: http://clementegermanomuller.blogspot.com.

Casa onde morou Brasílio Itiberê e Monsenhor Celso em Paranaguá. A construção


do século XVIII em alvenaria de pedra, possui, no térreo, na parte frontal, quatro portas
de almofadas, requadros em cantaria encimados por vergas arqueadas. No segundo piso
repetem-se as portas, que se abrem sobre o balcão
com guarda-corpo em ferro. Lateralmente, janelas
em guilhotina, divididas em quadrículos, telhado em
quatro águas, cunhais com base em cantaria, o restante
em massa, beiral em cimalha.

Figura16 - Casario em Paranaguá. Fonte: http://www.balancodacanoa.com.


br.
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ORALIDADES AFROPARANAENSES

Casa que abrigou o museu do tropeiro em


Castro, é uma casa no estilo colonial do século
XVIII e foi construída sobre base de pedras e
com paredes de taipa, pertenceu a Carneiro
Lobo.
Figura17 - Museu do Tropeiro, Castro/PR.
Fonte: https://www.facebook.com/Museu-do-Tropeiro-Castro-PR.

Construída no século XVIII, a Casa Romário


Martins em Curitiba, serviu como moradia,
açougue e armazém de secos e molhados.
Edificação de apenas um andar, com telhado em
quatro águas construída em alvenaria de pedra e
é considerado a primeira casa de Curitiba.

Figura18 - Casa Romário Martins, Curitiba/PR. Fonte: http://www.fotografandocuritiba.com.br.

Casa construída na primeira metade do século


XIX, residência de Antônio de Sá Camargo,
Visconde de Guarapuava, nascido em 1807 na
cidade de Palmeira e falecido nessa casa no ano
de 1896. Trata-se de uma edificação com paredes
de alvenaria de pedra e cobertura em telhas canal
com “beira seveira” na fachada principal. Os vãos
de portas e janelas possuem algumas vergas retas, e outras de arco abatido. Atrás da casa
existem as ruínas de parede de alvenaria de pedra de antigo anexo.
Figura19 - Casa do Visconde de Guarapuava/PR.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Museu_Visconde_de_Guarapuava.JPG.

A fazenda Capão Alto é um marco histórico importante do processo de ocupação


dos Campos Gerais do Paraná. Adquirida pelo barão de Monte Carmelo para os
carmelitas, data do século XVIII. As 12 edificações que compõem a propriedade indicam
épocas distintas. Algumas são de taipa de pilão com divisões internas de pau a pique ou
estuque e delimitam os pátios fronteiro e posterior.
Após a partida dos carmelitas para São Paulo e Rio de Janeiro, a fazenda ficou
aos cuidados dos escravizados que nela residiam e trabalhavam e que organizaram uma
república sob a invocação de Nossa Senhora do
Carmo. A fazenda se manteve próspera durante
cerca de cem anos, com os homens e mulheres
trabalhando a terra e criando gado, vendendo
em Castro apenas o necessário para viver e
reservando o resto da produção para a Virgem e
mantendo elevada reputação de honestidade em
toda a região.
Figura20 - Fazenda Capão Alto, Castro/PR.
Fonte:
23 http://fazendacapaoalto.com.br/.
CADERNO PEDAGÓGICO

Existem inúmeras outras construções do período colonial em nosso


estado. Construções, estas, que trazem em sua história o suor e a tecnologia
de homens e mulheres que aqui chegaram e foram fundamentais no
desenvolvimento do estado. Mão de obra africana e afro-brasileira que deve ser
visibilizada e reconhecida na história do Paraná.

De Mestres Construtores
a Engenheiros e Engenheiras

Vicente Moreira de Freitas


Vicente Moreira Freitas, artífice em obras,
juntamente com outros mestres de obras negros,
fez parte da construção da Catedral Basílica
Menor de Curitiba, então Igreja Matriz, cuja
construção teve início em 1876. Na época, era
escravizado do imigrante português José Moreira
de Freitas. Sobraram poucos documentos que
mostram a trajetória de Vicente na história da
capital paranaense, alguns recortes de jornais e
o testemunho de seus descendentes. Trazido da
África juntamente com seu irmão, separados no
Rio de Janeiro, conseguiu comprar sua alforria no decorrer de sua trajetória de
construtor.
Pertenceu à Irmandade dos Pretos de São Benedito, que junto com a
de Nossa Senhora do Rosário formavam as ordens terceiras dos negros em
Curitiba, sediadas na Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito. Foi um dos
fundadores do Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, sediada na capital. A
entidade surgiu com o objetivo de prestar ajuda à comunidade negra. Esse apoio
consistia em fornecer auxílio médico, hospitalar, financeiro, educacional, social
e funeral para os negros libertos. Casou-se com Olympia Maria de Assumpção,
que era rainha das congadas da irmandade, com quem teve cinco filhos.

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

Figura 21 - Vicente Moreira de Freitas. Fonte Clarissa Grassi. Acervo Humaita.

Enedina Alves Marques


Enedina Alves Marques nasceu no dia 13
de janeiro de 1913, em Curitiba no Paraná. Filha
de Paulo Marques e Virgília Alves Marques,
formou-se engenheira no ano de 1945, sendo a
primeira mulher negra no Brasil a se formar
em Engenharia e primeira mulher a ter essa
graduação no estado do Paraná.
Em 1946, Enedina tornou-se auxiliar de
engenharia na Secretaria de Estado de Viação e
Obras Públicas do Paraná. No ano seguinte,
foi deslocada para trabalhar no Departamento
Estadual de Águas e Energia Elétrica.
Nesse período, realizou o seu principal feito como engenheira, a
construção da Usina Capivari-Cachoeira (Usina Hidrelétrica Governador
Pedro Viriato Parigot de Souza).
Enedina também trabalhou no Plano Hidrelétrico do estado, além de
atuar no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.
No período da obra da Usina, ficou conhecida por usar macacão e trazer
uma arma na cintura, que usava, atirando para o alto quando era necessário
se fazer respeitada. Sempre se impunha, era enérgica e rigorosa, pois além
de ser mulher, era negra e seu ambiente de trabalho era majoritariamente
ocupado por homens.
Faleceu em 1981 aos 68 anos.
Figura 24 - Usina Hidrelétrica Governador Pedro Viriato Parigot de Souza. Fonte: Copel.

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CADERNO PEDAGÓGICO

Antônio Pereira Rebouças


Filho e André Pinto
Rebouças
Figura 25 - Antonio e André Rebouças. Fonte: https://
vidabrasiltexas.com.br/.


Antônio Pereira Rebouças Filho nasceu na Cidade do Salvador aos
13 de junho de 1839 e André Pinto Rebouças nasceu em 13 de janeiro de
1838. Ambos e mais seis irmãos, eram “filhos legítimos” do deputado negro
e autodidata Antônio Pereira Rebouças, filho de uma escrava alforriada e
de um alfaiate português.
Os irmãos são considerados os primeiros afrodescendentes
brasileiros a cursar uma universidade e os dois maiores engenheiros do
Brasil no século XIX. Após concluírem seus estudos na Europa, chegam ao
Paraná, recém emancipado de São Paulo, para transformar uma província
ainda em construção. Especializados na construção de estradas, deixaram
como legado a Estrada da Graciosa e a Ferrovia Paranaguá-Curitiba,
considerada a maior obra da engenharia férrea nacional.
Em 1871, fizeram a primeira canalização de água potável na capital.
Foram responsáveis por diversas
obras no Brasil. E homenageados com
nomes de ruas, avenidas e dão nome
a um bairro de Curitiba. No entanto,
poucos conhecem suas trajetórias e sua
negritude.

Figura 26 - Tunel 13 Ipiranga. Artur Wischral.


Fonte: http://paulodafigaro.blogspot.com.

Figura 27 - Ponte sobre o Rio Ipiranga. Artur
Wischral. Fonte: http://paulodafigaro.blogspot.
com.

26
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Roberto. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. Editora
Grafset, 2006.

CUNHA JUNIOR, Henrique. Tecnologia africana na formação brasileira. Rio de


janeiro: CEAP, 2010.

GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia. Livraria Duas Cidades, 1983.

PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando iras rumo ao progresso: (ordenamento


jurídico e econômico da Sociedade Paranaense, 1829 – 1889). Curitiba: Ed. da UFPR,
1996.

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar. J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da


presença negra na história do Paraná. Curitiba: Editora Humaita, 2016.

SITES
ARQUIDIOCESE de Curitiba. Disponível em: http://arquidiocesedecuritiba.org.br.
Acesso em: 05 set. 2018.

COISAS da Arquitetura. Disponível em: https://coisasdaarquitetura.wordpress.com.


Acesso em: 05 set. 2018.

EM BUSCA de nossas origens. Disponível em: http://embuscadenossasorigens.blogspot.


com. Acesso em: 05 set. 2018.

GUIA Geográfico de Curitiba. Disponível em: http://www.curitiba-parana.net . Acesso


em: 12 set. 2018.

JORNAL Vida Brasil Texas. Disponível em: https://vidabrasiltexas.com.br/.


Acesso em: 12 set. 2018.

LINHA PRETA Curitiba. Disponível em: https://linhapretacuritiba.wixsite.com/


linha-preta. Acesso em: 12 set. 2018.

MUSEU de Caculé. Disponível em https://museudecacule.wordpress.com/2016/03/01/


construcao-em-adobe/. Acesso em: 05 out. 2018.

PATRIMÔNIO Cultural do Paraná. Disponível em: www.patrimoniocultural.pr.gov.br.


Acesso em: 05 out. 2018.

PORTAL Buala. Disponível em: www.buala.org. Acesso em: 05 out. 2018.

27
ORALIDADES AFROPARANAENSES
CAPÍTULO 1
REPRESENTAÇÕES SÍMBOLOS
E SABERES AFROPARANAENSES

UNIDADE 2
BAOBÁS E GAMELEIRAS:
SÍMBOLOS MAJESTOSOS
AFRICANOS
CADERNO PEDAGÓGICO

E AFRO-BRASILEIROS
Jane Marcia Madureira Arruda
MULHERES
DE AXÉ
(...)
No período sombrio da evolução humana,
as sacerdotisas,
mães sagradas, guardiãs do axé,
souberam se posicionar
frente às imposições dos dominadores.
Extremas perseguições,
legislativas, corporativas, militares...
Pessoais.
Nossos terreiros
foram a primeira forma
de resistência social
da comunidade negra
contra o holocausto da escravidão,
contra o racismo
(...)

MEL E CANDIERO In.: E-Book Mulheres de Axé.


Editora Humaita, 2017. Disponível em:
https://issuu.com/humaita5/docs/mulheres_de_ax__.compressed
Acesso em: 08 nov. 2018.
CADERNO PEDAGÓGICO

BAOBÁS E GAMELEIRAS:
SÍMBOLOS MAJESTOSOS
AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS
Jane Márcia Madureira Arruda

Curitiba é mundialmente reconhecida pela sua qualidade de vida, pelo


cuidado com o meio ambiente e, não raro, é descrita como uma cidade cujo
“jeito europeu” lhe confere aspectos de primeiro mundo; e já foi denominada
como capital ecológica e capital das etnias. Mas, as referências europeias,
embora valorizem a arquitetura histórica, cuidadosamente preservada, e o
comportamento discreto que define o curitibano, acabam invisibilizando a
presença de pessoas importantíssimas na construção e no desenvolvimento da
cidade. Pouco se fala da colaboração da população negra no desenvolvimento
da agricultura e do comércio do lugar; uma vez que as referências se limitam
ao período de escravidão, que ocorreu em praticamente todo o continente
americano, com destaque para os Estados Unidos e o Brasil, cujas dimensões
territoriais permitem dimensionar a força de trabalho de homens e mulheres
africanos na construção das bases dessas potências mundiais.
Passeando pela cidade de Curitiba, quase não se observam registros
históricos sobre a contribuição dos afrodescendentes no surgimento e crescimento
da cidade; e embora os registros mostrem, de forma implícita, que esses homens
e mulheres deixaram suas digitais na história brasileira, paranaense e curitibana,
a invisibilidade dos(as) negros(as) no cenário da capital permanece, e a parcela
negra da população curitibana acaba preterida, como se estivesse desconectada
da história oficial. A questão precisa ser trazida para as conversas do dia a dia,
com a conotação de dívida histórica, sem abordagem degradante; mas, sob
o enfoque do reconhecimento, da igualdade de oportunidade sociorracial. A
presença negra no tempo e no espaço curitibano precisa ser tratada nas conversas
nos parques, nos bancos das praças, em cada recanto da cidade cuja beleza
faz emergir o orgulho de pertencimento à capital paranaense. Desta forma, é
preciso evidenciar, no contexto histórico-geográfico da cidade, outra história,
que contemple povos e culturas invisibilizados, quando não estereotipados,
destacando aqui a população negra, cuja presença foi/é desconsiderada pelas
autoridades administrativas em seus discursos políticos, pela própria academia
em outros tantos espaços sociais.
Assim, trata-se de desconstruir o imaginário sobre a população negra,
narrada e mostrada somente pela ótica da inferioridade e subalternidade. Para
tanto, é imperioso reconhecer e visibilizar a participação e contribuição negra
nos diversos espaços públicos, bem como os elementos naturais que remetem
30
ORALIDADES AFROPARANAENSES

as manifestações culturais negras. A construção de um imaginário fincado na


formação de um Estado colonizado por europeus, portanto, tido como branco,
tornou-se legítimo, concomitante à negação e invisibilidade dos elementos
simbólicos e materiais que atestam a presença negra em Curitiba. Nesse
sentido, é possível destacar a presença negra nos alicerces de Curitiba, nas ruas,
igrejas, prédios, ferrovias, entre outros, além dos elementos naturais ligados
as tradições religiosas. Como na perspectiva das religiões de matriz africana,
cujas cosmologias foram reelaboradas na diáspora (XVI-XIX), mas mantiveram
sua essência, na qual todas as dimensões da vida estão interligadas, portanto,
para além dos terreiros e batuques, “sem disjunções culturas/natureza, corpo/
comunidade” (ANTONACCI, 2013, p. 1).
Tudo isso está muito próximo do(a) curitibano(a) de todas as raças/
etnias. Basta reconhecer esses pontos de referência e aprofundar conhecimentos
sobre cada tema. Na Praça Tiradentes, por exemplo, podem ser encontrados
cinco pés de gameleiras, árvore respeitabilíssima na cultura africana, que
poucos conhecem e sabem da sua importância, por carregar uma simbologia de
resistência, perseverança e resiliência, que ensina ao homem a necessidade de
se recuperar de situações de crise e sair dela com dignidade, sempre de forma
positiva e flexível. É preciso, pois, resgatar o aspecto sagrado dessa árvore, ao
redor da qual eram realizadas cerimônias de reverência à vida e à natureza.
Assim, a presente Unidade Temática pretende discutir aspectos
relacionados aos baobás e as gameleiras, símbolos majestosos africanos e
afro-brasileiros; e traz em seu escopo uma proposta de descoberta dos traços
africanos presentes em Curitiba. Este material também tem a intenção de
focalizar as relações etnicorraciais de modo a colaborar para uma compreensão
crítica dos condicionantes que determinam a situação observada atualmente
no país, especificamente no Paraná, em relação aos afrodescendentes e
africanos. Propõe-se, dessa forma, o necessário enfrentamento ao pensamento
eurocêntrico, prática que precisa ser exercitada cotidianamente no interior das
escolas. Entende-se, pois, que o presente trabalho pode contribuir para reverter
essa dívida histórica, traduzida pelas situações de exclusão e de invisibilidade
as quais foram remetidas, desde a colonização portuguesa, à população negra.
A ação desenvolvida através desta unidade temática, por sua vez, caracteriza-se
como uma estratégia diferenciada de intervenção, podendo ser classificada como
uma ação de tipo valorizativa.
Na intenção de reunir subsídios a profissionais da educação para o
ensino de conteúdos que valorizem a presença do negro(a) na sociedade,
visando à promoção de uma educação menos etnocêntrica e mais inclusiva,
contextualizou-se os baobás da África e as gameleiras com a religião de matriz
africana; referenciais e debate sobre a importância da transformação social
pela valorização da cultura africana; assim como promover situações de ensino
e aprendizagens relacionadas à igualdade de oportunidades sociorracial e o
fortalecimento da justiça social.
31
CADERNO PEDAGÓGICO

Os estudos de Ficagna (2015) sobre a intolerância às religiões afro-brasileiras


e sua consequente marginalização, destacam a “[...] condenação social que sofre o
indivíduo que não se enquadra no padrão genericamente aceito”; e explicam que
as religiões de matriz afro-brasileira, como a Umbanda e o Candomblé, sempre
encontraram dificuldades para se afirmar como proposta religiosa legítima,
notadamente devido o manifestado preconceito ao conjunto de crenças e aos
símbolos por elas utilizados. No entanto, como bem observa a autora, não há
como falar de uma cultura brasileira una e homogênea no Brasil, tendo em vista
a realidade multirracial e o pluralismo cultural que caracterizam esta nação e
pode ser observada nos diversos cenários culturais existentes no país, nos quais
a religião é praticada e manifestada de diferentes formas (FICAGNA, 2015); um
direito que é assegurado pela Constituição Federal de 1988, em seu Art. 215.

Título VIII - Da Ordem Social. Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do


Desporto. Seção II - Da Cultura
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.

Discorrendo sobre o pleno exercício dos direitos culturais, Baez e Wolf


(2013, p. 96) explicam que “[...] a dimensão cultural da dignidade humana
considera as particularidades culturais de cada indivíduo ou do grupo social
a que pertença, levando em consideração o momento histórico vivido e
respeitando os aspectos individuais que os diferenciam uns dos outros”. Por isso,
não há como negar as diferentes expressões culturais de um país e tampouco
desassociar a religião desses contextos, tendo em vista que essa “[...] faz parte
dos componentes daquilo que se entende por cultura” (FICAGNA, 2015). Mas,
a história mostra que desde os primórdios da colonização brasileira, a cultura
negra sofreu repressões que impediram sua legitimação no mesmo nível em que
foi permitido à cultura eurocêntrica (ibidem).
A primazia europeia surge com o início da colonização do Brasil, quando
“[...] a elite branca que quis fazer do Brasil, à força, um país eurocêntrico, à base
de uma negação, primeiro, das populações indígenas e depois das populações
africanas escravizadas” (CARVALHO, 2004, p. 3); momento em que os grupos
subjugados - notadamente nativos indígenas e escravos africanos [escravizados]
– foram impedidos de realizar suas práticas artísticas e religiosas (SILVA VIEIRA,
2016). Essa versão, que difere da ideia de fusão harmônica de três raças é pouco
debatida em sala de aula, prevalecendo a teoria etnocêntrica. Para Carvalho
(2004) e Silva (2003), o enfoque dessa teoria busca evidenciar o primitivismo
das artes sagradas afro-brasileiras, conferindo-lhes um caráter de transgressão

32
ORALIDADES AFROPARANAENSES

à ordem socialmente hegemônica, condição marginalizante às religiões de


matrizes indígenas e africanas.
Essas religiões, em especial as de matrizes africanas, são alvos constantes
de preconceito. A rigor, tais religiões fazem parte de uma diversidade de crenças
com caráter local ou com caráter de religião universal, e podem ser encontradas
em todo o Brasil, assim como em outros países da América do Sul, embora
considerados grupos minoritários no universo das religiões do Brasil (PRANDI,
2007). Mesmo a despeito dessa condição, o Candomblé e a Umbanda – as duas
religiões de origem afro de maior importância no Brasil – têm grande visibilidade,
tanto que muitas das práticas culturais brasileiras, como o jogo de búzios e os
despachos, são originários dessas religiões, e figuram como símbolos da cultura
do país, tanto quanto o samba, o carnaval e a feijoada (PRANDI, 2007).
Os estudos de Silva Vieira (2016) sobre religiões brasileiras de matrizes
africanas à luz da Lei 10.639/2003 destacam que a essência teológica e filosófica
é oriunda das religiões tradicionais africanas, e evidenciam a grandiosidade
cultural nelas existentes, por abranger numa mesma perspectiva, aspectos
sacros e ecológicos, traduzindo a estreita relação entre o homem, a natureza e as
divindades.

De forma bastante significativa, as religiões brasileiras de matrizes africanas


garantem experiência religiosa, rica de significados e símbolos, história
fundamentada em processos iniciáticos que caracterizam os processos
formativos da religião que são de fato a transmissão dos saberes de cada
comunidade. As sagradas matrizes africanas são incompreendidas na sua
forma litúrgica, que inclui a dança, comidas e suas vestes sagradas. O sagrado
nas religiões brasileiras de matrizes africanas também manifesta em espaços
ecológicos que dão a dimensão da força da natureza presente no rito, sendo
aquela representada pelos orixás: Iemanjá, Ogum, Exú, Oxum, Oxossi, Ossaim,
Iansã, Xangô, Oxalá Oxumaré, Omulu, como também pela manifestação dos
Voduns e Inquices (SILVA VIEIRA, 2016, p. 21).

As manifestações dos Orixás, Voduns e Inquices podem ser compreendidas


como uma forma de mediação entre os deuses (Oloruns) e os humanos,
materializada pela comunicação com ancestrais divinizados - que acontece
durante transes místicos, e pelas forças da natureza - chuva, vento, tempestades,
ondas do mar, dentre outros fenômenos naturais (SANTOS, 2015). Raggio, Bley,
Trauczynsk (2018) destacam a importância da natureza para o Camdomblé,
ressaltando o significado das árvores no processo de conexão do homem com as
divindades e nos ritos religiosos.

As práticas do candomblé são espacializadas de diferentes maneiras: da casa ao


terreiro e deste ao mato, à mata, as relações com elementos da natureza partem
de uma cosmologia baseada na comunicação com essas forças. O alimento para
o asè está nesses lugares, considerados sagrados. Práticas proibidas durante
muito tempo no Brasil, rituais são feitos, para além dos terreiros, nesses locais,

33
CADERNO PEDAGÓGICO

geralmente públicos, gerando uma série de conflitos, especialmente entre


aqueles pouco informados sobre a relação intrínseca entre o candomblé e o
que denominamos como natureza (RAGGIO et al., 2018, p. 270).

No Candomblé, existem lugares, espaços especiais, que tradicionalmente
eram pontos de reunião dessas comunidades religiosas. Atualmente, os encontros
são feitos em casas, centros e terreiros, mas, o significado desses locais não se
perdeu com o passar dos séculos. A reverência se mantém, pois, nesses espaços
reconhece-se a presença de um Irôko “[...] nome dado pela nação ketu ao orixá
que representa a dimensão do tempo e é senhor de todas as árvores sagradas”
(RAGGIO et al., 2018, p. 270). Os estudos de Raggio et al. (2018) destacam cinco
Gameleiras Brancas, importantes Irôkos de Curitiba (Figura 1), no centro da
cidade, na Praça Tiradentes.

A árvore simbolizada, (...) marca espaços públicos dos Candomblés mais


antigos e tradicionais. Alguns espaços privados são também sinalizados com
o mastro, poste, tronco rememorizador da árvore geral e fundadora da vida. É
o elo entre o céu e a terra (...) por onde vêm os orixás, voduns e inquices aos
terreiros. (LODY, 1995. p. 194)

Nesse contexto, há que se fazer uma relação entre as cinco Gameleiras


Brancas que integram a Praça Tiradentes de Curitiba e os Baobás africanos, árvores
portentosas que podem atingir mais de 30 metros de altura, e são reconhecidas
como marcador sócio-espacial e
FIGURA 1 – Irôko: Praça Tiradentes, Curitiba. Fonte: Jane Marcia Madureira Arruda.

espaço religioso.

[...] irrompe no centro da povoação,


revelando o papel que lhe é conferido
pela sociedade. [...] sob a copa do Baobá
se reúne o conselho dos anciãos, atuam os
contadores de história [...] Dignificados
enquanto marco identitário, os Baobás
confirmam um mandato repassado
por gerações que habitam o reino dos
antepassados, ciosamente resguardado em
nome da tradição. Assim, bem mais do
que uma árvore, o Baobá é, por excelência,
o guardião de sentidos e significados
endossados pelos povos da África, pelas
suas sociedades e culturas, seus modos de
ser, suas aspirações, expectativas de vida e
religiosidade. Nesta via de entendimento,
a robustez da árvore e a capacidade
em sobreviver por séculos, refletem a
perpétua disposição dos povos africanos
em continuar a manter sua presença no

34
ORALIDADES AFROPARANAENSES

tempo e no espaço. Ademais, explicitando-se enquanto referência espiritual


da vida comunitária, o Baobá assegura que independentemente do que vier a
acontecer, ele é repositório da experiência ancestral, cujos ensinamentos, são
permanentemente reapresentados às novas gerações (WALDMAN, 2012, p.
225).

A singularidade da árvore e o misticismo que cerca o Baobá são explicados


por Veinsencher (2016), cujos estudos reafirmam as funções social e religiosa
reverenciadas pelas comunidades africanas, conceitos e crenças que transmitidos
de geração para geração fizeram dessa planta o símbolo da África.

Esse colosso vegetal pode atingir trinta metros de altura. Os curandeiros ou


feiticeiros da savana africana escavam alguns dos baobás com maior tronco
e conseguem armazenar neles até 120.000 litros de água. Por tal razão, é
denominada "árvore garrafa". No Senegal, o baobá é sagrado, sendo utilizado
como fonte de inspiração para lendas, ritos e poesias. Segundo uma antiga
lenda africana, se um morto for sepultado dentro de um baobá, sua alma irá
viver enquanto a planta existir. E o baobá tem uma vida muito longa: vive entre
um e seis mil anos (VAISENCHER, 2016).

A Figura 2 apresenta
um grupo de Baobás,
comuns nas estepes
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco (2016)

africanas e no semiárido
de Madagascar.
Waldman (2012)
FIGURA 2 – Baobá Africano.

reafirma o simbolismo
do Babobá na cultura
afro, relacionando a
forma única dessa árvore
e sua força, à capacidade
de resistência dos filhos
da mãe-África.

Para o mundo africano e afro-descendente o Baobá é o próprio símbolo de


uma identidade imorredoura, que resistiu a todas as intempéries da História.
Nesta senda, tanto quanto a memória ancestral, o Baobá permanece em seu
posto: imbatível, altivo e atuante. E mais: numa clara demonstração de que
as prefigurações imaginárias do espaço são permanentemente reatualizadas
a partir de contextos específicos – que modelam ou reconstroem sua
figuratividade – os Baobás ressurgem das profundezas da memória investidos
de novos papéis. Eles agora reaparecem para condenar a utilização predatória
dos recursos naturais, defender a inviolabilidade dos territórios das populações
tradicionais, resgatar o acervo cultural de grupos oprimidos e apoiar a libertação
dos povos não-representados (WALDMAN, 2012, p. 231).

35
CADERNO PEDAGÓGICO


Da mesma forma, Vaisencher (2016) registra a importância do Baobá
como símbolo da africanidade.
[...] incorpora [...] múltiplas prefigurações, subsidiadas, é claro, por suas
qualidades naturais intrínsecas. Virtudes estas que expressam, em si mesmas,
a aspiração africana em manter suas raízes e resistir às forças que pretendem
desqualificá-la, inferiorizá-la e oprimi-la. Assim, o Baobá continua a inspirar as
novas gerações de africanos e afro-descendentes na afirmação de sua identidade
(VEISENCHER, 2016, p. 3).

Ainda segundo a pesquisadora, “[...] mais do que uma árvore, o Baobá


tornou-se um símbolo civilizatório, baluarte da memória africana, no seio do
qual, muitas comunidades encontram abrigo e esperança” (ibidem).
Como se depreende dos conceitos e informações levantados, é preciso
reconhecer que a resistência e singularidade de uma árvore, seja uma Gameleira
Branca ou um Baobá africano, podem expressar - como assim o fazem - os traços
de toda uma cultura, a própria identidade de um povo. Por isso, a abordagem
de uma temática de tal natureza, em sala de aula ou na aula de campo, deve ser
orientada para despertar os alunos para a riqueza da cultura afro, instigando-os
a procurar saber mais sobre o assunto; a aprender a identificar os elementos
positivos para a construção da identidade negra a partir do seu próprio contexto
e desconstruir o imaginário de inferioridade ainda existente sobre a população
negra; e, sobretudo, fornecer aos alunos elementos para que possam contemplar
os povos e as culturas invisibilizados.

GAMELEIRA BRANCA Gameleira Branca. Gloria do Bomfim. Paulo Cezar Pinheiro.


Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=095LhdnjOIQ.
É de Xoroquê a porteira de entrada de Olorum Didê
É de Xorocô a madeira sagrada de Xangô

Pra quem tem licença a porteira do mundo nunca tranca


Pra quem tem a benção do dono da Gameleira Branca

Bate na porteira, Bará vai abrir


Põe na gameleira, coral e cauri
Já deu na peneira de mãe Marcelina e pai Aurélio

É cajado, é espada, ninguém passa ali


Essa é a minha estrada
Eu sei porque eu que vi
Que ela foi riscada na árvore do Xangô mais velho
INTÉRPRETE: Gloria Bomfim. AUTOR: Paulo Cezar Pinheiro

36
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
Como enfrentar a invisibilidade negra em Curitiba, pelo prisma da
religião de matriz africana?
Por meio da exploração e da busca por informações sobre as Gameleiras
Brancas (Iroko) da região central de Curitiba, cuja existência evidencia a
presença das manifestações culturais negras.

ATIVIDADE 1
Sensibilização.
TEMA
Gameleiras Brancas.

JUSTIFICATIVA
O estudante precisa despertar para elementos e informações relativos à
presença da cultura afro na sua cidade.

OBJETIVO
Sensibilizar o aluno para as descobertas que a intervenção lhe proporcionará,
tornando-o apto à identificação de aspectos até então invisíveis, ocultos
no cenário social contemporâneo em que a presença negra na história é
desconsiderada.

CONTEÚDO
O que é uma Gameleira Branca? Qual o seu significado e onde encontrá-la no
cenário curitibano, carregado de marcas europeias?

RECURSOS
Áudio-video, texto impresso, site da Linha Preta Curitiba.

METODOLOGIA
→ Apresentar aos alunos, imagens e vídeos da Praça Tiradentes mostrando
as Gameleiras Brancas ali existentes e explicar sua função religiosa dentro da
cultura afro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m5ptJ-piK-o;
→ Reproduzir a música Gameleira Branca, de Glória Bonfim: exercício de
apreciação musical e de reconhecimento dos termos específicos nela utilizados;
leitura e interpretação da letra da música em estudo;
→ Promover uma pesquisa (internet) sobre as entidades (divindades)
mencionadas na música, reunindo subsídios para um debate sobre as religiões
de matriz africana.

37
CADERNO PEDAGÓGICO

ATIVIDADE 2
Visita à Praça Tiradentes:
reconhecimento do Irôko.
TEMA
Irôko da Praça Tiradentes.

JUSTIFICATIVA
Necessidade de promover o contato real do aluno com espaços especiais
para as religiões de matriz africana.

OBJETIVO
Aproximar o aluno do espaço público onde se insere o Irôko para o
reconhecimento do local como sagrado e destinado a determinadas práticas
religiosas, em que a natureza é reverenciada e reconhecida como forma de
conexão entre os homens e as divindades.

CONTEÚDO
Pesquisa sobre o significado das Gameleiras para a memória da presença
negra em Curitiba, no site da Linha Preta Curitiba; visita à praça e registro
fotográfico do local; valorização dos espaços sagrados para as religiões de
matriz africanas.

RECURSOS
Acesso à internet; fotografias digitais (celular) e anotações pessoais;
materiais levantados no último encontro para a realização do debate.

METODOLOGIA
→ Apresentação das fotos realizadas e partilha das informações e impressões
sobre a visita;
→ Apresentação dos conteúdos levantados na pesquisa realizada no último
encontro;
→ Realização de um Seminário sobre religiões de matriz africana;
→ Produção textual individual sintetizando os conhecimentos construídos
sobre os conteúdos trabalhados.

38
ORALIDADES AFROPARANAENSES

ATIVIDADE 3
Umbanda e Candomblé:
intolerância religiosa e preconceito.

TEMA
Conhecendo a Umbanda e o Candomblé.

JUSTIFICATIVA
Necessidade de proporcionar aos alunos oportunidades de conhecer
aspectos das duas religiões da cultura afro mais difundidas no Brasil.

OBJETIVO
Promover o conhecimento do aluno sobre a Umbanda e o Candomblé,
desmistificando preconceitos e promovendo o respeito à diversidade
religiosa na escola e na sociedade.

CONTEÚDO
Umbanda e Candomblé, da África para o Brasil e América do Sul.

RECURSOS
Textos impressos.

METODOLOGIA
→ Leitura e interpretação de trechos do texto Lugares de axé: notas
sobre um inventário de terreiros de candomblé em Curitiba e região
Metropolitana, presentes nas páginas 248-269 do livro Abordagem
sociológica sobre a população negra no Estado do Paraná, de Ana
Zaiczuk Raggio, Regina Bergamaschi Bley e Silvia Cristina Trauczynski
(org.) (PARANÁ, 2018);
→ Apontamentos pessoais sobre os principais conceitos relacionados às
religiões de matriz africana, visando eliminar os estereótipos vigentes que
alimentam preconceitos;
→ Debate e produção textual de síntese individual.

39
CADERNO PEDAGÓGICO

ATIVIDADE 4
Baobás africanos:
mais que uma árvore de formas únicas.
TEMA
Conhecendo o Baobá africano.

JUSTIFICATIVA
Compreender a importância da natureza na conexão do homem com o
sagrado.

OBJETIVO
Aprofundar conhecimentos sobre o Baobá africano, relacionando–o com
a Gameleira Branca e a importância de ambas no contexto das religiões de
matriz africana.

CONTEÚDO
Baobás: características e importância social e cultural para os africanos.

RECURSOS
Textos impressos e imagens da internet.

METODOLOGIA
→ Leitura e interpretação de textos:
→ Baobá, de Semira Adler Vainsencher (VAINSENCHER, 2016);
→ O Simbolismo da Árvore-Mundo no Candomblé: Conexão entre o
Mundo dos Homens e o Mundo dos Deuses. Cristiano Henrique Ribeiro dos
Santos (SANTOS, 2001);
→ Gameleiras Brancas, poema de Mel e Candiero, disponível na
Revista Curitiba Afro (HUMAITA, 2013, p. 45);
→ Produção textual individual, apontando diferenças e similaridades entre o
Baobá e a Gameleira Branca em seus aspectos culturais;
→ Material complementar:
Vista minha pele. Link: https://youtu.be/LWBodKwuHCM ;
Intolerância Religiosa nas escolas. Link: https://youtu.be/rLPm_BhDT6A ;
Intolerância religiosa para crianças. Link: https://youtu.be/Wp80wkree0E ;
→ Debate e produção textual de síntese individual.

40
ORALIDADES AFROPARANAENSES

ATIVIDADE 5
Intolerância religiosa.
TEMA
Religião e igual acesso aos direitos.

JUSTIFICATIVA
O aluno precisa reconhecer manifestações de preconceito, resistir à
invisibilidade e combatê-la, assim como conhecer as leis que tratam da
liberdade de culto e também aquelas que tratam dos preconceitos praticados.
Deve saber também que, embora existam direitos assegurados pela legislação
vigente, na prática, as religiões de matriz africana têm, muitas vezes, essa
garantia violada.

OBJETIVO
Debater sobre o preconceito e a invisibilidade do negro no ambiente escolar e
na sociedade, com ênfase no preconceito contra as religiões de matriz africana.

CONTEÚDO
Art. 5° e 215 da Constituição Federal de 1988, disponível no link: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

RECURSOS
Vídeos e textos impressos.

METODOLOGIA
Apreciação de vídeos que tratam da intolerância contra as religiões de matrizes
africanas no Brasil e valorização da diversidade:
→ A intolerância contra as religiões de matrizes africanas no Brasil
ONU-Brasil. Disponível em: https://youtu.be/tSbl2LwFB1s?list=PLH2UU-
5dpdTNIV71YiqbZll6mEJlnPnkYw.
→ Intolerância contra religiões de matriz africanas é racismo. SEPPIR
PR. Disponível em: https://youtu.be/BczjxqX557M?list=PLH2UU5dpdTNI-
V71YiqbZll6mEJlnPnkYw.
→ Documentário Reparação: Cultura Afro-descendente. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=5MLbYkJMzvA.

41
CADERNO PEDAGÓGICO

REFERÊNCIAS
ANTONACCI, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São
Paulo: EDUC, 2013.

BRASIL. Constituição Brasileira de 1988. Título VIII - Da Ordem Social.


Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto. Seção II - Da Cultura.
Art. 215. Disponível em https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/
con1988_15.12.2016/art_215_.asp. Acesso em: 25 set. 2018.

CARVALHO, José Jorge. As artes sagradas afro-brasileiras e a preservação da


natureza - Palestra no Centro de Cultura Popular, 2004, Brasília. Disponível em
http://bit.ly/2GcRFGW. Acesso em: 05 jul. 2015.

FICAGNA. Kássia Castoldi. A marginalização das artes sagradas


afro-brasileiras: A linha tênue entre a proteção dos animais e a intolerância
religiosa na questão da criminalização do sacrifício ritualístico. Publicado no
2° Seminário Internacional de Direito, Democracia e Sustentabilidade. 13-14.
Ago. 2015. Disponível em: https://www.imed.edu.br/Uploads/GT3-p136-148.
pdf. Acesso em: 27 set. 2018.

LODY, Raul. O Povo do Santo. Rio de Janeiro: Pallas, 1995. p. 194.

MEL; CANDIERO. Mulheres de axé. In.: E-Book Mulheres de axé. Curitiba,


Editora Humaita, 2017. Disponível em: https://issuu.com/humaita5/docs/
mulheres_de_ax__.compressed.

_________________Gameleiras Brancas. In.: Revista Curitiba Afro. Curitiba:


HUMAITA, Centro Cultural. 2013. Disponível em: http://bit.ly/revistacuritiba-
fro. Acesso em: 28 set. 2018.

PRANDI, Reginaldo. As religiões afro brasileiras nas ciências sociais: uma


conferência, um bibliografia. Revista Brasileira de informação Bibliográfica em
Ciências Sociais. BIB-ANPOCS, São Paulo, nº 63, 2007. Disponível em: https://
www.anpocs.com/index.php/bib-pt/bib-63/593-as-religioes-afro-brasileiras-
-nas-ciencias-sociais-uma-conferencia-uma-bibliografia/file. Acesso em: 25 set.
2018.

RAGGIO, Ana Zaiczuk; BLEY, Regina Bergamaschi; TRAUCZYNSK, Silvia


Cristina (Org.). Abordagem sociológica sobre a população negra no Estado do
Paraná. Vol. 1. Disponível em: http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2018/
consepir/ColetaneaIRvol1web.pdf. Acesso em: 29 set. 2018.

42
ORALIDADES AFROPARANAENSES

RAGGIO, Ana Zaiczuk; BLEY, Regina Bergamaschi; TRAUCZYNSK, Silvia


Cristina (Org.). Abordagem histórica sobre a população negra no Estado do
Paraná. Vol. 2. Disponível em: http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2018/
consepir/ColetaneaIRvol2web.pdf

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar. J. Oralidades Afroparanaenses:


fragmentos da presença negra na história do Paraná. Curitiba: Editora Humaita,
2016.

SANTOS, Cristiano Henrique Ribeiro dos. O Simbolismo da Árvore-Mundo


no Candomblé: Conexão entre o Mundo dos Homens e o Mundo dos
Deuses. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação. XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo Grande /
MS – setembro 2001. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs
/35765511433804235666056773772277323129.pdf.

SANTOS, Erisvaldo P. dos. A educação e as religiões de matriz africana:


motivos da intolerância. GT: Afro-Brasileiros e Educação / n.21. Disponível em:
http://bit.ly/2D8yoCg . Acesso em: 26 set. 2018.

SILVA, Sidartha Sória e. Miséria material X revanche espiritual: uma análise


materialista da umbanda. In.: Anais. Congresso Brasileiro de Sociologia, II,
Campinas-SP, 2003.

SILVA Vieira, Maurício Benedito da. Religiões brasileiras de matrizes africanas


no contexto da Lei 10.639/03 em Cuiabá-MT. 2016. 102 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso,
Cuiabá, 2016.

VAINSENCHER, Semira Adler. Baobá. 2016. Fundação Joaquim Nabuco.


Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.
php?option=com_content&view=article&id=477. Acesso em: 28 set. 2018.

WALDMAN, Maurício. O Baobá na paisagem africana: singularidades de uma


conjugação entre natural e artificial. Ensaio publicado na Edição especial 'Africa
Única e Plural - Mélanges' em homenagem ao Professor Fernando Augusto
Albuquerque Mourão (org. Prof. Kabengele Munanga), Centro de Estudos
Africanos da USP: CEA-USP. África (USP), v. 20/2, p. 223-235, 2012. Disponível
em: http://www.revistas.usp.br/africa/issue/view/7769.

WOLF, Arno; BAEZ, Narciso Leandro Xavier. Dignidade Humana e o


Multiculturalismo. Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1,
2013.

43
CADERNO PEDAGÓGICO

ZANGARI, Wellington; PAIVA, Geraldo José. Representação na Religião:


Perspectivas Psicológicas. São Paulo: USP, 2004.

VÍDEOS
A INTOLERÂNCIA CONTRA AS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS
NO BRASIL. ONU-Brasil. Disponível em: https://youtu.be/tSbl2LwFB1s?lis-
t=PLH2UU5dpdTNIV71YiqbZll6mEJlnPnkYw.

GAMELEIRA BRANCA. Glória do Bomfim. Paulo Cezar Pinheiro. Disponível


em: https://www.youtube.com/watch?v=095LhdnjOIQ.

DOCUMENTÁRIO REPARAÇÃO: CULTURA AFRO-DESCENDENTE.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5MLbYkJMzvA.

INTOLERÂNCIA CONTRA RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANAS É


RACISMO. SEPPIR PR. Disponível em: https://youtu.be/BczjxqX557M?lis-
t=PLH2UU5dpdTNIV71YiqbZll6mEJlnPnkYw.

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NAS ESCOLAS. Disponível em:


https://youtu.be/rLPm_BhDT6A.

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA PARA CRIANÇAS. Disponível em:


https://youtu.be/Wp80wkree0E.

PRAÇA TIRADENTES - LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=m5ptJ-piK-o.

VÍDEOS DA LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:


https://www.youtube.com/channel/UCPIOGTl-mW5QaPBucg75MTA/videos

VISTA MINHA PELE. Disponível em:


https://youtu.be/LWBodKwuHCM.

OUTROS SITES
INSTAGRAM DA LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:
https://www.instagram.com/linhapreta.curitiba/

FACEBOOK DA LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:


https://www.facebook.com/linhapreta.cwb

MAPA DA LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:


https://linhapretacuritiba.wixsite.com/linha-preta

44
GAMELEIRAS BRANCAS
Folhas verdes brilhantes
Troncos e galhos...
Raiz viril rasgando a terra
Vi nas Gameleiras uma nova era
Um ciclo que recomeça
Fazendo florescer
A negra ancestralidade
Em nossa cidade, terra dos pinheirais
Do rio Iguaçu, da gralha azul
Inicia-se um jamberessu
Os tambores de corda
Acordam... dentro da pequena calunga
Uma beleza que assusta nossa capital
Em frente à catedral
Um xirê de árvores ancestrais
Inicia o rito de homenagem
Aos primeiros...
Que a história escrita esqueceu.
Quem não viu
Ouvirá falar das Gameleiras sagradas
Da capital do Paraná.

MEL E CANDIERO, in.: Revista Curitiba Afro.


Curitiba: Centro Cultural Humaita, 2013.
Acesse no link: http://bit.ly/revistacuritibafro
Conheça alguns dos
pontos de memória
da presença negra em
Curitiba, acessando a
Linha Preta Curitiba
na internet ou fazendo
uma aula de campo no
Centro Histórico.
A Linha Preta é uma releitura da história oficial de Curitiba,
incluindo fatos e personagens de referência para a compreensão das
importantes contribuições de africanos(as) e afrodescendentes para o nosso
desenvolvimento social e cultural, em todos os ciclos econômicos da nossa
história. O percurso da Linha Preta pode ser feito no Centro Histórico de
Curitiba - Largo da Ordem - ou no site Linha Preta Curitiba.
O projeto é uma iniciativa do Centro Cultural Humaita para
valorização e visibilidade da presença negra e das heranças culturais afro
em Curitiba e no Paraná e vem sendo desenvolvido desde 2015, quando
foi apresentado no II COPENE - Congresso de Pesquisadores Negros do Sul.
A ideia é ampliar a pesquisa para todas as demais cidades centenárias do
Paraná, afinal, onde houve riqueza, a presença negra foi fundamental não
apenas como mão de obra escravizada, mas principalmente como detentora
de saberes e tecnologias africanas.
A Linha Preta visa compartilhar conhecimentos conectados com a
História do Paraná e do Brasil, levantados por pesquisadores da história
e cultura afro-curitibana e afro-paranaense, narrando a saga da presença
negra na História de Curitiba desde a sua fundação.
A aula de campo percorre cerca de 1 km e tem como objetivo despertar
a curiosidade de estudantes e professores para a importância da memória e
da reconstrução da nossa narrativa histórica, tratando as populações negras
e indígenas com isonomia. As histórias são apresentadas de um ponto de vista
afrocêntrico, ou seja, repleto de musicalidade, corporeidade e oralidade.
O site e redes sociais foram elaborados e desenvolvidos por alunos de
Jornalismo da UniBrasil durante o primeiro semestre de 2018 na disciplina
Laboratório de Assessoria de Imprensa, em parceria com o Centro Cultural
Humaita - Centro de Estudo e Pesquisa da Arte e Cultura Afrobrasileira.

Clique nos links abaixo e acesse as páginas da linha preta na internet


https://linhapretacuritiba.wixsite.com/linha-preta
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E ntre e m co ntato para ag endar uma aul a d e campo


ORALIDADES AFROPARANAENSES
CAPÍTULO 1
REPRESENTAÇÕES SÍMBOLOS
E SABERES AFROPARANAENSES

UNIDADE 3

PARANAGUÁ
CORMORANT
CADERNO PEDAGÓGICO

ALGUNS SEGREDOS
Edicelia Maria dos Santos de Souza
Grande mar...
Paranaguá
Ilha da Cotinga, das Peças,
dos Valadares, Guaraqueçaba,
Quintilha, Ilha do Mel...
Turismo cultural e religioso.
Branco, índio...
Contribuição negra apagada...
Memória ancestral invisibilizada, submergida
(...)
Mar Negro. In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar.
Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na História do Paraná.
Editora Humaita, 2016. Disponível na pág. 60 deste Caderno.
CADERNO PEDAGÓGICO

A HISTÓRIA DO CORMORANT
Edicelia Maria dos Santos de Souza

Esta pesquisa baseia-se na minha curiosidade em pensar, repensar e
descobrir o porquê do Incidente do Cormorant.

Águas que acalmaram,


Águas que embalaram, águas que adormeceram
Águas que tantos segredos guardam e calam
Mas os segredos estão guardados e bem cuidados
Águas da baía que um dia acolheram
Corpos de cerca de duzentas pessoas
Escravizados livres que afundaram
Com muita opressão sem perceber
A força do mar que os fizera adormecer
Que foram embalados a cada onda
Que os conduzia para as profundezas da Baía
Baía de Paranaguá, baía sublime, acolhedora
Onde descansam sem nada falar
Esperando que um dia sejam lembrados
E dignamente sepultados.

Autora: Edicelia Maria dos Santos de Souza

Pesquisando, descobri que era um navio inglês que fiscalizava águas


nacionais e internacionais para combater o tráfico de escravizados vindos da
África para o Brasil.
Este incidente acelerou a Constituição da Lei Euzébio de Queiroz que
extinguia o tráfico de escravizados.
Mas, mesmo diante da lei, a escravização continuou. O comércio de
escravizados era uma prática constante em toda a costa marítima do estado
do Paraná. Os escravizados eram aproveitados para todo tipo de trabalho, sua
mão de obra era muito explorada.
Interessou-me também a questão das embarcações apreendidas pelo
cruzador inglês Cormorant: a galera Campeadora, o Astro e o barco Sereia.
Por que o Cormorant, com seu comandante Schomberg, só apreendeu a Galera
Campeadora?
Fico pensando como ficaram as tripulações destas embarcações, como
reagiram a este incidente, será que conseguiram sobreviver?
Quantos morreram?
Quantos fugiram?
Quantos foram escravizados?

50
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Quantos foram punidos pelo ato criminoso contra os escravizados e as


escravizadas das embarcações?
O que as autoridades fizeram para retratar este incidente com a cidade?
Como as autoridades da época relataram aos parentes dos escravizados
e das escravizadas as suas mortes? Será que teriam essa preocupação?
Diante da oportunidade de participar da produção do Caderno Pedagógico
Oralidades Afroparanaenses, para representar o litoral e contar um pouco da
História da presença negra na cidade de Paranaguá, houve a preocupação em
retratar este aspecto da história da cidade que ainda traz diversas indagações.
O incidente do Cormorant, ainda não totalmente esclarecido, permite
não só demonstrar a presença do negro no estado, como instigar a investigação
tanto do incidente quanto dessa presença.
Com a independência do Brasil em 1822, a Inglaterra passou a manter um
relacionamento político e econômico com a nossa jovem nação. A Inglaterra
possuía um poderio econômico que era importante para o Brasil e este se
apresentava como um mercado consumidor promissor para os capitalistas
ingleses.
A partir de 1810, por mais ou menos quarenta anos, as autoridades da
Inglaterra começaram a impedir o tráfico transatlântico em Portugal e, em
seguida, no Brasil. Em 1826, já era punido severamente quem praticava o
comércio ilegal de escravizados.
Em 1830, no vale do Paraíba, a cultura cafeeira cresceu de forma
exorbitante e nos anos seguintes, se expandiu para outras áreas rurais de São
Paulo e Rio de Janeiro. Esta cultura fez com que os cafeicultores necessitassem
cada vez mais da mão de obra oriunda do tráfico negreiro. Consequentemente,
o número de escravizados a venda no Brasil ficou insuficiente para atender
a demanda, o que levava os grandes produtores a buscarem a mão de obra
escravizada de origem africana, uma vez que, para o pensamento econômico da
época, era mais vantajoso do que investir em mão de obra assalariada.
O fim do tráfico foi determinado com a criação da Lei de 07 de novembro
de 1831, promulgada ainda no período do governo da Regência Trina, que
declara livres todos os africanos vindos de fora do Império e impõe penas aos
escravizadores. Esta lei também prescrevia que os/as africanos/as apreendidos/
as deveriam retornar à África. A mesma possuía seus regulamentos bem
definidos, com punições drásticas aos infratores, porém, na prática o tráfico
acontecia com muita frequência e passavam despercebidas pelas autoridades
governamentais brasileiras, na maioria das vezes com a anuência de funcionários
públicos que deveriam coibi-la.
As ações relacionadas ao tráfico tiveram continuidade com total
liberdade, pois ao invés de desembarcar os/as escravizados/as nos portos, eram
utilizados locais que permitiam o desembarque dos mesmos, sem que houvesse
fiscalização e embarcações menores que possibilitavam ancorar nas ilhas e

51
CADERNO PEDAGÓGICO

enseadas.
Em 1845, a Inglaterra promulgou o Slave Regência Trina:
período em que D.
Trade Supression Act, ou Lei Bill Aberdeen, que
Pedro I abdicou
dava poderes aos ingleses de aprisionar qualquer navio do trono brasilei-
negreiro que cometesse o crime de tráfico de escravizados ro deixando em
e escravizadas na costa brasileira, procurando forçar o seu lugar seu filho
Brasil a cumprir tratados anteriores. Entre os anos de Pedro de Alcân-
1845 a 1851, esta lei causou muitos conflitos no Brasil. tara, então com 5
anos. Políticos que
Neste período, foram apreendidas 368
ocupavam cargos
embarcações brasileiras que supostamente estavam públicos adminis-
praticando o tráfico negreiro nos mares do Atlântico traram o Brasil de
Sul. Westephalen afirma em suas pesquisas sobre o 1831 a 1840, quan-
Incidente do Cormorant: do foi antecipada a
maioridade de D.
Nesse período os navios brasileiros começaram Pedro II, então com
a usar documentos de carga e registros falsos 14 anos.
para burlar a fiscalização inglesa. Daí que veio a
expressão pra inglês ver. (JORNAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS,
2018)

Ainda segundo a autora, esses registros falsos iam desde alterar o nome
da embarcação quanto registrar de maneira propositadamente errada o tipo
de embarcação, e isso com a anuidade de autoridades responsáveis para evitar
essas fraudes. Era comum nesse período, que os
navios negreiros desembarcassem a “carga” em Slave Trade Supression
locais em que não havia fiscalização ao longo da Act: a Lei Aberdeen
costa brasileira e depois rumarem para o porto mais proibiu o tráfico de pessoas
próximo a fim de regularizar sua situação. Dessa no Hemisfério Sul. Desta
forma, os traficantes de escravizados conseguiam maneira, qualquer navio que
burlar a pouca fiscalização que as autoridades saísse da África e chegasse
ao continente americano,
brasileiras se dispunham a realizar.
poderia ser interceptado pela
Segundo Westphalen (1988), em várias marinha britânica e tratado
ocasiões as autoridades solicitavam que como "navio pirata".
funcionários públicos verificassem a introdução de
escravizados africanos no litoral paranaense, pois havia indícios de que estava
ocorrendo o tráfico de africanos para essa região, embora os relatórios enviados
aos presidentes da província desmentiam esse fato. Porém em 1848, o inspetor
da Alfândega de Paranaguá denunciava o aumento do tráfico de africanos e
africanas para escravização no Paraná através do litoral de Paranaguá. Pela
denúncia do referido inspetor, o maior traficante era o próprio delegado de
polícia da cidade e, que por isso, não atuava com eficiência para coibir tal ação.

52
ORALIDADES AFROPARANAENSES

O nome da
As autoridades brasileiras não procuraram,
"Ilha das Peças", efetivamente, extinguir o tráfico humano. O
na Bahia de desenvolvimento das lavouras cafeeiras no Sudeste
Paranaguá, faz incentivavam o comércio de africanos. Embora já existissem
referência aos leis que proibiam o tráfico de escravizados vindos da África,
escravizados elee se multiplicava de forma gigantesca e só passou a ser
(peças) ali
comercializados.
ilegal a partir de 1850. Em 1826, para o reconhecimento
da independência do Brasil, a Inglaterra obrigou D. Pedro
I a assinar um tratado em que o governo brasileiro se
comprometia a proibir o tráfico de pessoas nas costas da
África e seu desembarque nos portos do país. Em 1831,
no Período Regencial, o Regente Feijó criou uma lei que
considerava livres os africanos e africanas desembarcados
no Brasil através do comércio de pessoas.
Portanto, entre os períodos compreendidos entre
1831 e 1850, o comércio desumano de pessoas já era
proibido pelas leis brasileiras. No litoral paranaense,
persistiu até aproximadamente 1856.
Bethel apud Ferrarini (1971) calcula em 486.526, o
número de escravizados/as importados/as. Já David Eltis
apud Ferrarini (1971) mostra um montante de 760.100
escravizados/as traficados/as clandestinamente durante
1830-1852. Segundo o IBGE, desembarcaram no Brasil
entre 1831-1855, 718.800 escravizados ilegais. O fim dessa
prática ilegal desagradava tanto os brasileiros quanto
os africanos que lucravam com isso. Somente em 1850,
o tráfico negreiro seria "extinto de forma verdadeira".
Entretanto, o Brasil não cumpriria o tratado e, por mais
alguns anos, o tráfico continuaria existindo.
Desde o início do século XVIII havia notícias de
contrabando de escravizados no litoral paranaense,
suspeitando-se que os traficantes utilizavam o porto de
Paranaguá como local de desembarque de escravizados/
as cujos impostos não haviam sido pagos para a Coroa
portuguesa.
Cerca de cinquenta a sessenta mil escravizados/
as desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, em Santa
Catarina, no Rio Grande do Sul e, principalmente, em
Paranaguá, que até o ano de 1853 era comarca da província
de São Paulo. A historiadora Westhephalen afirma que:

53
CADERNO PEDAGÓGICO

Paranaguá foi, desde o final do século XVIII, o ponto de recepção de escravos


[pessoas escravizadas] contrabandeados de Moçambique para o favorecimento
de “PIRATAS” franceses e ingleses. Mas somente na década de 1830, após
a lei que tornava ilegal o transporte de escravizados para o Brasil, o porto
passou a contar com a presença cada vez mais frequente, de embarcações
traficantes de escravizados para atender a necessidade de reposição de cativos
nas lavouras brasileiras que se expandiam (WESTPHALEN, 1988, p. 136).

Em 1810, e por exatos quarenta anos, as instâncias de poder inglesas


não tiveram descanso até que obtiveram a total exclusão do tráfico de pessoas
no Atlântico e em seguida no Brasil. A marinha inglesa que atuou no Brasil
chegou em setembro de 1849 e, segundo Costa:

Era composta por seis navios de guerra, mais dois de apoio para ressuprimentos
sob o comando do almirante Barrington Reynolds,
HMS Southampton: Capitão Nicholas Cory (Nau Capitânia - Fragata);
HMS Cormorant: Capitão Herbert Schomberg;
Corvetas a vapor:
HMS Sharpshooter: Tenente John Barley;
HMS Rifleman: Tenente Stephen S.L. Crofton;
HMS Harpy: Tenente John Dalton;
HMS Tweed: Lord Francis Russell.
(JRI, 2018, p. 1)

Ainda, segundo Westephalen (1988), muitos/as escravizados/as eram


submetidos/as à comercialização também pelas ilhas ao redor da baía de
Paranaguá, como na Ilha da Cotinga e na Ilha do Mel. Não existe uma data certa
do início da comercialização destes navios negreiros, mas a primeira carga de
escravizados vindos da África seria de aproximadamente 1432, quando começa
o tráfico europeu. Mais tarde seria o Brasil a comercializar escravizados/as.
A história dos navios negreiros é das mais desumanas. Homens,
mulheres e crianças eram transportados/as amontoados/as em compartimentos
minúsculos nos porões escuros de navios, sem cuidados com a higiene ou
com sua alimentação. Conviviam no mesmo local a fome, a sede, as doenças,
a sujeira, os agonizantes e os mortos. Essa população sofrida, quando chegava
ao porto de desembarque, estava doente e enfraquecida.
Em Paranaguá, o tráfico negreiro começou a agravar-se de modo muito
significativo em 1850. Foi quando o Cormorant, navio inglês, que tinha como
comandante o capitão Herbert Schomberg chegou à baía de Paranaguá, no dia
29 de junho de 1850.
As autoridades, percebendo esta ocorrência, imediatamente tomaram
providências para averiguar os motivos daquele navio no porto de Paranaguá.

54
ORALIDADES AFROPARANAENSES

A incumbência foi entregue ao guarda-mor da alfândega que solicitou ao


comandante das forças inglesas um documento detalhado sobre sua intenção
na cidade. Mas, imediatamente os marinheiros do Cormorant encontraram os
Brigues Dona Ana e Sereia que estariam em busca de escravizados, pois estes
não eram desembarcados no porto de Paranaguá, mas sim na Ilha da Cotinga.
O comandante do Cormorant dirigiu-se até a referida, em direção aos Brigues
Dona Ana e Sereia, com uma equipe bem armada.
Com o propósito de apreender as embarcações brasileiras suspeitas de
realizarem tráfico humano, o comandante do Cormorant não só confiscou as
embarcações D. Ana e Sereia como tentou interceptar o navio Astro, porém
o comandante deste navio afundou o mesmo para ocultar a mercadoria
que levava no porão: africanos trazidos ilegalmente do continente africano
para escravizar.
De acordo com o 41º Ofício do juiz municipal de Paranaguá ao
comandante do Cormorant, de 30 de junho de 1850, cópia D.A.E.S Ofícios
diversos Paranaguá, caixa 348, o juiz municipal relatou os fatos ocorridos,
dizendo não saber porque fora afundado o brigue dentro do porto, e à vista de
todos.
O juiz municipal de Paranaguá percebendo os propósitos do cruzador
de impedir o tráfico negreiro na baía de Paranaguá protestou contra o capitão
do navio Cormorant, acusando-o de violar as leis e tratados internacionais.
O comandante do Cormorant respondeu ao juiz severamente com
autoridade, esclarecendo sua não obrigação de prestar-lhe satisfações dos
referidos atos. O delegado de Paranaguá, querendo preservar seus investimentos
no tráfico ilegal, ordenou ao comandante da Fortaleza da Ilha do Mel para
impedir, com o uso de armas, a saída do Cormorant e das outras referidas
embarcações. O inspetor da alfândega descobriu e não concordou com isso.
Os ocupantes das embarcações foram conduzidos pelos seus comandantes e,
sem formalidades, ocuparam a Fortaleza da Barra para impedir, de qualquer
maneira, que as embarcações saíssem da baía.
Quem mais se revoltou foi o capitão do Astro que imediatamente trouxe
pólvora e aproximadamente oitenta a cem homens, que se colocaram a frente da
Fortaleza. No momento em que o Cormorant aproximou-se da barra para sair
do porto de Paranaguá, a Fortaleza já preparada abriu fogo contra o cruzador
inglês, mas não conseguiu impedir o Cormorant de avançar. O mesmo iniciou
um contra-ataque que durou cerca de um quarto de hora.
Esse incidente foi muito discutido pelas principais autoridades da época,
inclusive o presidente da província. Sua repercussão foi intensa, com destaque
grandioso na Câmara dos deputados e na Chancelaria Imperial de forma
muito movimentada. O inspetor da Alfândega esclareceu que as embarcações
aprisionadas não estavam praticando tráfico de escravizados contrariando as
acusações dirigidas a ele.

55
CADERNO PEDAGÓGICO

Segundo Westhephalen (1988), atribuíram ao juiz municipal de


Paranaguá, na época, toda armação ao ataque do Cormorant, já que Paranaguá
transformou-se num porto de escravização negreira. Prática que encontrava
apoio fundamental de funcionários públicos para o tráfego das embarcações.
A discussão tornava-se infundada e lenta pelo fato de que o sub-delegado de
Paranaguá afirmava a não existência desta prática ilícita na sua jurisdição.
Porém, as acusações contra o sub-delegado de Paranaguá eram de que o mesmo
não só favorecia os traficantes, como ele mesmo era dono de embarcação que
realizava o tráfico, por isso fazia vistas grossas para as ações das embarcações
suspeitas de contrabandear pessoas africanas para a escravização em solo
paranaense.
Neste conflito dramático, o capitão da Fortaleza da época foi rebaixado
do posto. Mas ocorreu um fato positivo, que Westephalen (1988) aponta:
No Paraná, o episódio contribuiu para o aumento do sentimento separatista
em relação à província de São Paulo e selou a união de Paranaguá e Curitiba
neste objetivo comum. Até então as duas mantinham uma rivalidade pela
liderança da região, dividindo suas forças, o que impedia que o movimento
emancipacionista tivesse sucesso. O Paraná conseguiu sua emancipação três
anos depois, em 1853. (JRI, 2018, pg. 3)

Neste ínterim, na Câmara dos Deputados do Brasil, entrava em discussão
a implementação de um projeto de lei para acabar de vez com o tráfico humano
no litoral do Paraná e de todo o país. Assim, a promulgação da lei Eusébio de
Queiroz, de quatro de setembro de 1850, suspendeu o tráfico de escravizados e
escravizadas definitivamente.
Ainda assim, a partir daquela data, um número expressivo de africanos e
africanas foram comercializados clandestinamente no litoral paranaense. Mesmo
que a legislação proibisse o tráfico de pessoas para escravização e indicasse a
necessidade de que fossem enviados de novo para seu local de origem, o mesmo
não aconteceu, pois encontramos nos arquivos dos governantes da província
a existência de africanos livres trabalhando nos aldeamentos indígenas, nas
repartições do governo, em indústrias ou para particulares.
A embarcação Astro foi içada das águas da Baía de Paranaguá e foi
constatado que realmente estava praticando o infame tráfico de africanos para
escravização, porém antes que as autoridades pudessem reagir, o capitão e
marujos conseguiram fugir com o navio, que apesar das tentativas em alvejá-la,
saiu ilesa, provavelmente rumo à África.
Quanto ao incidente com o Cormorant o Brasil teve que enfrentar a ira do
governo Britânico, ainda mais tendo em vista que o Presidente da Província do
Paraná na época elogiou a atitude que os parnanguaras e os outros envolvidos
tiveram, pois considerava uma afronta à soberania nacional que um navio
inglês aprisionasse embarcações em águas brasileiras.

56
ORALIDADES AFROPARANAENSES

A poesia a seguir retrata a lei Bill Aberdeen.

Em meados de mil oitocentos e cinquenta


Foi aprovada pelo Parlamento Inglês
A lei conhecida como Aberdeen
Ela repreendia o tráfico de uma vez

Ela proibia o tráfico de escravizados


A aprisionar a prática do tráfico humano
E também autorizava navios ingleses
A impedir tal ato tão desumano

Nas águas territoriais brasileiras


Todo os africanos a partir desta lei
Eram considerados livres, libertos
Com direitos adquiridos para viver...

Nas águas territoriais brasileiras


Todos os africanos a partir da lei
Eram considerados livres, libertos
Com direitos adquiridos e bem viver

Os traficantes de escravizados
Continuaram com determinação
Praticando o tráfico de escravizados
Com muita sede e opressão.

A escuna inglesa Cormorant


Fazia sua parte em sua missão
Patrulhava as costas brasileiras
Impedindo a humana comercialização

Autora: Edicelia Maria dos Santos de Souza

57
CADERNO PEDAGÓGICO

Cormorant, segredo da baía

Onde muitas vidas foram ceifadas

Restos mortais afundados

Muitos, momentos, com sonhos


Outrora esperados, entre crianças

Respeito esquecido, mergulhados

Amanhã, hoje e sempre

Navio cuidando, fiscalizando

Temor, torcida, vitória e liberdade!

58
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES

→ Realizar a leitura individual de textos poéticos diversos sobre a
temática e organizar uma leitura coletiva desses textos, à exemplo dos
"Saraus Afro";
→ Transcriar outros textos de forma poética, livremente;
→ Procurar as palavras desconhecidas nos textos e criar um glossário;
→ Análise de textos em prosa sobre o incidente do Cormorant;
→ Produção de fotos, textos e vídeos sobre a presença negra na Baía de
Paranaguá;
→ Produção de roteiro turístico sobre o local onde ocorreu o incidente
do Cormorant e outros lugares de memória negra, a exemplo do site
"LINHA PRETA CURITIBA";
→ Roteirização e dramatização do incidente com o Cormorant;
→ Criação e apresentação de paineis com imagens e textos;
→ Produção de histórias em quadrinhos;
→ Fazer um levantamento básico de memórias orais junto aos mais
antigos sobre este e outros incidentes de memória negra local e do
referencial teórico pertinente, caso seja possível.

59
CADERNO PEDAGÓGICO

Mar Negro
Grande mar... Paranaguá.
Ilha da Cotinga, das Peças, dos Valadares,
Guaraqueçaba, Quintilha, Ilha do Mel...
Turismo cultural e religioso...
Branco, índio, contribuição negra apagada...
Memória ancestral invisibilizada, submergida,
Como o Astro do Cruzador Cormorant...
Pelos cândidos historiadores, pelo IPHAN,
Pela prefeitura municipal.
A marca do racismo institucional
Solidamente estruturada
Em nossas terras, em nosso mar.
Na história da Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres,
Engenharia branca européia... Militar,
Construída estrategicamente na entrada da baía
De Paranaguá.
Trincheiras de pedra e areia...
No sopé do Morro da Baleia,
Paredes de um metro e meio de espessura.
Monumento belo, imponente...
Erguido pelos braços fortes
Dos homens índios e negros.
Uma morada pra Ogum Beira Mar,
Orixá do ferro, senhor dos caminhos.
Com seu minério fizeram a proteção,
Em plena época da Escravidão...
Caminhos até hoje conhecidos como Labirinto dos Canhões.
Um forte... Pensamento caucasiano.
Concretizado por homens mandingueiros:
Bantos, Congos , Nagôs, Angolas, Fulanis, Malês,
Que concluíram seus trabalhos no dia do santo guerreiro.
Ogunheeee...
23 de abril de 1769... Salve Mukumbe, salve São Jorge!
Afrodescendentes registrando seus saberes

60
CADERNO PEDAGÓGICO

Nas brechas da história


Garimpada nas entrelinhas.
Páginas amareladas
de livros envelhecidos em estantes empoeiradas...
De bibliotecas fechadas.
O período da escravatura nos dá pistas,
Ecos do passado silenciado, reverberam.
Agora decodificado e amplificado...
Por historiadores responsáveis.
Um brado importante
De seres que souberam
Em meio ao holocausto humano,
De uma forma sutil, registrar o seu legado.
Ainda invisibilizado.
Na historiografia oficial
Apenas o som dos estalos do chicote,
Os gritos e ordens podem ser ouvidos.
De um lado a outro do Atlântico,
Rostos e costas marcados...
Maldita escravidão...
E as escarificações
Lembram nosso pertencimentos étnico... Nações.
Negros da Costa do Ouro, da Mina...
Catavam o ouro de aluvião
Com seus conhecimentos milenares
Suas tecnologias azeviches
Cujas marcas estão no concreto
E no imaginário da nação.
Patrimônios arquitetônicos, materiais e imateriais.
Pelourinho:
O poder da coroa Portuguesa.
Não me representa.
Escarramos no símbolo da justiça colonial...
Marco legal da fundação da Vila Nossa Senhora do Rosário
De Paranaguá...
Povoação que os ancestrais negros e negras
ajudaram a fundar.
Paranaguá – Curitiba...

61
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Estrada de pedra, Graciosa,


Estrada de ferro... Um lindo poema de aço,
Pensado, idealizado... Construído sob a responsabilidade
Dos brilhantes engenheiros negros Rebouças
Patacori!
E os herdeiros das capitanias
Ainda tentam ocultar nossa contribuição.
Será que
As nobres famílias que defendem sua ideologias,
Suas propriedades e tradições,
Têm vergonha dos horrores praticados
Pelos seus antepassados durante o período da escravidão?
A resposta pronta seria não?
Alguém se reconhece racista? Não!
Então me explica,
Por que nos livros não encontramos nossas histórias?
As verdadeiras? As positivas?
A importante contribuição do povo negro e indígena
Nas terras dos pinheirais?
Por que quando o assunto é Africanidades Paranaenses
Nossos cândidos historiadores não fazem o debate...
Silenciam.
Como dizia Shakespeare, existe algo de podre
No reino da “Dinamarca”.
O tempo passa e as marcas do racismo continuam impressas,
Disponíveis nas bibliotecas, bem preservadas,
E as nossas fortes contribuições, apagadas...

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses:


fragmentos da presença negra na história do Paraná.
Curitiba: Editora Humaita, 2016, p. 90.

62
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REFERÊNCIAS
FERRARINI, Sebastião. A escravidão negra na província do Paraná. Curitiba, Editora
Lítero-Técnica,1971.

JRI - JORNAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Episódio Cormorant, um


pequeno incidente de grandes proporções. América Latina Artigos, Cristiano Rocha
Afonso da Costa. Fevereiro-N.2, V.2. 2018.

LUZ, Osmar Aug. E Resp:.Loja Simb:.Cruz da perfeição Maçônica Perseverança número


159: 150 anos de Perseverança / Osmar Luz. Curitiba, PR: Edição do autor, 2014.

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar. J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da


presença negra na história do Paraná. Curitiba: Editora Humaita, 2016.

WESTEPHALEN, Cecilia Maria. A introdução de escravos novos no litoral. Instituto


de Ciências Humanas. UFPR (Universidade Federal do Paraná), 1988.

SITES
LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:
https://linhapretacuritiba.wixsite.com/linha-preta

VÍDEOS LINHA PRETA CURITIBA. Disponível em:


https://www.youtube.com/channel/UCPIOGTl-mW5QaPBucg75MTA

Baia de Paranaguá. Fonte: a autora.

63
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPÍTULO 1
REPRESENTAÇÕES SÍMBOLOS
E SABERES AFROPARANAENSES

UNIDADE 4

COMUNIDADES
REMANESCENTES
DE QUILOMBOS:
CADERNO PEDAGÓGICO

DESENVOLVIMENTO
SUSTENTABILIDADE
E O FAZER PEDAGÓGICO
Clemilda Santiago Neto
ORALIDADES AFROPARANAENSES

(...)
Os conhecedores do garimpo
Fundaram cidades
Do nosso imenso Brasil negro.
Contestado. Contestando.
Contextualizando uma história
Apagada do imaginário.
Palmas... Batam palmas
Para os negros tropeiros andantes,
Que saíam do Viamão
para ir até Sorocaba.
Caminhos ancestrais,
Um verdadeiro corredor cultural.
Afrodescendentes desbravadores...
Plantaram as sementes
de cidades que vingaram.
Trilharam
os milenares carreiros indígenas,
Viram picadas virar estradas.
Uma corrente ancestral...
(...)

Trajetórias de muitas vidas:


Fragmentos da presença negra em Palmas
In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J.
Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na História do Paraná.
Editora Humaita, 2016.

65
CADERNO PEDAGÓGICO

INTRODUÇÃO
Clemilda Santiago Neto

Este material tem como ponto principal promover um debate sobre a


importância e o significado da existência dos quilombos, no Paraná e no Brasil.
As alterações ao longo da História até os dias atuais demonstram que os mesmos
apresentam características diversas no tempo e que o exemplo clássico de Palmares
foi apenas um, entre outros modelos possíveis de organização quilombola. Ao
mesmo tempo que busca o entendimento do seu significado atual, que se relaciona
com questões de natureza diversa dos períodos relacionados à escravidão, visa
provocar reflexões sobre as desigualdades sociais vivenciadas no presente e que
se relacionam com o passado escravista com o qual a nossa sociedade conviveu
ao longo de quase quatro séculos de exploração, resultando na marginalização de
amplas camadas da população negra, descendente de africanos e afro-brasileiros.
No momento atual, é necessário entender o significado da diáspora
africana: a imigração forçada de negros e negras sequestrados/as do continente
africano para outros continentes. Esse processo foi marcado pelo tráfico de
indivíduos e sua trajetória histórico-cultural através do Atlântico, processo
que promoveu trocas, nesta diversidade social e cultural, tanto nos navios de
tráfico humano quanto nesta nova realidade a que os sujeitos escravizados foram
expostos.

O conceito diáspora passou a ser utilizado por religiosos, ativistas e intelectuais


ligados às tradições africanas e à luta antirracista. Assim, também como os
judeus, os descendentes de africanos espalharam-se pelo mundo. Contudo,
a marcante diferença encontra-se no fato de que estes o fizeram, sobretudo,
de modo compulsório e como resultado da escravidão. Uma vez instalados
em quaisquer dos continentes, por mais que as tradições fossem represadas
ou aniquiladas, os descendentes de africanos davam início a um processo
de criação, invenção e re-criação da memória cultural dos laços mínimos de
identidade, cooperação e solidariedade. Com esta rede de interação, as múltiplas
culturas africanas, que se espalharam pelo mundo, preservaram visíveis traços
das inúmeras comunidades étnicas a que pertenciam, sendo os mais marcantes
aqueles manifestos por meio da força do ritmo musical, dos movimentos
assimétricos na dança, na culinária e nas sabedorias de cura extraídas da fauna
e da flora tropical (TAVARES apud MACHADO, 2017).

Aproximadamente doze milhões de africanos foram trazidos às Américas


e, destes, 40% desembarcaram no Brasil, marcando a história da Nação brasileira.
Explorados de forma sistemática, homens e mulheres, alicerçada na violência da
imigração forçada, que sustenta o regime escravocrata já estabelecido, para o

66
ORALIDADES AFROPARANAENSES

monopólio de cultivos como os do açúcar, do algodão, da erva mate, pela coroa


portuguesa. Os castigos físicos e o sofrimento fizeram parte da vida de homens
e mulheres escravizados. Mas as lutas diárias, os novos elos afetivos, os vínculos
familiares também.
O processo da diáspora consistiu em uma trama complexa que envolveu
desde a captura de homens e mulheres em diversas sociedades africanas, a
travessia do oceano atlântico nos navios de tráfico humano, a inserção – violenta
e brutal – no novo contexto, até a construção de novas identidades. O Brasil foi a
região americana com o maior número de escravizados e, por isso, até hoje traz
as marcas das diversas culturas do continente africano.
Os africanos/as que aqui chegaram vieram de diversos locais do continente.
A transformação desses homens e mulheres em escravizados começava já na
África, nas feitorias, ou no porto logo ao chegar na nova terra. Nesse processo,
foram modificadas as suas referências e sua cultura redefinida. Diversos povos
como os benguelas, cabindas, angolas, minas, entre tantos outros embarcaram nos
navios e aqui chegaram. As referências de nação foram assumidas e apropriadas
pelos sujeitos escravizados, pois os auxiliavam no processo de reorientação. Por
exemplo: nagô foi a terminologia escolhida pelos escravocratas para chamar os
povos de língua Iorubá, mas no continente africano esses grupos identificavam-se
de outra forma, geralmente a partir de suas cidades de origem.
Mesmo aceitando e utilizando a denominação nagô, mantiveram também
seus nomes próprios, reconhecendo a necessidade de construção de novas
formas de ser e agir no novo mundo, entre tensões, negociações e redefinições.

COMUNIDADE REMANESCENTE DE
QUILOMBO CAMPINA DOS MORENOS
No poema Campina dos Morenos, de Mel e Candiero (REINEHR; SILVA
2016, pg. 55), lê-se:

Como explicar as mudanças de nome


Deste pequeno quilombo?
Campina dos Pretos
Campina dos Morenos
Campina das Ilhas
Curitibinha...

O poema retrata um exemplo de tensão, redefinição e negociação


contemporânea da Comunidade de Remanescentes de Quilombos, reconhecida
pela população do município paranaense de Turvo como Curitibinha. Quando
exerci a função de Coordenadora de Ação no Campo, do Grupo de Trabalho Clóvis

67
CADERNO PEDAGÓGICO

Moura, atuei no levantamento da situação em que se encontravam as famílias


negras que habitavam em nosso estado, no campo, na cidade, na floresta ou nas
águas. Para minha surpresa, quando cheguei nesta comunidade, as lideranças
expressaram o desejo de serem reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares
como “Campina dos Morenos”. Uma das lideranças mais velhas da comunidade,
o senhor João Maria Rodrigues, pai da senhora Lindamar Rodrigues, presidente
da Associação Quilombola disse o seguinte1;

Prefessora, o vigário que rezava as missa aquí na igreja do bairro, disse pránóis
que Campina dos Moreno é muito feio, então mudô prá Curitibinha, mas
nóis qué que no ducumento que vem lá de Brasília, como a sinhora falô, seje
Campina dos Moreno sim sinhora, esse otro nome, esse não é o nosso não….

A PRODUÇÃO COLONIAL

No período colonial foi necessário a fabricação de instrumentos e
equipamentos para suprir as necessidades de trabalho. Como eram realizados
os trabalhos, as técnicas utilizadas, as origens destas técnicas e quem os fazia
não consta na história oficial, o que seria muito importante para que possamos
compreender o nosso passado e trajetória histórica.
No Brasil tudo o que se refere a trabalho foi realizado pelos africanos e seus
descendentes, desde 1531, com o início da colonização, até 1888 com a abolição
do sistema escravocrata.
Os engenhos para produção de açúcar envolveram uma diversidade de
especializações e de máquinas e produtos. Desde produtos cerâmicos, como
tijolos e recipientes de barros para esfriamento do açúcar, até grandes estruturas
de madeira como moendas e instrumentos de ferro. Foi também na indústria de
ferro, em todas as áreas da agricultura, que as técnicas africanas foram realizadas.
As imagens a seguir foram feitas, pela professora Célia Regina Tokarski, na
Comunidade de Remanescentes de Quilombos de João Surá, localizado na região
paranaense conhecida como Vale do Ribeira, mais precisamente no município
de Adrianópolis, no evento realizado pelo Grupo de Trabalho - GT Clóvis
Moura em fevereiro de 2006, reunindo mil lideranças quilombolas Paranaenses
e Paulistas.
1 Em entrevista concedida à autora durante o levantamento básico das comunidades
remanescentes quilombolas, realizado pelo estdo do Paraná, entre 2005 e 2010, no Grupo de
Trabalho - GT Clóvis Moura.

Figura 01. Prensa para fabricação da farinha de mandioca.


Figura 02. Moenda da cana de açúcar - forma para o fabrico da rapadura.
Figura 03. Esteira em taboa - Balaios em taquara.
Figura 04. Fogões em argila - toda a alimentação do evento foi preparada nestes fogões.
Fonte: Célia Regina Tokarski
68
ORALIDADES AFROPARANAENSES

DIAMANTES NA BACIA
DO RIO TIBAGI – SÉCULO XVIII
No município de Tibagi, a Comunidade Tradicional Negra Tibagiana
conserva ainda hoje os sobrenomes como Taques, Bittencourt, Barbosa,
Ribeiro, Machado, Novaes, Mercer e Santos, entre outros. O município tem
aproximadamente 70% de sua população formada por afrodescendentes que
tiveram e têm importante participação política e cultural na formação histórica
da cidade, segundo o Sr Neri Aparecido Assunção, que nos relata2:

O Senhor José Félix veio aqui para Tibagi, o dono da Fazenda Fortaleza, no
século 18. Trouxe com ele, mais ou menos, de 100 a 150 negros e negras com
suas crianças, todos escravos [escravizados], para trabalhar na lavoura.

O escritor Eschwege (1833), menciona em seus livros o rio Tibagi


como o mais rico da região e cita a fundamental contribuição dos negros
para a mineração no Brasil no início do século XVIII. Quanto à mão de obra
empregada na mineração, a maior parte foi composta por africanos, segundo os
autores já citados, e apenas 3% dos mineradores eram homens e mulheres livres.
De fato, os africanos, símbolo de status social para os escravocratas, estavam
presentes em qualquer atividade econômica desenvolvida nos períodos colonial
e imperial, desde aquelas tarefas que exigiam força física e as que continham
exclusivamente os conhecimentos e saberes trazidos da África. Ao que parece,
muitas técnicas, senão a maior parte delas, usadas e indispensáveis nas várias
etapas do processo mineratório – extração, remoção e beneficiamento – foram
trazidas pelos africanos, como bateia, canoas e carumbé. Cumpre lembrar que o
processo de fundição do minério aurífero e de ferro, com utilização de fornalhas
e foles, já era conhecido e usual no continente africano, como na África Central,
2 Em entrevista concedida à autora durante o levantamento básico das comunidades
remanescentes quilombolas, realizado pelo estdo do Paraná, entre 2005 e 2010, no Grupo de
Trabalho - GT Clóvis Moura.

69
CADERNO PEDAGÓGICO

hoje Zimbábwe, antes de 1500. Nas palavras de Davidson Basil (1981), este fato
“revela a capacidade inventiva dos Africanos, pois o princípio básico destas
fornalhas não diferia da dos fornos modernos”.
O ciclo do ouro é compreendido como o período em que vigorou a extração
e exportação do ouro como principal atividade econômica na fase colonial. Com
o ouro, a prata e os diamantes, vieram as cidades e os centros urbanos.Todos
estes progressos econômicos têm como ponto de partida as aplicações técnicas
e desenvolvimentos de engenharia produzidos por africanos e descendentes de
africanos.
As Comunidades de Remanescentes de Quilombos no Vale do Ribeira,
com exceção de Porto Velho, Praia do Peixe (Adrianópolis), Varzeão (Dr Ulisses),
Areia Branca (Bocaiúva do Sul), possuem na sua trajetória histórica a fuga das
Minas auríferas de Apiaí (São Paulo).
No Brasil Colônia, a fabricação de embarcações de madeira exigia um
conjunto de aplicações técnicas em madeira e velas, o que nos remete aos grandes
rios africanos onde embarcações de modelos semelhantes se desenvolveram
durantes séculos.

Figura 05 – Caminho das tropas – Trabalho desenvolvido também pelas comunidades


quilombolas. Disponível em: https://viajaracavalo.com.br/a-rota-comercial-tropeirismo/
Acesso em: 09 nov. 2018.

70
ORALIDADES AFROPARANAENSES

TROPEIRISMO
O tio Mirinho da Comunidade Remanscente Quilombola Castorina
Maria da Conceição, do município de Palmas, nos relatou3 que os quilombolas
do município, pertencentes as CRQs de Castorina, Adelaide e Tobias Ferreira,
trabalharam como tropeiros no transporte tanto de cargas de mulas como de
cargas em carros e carroças e produziram equipamentos, peças e rodas, o que
envolvia conhecimento específico.

AGRICULTURA

Com relação a esta questão é importante considerar a forma de uso da
terra, pois, nestas comunidades pratica-se uma agricultura baseada em formas
tradicionais de manejo na qual o uso de agroquímicos e máquinas agrícolas é
reduzido ou inexistente. Ocorre um rodízio no uso das terras para os roçados
que, após 2 a 4 anos de uso são deixados em descanso para serem utilizados
apenas vários anos depois quando a mata recobre o lugar, formando as capoeiras.

O sistema desenvolvido pelas populações tradicionais tem demonstrado uso


mais rentável da floresta em curto e médio prazo, mantendo a biodiversidade e
os processos naturais de forma eficaz (DIEGUES & ARRUDA, 2001).

Este uso, conforme atestam vários estudos acadêmicos, possuem


características mais ecológicas, pois permitem o descanso do solo, não poluem os
mananciais com agrotóxicos, etc. Por conta desta forma de trabalho, é importante
notar que isto requer que cada família utilize extensões de terras mais amplas do
que aquelas que mantêm suas roças, posto que a posse tradicional da terra é
consideravelmente maior do que aquelas que usam em determinado momento,
segundo estudos, de quatro a cinco vezes mais dependendo da qualidade do
solo, regime de chuvas, etc.
As Comunidades de Remanescentes de Quilombos paranaenses em geral
plantam; arroz, feijão, milho, mandioca, batatinha, batata doce, verduras como
couve, alface, repolho verde e roxo, chicória, almeirão, legumes, cenoura, tomate
beterraba, pepino e abobrinha, também a cana de açúcar e frutas como banana,
laranja, mexerica, pêssego, etc. Utilizam temperos como a pimenta vermelha,
cebolinha verde, salsinha, cebola de cabeça, alho, limão , manjerona, coentro,
louro, etc. Criam animais, como porco, galinha, pato, algumas cabeças de gado,
cavalos, algumas das comunidades criam peixes. O trabalho da roça é feito,
nestas comunidades, tanto pelos homens como pelas mulheres.

3 Em entrevista concedida à autora durante o levantamento básico das comunidades


remanescentes quilombolas, realizado pelo estdo do Paraná, entre 2005 e 2010, no Grupo de
Trabalho - GT Clóvis Moura.
71
CADERNO PEDAGÓGICO

ETNOCONHECIMENTO
É o que entendemos como sabedoria popular. Os chás que as avós e as
tias, nas gerações mais antigas preparavam quando estávamos doentes é um
tipo de conhecimento adquirido ao longo das gerações, o uso de plantas e ervas
curativas, a utilização de alguns tipos e espécies da fauna e flora para uso no
cotidiano como remédios, na prevenção e cura de doenças, e também como
alimentos, assim como todo o conhecimento sobre o ritmo da natureza, o tempo
de reprodução dos seres humanos (as parteiras) e dos animais.

Etnoconhecimento são os saberes, tradições (cultura) passados de geração


a geração nas comunidades tradicionais, aprendidos com a vida cotidiana
e a interação direta com o meio que os cerca e seus fenômenos naturais
(NASCIMENTO, 2013).

Em nosso país, o etnoconhecimento perpassa toda a sociedade e está de


maneira contundente imbricado com a própria formação do povo brasileiro.
Tratamos aqui de maneira mais profunda com os Quilombos e as Comunidades
Tradicionais Negras no Estado do Paraná, sendo que os relatos aqui registrados
foram coletados em visitas realizadas nas comunidades durante os anos de 2004
até 2007.

Tradição e saberes (Etnoconhecimento), duas palavras cuja epistemologia


implica diferentes conceitos; a sociedade contemporânea buscar resgatar em
suas comunidades tradicionais saberes que podem direcionar o futuro, a partir
do entendimento do passado e das relações e percepções destes povos sobre o
meio ambiente e a cultura (BORGES; BRITTO; BAUTISTA, 2008).

Percebe-se que a extinção gradativa das populações tradicionais, pela falta


de estrutura no atendimento as suas necessidades básicas, também pela ação
de grileiros na questão das terras em que habitam, impedem e inviabilizam a
perpetuação e a transmissão deste conhecimento através das gerações dessas
populações. O fato de que o conhecimento científico também vem tentando
se impor, de forma perversa, quando não valoriza e nega o conhecimento
tradicional, ao invés de trabalhar em conjunto com as comunidades, beneficiando
com certeza o planeta.
Também a biopirataria é um problema que precisa ser enfrentado.
Precisamos construir uma legislação que venha inibir estas ações porque elas
basicamente consistem na expropriação do conhecimento e da sabedoria destes
povos sobre o uso de plantas, animais e da localização da biodiversidade com
a finalidade de utiliza-lo comercializando, sem que estas populações tenham
algum direito sobre ele ou algum benefício financeiro.

72
ORALIDADES AFROPARANAENSES

MATERIAL DE APOIO

No portal da Secretaria de Estado da Educação você encontra álbuns de
fotos de algumas Comunidades de Remanescentes de Quilombos (CRQ) do
4

Paraná. Acessando os links dos álbuns é possível verificar a riqueza de recursos


naturais onde se localizam as CRQs paranaenses e que os mesmos são utilizados
de maneira sustentável. A partir das imagens, os estudantes poderão compreender
algumas características ambientais e da vida cotidiana nas Comunidades de
Remanescentes de Quilombos do Paraná.
O Instituto de Terras e Cartografia do Paraná (ITCG), elaborou mapas5
de todos os municípios onde se localizam estas comunidades. Na elaboração
do Plano de Trabalho Docente, os mapas podem ser utilizados como atividades
pedagógicas provocando interesse e reflexão sobre a temática quilombola. Em
nosso estado, 38 Comunidades de Remanescentes de Quilombos são certificadas
pela Fundação Cultural Palmares e estão distribuídas em 20 dos municípios
paranaenses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Respeitar, resgatar e preservar os saberes das comunidades tradicionais
negras e quilombolas é uma tarefa para toda a sociedade e também para a
ciência, pelas próximas gerações. Eles contribuem para que possamos entender
as relações entre o ser humano e o ambiente à sua volta, a cultura envolvida
nesse processo e as tecnologias desenvolvidas, além dos recursos utilizados para
as mais diversas finalidades, desde a alimentação, passando pela vestimenta, até
o uso das ervas, raízes, legumes e verduras no tratamento de doenças.
É na escola que este processo de respeito, resgate e preservação de saberes
podem começar a ocorrer, valorizando e incentivando o aprender com as
gerações anteriores, na oralidade dos conhecimentos passados dos avós e avôs
para os netos e netas, dos pais e mães para os filhos e filhas.
Reverencio aqui as matriarcas, detentoras e guardiãs deste conhecimento
ancestral, algumas já de saudosa memória:

Dona Joana – João Surá, (Adrianópolis),


Dita Freitas – benzedeira e rezadeira – João Surá (Adrianópolis),
Dona Djair – Água Morna (Curiúva),
Dona Maria Arlete - Adelaide Maria Trindade Batista (Palmas),
Dona Lucília – Córrego do Franco (Adrianópolis),
Dona Sebastiana – Córrego das Moças (Adrianópolis).
4 Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteu-
do.php?conteudo=1503
5 Disponível em: http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/Quilombolas_2010/Comuni-
dades_quilombolas.pdf

73
CADERNO PEDAGÓGICO

REFERÊNCIAS
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dos saberes das comunidades tradicionais. Revista de Desenvolvimento
Econômico, Salvador, ano X, n° 18, p.87-92, dez. 2008. Disponível no link: https://
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DAVIDSON, Basil. A descoberta do passado da África. Lisboa: Codex, 1981.

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Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.

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Murta. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
1979.

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escravizados em Itapemirim – ES (1860-1870). Mosaico, v. 8, n. 13, 2017.
Disponível em: bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/
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educação. João Pessoa: Imprell, 2013, p. 57-68.

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2004. Disponível em: http://rapefilosofia.blogspot.com/2015/07/livro-em-pdf-
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BRITTO, Maura Silveira Gonçalves de. Com luz de ferreiro: Práticas do ofício
nas Minas do ferro escravistas, século XIX. Mariana: Mestrado em Historia.
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CAMPOS, Guadalupe. Estudos arqueometalúrgicos de artefatos metálicos


recuperados nos sítios históricos do Rio de Janeiro. Tese de doutoramento.
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74
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Numero 108.Maio, 2010.

_________________ Tecnologias africanas na formação histórica do Brasil.


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_________________ O Etíope: Uma escrita africana. Revista Educação Gráfica.


2007. Vol. 11, pp. 1-10.

_________________Nós, afro-descendentes: história africana e afrodescendente


na cultura brasileira. In: Historia da educação do negro e outras histórias. Brasília:
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DANIELI NETO, Mario. Escravidão e indústria: um estudo sobre a Fábrica de


Ferro São João de Ipanema (Sorocaba, São Paulo,1765-1895). Tese (Doutorado
em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2006.

DIOP, Cheikh Anta. Nations nègres et culture. Paris: Presence Africaine .1955.

GAMA, Rui. Engenho e tecnologia. Editora Duas Cidades, 1983.

HAIDARA, Ismaël Diadé. Les Juifs à Tombouctou. Recueil de sources écrites


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PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo:


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Século XIX. Dissertação (Mestrado em História). Universidade de São Paulo. São
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VARGAS, Milton. História da ciência e da tecnologia no Brasil: São Paulo:


Humanitas, FFCLH/USP, 2001.

75
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPÍTULO 1
REPRESENTAÇÕES SÍMBOLOS
E SABERES AFROPARANAENSES

UNIDADE 5

QUILOMBOS
NO PARANÁ:
CADERNO PEDAGÓGICO

IDENTIDADE VIVA
DA PRESENÇA NEGRA
Vanessa Dybax
ORALIDADES AFROPARANAENSES

(...)
A maior Revolta negra do Brasil Império,
Cem anos de resistência cultural negra
Invisibilizada, ocultada,
Apagada da História do Paraná.
Resistência quilombola...
Abafada pela força militar...
Vencida,
Mas não desmoralizada
(...)
Resistência Afroparanaense:
1864-2014 sesquicentenário da maior revolta negra
do Brasil colonial - fazenda Capão Alto, Castro-PR.
In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na história do Paraná.
Curitiba: Editora Humaita, 2016.
E-book disponível em:
http://bit.ly/2GdWi3AfroParanaense

77
CADERNO PEDAGÓGICO

QUILOMBOS NO PARANÁ:
IDENTIDADE VIVA DA PRESENÇA
NEGRA
Vanessa Dybax

A educação nas escolas brasileiras apresentou-se excludente, não


contemplando nos conteúdos curriculares trabalhados nas disciplinas, a
diversidade étnica que envolve os aspectos da vida social, da riqueza cultural e
da identidade do povo brasileiro. No Paraná, a falta de referenciais da história
e da cultura negra nas diretrizes curriculares e materiais didáticos reforçam nas
escolas estaduais atitudes e comportamentos carregados de racismo, preconceito
e discriminação, condições que tornam invisível a identidade desses povos.
O Estado do Paraná por muitos anos negou e tornou invisível aos olhos
da história oficial a presença negra em suas terras. Considerado historicamente
um estado europeizado, descobriu-se após o levantamento básico realizado
pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura várias Comunidades Remanescentes de
Quilombolas, um Estado Negro.

O processo de produção da invisibilidade social tem suas raízes ancoradas


nas atividades econômicas centradas nos diversos ciclos, iniciadas ainda no
século XVII (mineração, gado, erva-mate, madeira), que conduziram a um
modelo concentrador de terras para aqueles detentores de capital econômico
e social. Assim, as comunidades Quilombolas, foram expulsas, eliminadas ou
imobilizadas na sua força de trabalho. (SOUZA, 2012, p. 19)

Pensar em uma educação que contemple a diversidade étnica que


constitui o estado do Paraná implica necessariamente que professores e alunos
conheçam a história e reconheçam a importância dos quilombos que ocupam o
território brasileiro, especificamente as comunidades presentes no estado. Essas
comunidades são a história viva da presença negra nesta região.
Desta forma, a escola, umas das instâncias sociais formadoras de ideologia,
cumpre com o seu papel na produção do conhecimento e transmissão dos valores
étnico-culturais dos povos que constituíram a nossa história, contribuindo
para combater as diferentes formas de racismo, intolerância e preconceitos
potencializados pela invisibilidade do negro na história do Paraná.

78
ORALIDADES AFROPARANAENSES

QUILOMBOS
O trabalho no Brasil, no período colonial, foi marcado por diversas
manifestações de resistência à escravização. Os povos africanos “lutaram contra
a opressão senhorial e buscavam alternativas de autonomia com expectativas
políticas diversas” (GOMES, 2006, p. 123). Aconteceram revoltas rurais,
insurreições urbanas, escapadas individuais, suicídios, assassinatos de feitores e
outras formas de resistências cotidianas.
Uma dessas manifestações de grande importância na época foi a
constituição dos quilombos, uma das mais ousadas e bem articuladas ações que
buscavam quebrar as imposições da administração colonial. Apesar de muito
relevante, os quilombos ainda hoje são associados por muitas pessoas como algo
restrito ao passado e existem poucos registros que demonstram a presença e o
funcionamento dessas instituições no período colonial. “Portanto, é preciso ter
clareza de que a questão quilombola resulta de um processo histórico, e não de um
fenômeno social datado, fincado no período colonial ou no século XX” (SILVA,
2018, p. 437). Atualmente, essas comunidades estão presentes em praticamente
todo território nacional brasileiro.
Os quilombos, palavra que significa acampamento para a maioria das
línguas do povo banto da África Central, eram locais afastados dos centros
urbanos. No meio das matas, selvas e montanhas, alguns tinham uma grande
concentração de pessoas que conseguiam fugir e se reuniam em comunidades
muito diferentes das comunidades criadas pela ação dos portugueses.
Na documentação colonial do ano de 1575 constam informações sobre os
primeiros quilombos que surgiram. Os moradores dos quilombos eram chamados
de quilombolas, termo que aparece na documentação desde o século XVI. Os
quilombolas participavam de todas as atividades para a obtenção de alimentos
como a farinha de mandioca. Também trabalhavam em oficinas onde fabricavam
suas roupas, utensílios domésticos, ferramentas de trabalho e móveis. Muitos dos
habitantes dos quilombos, além de cultivar suas próprias terras, comercializavam
os excedentes em mercados locais. “A produção de seus roçados servia de
subsistência e quando haviam excedentes, comercializava-se ou trocava-se por
produtos que não conseguiam ou não podiam produzir” (SILVA, 2018, p. 435).
Alguns quilombolas trabalhavam para os latifundiários.
Devido a característica de um movimento de resistência, o quilombo
não era uma simples comunidade, era formado em locais de difícil acesso, pois
visava impedir a recaptura dos seus habitantes. Os quilombos, definidos como
agrupamentos de fugitivos, que podiam chegar a milhares, não estavam limitados
apenas a africanos, era comum servirem de moradia para indígenas e quaisquer
pessoas que fugiam da justiça da época. Sendo assim, o quilombo muitas vezes
era organizado nas proximidades das estradas para que os quilombolas pudessem
realizar trocas mercantis e integrar suas formações econômicas.

79
CADERNO PEDAGÓGICO

Conforme apontam alguns relatos, nessas comunidades, houve o


desenvolvimento de um código moral e de justiça bastante peculiar. Eram
considerados como crimes que condenavam seus autores a pena de morte, o
adultério, o roubo, o homicídio e a deserção. Porém, um dos aspectos importante
da constituição do quilombo, foi o fato de ser um espaço de resistência e
preservação dos traços diversos da cultura e da arte africana. Ritos, danças,
pratos e expressões comuns ao território brasileiro são nitidamente influenciados
pela cultura e tradições desses povos. “Essas comunidades sempre fizeram
parte da paisagem social brasileira, tanto no universo rural quanto urbano,
apenas não eram vistas, suas lutas e reivindicações foram sistematicamente e
intencionalmente invisibilizadas” (SILVA, 2018, p. 437).
Atualmente, as comunidades remanescentes quilombolas lutam pela
demarcação e titulação de suas terras. O Instituto Nacional da Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), é responsável pelo reconhecimento, delimitação
e titulação desses territórios. Os processos de regularização sempre foram
lentos, entre 1995 e 2009 foram regularizadas a situação de apenas cento e onze
comunidades quilombolas, sendo que já foram identificadas pela Fundação
Cultural Palmares mais de três mil áreas. Podemos observar no mapa a seguir as
terras quilombolas tituladas e em processo de titulação no INCRA no território
brasileiro.

O QUILOMBO DE PALMARES
Entre os séculos XVI e XIX, surgiram inúmeros quilombos. Um dos mais
importantes quilombos do período colonial foi Palmares, na Serra da Barriga,
Estado de Alagoas. O Quilombo de Palmares, formado nas últimas décadas do
século XVI, abrigava uma série de quilombos menores e constituía uma grande
comunidade integrada por milhares de pessoas. O período de maior expansão
desse quilombo aconteceu durante as invasões holandesas, momento em que
várias pessoas aproveitaram do distúrbio para fugirem dos engenhos. O local
era ideal para recomeçar a vida, pois tinha uma considerável proteção natural.
A riqueza da flora e da fauna garantiam sua sobrevivência. Foram necessários
conhecimentos sobre topografia, geografia e botânica para fazer da natureza sua
aliada, já que a região, para alguns, não era nada semelhante às suas regiões de
origem africana.
Palmares foi constituído por africanos de identidades étnicas diversas e de
línguas diferentes, sendo assim, mantinham práticas religiosas e culturais distintas,
reelaborando uma cultura própria e original deste quilombo. Os “quilombolas
forjaram um mundo próprio para viverem sua liberdade. Recriaram ali culturas
e organizaram-se militarmente para combater os invasores” (GOMES, 2006, p.
126), reinventando uma África no Brasil.

80
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Figura 1. Fonte: http://comissaoproindio.blogspot.com/2017/06/terras-quilombolas-confira-


-o-balanco-de.html.

Palmares estava dividido em inúmeros quilombos, alcançando mais de 20


mil pessoas. Os quilombos mais importantes eram denominados pelos nomes
dos seus comandantes ou chefes, sendo o principal quilombo denominado de
Macaco, que era o centro político e administrativo, o mais povoado de todos
e onde residiam alguns dos seus principais líderes: Aqualtune, Sabina, Ganga
Zumba e Zumbi dos Palmares - que está inscrito no Livro dos Heróis Nacionais.
Palmares contava com uma inteligente estratégia militar de defesa, os
palmarinos conheciam bem a região e tinham sempre sucesso na defesa contra
os ataques constantes. Quando houve uma proposta de trégua das principais
autoridades coloniais, a condição imposta era de que os quilombolas não
abrigassem novos escravizados foragidos das vilas e engenhos. Acreditando na
garantia oferecida de sobrevivência e autonomia para o quilombo, Ganga Zumba
81
CADERNO PEDAGÓGICO

inicialmente aceita o tratado e estabelece um acordo com a demarcação de terras


para os palmarinos.
Zumbi, importante liderança militar, juntamente com grande parte dos
demais aquilombados se opôs ao acordo e optaram por continuar no quilombo.
As autoridades intensificaram as ofensivas contra Palmares, que perdeu a
batalha. Até hoje sua voz ecoa no Brasil e no mundo: de que vale a liberdade no
quilombo, se a nação inteira continuar escravizada? Motivo pelo qual o quilombo
de Palmares é compreendida como a primeira experiência de democracia no
Brasil. Zumbi, principal liderança que representou a luta contra a escravidão e a
libertação do seu povo, foi assassinado em 20 de novembro de 1695 e seu nome
é um dos 38 inscritos no Livro de Aço dos Heróis Nacionais. Sua história foi
tema do Prêmio Orirerê - Cabeças Iluminadas (2015), que premiou estudantes e
professores da rede de ensino do Paraná. As músicas, painÉis e textos produzidos
estão disponíveis em: https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/
orirere/.

COMUNIDADES REMANESCENTES
DE QUILOMBOS: CONCEITO
Nos últimos anos, os movimentos sociais e autoridades estaduais e
federais se mobilizam para o reconhecimento das comunidades remanescentes
de quilombos. O termo “remanescentes de quilombos” passou a ser utilizado
oficialmente na Constituição Brasileira (1988), ano do centenário da abolição
da escravatura, uma definição abrangente e ao mesmo tempo operacional no
sentido de cidadania e do reconhecimento dos direitos sobre a posse da terra.

O Artigo 68 assegura que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos


que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” (BRASIL, 1988).

Desta forma, com esse amparo legal, as comunidades quilombolas passaram


a ter sua identificação garantida, implicando na valorização da memória dos
povos africanos e na efetivação de importantes políticas públicas, como acesso
à saneamento básico, educação, saúde, moradia, lazer, segurança, etc. As leis e
decretos asseguram os direitos territoriais, a ser efetivados.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE
Após conhecer um pouco sobre o que é quilombo e sobre a importância
do Quilombo dos Palmares, que teve como principal líder Zumbi, assassinado
no dia 20 de novembro de 1695, data que se comemora o Dia da Consciência

82
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Negra, sugerimos a leitura do texto vencedor da premiação Orirerê (2015), de


Inetti Paula Borges et al (ORIRERÊ, 2015, pg 7).
Ele poderá ser usado para realização de diversas atividades artísticas,
envolvendo as linguagens da arte. No teatro, poderá ser realizada uma encenação
representando os quilombos; na música a criação de uma paródia e nas artes

Figura 2 - fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/15/Zumbi_dos_Palmares_portrait.jpg.


visuais a exploração de técnicas de ilustrações, gravuras, colagens ou história em
quadrinhos.

19 DE NOVEMBRO DE 1965

Lá vem ele!! Correndo feito onça, cansado que só...


Ah, menino magro, mais forte, inteligente, espoleta.
Lá na roça de milho, plantava e colhia, na verdade
mais brincava do que trabalhava: oh menino! busca
o boi, o menino planta horta horta! Atá, eu pegava
e corria pro mato, ficava comendo jabuticaba, mas
é claro eu respeitava todos, e quando era pra eu
fazer, ah... eu fazia... Nasci, lá por volta de 1655, no
quilombo mesmo, lembro-me das nossas cantorias,
todos se ajudavam. Quando era criança, fui
capturado, me entregaram para um senhor ‘diferente’,
falavam que era um jesuíta, no começo, fiquei
ressabiado, mas ele era como um pai para mim, me
ensinou diversas coisas, entre elas algumas línguas
estrangeiras, mas isso não me tirava a saudade de
meu povo, de minha terra, além disso me batizaram de... Francisco. Era ‘piá’, tinha15 anos,
não aguentei e fugi. (...) (ORIRERÊ, 2015. Leia o texto na íntegra1)

QUILOMBOS NO PARANÁ
O Paraná, considerado historicamente um estado europeu, fica localizado
na região Sul do Brasil e teve a presença negra estereotipada e omitida em sua
história oficial por muitos anos, tornando invisível a participação do negro e do
índio na formação social, cultural, econômica e política deste Estado.
A presença dos africanos no Paraná ocorreu a partir do século XVII com
a exploração do ouro de aluvião no litoral. No século XVIII, a mineração entra
em decadência e a mão de obra africana foi remanejada para a agricultura e
a pecuária. No século XIX, a mão de obra africana também foi utilizada na
extração, beneficiamento e transporte da erva mate. Além dessas atividades, os
africanos trabalhavam na extração de madeira para exportação. Os negros no
Paraná, como em outras regiões do país, também buscavam formas resistir ao
sistema escravista por meio de fugas, revoltas e formações de quilombos.
1 Texto da página 7, disponível em: https://informativocentroculturalhumaita.files.
wordpress.com/2011/09/revista-digital_prc3aamio-orirerc3aa-cabec3a7as-iluminadas.pdf

83
CADERNO PEDAGÓGICO

Esses quilombos ou comunidades negras existem até hoje. Suas terras


possuem diversas origens, pode ser doação de terras para ex-escravizados, compra
dessas terras por escravizados alforriados, pagamento de serviços prestados
ao governo, herança, ocupação e outras maneiras, como o caso de terras que
pertenciam a ordens religiosas deixadas sob administração de ex-escravizados,
na metade do século XVIII.
Segundo a Fundação Cultural Palmares e a Comissão Pró-Índio de São
Paulo, no estado do Paraná são 37 comunidades certificadas, 38 comunidades em
processo de regularização fundiária e nenhuma comunidade, cujo os territórios
já foram titulados.
Na página 88 vemos os nomes e a localização das comunidades certificadas.

TRADIÇÕES CULTURAIS:
COMUNIDADE QUILOMBOLA
JOÃO SURÁ
As comunidades quilombolas do Paraná têm perfis distintos (GT, 2010).
Segundo a professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal
do Paraná (UFPR), Liliana Porto, doutora em antropologia, as comunidades têm
origens diferentes e algumas não possuem uma história direta com a escravidão.
"É claro que a presença negra no Brasil tem relação com a escravidão, mas isso
não quer dizer que o grupo individual tenha tido uma história de escravidão.
Esses processos são muito mais complexos". Muitos africanos chegavam ao
Brasil após a lei de 7 de novembro de 1831, que proibiu o tráfico de pessoas
pelos escravizadores. Denominados “livres” apenas na palavra, trabalhavam em
condições similares à escravidão, pois ficavam submetidos ao Estado por 14 anos
para então reivindicar a plena liberdade.
Nas comunidades quilombolas a tradição da oralidade é mantida, os
mais velhos transmitem seus conhecimentos aos mais novos contando sobre a
formação dos quilombos e as histórias dos antepassados.
João Surá é o nome de uma dessas comunidades remanescentes de
quilombolas. Localizada a 50 quilômetros da sede do município de Adrianópolis,
região do alto Vale do Rio Ribeira do Iguape, na divisa entre os estados do Paraná
e São Paulo. O nome da comunidade é em razão de um garimpeiro francês que na
ganância pelo ouro morre em uma cachoeira que deságua no Rio Pardo, região
do Vale da Ribeira.
A comunidade foi formada há mais de 200 anos por africanos/as de uma
mina de ouro em São Paulo, que buscavam liberdade. Estabeleceram relações com
os povos indígenas que moravam na região. Lugar de difícil acesso e mata fechada,
apresenta-se em grande parte do seu território um relevo ondulado e montanhoso,

84
ORALIDADES AFROPARANAENSES

possui uma rede hidrográfica densa,


ou seja, uma região com abundância
de águas, sendo comum nessa área
a presença de cachoeiras e cavernas.
Nas imagens a seguir vemos a região
da Comunidade Quilombola João
Surá e um morador.

Figura 4, 5 CRQ João Surá.


Fonte: o autor

Figura 6 Morador da CRQ João Surá.


Fonte: www.educacao.pr.gov.br

As atividades desenvolvidas
na comunidade são de subsistência,
voltadas ao extrativismo. A
agricultura, a pesca e a criação de
animais são praticadas pelas famílias.
Segundo Souza (2012): “Toda
produção obedece a rituais seculares.
É raro existir nestas comunidades
práticas que não sejam, relativamente,
sustentáveis.”
As famílias compartilham a
casa da farinha, considerada como
um símbolo da subsistência coletiva.
Enquanto participam do processo de
torragem da farinha de mandioca,
as mulheres cantam, mantendo suas
tradições culturais da musicalidade.
As tradições culturais
também são vivenciadas por meio da união e da fé nas festas de Santo Antônio,
da Recomendação, da Quaresma, do Divino e da Dança de São Gonçalo.
A religiosidade, que mistura elementos do catolicismo com as religiões de
matriz africana, são referências culturais importantes para as comunidades
remanescentes de quilombolas. As festas são também ocasiões de agradecimento
às graças alcançadas com a boa saúde e a boa colheita.
Outras tradições importantes são mantidas nas comunidades quilombolas,
sendo o artesanato uma delas. Uma forma de arte muito antiga que o homem usa
como meio de expressão. Objetos feitos em argila e madeira são manifestações
da arte e da cultura desses povos.

85
CADERNO PEDAGÓGICO

Nas imagens a seguir vemos as casas e a


igreja da comunidade remanescente de quilombolas
João Surá.

Figura 7, 8, 9 e 10. CRQ João Surá.


Fonte: o autor

SUGESTÕES
DE MATERIAL
AUDIOVISUAL
Quilombolas de João Surá - 200 Anos - Parte I. II e III
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=1gcX-khUkPU
https://www.youtube.com/watch?v=Yv1qqpabiuU
https://www.youtube.com/watch?v=pwU6thN9VxQ

Documentário: Terra, Fé e Cidadania na Comunidade


Quilombola de João Surá (VALE DO RIBEIRA, 2009)
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Ie9NNrzKkfs

#TáNaHoraDaRoça para os quilombolas do Vale


do Ribeira. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=HsyaK7Iugmo

Como funciona o processo de registro de quilombos


no Brasil - Jornal Futura - Canal Futura
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ZzaVCIFG2lE

Educação Escolar Quilombola. Palestra profa Nilma


(parte 1, 2 e última parte). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=MDhbq-NMpAI
https://www.youtube.com/watch?v=0cSWji72wTc
https://www.youtube.com/watch?v=7EAI8Vgc9Zc

86
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
DOCUMENTÁRIO
No documentário Terra, Fé e Cidadania na Comunidade Quilombola de
João Surá (VALE DO RIBEIRA, 2009), vemos as tradições da musicalidade e
da religiosidade mantida por esta comunidade. A partir do documentário, os
alunos poderão realizar pesquisas sobre os instrumentos musicais utilizados nas
comunidades quilombolas, as festas populares e brincadeiras infantis.

O conhecimento passa de pai para filho, perpetuando a tradição e os ensinamentos


dos antepassados. Seguindo o exemplo das comunidades quilombolas que
valorizam as oralidades, solicitar aos alunos que elaborem um roteiro para
realizar uma entrevista com seus familiares, podem abordar as histórias
familiares, os causos, a medicina popular e as receitas culinárias. Essa entrevista
poderá ser registrada pelo smartphone e futuramente compor um documentário,
valorizando e preservando as suas tradições familiares.

POEMA
Após a leitura de trechos de poemas, como este do poema Campina dos
Morenos do livro Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença
negra na História do Paraná (REINEHR; SILVA, 2016), solicitar aos alunos que
pesquisem memórias e histórias com os mais velhos da sua localidade ou criem
poemas com ilustrações para confeccionar um caderno de poemas denominado
Presença Negra no Paraná.

No estado mais negro do sul do meu Brasil


Ainda racista e varonil
Antes da abolição já haviam se emancipado
Remanescentes de um dos quilombos do Paraná
História invisibilizada, embranquecida
Tem que ser esclarecida...Ou melhor, escurecida
Tem que ser contada.

87
CADERNO PEDAGÓGICO

www.folhadelondrina.com.br/geral/comunidades-quilombolas-tem-perfis-
Figura 3 - Fonte:
-distintos-962008.html.

88
ORALIDADES AFROPARANAENSES

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SOUZA, Jurandir de. Comunidade quilombola no sul brasileiro: identidade,


memória e sustentabilidade no Vale da Ribeira.Resgate - vol. XX, N0 24 - jul./
dez. 2012 - p. 16-24.

GT Clóvis Moura. Quilombos do Paraná: relatório 2005/2010. Disponível em:


<http://www.gtclovismoura.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?con-
teudo=69 Acesso em: 05 set. 2018.

Sites consultados
FOLHA DE LONDRINA. Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.
br/geral/comunidades-quilombolas-tem-perfis-distintos-962008.html.

89
ORALIDADES AFROPARANAENSES
CAPITULO 2

AS
NARRATIVAS
DAS MULHERES
NEGRAS
CADERNO PEDAGÓGICO

MEMÓRIAS,
LUTAS
E RESISTÊNCIA
UNIDADE 1
NARRATIVAS DE
VIDA DAS MARIAS:
VIVIDAS, SOFRIDAS
E NÃO RECONHECIDAS

Ana Lucia Mathias Fernandes Coelho


CADERNO PEDAGÓGICO

NARRATIVAS DE VIDA
DAS MARIAS:
VIVIDAS, SOFRIDAS
E NÃO RECONHECIDAS
Ana Lucia Mathias Fernandes Coelho

Curitiba, nossa capital paranaense é moderna e caracterizada por se


preocupar com meio ambiente, sendo intitulada Cidade Modelo. Porém, há certo
descaso com as classes menos favorecidas e em situações de vulnerabilidade. Aqui
existe uma tendência de inviabilizar tais populações na direção de sustentar o
mito de cidade modelo. Por carregar também o título de cidade europeia, existe
uma determinada dificuldade em se considerar a população negra na cidade. Isso
contribui para dificultar não só a inserção da cultura e história afro-brasileira e
africana nos currículos, mas também a desconstrução de conceitos racistas que
estão enraizados em nossa sociedade. Nesse contexto, quem mais sofre com a
ausência de histórias e presenças negras paranaenses são nossos estudantes no
âmbito escolar.
A escola é um ambiente onde as/os estudantes vivem constantemente
em grupos sociais. Existem diálogos e ao mesmo tempo conflitos, sob o desafio
do respeito à diversidade. Este espaço não pode ser conivente com relações de
exclusão, discriminação e preconceito racial e social, porque este ambiente é um
espaço para construção de identidade, para além da construção que se inicia no
seio familiar.
Nessa perspectiva, evidenciamos a exclusão, discriminação e preconceito
resultante da ausência de personagens e fatos relativos à aficanos/as e
afrobrasileiros/as com as quais possa reconhecer presença negra na história do
Paraná, pois isto priva as crianças e adolescentes negras/os de conhecerem a sua
própria história, que vai muito além da escravatura.
Para tanto, a escola necessita urgentemente reformular seus conteúdos e
problematizar a questão dos estudantes negro/as no contexto escolar.
Assim, a escola proporciona o conhecimento da diversidade cultural
e social da criança negra, adquirindo possibilidades de conhecimento da sua
cultura (RIBEIRO, 2002).
Nesse sentido, Ribeiro (2002, p. 150) afirma:

92
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Crianças brasileiras de todas as origens étnico-racias têm direito ao conhecimento


da beleza, riqueza e dignidade das culturas negro-africanas. Jovens e adultos têm
o mesmo direito. Nas universidades brasileiras, procure nos departamentos as
disciplinas que informam sobre a África. Que silêncio lamentável é esse, que
torna invisível parte tão importante da construção histórica e social de nosso
povo, e de nós mesmos.

Para obter êxito na prática da Lei 10.639/2003, a escola e suas/ seus professoras/
es não podem improvisar. É preciso desconstruir essa mentalidade racista e
discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando
relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não
pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de
ser inferiorizado, vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que
lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e
políticas. (CAVALLEIRO, 2000, p. 35).
Contribuir para universalizar a formação de crianças, jovens e adolescentes
para o conhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro, disseminando
conteúdos teóricos e práticos sobre o tema, assim como contribuir para a
efetivação da Lei 10.639/03, que estabelece a valorização dos conteúdos de
Ciências da Natureza sobre História da Cultura Afro-brasileira e Africana no
currículo escola, é o objetivo geral desta pesquisa. Assim, propomos uma prática
aos professores/as, uma relação professor-aluno/a, quanto ao trato das questões
étnico-raciais presentes no espaço da escola e da sala de aula; sobretudo aquelas
que são ligadas às questões religiosas e territórios sagrados preservação cultural
e guardiões da memória de um povo que estão construindo “olhares inclusivos”,
para uma cultura que é preservada na sua ancestralidade (ARRUDA, 2007).
Nesse contexto, devemos promover, proporcionar, ampliar, melhorar e
incentivar o trato das questões relacionadas às temáticas étnico-raciais no espaço
da escola e de sala de aula, de acordo com objetivos específicos:
• Lutar pela equidade, valorizando as diferenças;
• Valorizar o múltiplo, o plural, as muitas diferenças na sala de aula e
fora dela;
• Estabelecer o diálogo, ouvindo a todos;
• Caminhar para além do senso comum;
• Afirmar a esperança, investindo na mudança;
• Exercitar a escuta para os vários possíveis interlocutores;
• Aprofundar os próprios conhecimentos e incentivar que outros o
façam;
• Permitir o desenvolvimento das ideias trazidas pelo Caderno
Pedagógico Oralidades AfroParanaenses para além da esfera do saber acumulado;
• Reconhecer o racismo, se opondo a ele.

93
CADERNO PEDAGÓGICO

A INVISIBILIDADE DA PRESENÇA
NEGRA: UM ESTUDO SOBRE
A QUESTÃO FEMININA
Durante a leitura do livro Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da
presença negra na História do Paraná (REINEHR; SILVA, 2016), entre um poema
e outro, o que mais me chamou atenção foi o poema Trajetórias de Muitas Vidas:
fragmentos da presença negra em Palmas. O texto narra histórias aprendidas
com uma professora guerreira da cidade de Palmas, dona Maria Arlete, negra e
quilombola do Paraná.
Raízes afrodescendentes, negras, afroparanaenses, que fizeram por
onde serem lembradas e homenageadas, no livro Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na História do Paraná.
Assim, inspirada no respeito demonstrado à professora Maria Arlete, peço
licença nesse momento para homenagear mais uma grande Maria, também
através de um conto, de uma narrativa, resgatando a história de uma mulher
negra fantástica. Uma mulher única, sofredora, batalhadora e vencedora de todos
os desafios que um ser humano poderia passar e que nunca desistiu de lutar. É a
minha mãe esta grande guerreira.

MARIA FRANCISCO MATHIAS


Dona Maria Francisco Mathias veio muito pequena do estado de Minas Gerais,
trazida pelos pais. Fixaram moradia em Ribeirão do Pinhal, interior do Norte do
Paraná. Ainda muito jovem perdeu a sua mãe, assim proporcionando ao seu pai
um novo casamento, onde lhe deram mais quatro irmãos, sendo que os mesmos
fixavam moradia numa fazenda onde meu avô José Francisco trabalhava com
serviços braçais para uma tal família, que até hoje encontra descentes em Santo
Antônio da Platina.
Então, dona Maria, cansada de viver aquela vida sem nenhuma estrutura,
pegou sua mala e foi trabalhar como empregada doméstica para a tal família, com
apenas 14 anos. A forma de pagamento era apenas cama, mesa e banho e muito
trabalho doméstico. Assim, essa adolescente não teve oportunidade de estudar
ou de obter uma vida digna ou ser reconhecida como um ser humano pensante e
com muita vontade de vencer. Os anos foram passando, o trabalho aumentando
e ficava cada vez mais distante a oportunidade de dona Maria estudar ou garantir
sua sobrevivência como uma cidadã digna como sempre foi perante essa sociedade
maçante.
A partir do momento que completou vinte anos de idade, no ano de 1950, dona
Maria sentia vontade de sair com as colegas também empregadas domésticas para
as quermesses que se realizavam nos finais de semana no pátio da Igreja Católica
de Santo Antônio da Platina, mas a mesma era impedida de sair pelos seus patrões,
pois temiam que, caso saísse, não retornaria mais, devido ao compromisso do
serviço que deveria realizar todos os dias a partir das 6 horas da manhã. Neste

94
ORALIDADES AFROPARANAENSES

contexto, como a família não facilitava para que dona Maria pudesse ter uma vida
social normal como qualquer outra cidadã, ela passou a pular pela janela do quarto
quando fosse dormir e assim encontrando-se com as colegas para se divertirem
na quermesse, que no momento era o único lazer que a cidade proporcionava aos
finais de semana.
Foi nessas saídas às escondidas que conheceu o meu pai, José Victor, um negro
bonito, alto, em torno de 1,90cm, esbelto, super bem trajado. Assim, iniciou-se
uma grande paquera e os encontros tornaram-se habituais na vida de ambos.
Após dois anos houve o interesse de se casarem e, aproveitando a oportunidade,
terem uma vida familiar normal, como todos/as cidadãos/as paranaenses. Assim,
achava que poderia ser feliz e, finalmente, abandonar aquela vida tão sofrida sem
perspectiva nenhuma. O casamento tão esperado aconteceu no ano de 1.954,
com uma festa de arromba, aliás, dançaram a noite toda e o cardápio simples,
apenas pão com linguiça, mas segundo minha mãe estava divina a comida de
seu casamento. A partir daí, como uma boa dona de casa, dona Maria saiu do
emprego para construir sua grande família e foi morar junto com a sogra, dona
Antônia Constância. Minha avó, essa negra maravilhosa com quem tive o prazer
de conviver também.
Dona Maria achava que era apenas por um tempo pois, segundo meu pai José
Victor, apenas até que conseguisse arrumar uma casa para os dois. O que eles não
sabiam é que ambos ficariam desempregados.
Assim, com a idoneidade de dona Maria ou pela sua própria criação, resolveu
procurar outro emprego, mas sem sucesso, então iniciou um trabalho na roça como
boia fria. Passaram-se dois, três anos e nada de mudarem para sua própria casa.
Logo após, os filhos começaram a chegar. Meu irmão mais velho, Luiz Roberto
Mathias, nasceu em 13 de setembro de 1956 e, mesmo assim, meu pai continuou
sem trabalhar. Minha mãe todos os dias por volta das 5 horas da manhã pegava o
caminhão para a roça e retornava após as 20 horas. Depois de muitos anos, dona
Maria percebeu que o homem com quem havia se casado, era apenas um boêmio
que vivia de sonhos e aparências, esquecendo de suas responsabilidades para com
sua família. Em seguida, nasceu o meu segundo irmão Eloir Gilberto Mathias,
que infelizmente foi assassinado no ano de 1997, sem qualquer possibilidade de
defesa. Lógico, um negro que estava perto de ser bem-sucedido na vida. Mas seus
sonhos foram interrompidos.
Aos finais de semana minha mãe, para aumentar a renda de casa, lavava roupa
para a vizinhança, as famílias do poder de Santo Antônio da Platina. Após quatro
anos, nasceu essa pessoa que está com a palavra. Eu, Ana Lúcia Mathias e, após
mais quatro anos, nasceu meu irmão caçula, Maurício Mathias. Infelizmente, na
década de 60, os métodos contraceptivos ainda não eram bem vistos na sociedade
e as esposas eram literalmente submissas aos seus maridos, mesmo que não
fossem os homens mais perfeitos da face da terra. Nesse contexto, não se pensava
em profilaxia relacionada à gravidez.
Mesmo com tantas dificuldades, dona Maria Francisco não desistiu de sua
luta. Apesar de não ter nenhum grau de escolaridade, sua escola era a colheita de
arroz, café, algodão, feijão e cana de açúcar e ela era uma mulher com uma astúcia
de dar inveja a qualquer pessoa.
Assim cresci, vendo e observando esta negra maravilhosa e com toda essa
fortaleza. Até aí, eu ainda não entendia esse tal de sofrimento. Eu não conseguia
perceber o sofrimento estampado no rosto de minha mãe. E nasci numa casa de

95
CADERNO PEDAGÓGICO

pau a pique e lá cresci até aos cinco anos de idade. Foi quando comecei a entender
o porquê de eu ficar na escola o dia todo. E o porque do meu pai ficar o dia inteiro
com seus amigos importantes e não ajudar a minha mãe. Mas mesmo assim eu
conseguia vê-lo como um rei. Eu achava o meu pai lindo por demais. Um negro
alto e de olhos caramelos, eu ficava todo cheia quando andávamos de mãos dadas
pelas ruas da pequena cidade de Santo Antônio da Platina. A minha mãe nunca
falou uma palavra que pudesse diminuir essa fascinação que eu tinha por ele.
Logo após essa fascinação toda, eu comecei a ver mais exatamente a realidade
dessa mulher que eu achava forte, corajosa e lutadora, pois antes de completar seis
anos, eu convivi com a primeira realidade. Foi um choque total, eu presenciei a
primeira surra que meu pai deu em minha mãe. E, só pra ajudar, logo em seguida
fomos despejados da casa de pau a pique por falta de pagamento do aluguel, que
minha mãe não tinha condições nenhuma de pagar no momento, e o dono da
casa, seu Pedro Brito, necessitava de pagamento em dia, pois tinha suas obrigações
para acertar.
Fomos para debaixo do assoalho de uma casa da minha tia, ou seja, aquelas
casas de madeiras, com pilares altos, pois exatamente aí que moramos por quase
quatro meses, fazia chuva ou sol, estávamos sempre juntos. Mas lembranças que
não gosto de ter, pois minha tia não permitiu que morássemos dentro da casa dela
e exatamente por esse motivo, fomos parar debaixo do assoalho. Mas incomodado,
seu Pedro Brito, pela situação que dona Maria se encontrava com seus quatro
filhos e pela idoneidade de minha mãe que a conhecia muito, resolveu ajudá-la
com toda sua bondade, conseguiu nos alugar uma casa com o valor muito inferior
do que propriamente valia e que fossem pagos os meses que ela pudesse.
E, assim, acabei estudando ao lado de casa, na Escola de Aplicação Edith de
Souza Prado de Oliveira, onde iniciei uma nova batalha na minha vida. Com
apenas sete anos, eu cuidava de casa e do meu irmão menor, pois dona Maria
levantava todos os dias às três horas da manhã para pegar o seu caminhão de
boia-fria. Assim, anos e anos se passaram. Ela percorria várias fazendas, como a
Fazenda São Geraldo, a Fazenda Jacutinga, a Fazenda Renó, entre outras, e todas
no município de Santo Antônio da Platina/PR. Minhas principais lembranças em
relação à escola são as sopas que sobravam todos os dias e eram levadas para minha
casa, para que pudéssemos nos alimentar. Muitas vezes era tudo o que realmente
tínhamos a semana toda. A sempre com a esperança de chegar o sábado, quando a
mãe recebia da roça e podíamos comprar toucinho para fazer torresmo. Era muita
alegria.
Assim a vida continuava. Dona Maria sempre na roça e, aos finais de semana,
lavava roupas para os professores/as da minha escola. Lembro muito bem de
ajudá-la a tirar água do poço, vários e vários baldes. E também não me esqueço do
batedouro onde batia as roupas, colocava para quarar no sol e enxaguava com anil.
Elas ficavam super limpas e totalmente brancas.
O tempo passou e dona Maria continuava com a mesma vida. Meu pai como
sempre e cada vez mais na sua boemia e nada de trabalho, mas as agressividades
continuavam e sempre quando chegava à casa bêbado e não tivesse carne ou algo
que gostaria de comer. Ela apanhava e assim por várias madrugadas, quando
chegava ou pouco antes da mãe sair para pegar o caminhão de boia-fria, também
apanhava, meus irmão e eu ficávamos quietinhos, fingindo que dormíamos para
não apanhar também, mas mesmo nessa circunstância, dona Maria não abria a
boca para falar algo que pudesse afetar a imagem daquele negro, esbelto e bonito,

96
ORALIDADES AFROPARANAENSES

que eu chamava de pai. Ao passar dos anos, crescemos vendo e sentindo toda a dor
dessa grande mulher.
O meu irmão mais velho deixou de ser engraxate na Rodoviária e nos deixou,
indo trabalhar na cidade de Santos-SP. Meu irmão do meio começou a trabalhar
de Office boy para ajudar em casa.
Nesta grande trajetória, dona Maria resolveu tomar uma atitude em relação a
sua vida, ou seja, estava cansada de ser espancada. Numa tarde que meu pai chegou
bêbado de uma noitada e resolveu agredi-la novamente, foi a primeira e última vez
que vi minha mãe enfrentá-lo. Entre socos e ponta pés de ambas as partes, percebeu
que não conseguiria detê-lo, então pegou o facão que usava como ferramenta na
roça, no corte de cana de açúcar para se defender. Quando meu pai percebeu saiu
correndo e, nessa fúria, dona Maria arremessou o facão, atingindo o calcanhar
do meu pai. Com o ocorrido, ele acabou indo para o hospital, levando quase 10
pontos e, assim, ficamos praticamente mais de uma semana numa enfermaria do
hospital Nossa Senhora da Saúde, o mais antigo da cidade do norte pioneiro.
Devido a sua internação, aquele parecia o melhor momento que estávamos
passando em casa. Sem brigas, gritos e agressões físicas, até o nosso sono melhorou.
Mas, de repente, dona Maria foi convocada a comparecer no hospital. Deixou
de ir para roça e, atendendo o chamado dos médicos foi verificar o que estava
acontecendo.
Foi quando se deparou com a notícia de que meu pai estava com um problema
no fígado, cirrose hepática avançada devido à bebida alcoólica. O seu quadro era
gravíssimo. Mesmo assim, chegando a casa nos avisou que o pai estava doente,
mas que iria melhorar com muita fé. Na época, ela era devota de Nossa Senhora
da Aparecida e, algumas vezes, ajoelhada no chão e com muita fé, pedia a cura de
meu pai, sempre com uma vela acesa. Passaram-se dois meses de internação e meu
pai retornou para casa cheio de recomendações médicas, como repouso total.
Olha, o impossível estava acontecendo. Logo quando chegou do hospital, ele
quis conversar conosco e prometeu que nunca mais iria colocar uma gota de álcool
na boca e jamais colocaria a mão em minha mãe para surrá-la novamente, chorou
muito e pediu perdão. Essa cena eu tive o prazer de assistir quando tinha apenas
nove anos. Fiquei muito orgulhosa pela minha mãe. Por um momento, achei que
poderia me esquecer de todas as agressões verbais e físicas para com minha mãe,
mas o sonho durou muito pouco.
Um mês depois ele passou muito mal e retornou para o hospital vomitando
puro sangue. A única lembrança que ficou foi de realizar as visitas pela janela
do jardim do hospital, pois eu era uma criança e não podia entrar. Ele fazia um
grande esforço e se levantava e ficava perto da janela pra que eu pudesse vê-lo. Isso
ocorreu duas vezes e, a última, foi numa sexta-feira.
Retornei pra casa e, durante a madrugada, chegou a notícia de que infelizmente
ele havia falecido. Dona Maria não se entregou à tristeza. Ao contrário, sentimos
que ela ficou mais fortalecida e seguiu sua trajetória de Maria. Vivida, Sofrida e
não Reconhecida.
No entanto, não posso esquecer-me de pessoas que fizeram parte da vida dessa
extraordinária negra chamada Maria Francisco. Pessoas que deram continuidade
para que pudesse criar os filhos/as com a mesma dignidade. Pessoas como o
açougueiro Miro. Cada vez que eu entrava no açougue sem dinheiro, ele deixava
alguns ossos limpos com pouquíssima carne e dizia, “toma, leva pra sua mãe fazer
um caldo de tutano pra vocês ficarem fortes". Tinha também o seu Lídio da máquina

97
CADERNO PEDAGÓGICO

de arroz. Quando eu passava para comprar meio quilo de arroz quebradinho, ele
misturava com arroz inteiro. O Edgar farmacêutico vendia remédios para minha
mãe, devido aos seus problemas de saúde, para pagar quando pudesse.
Esta é uma das narrativas sobre trajetórias de vida das Marias, como palavra
falada, mas essa Maria é a minha mãe. Maria, negra, analfabeta, batalhadora,
reconhecida apenas pelas pessoas que a respeitavam. Uma Afro Paranaense que
vocês perderam de conhecer, pela sua astúcia, liberdade de expressão e honestidade.
Infelizmente ela nos deixou no ano de 2010. Foi vítima de uma depressão profunda
desde que perdeu um filho assassinado, apenas com trinta e sete anos, como já
citado. Ela lutou por dez anos com a perda deste filho, depositando todas as suas
forças. Mas não resistiu a tamanha dor e infelizmente também acabou falecendo,
dentro da minha própria casa, em território paranaense e com o mesmo discurso
de sempre. “O que tanto você estuda menina?! Já não terminou “a tal” de faculdade
que queria tanto?"

Por isso eu afirmo: a minha Maria, vivida, sofrida, será reconhecida.
Nessa obra, visibilizada. Presença negra feminina paranaense.

Figura 1: casal Maria Francisco Mathias e


Victor Mathias. Fonte: Acervo de família:Ana
Lúcia Mathias Fernandes Coelho.

98
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUJEITO, CORPO E MEMÓRIA:


NEGRAS, HEROÍNAS E ANÔNIMAS
DE NOSSA HISTÓRIA
A tradição oral está presente nos espaços de interação da população negra de
modo a revigorar o espírito, alimentar a identidade e fortalecer o pertencimento.
Por tais motivos, as narrativas tendem a trabalhar o contato entre as gerações,
considerando que o passado pode efetivamente explicar o presente e contribuir
para reflexões sobre o futuro.
A palavra falada é a alma da narrativa e a narrativa é o caminho que a
imaginação e o fazer humano percorrem para nos ensinar quem somos, como
somos e porque somos. Enquanto ouvimos e contamos histórias, incorporamos
valores, modos de pensar, sentir e agir, aprendemos mais sobre nós mesmos e
também nos construímos como pessoa dentro de um grupo social.
Entretanto, quando falamos, estamos circunscritos a um contexto,
dialogamos com papéis sociais e, por isso mesmo, falamos de lugares conhecidos
e reconhecidos. Somos adultos experientes e gestores de um dado grupo social.
Ao contarmos histórias, passamos valores, reafirmamos crenças,
metaforizamos personagens, costumes e, muitas vezes, confirmamos
preconceitos. E, aqui, só estamos considerando a palavra falada, seja nas
sociedades tradicionais, seja na globalizada.
A alma desta narrativa é contar a história das Vidas de Marias, em
especial a vida de minha mãe Maria Francisco Mathias, que é uma história a
meio-caminho de nós mesmos/as, quase em retirada, às vezes velados/as. Não
posso esquecer este mundo de memória. O mundo da minha mãe Maria.
Nós, brasileiras, aprendemos desde cedo, com todo o ocidente, a
supervalorizar as coisas masculinas. A dimensão masculina do Viver. O ocidente
tem uma larga tradição nessa valorização da dimensão masculina da existência.
Para esse povo europeizado, o mundo é masculino - é macho. É como diz Capra,
o masculino caracteriza-se por ser racional, linear, concentrado e analítico.
No entanto, como pontua Leonardo Boff, "pelo feminino o ser humano se
sensibiliza pela profundidade misteriosa da vida e recupera sua capacidade de
maravilhamento”.
Podemos assim dizer que o olhar africano e afro-brasileiro, sobretudo nas
Comunidades Religiosas de Matriz Africana, consegue zelar por essa dimensão
feminina de ver as coisas no mundo. Desde os Quilombos de Palmares, as
mulheres negras chefiavam quilombos e articulavam revoltas. Esta referência
forte acerca do papel da mulher vem desde os mais remotos tempos de África
milenar, quando na maioria das sociedades tradicionais a mulher era o centro
de tudo. E essa sinergia/energia, vem de longe, vem da presença forte dos nossos

99
CADERNO PEDAGÓGICO

ancestrais, sobretudo da presença dos Orixás Iansã, Oxum e Yemanjá.


O cuidado e o respeito para com nossos mais velhos/as, os mais idosos/
as, os mais sapientes, sempre foi uma constante na formação e vida do povo
africano e de várias comunidades afro-brasileiras que conseguiram, mesmo lá
nos Quilombos, continuar a zelar pelos Orixás e Entidades e a conservar uma
cultura hoje tão esquecida pela “sociedade do espetáculo,” que é respeito, zelo,
carinho e cuidado com as crianças e com os/as idosos/as.
E por isso Eu digo: Sou Ana Lúcia Mathias, Negra, Paranaense, Brasileira
e filha de Maria Francisco Mathias, Mulher Negra, Paranaense, Bóia-Fria, e que
mal escrevia. Hoje, a Oralidade da Palavra Falada é sobre minha Mãe MARIA.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
Como proposta de atividades sugerimos algumas temáticas que
contemplam as relações étnico-raciais e o ensino de história e da cultura
afro-brasileira e africana, possíveis de serem desenvolvidas no ensino de ciências
da natureza.

VALORES CIVILIZATÓRIOS

Acolhimento dos alunos em círculo, articulando os valores civilizatórios


afrocêntricos, para resgate de suas memórias.
Apresentação individual de todos e todas, estudantes e professores. Cada
participante vai ao centro do círculo e se apresenta ao grupo (nome, idade, o que
gosta de fazer). Após se apresentar, cada pessoa convida o/a próximo/próxima.
Em seguida, uma pessoa sai da sala.
O/a professor/a encaminhará esta segunda parte da dinâmica, construído
um/a personagem idealizado/a, um tipo ideal com base nos fenótipos da pessoa,
que receberá os estereótipos que o grupo geral concluir que lhe são atribuídos
nos espaços sociais que frequenta.
Perguntas motivadoras: De que maneira aquela pessoa é vista? Será que
já passou por alguma discriminação?
Esta dinâmica foi realizada em sala de aula com os/as aluno/as da autora,
professora Ana Lúcia. O grupo foi participativo desde o início, embora muitos
demonstrassem acanhamento a cada escolha feita por seus colegas para a
próxima apresentação. A dinâmica fez quebrar o gelo. Os meninos estavam mais
desenvoltos. Os mais tímidos, observavam cada resposta.
Qual o motivo de ainda existir o Racismo e Preconceito Racial? O que
fazer para resolver? O que vocês fazem quando passam por alguma situação?
100
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Responderam: “eu bato, vou pra cima”, disseram alguns. A maior parte
do grupo disse já ter passado por alguma situação de discriminação. Muitas
disseram que “na escola acontece muito”, nas “brincadeiras com os amigos/as”
“nas brigas”.
Perguntamos: O que se faz após alguma situação de discriminação?
Muitos responderam “nada, fico calado” “fico triste”, “passa e esquece”.
O objetivo desta primeira atividade é sistematizar com exemplos do
cotidiano escolar, e além dele, a maneira que as pessoas negras são identificadas.
Principalmente as meninas negras, devido às características de seus cabelos.

RACISMO E PRECONCEITO

A partir dos estigmas surgidos, trabalhar os conceitos: racismo,


discriminação, preconceito, injúria, bulling e estereótipos, principalmente da
mulher negra.
Aproximar conceitos e vivência através da exibição do clipe/vídeo/letra
como o Negro Drama, do Racionais MCs, para debate.
Formar cinco grupos. Cada grupo receberá uma folha de papel e a
indicação de uma parte do corpo (cabeça, tronco, membros superiores, membros
inferiores). Cada grupo discutirá onde e de que forma, ou formas, o racismo
machuca, ofende. Além de proporem maneiras de superação que o grupo
apresentará aos demais.
Cada aluno/a deverá colocar ao menos duas palavras (onde o racismo
machuca/ como superar). O lugar mais identificado onde dói o racismo foi na
cabeça. Muitos apelidos aos crespos foram escritos: “bombril”, “vassoura de
bruxa”, “preto fedido”, “Saci Pererê”, “tição”.
Para a superação, a palavra que mais surgiu foi CONVERSAR. Todavia
nas falas surgiram “resolvo batendo”, em especial os meninos.
A experiência de contar ou ouvir a história é singular e, ao mesmo tempo,
plural, embora possa parecer contraditório, esse é mais um dos encantamentos
que a palavra falada nos proporciona. Enquanto ouvimos e/ou contamos
histórias, fazemos histórias, incorporamos modelos e constituímos identidades.
A gestualidade, a modulação da voz, os movimentos suaves e bruscos, os
cheiros, a penumbra, constituem o contexto formador de memória e também
possibilidades interpretativas que a palavra falada oferece, através do contador,
para seus ouvintes.

101
CADERNO PEDAGÓGICO

REFERÊNCIAS
ARRUDA, Jorge. Africanidades e Brasilidades Aplicando a Lei 10.639/03.
Saberes, Sabores e Fazeres, Livro Temático I. Ed. Dinâmica, João Pessoa- PB, 2007.

BOFF, Leonardo. Século XXI, século da espiritualidade? Desafios ecológicos


do fim do milênio. 2016 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/
militantes/boff/boff_espiritualidade.html.

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar. São


Paulo: Contexto, 2014.

GT Clóvis Moura. Quilombos do Paraná: relatório 2005/2010. Disponível


em: http://www.gtclovismoura.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.
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RACIONAIS MCs. Negro Drama. Disponível em: https://www.youtube.com/


watch?v=foGobzjI63E.

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos


da presença negra na história do Paraná. Curitiba, Editora Humaitá, 2016.

RIBEIRO, R. Y. Até quando educaremos esclusivamente para a branquitude?


Redes de significados na construção da identidade e da cidadania. In: PORTO, M.
R. S. et al. (orgs.). Negros, educação e multiculturalismo. São Paulo: Panorama.
2002.

MEL E CANDIERO. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença


negra na História do Paraná. In.: RAGGIO et al. Abordagem Histórica
sobre a População Negra no Estado do Paraná. Disponível em: http://bit.
ly/2GdhN4kSEJU.

102
ORALIDADES AFROPARANAENSES

(...)
Guarapuava que esconde as histórias
Das várias etnias indígenas.
Guarapuava da Revolta dos Cayeres, no Forte Atalaia.
Doze tribos reunidas
Não assimilaram a colonização sem lutar.
Quase exterminadas,
Foram Palmares no sertão frio do Paraná.
Guarapuava
Dos canhões, flechas e correntes,
Do estupro das negras da terra...
Miscigenação forçada.
Terra vermelha... Terra preta.
Solo encharcado com o sangue dos donos da terra.
Mataram os guerreiros,
Deixaram as donzelas.
Guarapuava,
Deserto populacional grande como o mar,
O maior município do Estado.
Mais de duzentos anos de história oficial pra contar
E seis mil anos de história não escrita,
Tradição Humaita.
Guarapuava
Do Tratado de Tordesilhas,
Da passagem do Cabeza de Vaca.
Guarapuava espanhola
(...)
REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Co Ivy Oguerecô Iara...
Esta terra tem dono. In: Oralidades Afroparanaenses: fragmentos
da presença negra na história do Paraná. Curitiba, Editora Humaitá, 2016.

103
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPÍTULO 2
AS NARRATIVAS DAS MULHERES NEGRAS
MEMÓRIAS, LUTAS E RESISTÊNCIA

UNIDADE 2

VOZES DE
MULHERES NEGRAS
CADERNO PEDAGÓGICO

EM MOVIMENTO

Lucia Helena Xavier


ORALIDADES AFROPARANAENSES

(...)
Todas as mulheres
dêem-nos licença.
Mulheres negras,
Mães de santo,
Mães criadeiras,
Mães de tantos.
Santas mulheres,
dêem-nos licença para falar
das Yalorixás... Yalodês...
Grandes Damas da nossa sociedade
(...)
MEL; CANDIERO. Mulheres de axé.
In.: Mulheres de axé. E-book. Curitiba, Editora Humaita, 2017.
Disponível em: https://issuu.com/humaita5/
docs/mulheres_de_ax__.compressed.

105
CADERNO PEDAGÓGICO

VOZES DE MULHERES NEGRAS


EM MOVIMENTO
Lucia Helena Xavier

Esta unidade temática foi elaborada a partir da poesia Alma das Ruas: uma
crônica para a alma negra curitibana, que traz uma reflexão sobre a presença
de negras e negros na sociedade paranaense.
Essa obra nos faz pensar sobre os silêncios e a necessidade de olharmos
para diferentes facetas da história do Paraná, para rompermos com uma visão
unilateral que induz a construção de uma identidade paranaense, sob aspectos
exclusivamente eurocêntricos.
O texto revela episódios da vida de personalidades femininas negras que
viveram no Paraná, evidenciando a contribuição dessas pessoas para a formação
do Estado. Apresenta elementos da história e da cultura construídos a partir das
matrizes africanas, possibilitando uma visão multiperspectivada dos fatos e uma
abordagem intercultural da história do Paraná.
O foco da unidade é visibilizar mulheres afroparanaenses que atuam nos
movimentos sociais.
Na escolha das mulheres negras que destacamos, não houve critérios que
definiam quais eram as mais ou menos importantes para o Paraná, é apenas
um recorte. Não temos a pretensão de registrar as lutas individuais de todas as
mulheres negras paranaenses, marcamos a história de algumas delas. Porém,
temos a consciência de que assim como as que foram citadas, tantas outras
tiveram intensa participação política na luta pela igualdade de gênero e raça.
A partir desta produção, temos a intenção de contribuir com possibilidades
de práticas pedagógicas que evidenciam a vida de sujeitos que compõe a história
deste Estado e que são invisibilizados.
Dessa forma, nossa abordagem dá ênfase às memórias, lutas e resistências
de mulheres negras que enfrentaram o preconceito e a discriminação de gênero
e raça.
Nosso objetivo é destacar a participação de mulheres negras nos
movimentos sociais e suas contribuições nas lutas pela igualdade racial e de
gênero no Estado do Paraná.
A proposta pedagógica sugerida aqui apresenta algumas possibilidades
de práticas, elas não esgotam o tema e podem ser adaptadas de acordo com a
necessidade e o interesse de professoras(es) e aluna(os).
O disparador para o trabalho, parte da leitura da poesia Almas das Ruas,
escrita por Mel e Candiero (REINEHR; SILVA, 2016).

106
ORALIDADES AFROPARANAENSES

TRECHOS DO POEMA "ALMA DAS RUAS: UMA CRÔNICA


PARA A ALMA NEGRA CURITIBANA"

(…) (...)
Quanta dor nos gerou Muitas águas ainda vão jorrar neste
esta maldita escravidão chafariz
E a Santa Inquisição Maria vai ao morro
nas terras dos pinheirais com sua lata d'água
Fogueira de vaidades Cheia de histórias
Invisibilizando negras em sua alma …
o negro paranaense (...)
(...) “Santa Maria Bueno”
No silêncio da brancura Negra escravizada,
dos tempos imemoriais… alforriada, embranquecida
Negra era a cor da nega (…)
(...) O mulato Zacarias
Ancestrais são invocados de Goes e Vasconcelos
Memórias desenterradas E a sua primeira dama
O que está invisível aparece a afrodescendente
(…) Ana Carolina
Um “Brasil diferente” (...)
começa a surgir Da engenheira negra brilhante
Sentir … Enedina Alves Marques
algumas histórias cruéis Que na Serra do Mar
Acontecidas bem aqui esculpiu um poema na rocha
no centro da cidade (...)
Que nega suas incomodas Da professora Maria Nicolas,
ancestralidades mulher negra rica
Como o caso da escravizada liberta boa de briga, pintora, poeta
Brígida Escritora … A Alma das Ruas
A curandeira de 1798 (…)
(...) O que será que aconteceu
Como a escrava Ignácia com a bela mulher negra
Que tirou a vida que teve um filho do barão?
do próprio filho E com esse filho afrodescendente?
para não vê-lo escravizado Quantas negras e negros guerreiros
(…) paranaenses …
O caso de Maria Aguedá (…)
Mulher negra livre
Que em 1804 enfrentou
a “elite e a milícia curitibana”

107
CADERNO PEDAGÓGICO

NEGRA É A COR DA NEGA



A partir da leitura do verso Negra é a cor da nega, proponha que suas(eus)
alunas(os) procurem diferentes significados para a palavra nega. A partir dos
significados encontrados, realize um debate em sala de aula sobre esta expressão.
Destaque a que grupo de pessoas este verso se refere e qual o sentido dessa
expressão na poesia.
Sugerimos alguns sites, que podem ser utilizados pelas(os) alunas(os) para
auxiliar a discussão:
→ https://www.dicionarioinformal.com.br/nego/
→ https://www.geledes.org.br/nega-explica-porque-o-meme-nego-e-racista/
Para subsidiar a conversa em sala de aula, indicamos o artigo de Santos (2010),
que faz uma análise das palavras nego, nega e neguinha. Resumindo suas
considerações, podemos afirmar que essas palavras adquirem um significado
específico na época da escravização, quando eram usadas como uma forma de
desonrar o escravizado. Dentro do contexto de linguagem, “ser negro era não
ser humano e ser um animal fétido, utilizado para trabalhar sem remuneração e
estar sujeito a castigos” (SANTOS, 2010, p. 2348).
O autor explica que o sentido da palavra é totalmente determinado
por seu contexto. De fato, há tantas significações possíveis quanto contextos
possíveis. Logo, a ideologia do contexto, no registro de linguagem usada durante
a escravização, “ser negro” era ser semanticamente inferior (SANTOS, 2010, p.
2349).
Em outro contexto, a palavra “nega”, pode expressar carinho, mas, esse
significante, usado fora de uma relação de intimidade, pode não ser aceito e levar
a uma conotação negativa.
A identidade da palavra pode ser dada de acordo com o contexto, mas
não se pode desprezar a história dela, porque como diz Bakhtin (1997), ela é
um fenômeno ideológico, traz uma carga ideológica, uma historiografia. Logo,
mesmo sendo usada de forma positiva, em um contexto formal pode ocasionar
uma avaliação negativa do seu enunciador.

ANCESTRALIDADE
Analisando outro trecho da poesia Almas das Ruas (REINEHR; SILVA,
2016), comente com suas(eus) alunas(os) a importância deste valor civilizatório
africano, presente na sociedade brasileira.

(...)
Ancestrais são invocados
Memórias desenterradas
O que está invisível aparece

108
ORALIDADES AFROPARANAENSES

A ancestralidade também é um elemento constante na cultura africana e


funda-se no respeito às experiências dos mais velhos, na comunicação que pode
existir entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, espíritos e entidades
sobrenaturais. Os ancestrais fazem a ligação entre o mundo visível e o invisível,
colaborando com a comunidade, orientando suas ações. A preservação da
memória dos antepassados não leva somente a olhar o passado, mas também
a estabelecer diálogos com ele, absorvendo a sabedoria dos ancestrais, que
abrirão caminhos para novos tempos. (ROCHA, 2009)

Ao valorizar e visibilizar a presença negra neste Estado, a poesia mostra as


ações e experiências vividas daqueles que vieram antes, demonstra preocupação
com a preservação de uma memória capaz de promover uma identidade negra
paranaense.
Nossa proposta é trazer as memórias e a ancestralidade dessas personagens,
que possibilitem a relação entre passado/presente.
Schmidt (2011, p. 83-84) em seu texto O significado do passado na
aprendizagem e na formação da consciência histórica de jovens alunos, aponta
que:
Tomar o passado como ponto de partida de aprendizagem histórica pressupõe
uma ida ao passado por meio dos vestígios que dele encontramos no presente,
pois esses vestígios fornecem a ponte para adentrarmos ao passado nele mesmo.
[...] Nessa perspectiva ir ao passado pode ser considerado uma atividade de
construção de pontes, a partir de fragmentos do passado que existem em um
determinado presente e que tenha continuidade com partes do passado que
sejam objetos de interesse, mas estariam desconectados do presente.

O CASO BRÍGIDA O CASO IGNÁCIA


Consta em um dos Autos da A escravizada Ignácia casou-se
Inquisição, registrado na cidade
com um homem livre em Santa
de Curitiba, no ano de 1798, que
Catarina. Quando seu senhor
Brígida, uma escravizada liberta,
tomou conhecimento de que
especializou-se em tratamentos
de doenças, usando ervas. estava grávida, negou sua venda
Algum usuário, não contente ao marido. Fugiu para Curitiba.
com os resultados, denunciou-a Quando a criança já estava com
anonimamente, como bruxa. Foi 5 anos, foi descoberta e voltou
investigada e condenada pela para o cativeiro. Para não ver
Inquisição pelos seus atos, foi seu filho submetido à escravidão,
condenada à prisão perpétua. o estrangulou. Respondeu ao
Conseguiram provar sua inocência processo crime e foi condenada
e ela foi absolvida. Porém, por ter à morte. Sua execução deu-se no
mais de sessenta anos e ser pobre, ano de 1871, no Paço Municipal,
não foi libertada, ficando na prisão por decapitação a machado.
até sua morte.

Disponível em http://historias-parana.blogspot.com/2013/12/historias-do-parana-historias-de.html

109
CADERNO PEDAGÓGICO

Nesse sentido, indicamos os estudos de caso das personalidades Brígida


e Ignácia, para oportunizar às(aos) alunas(os) o diálogo entre passado/presente
das condições de vida de mulheres negras paranaenses.
Com base nessas histórias, é possível levantar alguns questionamentos
sobre a trajetória de mulheres negras no Paraná.
As(os) alunas(os) podem identificar: a época em que elas viveram, lugar
ocupado por elas na sociedade paranaense, em que situação elas são mencionadas,
motivos que as levaram a entrar em conflito com a lei, as punições recebidas.
Baseado nessas informações, torna-se viável refletir em sala de aula sobre
os fatores que foram determinantes para a punição recebida e se o que elas fizeram
pode ser entendido como um ato de resistência à escravização.
Os dois casos explicitam violências a que escravizadas e libertas estavam
sujeitas. Outras mulheres são citadas na poesia. As(os) alunas(os) podem
identificá-las e realizar uma pesquisa biográfica sobre elas.

A partir delas, alguns questionamentos podem ser feitos:
→ Que lugar elas ocuparam na sociedade?
→ Eram escravizadas?
→ Elas podem representar exemplo de resistência para outras mulheres negras?

Pela proposta apresentada, nesse momento é possível estabelecer um
diálogo entre o passado e o presente. Outras questões podem ser levantadas:
→ Vivemos em uma sociedade racista e sexista?
→ Como notamos isso a partir das histórias apresentadas?

Para estabelecer paralelos entre a história das mulheres negras que
viveram no passado e as da atualidade, sugerimos a análise de alguns dados
estatísticos. Dados que mostrem a situação das mulheres negras em relação à
educação, mercado de trabalho, violência e saúde são bem expressivos. A partir
deles, é possível questionar com as/os alunas/os se existe vulnerabilidade social
das negras no Brasil e quais os motivos. Entre as pesquisas que podem subsidiar
esta análise sugerimos:

→ Atlas da Violência/2017;
→ Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça/2015;
→ Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD
Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)/2017;
→ Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das
mulheres negras no Brasil/2013;

110
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Nestas publicações, é possível constatar que a intersecção de raça e gênero


faz com que mulheres negras (que representam cerca de 25% da população
brasileira) estejam submetidas a condições específicas de exclusão social que as
impedem de usufruir plenamente de seus direitos.
É importante destacar que a história das mulheres negras brasileiras não é
apenas de exclusão. Elas também foram protagonistas e sujeitos de suas histórias.
Muitas delas lutaram e ainda lutam para romper as barreiras das desigualdades
presentes na sociedade.

FEMINISMO NEGRO

O racismo estrutural da sociedade brasileira, construído historicamente,
se manifesta das mais diversas formas: na falta de representatividade de homens
e mulheres negras nos espaços públicos, na exclusão, pobreza, exposição à
violência e falta de acesso a políticas públicas.
Este racismo é resultado da dominação colonial moderna, onde se
desenvolvem justificativas que expliquem o uso de mão de obra escravizada
de africanos e seus descendentes com base em características físicas e “morais”
que estabelecem padrões considerados normais e adequados para os europeus e
padrões inferiorizantes para os não europeus (PETRUCELLI, 2013, p. 18).
O projeto de dominação colonial foi tão eficaz, que continua presente na
sociedade brasileira. Impregnou de tal forma a cultura brasileira, que ainda hoje
se faz necessário ações que desconstruam preconceitos e estereótipos criados
para estabelecer relações de poder baseadas em uma superioridade branca,
masculina e europeia.
Nessa perspectiva, desde o período colonial, criou-se uma visão
estereotipada da mulher negra. Ora consideradas como mulheres “mais fogosas”
e vistas como meros objetos sexuais, ora como excelentes trabalhadoras braçais.
A necessidade de lutar contra o racismo e o sexismo que impõem barreiras
que dificultam o acesso ao pleno exercício da cidadania, motivou grupos de
mulheres negras a se organizarem nos movimentos sociais para exigir que seus
direitos fossem respeitados, denunciar a situação de opressão e exploração
presentes no país.
Desde então, muitas vozes dentro do movimento feminista e do movimento
negro, buscam analisar os efeitos que o preconceito racial e de gênero causam
nas trajetórias de vida das mulheres negras. Surge nos movimentos sociais, o que
se denomina feminismo negro.
As ativistas do feminismo negro denunciam as opressões de gênero, raça e
classe e buscam instrumentos que propiciem às mulheres negras a superação das
desigualdades provocadas por essas opressões.

111
CADERNO PEDAGÓGICO

O movimento de Mulheres Negras surge dentro do Movimento Negro


Unificado com Maria Beatriz do Nascimento, da Universidade Federal Fluminense,
que em 1972 criou a Semana da Cultura Negra, reunindo diversas universidades
para discutir o dia a dia de mulheres negras no país. A partir daí, multiplicam-se
diferentes movimentos que visam a representatividade política e a visibilidade de
mulheres negras. Diversas intelectuais, entre elas, Sueli Carneiro e Thereza Santos,
Lélia Gonzalez, entre outras, desde a década de 80, demonstram a realidade vivenciada
pela mulher negra e apontam caminhos para a superação de desigualdades.
Segundo Ribeiro (1995), em 1988, as mulheres negras deram um impulso na
construção de sua organização, com fisionomia própria e caráter nacional visando
intensificar as reflexões e ações para o combate as opressões racial e de gênero com
a realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras (ENMN). Na década de
1990, esse movimento amplia suas ações. Militantes marcam presença em diferentes
coletivos e participam de processos de articulação e intervenção na sociedade, em
nível mundial.
Atualmente, diferentes ativistas negras, intelectuais ou não, tem utilizado as
plataformas digitais para narrar histórias sobre a presença do racismo e do machismo
em suas vidas: são blogs, sites, twitter, canais de youtube e páginas de facebook
que formam uma rede de informações e compartilhamentos que tem auxiliado a
modificação do cenário das relações raciais no ambiente virtual, mas também fora
dele. (MALTA; OLIVEIRA, 2016)
O feminismo negro não constitui um grupo unitário, existem diversas
concepções políticas e metodologias de trabalho. Podemos afirmar que é composto
por mulheres de diferentes setores (originárias de movimentos como negro, sindical,
popular, partidário) e articula-se o movimento negro e feminista à medida que estes
incorporem e apoiem a luta de mulheres negras mantendo sua especificidade.
As bandeiras de luta, para além da necessidade da conquista de melhores
condições de vida e cidadania, expressam a garantia de educação antirracista e
antissexista, o desenvolvimento de programas de combate a violência sexista e racial
e ainda a implantação de ações no serviço público de saúde.
São múltiplos os grupos que atuam na promoção da igualdade de gênero e
raça e no enfrentamento ao racismo. No Paraná, podemos citar a Rede de Mulheres
Negras -PR, o Movimento Negro Unificado, a Marcha do Orgulho Crespo, entre
outros.
Sugira uma pesquisa às(aos) suas(eus) alunas(os) para constatar quais são as
defesas e lutas destes grupos.
Sites que podem ser consultados:
→ http://rmnpr.org.br/
→ http://mnu.org.br/
→ www.facebook.com/marchadoorgulhocrespocuritiba/
Continuando o trabalho, sugerimos que algumas mulheres que integram estes
movimentos sejam convidadas para ser entrevistadas pelas/os estudantes.

112
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Almira Maria Maciel


Pedagoga que atuou em espaços sindicais e no movimento negro no
enfrentamento ao racismo e na melhoria da qualidade da educação. Trabalha
com educação das relações étnico-raciais, desde 1988. Realizou a pesquisa
Você sabe fazer renda, eu te alugo pra ganhar! Escravidão de mulheres negras
anunciadas na imprensa curitibana do século XIX. Foi uma das idealizadoras
e coordenadoras dos Encontros de Educadores e Educadoras Negros do
Paraná e do Fórum Paranaense de Educação das Relações Étnico-Raciais do
Paraná. Representou a Prefeitura Municipal de Curitiba no Fórum Nacional de
Educação das Relações Étnico-Raciais realizado pelo MEC.

Alaerte Leandro Martins


Enfermeira, com experiência na área
de Saúde Pública, atua principalmente nos
seguintes temas: mortalidade materna, saúde da
mulher, mortalidade de mulheres negras, saúde
de mulheres negras e enfermagem.

Heliana Hemetério
Historiadora que iniciou sua vida na militância social em 1986, quando
se engajou politicamente com o movimento negro. Inclui na sua pauta de
defesa questões raciais e de gênero.

Dalzira Maria Aparecida


É pesquisadora na área de Tecnologia,
Relações Raciais com foco nas Mulheres Negras e
no Candomblé. É Iyalorixá do Candomblé. Atua no
enfrentamento à intolerância religiosa e na garantia
de direitos para mulheres negras. Doutoranda da
UFPR, na linha de pesquisa: Educação, Diversidade,
Diferença e Desigualdade Social.

Nará Souza de Oliveira


Professora de português e literaturas de língua portuguesa. Fez parte
do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, grupo que localizou, mapeou e apontou
políticas públicas para as Comunidades Remanescentes de Quilombos no
Estado do Paraná, de 2007 a 2010. Foi diretora do primeiro Colégio Estadual
Quilombola do Paraná, o Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, em
Adrianópolis. Integrou o Grupo de União e Consciência Negra e fundou o
Instituto Rainha Nzinga em Piraquara.

113
CADERNO PEDAGÓGICO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção da identidade paranaense oculta a presença da população
negra como uma das matrizes que constituem a formação étnica do Estado. Esta
unidade temática apresenta-se como uma iniciativa para romper esta barreira.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido para atingir este objetivo.
A poesia que motivou este trabalho, indica afroparanaenses que não
podem ser esquecidos na História do Paraná.
Acreditamos que suas trajetórias tenham que ser apresentadas tanto pelos
seus feitos individuais, quanto contextualizados a partir de seu pertencimento e
de um lugar destinado a eles de subalternidade, resistência e superação.
Nesse contexto, ao propor práticas pedagógicas que tenham como
protagonistas ativistas negras paranaenses, é fundamental que hajam reflexões
sobre as construções históricas que estabeleceram o lugar social das mulheres
negras na sociedade brasileira, bem como suas lutas pela cidadania.
As militantes escolhidas para compor esta unidade temática trazem
a oportunidade de debater o tema em sala de aula em uma perspectiva
contemporânea, ao mesmo tempo que dá voz, sem intermediários, a grupos
específicos da sociedade paranaense em suas estratégias de luta pela cidadania.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEREDO, Sandra. Teorizando sobre Gênero e Relações Raciais. Estudos
Feministas. Rio de Janeiro. Tomo 5. n. especial. 1994.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec,


1997.

CARNEIRO, Sueli. Gênero e Raça. In: BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM,


Sandra G. (orgs). Gênero, Democracia e Sociedade. São Paulo: FCC: ed. 34,
2002. p. 167-193.

MALTA, Renata Barreto; OLIVEIRA, Laila Thaíse Batista. Enegrecendo as


redes: o ativismo de mulheres negras no espaço virtual. Revista Gênero. Niterói.
v. 16. n. 2. p. 55 – 69. 1.sem. 2016.

PETRUCCELLI, José Luís; SABOIA, Ana Lucia. Características Étnico-raciais


da População: Classificações e identidades. Estudos e análises. Informação
Demográfica e socioeconômica. Número 2. Rio de Janeiro: IBGE. 2013.

114
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos


da presença negra na história do Paraná. Curitiba, Editora Humaitá, 2016.

RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras, de Bertioga a Beijing. Revista


de Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 446-57, 1995. Dossiê Mulheres
Negras.

ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. A pedagogia da tradição: as dimensões


do ensinar e do aprender no cotidiano das comunidades afro-brasileiras. Paidéia
revista, curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Humanas, Sociais. e da
Saúde, Univ. FUMEC. Belo Horizonte Ano 8 n.11 p. 31-52 jul./dez. 2011.

SILVA, Mariza Ramos. Vulnerabilidade e invisibilidade: um olhar sobre as


mulheres negras no município de Matinhos/Paraná. In: PINHEL, André M;
SANTOS, Welington Oliveira (orgs) Novos estudos afro-brasileiros: trabalhos
finais de graduação. Curitiba: UFPR. NEAB, 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. O significado do passado na aprendizagem e na


formação da consciência histórica de jovens alunos. In: CAINELLI, Marlene &
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed.
Unijuí. 2011.

SITES:
ATLAS DA VIOLÊNCIA 2017
Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/atlas-2017

RETRATO DAS DESIGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA 2015


Disponível em: http://www.mdh.gov.br/biblioteca/igualdade-racial/retrato-das-
desigualdades-de-genero-e-raca-ipea-4a-edicao/view

PNAD CONTÍNUA 2017


Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf

DOSSIÊ MULHERES NEGRAS 2013


Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3039/1/Livro-
Dossi%C3%AA_mulheres_negras-retrato_das_condi%C3%A7%C3%B5es_de_
vida_das_mulheres_negras_no_Brasil

115
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPÍTULO 2
AS NARRATIVAS DAS MULHERES NEGRAS
MEMÓRIAS, LUTAS E RESISTÊNCIA

UNIDADE 3

VISIBILIDADE DA
MULHER NEGRA,
UMA VERDADE
CADERNO PEDAGÓGICO

INCONVENIENTE

Claudinei Mendes Bispo


ORALIDADES AFROPARANAENSES

(…)
Quanta dor nos gerou
esta maldita escravidão
E a Santa Inquisição
nas terras dos pinheirais
Fogueira de vaidades
Invisibilizando
o negro paranaense
(...)

Almas das ruas: uma crônica para a alma negra curitibana.


In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar.
Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na história do Paraná.
Curitiba: Editora Humaita, 2016

117
CADERNO PEDAGÓGICO

VISIBILIDADE DA MULHER NEGRA,


UMA VERDADE INCONVENIENTE
Claudinei Mendes Bispo

Enedina Alves Marques, nascida em 1913, ao ser diplomada em 1945
pela Faculdade de Engenharia do Paraná (FEP), passou a ser a primeira mulher
engenheira na Região Sul do Brasil. Para efeitos, a sexta engenheira diplomada
do país em uma área profissional ocupada hegemonicamente por homens.
Para Schumaher (apud SANTANA, 2013), Enedina é a primeira mulher negra
formada em engenharia do país. “Mesmo em reconhecimento ao feito, lançou-se
a ideia de favorecimento: “ela encontrou por parte dos colegas a solicitude e
a colaboração que lhe facilitaram a conclusão, do curso”, afirma Puppi (apud
SANTANA, 2013).
Nessa perspectiva King (1988 apud VARGAS; WAMBIER 2016) declara
que “para se entender a experiência da violência psicológica, física, moral, sexual,
na vida das mulheres negras, precisa-se fazer uma leitura múltipla, levando em
consideração as variáveis raça, gênero e classe social das vítimas”. Feitos como de
Enedina Alves no estado do Paraná e a exemplo das mulheres negras de Tabuleiro,
conforme Figueiredo (2012 apud VARGAS; WAMBIER 2016), em Minas Gerais
que “através do seu comércio ameaçaram a ordem do Estado, tornando-se, um
perigo para sociedade mineradora no século XVIII”.
De semelhante modo as narrativas ficcionais no estado do Rio de Janeiro,
no século XIX tinham por objetivo destacar o corpo das mulheres negras
sendo lhes atribuído características físicas anormais e um caráter duvidoso
estabelecendo assim as tipologias literárias e os seus estereótipos de sexualização
tais como: preta resignada, mucama sapeca e as mulatas, sendo estas descritas
como prostitutas, amantes levianas e sem caráter. Paralelo a isso, ocorria a
prostituição das mulheres negras que naquele momento era o único meio para
a sobrevivência de várias famílias naquele período devido a pobreza extrema,
sendo comum enteadas, filhas, irmãs, cunhadas e esposas se prostituírem para
tal fim. (XAVIER, 2012 apud VARGAS; WAMBIER 2016)
Para Scott (1994), a "definição de gênero tem duas partes e várias sub-partes.
Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser analiticamente distintas. O núcleo
essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o
gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as
relações de poder." Em certo sentido, Hooks (1995) estabelece e afirma que o
“sexismo e o racismo ao atuarem juntos perpetuam e imprimem na consciência
cultural coletiva uma imagem de representação da mulher negra de que ela está
neste planeta principalmente para servir aos outros”.
Nesse sentido, César (2008) declara que no processo sócio, histórico
e cultural alguns grupos sociais tornaram-se hegemônicos autodeclarados

118
ORALIDADES AFROPARANAENSES

“universais” em nível de conhecimento, cultura e através dos processos de


relações de poder engendraram e excluíram de forma arbitrária os grupos
minoritários estabelecendo-se no centro, isto é, o homem, branco, europeu,
heterossexual, produtivo e reprodutivo. Esse é o pano de fundo que visava
manter o regime escravocrata, sobretudo levando a mulher negra a uma posição
subalterna, negando-lhe o direito e invisibilizando suas ações. Nogueira (2012
apud COQUEIRO), estabelece uma correlação temporal declarando que “entre
os séculos XIX e XX na sociedade brasileira, o racismo nasce e se consolida como
um dos instrumentos mais eficazes de regulamentação e controle das formas
de convivência e das inúmera relações humanas”, desse modo, o racismo se
conformou como ideologia e se materializou na cultura, passando a determinar
comportamentos e valores de uma forma incomum nas organizações e nos
indivíduos.

O LUGAR DA MULHER NEGRA


E A SUA INTERSECCIONALIDADE
Malta e Oliveira (2016) trazem uma reflexão muito forte acerca do papel
da mulher, sobretudo no “processo de exclusão e opressão que incide sobre
as mulheres negras combinando elementos do racismo, do machismo e dos
preconceitos de classe, sujeitando-as a condições de exploradas seja na esfera
profissional, bem como na da sexualidade”. Semelhante ao sistema escravocrata
que afirmava e colocava as mulheres negras na base da pirâmide social, processo
esse que se manteve, mesmo através do feminismo tradicional que não conseguia
responder aos anseios das mulheres negras, pois reduzia a categoria mulher a
uma identidade única e fixa.
Para Sarti (2004), “a luta das mulheres naquele período de 1970
concentrava-se em oposição ao regime militar e ou ditatorial, onde temas
como aborto, sexualidade, planejamento familiar e violências contra a mulher
permaneceram sem evidência”. O surgimento das teorias feministas e de gênero
no contexto brasileiro “está relacionado a inserção das mulheres no contexto
público, político e cultural, onde a principal questão era a participação política
da mulher na década de 1970".
Porém, para o feminismo negro há uma estruturação diferenciada
justamente pelo fator cultural, sócio histórico e políticos. Crenshaw (1991), em
sua análise estabelece que o gênero no caso da mulher negra não é o único fator
de discriminações, sendo necessário estudar outros fatores de discriminação
juntos, ou seja, a “interseccionalidade” como forma de capturar as consequências
da interação entre duas ou mais forma de subordinação: sexismo, racismo,
patriarcalismo. Nesse sentido, Malta e Oliveira (2016) declaram que, no universo
negro feminino a “interseccionalidade passa a ser uma estratégia fundamental,
para uma melhor compreensão do entrelaçamento entre as múltiplas identidades
da mulher negra ou seja - de gênero, racial, de classe, de orientação sexual”.
119
CADERNO PEDAGÓGICO

Para esse momento é preciso olhar o processo sócio histórico e cultural


da mulher negra, pois isso decorre da ancestralidade. Nas sociedades africanas
o sistema matrilinear é uma característica presente desde tempos remotos,
onde a mulher negra sempre esteve inserida no sistema de partilha de direitos e
responsabilidades exercendo importantes funções tais como na sucessão real, na
herança de bens materiais, e no exercício do poder político gozando desse modo
de direitos sociais, econômicos, políticos e espirituais sendo elemento central do
corpo social.
Desse legado matrilinear são exemplos de mulheres soberanas no Egito,
Osíris e Ísis que exerciam o poder político e espiritual; Nefertiti, reinou com seu
marido; a faraó Hatshepsut, assumia todas as funções de chefia do Estado; as
Amanirenas, em 29 a.C., que atacaram as legiões romanas e lideraram durante
cinco anos uma guerra de resistência nacional, em Núbia; a linhagem das rainhas
Kentakes reinaram por direito próprio à frente da administração civil e militar,
por um período de 300 a.C.; em Angola temos a Rainha N’Zinga; em Gana
Asantewaa, rainhas estadistas e guerreiras.
As funções e os papeis atribuídos aos homens e as mulheres na África, após
1935, transformaram-se sobremaneira em numerosas culturas tradicionais. Até
esse período a mulher era a guardiã do fogo devendo prover energia à coletividade,
como guardiãs da água, era responsável por abastecimento e limpeza, e como
guardiã da terra associava-se à ideia da dupla fecundidade ou fertilidade seja na
cultura do solo, e na função da maternidade isto é geracional. (LARKIN, 2008)

O TRÁFICO DE MULHERES E AS
CONSEQUÊNCIAS NO PROCESSO
No processo da conquista das Américas pela Europa Ocidental, a partir de
1492, com o quase extermínio da população indígena por ocasião da conquista
e com a introdução das doenças pelos conquistadores europeus, nesse momento
o continente Africano assume no sistema econômico do Atlântico importante e
nefasto papel com aproximadamente 22 milhões de indivíduos sendo levados da
África para o resto do mundo. Entre1500 e1890, aproximadamente 15,4 milhões
de homens e mulheres foram levados através do Atlântico e 6,9 milhões pelo
Saara, pelo Mar Vermelho e pelo Oceano Índico. Esse intenso tráfico de pessoas
reduziu a capacidade de reprodução da população na África Negra, assim como
gerou sérios problemas econômicos.
Nesse momento, em uma análise da composição por idade e gênero da
população, observa-se grande número de mulheres em idade maternal, sendo
possível avaliar a ação dizimadora imposta pelo escravismo mercantil europeu.
Para se compreender o aspecto único e fundamental do escravismo mercantil
europeu basta analisar a sua base que se fundamenta nas teorias racistas. Para

120
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Skidmore (2012 apud SANTOS; SILVA, 2018), “as três principais correntes
de teorização racista foram a etnológico-biológico, a histórica e a darwinista
social, ou seja, um tríplice racismo científico, que destituíam os africanos de sua
condição humana, tornava-os animais de carga ou ferramentas para geração de
lucro, estampando-os com a marca de uma inferioridade inata em que o cativeiro
seria sua salvação”.
Quando, em algumas partes da África nos séculos XVIII e XIX, o tráfico
tornou-se prática maciça, tratava-se não de um fenômeno africano, mas da
integração das sociedades locais ao sistema econômico capitalista mundialmente
dominante (INIKORI, 1982 apud UNESCO). No contexto do tráfico através do
Saara e do Mar Vermelho, havia uma prioridade para mulheres jovens e bonitas,
devido a demanda por concubinas sendo uma proporção de duas mulheres por
homem conforme figura 01. Para Inikori, na “região da Nigéria, entre o Golfo de
Benin e o Golfo de Biafra, exportaram grande proporção de mulheres, atingindo
entre dois quintos a metade das
exportações totais”.

Figura 01-Proporção de homens e


mulheres entre os povos escravizados,
de diferentes regiões da África. Fonte:
J. E. Inikori, 1982 (apud UNESCO)
O processo de dominação colonial levou os europeus à configuração da
colonialidade de gênero, desse modo, as mulheres nativas e africanas passaram a
ter seus corpos tratados e reconhecidos como objetos, coisas. A essas mulheres foi
atribuída e/ou imposta a degradante condição de trabalhadoras escravizadas e de
objetos sexuais. Seus corpos nessa dimensão não lhes pertenciam mais e, assim,
também serviam para amamentar os filhos brancos dos proprietários e gerar os
filhos sem pai, efeitos do intercâmbio sexual sem liberdade. A África Negra entre
1650 e 1850 sofreu com a exportação para as Américas de 6,9 milhões de negros,
em sua maioria mulheres. Isso acabou provocando uma redução na capacidade de
reprodução dessas regiões (conforme fig. 02). Agregado a esses fatores, aponta-se
o feminicidio praticado, haja vista “a mortalidade entre o momento da captura e
o da chegada ao término da viajem, os falecimentos devidos a combates e a fome
durante as capturas”.
Figura 02 - % de homens e mulheres desembarcados nas Antilhas, por região (1781-1798)
Fonte:H. S. Klein, 1978

121
CADERNO PEDAGÓGICO

Na contemporaneidade, as vozes dessas mulheres silenciadas ecoam


através dos seus descendentes, sobretudo no gênero mulher, pois conforme
Manifesto da Marcha das Mulheres Negras (2015), “somos 49 milhões de
mulheres negras, isto é, 25% da população brasileira e vivenciamos a face mais
perversa do racismo e do sexismo por sermos negras e mulheres.” Essas vozes
representam a resistência, sobretudo quando se questiona qual o lugar de direito
da mulher negra. O tradutor Pinho (2014) informa que o discurso de Sojouner
Truth, em 1851, foi uma intervenção na Women’s Rights Convention em Akron,
Ohio, Estados Unidos. Os clérigos discutiam os direitos da mulher, pois para
os pastores presentes as mulheres não deveriam ter os mesmos direitos que
os homens, porque são frágeis, intelectualmente débeis e porque Jesus foi um
homem e não uma mulher e a primeira mulher foi uma pecadora. Diante do
exposto, Truht deixa clara a condição do gênero mulher e da mulher negra ao
expressar.
Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em
carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o
melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em
carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor
lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus
braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia
estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e
comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade
para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari treze
filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei
com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma
mulher? (TRUTH, 1851)

No mito da democracia racial existe uma pseudo convivência cordial e


harmoniosa das raças/etnias que constituem a sociedade brasileira. Associado
a isso, a construída crença da inferioridade do negro(a) consolida uma
desigualdade racial estrutural no país. Nesse aspecto, o racismo passa a ser
negado e velado.
A realidade desses fatos se evidencia através dos dados do Mapa
da Violência 2015: Homicídios de Mulheres, produzidos pela Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais, onde entre 2003 e 2013, a taxa de
homicídios no Brasil aumentou 19,5%. Em 2013, 7,8 mulheres negras foram
assassinadas todos os dias. De modo geral, a taxa de homicídios cometidos
contra mulheres no Brasil era de 4,5 para cada 100 mil habitantes. Onze anos
depois, em 2013, a taxa subiu para 5,4/100 mil habitantes. Em contrapartida, as
taxas de homicídios de mulheres brancas saíram de 3,6/100 mil habitantes em
2003 para 3,2/100 mil habitantes. (WEISELFISZ, 2015)
Werneck (2018) apresenta dados onde 64% das mulheres assassinadas no
Brasil são negras e que, das 2,4 milhões de mulheres que sofreram violência em
2013, um percentual de 1,5 milhão também são negras. Em sua observação,

122
ORALIDADES AFROPARANAENSES

a Lei Maria da Penha, n°11.340/2006, e a Lei do Feminicídio n° 13.104/2015,


por serem uma inovação jurídica, tais conquistas legais não estão garantindo a
proteção das mulheres negras. Apesar da L.M.P., “as mulheres negras continuam
sendo assassinadas sem a proteção do estado e do movimento de mulheres".
"Onde foi que a gente errou? Como nos últimos 10 anos foi possível que o
assassinato de mulheres negras aumentasse 54%?” (WERNECK, 2018)
Para efeitos, nesse mesmo período, os registros apontam que a quantidade
anual de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%.
Apesar de ser um crime e grave violação de direitos humanos, a violência
contra o gênero mulher segue vitimando milhares de brasileiras, com 74% dos
relatos de violência registrados.

ENEDINA A. MARQUES
A REPRESENTAÇÃO DA SUPERAÇÃO
NEGRA NOS BANCOS ESCOLARES
Para Adelino (2011, apud SANTANA, 2013), “com palavras e abraços dos
colegas que durante o curso nem mesmo falavam com ela. A alta sociedade da
época era diferente, a elite não se misturava, não se relacionava com o povo, nem
de classe média nem de classe pobre”.
Durante a vigência do sistema escravista, por mais de 300 anos, manteve-se
a população negra, distante da educação escolar, sendo esta proibida, pois a
consideravam uma ameaça à ordem social e influência perigosa a esse espaço.
Observa-se que no processo pós-abolicionista vários instrumentos foram
utilizados para esse fim, dentre eles o Decreto n° 1331, de 17 de fevereiro de
1854, o qual determina que, nas escolas públicas do país não seriam admitidos
escravizados, e a previsão de instrução para adultos negros dependia da
disponibilidade de professores, e seguindo o mesmo critério de exclusão o Decreto
n° 7031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecendo que os negros estudassem no
período noturno. Esses dois instrumentos indicam com certa precisão as origens
das desigualdades escolares entre brancos e negros, que desde sempre evoluíram
e se mantiveram (SEED/PR, 2018).
Henriques (2001) aponta através de pesquisa sobre desigualdade racial
no Brasil a evolução das condições de vida na década de 90. Constata-se que
“55% do diferencial salarial entre brancos e negros está associado à desigualdade
educacional e a outra parte decorre da herança da discriminação educacional
infligida às gerações dos pais dos estudantes”, conforme segue:

a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de


6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de

123
CADERNO PEDAGÓGICO

estudo. O diferencial é de 2,3 anos. Apesar da escolaridade de brancos e negros


crescer de forma contínua ao longo do século, a diferença de 2,3 anos de estudos
entre jovens brancos e negros de 25 anos de idade é a mesma observada entre os
pais desses jovens. E, de forma assustadoramente natural, 2,3 anos é a diferença
entre os avós desses jovens. Além de elevado o padrão de discriminação racial
expresso pelo diferencial na escolaridade entre brancos e negros, mantém-se
perversamente estável entre as gerações (HENRIQUES, 2001).

A diferença em anos de escolarização desfavorável aos negros mesmo sendo


mantida a velocidade da redução de desigualdades entre os dois grupos étnicos é
gritante.
Mesmo com políticas públicas efetivas visando uma equidade sócio
educacional, os negros levariam de 40 a 67 anos para atingir a escolarização média
em relação aos brancos (SILVÉRIO, 2009 apud IPEA, 2007).
Isso é possível ao analisar os dados da extensão das desigualdades e os
prejuízos á população negra figura 03, dados obtidos através da velocidade de
redução de taxas de desigualdades entre negros e brancos no período compreendido
entre 1995 a 2005.

Fig. 3- Diferença em anos de escolarização desfavorável à população negra.


Fonte: IPEA, 2007. In: Silvério (2009, p. 31)

Silvério (2009) demonstra, através de dados do IPEA (2007), que a diferença


de rendimentos desfavorável aos negros sendo mantida a velocidade de redução
de taxas de desigualdades entre negros e brancos, os negros levariam mais de cem
anos para atingir os mesmos níveis salariais, conforme fig. 04.
Dados de pesquisas do IBGE “coletados por amostra de domicílios, e
divulgados na forma de Síntese dos Indicadores Sociais tem revelado a permanência
da “defasagem” de acesso, qualidade de emprego, remuneração, dos negros, em
toda a década deste inicio de século XXI”. Para efeitos dados do IPEA (2007), na
figura 05 “apontam que em relação à linha da pobreza, os negros somam mais
que o dobro da população branca, assim, se mantida a velocidade nos 10 anos
observados, os negros levariam 65 anos para sair dessa situação”. (SILVERIO,
2009).
A desigualdade sociopolítica e educacional no Brasil, sobretudo a condição
do negro, decorrem de medidas governamentais históricas tais como o Decreto n°
1331 e o Decreto n° 7031-A, que geraram desigualdades escolares entre brancos

124
ORALIDADES AFROPARANAENSES

e negros. Desse modo, o racismo científico foi adotado em larga escala pelas
elites brasileiras com dois objetivos específicos: “reinterpretar ideários liberais,
tais como a igualdade entre cidadãos e a igualdade política, procurando assim
impedir suas tendências democratizantes, e em segundo momento possibilitar
a consolidação e perpetuação de estruturas sociais e políticas autoritárias, no
Brasil" (VENTURA 1991).

Fig. 04 - Diferença de rendimentos desfavorável aos negros. Emprego e renda – Rendimento


per capita. Fonte: IPEA, 2007. In: Silvério (2009, p. 31)

Fig. 05 - Negros e brancos abaixo da linha da pobreza. Fonte: IPEA, 2007. In: Silvério (2009,
p. 31)

Para Cunha Jr (2010), os escravistas, no período compreendido entre 1880


e 1930, estavam convencidos da inferioridade do sujeito negro, isso decorre das
teorias raciais científicas que perpetraram e introjetaram de forma hegemônica os
hábitos, resquícios linguísticos, assim bem como as ações racistas e preconceituosas
no cotidiano.
Nessa dimensão, corrobora Skidmore (2012 apud SANTOS; SILVA,
2018) ao citar que: “as três principais correntes de teorização racista foram a
etnológico-biológica, a histórica e a darwinista social. Porém “os assuntos de
engenharia, que abrangiam os saberes e técnicas de produção agro-pecuária,
mineração, metalurgia, arquitetura, construção civil, culinária, farmacopéia,
dentre outros, foram solucionadas pelas habilidades de mulheres e homens em
cativeiro”.

125
CADERNO PEDAGÓGICO

O QUE É SER UMA MULHER NEGRA


E ESTUDANTE NA DÉCADA DE 40
...engenheira negra brilhante, Enedina Alves Marques,
que na Serra do Mar esculpiu um poema na rocha...
(REINEHR; SILVA, 2016)

Jorge Luiz Santana (2013), em seu estudo Rompendo barreiras: Enedina


uma mulher singular comenta que o período compreendido entre 1800 e
1950 é considerado por Burke como o da história cultural clássica, pois havia
uma consciência mais aguda da relação entre cultura e sociedade. A partir
desse momento passou a existir uma maior influência da sociologia e da
antropologia.
Nesse contexto surgem novas maneiras de se fazer história cultural, pois
historiadores mais contemporâneos “influenciados por Thompson começaram
a escrever história da cultura popular encontrando contribuição por parte dos
historiadores ligados à publicação dos Annales, sobretudo Jacques Le Goff e
Jean-Claude Schmidt”. No contexto de época pós abolicionista, visibiliza-se
a trajetória de Enedina A. Marques, filha de Paulo Marques e Virgília Alves
Marques, casal de negros, que “chegaram a Curitiba na busca de melhores
condições de vida, sem procedência correta, provenientes do êxodo rural
ocorrido após a abolição da escravatura ocorrida em 1888”.
A inserção social dos pais de Enedina não ocorreu devido ao advento
da abolição da escravatura, pois havia uma transição gradual e lenta de uma
sociedade senhorial e escravista, para uma sociedade de classes, onde o branco
deu continuidade ao projeto de lançar sobre o negro e seus descendentes a
responsabilidade pelos seus empenhos para a adaptação da sua força de trabalho
não apresentando condições de sobrevivência.
Para Santos (2010), a “Lei Áurea não teve como preocupação fixar as
comunidades negras na terra e garantir as terras nas quais já viviam reconhecidas
pelas próprias leis dos dominantes”. Para efeitos, o valor dado ao trabalho e à
vida social do negro foi expresso em:

... atitudes, avaliações negativas, estereótipos que designavam a mantê-lo


dificultado nas suas circulações e afastado dos meios de convivência econômica,
política e social dominado, em grande medida, pelos imigrantes europeus que
chegaram ao país entre o fim do século XIX e começo do século XX (IANNI,
1961).

Nesse contexto sócio-histórico e político pós abolição emerge Enedina.


“Desde criança até a fase adulta, trabalhou de babá a criada de servir em diversas
casas de família de Curitiba e continuou nesta atividade até a conclusão do seu
curso superior” (NICOLAS, 1977 apud SANTANA, 2013).
126
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Para Bueno (1910 apud SANTANA, 2013), as meninas naqueles períodos


eram preparadas para serviços domésticos, ou seja,

as meninas - antes de se tornarem empregadas domésticas como era comum


às polonesas, participavam das atividades para manutenção e sobrevivência da
própria família, elas acompanhavam e eram preparadas pelas suas mães nas
execuções nas tarefas das roças e nas atividades domésticas. A adolescência de
Enedina foi marcada de forma igual, em grande medida, à adolescência vivida
por algumas adolescentes filhas de poloneses, com trabalho doméstico em
casas de famílias.

“As mulheres e as crianças negras após a abolição da escravidão continuaram


trabalhando nos setores considerados os mais desqualificados, sobretudo nas
zonas urbanas do país, onde recebiam baixíssimos salários aliado ao péssimo
tratamento”. Dentro desse contexto está a mulher negra que mesmo presente
no cotidiano das famílias, ainda assim eram consideradas omissas, sendo
invisíbilizadas e consequentemente discriminadas. A função da mulher negra
era somente cumprir as tarefas a elas delegadas pelas patroas (SANTANA, 2013).
Enedina passa a ser um referencial impondo resistência e conseguindo superar
“barreiras sociais, econômicas, culturais, políticas e étnicas ao demonstrar ser
uma mulher do seu tempo de olho no futuro” (VELLOZO, 1942 apud SANTANA,
2013).

CONTEXTO DE DOMÍNIO SOCIAL, A FACULDADE


DE ENGENHARIA DO PARANÁ (F.E.P) E O ESPAÇO
DE REAFIRMAÇÃO DA EMANCIPAÇÃO POLÍTICA
DO ESTADO

Santana (2013) aponta que os grupos dentro da instituição estavam


hierarquizados através da classe social, da etnia, do gênero e das relações de
poder. A pessoa que fala, e o lugar de onde ela vem tiveram, sim, influência
durante a trajetória de Enedina no curso de engenharia civil na F.E.P. A estrutura
da F.E.P visava atender uma conjuntura socioeconômica paranaense de modo
que continuasse a determinar os indivíduos com os seus lugares demarcados na
sociedade. Essa estrutura estava embasada na “filosofia positivista, evolucionista
e liberal que orientava o Brasil da Primeira República, os grupos da elite
paranaenses não se apresentavam como instrumentos neutros, e sim como
coligações de perpetuação dos sujeitos que controlavam o poder”. Para efeitos,
a F.E.P como academia era uma ferramenta para o controle do poder, espaço
de reafirmação da emancipação política do Estado e do reconhecimento da
intelectualidade paranaense no cenário científico nacional”.
127
CADERNO PEDAGÓGICO

Agregado a esse ideal estava a construção da identidade paranaense que


incluía o progresso, o desenvolvimento e o branqueamento, através da imigração
de europeus, considerados morigerados. Nesse contexto sócio histórico cultural
de 1940 estava inserida Enedina, não sendo poucos os embates entre ela e a F.E.P,
visto ser mulher, negra e pobre em um espaço acadêmico hegemonicamente
masculino, elitizado econômica e socialmente e com distinções étnicas que
reproduziam os valores da sociedade paranaense da época, sobretudo de
exclusão e invisibilidade do outro (SANTANA, 2013).

MAIOR TEMPO PARA CONCLUSÃO DO CURSO:


PRECONCEITO OU CONSEQUÊNCIA DA
MENTALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO?
Jorge Santana (2013) citando o professor Puppi (1986), conta que
a estudante negra Enedina “encontrou por parte dos colegas a solicitude e a
colaboração que lhe facilitaram a conclusão do curso”, contrapondo-se a
Eleny ao afirmar que “Enedina conseguiu corresponder às atividades escolares
graças aos esforços realizados ao passar as noites a estudar e copiar os livros
emprestados que não podia comprar. Ela era uma pessoa muito esforçada,
sofreu muito preconceito em vários lugares”, corrobora Nicolas (1977 apud
SANTANA, 2013) ao considerá-la uma “aluna inteligente e aplicada pois a
mesma sempre estudou durante o período noturno”. Elfrida (2011) relata que
“havia preconceito e perseguição no espaço acadêmico porque Enedina era
bastante inteligente e sempre foi uma pessoa com muitas habilidades”

[...] ela foi reprovada algumas vezes, não sei em qual ano, em qual situação,
que situação..., ela sempre falava prá gente, porque ela foi reprovada e ela
dizia: Eu não desisto, eu vou até o fim, um dia eles enjoam da minha cara
e me aprovam. E foi o que realmente aconteceu, ela não desistiu não, foi em
frente (apud SANTANA, 2013).

É possível notar que durante todo o período da capacitação, qualificação


profissional e formação acadêmica de Enedina, ela desenvolveu em paralelo uma
quádrupla jornada de atividades. Nessa dinâmica “foi observado ainda que de
certa forma, as baixas avaliações constantes no seu histórico acadêmico podem
ter prejudicado a sua entrada no novo mercado de trabalho na condição de
engenheira”. Farias (apud SANTANA, 2013) ressaltou a importância de “Enedina
e a presença das mulheres engenheiras nas engenharias, e a conseqüente questão
de gênero no mercado de trabalho com o objetivo de observar a existência
da discriminação em relação ao sexo feminino no exercício da profissão de
engenheira”. Isso decorre dos processos vivenciados por Enedina dentro da
F.E.P, como evidencia Thompson ao relatar que “existem marcas nas palavras

128
ORALIDADES AFROPARANAENSES

do professor Puppi de um discurso, como se as mulheres brancas e filhas de


engenheiros formadas na FEP – tivessem tido o mesmo tratamento dispensado à
Enedina”.
Para efeitos Santana (2013) apresenta dados conclusivos de modo a afirmar
que “os resultados da pesquisa encontrados através da trajetória de Enedina na
FEP não determinam uma inferioridade intelectual ou de qualquer outra natureza
por a mesma ser mulher, pobre e negra”.

PRECONCEITO ACADÊMICO
E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
A capacidade técnica de Enedina pelos serviços prestados “à sociedade
paranaense foi reconhecida no campo político, porém mesmo inserida na
elite intelectual de Curitiba e desenvolvendo serviços, sofreu preconceitos e
discriminação racial por parte dos seus novos pares”. As conseqüências dos
contínuos processos de discriminação levaram Enedina a um processo de auto
rejeição desprezando sua própria imagem pois, conforme testemunhou Eleny, em
2009 (apud SANTANA, 2013):

na intimidade confessou à amiga, que mesmo com todas as conquistas


intelectuais, materiais e sociais a sua verdadeira aversão em ser negra, (...) ela
tinha o verdadeiro pavor em ser negra, ela não se aceitava, ela dizia assim, se eu
tivesse uma coisa que me clareasse eu ia passar [...], ela não gostava de ser negra
tanto que ela cortava o cabelo bem curto e usava perucas, isso é pra não ficar com
cabelo pixaim, porque ela dizia que sofria muito preconceito por causa da cor
dela. Mesmo ela tendo estudado e ter sido engenheira muita gente não aceitava
ela pela cor, então ela sofria e sofria bastante.

A introspecção de Enedina e a negação da sua auto-imagem estariam


relacionadas à forma do grupo superior ver o grupo marginalizado, sendo o
resultado de uma ideologia criada por aquele que se crê legítimo pertencente
ao meio. Assim seria explicada a inferioridade do outro que está sujeito às
classificações e as submissões sociais.
Nesse aspecto Enedina estava vivenciando os desgastes perpetrados por uma
sociedade que, não conseguindo mais impedir o negro de ter acesso a uma nova
sociedade de classes, e não sendo mais a classe dominante capaz de estabelecer
juridicamente a distância social entre as pessoas os estigmas raciais com seus
diferentes símbolos foram então reelaborados.
Desse modo através da estética, estereótipos, avaliações negativas e em
atitudes que buscavam privar o negro em seus movimentos visando afastá-los ou
eliminá-los dos diferentes meios de convivência sociais dominados, sobretudo
pelos brancos (IANNI, 1988). Para Fanon (2008) “é o racista que cria o
inferiorizado”, corrobora Santana (2013) ao observar que no caso de Enedina “os
efeitos do racismo vão afastando-a das suas origens e ela vai se auto branqueando
129
CADERNO PEDAGÓGICO

socialmente e passa a negar cada vez mais uma identidade de mulher negra.”
Em certo sentido, “os estigmas que lhes foram atribuídos, às vezes, de
maneira tão implícita, sutil pelos meios que transitou seja na sociedade, trabalho,
ou no ambiente acadêmico, que marginalizada incorporou os ou reforçou esses
padrões de inferioridade impostos” (SANTANA, 2013).

TRAJETÓRIA DE SUCESSO PROFISSIONAL:
MULHER, NEGRA, ENGENHEIRA
Enedina Alves Marques ao “enfrentar dificuldades, preconceitos e
estereótipos na Faculdade de Engenharia do Paraná e em Curitiba, conseguiu
superar barreiras sociais, econômicas, culturais, políticas e étnicas ao demonstrar
ser uma mulher do seu tempo de olho no futuro”. A pergunta de Santana (2013)
é “porque, de modo geral, as mulheres negras durante a sua vida acadêmica
foram invisibilizadas ou possuem uma menor notoriedade quanto aos feitos
comparados aos homens e as mulheres brancas?” Conforme análise, na figura
04, do crescimento profissional de Enedina, a mesma se fez visível, através do seu
trabalho onde é notório o seu o crescimento profissional, pessoal e social.

RECONHECIMENTO ETERNO
POR PARTE DOS GOVERNOS
A capacidade técnica de Enedina pelos serviços prestados à sociedade
paranaense foi reconhecida no campo político durante a passagem, por duas
vezes, de Moisés Lupion no governo do Estado do Paraná, pois

[...] desde o arrojo de Capivari - Cachoeira, a usina hidrelétrica que lança as


águas de um rio de Campina Grande, no leito encachoeirado de outro rio do
litoral; através de um túnel escavado no maciço granítico da Serra do Mar
[...] obra magistral de engenharia, onde brilharam a inteligência e a precisão
do professor Pedro Viriato Parigot de Souza, a capacidade determinada da
engenheira negra Enedina Marques, a primeira mulher engenheira do Estado
do Paraná (GRECA, 2006 apud SANTANA, 2013).

Conforme figura 05, Enedina eternizou sua memória através dos seus
feitos.

CONCLUSÃO
A construção desta unidade do caderno pedagógico, com a temática da
Visibilidade da mulher negra, uma verdade inconveniente, parte da fala de
Werneck (2015) “Somos 49 milhões de mulheres negras, isto é, 25% da população

130
ORALIDADES AFROPARANAENSES

brasileira e vivenciamos a face mais perversa do racismo e do sexismo por sermos


negras e mulheres.” E, ao mesmo tempo que a fala de Sojourner Truht (1851),
ecoa pelo tempo deixando clara a condição do gênero mulher e da mulher
negra ao expressar, “e não sou uma mulher?".

Figura 05 Honra e glória da mulher paranaense. Fonte: SANTANA, 2013

Nesse momento, apresenta-se subsídios com reflexões dentro dos subtemas,


como o lugar da mulher negra e a sua interseccionalidade. Desse modo é
possível fazer um recorte e trazer o passado dessas mulheres negras de modo
que suas contemporâneas se apropriem da sua verdadeira identidade. Uma vez
ressignificada, ocorre o resgate da identidade da mulher negra nas sociedades
africanas, onde o sistema matrilinear é uma característica presente desde tempos
remotos.
131
CADERNO PEDAGÓGICO

Figura 04 - Crescimento profissional de Enedina. Fonte: SANTANA, 2013

A mulher negra sempre esteve inserida no sistema de partilha de direitos


e responsabilidades exercendo importantes funções. A brutal ação da escravidão
trouxe perdas não só para as nações, mas para gerações. A figura de Enedina
A. Marques como a primeira engenheira negra, passa a ser a representação da
superação negra feminina nos bancos escolares. Dentro desse contexto observa-se
as dificuldades de ser uma mulher, e mulher negra, bem como estudante na
década de 40 dentro de uma F.E.P. O contexto do domínio social do período e a
F.E.P como espaço de reafirmação da emancipação política do estado, torna-se
evidente a instituição e manutenção do racismo. Nesse sentido, observa se o maior
tempo que o/a aluno/a negro/a leva para conclusão dos cursos escolares sendo
este um processo histórico. Para fins de complementar, observa-se a trajetória de
sucesso de Enedina como engenheira, mulher e negra.

132
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
ANÁLISE DE DADOS
Desenvolver, através de uma Dinâmica de Grupo, a análise de dados, de modo
a levar o aluno a compreender e identificar a violência sofrida pelas mulheres
negras como uma construção sócio-histórica, política e cultural onde foi negada
a interseccionalidade e visibilidade da mulher negra. As fontes de pesquisa são:

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Étnico-Raciais e para o Ensino da História Afro-Brasileira e Africana. SECAD/
MEC, 2004. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/
uploads/2012/10/DCN-s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf.

Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília, 2012.


Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp001_12.pdf.

Programa Nacional de Direitos Humanos–Brasil. Gênero e Raça: todos pela


igualdade de oportunidades: teoria e prática. Brasília: MTb-a Assessoria
Internacional, 1998.

SPM-PR, Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República,


Mapa da violência contra a mulher, 2015. Disponível em: www.spm.gov.br/
assuntos/violencia.

IPEA - Tolerância social à violência contra as mulheres-2014. Disponível


em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_
violencia_mulheres_novo.pdf.

IPEA-SIPS 2014 Comportamento feminino influência estupros. Disponível


em: http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_
mulheres.pdf.

ANÁLISE DE DADOS
Desenvolver, através de fundamentação bibliográfica, dinâmica de grupo,
abordagem qualitativa e quantitativa baseada na pesquisa-ação, relacionada
a análise de dados, de modo a levar o aluno a compreender e identificar as
práticas como: preconceito, exclusão de classe social e étnica racial, gênero e
sua diversidade sexual como uma construção sócio-histórica, política e cultural
baseada na ideologia racial e que deve ser combatida.

GOMES, N. L. Diversidade cultura, currículo e questão racial. Desafios para a


prática pedagógica. In: ABRAMOWICZ, A.; BARBOSA, M. de A.; SILVÉRIO, V.
R. (Orgs.). Educação como prática da diferença. Campinas: Armazém do Ipê,
2006.
GONÇALVES, L. A. O.; SILVA, P. B. G. Movimento negro e educação. Revista
Brasileira de Educação, São Paulo, n. 15, p. 134-158, set.-dez. 2000. Disponível

133
CADERNO PEDAGÓGICO

em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n15/n15a09.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2018.

GUIMARÃES, A. Classes, raças e democracia.São Paulo: Editora 34, 2002.

HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de


vida na década de 90. Brasília: Ipea, 2001. Disponível em: <http://www.ipea.gov.
br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0807.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018.

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Retrato das Desigualdades


de Gênero e Raça. 4. ed. Brasília: Ipea, 2011. 39 p. Disponível em: <http://www.
ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2018.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Situação social da população


negra por estado. Brasília.: Ipea, 2014. 115 p. Disponível em: <https://goo.gl/
wX8gxd>. Acesso em: 10 mar. 2018.

PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO
A partir dos vídeos elencados abaixo, desenvolver uma dinâmica de grupo,
onde o aluno deverá compreender e identificar a diferença entre o preconceito
e a discriminação sofrida pelas mulheres negras. Nesse contexto, desconstruir
estereótipos e aprender a respeitar os valores culturais e as suas respectivas
manifestações.

BBC BRASIL. Poder da aparência: estereótipo influi no sucesso e no fracasso,


diz estudo. BBC Brasil.com, 22 abr. 2008.

Vídeo: Relações interraciais e solidão da mulher negra. Disponível em: https://


www.youtube.com/watch?time_continue=25&v=2ZNx1LV6c4A.

Vídeo:Você me representa: uma mulher negra na mídia. Disponível em: https://


www.youtube.com/watch?v=5YdsFwifZHU.

Vídeo: O (não) lugar da mulher negra nas campanhas publicitárias.


Disponível em: http://arq.e-escola.pr.gov.br/42557/reportagem_mulher_negra_
campanhas_encontro4.pdf.

SUGESTÕES DE LEITURA
MARCHA DAS MULHERES NEGRAS 2015 CONTRA O RACISMO E A
VIOLÊNCIA E PELO BEM VIVER. Disponível em: https://www.geledes.org.br/
manifesto-da-marcha-das-mulheres-negras-2015-contra-o-racismo-e-violen-
cia-e-pelo-bem-viver/.

O Conceito de “Interseccionalidade” | Sociologia. Disponível em: www.sociologia.


com.br/o-conceito-de-interseccionalidade/.

O tempo dos povos africanos – Ipeafro. Disponível em: ipeafro.org.br/wp-content/


uploads/2013/12/SUPLEMENTO-DIDATICO.pdf.

134
ORALIDADES AFROPARANAENSES

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new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_
collection_in_portuguese_pdf_only/.

II Diálogo Nacional sobre Violência Doméstica. Disponível em:


http://www.fundosocialelas.org/falesemmedo/noticia/ii-dialogo-nacional-so-
bre-violencia-domestica/15910/.

Violência doméstica contra as mulheres negras cresce no país. Disponível em:


http://www.fundosocialelas.org/falesemmedo/noticia/violencia-domestica-con-
tra-as-mulheres-negras-cresce-no-pais/15913/.

13 de maio: da Lei Áurea à essência escravocrata da direita. Disponível em:


https://www.geledes.org.br/13-de-maio-da-lei-aurea-essencia-escravocrata-da-
-direita/.

13 de Maio – Negros Livres. Disponível em:


https://www.geledes.org.br/13-de-maio-negros-livres/

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

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137
CADERNO PEDAGÓGICO

ORALIDADES AFROPARANAENSES

CAPÍTULO 3

NO PARANÁ
NEGRA
PRESENÇA
(...)
Melaninados migrados a força
Muitos condenados a forca
Mulheres e homens de pele de bronze
Herança áurea do astro Rei
E o povo africano e indígena
se tornou por força da vontade divina
Uma etnia fundante da Vila
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais
(...)

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar.


Almas das ruas: uma crônica para a alma negra curitibana.
In.: Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na história do Paraná.
Curitiba: Editora Humaita, 2016.
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPITULO 3
PRESENÇA NEGRA NO PARANÁ

UNIDADE 1

MELANINADAS E
MELANINADOS
NO PARANÁ:
CADERNO PEDAGÓGICO

PRESENÇA, BELEZA
E RESISTÊNCIA

Natalia Apolonia Belino Bonfim da Silva


ORALIDADES AFROPARANAENSES

MELANINADAS E MELANINADOS
NO PARANÁ: PRESENÇA, BELEZA
E RESISTÊNCIA

Natalia Apolonia Belino Bonfim da Silva

A história da cidade de Curitiba e do Estado do Paraná, contada


sob o véu do eurocentrismo, do racismo estrutural e institucional e da
desvalorização da oralidade na cultura ocidental levou à invisibilidade da
população negra e de sua contribuição na História do Paraná.
Em relação ao racismo institucional, ele teve seu conceito cunhado,
na década de 1960, nos Estados Unidos, para “[...] especificar como se
manifesta o racismo nas estruturas de organização da sociedade e nas
instituições, para descrever os interesses, ações e mecanismos de exclusão
estabelecidos pelos grupos racialmente dominantes."(LIMA; PACE, 2011,
p. 4)
Ainda segundo as autoras, pode ser facilmente detectado no
sistema educacional do Brasil, ao se fazer uma análise da má distribuição
de renda, fator determinante das desigualdades sociais e raciais e um dos
principais indicadores da pobreza no Brasil, que se reflete na qualidade
de vida destacando o "persistente fosso social" entre negros e brancos,
principalmente, no que se refere à educação.
No que se refere ao racismo estrutural, este representa o racismo
que estrutura as relações sociais

... por corresponder a uma estrutura, o racismo não está apenas no


plano da consciência – a estrutura é intrínseca ao inconsciente. Ele
transcende o âmbito institucional, pois está na essência da sociedade e,
assim, é apropriado para manter, reproduzir e recriar desigualdades e
privilégios, revelando-se como mecanismo colocado para perpetuar o
atual estado das coisas. (BERSANI, 2018, p. 2)

Apesar de invisibilizada na história oficial, a presença do povo negro


em Curitiba, como povo fundante de nossa capital e como importador de
diversas tecnologias presentes na cidade e no estado, se mostra através
de algumas evidências e das oralidades, transmitidas culturalmente pelos
povos africanos aos seus descendentes.

141
CADERNO PEDAGÓGICO

A Linha Preta, proposta de roteiro no centro histórico de Curitiba, realizada


pelo Centro Cultural Humaita, traz à tona algumas evidências da presença negra
em Curitiba.
O presente material foi construído tendo como ponto inicial a visita à
Linha Preta e a leitura do livro Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da
presença negra na história do Paraná, uma coletânea de poesias a respeito da
presença do povo negro em diversas cidades centenárias do Paraná, que tem
como autores Melissa S. Reinehr e Adegmar J. Silva, mais conhecidos como Mel
e Candiero.
A partir de um dos poemas, foi realizada a produção dessa unidade didática,
que relaciona a presença negra no estado do Paraná (povo que chamaremos de
melaninadas e melaninados de agora em diante, utilizando-nos do termo usado
no poema), a estética negra e a resistência.
A escolha por trabalhar a temática deve-se ao fato de que a presença
marcante de melanina na pele, juntamente com a estética dos cabelos, é um dos
maiores fatores de discriminação, inclusive dentro das escolas.
No estado do Paraná, a invisibilidade da presença negra, o branqueamento
de algumas importantes personalidades e o mito de uma população
predominantemente branca de olhos claros e origem europeia, levou a valorização
desse estereótipo, em detrimento da estética negra, comprovadamente presente
em nosso estado e que, por isso mesmo, é um importante fator de resistência na
atualidade.
Nesta unidade temática, sugerimos atividades para a efetivação do artigo
26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), modificado pelas Leis
10.639/2003 e 11.649/06, da Resolução 01/2004 e Parecer 03/2004 - CNE,
utilizando um recorte local e afrocêntrico. Tais atividades podem ser realizadas
por grupos de professores (as), funcionários (as) e estudantes, visando fornecer
subsídios para a contemplação da história e cultura africana e afro-brasileira do
Paraná, com possibilidade de atividades e relação interdisciplinar nas disciplinas
de História, Filosofia, Arte, Ciências e Biologia.
O referencial teórico inicia com a presença de melanina perceptível na pele
e sua relação com o racismo, segue com eugenia e racismo científico, conceitos
importantes para a compreensão dos momentos vividos no Brasil em relação à
estética negra, e finaliza com a estética negra e sua relação com a resistência da
população negra paranaense, em diversos momentos.

142
ORALIDADES AFROPARANAENSES

MELANINADAS E MELANINADOS NO PARANÁ:


POPULAÇÃO EXISTENTE E RESISTENTE
Os termos melaninadas e melaninados poderiam referir-se aos
portadores de melanina. Porém, raras são as pessoas que não apresentam
melanina, por conta de uma mutação genética, que são os albinos ou albinas.
Fora os portadores dessa mutação, todos e todas temos melanina, em menor ou
maior quantidade e de diferentes tipos.

Melanócito e sua localização na pele. FONTE: Natanael Belino Bonfim.

A MELANINA é o pigmento que dá a cor A coloração da pele não é


da pele, dos pelos e dos olhos. Tem cor determinada somente pela
acastanhada que parece negra quando está produção de melanina, mas
muito concentrada. A melanina é produzida é ela o principal fator. A
nos melanócitos, células derivadas quantidade e o tipo desse
embriologicamente do SNC (Sistema pigmento são controlados por
Nervoso Central). (MONTEIRO, 2010, p. 5) cerca de quatro a seis genes.
Algumas pessoas apresentam
uma maior produção e concentração de melanina na pele, sendo
que essa evidencia-se em seu fenótipo (fenótipo refere-se às características
apresentadas por um indivíduo). A produção de melanina visível na pele,
portanto, caracteriza as melaninadas e melaninados.
No Paraná, melaninadas e melaninados são, portanto, o povo negro,
migrado à força, que embora invisibilizado na história oficial, luta, resiste, fez e faz
história em nosso estado. Por isso mesmo, não podemos tratar aqui simplesmente
de estruturas moleculares, sejam essas estruturas a própria melanina ou os genes
que as controlam. Estamos falando do povo negro paranaense com história
forjada na luta e resistência, como declara Charles S. Finch III (2009) ao citar
Cheikh Anta Diop:

143
CADERNO PEDAGÓGICO

Cheik Anta Diop afirmava, com todo rigor, que “raça” é uma construção
fenotípica e sociocultural, não uma condição biomolecular. Ele dizia
com frequência que é possível um sueco e um banto sul-africano serem
geneticamente mais próximos entre si do que cada um deles a outras pessoas de
sua própria raça. Mas, na África do Sul de 1980, o sueco seria um homem livre,
enquanto o banto seria mais um integrante da maioria oprimida e violentada
pelo apartheid.

Como na África de 1980, as melaninadas e melaninados do Paraná


sofreram e sofrem com o racismo, mas mantêm-se resistentes e embora tenham
sido invisibilizados na história escrita, estão presentes desde o início da formação
da cidade, com tecnologias, manifestações culturais e religiosas, resistência e luta
contra o racismo.
Atualmente, segundo a pesquisa Nacional por amostra de domicílios
(PNAD Contínua/Pesquisa anual 2017), 31.1% da população do Paraná é
melaninada (somam-se nessa categoria os autodeclarados pretos e pardos). A
região Sul apresenta 22,5% de melaninadas e melaninados em sua população, ou
seja, proporcionalmente, o Paraná é o estado mais melaninado do Sul do Brasil.

EUGENIA E RACISMO CIENTÍFICO


Nos séculos dezoito e dezenove, teve ênfase o racismo científico que,
segundo Pena (2008), “tratava as raças humanas como se fossem espécies diferentes,
biologicamente incompatíveis”. A noção de raça aqui, definia o indivíduo como
um todo, inclusive no que se refere a aspectos psicológicos e morais e não apenas
às características superficiais. Além de comprovar a existência de raças, alguns
cientistas tentavam comprovar a inferioridade biológica de alguns grupos, como
os africanos e seus descendentes. O branco europeu era considerado como uma
raça superior, que teria como fardo a obrigação de levar o desenvolvimento
e a civilização às raças inferiores, ou seja, aos povos menos evoluídos. Isso
justificava a dominação de outros povos, invadindo os territórios e explorando
os fartos recursos e mão de obra existente.
No século dezoito foi criada ainda uma teoria conhecida como eugenia.
O termo foi criado por Francis Galton em 1883, e segundo Schwarcz (1993),
transformou-se num movimento científico e social vigoroso.
Galton acreditava que deveria haver uma seleção um controle da reprodução
para dessa forma melhorar a população. Ou seja, pretendia-se a eliminação de
características físicas indesejáveis. A Eugenia supunha:

[...] uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação
visava a “produção de nascimentos desejáveis e controlados” e preocupava-se
em promover, casamentos entre determinados grupos e desencorajar certas
uniões consideradas nocivas à sociedade. (SCHWARCZ, 1993, P.79)

144
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Ou seja, sua intenção era promover a limpeza racial dos grupos


considerados inferiores ou inaptos, no caso, dos grupos não brancos. A eugenia
foi colocada em prática em diversos países inclusive no Brasil onde se fez presente
através da política de branqueamento da população.

BELEZA NEGRA E RESISTÊNCIA NO PARANÁ


Segundo Santos e Mattos (2017), apesar da estética ser um ramo da filosofia
que estuda a natureza da beleza e os fundamentos da arte, ao tratar de estética
negra é necessário não se referir somente ao sentido filosófico e eurocentrado
da palavra, mas incluir a descolonização dos saberes e relações histórico sociais.
Ainda segundo Braga (2015, p.18), os conceitos de beleza são construídos
historicamente e

[...] se desfazem em momentos seguintes, transformam-se, carregam novos


sentidos, procuram novos padrões, apresentam-se e materializam-se de modos
distintos. Esse trânsito, no entanto, traz memórias e, portanto, continuidades
em relação ao momento anterior.

No Brasil, a corporeidade negra foi atrelada a estereótipos de desejo,


tribalismo, sexualidade e vulgaridade, ocorrendo imposição dos saberes e normas
de conduta dentro dos quais estão as visões e percepções do "sujeito branco".
Assim, os corpos das negras e negros tornaram-se espaço de resistência e
luta contra estereótipos. A estética negra em nosso país relaciona-se, portanto, a
reconhecimento, pertencimento e combate ao racismo, e, para compreendermos
o momento atual, precisamos fazer um breve histórico de como essa estética foi
e segue sendo vista no Brasil.
Iniciando com o período escravocrata, onde, de acordo com Braga (2015),
foi construída uma beleza castigada, ligada ao corpo, que se dividia entre o olhar
do negro sobre o negro e o olhar do branco sobre o negro.
Em relação ao olhar do negro sobre o negro destacam-se as escarificações,
as marcas tribais, o uso de turbantes, a limagem dos dentes, o achatamento do
nariz e os penteados africanos. Esses elementos expressam além da estética, uma
identidade das nações as quais pertenciam seus portadores.
Quanto ao olhar do branco sobre o negro, com o advento da eugenia e
do racismo científico do século XIX, os africanos e outros povos vítimas do
imperialismo e da dominação colonial são antropologicamente aproximados dos
animais, sendo vistos como inferiores em termos biológicos, morais e psicológicos
e selvagens, em relação ao branco civilizado.
No que se referes às mulheres, faz-se referência a VÊNUS HOTENTOTE e a
mulher negra passa a ser representada através do estereótipo da hipersexualidade,
com limitada capacidade racional em detrimento do instinto, surgindo em seguida
o estereótipo da mulata fácil. Na época, diversos são os anúncios que trazem

145
CADERNO PEDAGÓGICO
VENUS
HOTENTOTE
descrição física e sugerem préstimos das escravizadas, sendo
que as de pele mais clara e cabelos menos cacheados seriam Em 1789 ,
as preferidas para trabalhar mais próximas dos senhores. nasce na África
Os negros livres e libertos são retratados a partir de do Sul a mulher
um padrão branco não somente no que se refere às vestes conhecida como
e acessórios, mas também às posturas que, dessa forma, Saartige que ficaria
denunciam a pertença a uma sociedade autoritária e racista.
conhecida como
Nesse momento, não temos a estética como forma de
"Vênus Hotentote".
identidade e resistência, mas no Paraná, já no início do século
XIX, nossa melaninada Maria Águeda, mulher livre e pobre, Pertencente ao
dá exemplo de coragem e resistência ao se negar a obedecer às povo hotentote, do
ordens da esposa do capitão-mor da vila e ser presa por isso. qual apresentava as
características, um
Após a assinatura da Lei Áurea, a imprensa negra e
as associações afro-brasileiras passam à reivindicar uma "avental frontal"
nova abolição, vinculando-se a educação formal, política e que denotava a
cultural, a fim de romper com os estereótipos ligados a essa hipertrofia de seus
população nos séculos anteriores, relacionadas à suposta lábios vaginais e
preguiça, deseducação, vício da cachaça e uma suposição de a esteatopigia,
inferioridade congênita. A voz do negro, portanto, volta-se que lhe conferia
ao negro em termos políticos, educativos e estéticos. um acúmulo
A estética ganha atuação política e os concursos de gordura nas
de beleza, muito frequentes nesse período, além de tentar nádegas, maiores e
promover a construção de um conceito de beleza negra, se mais salientes que
tornam uma resposta à imagem da mulata promíscua. o padrão europeu.
Há uma valorização dos cabelos cacheados, embora Saartige foi levada
a busca pelo alisamento surja como forma de status social,
para Londres em
voltando mais uma vez ao ideal de beleza eugênico.Apesar das
1810, onde foi
dificuldades encontradas, essa movimentação tem êxito ao
fazer do negro participante ativo da realidade racial brasileira. exposta em feiras,
A partir de 1943 ocorre a ampliação e o amadurecimento circos e teatros
do movimento negro e aumenta a presença das negras e negros devido aos atributos
no mercado de trabalho, que passa a ser mais competitivo. físicos considerados
Esses fatores aumentam a discriminação, levando a surgir, exóticos aos olhos
como oposição aos movimentos negros, o mito da democracia europeus. A figura
racial e do racismo às avessas, bem como a diferenciação entre da Vênus Hotentote
o negro pobre e o negro rico. Ao mesmo tempo em que cresce era ligada à
o movimento negro, a cultura nacional continua visando ao prostituição e à
encantamento da mulata, especificamente, surgindo nesse homossexualidade,
contexto o sentido filológico da palavra mulato e sendo que a representando a
designação negro só retorna em 1980. mulher sexualizada,
Deise Nunes é eleita, em 1986, a primeira miss Brasil
fonte de corrupção
e doença.
146
ORALIDADES AFROPARANAENSES

negra, mas permanece associada à imagem da mulata, da verdadeira mulher


brasileira, produto positivo da miscigenação racial e prova da democracia racial.
Aqui, a beleza de Deise é também relacionada aos preceitos morais, mas ainda
assim, a mulata é levada às rodas de samba e desfiles de carnaval como o modelo
da sensualidade.
No estado do Paraná, um dos exemplos de resistência e identidade negra
desse período é a fundação, no dia 06 de junho de 1888, da Sociedade Operária
Beneficente 13 de maio, que teve como um de seus fundadores Vicente Moreira
de Freitas e tinha o objetivo de agregar os africanos libertos e proporcionar ajuda
mútua em diversos aspectos, além de promover festas e eventos.
Segundo o historiador Edvan Ramos, mesmo numa época em que as
mulheres não tinham nenhuma representatividade, faziam parte dessa sociedade
mulheres negras, sendo a mais conhecida das Marias curitibanas, a Maria Bueno
ou, de acordo com o historiador, Maria Boenno, conhecida como santa e, com
seu estereótipo negro embranquecido no decorrer do tempo.
Após 1996, iniciam-se as políticas de identidade, que representam uma
incorporação por parte do Estado, das propostas da imprensa e das associações
no período anterior, com o objetivo de ressaltar as identidades negras afirmativa
e positivamente. Com a abertura política do Brasil e sua redemocratização,
entram em ação os movimentos populares, como componentes das lutas sociais,
entre eles, o movimento negro. Nesse período também é promulgada a Nova
Constituição, que criminaliza o racismo.
A imagem construída durante o período escravocrata, da mulata sensual e
fácil, que representa também a miscigenação do Brasil permanece no imaginário
social, assim como em algumas campanhas publicitárias. Porém, o olhar do
negro sobre si é outro. O corpo deixa de ser caricaturado com acentuadas curvas
para ser valorizado nos modelos naturais de pluralidade estética, com modos de
beleza e representação que vão além das facetas do carnaval.
O discurso questiona a inclusão do negro numa "sociedade branca" e passa
a afirmar sua história, estética e identidade. E nessa identidade não há regras.
Independente de como o negro usa o cabelo, por exemplo, o importante é que
ele se reconheça. Volta-se a usar os turbantes, não mais como símbolo de status
social, mas como símbolo de pertencimento e identidade.
O reconhecimento do negro ultrapassa a esfera do corpo (engajamento
político, samba no pé, visibilidade profissional) e as diversas ONGs relacionadas
ao movimento negro, além de procurarem estabelecer a integração dos negros à
vida nacional, procuram a construção de uma consciência racial e a produção de
um sentido de pertencimento étnico.
Dessa forma, diversos são os movimentos que visam não somente a
valorização da estética negra, mas a superação do racismo, o reconhecimento e o
pertencimento, ao usar a estética como estratégia de resistência e transformação.

147
CADERNO PEDAGÓGICO

Um dos mais brilhantes exemplos dessa luta em Curitiba é a trajetória de


Vera Paixão: mulher negra, paranaense, mãe, militante, artista, autodidata com-
prometida com a dança como exercício de liberdade. Sua trajetória revela um fa-
zer artístico plural e politicamente engajado na luta contra as múltiplas faces do
racismo e das desigualdades. Ao fundar e coordenar projetos como Grupo Afro-
-Cultural Ka-Naombo (1991) e o Concurso Beleza dos Palmares (1998 – 2012), a
artista junto as comunidades que participa, instaura e gere poderosos territórios
de resistência. Seus fazeres insurgem por meio de gerações atravessando duras
camadas de silenciamento invisibilidade e apagamento histórico que soterram as
presenças negras na chamada ‘capital europeia’. Em suas próprias palavras:

Vera Lúcia de Paula Paixão (1968 -) natural de Mandaguari-PR. Mãe de Keny


Adubi, Laremi e Moyemi. Atua como técnica em enfermagem, cuidadora de ido-
sos e acadêmica de Serviço Social. É militante no Movimento Social Negro em
Curitiba há 30 anos. Cofundadora da ACNAP – Associação Cultural de Negritu-
de e Ação Popular e fundadora do Grupo Afro Cultural Ka-Naombo, grupo que
com a dança-afro, o teatro e a poesia busca combater o racismo, o preconceito,
valorizar e difundir a cultura negra. É criadora do Concurso Beleza de Palmares e
realizadora do show Tina Music.
Como atriz, participou da Campanha da Semana de Consciência Negra e dias
das Mães da RPC, do filme Cafundó (2005) e do documentário Mirian quer Brigar
(2017). Foi membro de banca examinadora de cotas raciais no Paraná, Rio de Ja-
neiro e Sergipe. Membro do FESP-PR - Fórum de Educadores (as) Sociais e Popu-
lares do Paraná. Participou do projeto de criação pelo Grupo Uninter do primeiro
Curso Tecnólogo de Educador(a) Social do Brasil.
É poetisa e autora do livro AYO (2017) publicado pela editora Bolsa Nacional
do Livro como parte da Marianas Coleções e também do livro Danças Negras
(2018) cujo lançamento está previsto para 2019. Membro do Coletivo Marianas.
Mulher Preta! Que incansavelmente busca uma sociedade mais justa, onde
a população negra seja respeitada com seus traços, cultura e valores (PONTES,
2018).
Foto: Vera Paixão. Fonte: acervo pessoal.
Atualmente, temos como exemplos
desses movimentos o afrofuturismo e a
geração tombamento. O afrofuturismo é
um movimento cultural que utiliza música,
política, moda, entre outros, através de uma
linguagem que une artefatos tradicionais
de matriz africana, mitologia, cosmologia
e histórias africanas a elementos da ciência
e artefatos tecnológicos futuristas tendo
como objetivo a liberdade de expressão,
autoconfiança e empoderamento negro.
O afrofuturimso cria um estilo de ficção

148
ORALIDADES AFROPARANAENSES

científica que questiona a branquitude eurocêntrica e o machismo nas


ficções científicas, que tem como personagem hegemônico o homem
branco heterossexual.
A geração tombamento, movimento interseccional que utiliza
o empoderamento estético e a moda como elementos de resistência e
transformação, se aproxima do contexto afrofuturista, uma vez que ao
mesmo tempo em que resiste e afirma sua identidade africana, coloca
a estética como algo que pode planejar o futuro.
No estado do Paraná que, mesmo sendo o estado mais negro do
Sul do Brasil, tem a representação típica de sua população feminina
como mulher branca, de cabelos lisos e olhos claros, não poderiam
faltar movimentos de resistência que também atuam na estética e
na construção de identidade, promoção de visibilidade e luta contra
o preconceito. Alguns exemplos desses movimentos o Bloco Afro
Pretinhosidades, o Afro – Chic e a Marcha do Orgulho Crespo.
Watena Ferreira N' Tchalá, integrante do Bloco Afro
Pretinhosidades, nos contou que o bloco surgiu da união de pessoas,
ligadas ou não a grupos e entidades do movimento negro, mas que Débora Pereira e Neli
Gomes da Rocha,
idealizavam um bloco que contemplasse a cultura negra em Curitiba. ministrantes das
Em novembro de 2016, a ideia começou a tomar forma e, em janeiro oficinas de tranças
de 2017, em parceria com a Rede Mulheres Negras do Paraná e a e turbantes no Afro
Chic. Fonte: Arquivo
ONG Passos da Criança, onde Diorlei Santos, o mestre percussivo pessoal das entrevis-
do Bloco dá aula, começaram os ensaios. Através do samba-reggae, o tadas para o artigo
Geração Tombamen-
bloco trouxe para o carnaval de Curitiba uma outra identidade, outra to e Afrofuturismo: a
estética e desde então tem atuado fortalecendo e empoderando negras moda como estraté-
e negros de Curitiba, por meio da musicalidade, estética, resgate gia de resistência às
violências de gênero
histórico e fortalecimento das origens negras africanas. e de raça no Brasil.
O Afro Chic é um evento realizado através de oficinas
direcionadas aos cabelos crespos e ao corpo negro, centradas na
estética negra. "O termo 'estética negra' é utilizado tanto no evento
com nas redes sociais para tratar dos cuidados com o corpo e com
os cabelos, assim como para pensar nos usos de artefatos de moda
e indumentárias com referências de matriz africana" (SANTOS e
MATTOS, 2018, p. 266). O evento teve duas edições no ano de 2015,
quando foi organizado pelo salão Deby Tranças e coordenado por
Débora Pereira, que se inspirou em sua própria relação com seus
cabelos e sua autoestima “enquanto mulher, negra e mãe” (SANTOS
e MATTOS, 2018, p. 266). Juntamente com as oficinas foi promovida Michele Mara, canto-
uma feira de produtos étnico-raciais, como tecidos para turbantes e ra e organizadora da
produtos para cabelos crespos, com produção e venda protagonizadas, marcha do Orgulho
Crespo em Curitiba.
na maioria das vezes, por mulheres negras. Fonte: Tom Pesch.

149
CADERNO PEDAGÓGICO

A Marcha do Orgulho Crespo é um movimento que acontece


em todo o Brasil, buscando

a valorização da identidade e da ancestralidade negra; a


representatividade, a autoestima, a livre expressão do cabelo natural
e o empoderamento da mulher negra na sociedade, em todas suas
vertentes e espaços. Tem como principal motivação empoderar
mulheres e homens negros por meio do reconhecimento de sua
beleza. Organizado pela militante e cantora Michele Mara, o evento
está em sua terceira edição, em 2018.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença negra em Curitiba e no Paraná, apesar de ter sido
negada, escondida e embranquecida na história oficial, sempre existiu.
É necessário, portanto, (re)escrever a história de Curitiba e do Paraná,
de forma a corrigir a distorção racista e eurocêntrica e dar visibilidade
a essa importante parcela da população.
Nessa proposta de trabalho teve-se a intenção de possibilitar
o reconhecimento da presença negra em Curitiba, bem como de
demonstrar alguns exemplos de como as negras e negros resistiram
e vem resistindo na cidade. Para além do passado, a população negra
permanece presente na cidade e tem, atualmente, a estética como uma
das formas de resistência, construção de identidade, promoção de
visibilidade e luta contra o preconceito.
A intenção é que esse material, juntamente com a proposta
de atividade nele contida, seja utilizado nas escolas, visando o
reconhecimento da presença negra, no passado e no presente, e a
valorização da atual presença negra através da estética, com a intenção
de promover a identidade de nossas alunas negras e nossos alunos
negros.
Será utilizada como base para essa proposta, a metodologia
da problematização, evitando a abordagem descritiva e repetitiva
e levando as envolvidas e envolvidos a tomarem consciência de seu
meio e atuar intencionalmente para transformá-lo de maneira crítica.
A base para aplicação da Metodologia da Problematização. É o Arco
de Maguerez, que, segundo Bordenave e Pereira (1995) se faz por meio
de cinco etapas, conforme mostra a imagem:

150
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES

TEORIZAÇÃO

IDENTIFICAÇÃO
DOS PROBLEMAS HIPÓTESES
(PONTOS CHAVE) DE SOLUÇÃO

OBSERVAÇÃO APLICAÇÃO
DA REALIDADE À REALIDADE

REALIDADE
FONTE: A autora. Adaptado de Bordanave e Pereira (1989).

PROBLEMATIZAÇÃO
Será utilizada como base para essa proposta, a metodologia da
PROBLEMATIZAÇÃO, evitando a abordagem descritiva e repetitiva e
levando as envolvidas e envolvidos a tomarem consciência de seu meio e atuar
intencionalmente para transformá-lo de maneira crítica. A base para aplicação da
Metodologia da Problematização é o Arco de Maguerez, que, segundo Bordanave
e Pereira (1995) se faz por meio de cinco etapas, conforme mostra a imagem
acima.
Na sequência será apresentado um resumo das características básicas
de cada etapa, bem como nossa sugestão para sua aplicação. Sendo que não se
pretende aqui montar um roteiro a ser reproduzido, mas uma fonte de recursos,
que pode ser adaptada a cada realidade.

151
CADERNO PEDAGÓGICO

OBSERVAÇÃO DA REALIDADE (PROBLEMA):


Nessa etapa observa-se a realidade e, através dela, elabora-se um problema.
O problema é uma questão para a qual não se encontra resposta pronta.
A observação da realidade pode ser feita através de perguntas, como por
exemplo,
→ O que é melanina?
→ O que significam os termos melaninadas e melaninados?
→ Existem melaninadas e melaninados no Paraná atualmente? São muitos?
Quem são?
→ As melaninadas e melaninados fazem parte da história do Paraná? Em
quais momentos?
→ O que é estética negra?
→ Qual relação pode ter a estética negra com a presença de melaninadas e
melaninados no Paraná?
O problema a ser solucionado deve ter a participação das(os) envolvidas(os)
em sua elaboração e relacionar a invisibilidade das melaninadas e dos melaninados
paranaenses à estética negra e à resistência.

IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS
(PONTOS-CHAVES)

Nessa etapa deve-se conduzir ao levantamento e definição dos
conhecimentos que se têm nesse momento inicial e os pontos a estudar, a
investigar, no caso, os pontos – chaves.
Como enfatiza Berbel (1999) nessa etapa o mais importante é o processo e
não o produto.
Nossas sugestões de estudo para esse momento são:

a) Leitura do poema Alma das Ruas: Uma crônica para a lama negra curitibana
– Mel e Candieiro, do qual extraímos alguns trechos, relacionados diretamente
ao nosso trabalho;

b) Visitar o roteiro LINHA PRETA CURITIBA, que apresenta diversas evidências


da presença das melaninadas e dos melaninados em Curitiba e no Paraná.

Caso não seja possível visitar a Linha Preta, utilizar os textos, fotos e vídeos
disponibilizados no site da Linha Preta Curitiba, mostrando algumas evidências
da presença negra no Paraná como, por exemplo:

152
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Curitiba em 1827, por Jean Batiste Debret.


FONTE: http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/pintores-da-paisagem-paranaense/

1- Aquarela de Debret, mostrando a primeira imagem de


Curitiba, em 1827.

A visão da cidade mostra um homem negro trabalhando na reforma


da antiga Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito, ou na construção da
inacabada Igreja de São Francisco, hoje em ruínas. O homem representado na
tela usa o barrete frígio, historicamente reconhecido como símbolo da liberdade.

2- A escultura “Água para o Morro”.

Produzida em gesso pelo artista plástico e escultor


paranaense Erbo Stenzel, em 1944, como trabalho final
do curso de escultura na Academia Nacional de Belas
Artes no Rio de Janeiro, tendo a namorada Anita como
modelo. A escultura mostra uma bela jovem negra
carregando uma lata d’água sobre a cabeça, sugerindo
um movimento de quem caminha em direção a um plano
mais elevado. Usando uma linguagem realista, o artista
conseguiu efeitos que sugerem que o vestido usado pela
jovem está molhado, por isso cola ao corpo e desenha os
seios, mas não os expõem. (OLIVEIRA, 2018, p. 396).
Escultura "Água pro morro", Existem duas esculturas em fundidas em bronze, uma
Erbo Stenzel, atrás das Arca-
das do Pelourinho.
atrás das Arcadas do Pelourinho e outra no gabinete do
Fonte: a autora. Prefeito de Curitiba.
153
CADERNO PEDAGÓGICO

3 - A escultura do "Homem nú".



A escultura localizada na Praça 19 de Dezembro, no centro de cidade de
Curitiba, apresenta traços negróides e, como declara Megg Oliveira, professora
e doutora em educação na UFPR, no site da Linha Preta Curitiba, "simboliza o
Paraná dando um passo em direção ao futuro. A pesquisadora relata ainda que
Stenzel tende a representar os negros em uma situação de poder, de vantagem,
sendo que no painel atrás da escultura na praça, quem
exerce o papel de classe trabalhadora são os homens
brancos" (Linha Preta Curitiba, 2018).
Megg lembra que não podemos aqui esquecer
as diversas contribuções dos trabalhadores negros
como faiscadores, tropeiros e do primeiro presidente
da Província do Paraná, o mulato baiano Conselheiro
Zacarias de Goes e Vasconcelos.
A pesquisadora aponta ainda que a escultura
desencadeou uma série de reações contrárias, pois
não representaria os traços fenotípicos do homem
paranaense, “Em 1986, na revista Veja, saiu uma
reportagem, retomando a discussão em torno da
escultura e, de novo, questiona se ‘ela representa
o povo paranaense', justificando que a população
paranaense seria composta hegemonicamente por
pessoas brancas. É um processo de silenciamento da
população negra, que o Erbo Stenzel rompe de forma
muito violenta” (Linha Preta Curitiba, 2018).
Ainda no que se refere a essa escultura, a nudez
foi tida como afronta à moral e os bons costumes. Escultura "Homem Nu", de Erbo Stenzel,
Nudez essa, que segundo a pesquisadora: “É uma na Praça 19 de Dezembro. Fonte: a autora.
nudez quase angelical, porque não existe um traço
sequer nessa escultura que acene para uma linguagem
erótica”

TEORIZAÇÃO
(REFERENCIAL TEÓRICO):

É o momento do estudo propriamente dito; nesse momento buscam-se
embasamentos para avaliar os pontos chaves e diferentes ângulos do problema
são analisados. Como referencial, podem ser utilizados os seguintes documentos:

154
ORALIDADES AFROPARANAENSES

→ A leitura e discussão do poema Almas das Ruas: uma crônica para a alma
negra curitibana, de Mel e Candiero (REINEHR; SILVA, 2016);
→ A leitura e a interpretação de texto de outros poemas do livro Oralidades
afroparanaenses: Fragmentos da Presença Negra na História do Paraná, de Mel e
Candiero (REINEHR; SILVA, 2016);
→ A música O Nego do cabelo bom, Max de Castro que fala sobre cabelo,
alisamento e discriminação. Letra e música disponível em:
https://www.letras.mus.br/max-de-castro/140608/;
→ Para falar sobre o afrofuturismo, pode-se utilizar o filme Pantera Negra
– 134 minutos. Direção: Ryan Coogler. O filme, une a ancestralidade africana às
tecnologias futuristas de Wakanda, relacionando-se ao movimento afrofuturista;
→ O vídeo Melanina Sim: Racismo e Estética Negra. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=e87wlfRiJQw.

HIPÓTESES DE SOLUÇÃO (PLANEJAMENTO)



É a etapa de elaboração das possíveis hipóteses de solução. Analisando-se a
realidade, as possibilidades que podem transformá-la, mesmo que numa pequena
parcela, tornam-se mais evidentes.
As estratégias de ação pensadas devem exercer uma diferença na realidade
onde se extraiu o problema. Todas as possibilidades sugeridas e pensadas serão
registradas e, após esse levantamento, é realizada a seleção das hipóteses de solução
mais viáveis.
As hipóteses de solução devem responder às questões levantadas na
elaboração do problema, relacionando melaninadas e melaninados no Paraná,
estética negra e resistência. Considerando-se o conceito africano de retornar
ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro, as atividades
podem relacionar fatos do passado e do presente, assim como pode-se incentivar
os participantes a utilizar a oralidade e a corporalidade, outros dois traços
importantes da cultura africana.

APLICAÇÃO À REALIDADE

Planejam-se as ações que serão colocadas em prática e essas são elaboradas.
Essa é a etapa de aplicação à realidade, de prática, de ação concreta de acordo com
as sugestões de interferências propostas.
Nesse momento, o mais importante é promover uma transformação naquela
parcela da realidade, mesmo que essa transformação seja pequena (BERBEL,
1999, p. 6).

155
CADERNO PEDAGÓGICO

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resistência. Disponível em: http://appsindicato.org.br/?p=12113/. Acesso em: 20
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UEL, 1999. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/
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estrutural_e_o_direito_a_educacao. Acesso em: 12 set. 2018.

BRAGA, Amanda Batista. História da beleza negra no Brasil: discursos, corpos


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BORDENAVE, Juan Diaz e PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de


Ensino-Aprendizagem. 16 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

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FRANK, Priscilla. Realismo mágico, história da África e ficção cientifica:


conheça o Afrofuturismo. Geledés, 2016. Disponível em:
https://www.geledes.org.br/realismo-magico-historia-da-africa-e-ficcao-
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FINCH III, Charles S. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin. Afrocentricidade. Uma


abordagem espistemológica inovadora. São Paulo, Selo Negro, 2009, (Sankofa:
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ORALIDADES AFROPARANAENSES

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_____________________________ Almas das Ruas. Leitura dramatizada


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RIBEIRO, Stephani. Meu lacre é poder. Revista TRIP. Disponível em:


https://revistatrip.uol.com.br/tpm/stephanie-ribeiro-escreve-sobre-geracao-
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SANTIAGO, Fernanda Lucas. Sociedade 13 de maio: uma estratégia


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Voss e VANALI, Ana Crhistina. Roteiros temáticos da Diáspora. Porto Alegre,
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: Cientistas, instituições


e questão racial no Brasil – 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das letras,
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158
ORALIDADES AFROPARANAENSES

FONTES CONSULTADAS:
Curitiba em 1827, por Jean Batiste Debret.
Disponível em: http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/pintores-da-paisagem-
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Disponível em: https://www.facebook.com/soc13demaio/. Acesso em: 31 out.
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Disponível em: https://linhapretacuritiba.wixsite.com/linha-preta. Acesso em:
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Maria Agueda.
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Disponível em: https://filmow.com/pantera-negra-t58708/ficha-tecnica/. Acesso
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Disponível em: https://www.facebook.com/search/top/?q=bloco%20pretinhosidade.
Acesso em: 03 nov. 2018.

O Nego do cabelo bom, Max de Castro.


Disponível em: https://www.letras.mus.br/max-de-castro/140608/.

159
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPITULO 3
PRESENÇA NEGRA NO PARANÁ

UNIDADE 2
NEGROS PAMPHILO:
PERSONALIDADES
NEGRAS DA
CADERNO PEDAGÓGICO

SOCIEDADE
CURITIBANA
DO SÉCULO XX

Ana Crhistina Vanali


(...)
E a cidade que não tinha negros
começa a se descobrir
A capital mais negra do sul
Um “Brasil diferente”
começa a surgir
Sentir...
Algumas histórias cruéis
Acontecidas bem aqui
no centro da cidade
Que nega
suas incômodas ancestralidades
(...)

Almas das ruas: uma crônica para a alma negra curitibana.


In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar.
Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na história do Paraná.
Curitiba: Editora Humaita, 2016
CADERNO PEDAGÓGICO

NEGROS PAMPHILO:
PERSONALIDADES NEGRAS DA
SOCIEDADE CURITIBANA DO SÉCULO XX
Ana Crhistina Vanali

As disciplinas de Sociologia e de História atualmente têm um papel ainda


mais desafiador ao se deparar cotidianamente com os conceitos de memória,
diferença e identidade. Afinal, como pensar as questões de subjetivação e
de identificação nos dias atuais, uma vez que foi ampliada a visibilidade e a
legitimidade de antigas demandas impostas por diferentes movimentos sociais
para o reconhecimento dos seus direitos?
O discurso político tem um papel central na construção da memória,
pois resulta no processo de identificação que na maioria das vezes é uma das
principais estratégias adotadas pelos grupos hegemônicos para não trazer à tona
as diferenças que marcam a construção de uma sociedade.
Como educadores nos deparamos com o desafio diário de explicar o
terreno de disputas entre as diferentes memórias coletivas. Terreno este no qual
os professores e os alunos acabam se identificando com determinadas demandas
e que leva a necessidade de se posicionar frente a um passado “comum” inventado
e legitimado através do discurso oficial do Estado. Deve-se propiciar aos alunos
meios para questionarem as interpretações construídas no passado para na
atualidade poderem entender as discriminações culturais presentes na sociedade.
Como determinadas memórias se tornaram hegemônicas na construção da
narrativa sobre a formação da sociedade paranaense? Que identidade paranaense
é transmitida pela historiografia tradicional? Qual o lugar do negro nessas
memórias? Qual a contribuição do negro na construção desse passado comum?
No que se refere à história dos negros no Paraná, a sua invisibilidade é
reforçada pela narrativa fragmentada, impossibilitando uma visão mais complexa
e processual da presença africana no estado, diferentemente da história dos
brancos europeus que é marcada pela coesão e continuidade. Essa invisibilidade
faz com que os negros sejam desconectados do processo histórico mais amplo
sendo vistos como novos atores sociais, não articulando que a luta do presente
está associada com a história do povo negro na sociedade brasileira.
A construção de novos discursos não pode esquecer as marcas desse
passado, com as quais se deve dialogar para entendermos quem somos, e quem
são os outros e sobretudo esses devem ajudar no combate às desigualdades e às

162
ORALIDADES AFROPARANAENSES

diferentes formas de discriminação racial ainda bastante presentes na sociedade


brasileira.
Ao final desse texto, narramos a trajetória de duas personalidades negras
que desempenharam papéis importantes na sociedade curitibana na primeira
metade do século XX até o final da década de 1960. Duas personalidades que
partilhavam, além da mesma cor, de um nome em comum: Pamphilo, que em
grego significa leão em tudo1.
Um era médico, outro advogado, e atuaram em uma Curitiba cujo discurso
oficial era de uma cidade onde quase não há negros. Esse discurso tem como
fonte o trabalho de Wilson Martins, intitulado Um Brasil Diferente, publicado
no ano de 1955, onde o autor aponta o Paraná como sendo diferente do restante
do país por ter sido formado “sem escravidão, sem negro, sem português e sem
índio, dir-se-ia que a sua definição humana não é brasileira” (MARTINS, 1989,
p. 446)22.
Assim, Curitiba teria sido fundada por colônias de imigrantes europeus,
sendo puramente branca, o que desemboca na narrativa da cidade modelo
justamente por sua formação étnica. Nesse discurso, que encontramos na mídia
local e nas propagandas institucionais, está implícita a ligação entre qualidade
de vida e o predomínio dos descendentes de europeus na formação da cidade;
como se uma cidade só pudesse ter qualidade de vida se tivesse em sua formação
étnica uma predominância do elemento branco europeu ou, se todo lugar onde
este elemento fosse dominante necessariamente fosse desenvolvido. O problema
é que esse discurso torna invisível a população negra da cidade.
O problema da invisibilidade social dos negros é uma questão central
no entendimento da sociedade brasileira, a mesma que apresenta imensas
desigualdades nos seus indicadores sociais. Precisa-se desenvolver uma
identidade que esteja aberta às diferenças e à pluralidade cultural, o que não pode
ocorrer sem que, ao menos, se reconheça a existência de diversos grupos étnicos
e culturais que em dado momento se misturam e realizam trocas culturais, e em
outros entram em conflito.
Apesar de ainda permanecer em grande parte do imaginário e do senso
comum dos curitibanos a ideia de que a cidade é apenas branca-europeia, outros
trabalhos vêm tratando justamente da invisibilidade social dos negros3 em
1 “Leão em tudo” significa que o destino é vencer, por ser corajoso e não ter medo dos desafios. É um
líder, apresentando as ideias mais inovadoras e diferentes possíveis. Significado de Panfilo. In:
https://www.significado.origem.nom.br/nomes/panfilo.htm. Acesso em: 18 set. 2018.
2 Wilson Martins não se diz ligado ao Movimento Paranista, mas define a identidade paranaense como
sendo naturalmente constituída por fatores como clima e raça.
3 Os indígenas também são deixados de lado nessa narrativa da “fundação europeia da cidade”, apesar
da origem semântica do nome da cidade - Curitiba - ser de origem tupi e significar “muito pinhão” para alguns
autores e, para outros, "muitos porcos".

163
CADERNO PEDAGÓGICO

Curitiba, mostrando que esse discurso foi construído com a ajuda da historiografia
tradicional4. A etnia negra é parte importante da população curitibana. Quase
um quinto da população de Curitiba se declara parda (16,9%) e 2,8% são pretos.
Os dados são do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
Temos que refletir sobre como nos relacionamos com a cidade de Curitiba,
que imagem temos dela e de seus habitantes, o que implica na formação da nossa
própria identidade, ou pelo menos parte significativa dela. O que é ser paranaense,
ser curitibano? Um dos objetivos desse texto é fornecer aos alunos uma carga de
conhecimento para poderem refletir sobre novos discursos e sobretudo acerca das
identidades paranaense e curitibana, multiplicando suas perspectivas, evitando o
discurso único do Paraná Europeu. Nossa História mistura diversos elementos
e devemos desenvolver uma consciência mais propriamente histórica, que nos
proporcionará uma consciência crítica.

A INVISIBILIDADE DA PRESENÇA NEGRA NA


HISTÓRIA DO PARANÁ

Os Negros Pamphilo atuaram em Curitiba na primeira metade do século
XX, numa capital provinciana “com menos de cinquenta mil habitantes,... quando
começaram a aparecer os primeiros automóveis, ... nas ruas lamacentas ... Em
cada setor de atividade, notadamente nas profissões liberais, uns tantos nomes
exponenciais eram sempre mencionados: quatro ou cinco advogados, cinco
ou seis médicos ... Dentre os advogados, citava-se o Dr. Pamphilo ... nimbado
duma auréola de prestígio, que o ornava respeitado e admirado na sociedade
curitibana”(GOMES, 1959, p. 379-380). E dentre os médicos, o “ilustre patrício
Dr. Antenor Pamphilo dos Santos, talentoso professor da Faculdade de Medicina”.
(O Estado (PR), 18/11/1937, p. 2.)
A trajetória de ambos nos remete à questão da educação para a população
negra. Os dois se formaram no pós-abolição, um período em que o acesso aos
benefícios produzidos pela sociedade, como à educação, sempre foi muito difícil
para a população negra. Antes da abolição, ocorrida em 13 de maio de 1888,
chegou a existir uma legislação que proibia o acesso à educação por parte da
população negra5.
Atualmente ainda existem as desigualdades raciais no âmbito da educação

4 Consultar Ianni (1988) e Moraes; Souza (1999). Por historiografia tradicional nos referimos sobretudo a
Romário Martins (1995) e Ruy Wachowicz (1988).
5 Consultar Lei Nº 14 de 22/12/1837 do Rio Grande do Sul e Lei Nº 1331 de 17/02/1854 do Rio de Janei-
ro.

164
ORALIDADES AFROPARANAENSES

na sociedade brasileira conforme aponta dados do PNAD/IBGE e alguns trabalhos


acadêmicos (SILVA, 2018; VANALI, 2018).
Tanto Pamphilo D’Assumpção, quanto Pamphilo dos Santos, possuem
trajetórias que se contrapõem ao discurso paranista que definiu a identidade
paranaense baseada num pensamento racista, que fez questão de invisibilizar a
participação do elemento negro na história paranaense e reforçar o discurso, que
por muito tempo circulou como oficial, de que a história de Curitiba só começou
com a chegada dos imigrantes europeus, no século XIX.
O contexto histórico do final do século XIX e início do século XX no
Brasil, e especificamente no Paraná, serão a base para a compreensão, com maior
amplitude, da vida dos nossos biografados. Assim ficará mais fácil entender as
rupturas e continuidades das trajetórias dos Negros Pamphilo.
A biografia conserva sua especificidade em torno do sujeito histórico, pois
a época e o meio são valorizados como aspectos capazes de caracterizar uma
atmosfera propícia para explicar a singularidade da trajetória do biografado, sem
com isso tentar normalizar os comportamentos e ideias de um grupo ou de uma
época. A intenção é utilizar a biografia como um instrumento do conhecimento
histórico e assim se despojar da tradicional biografia linear e factual.
Afinal, o que podemos saber de um homem? Sartre (1966) propõe para
os estudos biográficos o método progressivo-regressivo no qual é necessário
compreender ao mesmo tempo o homem e o lugar. Entender o seu entorno, a
questão das determinações do contexto histórico, a relação objetiva com essa
realidade, assim, procurando compreender o indivíduo desde seu interior
(regressão) até a sua vida e obras (progressão). O homem faz a história ao mesmo
tempo em que ele a suporta. A fim de abordar esse duplo movimento do indivíduo
em direção às suas circunstâncias objetivas e destas em direção ao indivíduo, é
que o autor propõe esse método que se aplica na medida em que ele se constrói
(SARTRE, 2013).
Relacionar o papel do indivíduo com as circunstâncias de seu tempo é uma
das razões dos estudos biográficos que investiga momentos e reavalia experiências
de vida com o objetivo de explicar o acontecido e o lugar que o biografado ocupou
ou ocupa na história (BOURDIEU, 1990).
Assim, a exata compreensão da trajetória singular de um autor se dá
precisamente em meio à pluralidade. Isto significa que a trajetória de um
indivíduo só se torna compreensível no contexto ou no meio político e social de
que faz parte, seja se diferenciando, seja se identificando com os pressupostos ou
valores dominantes da época.

165
CADERNO PEDAGÓGICO

Segundo Bourdieu (1990), é imprescindível que o exame da trajetória


singular de um determinado indivíduo, esteja articulado à apreensão do
comportamento, disposições e tomadas de decisões desse nos diferentes campos
em que atua, sobretudo, onde este concorre com os demais autores. O conceito de
campo é definido por Bourdieu (2010) como um espaço estruturado de relações,
onde as condições objetivas (aquelas que são da estrutura social) e as práticas
sociais se manifestam. Pode ser definido ainda como uma esfera autônoma da
vida social, onde cada campo possui seu capital específico, como por exemplo,
o campo científico, em que o capital social se expressa pelos títulos, publicações,
etc. Dessa mesma forma tem-se os campos político, cultural, religioso, artístico,
intelectual, etc.
Assim, devemos entender que as trajetórias dos Negros Pamphilo estão
sempre ligadas a uma rede de relações de dependências recíprocas. A pesquisa
de uma trajetória individual nos permite compreender tanto a vida do indivíduo
quanto as relações que se estabeleceram entre o ele e o contexto social, ou seja,
indivíduo e sociedade coexistem numa relação unívoca, não se consegue separar
(ELIAS, 1995).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O preconceito racial no Brasil é constitutivo de sua sociabilidade. Durante
o sistema escravista formou-se essa cultura racista. Ianni (1988) já apontou em
suas pesquisas que seus informantes lhe declaravam que em Curitiba não havia
negros e que o negro curitibano era o polaco, assimilando o preconceito que os
alemães desenvolveram na Europa contra os poloneses. Por isso, discutir sobre o
problema do negro e a questão racial é tão importante, pois deve-se questionar
os muitos mitos que são constitutivos da ideologia dominante e acabam
neutralizando o outro. Novos estudos devem ser realizados demonstrando a
situação real das relações raciais no país. E no caso do Paraná, o mito da não
participação do negro na constituição da sociedade paranaense deve ser visto
antes de tudo como político e social, pois acaba servindo aos interesses das elites
dominantes. Quanto elementos negros como Pamphilo D’Assumpção e Pamphilo
dos Santos alcançaram êxito, mas foram embranquecidos pela história oficial,
por isso se questiona se eles realmente eram negros? Conforme destaca Mel e
Candiero (REINEHR; SILVA, 2016, p. 27 e 28):

166
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Do primeiro presidente da OAB-PR


Dr. Pamphilo Assumpção
Um afrodescendente embranquecido
Na história do Paraná
Um dos fundadores
Da Academia Paranaense de Letras
Um dos fundadores do estatuto da UFPR.
...
Quantas negras e negros guerreiros paranaenses ...
Sem nome, sem imagem

A presença do negro na formação da identidade paranaense sempre foi


secundarizada, quando não omitida, e a imagem do Paraná branco seguiu em
frente (MORAES; SOUZA, 1999). Nossa intenção com esse texto é demonstrar
que a memória da população negra paranaense foi esquecida, não foi reservado à
ela um espaço na história da constituição da identidade do estado mais negro do
sul do Brasil, o Paraná.
Ao recuperarmos as trajetórias dos Negros Pamphilo, levantamos
fragmentos de novas "histórias que eram para ser esquecidas", demonstrando a
contribuição dos afrodescendentes para a construção da história do Paraná. Com
isso, visamos superar as práticas e ideias racistas, reconhecendo a importância
e a necessidade da realização de novos estudos sobre a história paranaense que
privilegiem a construção de novas atitudes e interiorize novos valores baseados
no respeito às diferenças, no enfrentamento das desigualdades e no combate a
qualquer tipo de discriminação.

167
ABAIXO O 13 DE MAIO
P/ VALDIR IZIDORO SILVEIRA
Da minha metade negra por parte Aí é que está o furo da questão
da minha mãe, protesto, mais de uma vez, toda.
contra essa comemoração do 13 de Maio, Pra começo de conversa, liberdade
o Dia da ‘Liberação dos Escravos”, como é o tipo da coisa que não se concede.
aprendemos nos estúpidos manuais Liberdade se conquista. Se preciso, com
escolares, que sempre contam a história armas na mão.
a partir da perspectiva dos vencedores e Passivos como escravos, os negros
das classes dominantes. receberam, passivamente, esta liberdade
Nesse dia, aprendemos, a boboca que, como tudo o mais, lhes vinha de cima.
da Princesa Isabel, uma panaca bem Do mesmo lugar donde costumavam vir
parecida com Papai Pedro II (o Pedro as chicotadas do feitor.
Banana, dos “chargistas” da época), que Mas isso, ainda é pouco comparado
nunca fez coisa alguma de memorável, com a sacanagem maior.
em 13 de maio de 1888, Isabel assinou, O escravo liberto, em 13 de maio,
com pena de ouro, a quarta não recebia nenhum
lei abolicionista, dando tipo de compensação,
por extinta a escravidão nem em terra nem
no Brasil (depois da Lei em dinheiro, que lhe
da Proibição do Tráfico, permitisse começar sua
do Ventre Livre e dos vida como cidadão livre.
Sexagenários). Com a Lei Áurea, os
Grande bosta. negros foram atirados
A essas alturas, o do inferno agudo da
Império já estava caindo senzala, do chicote e da
de podre, e os militares tortura, para o inferno
o derrubariam no ano crônico da pobreza,
seguinte. A escravidão do analfabetismo e do
já era, há muito tempo, despreparo intelectual,
uma instituição arcaica, Fonte: Correio de Notícias, 13/05/1986, p. 9.
inferno onde, ainda hoje,
absurdamente onerosa vegeta parte da população
diante das relações capitalistas de dos negros e mulatos do Brasil.
produção, baseadas no salário. Milagres um Gilberto Gil, um Pelé,
Um empregado é infinitamente um Guerreiro Ramos, um Ney Lopes.
mais barato que um escravo [uma pessoa Da senzala, o negro saiu para a
escravizada]. favela. Da escravidão para o crime.
Não precisa alimentá-lo, nem Parte considerável da nossa
obrigá-lo, não precisa cuidar da saúde população carcerária é constituída por
dele e, se morrer, é só contratar outro. gente de pele escura.
Quer dizer, a Lei Áurea foi E a polícia não tem dúvidas. Todo
absolutamente inútil, um gesto o negro é um criminoso em potencial.
retardatário e meramente ornamental, Mãos para cima, negão, e vai contando
que só consagrava uma situação de fato. tudo, se não quer ir para o pau-de-arara.
A força do gesto está no significado Esse foi o grande crime social
simbólico, abolir a escravidão, conceder cometido pela Lei Áurea.
a liberdade a milhares de seres, que A condenação da raça negra,
mourejavam no cativeiro. 168
ORALIDADES AFROPARANAENSES

no Brasil, a uma condição subalterna, de liberdade negra, demonstrado em


miserável e desprotegida, entregue à inúmeras rebeliões, culminando com a
própria sorte. Guerra Santa dos negros muçulmanos
Sabe-se, por exemplo, que malês da Bahia, em 1835.
inúmeros escravos [escravizados], Tudo se passa como se aqueles
depois da abolição, preferiram continuar negrões da Nigéria e de Angola adorassem
trabalhando nas mesmas fazendas e servir àqueles estúpidos manuéis e
casas-grandes onde tinham crescido, joaquins que enchem com o lixo de sua
criado laços e envelhecido. presença essa casa-da-mãe-joana, que é a
Vamos imaginar uma negra escrava história pátria.
Emerenciana, uma tia Anastácia, de 62 Está na hora do negro começar
anos, cozinheira de uma fazenda de café, a escrever a história do seu passado,
no interior de São Paulo. enquanto etnia.
Ela nasceu naquela fazenda. Quando Para isso, o negro brasileiro vai ter
moça e bonita, foi amante do seu senhor. que ir para a universidade, vai ter que
Mais velha, deu de mamar ao sinhozinho virar sociólogo, cineasta, romancista,
da casa-grande e lhe ensinou a falar, e lhe poeta. Sobretudo, político. Vai ter que
contou histórias de assombração. ter dinheiro.
Foi copeira, faxineira, arrumadeira. Lenta, mas inexoravelmente, esse
Assistiu a festas. Ajudou a sinhazinha a se dia se aproxima.
vestir na noite do grande baile. Todo negro é uma nobreza, no
Na cozinha, Emerenciana é a Brasil Nobreza do passado, do trabalho
senhora. Sabe onde está cada tacho, cada feito, da rebeldia sufocada, da resistência
panela, cada frigideira, cada prato, cada cultural inquebrável (o samba, o
concha, cada xícara. candomblé, a capoeira).
E agora vem essa tal de Isabel e Ainda vai raiar o sol nessa África
assina uma lei que diz que ela está livre e que trazemos dentro de nós.
pode ir onde bem entender. Oras bolas! Até lá, vamos cuspir nessa miserável
Ir para onde, se seu mundo é este, festa de 13 de Maio, dia da Grande
esta condição subalterna, esta cozinha Sacanagem Contra o Negro Brasileiro.
sempre suja e sempre limpa, este varal de Pra mim, pra nós, o grande dia do
roupas, este temor, quase amor, diante de negro brasileiro é o dia em que morreu
sinhô e sinhá? Zumbi e caiu Palmares, o maior quilombo
Em sua crueldade, a máquina de do Brasil Colônia, onde os negros
opressão luso-brasileira foi perfeita. mostraram, com armas na mão, diante
Não temos, hoje, um sociólogo do maior exército que o Brasil já vira, que
pernambucano, chamado Gilberto Freyre, com preto não se brinca.
que se derrete de indisfarçável ternura A data é 20 de novembro. Pra mim,
ao enxergar (na cabeça dele) uma idílica 13 de maio cai em 20 de novembro. Até lá.
“integração” entre negros e brancos, Hoje à noite, a partir das oito, a
entre senzala e casa-grande, no Brasil coisa vai estar preta, no Teatro de Bolso,
patriarcal do açúcar? na Praça Rui Barbosa. Vai ter roda de
É significativo que, em seu “Casa samba, demonstração de capoeira,
Grande & Senzala” (1928), o livro mais poemas gritados pelo Geraldo Magela,
safado da sociologia brasileira, esse “show” do Grafite e outras negritudes
ridículo pavão moribundo que é Gilberto alusivas à data.O último a chegar é mulher
Freyre, praticamente, não dedique uma do Gilberto Freyre.
linha aos quilombos e à resistência negra, Paulo Leminski
aos negros fujões e ao incansável desejo Fonte: Correio de Notícias, 13/05/1986, p. 9.
169
CADERNO PEDAGÓGICO

JOÃO PAMPHILO VELLOSO D’ASSUMPÇÃO


Nascimento: Curitiba/PR, 07 de setembro de 1868
Falecimento: Curitiba/PR, 15 de janeiro de 1945

Fonte: Acervo do Centro de Letras do Paraná.


Foto: Ana Vanali

Pamphilo D’Assumpção. Década de 1920. Pamphilo D’Assumpção. Década de 1940.

João Pamphilo Velloso tempo foi o único bacharel doutor,


D’Assumpção nasceu dia 7 de setembro titulação alcançada em 1897. Após
de 1868 em Curitiba, estado do Paraná. formado, trabalhou no escritório
Foi o quinto filho de Manoel Euphrasio do Barão de Ramalho, onde ficou
D’Assumpção e Germina Velloso. até a morte desde em 1902 (BOIA,
O casal teve mais seis filhos: Paulo 2001). Conselheiro Joaquim Ignacio
(1850), Hosanna (1857), Francisca Ramalho (Barão de Ramalho)2
(1864), João (1866), Josephina (1870) (1809-1902), foi jurista, professor,
e Maria Deolinda (1878)1. Seu pai foi político, diretor da Faculdade de
organizador da polícia militar no Paraná Direito da Universidade de São Paulo,
nos tempos provinciais e organizador de 1891 e 1902, além de fundador
das tropas que partiram do Paraná para do Instituto dos Advogados de São
a Guerra do Paraguai (CARNEIRO, Paulo.
1981). Retornou para Curitiba por
Em 1885 iniciou os estudos na volta de 1908 onde montou seu
Faculdade de Direito de São Paulo.
Diplomou-se em 1889 e prestou 2
. Conselheiro Joaquim Ignacio Ramalho (Barão de
concurso para professor na faculdade Ramalho) (1809-1902), foi jurista, professor, políti-
co, diretor da Faculdade de Direito da Universidade
em que se formara, e durante muito de São Paulo, de 1891 e 1902, além de fundador do
Instituto dos Advogados de São Paulo. Disponível
em VASCONCELLOS, Barão de. Archivo nobiliar-
1.
Disponível em https://www.myheritage.com.br/names/
chico brasileiro, Lausanne/Suíça: Imprimerie La
francisca_assumpcao. Acesso em: 18 set. 2018. Diário da
Concorde, 1918.
Tarde, 28/11/1903, p. 3. 170
ORALIDADES AFROPARANAENSES

escritório de advocacia, um dos mais Seu primeiro casamento foi com


procurados. Não se dedicou apenas Maria Carolina Sampaio, com quem teve
aos assuntos forenses, ampliando suas as filhas Yraci, Aray e Jacy. Em 1919 faleceu
atividades: escrevia na impressa diária (A sua primeira esposa e no ano seguinte, em
República, Diário da Tarde e Comércio 1920, casou em segundas núpcias com
do Paraná) comentários sobre assuntos a pintora Maria Amélia de Barros com
jurídicos, política, artes, entre outros quem teve duas filhas4 (BRANTES, 2008).
(BRANTES, 2008). Desempenhou Foi consultor jurídico do estado do
altos cargos de gestão em importantes Paraná e escreveu várias obras na área de
sociedades de classe sendo presidente Direito, colaborando para diversas revistas
da Associação Comercial do Paraná por de jurisprudência (GOMES, 1959).
seis anos (1909-1913 e 1927-1931). Foi um destacado profissional
Durante sua gestão reestruturou liberal de formação jurídica, porém, nos
a instituição que ganhou um novo últimos anos de vida, doente e sem poder
status (CARNEIRO, 1981). Também foi trabalhar, recebia uma ajuda mensal da
fundador de várias entidades culturais OAB para complementar sua renda5.
como do Centro de Letras do Paraná,
em 1912, do qual foi presidente por 4
Maria Amélia Fernandes de Barros (1883-1955), pintora
duas gestões (1918-1921 e 1922-1934) e e professora de arte. Foi a primeira mulher do Paraná a
da Academia de Letras do Paraná, em expor, individualmente, no Rio de Janeiro. Disponível em
http://www.artesnaweb.com.br/index.php?pagina=ho-
1922. Foi presidente da Sociedade Thalia me&abrir=arte&acervo=1214. Acesso em: 18 set. 2018.
(1927-1928) e membro da Academia Pamphilo D’Assumpção também produziu algumas telas
Paranaense de Letras fundada em 1936. de aquarela, mas de sua produção artística, pouca coisa se
encontra (BRANTES, 2008).
Catedrático da Universidade 5
O Dia, 19/01/1945, p.5.
do Paraná desde 1913, participou da
sua fundação , e ocupava a cátedra
Homenagem à Pamphilo D’Assumpção. Fonte: A Bomba, 10/08/1913, p. 26

de Direito das Obrigações. Era um


“profissional respeitado entre seus pares
e um nome largamente conhecido pela
comunidade política e intelectual de
Curitiba” (GRUNER, 2009, p. 79).
Em 10 de junho de 1917 foi um dos
fundadores do Instituto de Advogados
do Paraná, sendo eleito seu primeiro
presidente. Permaneceu no cargo por
15 anos, até o ano de 1932, passando a
ser presidente honorário do instituto.
Foi responsável pela instalação da Seção
Paranaense da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), sendo seu presidente
de 1932 a 19373 .

3
Disponível em http://iappr.org.br/site/1917-1932/.
Acesso em: 18 set. 2018.

171
CADERNO PEDAGÓGICO

João Pamphilo Velloso D’Assumpção. Rio de Janeiro, 1909. Fonte: Acervo da Casa da Memó-
ria. Diretoria do Patrimônio Cultural / Fundação Cultural de Curitiba.

Lunch oferecido aos membros da Colônia Paranaense por Pamphilo de


Assumpção, presidente da Associação Comercial do Paraná, por ocasião da data
comemorativa da separação do Estado do Paraná do de São Paulo. No centro do
grupo (de colete branco), está o advogado e propagandista dos produtos do Para-
ná, Dr. Pamphilo de Assumpção, tendo a sua direita o deputado Correa Defreitas
e a sua esquerda Arinos Pimentel e o Dr. Paulo Telles. A mocidade acadêmica
paranaense e os representantes da imprensa completam esta fotografia tirada no
Bar do Ipanema expressamente para a Revista Fon-Fon.

REFERÊNCIAS
BOIA, Wilson. Pamphilo D’Assumpção (fundador). In: Bibliografia da Academia
Paranaense de Letras. Curitiba: Posigraf, 2001, p. 51.

BRANTES, Carlos Alberto. Dr. Pamphilo D’Assumpção: jurista e artista. BIHGP,


Vol. LIX, 2008, p. 75-79.

CARNEIRO, David. Perfil histórico da Associação Comercial do Paraná e


galeria dos presidentes. Curitiba: Reproset, 1981.

172
ORALIDADES AFROPARANAENSES

GOMES, Oscar Martins. O professor Pamphilo D’Assumpção: perfil póstumo.


In: Revista da Faculdade de Direito. Curitiba: Universidade do Paraná/Papelaria
Requião, v. 6/7, p. 379-383, 1959.

GRUNER, Clóvis. Um nome, muitas palavras: Pamphilo de Assumpção e os


discursos jurídicos na Curitiba da Belle Époque. In: Revista Regional de História,
Curitiba, v. 14, n. 1, p. 76-104, 2009.

SUGESTÕES DE LEITURA
CANDIERO; MEL. Alma das Ruas: uma crônica para a alma negra curitibana.
Curitiba: Editora Humaitá, 2015.

GRUNER, Clóvis. Em torno à “boa ciência”: debates jurídicos e a questão


penitenciária na imprensa curitibana. In: Revista Regional de História 8 (1),
2006, p. 67-94.

MENDES, Antonio Celso. Um século de cultura: história do Centro de Letras


do Paraná (1912-2012). Curitiba: NMC/Estúdio Texto, 2013.

PLAISANT, Dicesar. Panfilo de Assumpção. In: Visões panfletárias. Curitiba:


Irmãos Guimarães, 1938, p. 195-196.

Antenor Pamphilo dos Santos em 1962. Pamphilo dos Santos é o


primeiro sentado da esquerda para a direita. Fonte: Divulgação
Paranaense, Nº166, janeiro de 1962, p. 43.

173
CADERNO PEDAGÓGICO

ANTENOR PAMPHILO
DOS SANTOS
Nascimento: Salvador/BA, 1º de junho
de 1895
Falecimento: Curitiba/PR, 09 de feve-
reiro de 1967
Pamphilo dos Santos.
Curitiba, 1962. Fonte:
Acervo da Faculdade de
Medicina da UFPR
Foto: Ana Vanali

Paraná. Com as teses sobre “Estrutura


dos corpos cristalizados” (escolhida
pela banca) e “O hidrogênio atômico
e molecular” (livre escolha), no ano
Antenor Pamphilo dos Santos de 1929 prestou concurso para a
nasceu dia 1º de junho de 1895 em cátedra de Química Geral e Mineral
Salvador, estado da Bahia. Lá trabalhou da Faculdade de Medicina da
como “mata mosquito”, ou seja, era agente Universidade do Paraná. Em 1932
comunitário de saúde e de combate às passou a lecionar Química Biológica.
endemias. Em 1920 era funcionário No ano de 1937 prestou concurso para
público do estado do Paraná, em Curitiba, a cadeira de Fisiologia da Faculdade
trabalhando como auxiliar do serviço de Medicina da Universidade do
sanitário1. Paraná a qual ocupou até se aposentar
Não se sabe quando chegou na em 1965 (COSTA; LIMA, 1992).
capital paranaense, mas em 1921, aos Atuou como membro
26 anos, formou-se em Farmácia pela do Conselho Universitário da
Universidade do Paraná e, em 1928, Universidade do Paraná de 1955 a
colou grau em Medicina pela mesma 1961 (SOUZA, 2016), recebendo
instituição, defendendo a tese “Teoria dos desde o título de Professor Emérito
envenenamentos”. após sua aposentadoria2.
Foi o primeiro a receber o prêmio Foi eleito diretor da Faculdade
Nilo Cairo da Universidade do Paraná de Medicina da Universidade do
composto por diploma e medalha Paraná por duas vezes, exercendo
concedido ao formando em medicina com a função de 1956 a 1963 (COSTA;
a melhor nota (COSTA; LIMA, 1992). LIMA, 1992). Foi durante sua gestão
Em 1926 assumiu a cátedra de que o prédio do Hospital de Clínicas
Química Toxicológica e Bromatológica da Universidade Federal do Paraná
do curso de Farmácia da Universidade do
1 2
A República, 14/10/1920, p. 1. A República, 20/05/1922, O Diário do Paraná, 10/02/1967, p. 7.
p. 1.
174
ORALIDADES AFROPARANAENSES

foi inaugurado em 26 de março 1960, solidariedades para angariar recursos


momento no qual declarou “é uma obra, o para a construção de entidades como
Hospital de Clínicas de Curitiba, que vai, a Sociedade de Assistência aos Lázaros
incontestavelmente, solucionar uma das e defesa contra a lepra de Curitiba9. Se
grandes dificuldades que tínhamos, que empenhava em outras ações coletivas,
era a do ensino das clínicas” (ANTENOR como a doação de um terreno da
PAMPHILO DOS SANTOS, 26/03/1960)3. prefeitura para a construção do biotério
Foi membro da terceira diretoria da da Faculdade de Medicina10. Era membro
Associação de Professores da Universidade da Legião Brasileira de Assistência
Federal do Paraná (APUFPR) sendo (LBA)11. Organizava e orientava cursos de
vice-presidente de 1965 a 1966 (APUFPR, educadores da saúde popular12. Também
2010). foi membro do Círculo de Estudos
Antes de ser professor da Bandeirantes (FERRARINI, 2011).
Universidade do Paraná, Pamphilo dos Em 1943 pediu licença como
Santos havia sido professor de Física e professor da Faculdade de Medicina da
de Química do curso ginasial no Colégio Universidade do Paraná para exercer
Novo Atheneu4. Depois, mesmo já sendo funções públicas. Pamphilo dos Santos
professor da Faculdade de Medicina atuava exerceu cargos de alta relevância na vida
como membro da banca de exame de política e administrativa do Paraná.
História Natural do Ginásio Paranaense5 Em 1930 tornou-se o médico
e como professor no curso preparatório sanitarista da Diretoria Geral da Saúde
do Gymnasio Brasileiro localizado na do Paraná sendo o chefe do Laboratório
Praça Osório6. Também trabalhava de Bromatologia e Análises Clínicas13.
como professor de Química para o curso Durante o governo do interventor
preparatório do exame vestibular de Manoel Ribas, de 1932 a 1934 assumiu
medicina do Colegio Iguassu situado na como interino a Diretoria Geral da Saúde
Praça Rui Barbosa7 . Pública14. De 1939 a 1941 assumiu como
Realizava muitas conferências e diretor geral o Departamento de Saúde15.
palestras radiofônicas pela cidade de Ainda no governo de Manoel
Curitiba, sempre tratando de temas Ribas foi diretor geral de Educação no
relacionados à saúde como tuberculose, ano de 194416 (RODRIGUES, 2013; LIMA
saúde da criança, lepra, febre tifoide, etc8. JUNIOR, 2009).
Participou de muitos congressos a nível
nacional representando o Paraná. 10
Diário do Paraná, 23/12/1956, p. 8. Biotério é o viveiro
Agilizava campanhas de em que se conservam animais em condições adequadas
à utilização em experimentos científicos ou produção de
vacinas e soros.
11
3
Última Hora, 26/03/1960, p. 2. O Dia (PR), 26/02/1949, p. 4.
4
Commercio do Paraná, 11/02/1925, p. 7. O Dia, 12
O Dia (PR), 04/01/1947, p. 5.
01/03/1925, p. 5. 13
A República, 22/04/1930, p. 3.
5
A República, 22/11/1929, p. 5. 14
O Dia (PR), 04/02/1933, p. 1. Lei Nº 2703 de 29/04/1929.
6
O Dia (PR), 23/03/1931, p. 2. 15
O Dia (PR), 23/05/1941, p. 7. Decreto Nº 6155 de
7
O Dia (PR), 08/10/1931, p. 4. 12/01/1938.
8
O Estado, 09/11/1937, p. 8. Diário do Paraná,
16
O Dia (PR), 12/03/1944, p. 8. O Dia (PR), 22/06/1944,
11/10/1946, p. 7. p. 3.
9
O Dia (PR), 23/05/1941, p. 7.
175
CADERNO PEDAGÓGICO

De 1946 a 1952 foi presidente da Em 1957 pediu licença da função


Associação de Assistência à Criança do de vereador e substituiu Vidal Vanhoni
Paraná17 . Em 1948 era diretor da Divisão na Secretaria de Educação e Cultura
de Proteção Social do Departamento na segunda gestão de Moyses Lupion
Estadual da Criança (DEC) ao lado de (1956-1961) de quem era apoiador
Domício Costa e do diretor geral Pio convicto23. Trabalhou na instalação
Taborda Veiga. O DEC foi criado em de vários Comitês Pró-Moyses, em
1947 como órgão da Secretaria de Saúde diferentes bairros de Curitiba, durante
e Assistência Social com a finalidade as eleições de 1955. Nessa mesma época
de estimular e orientar a organização era um dos membros do diretório
de estabelecimentos municipais e regional do PSD.
particulares destinados à proteção da Em 14 de setembro de 1957
maternidade e da infância além de realizar fundou com outros médicos a Sociedade
estudos relativos à situação em que se de Endocrinologia e Nutrição do Paraná
encontrava a maternidade, a infância e a que foi incorporada como Regional
adolescência no Paraná18 . do Paraná à Sociedade Brasileira de
Pamphilo dos Santos foi eleito, Endocrinologia e Metabologia em 11 de
em 17 de dezembro de 1956, orador da agosto de 195824.
Associação Paranaense de Farmacêuticos Foi um homem público de
para o biênio 1957-195819. reconhecido valor sendo homenageado
Foi vereador de Curitiba pelo ainda em vida. No ano de 1957, uma
Partido Social Democrático (PSD) por escola em Iporã, foi batizada com
duas legislaturas: 1947-1950 (com 668 seu nome, a Escola Estadual Doutor
votos)20 e 1956-1959 (com 859 votos)21. Antenor Pamphilo dos Santos25 . Após
Assumiu como prefeito interino de a sua morte um dos logradouros de
Curitiba dia 16 de julho de 1948 quando Curitiba foi denominado Rua Vereador
era presidente da Câmara dos Vereadores Antenor Pamphilo dos Santos, no bairro
(MARTINS, 2017). Como vereador Vista Alegre26 .
apresentava projetos para auxiliar o Foi candidato pelo Partido Social
esporte amador, redução da tributação, Democrata (PSD) a deputado estadual
defesa da educação e da saúde para os nos anos de 1950 e 1958. Não foi eleito
desamparados, apresentava e defendia em nenhum dos pleitos27 . Durante o
projetos que não fossem “pó de arroz em processo das eleições de 1958 o governo
cara suja!”, como ele mesmo declarava22. fez uma campanha para os eleitores
17
Diário do Paraná, 04/07/1946, p. 2. O Dia (PR), 22
Chegou a ser presidente de honra do Huracan S. Vi-
18/05/1952, p. 3. cente Clube da Rua Itupava no ano de 1956. In: Paraná
18
A Divulgação, fevereiro-março, 1945, p. 33. Esportivo, 31/10/1956, p. 7.
19
Diário do Paraná, 09/01/1957, p. 8. 23
Diário do Paraná, 07/11/1957, p.3.
20
Resultados de eleições municipais – Curitiba – 24
Disponível em https://www.endocrino.org.br/perfil-
16/11/1947. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/elei- -e-historia/. Acesso em: 21 abr. 2018.
coes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. 25
A Tarde, 10/10/1957, p. 3
Acesso em: 23 abr. 2018.
21
Resultados de eleições municipais – Curitiba –
26
Projeto de Lei Nº 157/67 de iniciativa do vereador
03/10/1955. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/elei- Arlindo Oliveira (22 de agosto de 1967).
coes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr
27
A Tarde, 24/08/1950, p. 6. A Tarde, 08/10/1958, p. 3.
Acesso em: 23 abr. 2018.

176
ORALIDADES AFROPARANAENSES

não votarem em branco. Aproveitando Paraná que combatia o racismo sobretudo


a mensagem da campanha do governo através da atuação de homens negros com
e a candidatura do professor Pamphilo visibilidade social e política. A UHC teria
dos Santos para deputado estadual, funcionado de 1948 até a década de 1960.
os alunos da Faculdade de Medicina Foi candidato a 2º suplente do
penduraram uma faixa no pátio com os candidato a senador pelo PSD do Paraná,
dizeres: “NÃO VOTE EM BRANCO. Flávio Guimarães, nas eleições de 194630. Em
VOTE NO PROFESSOR PAMPHILO!” 1960 foi o presidente de honra do Comité
fazendo alusão a cor da pele do professor, Médico Pró-Plínio Costa, que funcionava
relembra um de seus ex-alunos28 . Outra no Edifício Asa, na Praça Osório. Esse
referência que encontramos sobre a cor comité apoiava Plínio Franco Ferreira da
da pele de Pamphilo dos Santos é de Costa para a suprema magistratura do
outro ex-aluno que assim o descreveu: Estado31 . Assumiu, no ano de 1961, como
“aproximou-se o professor Antenor secretário da saúde do governo de Moysés
Pamphilo dos Santos, homem alto, Lupion, permanecendo até a posse de José
preto, avental branco, engravatado e Justino Filgueira Alves Pereira, secretário
de óculos bifocais”29. Segundo Souza do governo Ney Braga (FGV-CPDOC, on
(2011), Pamphilo teria sido membro da line; SESA, on line).
União Homens de Cor (UHC), antiga Pamphilo dos Santos foi casado
organização do movimento negro no com Laura Sozzi e tiveram apenas um
filho, Jayme Sozzi Pamphilo
dos Santos, formado em
Direito e falecido em 10 de
maio de 196332. Moravam
na antiga Rua Conselheiro
Barradas, depois Rua Carlos
Cavalcanti nº 1386

Moradia de Pamphilo dos Santos.


Fonte: Correio do Paraná, 12/05/1934,
p. 3.

Quando Pamphilo
dos Santos faleceu em 9 de
fevereiro de 1967 aos 72
28
O ex-aluno não permitiu sua identificação. anos a Reitoria da Universidade Federal
29
Henrique Packter, ex-aluno. In: Três crônicas de natal do Paraná decretou luto simbólico de três
de 2017 (23/12/2017). Disponível em http://www.
clicatribuna.com/colunista/henrique-packter/david-lui- dias. A Prefeitura de Curitiba e a Secretaria
z-boianovsky-primeiro-pediatra-10911. Acesso em: 23 Estadual de Educação decretaram luto
abr. 2018. Grifo da autora.
30
O Dia (PR), 04/01/1947, p. 5.
oficial de dois dias32 em reconhecimento
31
Diário do Paraná, 01/10/1960, p. 4. a todo serviço prestado nas instituições
32
Diário do Paraná, 10/06/1959, p. 5. Diário do Paraná, pelas quais passou.
11/05/1963, p. 10.
32
O Diário do Paraná, 10/02/1967, p. 7.
177
CADERNO PEDAGÓGICO

REFERÊNCIAS
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COSTA, Iseu Affonso da; LIMA, Eduardo Correa. O ensino de medicina na


Universidade Federal do Paraná. Curitiba: Editora da UFPR, 1992.

FERRARINI, Sebastião. Círculo de Estudos Bandeirantes: documentado.


Curitiba: Editora Champangnat, 2011.

FGV-CPDOC. Verbete José Justino Filgueira Alves Pereira. Disponível em


http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/jose-justino-fil-
gueiras-alves-pereira. Acesso em: 18 set. 2018.

LIMA JUNIOR, José Alberto de Andrade de. História da disciplina de Música e


Canto Orfeônico em das escolas secundárias públicas de Londrina (1946-1971).
Londrina: Mestrado em Educação da UEL, 2009.

MARTINS, Walkiria Braum. Levantamento das legislaturas e vereadores


(1947-2020). Curitiba: CMC, 2017.

MÉDICOS DE 1936 . 25º Aniversário de Formatura. In: Divulgação Paranaense.


Nº 166, janeiro de 1962, 1962 , p. 43.

RODRIGUES, Jaqueline dos Santos. Postos de Puericultura- fundação O Dia:


educação das mãe e saúde dos filhos (Curitiba, 1940-1942). Curitiba: Mestrado
em Educação da UFPR, 2013.

SESA (Escola de Saúde Pública). Relação


Formatura em Medicina, 1928. Fonte: Correio do Paraná, 13/03/1933, p. 3

dos ex-diretores do Centro Formador


de Recursos Humanos Caetano Munhoz
da Rocha. Disponível em http://www.
escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/
LISTA_DIRETORES_ESPP_CFRH_2016_
alterado.pdf. Acesso em: 18 set. 2018.

SOUZA, Eliezer Felix de. Flávio Suplicy


de Lacerda: relações de poder no campo
acadêmico/político paranaense e o
processo de federalização e modernização
da Universidade do Paraná. Ponta Grossa:
Doutorado em Educação da UEPG, 2016.

SOUZA, Marcilene Garcia de. A África está


em nós: história e cultura afro-brasileira/
africanidades paranaenses. João Pessoa:
Editora GRAFSET, 2011.

178
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1 - Pedir para os alunos produzirem um texto de no máximo 15
linhas respondendo a seguinte questão: Se você tivesse que contar para uma
pessoa de fora da cidade como foi a fundação de Curitiba, como seria a sua
narrativa? Para os alunos que não são originários da cidade, relatar a imagem
que possuíam dela antes de aqui chegarem e como essa imagem foi construída
por eles.

ATIVIDADE 2 - Preparação para a sensibilização do tema: começar com um


brainstorming do que os alunos entendem pelo termo Magia Negra para trazer à
tona sobretudo os clichês e o senso comum. Ler o poema de Sérgio Vaz intitulado
Magia Negra (disponível na p. 228). Tirar possíveis dúvidas sobre o vocabulário
da língua portuguesa.
Dividir a turma em equipes para ser realizada a pesquisa das 59
personalidades negras citadas ao longo do poema. Dependendo o número de
alunos, distribuir de 4 a 6 personalidades por equipe. Ao final, cada equipe fará
a apresentação oral das biografias das suas personalidades. Importante que eles
apresentem uma imagem/foto do biografado, local e data de nascimento e morte,
principais aspectos da trajetória da vida pessoal e profissional, posição frente a
questão racial e ao movimento negro.
Pesquisar sobre as instituições apresentadas no poema: Sarau da Cooperifa,
Fundo de Quintal, Vai-Vai, Mangueira, RAP, Samba, Blues, Rock, Hip-hop,
Africa Mbata.
Adaptar o poema original utilizando personalidades e instituições negras
da cidade de Curitiba e/ou do Estado do Paraná.
Retomar o conceito de Magia Negra com os alunos.

ATIVIDADE 3 - Ler o poema Curitiba Afro, de Mel e Candiero (disponível na


p. 232). Apresentar dados estatísticos do tempo colonial, provincial, republicano
e atual sobre a composição da população paranaense e curitibana demonstrando
como a presença negra sempre existiu no estado. Finalizar mostrando os últimos
dados do IBGE que aponta o Paraná como o estado da região sul com o maior
percentual de negro em sua população.
Discutir o significado das palavras utilizadas no poema: apagamento,
novos caminhos e novos trilhos.
Pesquisar sobre as personalidades negras apontadas no texto: Zacarias,
Rebouças e Enedina. Retomar a biografia de Enedina e discutir sobre a condição
da mulher negra na sociedade brasileira.
Brainstorming: vocês conhecem alguma outra personalidade negra
paranaense?

179
CADERNO PEDAGÓGICO

ATIVIDADE 4 - Retomar a biografia de Paulo Leminski e o conceito de


afropolaco.
Ler o texto de Paulo Leminski intitulado Abaixo o 13 de Maio!
Trabalhar com as dúvidas sobre vocabulário do texto.
Apresentar a diferença entre as datas: 13 de maio (Dia da Abolição da
Escravatura) e 20 de novembro (Dia da Consciência Negra)*.
Discutir sobre a historiografia feita a partir da perspectiva dos vencedores.
Tratar da legislação abolicionista no Brasil: Lei da Proibição do Tráfico Negreiro,
Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e Lei Áurea.
Apresentar o que foi o Movimento Abolicionista e o que é o Movimento
Negro. Entender a relação entre o fim da escravidão, a proclamação da república
e as relações capitalistas.
Discutir sobre a vida do negro a partir de 14 de maio de 1888 – por que
o autor considera que a Lei Áurea cometeu um “grande crime social” e que o
dia 13 de maio é o “dia da grande sacanagem contra o negro brasileiro”?
Apresentar a diferença de condições entre ser escravizado e
ex-escravizado/cidadã/o negro/a livre, os conceitos de racismo estrutural e de
racismo institucional, o perfil população carcerária, entre outros.
Apresentar o conceito de “democracia racial” e a obra de Gilberto Freyre.
Depois, contrapor com as diversas formas de resistência negra como as
rebeliões, os quilombos, atitudes do cotidiano, entre outras e que não foram
tratadas pela historiografia tradicional.
Por que o autor considera que “o negro brasileiro vai ter que ir para a
universidade, vai ter que virar sociólogo, cineasta, romancista, poeta e sobretudo
político”?
Discutir sobre as políticas de ações afirmativas e a representação do
negro em diferentes instituições.

* Sugestão de música complementar para a aula sobre o 13 de maio e


o 20 de novembro: "Jongueiro Cumba", de Wilson Moreira.
Disponível em https://www.letras.mus.br/wilson-moreira/jongueiro-cumba/

180
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. SP: Editora Brasiliense, 1990.
________________A ilusão biográfica. In: Razões práticas: sobre a teoria da
ação. 10ª ed. Campinas: Editora Papirus, 2010 , p.74-82.
REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Alma das ruas: uma crônica para a alma
negra curitibana. In.: Afrocuritibanos: crônicas, manifestos e pensamentos
azeviche. Curitiba: Editora Humaitá, 2015.
ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. RJ: Zahar Editores, 1995.
GOMES, Oscar Martins. O professor Pamphilo D’Assumpção: perfil póstumo.
In: Revista da Faculdade de Direito. Curitiba: Universidade do Paraná/Papelaria
Requião, v. 6/7, p. 379-383, 1959,.
IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. SP: Hucitec, 1988.
MARTINS, Romário. História do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores, 1995.
MARTINS, Wilson. Um Brasil diferente. 2ª edição. SP: Editora T.A.Queiroz,
1989.
MORAES, Pedro Rodolfo Bode; SOUZA, Marcilene Garcia de. Invisibilidade,
preconceito e violência racial em Curitiba. In: Revista de Sociologia e Política,
Nº 13, nov. 1999, p. 7-16.
SARTRE, Jean Paul. Questão de método. Lisboa: Difusão Europeia do Livro,
1966.
SARTRE, Jean-Paul. O idiota da família. Volume 1. SP: LP&M, 2013.
Significado de PÂNFILO. In: Dicionário de nomes próprios. Disponível em
https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/panfilo/. Acesso em: 18 set.
2018.
REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na história do Paraná. Curitiba: Editora Humaitá,
2016.
SILVA, Paulo Vinícius Baptista; BORBA, Carolina dos Anjos; VANALI, Ana
Crhistina; VASCONCELOS, Daiane da Silva. Políticas afirmativas. In: SILVA,
Paulo V.B. da et al. (orgs). Educação das relações étnicos raciais: o estado da
arte. Curitiba: NEAB/UFPR e ABPN, 2018, p. 561-621.
VANALI, Ana Crhistina. Reflexões sobre a Universidade do Mate: análise
da distribuição de cor/raça dos docentes e discentes de pós-graduação da
UFPR. Curitiba: Relatório de pesquisa relativo ao Estágio de Pós-Doutorado
em Educação desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Paraná, 2018.
WACHOWICZ, Ruy. História do Paraná. 6ª edição. Curitiba: Editora Gráfica
Vicentina Ltda, 1988.
181
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPITULO 3
PRESENÇA NEGRA NO PARANÁ

UNIDADE 3

NEGROS E NEGRAS
NO PARANÁ:
CADERNO PEDAGÓGICO

MEMÓRIA E
RESISTÊNCIA

Silviane Cabral da Cunha


Igreja de Santo Antonio

Igreja de Santo Antonio


Lapa-Paraná
É uma igreja muito antiga
Tem história pra contar
O negro africano
Trabalhou na construção
Mas foi com o santo negro
Que teve identificação
Lá no alto da colina
Existia um pelourinho
Ali fomos castigados
Ate hoje sucumbimos
Derrubaram o pelourinho
Construíram uma capela
Agora pra São Benedito
Negro pode acender vela
Fizemos uma promessa
No tempo da escravidão
A dança do Rei Congo
No Paraná é tradição
O Cerco da Lapa
Foi batalha de heróis
Os negros também lutaram
Só não tiveram porta voz.

REINEHR; SILVA. Oralidades Afroparanaenses:


fragmentos da presença negra na História do Paraná.
Editora Humaita, 2016.

183
CADERNO PEDAGÓGICO

NEGROS E NEGRAS NO PARANÁ:


MEMÓRIA E RESISTÊNCIA
Silviane Cabral da Cunha

Estudar a presença do negro no Paraná de modo a evidenciá-la é questão


tão ou mais complexa quanto estudá-la no contexto histórico do Brasil.
A cultura negra centra-se na tradição oral. É pela oralidade que a história,
a educação, a culinária, a música e o entretenimento que as populações negras
estabelecem relações, trocas, mantêm e repassam sua cultura. Esse fato, associado
à discriminação de tudo o que não é europeu ou caucasiano, agrava qualquer
pesquisa devido à incompletude do registro escrito das diferentes tradições
culturais que os afrodescendentes escravizados possuíam.
Mesmo assim, o levantamento de fragmentos da presença negra no estado
e sua contextualização são relevantes não somente para suprir a demanda gerada
pela Lei 10.639/03, que modificou o art. 26 da LDB 9.394/96, mas também como
possibilidade de oportunizar experiências de (auto) conhecimento, resgate
histórico-cultural e valorização quanto à questões étnico-raciais e sociais.
Conhecer as diferentes culturas negras e suas tradições forçadamente
adaptadas ao contexto brasileiro, especialmente no Paraná, por conseguinte e
reconhecer a importância de cada uma delas pode contribuir para o fortalecimento
da identidade negra contemporânea, conferindo-lhe a devida noção de relevância
e pertencimento. Em suma, pode garantir o estabelecimento de uma sociedade
plural, mais igualitária, mais cidadã em busca de um país, de um estado, de uma
comunidade escolar mais humana.
Conhecer e reconhecer a importância da afrodescendência para a formação
da identidade nacional é essencial para entender a brasilidade e combater o
preconceito e a discriminação sofrida pela população que se autodeclara preta ou
parda em função de sua cor. Nesse sentido, é preciso compreender as memórias,
simbólicas e funcionais materiais e uma ligação com o tempo (passado e presente)
e o espaço (físico ou imaginário) na trajetória de um indivíduo, de um povo. O
estudioso e ativista negro, Nelson Olokofá Inocêncio (2006), afirma que

pensar as relações entre sujeito, corpo e memória para compreender a população negra
no Brasil requer uma disposição para analisar como as identidades dos sujeitos, suas
formas de representação e suas estratégias de sobrevivência se articulam em condições
adversas que, via de regra, afetam de modo devastador esse segmento específico em
nossa sociedade.

Segundo ele, a identidade do sujeito negro contemporâneo é plural e


muitas vezes conflitante e, construí-la exige um olhar complexo sobre a diáspora

184
ORALIDADES AFROPARANAENSES

africana ao considerar as vinculações entre pertencimento racial, relações de


gênero e condição social. Essas vinculações, por sua vez, dependem do que o
indivíduo pensa de si próprio e de como é pensado pela sociedade hegemônica
da qual faz parte e dos estereótipos que o excluem e o invisibilizam.
Nesse contexto, Inocêncio (2006) trata da abordagem do corpo e da memória
na construção da identidade. Para ele, o corpo individual exprime as vivências e
o corpo coletivo mantém os valores herdados de sociedades africanas. A pele e
o cabelo, principalmente, trazem uma informação que deve ser recuperada para
compreender como se inserir e combater preconceitos já que, visíveis, carregam
o exótico e primitivo, um fardo que, por vezes é alvo do embranquecimento. O
último – nos quilombos, nos terreiros –, é espaço de interação e afirmação.
Rever o não-existir, o existir sem identidade, o existir como inferior, o
existir estereotipado, por exemplo, são apenas alguns dos problemas enfrentados
na construção da identidade negra fora e dentro da escola. Assim, apesar das crises
de identidade a que as pessoas negras são submetidas, resistir significa tentar
constantemente (re) construir e (re) significar a identidade individual e coletiva
não só pela formação política e ideológica, mas também pela assunção de sua
africanidade, pelo fomento da identidade e pela revigoramento e fortalecimento
dela.
A realidade de brancos e negros na sociedade brasileira contemporânea é
desigual. Sob essa perspectiva, tomar ciência e enfrentar essa situação ressaltando
a postura de resistência contra o embranquecimento e o apagamento histórico da
luta da população negra no Paraná, especificamente, deve ser o eixo da abordagem
pedagógica.
Pretende-se com essa reflexão e sugestão de trabalho, desafiar os membros
da comunidade escolar, principalmente os protagonistas do trabalho pedagógico
na figura dos alunos e seus professores, negros ou não negros, a apropriar-se do
conhecimento da realidade de negros e negras na história do Paraná, valorizar
e reconhecer sua presença e suas contribuições à cultura e à formação étnica do
estado, desvelar os fragmentos de sua existência nas mais diversas áreas de atuação
e saber, divulgar essa presença e denunciar qualquer tentativa de apagamento
dela.
A falta de registros escritos acerca da história negra e de suas
personalidades no Paraná – ou a existência incompleta destes – é apenas um
dos indícios da tentativa de apagamento do negro na história de nosso estado. A
ideia de branquear a população brasileira teve início com a abertura dos portos
e postos de trabalho aos imigrantes europeus. Mas é possível verificar vazios,
esquecimentos e desconstruções acerca da população negra ao longo da história
nacional e paranaense. A figura e a importância de negros e pardos têm sido
postas à margem da história e relegadas a um segundo plano dos fatos. A cada
dia, e nas mais diversas áreas, ativistas e academias comprovam uma recorrente
tentativa de embranquecer figuras negras proeminentes seja pela não menção

185
CADERNO PEDAGÓGICO

de sua cor, pela diminuição de sua capacidade em função dela ou ainda pela
completa supressão de sua existência.
Não raro isso também acontece na escola, local fundamental para a
motivação e o exercício do conhecimento e do protagonismo que acaba palco do
preconceito e da discriminação entre alunos, funcionários e professores.
Cabe à instituição de ensino atuar como um local de diálogo entre as
representações internas e externas da construção da identidade de estudantes
afrodescendentes. E isso é possível com a pesquisa, divulgação, valorização e
investimento em modelos positivos de experiências educativas nesse âmbito
passíveis de serem acionados pelos alunos também em suas vidas sociais.

PARANÁ, UM ESTADO NEGRO


Impossível pensar a escola como uma instituição isolada do mundo.
Alunos, funcionários, professores, pedagogos e gestores são frutos de toda a
sociedade que compõe a comunidade escolar e refletem os mesmos problemas
que a afetam. No caso específico dos afrodescendentes paranaenses
há ainda a dicotomia – negro e branco: Como pode um estado do Sul, dos
emigrantes europeus, das colônias, branco, frio ser também o mais negro de sua
região?
Ocorre então a necessidade de resgatar e ampliar a memória negra
paranaense a fim de construir uma identidade com a integração entre o particular
e o coletivo, entre o branco, o negro e o mestiço.
Nesse sentido, acredita-se que a melhor abordagem pedagógica é aquela
que se quer crítica de toda essa sociedade, dos elementos que a compõem e dos
problemas que a atingem. Segundo Veiga (1990, p. 39-40),

A didática crítica busca superar o intelectualismo formal do enfoque tradicional, evitar


os efeitos do espontaneísmoescolanovista, combater a orientação desmobilizadora do
tecnicismo e recuperar as tarefas especificamente pedagógicas desprestigiadas a partir
do discurso reprodutivista. Procura, ainda, compreender e analisar a realidade social
onde está inserida a escola.

Consequentemente, o processo pedagógico deve tomar por base a


prática social a fim de modificar a prática dos alunos, tornando-os agentes de
transformação social. Sob essa perspectiva, o professor assumirá o papel de
mediador de todo o conhecimento, já que, para o filósofo e pedagogo brasileiro
Dermeval Saviani (2003):

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo


singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana
para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta

186
ORALIDADES AFROPARANAENSES

das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2003, p. 13).
Em vista disso, percebe-se como abordagem ideal a oferecida pela
Pedagogia Histórico Crítica, segundo a qual a educação,

como referida aos conhecimentos, ideias, conceitos, valores, atitudes, hábitos,


símbolos sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade em
cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz, deliberada
e intencionalmente, através de relações pedagógicas historicamente determinadas
que se travam entre os homens (SAVIANI, 2003, p. 22)

A abordagem definida para o trabalho pedagógico é a que, portanto,


permita o resgate da memória e o fortalecimento da identidade com motivação
ao pertencimento e à resistência a fim de permitir o acesso e a valorização do
conhecimento historicamente produzido em relação ao tema da visibilização do
negro e da negra no passado e no presente da história paranaense.
Dessa forma, a Pedagogia Histórico Crítica, ao tomar como base a
realidade concreta como fundamento para a construção do pensamento, é a
teoria escolhida para nortear a práxis pedagógica.
Inclui-se nessa linha, uma nova didática para a pedagogia histórico crítica
sugerida por João Luís Gasparin (2007), na qual a construção do conhecimento
deve passar pelas três fases do método dialético: prática – teoria – prática.
Esse método é dividido em cinco fases: a prática social inicial; a da
problematização; a instrumentalização (ações didático-pedagógicas); a de catarse
(nova forma de entender a prática social) e por fim, a prática social final (nova
proposta de ação a partir do novo conteúdo sistematizado).
Nessa primeira etapa do processo, a Prática Social Inicial, enfoca-se o
que os alunos e os professores já sabem. Araújo (apud SILVA, 2015) salienta
que “a prática social inicial implica em conhecer a experiência de cada aluno,
sua memória e seu saber prático”. Segundo GASPARIN (2007, p. 15), trata-se de
“uma preparação, uma mobilização do aluno para a construção do conhecimento
escolar. É uma primeira leitura da realidade, um contato inicial com o tema a ser
estudado”. Para isso, o professor precisará resgatar a prática do educando, tudo
o que reflete sua visão de mundo, sua concepção da realidade, ainda que, muitas
vezes, naturalizada sobre o tema. Assim, com a participação em grupos com
argumentações, apontamentos, comentários ou questionamentos condizentes
com o tema proposto, todas as vivências e experiências que ele já possui sobre o
tema será trazida para o ambiente escolar. Essa interação com troca de afirmações
(teses)é fundamental para que o conteúdo a ser sistematizado mostre vinculação
com o cotidiano, com a realidade, comprovando-se assim socialmente necessário.
É essa necessidade que motivará o trabalho, ordenará os objetivos e as ações em
busca de sua execução.
O processo deve iniciar, portanto, de forma dialogada e participativa. E já
serve como avaliação diagnóstica dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o
assunto para que, a partir daí, o professor interfira como mediador.
187
CADERNO PEDAGÓGICO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que é fundamental investir na formação e atualização a
respeito da história e da presença do negro e da negra no Paraná a fim de (re)
escrever uma história que foi negada, apagada, embranquecida, diminuída ou
destruída. O compromisso com o resgate dessa identidade, bem como com o do
conhecimento e ampliação da memória particular e plural do negro no estado
para além da escravidão, é urgente.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
ATIVIDADE 1
Região mais branca e estado mais negro: como assim?

Objetivo
Perceber espaços, lugares e momentos históricos em que ocorre (ou não) a
presença da população negra no Paraná.

→ Áreas envolvidas: História, Sociologia, Filosofia, Geografia


→ Tempo: 1 aula (50 minutos)

O professor deve levantar algumas indagações:


1. Quantas pessoas negras estudam com você?
2. Quantos negros frequentam ou frequentaram a mesma igreja que você?
3. Você já teve um professor de pele preta?
4. Quantas pessoas negras você viu na última vez que você foi ao seu restaurante
favorito (sem contar aqueles que estavam prestando algum tipo de serviço)?
5. Qual a região mais branca ou europeia do Brasil?
6. Que povos contribuíram para a formação étnica de Curitiba e região metropolitana
(Colombo, São José dos Pinhais, por exemplo)?
7. Você conhece algo sobre a presença do negro no Paraná? Em Curitiba? E na sua
cidade?
8. Já visitou algum museu da região que trata do povo e da cultura negra na sua
cidade/região?

Na próxima fase, acontece a Problematização do tema. De acordo com


Gasparin (2007), é o momento em que a prática social é analisada e posta em
questão e em que é feita uma reflexão sobre os principais problemas da prática

188
ORALIDADES AFROPARANAENSES

social levando em consideração o conteúdo a ser trabalhado e as exigências


sociais de aplicação desse conhecimento.
Como afirma Allan Andrei Steimbach (2008, p. 3), é então que se dá o
vislumbre das diferentes dimensões que o conteúdo suscita: conceitual, histórica,
social, política, estética, religiosa, etc.
Para Saviani (2008), é o momento de ligação entre prática social e teoria,
no qual professor e alunos, juntos, procuram “detectar que questões precisam ser
resolvidas no âmbito da prática social e, em consequência, que conhecimento
é necessário dominar”. A mediação do professor deve instigar o pensamento
crítico dos alunos e das alunas, motivando a busca pelo aprofundamento do
conhecimento.

ATIVIDADE 2
Existem provas da presença da população negra em Curitiba?

Objetivo
Conhecer o processo de inserção do negro na sociedade curitibana.
→ Áreas envolvidas: História, Arte, Língua Portuguesa
→ Tempo: 2 aulas (de 50 minutos cada)
→ Materiais: projetor multimídia (para a imagem e os vídeos)

Passo 1
Leitura da imagem de Jean Baptiste Debret – Primeira imagem conhecida da
cidade de Curitiba. Aquarela sobre papel, 1827 (Disponível em: http://www.
gilsoncamargo.com.br/blog/pintores-da-paisagem-paranaense/ Acesso em: 05
set. 2018.)

Vamos exercitar nossa percepção visual:


• Olhe rapidamente para a imagem. O que você vê?
• Percebendo detalhes. Olhe fixamente para a imagem, que ponto de vista o pintor
utiliza? O que você percebe em primeiro plano? E em segundo plano?
• E de figura humana? Como ela é? O que está fazendo?
• A respeito do plano de fundo, o que você vê nessa paisagem?
• Pesquise uma imagem atual da região retratada por Debret, sob o mesmo ponto
de vista.

Passo 2
Leitura de texto. Disponível em: https://www.esmaelmorais.com.br/2016/04/
os-negros-de-curitiba/ Acesso em: 12 set. 2018.

Pesquise:

189
CADERNO PEDAGÓGICO

- Os negros realizavam que tipo de trabalhos na fundação do Paraná?


- O trabalhador negro retratado por Debret não era escravizado. Preste atenção à
touca que ele está usando. Pesquise sobre o que era e o que significava o barrete
frígio.

Passo 3
Apresentação de vídeos.

Vídeo 1
Descobrindo a cultura negra em Curitiba. Reportagem realizada por Juliana
Cordeiro, Dicélia Queiroz e Juliano Gondim, para a disciplina de Telejornalismo,
UFPR, objetiva mostrar que, ao contrário do que muitos acham, Curitiba também
tem muitos negros, mas que infelizmente existe o problema da invisibilidade
deste povo e da sua cultura devido à imagem da cidade estar relacionada como a
capital europeia. As imagens da matéria foram feitas durante a comemoração do
Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. As manifestações que muito se
parecem com as que corriqueiramente se vê na Bahia, foram feitas no Largo da
Ordem, Praça Tiradentes e outros espaços da cidade. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=9lVXV5e4bvU Acesso em: 24 set. 2018.

Video 2
Roteiro turístico conta a história da população negra em Curitiba. Reportagem
sobre o novo roteiro Linha Preta no centro de Curitiba destaca a importante
contribuição dos negros na história da capital paranaense. O roteiro foi elaborado
por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Centro Cultural
Humaita, em parceria com estudantes de jornalismo da Unibrasil.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tBoyqD8cntU> Acesso em:
24 set. 2018.

190
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Passo 4
Leitura e debate. Disponível em: <https://www.bemparana.com.br/noticia/po-
pulacao-branca-encolhe-no-parana-negros-e-pardos-aumentam-diz-o-ibge->
Publicado em 24/11/2017. Atualizado em 03/03/2018. Acesso em: 24 set. 2018.

Passo 5
Levantamento de informações: pesquise sobre a presença do povo negro em sua
cidade.

→ Há alguma informação de onde vieram os negros que habitam sua


cidade/região?
→ Desde quando há registro da população negra em sua cidade/região?
→ Qual o índice populacional de negros e pardos em sua cidade/região, de
acordo com os últimos dados demográficos?
→ E na sua escola, quantos alunos, funcionários e professores negros
existem?
→ Se há habitantes negros, por que não há estudo de sua história e cultura?
→ Você é capaz de citar nomes de personalidades negras de sua cidade/
região?

VOCÊ SABIA?

Não dá para esquecer a contribuição dos negros à cultura e à formação da cidade de Curi-
tiba. Digo isto no meu livro “Luz dos Pinhais, História e Estórias de Curitiba”* (...)
Importante notar que o primeiro “retrato”, a primeira imagem que se conhece, da cidade
de Curitiba é uma aquarela de Debret, datada de 1827, onde o protagonista é um homem
negro trabalhador. Naquela aquarela preciosa, da coleção Newton Carneiro – que comprei
para o acervo da Prefeitura de Curitiba – para o acervo da Casa da Memória de Curitiba
– que também fiz construir, podemos ver, em primeiro plano, um escravo [na verdade,
um homem negro livre] pedreiro, com barrete frígio vermelho, lavrando pedras que po-
dem ser tanto da Capela de São Francisco de Paula (1809) ou da igreja do Rosário (1737).
Depende de como se lê a perspectiva. Adiante o arruamento do centro histórico, com a
ladeira de São Francisco, o Largo da Ordem, até o Largo da Matriz, que aparece vista de
fundos, trancando a rua Fechada. Vê-se ainda o sobrado da Casa da Câmara e Cadeia, e o
casario de uma Curitiba com cerca de 10.000 habitantes. Em terceiro plano, a aquarela de
Debret revela os charcos e as matas ciliares dos rios formadores do Iguaçu. No horizonte,
brilha em azul, a Serra do Mar, a cordilheira cedendo nas curvas das três gargantas: Gra-
ciosa, Itupava e Arraial.
___________________
* GRECA, Rafael. Luz dos Pinhais, história e estórias de Curitiba. Curitiba: Editora Solar do Rosário,
191
2018.
CADERNO PEDAGÓGICO

O momento da Instrumentalização envolve a apropriação de saberes


culturais e científicos relacionados ao tema. Gasparin e Petenucci (2008)
orientam que o professor deve apresentar “aos alunos através de ações docentes
adequadas o conhecimento científico, formal, abstrato, conforme as dimensões
escolhidas na fase anterior”. Saviani (2008) acrescenta que o professor tanto pode
transmiti-los diretamente como pode indicar os meios pelos quais a transmissão
venha a se efetivar. Esta é a parte da aula na qual o conhecimento é transmitido,
conceitos são expostos, e exemplos são dados e explicados com fundamentação
científica. Compete aos alunos estabelecer “uma comparação mental com
a vivência cotidiana que possuem desse mesmo conhecimento, a fim de se
apropriar do novo conteúdo”. É o tomar consciência (conhecimentos científicos)
pela experiência (conhecimentos cotidianos).

ATIVIDADE 3
De onde vieram os negros curitibanos?
Quem eram? O que faziam? Ainda vivem por aqui?

Objetivo
Conhecer o processo de inserção do negro na sociedade curitibana.

VOCÊ SABIA?

Em números absolutos, o Paraná tem 11,2 milhões de habitantes, sendo 7,59


milhões de brancos (67,6% do total), 372 mil negros (3,3% do total) e 3.123 pardos
(27,8% do total).
Com esses porcentuais, o Paraná tem, proporcionalmente, menos brancos que a
região Sul. Em 2016, 76,8% da população da região Sul se declarou branca, 18,7%
parda e apenas 3,8% preta. Por outro lado, em termos nacionais, a população
branca representava 44,2% da população residente, ao passo que 8,2% se declarou
preta e 46,7%, parda.
(...)
Grande Curitiba
A Grande Curitiba tem um porcentual maior de brancos em relação ao resto do
Paraná. Em 2016, 74,9% da população de Curitiba e Região Metropolitana dizia
ser branca – em relação a 2012, contudo, houve queda de 0,27%. A população
autodeclarada negra é de 2,9% (9,38% a menos que em 2012) e a de pardos chega
a 21,1% do total – foi o único grupo que teve alta (0,96%) nos últimos cinco anos.

192
ORALIDADES AFROPARANAENSES

→ Áreas envolvidas: História, Arte


→ Tempo: 1 aula(50 minutos)

Passo 1
Leitura expositiva dialogada do poema Resistência Cultural Afrocuritibana,
de Mel e Candiero. In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar. J. Candiero.
Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história do
Paraná. Curitiba: Editora Humaita, 2016. (Disponível na p. 200)

→ Identifique no texto os trechos que demonstram:


* tentativas de apagamento;
* resistência;
* identidade coletiva.

→ Pense sobre os diferentes aspectos da negritude abordados no poema e discuta


com os colegas como se encaixam as ideias levantadas:

* Dimensão histórica:
trabalho – personalidades – opressão histórica legalizada
* Dimensão científica:
genética (cor da pele, tipo de cabelo)
* Dimensão social:
preconceito – invisibilização – identidade individual e coletiva – resistência
* Dimensão cultural:
religiosidade – música – dança – capoeira
* Outras dimensões.

Passo 2
Para Refletir

→ Acesse o portal da Prefeitura de Curitiba sobre Imigração. Disponível em:


http://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/historia-imigracao/208.
* Que referências há da presença do negro na formação étnica do povo curitibano?

→ Agora acesse, no mesmo portal, a página Curta Curitiba sobre os Dez locais
para celebrar a história dos povos formadores da cidade. Disponível em: http://
www.curitiba.pr.gov.br/noticias/dez-locais-para-celebrar-a-historia-dos-povos-
-formadores-da-cidade/43130.

* Há alguma mudança no enfoque dado à importância da contribuição do negro


na formação da cidade de Curitiba?

193
CADERNO PEDAGÓGICO

A Catarse, neste contexto, é o momento em que o aluno compreende


e disserta sobre o assunto; ele se apropria do conhecimento científico, pois,
consegue elaborar uma síntese mental. GASPARIN (2007, p. 130) aponta que
o aluno traduz oralmente ou por escrito a compreensão que teve de todo o
processo de trabalho. Expressa a sua nova maneira de ver o conteúdo e prática
social. É capaz de entendê-los em um novo patamar, mais elevado, mais
consistente e mais bem estruturado.
Para SAVIANI (1999, apud Gasparin, 2007), a catarse é o ponto
culminante do processo educativo, pois denota a passagem da síncrise à síntese.
E uma vez que o aluno incorpora o conhecimento, “chega o momento em que
o aluno ésolicitado a mostrar o quanto se aproximou da solução dos problemas
anteriormentelevantados sobre o tema em questão” (GASPARIN, 2007, p.127).
É quando o aluno percebe também as implicações da construção histórica do
conhecimento, suas intenções políticas explícitas e implícitas. Enfim, nessa
etapa verifica-se se os objetivos da aula foram alcançados e se ocorrerá avanço
no processo pedagógico.

ATIVIDADE 4
O problema é real.

Objetivo
Dissertar e argumentar a respeito do tema de formas variadas.
→ Áreas envolvidas: Língua Portuguesa, Filosofia, Sociologia, História, Arte
→ Tempo: 2 aulas (de 50 minutos cada – 1 para elaboração, outra para
apresentação)
→ Materiais: Sala de informática

Passo 1
Planejamento e produção de texto dissertativo-argumentativo em diferentes
formatos. Elaborar um texto síntese sobre o tema estudado.

Esse texto poderá ser:


- dissertativo-argumentativo escrito (carta do leitor ou artigo de opinião)
sobre as questões estudadas;
- carta de reclamação/solicitação para resolver algo relacionado aos
temas estudados;
- música (paródia);
- poema;
- imagem (charge ou HQ);
- vídeo (comentário, depoimento sobre a situação do negro na história
do Paraná ou atualmente);

194
ORALIDADES AFROPARANAENSES

- podcast (notícia sobre ação afirmativa em relação a visibilidade do negro


em Curitiba ou Paraná, entrevista com estudiosos ou especialistas em tema da
cultura negra na cidade ou região).

Passo 2
Exposição oral com auxílio de recurso audiovisual e/ou divulgação em página
criada pelo grupo no Facebook, por exemplo.

Na Prática Social Final, o aluno deverá demonstrar que realmente


aprendeu. Espera-se que, por meio através de ações ou intenções, o conteúdo
vivido, problematizado, teorizado e sintetizado mentalmente manifeste mudanças
em seu comportamento. Para Gasparin e Petenucci (2008), expressa-se “pelo
compromisso e pelas ações que o educando se dispõe a executar em seu cotidiano
pondo em efetivo exercício social o novo conteúdo cientifico adquirido”.

ATIVIDADE 5
O problema é real. O que fazer?

Objetivo(s)
Exercitar a empatia e a solidariedade; conhecer leis contra o preconceito, racismo
e discriminação;
→ Áreas envolvidas: Língua Portuguesa, Filosofia, Sociologia
→ Tempo: 1 aula (50 minutos)
→ Materiais: Sala de informática e/ou cópias das letras e poemas.

Passo 1
Exposição oral com auxílio de recurso audiovisual

Cada aluno deverá posicionar-se a respeito dos temas debatidos. Para


motivar a apresentação e discussão, pode-se escolher uma música ou poema* e
utilizá-lo (s) para reflexão. Essa predisposição deverá constar de:
- Intenção: Manifestação da nova postura prática, da nova atitude sobre o
conteúdo e da nova forma de agir; OU
- Ação: Nova prática social do conteúdo - transformação social:
* exposição (de trabalhos produzidos na etapa anterior);
* seminário (com representantes ou estudiosos da cultura negra na
cidade/região) sobre a mulher negra, o jovem negro, a escolaridade negra, a
estética negra, por exemplo;
*sarau afro, com literatura, música, dança, gastronomia e demais
manifestações pertinentes;
* folheto turístico (Linha Preta);

195
CADERNO PEDAGÓGICO

* cartões postais (Pontos turísticos da Linha Preta);


* edição de calendário afroparanaense (eventos culturais e
personalidades);
* mapa de quilombos;
* coletânea de receitas com depoimentos;
* coletânea de contos temáticos de autores da escola/cidade/região;
* elaboração de um panteão de personalidades negras locais (música,
pintura, teatro, esporte, profissões...) etc.

→ Sugestões de músicas e poemas:


* Músicas que refletem o que é ser negro no Brasil;
* Coletânea Cadernos Negros;
* Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história do
Paraná;
* Produção autoral dos/as professores/as, agentes e estudantes.

Também é essencial estimular a formação, aprofundar a pesquisa e


favorecer a produção sobre esses temas, não só pela academia, mas por ativistas,
professores e alunos.

REFERÊNCIAS
ARAUJO, D. A. C. Pedagogia histórico-crítica: proposição teórico metodológica
para a formação continuada. Anais do Sciencult, 1, 2009. Disponível em: http://
periodicos.uems.br/novo/index.php/anaispba/article/viewFile/180/114.

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 4ª ed.


Campinas – SP: Autores Associados, 2007.

__________, & PETENUCCI, M. C. Pedagogia histórico-crítica: da teoria à


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INOCÊNCIO, Nelson Olokofá. Sujeito, corpo e memória. In: BRANDÃO, Ana


Paula (Coord.). Saberes e fazeres, v. 1: modos de ver. Rio de Janeiro: 2006 p. 53.

PEREIRA, Magnus R. de Mello Uma praça para Maria Agueda. Disponível em:
<https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/2018/04/03/uma-
-praca-para-maria-agueda/>Acesso em: 4 out. 2018.

196
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar. J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos


da presença negra na história do Paraná. Curitiba: Editora Humaita, 2016.

RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Márcio (Org.) Cadernos Negros, volume 39:


poemas afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2016.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.


Campinas: Autores Associados, 2003.

___________________Escola e democracia. Edição comemorativa. Campinas


– SP: Autores Associados, 2008.

SILVA, Leandro Pereira da. Metodologia da Pedagogia Histórico-Crítica: da


prática social à prática social. Buenos Aires: Revista Digital, jun/2015. Ano 20,
Nº 205. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd205/metodologia-da-pe-
dagogia-historico-critica.htm Acesso em: 4 out. 2018.

STEIMBACH, Allan Andrei. O processo de ensino numa perspectiva


histórico-crítica. 2008. Disponível em: <http://www.famper.com.br/download/
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VEIGA, Ilma P. A. Didática: uma retrospectiva histórica. In: LOPES, Antonia


Osima et al. Campinas: Papirus, 1990.

SITE:
MÚSICAS que refletem o que é ser negro no Brasil.
Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2017/06/20/29-musicas-que-
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LINHA PRETA CURITIBA.


Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/
UCPIOGTl-mW5QaPBucg75MTA/videos > Acesso em: 15 set. 2018.

197
RESISTÊNCIA CULTURAL AFROCURITIBANA
Mel e Candiero (In.: REINEHR; SILVA, 2016)

O ponto de vista dos Encontrou nas brechas do Sincretismo


negros oprimidos sistema... Sabedoria dos nossos
É um brado Anjos e ancestrais ancestrais
Um ponto cantado de mãos dadas... Inspiração do divino
Um caminho estreito... Abraçados espírito santo
Religando-nos... Em círculo Atividade orquestrada
Encantados... Dançando conosco a pela mediação dos
Na festa do Rosário. ciranda da vida antepassados
A crença africana na vida... Percorrendo o cortejo no Organizada com a benção
Pulsando na rua sentido do afoxé da Igreja do Rosário
Cultura negra Os poderosos não Dos Homens Pretos de São
Que a “elite” curitibana quiseram Benedito
tentava e tenta ocultar E ainda não querem Coração. Coroação.
Ordem imposta por lei compreender Troca de informação...
Sem significado... Nossos conjuntos de Comunicação
Pra justificar o racismo valores milenares... Passada pelo som do
estrutural, Que os dominadores tambor
institucional, velado julgavam Nossa herança e voz
Marginalizar pessoas ter abafado por completo Ritmo e vida... Comunidade
Demonizar valores Banindo do centro Linguagem da
humanos, “Político caucasiano” contemporaneidade
sagrados... Africanos Hoje De ancestralidade
Nossa senhora também é A lavação das escadarias é Toque... Ligação com o
negra a prova de fé ancestral
Cristo tinha a cor de Do povo de santo do Incorporação... De valores
bronze Paraná A festa do Rosário...
E cabelos como lã de E a dança do Rei Congo É um canal de realizações
ovelhas Chama pra reza... É a possibilidade de
Também são melaninados Chama pra luta. remotas celebrações
os anjos da igreja Chama sagrada Se materializarem
Como era São Benedito, no Reivindicações justas De vermos surgir dos
exercício da ternura... Transmissão de valores... cantos e das danças
Na troca de autenticidades Rituais No centro da capital
fortaleceu identidades... subversão constante e paranaense
Com verdades libertadoras eficaz Onde antigamente havia
E manteve vivos os valores Uma festança... uma pequena calunga...
afrocêntricos Uma forma bonita e Brotar uma referência de
De igualdade... inteligente de protestar axé, de n'guzo, de força
Pensamentos azeviche Colonizar santos católicos Pertencimento
De ancestralidade Elegê-los como porta Origem...
Valores humanos vozes... Das divindades De resistência cultural
De solidariedade africanas Afro curitibana
ORALIDADES AFROPARANAENSES

PEQUENO GLOSSÁRIO

AFOXÉ - Cortejo de natureza FESTA DO ROSÁRIO - evento Igreja Católica e padroeira do


semi-religiosa e que, no cujo ápice consiste na lavação Brasil.
carnaval, desfila cantando e das escadarias da antiga Igreja
dançando, mas sem se mesclar do Rosário dos Pretos de São ORDEM IMPOSTA POR LEI –
com as outras manifestações Benedito no Largo da Ordem, referência aos entraves legais
carnavalescas. A palavra afoxé localizado no Centro Histórico a manifestações culturais com
significa "o poder da palavra". de Curitiba. Acontece em "ajuntamentos de negros",
Novembro. principalmente ligadas à música
AFROCÊNTRICOS - referente e dança. Em Curitiba, já em
ao afrocentrismo (ideologia IGREJA DO ROSÁRIO DOS fevereiro de 1839 proibiam-se
dedicada ao estudo da história PRETOS DE SÃO BENEDITO batuques e fandangos sem
africana). – Igreja localizada no Centro prévia permissão.
Histórico (Praça Garibaldi, no
AXÉ - Entre os iorubás, o poder Largo da Ordem). O primeiro PONTO CANTADO - música
vital, a força, a energia de cada edifício, em estilo colonial, foi utilizada em diversos rituais
ser e de cada coisa. Na religião, construído pelos negros e para afro com a finalidade de
energia sagrada dos orixás. os negros, e inaugurado em chamar, saudar, louvar, se
1737. Serviu de matriz de 1875 a despedir e agradeceruma visita;
AZEVICHE – gema fóssil de cor 1893, durante a construção da homenagear uma entidade etc.
muito negra; o que apresenta Catedral, na Praça Tiradentes.
essa cor. Foi demolido em 1931 e o prédio REI CONGO– referência às
atual, em estilo barroco, é uma coroações de reis congos,
CALUNGA – termo originado construção de 1946. também chamadas de
do quimbundo ka’lunga. A "congadas", manifestações
"grande calunga" é o mar (o MELANINADOS – qualidade culturais sacro-profanas
maior cemitério do mundo) daquele que tem melanina existentes em diversdas cidades
enquanto a "pequena calunga" (polímero complexo derivado centenárias do Paraná e que
é o cemitério. da tirosina que é responsável hoje é preservada pela família
para determinar a cor da pele Ferreira, no município da Lapa,
CRISTO TINHA A COR DE e do cabelo e esta presente na na Região Metropolitana de
BRONZE – culturalmente, pele em diferentes graus. Curitiba.
geograficamente e
antropologicamente, refere-se N’GUZO - equivalente ao SINCRETISMO – fusão de
ao fato de que Jesus, sendo sentido de "axé" para os bantos. elementos culturais diferentes,
um judeu do Oriente Médio Significa força, vitalidade, ou até antagônicos, em um
de 2 mil anos atrás, tinha, poder de realização. só elemento, continuando
provavelmente, compleição perceptíveis alguns sinais
escura, o que se confirma na NOSSA SENHORA - referência originários
descrição de Jesus contida no a Nossa Senhora da Conceição
capítulo 4 do Apocalipse. Aparecida, santa venerada na

199
ORALIDADES AFROPARANAENSES
CAPITULO 3
PRESENÇA NEGRA NO PARANÁ

UNIDADE 4

RECONHECENDO
A PRESENÇA
CADERNO PEDAGÓGICO

NEGRA
NA SERRA DO MAR

Paulo Henrique Mueller


(...)
Quatro Barras de São Sebastião,
o seu padroeiro...
Okê Arô
Quatro Barras guarda em sua história
e seu território
Os primeiros caminhos do Paraná
Itupava...
Poucos se lembram
Mas esse centenário caminho
E suas pedras milenares
Foram colocadas por mãos negras...
Calejadas
Muito antes da chegada dos imigrantes...
Para os colonizadores pisarem em cima
Das histórias antiqüíssimas
dos povos indígenas
Quatro Barras
Rota entre o litoral e o planalto
Dos negros peões tropeiros
Quatro Barras,
vista privilegiada do morro Anhangava
Lugar abençoado...
Mas na mitologia, amaldiçoado
Quatro Barras, Rancho Alegre...
Triste ver as enormes plantações de eucalipto
Transformando a beleza local
A exuberância do que restou da Mata Atlântica
Caminhos estreitos
Dividindo o terreno com raízes ancestrais
E as grandes madeireiras
(...)
Os igarapés de Kissimbi: uma viagem pitoresca às entranhas da Serra
do Mar In.: REINEHR, Melissa; SILVA Adegmar J.
Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra
na História do Paraná. Editora Humaita, 2016.
CADERNO PEDAGÓGICO

RECONHECENDO A PRESENÇA
NEGRA NA SERRA DO MAR
Paulo Henrique Mueller

A inserção do estudo da história e da cultura afro-brasileira (implementada


pela lei 10.639/03) e logo depois também a cultura indígena (complementada pela
lei 11.645/08) ofereceu ao professor da educação básica um desafio, pois em sua
formação inicial pouca ou nenhuma atenção se deu a influência destas culturas,
principalmente em disciplinas que não são da área de humanidades. Logo após
a aprovação das referidas leis, houve pela Secretaria de Estado de Educação do
Paraná (SEED/PR) algumas tentativas de fundamentar os professores nestes
novos saberes através de cursos, grupos de estudo e palestras.
Entretanto, passados mais de uma década da criação destas leis, o que
verificamos é que a aplicação destas leis ainda é insipiente, principalmente nas
disciplinas de Ciências, Biologia e afins, ficando muitas vezes restrita às disciplinas
de Arte, História, Português e Sociologia, ou ainda em projetos multidisciplinares
na proximidade do Dia da Consciência Negra em novembro.
Mas a Educação das Relações Étnico-raciais (ERER) deve fazer parte das
disciplinas de Biologia e Ciências, não apenas devido à lei 10.639/03, mas também
para cumprir as orientações da própria LDB (Lei 9394/1996 de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional), onde se diz, no Art. 22 que:

A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a


formação comum indispensável para o exercício dacidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996).

Complementando, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


de Ciências Naturais descrevem cidadania:

[...] como participação social e política, assim como exercício de direitos e


deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,
cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo
respeito (BRASIL, 1998).

Assim, para o pleno exercício do educar Ciências e Biologia, é função


do professor apresentar as mais variadas formas e fontes de conhecimento,
estimulando a alteridade e respeito às diferenças, subsidiando o exercício da
cidadania e compreendendo a necessidade do combate às injustiças.
Verrangia (2013) indo além, afirma que:

202
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Além de repudiar injustiças, a formação para o exercício da cidadania, como exposta


nos PCN´s, envolve conhecimento sólido sobre o patrimônio sociocultural brasileiro.
Portanto, a intenção de reeducar relações sociais injustas e valorizar a história e cultura
afro-brasileira está no cerne de uma formação para a cidadania. Essa formação para
a cidadania, ademais de combater o racismo e suas manifestações, ação urgente e
central em nosso país, pressupõe um desafio ainda mais profundo: educar relações
étnico-raciais. Isto é, proporcionar a nossos/as cidadãos/ãs a vivência de processos
educativos que os/as levem a superar preconceitos raciais, a viverem práticas sociais
livres de discriminação e que contribuam para seu engajamento em lutas por justiça
social, étnico-racial. Proporcionar também que as pessoas, negras e não-negras,
construam identidade étnico-racial positiva.

Estando clara a importância da ERER nas Ciências, esbarramos em um


grande percalço. Em encontros de área e em conversas “de sala de professores”
verifica-se que muitos professores de Biologia e Ciências têm dificuldade
de encontrar materiais para inserir o tema em suas aulas e os livros didáticos
geralmente utilizados trazem pouco ou nenhum material sobre o tema. Muitas
vezes o que vemos nos livros de Ciências e Biologia são conteúdos que envolvem
a origem, a evolução e a constituição genotípica e fenotípica da espécie humana
de uma forma geral e a afirmação da inexistência biológica de raças em humanos,
geralmente em caixas ou quadros de informação complementar aos capítulos.
Apesar desta ausência significativa, a contribuição dos povos negros
na Ciência em geral pode ser utilizada de forma afirmativa, por exemplo, nos
conhecimentos biológicos de plantas e animais (VERRANGIA, 2013, p. 111) e
na valorização de conhecimentos advindos da transmissão pela oralidade dos
ancestrais. Neste sentido, Verrangia comenta que:

Muitas fábulas, mitos, lendas, e provérbios de matriz africana e afro-brasileira abordam


elementos como a origem da vida; os fenômenos naturais; os animais; as plantas; as
relações entre formas vivas e não vivas; a saúde; a produção de alimentos; objetos de
estudos das Ciências Naturais. Dessa forma, o professor de Ciências pode se valer de
tais dimensões da cultura de matriz Africana para introduzir fenômenos/temáticas
que serão estudadas, estimulando os/as estudantes a conhecerem mais detidamente
perspectivas culturais africanas e afro-brasileiras. (VERRANGIA, 2013, p. 112)

Além disso, o conhecimento técnico em metalurgia, joalheria e trabalho


com madeira, oriundos de africanos escravizados e trazidos ao Brasil, foram
fundamentais para a construção do saber científico e tecnológico do país
(CAMPOS, 2009; CUNHA Jr, 2015). Também se deve valorizar o conhecimento
tradicional europeu adquirido e praticado por afro-brasileiros libertos e com
formação superior, por exemplo, como ocorreu com os engenheiros irmãos
Rebouças, responsáveis pelo sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro
e pela construção da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba, entre tantas outras
obras.

203
CADERNO PEDAGÓGICO

Pensando nisso, o presente trabalho propõe atividades a serem


desenvolvidas com os educandos nas aulas de Ciências e Biologia, oferecendo
subsídios para identificar, explorar e valorizar a participação da etnia africana e
afrodescendente no desenvolvimento e prática científica no Brasil.
As atividades propostas são divididas em dois blocos de organização.
O primeiro, voltado para a disciplina de Ciências Naturais, demonstra as
contribuições na engenharia, em especial a participação dos irmãos e engenheiros
Rebouças, responsáveis pelo projeto da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá
e a história de Enedina Alves Marques, primeira engenheira negra do Brasil e
primeira mulher a se formar em engenharia na Universidade Federal do Paraná.
O segundo bloco, direcionado para a disciplina de Biologia, traz aos
estudantes a riqueza dos saberes afrodescendentes sobre as plantas e, em especial,
sobre as plantas de uso medicinal.
Com estes roteiros, pretende-se expor a importância da participação
afrodescendente na história e cultura no estado do Paraná e a contribuição dos
saberes negros no desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico
brasileiro. Este tipo de produção é fundamental para combater a invisibilidade
do negro na sociedade e a negação ou minimização de sua contribuição para
o conjunto de saberes sistematizados ensinados em nossas escolas. Isso pode
resultar em grande dificuldade dos estudantes afrodescendentes em se sentirem
representados na história do Paraná e da Ciência, tendo como consequência
possível a desmotivação para seguir carreiras científicas.

A ESTRADA DE FERRO CURITIBA-PARANAGUÁ


A ocupação pioneira e a
exploração comercial do território
paranaense começou já no século
XVI, por mineiros atraídos pelo ouro
de aluvião na Bacia de Paranaguá e
nos rios que nela desembocam, entre
eles o rio Nhundiaquara (SERRA,
1992; MAGALHÃES FILHO, 1996).
Sempre buscando novas fontes fáceis
de obter o raro metal, eles começaram
Figura 1 - Ponte Sao João. Fonte: a subir a Serra até chegarem na região
Serra Verde/Divulgação do planalto de Curitiba e fundaram as
primeiras ocupações que deram origem
à vila de Curitiba e cercanias. Em pouco tempo, para manter os arraiais e as
vilas surgentes, a agricultura de subsistência e depois a pecuária foram se
fortalecendo, tornando-se a atividade principal quando o ouro escasseou. A

204
ORALIDADES AFROPARANAENSES

atividade mineradora nesta época exigia a presença massiva de escravizados para


a garimpagem, sendo inclusive um requisito para obter a concessão de lavras a
posse de pessoas escravizadas (MAGALHÃES FILHO, 1996). Claro que isto não
impedia a presença de faiscadores, ou seja, garimpeiros isolados, muitas vezes
negros e negras livres, que procuravam sobreviver da coleta do metal.
Com o tempo, a queda da mineração dificultou a manutenção do
escravagismo, mas com a agricultura e a pecuária substituindo a fonte de renda
mineral, muitos sesmeiros ainda mantinham o trabalho escravo para o transporte
de mercadorias entre o planalto e o litoral, o
que era feito basicamente por três caminhos
precários: a Estrada da Graciosa, o Itupava e
o Arraial.
Depois da exaustão das fontes
auríferas, outros ciclos econômicos
continuaram a desenvolver o Paraná, entre
eles o tropeirismo, o mate e a extração de
madeira. Por mais que a proximidade das
florestas brasileiras sulistas com o litoral
fosse uma vantagem para a exportação de
madeira, o transporte das mesmas sempre
foi um sério problema, pois mesmo após Figura 2 - Carroça passando pela
melhoramentos na Estrada da Graciosa, o estrada da Graciosa possivelmente em
transporte de tábuas era custoso e demorado. fins do século XIX. Fonte: Instituto
Uma das primeiras serrarias montadas Histórico e Geográfico do Paraná
na região pertencia aos irmãos Rebouças.
Baianos, netos de uma escrava negra alforriada e filhos de um advogado e deputado,
André e Antônio Rebouças eram engenheiros de formação e, como empresários
madeireiros, tinham muita dificuldade na distribuição de sua produção. Nesta
época, André Rebouças já era famoso no Rio de Janeiro, capital do Império, ao
resolver o grave problema de água potável para a capital, desenvolvendo um
sistema que coletava a água de mananciais e a conduzia até a cidade.
Em 1874, Antônio Rebouças é nomeado chefe das obras da Estrada da
Graciosa de Antonina e Curitiba na Província do Paraná, uma das mais belas e
importantes obras de seu tipo em toda a América do Sul. Ainda hoje, essa estrada,
perfeitamente pavimentada com paralelepípedos de granito, é usada por pessoas
que se agradam da proximidade com a natureza vista estar situada no Parque da
Serra do Mar (NOGUEIRA, 2011).
Para o escoamento das riquezas curitibanas ao litoral, as estradas citadas
já não suportavam a demanda, seja pela quantidade, seja pelo tempo gasto neste
transporte. Os irmãos Rebouças já tinham ideias da importância de uma estrada
de ferro unindo o planalto ao litoral, mas vários especialistas eram descrentes
da possibilidade prática de uma obra de tal envergadura, devido à estrutura e
formação da Serra do Mar. Finalmente em janeiro de 1871, em audiência como

205
CADERNO PEDAGÓGICO

Imperador D. Pedro II, recebem concessãode autorização para construir o


Caminho de Ferro de Antonina a Curitiba.
Apesar de o projeto inicial ter sido desenhado pelos irmãos, principalmente
por Antônio Rebouças, outros projetos exigiram a presença deles em várias
regiões brasileiras, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Por este motivo, para a construção da estrada de ferro foi contratada a
empresa francesa Compagnie Générale de Chemins de Fer Brésiliens e a execução
da obra coube primeiramente ao engenheiro italiano Antonio Ferrucci, que
desistiu após alguns anos, tendo João Teixeira Soares, um jovem engenheiro
mineiro, a responsabilidade de continuar e concluir a construção. Após vários
percalços, a ferrovia projetada pelos irmãos Rebouças foi concluída, com
sua inauguração ocorrendo em 2 de fevereiro de 1885 (ANTONELLI e SANTOS,
2015).
É importante destacar que, apesar
de ter sido construída ainda no período
escravagista brasileiro, toda a mão de obra
utilizada era de trabalhadores assalariados,
uma exigência dos Rebouças que lutavam
ativamente pela abolição da escravatura no
Brasil.

Figura 3 - Obras no Morro do Cadeado,


KM 63. Fonte: Marc Ferrez/arquivo
Biblioteca Nacional

Figura 4 – Antônio e André Rebouças. Fonte: https://inbec.com.br/blog/conheca-historia-


-irmaos-reboucas-primeiros-engenheiros-negros-brasil
206
ORALIDADES AFROPARANAENSES

SUGESTÕES DE ATIVIDADES
Por onde passa a estrada de ferro?

Vamos conhecer um pouco sobre o trajeto da Estrada de Ferro Curitiba-Para-
naguá. Para isso, sugerir aos alunos identificarem com lápis de cor ou caneta
marca texto a representação da linha férrea e completarem o mapa abaixo
com o nome dos municípios que fazem parte do trajeto da estrada de ferro,
citados no poema Os Igarapés de Kissimbi: Uma viagem pitoresca às entra-
nhas da Serra do Mar de Mel e Candiero (REINEHR; SILVA, 2016).

Doces caminhos do Paraná


Na antiga Serra do Mar
Nascem as barras dos rios Timbú,
Capitanduva, Bracajuvava e Canguiri
E no encontro destes afluentes
Uma cidade
Nasce do leito das águas
O antigo Arraial da Borda do Campo
Hoje Cidade de Quatro Barras
Irmã de Campina Grande do Sul,
Morretes e Piraquara

Para a localização dos municípios, os estudantes poderão utilizar atlas ou


pesquisa na internet.

Figura 5 – Mapoa da Estrada de Ferro.


Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/ferrovia-130-anos/index.jpp (modificado)

207
CADERNO PEDAGÓGICO

Conhecendo a história da estrada de ferro.



Assistir ao episódio “Meu Paraná - De trem pela Serra do Mar Parana-
ense (parte 1)”, produzido pela Rede Paranaense de Comunicação, afiliada
da Rede Globo, disponível no Youtube no endereço https://bit.ly/2PJksqL.
Após assistir ao vídeo, os educandos deverão pesquisar na internet as
principais dificuldades na construção da estrada férrea e imagens dos pon-
tos mais interessantes e bonitos da rota. As informações coletadas deverão
ser compartilhadas entre eles com apresentações individuais ou em grupo.
Por fim, em equipes deverão criar uma maquete de um trecho do trajeto que
tenha despertado o interesse.

FIGURA 7 – ENEDINA ALVES MARQUES


Fonte: https://www.buildin.com.br/wp-content/uploads/2018/02/Prancheta-1.png

Engenharia é coisa de branco... e homem!


Já conhecemos um pouco da história dos irmãos Rebouças, engenheiros
negros brasileiros que projetaram uma das mais avançadas e ousadas estradas
de ferro do mundo. Mas existem outras personalidades importantes na
engenharia paranaense pouco lembradas, como a primeira engenheira formada
na Universidade Federal do Paraná: Enedina Alves Marques, mulher, negra e
curitibana!
Para conhecer mais sobre ela, os estudantes devem assistir ao vídeo,
disponível no endereço https://youtu.be/mwzLN8Tyzko e ler sua biografia no
artigo disponível em https://www.buildin.com.br/enedina-alves-marques/. Os
alunos devem então acessar a descrição da Usina Hidrelétrica Governador Pedro
Viriato Parigot https://bit.ly/2SWRGBT (alternativamente a página pode ser
impressa e entregue a eles) e após o estudo sobre sua vida e obra, compararem
sua trajetória profissional e acadêmica com a trajetória dos irmãos Rebouças.

208
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Os alunos podem produzir ao final das discussões cartazes sobre os três


para expor em toda a escola. E que tal organizar um passeio em uma usina de
geração elétrica? No Paraná existem diversas em todo o território estadual, mas
apenas algumas são abertas para visitação. Visite o site da Copel em https://bit.
ly/2Qx4MnK, localize a mais próxima à sua escola e agende uma visita.

Um pé de quê?
O conhecimento oral dos ancestrais é fundamental para reconhecer
e valorizar a história de um povo e, mais proximamente, de sua família e
comunidade. Desta forma, conversar com familiares mais velhos sobre os possíveis
conhecimentos envolvendo o plantio, a manutenção, a coleta e a preparação de
plantas pode aproximar o estudante do seu familiar, além de propiciar a ele a
percepção e valorização dos conhecimentos das gerações anteriores. Ao mesmo
tempo, um levantamento deste tipo permite a compreensão de que conhecimento
e técnicas estão intrinsicamente ligadas, assim como a Ciência e a Tecnologia
(VERRANGIA, 2013).
Para o desenvolvimento desta atividade, solicite aos alunos que entrevistem
familiares e moradores da região, preferencialmente de gerações anteriores aos
pais, sobre seus conhecimentos sobre plantas, em especial as medicinais. Produza
com os estudantes um questionário básico para padronizar as entrevistas. Entre
os pontos que podem ser citados, destaca-se:
a. Plantas medicinais (ou não) conhecidas;
b. Métodos e época de plantio;
c. Manutenção da horta;
d. Época e técnicas de coleta (incluindo questões culturais que
podem influenciar, mesmo sem embasamento cientifico, mas que
devem ser valorizados, como melhor horário para a coleta, período
da lua mais adequado, procedimentos religiosos que possam existir
nesta coleta);
e. Modos de conservação;
f. Preparo e utilização das plantas.
Após o compartilhamento em sala das entrevistas realizadas pelos alunos,
onde cada um descreve para os demais como foram as entrevistas, que tal reunir
o material e produzir um livro de “receitas de receitas” sobre plantas medicinais?

Pondo a mão na massa... e na terra.


Vamos aproveitar o conhecimento adquirido na atividade anterior e
preparar uma horta? Caso haja espaço adequado na escola, ao invés de uma
horta no formato tradicional, uma horta em mandala é uma forma de incluir e
discutir com os estudantes a cultura de matriz africana presente nos símbolos
encontrados ao nosso redor.

209
CADERNO PEDAGÓGICO

Barrios et al. (2015) descrevem a mandala como “um elemento milenar


cujo significado comum é o bem com a vida e com o que nos rodeia”. Usada
principalmente em estampas de vestimentas e decoração de objetos em cerâmica,
ao construir uma horta em mandala pode-se discutir com os alunos a relação
entre a natureza e o ser humano, reforçando a interdependência entre eles.
Durante ou após o plantio, os familiares entrevistados podem ser
convidados pra visitar a escola e conhecer o trabalho dos alunos. Para o
fechamento do projeto, após a coleta e preparação para conservação de acordo
com as orientações, os produtos podem ser doados aos próprios alunos.

FIGURA 8 – ESQUEMA DE UMA HORTA EM MANDALA1

Fonte: SANTOS et al. Disponível em: https://bit.ly/2Ps0OR2.

1 No esquema da horta em Mandala, as linhas cinza indicam as passarelas e as áreas


brancas indicam os canteiros. Em cada canteiro pode-se plantar um tipo de planta medicinal,
permitindo uma boa variedade de vegetais e contemplando as contribuições de cada edu-
cando. Este formato permite a implantação de um sistema simples de irrigação, que pode ser
produzido com mangueira preta e conectores.

210
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REFERÊNCIAS
ANTONELLI, Diego; SANTOS, Leandro Luis dos. Ferrovia 130 anos. Curitiba,
PR: Gazeta do Povo, 2015. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/
vida-e-cidadania/especiais/ferrovia-130-anos/a-primeira-ferrovia.jpp. Acesso
em: 01 set. 2018.

BARRIOS, Andressa Farias et al. O uso das mandalas e estampas africanas no


desenvolvimento da percepção visual. 14ª Mostra de Produção Universitária. Rio
Grande, RS: Universidade Federal do Rio Grande, 2015. Disponível em: https://
mpu-historico.furg.br/seminario-de-ensino-2015?download=1939:andressa_
barrios. Acesso em: 20 out. 2018.

BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: Estabelece as diretrizes e


bases da educação nacional. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para
Assuntos Jurídicos, Brasília. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
CCIVIL_03/ LEIS/L9394.htm. Acesso em: 18 out. 2018.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais: Ciências Naturais.Brasília, 1998. Disponível em: http://portal.mec.
gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencias.pdf. Acesso em: 18 out. 2018.

BRASIL. Parecer CNE/CP n.º 3, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Conselho Nacional de
Educação, Ministério da Educação, 2004. Disponível em: http://portal. mec.gov.
br/cne/arquivos/pdf/003.pdf.Acesso em: 18 out. 2018.

CAMPOS, Guadalupe do Nascimento. Transferência de tecnologia para o Brasil


por escravos africanos. Belford Roxo, RJ: Instituto de Arqueologia Brasileira,
2009. Disponível em: http://www.arqueologia-iab.com.br/publications/
download/14. Acesso em: 18 out. 2018.

CUNHA Jr., Henrique Antunes. Arte e tecnologia africana no tempo do


escravismo criminoso. In.: Revista Espaço Acadêmico nº 166. Maringá/PR:
Universidade Estadual de Maringá, 2015.

NOGUEIRA, Marcos. A saga dos engenheiros Rebouças. Blog do Nogueira,


2011. Disponível em: http://marcosnogueira-2.blogspot.com.br/2011/01/saga-
dos-engenheiros-reboucas.html. Acesso em: 20 set .2018.

211
CADERNO PEDAGÓGICO

MAGALHÃES FILHO, Francisco B. B.. Evolução histórica da economia


paranaense. In.: Revista Paranaense de Desenvolvimento - RPD. Disponível
em: https://bit.ly/2PFqhpp. Acesso em: 12 set. 2018.

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Os Igarapés de Kissimbi: Uma viagem


pitoresca às entranhas da Serra do Mar. In: Oralidades Afroparanaenses:
fragmentos da presença negra na história do Paraná. Curitiba: Humaita, 2016.
p. 79-85.

SANTOS, Lilian Lucy dos et al.Protótipo de uma horta medicinal escolar na


forma de mandala. Maringá, PR: Unicesumar, 2013. Disponível em: https://
bit.ly/2Ps0OR2. Acesso em 20 out. 2018. [Dissertação]

SERRA, Elpídio. Os primeiros processos de ocupação da terra e a organização


pioneira do espaço agrário no Paraná. Boletim de Geografia - UEM. Ano
10, n. 01, 1992. Disponível em: https://bit.ly/2STbPsz. Acesso em: 12 set. 2018.

VERRANGIA, Douglas. A formação de professores de ciências e biologia e


os conhecimentos tradicionais de matriz africana e afro-brasileira. Magis,
Revista Internacional de Investigación en Educación, 6 (12) Edición especial
Enseñanza de las ciencias y diversidad cultural, p. 105-117, 2013.

212
ORALIDADES AFROPARANAENSES

(...)
Quanto mais andamos
Mais a mata se fecha
Torna-se densa
O ar puro deixa a floresta com ar de mistério
Prenhe de vida
A inspiração surge do nada
Com um palácio de águas doces e cristalinas
O calor queima
Minha pele preta se arrepia
Os raios do sol passando pelo meio das pequenas
folhinhas de Aroeira
Dá um tom amarelado em suas corredeiras
Uma pequena serpente dourada
vem nos recepcionar
Simpática, elegante
Nos mostra quem é a dona lugar
Tenho uma boa impressão ao chegar
Borboletas brancas vêm nos abençoar
Uma cachoeira...
Próxima da Estrada dos Jesuítas
Uma nascente de água
Uma santa cascata
Pequena... Mas de grande importância
Imponente
Morada de mamãe Oxum
Um recanto natural
Sangrando
Um coração verde pulsando
Oasis sagrado
Para o povo afrodescendente do Paraná
(...)
Os igarapés de Kissimbi: Uma viagem pitoresca às entranhas
da Serra do Mar. In.: REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J.
Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra
na História do Paraná. Editora Humaita, 2016.

213
ORALIDADES AFROPARANAENSES CAPITULO 3
PRESENÇA NEGRA NO PARANÁ

UNIDADE 5

POEMA
OU POESIA
CADERNO PEDAGÓGICO

AZEVICHE?

Romilda Oliveira Santos


C’ORAÇÃO
Moro em uma selva de pedra
E ouço tambores.
Passo a passo,
Passo encruzilhadas. Laroiê!
Ouço tambores em minha cabeça
Os tambores falam comigo.
Observo as ruas
E vejo o caminho aberto. Ogunhê!
Tiro meus sapatos
E piso na terra. Atotô!
Ouço tambores na minha cabeça
E fico em silêncio.
Entro na mata,
Peço agô. Okê Arô!
Ouço tambores na minha cabeça.
Contemplo a natureza,
Vejo as folhas. Ewê ó!
Os tambores falam comigo.
O tempo fecha,
Relampejou,
Vento e tempestade. Epahei Oyá!
Ouço tambores
E trovoadas na minha cabeça.
Kaô, Kabiecilê!
Corro em direção ao rio. Oraieiê, ô!
Os tambores falam...
Ouço tambores na minha cabeça.
Olho para o firmamento,
Surge o arco-íris. Arrobobô!
Os tambores falam.
Súbito, os meus pés
Se afundam no barro. Saluba, Vovó!
Sigo o curso das águas
Que, dançando, desembocam no mar.
Odo Yá, minha mãe!
Ouço tambores na minha cabeça.
Respiro fundo e sinto a brisa no ar.
Exee, Babá!
Os tambores falam comigo,
Ouço tambores no meu coração.

CANDIERO. In.: Antologia da poesia negra curitibana. Disponível em:


https://informativocentroculturalhumaita.files.wordpress.
com/2017/06/e-book-atas-do-iii-simpc3b3sio-internacional-de-literatura-
-negra-ibero-americana.pdf p. 470
CADERNO PEDAGÓGICO

POEMA OU POESIA AZEVICHE?


Romilda Oliveira Santos

A lei 10.639 foi criada em 2003 e determina a obrigatoriedade de ensinar


nas escolas municipais, estaduais e particulares a história e cultura das etnias
negras seja contada, que seja desvelada a cortina que esconde a importância do
sujeito negro na fundação e na construção do Paraná e do Brasil.
A conscientização provém do conhecimento e só se realizará a medida que
os temas relacionados ao povo negro e seus direitos como cidadãos paranaenses
e brasileiros forem discutidos nas escolas e nas comunidades.
São objetivos deste diálogo: trazer para a visibilidade as questões da etnia
afro-paranaense; sugerir metodologias para trabalhar a História e Cultura
Africana e Afro-brasileira através da poesia azeviche em diversas disciplinas
da grade curricular; além de despertar no jovem e na criança negra o orgulho da
negritude, da sua história, da sua pertença ao se ver representada na produção
literária e das imagens de negros importantes para a história da negritude.
Portanto, apresentaremos poesias de autores negros importantes desde o século
XVIII ao século XXI.
Uma boa opção é utilizar a sequência didática de Bordine e Aguiar (1988)
e a sequência expandida de Rildo Cosson (2006) como metodologia. A sequência
didática é uma metodologia baseado em cinco passos que permite que o trabalho
do professor alcance o aluno com mais eficiência. Sendo possível trabalhar com
a literatura através das sequências expandidas de Rildo Cosson (2006).
Começa-se sensibilizando o aluno para o tema a ser trabalhado. Aos poucos
vai-se construindo o conhecimento após cada etapa concluída pelo aluno e guiado
pelo professor. Os temas são iniciados pelo básico, ou seja, o conhecimento
que o aluno carrega consigo devido às muitas interações familiares e sociais e
vai-se aprofundando à medida que discussões são levantadas e pesquisas feitas.
Na produção final, o conhecimento crítico é observado e novos desafios são
iniciados. (OLIVEIRA SANTOS, 2015).

Primeiro momento – 2 aulas de 50 minutos



1º passo - Sensibilização ou “A determinação do horizonte de
expectativas”
Já nesta etapa, o professor faz um levantamento das vivências do aluno e
suas preferências. Como estamos trabalhando com adolescentes e essa galera não

216
ORALIDADES AFROPARANAENSES

consegue ficar calada ou imóvel por muito tempo, usaremos a roda da capoeira e
a conversa informal para sensibilizar e preparar os alunos para o trabalho:
Comece com a audição do CD ou vídeo da música da capoeira:

AEIOUUOIEAAEIOU

Vem criança vem jogar

Eu aprendi a ler
Aprendi a cantar
E foi na capoeira
Que eu aprendi a jogar

Eu estudo na escola
E treino na academia
Eu respeito a minha mãe
O meu pai e minha tia
Fonte: http://capoeiralyrics.info/songs/a-e-i-o-u.html

Segundo Bordini e Aguiar (1993, p.88), “às estratégias de ensino, que


deverão ser organizadas a partir de procedimentos conhecidos dos alunos e de
seu agrado”.
A professora pode cantar para os alunos ou gravar em um pendrive
a música ou vídeo e reproduzir no computador, rádio ou aparelho de som e
deixá-los livres para ouvirem.
Em seguida, recomendamos explorar a audição com questionamentos
como: Quem conhece esse estilo de música? O que dá para perceber prestando
atenção na letra da música? Vocês já conheciam este tipo de música? Vocês já
dançaram ou jogaram este ritmo? No questionamento, nós usamos as palavras
jogaram ou dançaram, alguém sabe o por quê?
A professora pode orientar uma pesquisa sobre a origem da capoeira, etc.
Se os alunos quiserem podem até realizar alguns passos no meio da roda para
mostrar que conhecem a capoeira, falar dos instrumentos e de suas vivências
sobre a capoeira, etc.
É importante valorizar o conhecimento do aluno, assim ele participará da
aula dando contribuições da sua oralidade.

217
CADERNO PEDAGÓGICO

A professora pode chamar a atenção para a linguagem coloquial oral


presente na cantiga. Para os primeiros anos do ensino médio, colocar a letra da
cantiga na lousa.

Hora da cantoria – todos na roda cantando.


Essa atividade está ligada diretamente a oralidade, a professora pode
solicitar que os alunos sentem-se na roda. E continuar a explorar oralmente o
assunto: A música é um pequeno texto. Fala de quê? Qual a mensagem que a
música passa? Quais os valores estão presentes na letra do da música?
A professora pode falar um pouco sobre a capoeira sem entrar em detalhes,
porque os alunos farão a pesquisa que deve ser valorizada e socializada.

A capoeira é um misto de – jogo, dança, luta – conhecida tradicionalmente


como capoeira-de-angola foi praticada em quase todo o Brasil onde a
escravidão teve papel significativo na vida econômica-social. É jogo quando os
participantes competem na demonstração de agilidade e destreza. É dança
quando os capoeiras se exibem desenvolvendo a sua linguagem gestual ao som
de melodias e seguindo o ritmo dos berimbaus, tambores e pandeiros. É luta
quando é usada em golpes de ataque e defesa pessoal (Benjamin, 2004).

Segundo momento – 2 aulas de 50 minutos.


Retoma a sensibilização agora com um Jongo.

Segundo o poeta Candiero, “a música cantada em círculos ajuda a


descontrair”. Portanto, penso que dá para cantar uma música toda vez que
começar a falar sobre um assunto relativo à cultura e história do povo negro.

Então, todos na roda e vamos cantar um jongo.


A música faz os jovens ficarem mais desinibidos e adquirirem uma postura
relaxada e mais participativa. Explicar que é uma música bem pequena que é
acompanhada com palmas e pés batendo no chão.
Audição do jongo. Cantoria de um jongo em círculo. A professora coloca
na lousa a letra do jongo. Incentivados pela professora que puxa o jongo, todos
juntos formam a roda e cantam o jongo.
Após a cantoria explorar oralmente o conhecimento dos alunos sobre
o assunto com questionamentos, por exemplo: Quem conhece esse estilo de
música? O que dá para perceber ao ouvirmos a música, só a letra? Vocês já
conheciam este tipo de música? Vocês já dançaram o jongo? Que sentimento o
jongo demonstra?
218
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Chamar atenção para a linguagem coloquial oral presente no jongo. Para


o posicionamento do eu-lírico se autodeclarando negro e de sua origem.
Explicar brevemente o porquê do jongo ser cantado em roda. A cultura
da oralidade onde os mais velhos ensinam os mais jovens a cantarem, dançarem
que faz parte da cultura e da oralidade africana e afrobrasileira e que os negros
trouxeram para o Brasil. Comentar que os jongos eram cantados para aliviar o
cansaço do trabalho pesado que faziam nas fazendas de café.
Pedir aos alunos para copiar o poema no caderno observando os espaços
entre os versos. Explicar a estrutura física do texto de modo em geral.
Conhecendo um pouco do Jongo:

JONGO
Le le le le le le le le le
Fonte: https://www.letras.mus.
br/a-quatro-vozes/1657190/.

Nasci n' Angola,


Angola que me criou.
Sou neto de Moçambique
eu sou negro
SIM, sinhô! "

Levar os alunos a sala de informática para pesquisarem e saber mais sobre


o jongo.

Dica: não se fala em jongo sem mencionar o Mestre Darcy! Veja o vídeo
Saravá Jongueiro, Darcy do Jongo. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=AgrbjtOjvcE

2º Passo Atendimento do horizonte de expectativas



A literatura presente em suas formas de poemas e narrativas tem a “função
de humanizar o homem, é um fator indispensável na formação humana”, afirma
Cândido (1995).
Para Bordini e Aguiar (1993, p.88)

Uma vez detectadas as aspirações, valores e familiaridades dos alunos com o tema
proposto, a etapa seguinte consiste no atendimento do horizonte de expectativas, ou
seja, proporcionar à classe experiências com os textos visuais / literários que satisfaçam
as suas necessidades em dois sentidos.

219
CADERNO PEDAGÓGICO

O jongo Oéjongo
um ritmo que teve
é um ritmo suassuas
que teve origens nanaregião
origens regiãoafricana
africana dodo Congo-Angola.
Congo-Angola.
Chegou ao Brasil-Colônia com os povos de origem Bantu trazidos
Chegou ao Brasil-Colônia com os negros de origem Bantu trazidos para o trabalho para o forçado
trabalho
forçado nas fazendas
nas fazendas de Vale
de café do cafédo
doRioVale do RionoParaíba,
Paraíba, interior no
dosinterior
estados dos estados
do Rio do Rio
de Janeiro,
deMinas
Janeiro, Minas
Gerais e SãoGerais
Paulo.eA São Paulo.por
demanda A mão
demanda
de obrapor mão-de-obra
para o trabalho na intensificou
mineração o
tráfico humano depara
e nas fazendas café ointensificou
trabalho onatráfico
mineração
humano.e Comnas afazendas
decadência deeconômica
café. Com de a
decadência econômica
outras regiões do país,de umaoutras
massaregiões
imensadodepaís, uma emassa
homens imensa
mulheres de escravizados
escravizadosos foi
foideslocada
deslocada para o Sudeste onde, em alguns momentos, mais da metade da populaçãoda
para o Sudeste onde, em alguns momentos, mais da metade
população
era formada erapor
formada pora africanos,
africanos, maioria de aascendência
maioria deBantu.
ascendência Bantu. A influência
da naçãoA Bantu foi fundamental na formação da cultura
influência da nação Bantu foi fundamental na formação brasileira. Parabrasileira.
da cultura acalmar a
revolta e o sofrimento
Para acalmar a revolta edos negros com
o sofrimento dosanegros
escravização e distrair eodistrair
com a escravidão tédio dos brancos,
o tédio dos
osbrancos,
donos das isoladas fazendas de café permitiam que seus africanos
os donos das isoladas fazendas de café permitiam que os africanos dançassem
dançassem o
jongo nos dias dos santos católicos. Para esses africanos e seus filhos, o jongo era um
o jongo nos dias dos santos católicos. Para esses homens e mulheres, o jongo era um
dos únicos momentos permitidos de trocas e confraternização.
dos únicos momentos permitidos de trocas e confraternização.

Ainda para as autoras o ato de ler pode ser duplamente gratificante.

"No contato com o conhecido fornece a facilidade da acomodação, a possibilidade


de o sujeito encontrar-se no texto. Na experiência com o desconhecido, surge
a descoberta de modos alternativos de ser e de viver” (BORDINI; AGUIAR,
1993, p. 26).

Terceiro momento – 1 aula de 50 minutos



Retomar os textos da capoeira e do jongo já trabalhados e levantar o
questionamento se o texto é poesia ou poema “Poema ou poesia negra?”
Deixar a turma expor sua opinião sobre a questão levantada.
Solicitar ao aluno a criação de uma definição para o tema estudado até o
momento. Registro na lousa.
Após os registros das definições elaboradas pelos alunos, apresentar
a definição dada por Alexandre Tambelli ao responder ao desafio proposto
pela coordenadora do site: A voz da Poesia - www.avozdapoesia.com.br - um
questionamento sobre de que se falava de poema ou de poesia e pedia um artigo
para solucionar o impasse.
O poema se constrói através do

“armazenamento de sentimentos, vivências, pensamentos, ideias e conceitos,


aprendizados n’alma; É a captação de uma energia física que paira no ar e está
presente em todas as coisas, nos seres humanos, nos seres vivos, na vivência
humana, suas criações e suas relações sociais, e que vive em constante movimento
e nos leva, às vezes ou muitas vezes, a um estado de alteração, de sensibilidade
outra, que nos toca profundamente e nos chama à criação poética... o momento
de inspiração que a torna corpo, se realiza” (TAMBELLI, 2013).

220
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Solicitar aos alunos que comparem as definições e comentem o que acham


destas definições e que se for preciso complemente as definições, com a dada por
Tambelli (2013).
O registro das informações é importante para que os alunos complementem
de onde eles trazem as informações, como ficaram sabendo ou conhecendo o
assunto ou o tema debatido.
Neste momento trabalhar com dois poemas, um do Solano Trindade Sou
Negro e o outro, de Candiero, Estética Negra.

Sou Negro
à Dione Silva

Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu
o batismo dos tambores atabaques,
gonguês e agogôs

Contaram-me que meus avós


vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.

[...]

Mesmo vovó não foi de brincadeira Solano Trindade. Fonte: https://www.gele-


des.org.br/solano-trindade/.
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...

221
CADERNO PEDAGÓGICO

A escolha destes dois poemas nesta etapa se deu pelo fato de serem mais ou
menos curtos e ambos tratarem do orgulho de ser negro.
Leitura em voz alta do poema de Solano Trindade (1961):
Apresente o autor e sua biografia, acompanhada de uma imagem (para dar
visibilidade).
Comente o quanto Solano Trindade foi importante para a luta de resistência
do povo negro no Brasil.
Entregue uma cópia da poesia para cada aluno;
Oriente aos alunos que façam uma leitura silenciosa do texto;
O professor pode fazer uma leitura dramática do texto (ritmo e entonação);
Explore o texto com os alunos.
O eu-lírico se assume negro, declara sua descendência, da valentia, fala da
escravização do seu povo, da cultura (maracatu, samba), da
resistência (Luta dos Malês, BA.).
Professor: Solano Trindade além de poeta foi um ativista
das causas do negro em meados do século XX, tal qual seus
antecessores do século XVIII como Domingos Caldas Barbosa
com a Viola de Lereno (1798), segundo Assis Duarte, 2014.
E, Luiz Gama, no século XIX com a publicação de
Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, fala sobre sua
negritude. A coletânia, cuja primeira edição foi lançada
em dezembro de 1859, apresenta o eu-poético do autor,
se assumindo negro. Merece atenção em especial, a poesia
Domingos Caldas Barbosa (Lere-
no Selinuntino). Fonte: https:// satírica Bodarrada Quem sou eu?
pt.wikipedia.org/wiki/Domin-
gos_Caldas_Barbosa.
Eu bem sei que sou qual Grilo [...]
Se negro sou, se sou bode,
pouco importa.
O que isto pode? [...]

David Emiliano Perneta, em meados do século XX,


construiu uma biografia que transitava por caminhos como
o lirismo poético, a fervorosidade da política, a paixão
profissional pelo Direito, pelo jornalismo e, pela auditoria
militar. Mas foi à poesia que entregou-se com grande paixão.
Atraído pela poesia do francês Baudelaire, foi um dos
condutos para a implantação do movimento simbolista no
Paraná e no Brasil. Esteve à frente de algumas das principais
Luis Gama. Fonte: https://pt.wi-
revistas literárias nacionais, entre elas a Cenáculo, Victrix,
kipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_ A República, Palium e Jerusalém. O escritor e crítico José
Gama Cândido de Andrade Muricy, em um de seus estudos faz uma
homenagem ao poeta, colocando-o entre os que saudaram a
222
ORALIDADES AFROPARANAENSES

estação das folhas amarelecidas, em sua derradeira composição, datada de 1920.


É considerado o principal escritor paranaense de sua época.
Os seus primeiros poemas são datados de 1884. No começo do século XX,
criou a revista Victrix, voltada ao simbolismo. A partir de
1911, lança suas principais publicações, Ilusão (1911) e Pena
de Talião (1914). Em agosto de 1911 foi aclamado príncipe
dos poetas paranaenses, na festa de lançamento de seu livro
Ilusão, no Passeio Público, Curitiba. E em 19 de dezembro de
1912, participou da fundação do Centro de Letras do Paraná,
em parceria com Euclides Bandeira. Entre 1913 e 1918, foi
presidente da instituição.
Laura Santos, também nos meados do século XX, foi
reconhecida como a Pérola Negra do Paraná. Curitibana,
romântica, falando dos seus desejos em um contexto “patriarcal
e racista” é, segundo a análise de Henrique Marques Samyn,
(2018)
[...] uma escritora que demanda leituras capazes Emiliano Perneta. Fonte: http://
de, ultrapassando as interpretações que se ancoram www.fotografandocuritiba.com.
em lugares-comuns e perscrutando os silêncios e as br/2017/02/o-principe-dos-poetas-
-do-parana-na-ilha.html.
entrelinhas, logrem desvelar indícios do estro de uma
subjetividade racializada, apta a elaborar formas próprias de resistência... Em
uma sociedade profundamente racista e patriarcal, muitas vezes é preciso
resistir por caminhos menos visíveis.

Na contemporaneidade surge uma nova geração de


escritores negros falando das questões do povo azeviche, tal
como Adegmar José da Silva, Candiero.
No artigo Zelador Candiero: a poesia como forma de
resistência, afirmei que:

O poeta negro tem utilizado a palavra como importante


meio de expressão do seu fazer e do seu existir. A
prática literária é o espaço para o eu-enunciador, trazer
para o debate as questões negras. E tem por meta a Laura Santos. Fonte: https://letras-
pretas.com/2018/05/08/por-uma-
conscientização e o empoderamento do povo negro como -releitura-de-laura-santos/
sujeito do seu destino (OLIVEIRA SANTOS, 2015).

Nesta aula, explorar a poesia de Adegmar José da Silva e Melissa Reinehr.


Adegmar, poeta negro paranaense, mais conhecido como Candiero, zelador das
tradições e cultura negra no Paraná e sua companheira de vida e de luta Melissa
Reinehr, coautora da produção literária candieirense.
Leitura em voz alta do poema de Mel e Candiero, Estética negra.
Entregue uma cópia da poesia para cada aluno e comece questionando se
alguém conhece o poeta paranaense Candiero. Como imagina que ele seja? Por
quê?
223
CADERNO PEDAGÓGICO

Estética negra
Espelho, espelho meu
Existe alguém mais negro do que eu?
Não, não, não...
Não é prepotência
É auto afirmação
Não importa o teor de melanina
Candiero. Fonte: http://www.curiti- Nossa história ensina
ba.pr.gov.br/noticias/escritor-curiti- Tenho que manter minha autoestima em dia
bano-e-publicado-em-coletanea-na- Minha consciência negra
cional/44638.
Para não adoecer...
Preciso me agarrar ao legado dos meus ancestrais
Não me esquecer do que fizeram no passado
Para não voltar a acontecer
Deixar meu cabelo crescer naturalmente
Estudar... Pesquisar
Desenvolver minha consciência/mente
Nos meus dreds... Não entra pente
Desde os tempos da escravidão
Arrumamos nossos cabelos com as mãos
Trança raiz ... turbante
Estética negra/africana
Respeite minha cabeça... Minha beleza negra
Minha coroa
No meu Ori... Só quem é puro de coração põe a mão
Não fui eu que inventei
É a essência da nossa tradição...

Candiero, poema inédito.

Após ouvir os alunos. Apresente uma imagem do Candiero poeta militante


do movimento negro curitibano paranaense.
Apresente os autores dos poemas, sua biografia, sua militância
acompanhada de imagem (para dar visibilidade).
Comente o quanto este é importante para a luta de resistência do povo
negro no Paraná.
Peça que os alunos façam uma leitura silenciosa do texto. Questione como
o “eu-lírico” se apresenta? Quais as características do eu-lírico?
Explore o texto com os alunos, pois estamos atendendo “o horizonte de
expectativa“ do aluno. Ou seja, os dois poemas têm uma leitura tranquila, direta
e no primeiro plano.

224
ORALIDADES AFROPARANAENSES

O registro das informações dadas pelos alunos na lousa é importante para


que complementem de onde eles trazem as informações, como ficaram sabendo
ou conhecendo o assunto ou o tema debatido.
A etapa seguinte consiste em romper com o horizonte de expectativa do
aluno. Novos textos poéticos com alguma complexidade podem ser apresentados.
Entretanto, os demais recursos compositivos devem ser radicalmente
diferentes, de modo a que o aluno ao mesmo tempo perceba estar ingressando
num campo desconhecido, mas também não se sinta inseguro demais e rejeite a
experiência (BORDINI, AGUIAR, 1993, p.89).
Nesta etapa de rompimento do horizonte de expectativa, o texto provocará
no aluno uma estranheza, pois o óbvio, o já conhecido não está presente no
poema. Sendo necessário que ele (o aluno) dialogue com o texto e com as demais
informações anteriormente adquiridas. A partir do momento que esse diálogo
leitor/texto acontece há um alargamento do conhecimento, e a ampliação de
um novo horizonte de expectativa. Para o rompimento com o horizonte de
expectativa apresentar o texto de Sérgio Vaz (2013, p 44), poeta engajado na
defesa das causas raciais e um dos seus poemas, Magia Negra.
Entregue uma cópia da poesia para cada aluno e comece questionando se
alguém conhece o poeta Sérgio Vaz. Como imagina que ele seja? Por quê? etc.
Após ouvir os alunos, apresente uma imagem do poeta Sérgio Vaz poeta
militante do movimento negro acompanhada de imagem (para dar visibilidade).
Comente o quanto este é importante para a luta de resistência do povo
negro. Peça que os alunos façam uma leitura silenciosa do texto. Questione sobre
o quê o eu-lírico fala.
Se alguém conhece ou já ouviu falar de alguma das personagens citadas
pelo eu-lírico. Explore o texto com os alunos.
O registro das informações dadas pelos alunos na lousa é importante para
que os alunos complementem de onde eles trazem as informações, como ficaram
sabendo ou conhecendo o assunto ou o tema debatido.
Este poema trata da criatividade, da beleza, da arte da etnia negra que
mesmo sendo sufocada pelo racismo estrutural e institucional consegue se
superar e mostrar o seu valor. O professor pode trabalhar este poema com os
alunos valorizando a participação deles no entendimento do texto, fazer um
levantamento oral de outros nomes de negros importantes para a etnia negra
e anexar ao poema. E para concluir, sugerir um jogral para apresentação da
música. Negociar um prazo para apresentação com os alunos e permitindo-os
prepararem o jogral e completarem com outros ícones negros. O professor pode
aproveitar e trabalhar o gênero jogral e suas características.
Agora, deve-se apresentar aos alunos a caixa “surpresa” com os vários
poemas, para que cada aluno escolha um e faça uma leitura individual e
silenciosa.

225
CADERNO PEDAGÓGICO

MAGIA NEGRA
Sérgio Vaz

Magia negra era o Pelé jogando, Cartola compondo, Milton cantando.


Magia negra é o poema de Castro Alves, o samba de jovelina...
Magia negra é Djavan, Emicida, Mano Brow, Thalma de Freitas, Simonal.
Magia negra é Drogba, Fela kuti, JamMagia negra é dona Edith recitando no
Sarau da Cooperifa. Carolina de Jesus é pura magia negra.
Garrincha tinhas 2 pernas mágicas e negras
James Brow. Milton Santos é pura magia.
Não posso ouvir a palavra magia negra que me transformo num dragão.
Michael Jackson e Jordan é magia negra. Cafu, Milton Gonçalves, Dona Ivone
Lara, Jeferson De, Robinho, Daiane dos Santos é magia negra.
Fabiana Cozza, Machado de Assis, James Baldwin, Alice Walker, Nelson
Mandela, Tupac, isso é o que chamo de magia negra.
Magia negra é Malcon X. Martin Luther King, Mussum, Zumbi, João Antônio,
Candeia e Paulinho da Viola. Usain Bolt, Elza Soares, Sarah Vaughan, Billy
Holliday e Nina Simone é magia mais do que negra.
Eu faço magia negra quando danço Fundo de quintal e Bob Marley.
Cruz e Souza, Zózimo, Spike Lee, tudo é magia negra neles. Umoja, Espírito
de Zumbi, Afro Koteban...
É mestre Bimba, é Vai-Vai é Mangueira todas as escolas transformando
quartas-feira de cinza em alegria de primeira.
Magia negra é Sabotage, MV Bill, Anderson Silva e Solano trindade.
Pepetela, Ondjaki, Ana Paula Taveres, João Mello... Magia negra.
Magia negra são os brancos que são solidários na luta contra o racismo.
Magia negra é o RAP, O Samba, o Blues, o Rock, Hip Hop de Africabambaataa.
Magia negra é magia que não acaba mais.

É isso e mais um monte de coisa que é magia negra.


O resto é feitiço racista.
Fonte:
http://colecionadordepedras1.blogspot.com/2012/07/magia-negra-magia-negra-era-o-pele.html

226
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Professor(a):
Prepare uma caixa com os poemas que você pretende
trabalhar, dê preferência, nesta etapa, a poemas
nos quais o eu-lírico assume a sua cor, a sua etnia, a
capoeira, a luta, etc. Exemplos de poesias: Estética
Negra, Rua do Rosário, Batuqueiros, Roda de Rua,
Angoleiros, Capoeira Angola (Candiero); Sou Negro
(Solano Trindade); A Palavra Negro, Extrato, Educação
(Cuti).

Indique alguns para realizar a leitura oral incentivando o ritmo e entonação;


Conhecendo elementos que constroem o poema e leitura individual
e silenciosa. Escolha alguns para realizar a leitura incentivando o ritmo e
entonação.
Descrever aspectos que o diferenciam de outros gêneros textuais (estrutura,
versos, estrofes e ritmo).
A quarta etapa é o questionamento do horizonte de expectativas. Uma
avaliação do processo será muito produtiva para a percepção da evolução da
aprendizagem. Segundo Bordini e Aguiar (1993), o aluno questiona o que lê e
observa o texto com um novo olhar.
O professor nesta etapa apresenta outro poema dos poetas Mel e Candiero,
Curitiba Afro, da obra Oralidades Afroparanaenses (REINEHR; SILVA, 2016).
Este poema é um pouco mais complexo e provocará o questionamento do horizonte
de expectativa provocando no aluno uma estranheza, pois o óbvio, o já conhecido
não está presente no poema. Sendo necessário que ele (o aluno) dialogue um
pouco mais com o texto e com as demais informações anteriormente adquiridas.
A partir do momento que esse diálogo leitor/texto acontece há um alargamento
do conhecimento, e a ampliação de um novo horizonte de expectativa.
Como todos os poemas de Mel e Candiero apresentam um caráter narrativo
histórico, este é muito rico, pois traz uma síntese de fatos importantes para a
população negra paranaense. O eu-enunciador (vou chamar de eu-enunciador
porque o poema apresenta características da narrativa, fala de um presente e
de um passado, suas dores, seus lamentos). Pode-se fazer ligação com várias
disciplinas da grade curricular (português, história, geografia, sociologia, arte,
etc.).
Neste momento – apresentar um fragmento do poema.

227
CADERNO PEDAGÓGICO

Curitiba Afro
Mel e Candiero

Um grito engasgado ecoou


E a Curitiba Afro se libertou
Mesmo com o apagamento
A história do negro
Hoje se revelou
Curitiba é negra
(...)

Iniciar uma série de questionamentos como: Alguém já viu este fragmento


de texto? Sobre o que fala? O que significa a palavra apagamento no texto? Qual
a possível mensagem do texto?
Segundo momento, passar no quadro o restante do texto ou entregar o
texto completo xerocado. Retomar os questionamentos sobre o poema.

Aula de 50 minutos

Distribuir cópias do poema ou passar na lousa para que anotem no
caderno. Leitura em voz alta da poesia completa Curitiba Afro.
Levantar questionamentos para reafirmar a bagagem de compreensão
de texto do aluno. Ex: Qual o tema do poema? O poema no remete a lugares
físicos que conhecemos ou já ouvimos falar? Quais? O poema traz nomes de
personalidades negras conhecidas ou não? Se sim, quais? Todas as observações
dos alunos devem ser levadas em conta e valorizadas.

Aula de 50 minutos

Após essa compreensão de texto iniciar questionamentos sobre a estrutura
física do gênero textual. Ex: Como podemos classificar esse tipo de texto? Por quê?
Chamar à atenção para os números de versos e como podem ser classificados.
Temos estrofes ou não? Podemos classificar essas estrofes como?
Como todos os poemas de Mel e Candiero apresentam um caráter narrativo
histórico, este é muito rico, pois, traz uma síntese de fatos importantes para a
população negra paranaense. O eu-enunciador (vou chamar de eu-enunciador
porque o poema apresenta características da narrativa, falade um presente e
de um passado, suas dores, seus lamentos). Pode-se fazer ligação com várias
disciplinas da grade curricular. (Português, História, Geografia, Sociologia, Arte,
etc.).
228
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Explore o texto com os alunos, deixe-os falarem sobre o que percebem no


poema e o que sabem sobre o tema, a que nos remetem as falas do eu-enunciador
do poema. O professor vai complementando as informações, ajudando a construir
e ampliar o conhecimento do aluno. Professor, essa é uma possibilidade de leitura
crítica do poema “Curitiba Afro”, de Mel e Candiero.
O poema em sua apresentação segue os molde da poesia contemporânea,
apresenta vinte e seis versos em uma única estrofe, apresenta de alguns versus
rimado entre si mas não tem um esquema rimático definido, tem um ritmo leve
e agradável para leitura.
No primeiro e segundo verso “um grito engasgado ecoou” e “a Curitiba
Afro se libertou”, o eu-enunciador afirma que a história que estava escondida,
agora começou a ser falada, a ser contada e o negro, que sofreu e ainda sofre
com a negação dos direitos, está se empoderando. A Curitiba Afro está sendo
mostrada para todos aqueles que achavam que a cidade de Curitiba era uma
cidade só de base europeia, só de brancos, isso não existe.
Nos versos três, quatro, cinco, seis e sete, “mesmo com o apagamento”,
”hoje se revelou”, “Curitiba é negra”, “Afro Curitiba” o eu-enunciador fala da
invisibilidade a que foi submetida o povo negro e o apagamento da sua história
(sinais da contribuição para a construção da cidade de Curitiba foram ignorados
pelos historiadores), da sua memória agora está se revelando, esta sendo vista.
Os versos oito, nove, dez, onze, doze traz a questão dos batuques, maracatus,
do candomblé, e do carnaval que foram proibidos até certo tempo na sociedade
paranaense e que serviam para “louvar os antepassados”.
Do verso nove ao verso dezessete o eu-enunciador reconta a história e
a memória lembrando personalidades negras no Paraná. Começando com
Zacarias – Advogado, mestiço, primeiro presidente da província do Paraná-
19 de dezembro de 1853 a 03 de maio de 1855. Justiniano Clímaco da Silva, o
Doutor Preto, primeiro médico na cidade de Londrina por 50 anos; Lenira Maria
dos Santos Reis – cirurgiã dentista; Laura Santos – A pérola negra; Enedina Alves
Marques – Engenheira que construiu pontes e a Usina Parigot de Souza, a 800
metros debaixo da terra; Tereza Ermelino dos Santos, delegada; Antônio e André
Rebouças – engenheiros, construtores da estrada de ferro que corta a Serra da
Graciosa; Mestre Vicente construtor da Catedral.
O eu-enunciador vai declarando, anunciando, a importância dessas grandes
personagens negras que fizeram a história do Paraná e que foram camuflados,
escondidos ou relegados a segundo plano na história do Paraná. Agora, a voz
azeviche fala destes personagens fortes e importantes para a narrativa negra.
No verso dezoito, dezenove, a presença dos trabalhadores negros e suas
trilhas para a colheita da erva-mate nas grandes fazendas vêm à tona pela voz
azeviche nos últimos versos do poema, e finaliza sua fala, seu grito declarando que
o Paraná é o estado mais negro do sul e que a etnia negra teve e tem participação
ativa na fundação e no desenvolvimento do Paraná.
229
CADERNO PEDAGÓGICO

CURITIBA AFRO
Um grito engasgado ecoou
E a Curitiba Afro se libertou
Mesmo com o apagamento
A história do negro
Hoje se revelou
Curitiba é negra
Hoje na avenida vou louvar meus ancestrais
Busco invocar nossa história
Reavivar nossa memória
Na vida e no carnaval
De Zacarias a Rebouças
Se iniciam caminhos e novos trilhos
Que construíram nossa capital
Vou falar de Enedina
Mulher negra na engenharia
Com seu toque magistral
Também não me esqueço dos tropeiros
Os trabalhadores eram negros
E viviam na capital
Paraná
Estado mais negro do sul
Seu símbolo é uma gralha azul
Com uma cabeça singular
Passado presente na memória
Suas marcas são histórias
Deste povo milenar

Mel e Candiero
(REINEHR; SILVA, 2016)

230
ORALIDADES AFROPARANAENSES

Caro professor, essa leitura nos permite estabelecer pontes com as diversas
disciplinas da grande curricular.
A quinta etapa é “a ampliação do horizonte de expectativas”, segundo
Bordini e Aguiar (1993).
Os alunos, nessa fase, tomam consciência das alterações e aquisições
obtidas através da experiência com a literatura. Cotejando seu horizonte inicial de
expectativas com os interesses atuais, verificam que suas exigências tornaram-se
maiores, bem como que sua capacidade de decifrar o que não é conhecido foi
aumentada (BORDINI e AGUIAR, 1993, p.90-91).
Para Oliveira Santos (2015), nesta etapa

o aluno se posiciona diante do texto de forma consciente e crítica, aceitando ou


refutando a ideia implícita no texto e, o que é mais importante, ficando aberto
para outras leituras. (Oliveira Santos, 2015).

Agora, podemos apresentar para o aluno, poemas como Almas das


Ruas: Uma crônica para a alma negra curitibana; Trajetórias de muitas vidas:
fragmentos da presença negra em Palmas; Resistência Afro Paranaense;
Marinheiros Negros e Mar Negro de Mel e Candiero (REINEHR; SILVA, 2016),
nos quais os eu-enunciadores continuam contando a história azeviche do Paraná.
A sugestão para trabalhar estes poemas oralmente, é a produção de um
sarau de poemas azeviche. O professor deve orientar e facilitar as condições
físicas para a realização do sarau. A organização e a realização do evento devem
ser dos alunos. Os poemas sugeridos narram a história do negro paranaense.
O eu-lírico do poema “Almas das Ruas: Uma crônica para a alma negra
curitibana” inicia sua narrativa com os versos:

Só consegue andar em brasas


Quem tem a sola do pé calejada
Engrossada pelas longas caminhadas da vida...

Já afirma que vai falar sobre um povo sofrido pelas condições de vida
proporcionadas pelas classes dominantes. Relembra um período perverso
durante o qual foram silenciados, desrespeitados, estereotipados com apoio das
instituições que deveriam – entre elas, a igreja católica – proteger os humilhados
e sofredores, presenciavam a tudo e nada faziam para evitar tais ações e atitudes.

231
CADERNO PEDAGÓGICO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Paraná ao adquirir o status de unidade política e cultural em agosto de
1853, sentiu a necessidade de uma identificação que o projetasse como Estado
em progresso econômico e cultural. A sua elite política delineia um arcabouço
de estereótipos físicos e culturais que o permitisse aproximar-se do modelo
europeu. Narrativa traçada, com objetivo de convencer a todos brasileiros,
inclusive a população paranaense, à época mestiça. Uma narrativa, iniciada por
Wilson Martins, da não existência de negros do Paraná, foi contada e recontada
mais, mais e mais, até que a população foi convencida da sua branquitude em
detrimento de toda uma história (fundante) azeviche paranaense.
A narrativa azeviche foi calada por muito e muito tempo, seus indícios
foram camuflados, diluídos e branqueados. A glória dos especialistas, mestres do
corte da pedra, da extração do ouro, do cultivo da erva-mate, dos tropeiros, etc.,
foi redirecionada para protagonistas brancos ou não tão mestiços. Mas, não foi
esquecida pelos mais velhos e, segundo Adegmar J. Silva - Candiero, continuou
sendo contada em rodas de conversas, de capoeira, de batuques, reisados,
maracatus e congadas nas pequenas vilas e grandes cidades paranaenses. Essa
voz azeviche firme, foi mais fortalecida, após muitas lutas do povo negro, com a
Lei 10.639, de 2003. A obrigatoriedade do ensino nas instituições educacionais
da Cultura e História Africana e Afro Brasileira fortalece os movimentos negros
a contarem e recontarem a história do seu povo.
Intelectuais se juntam aos escritores, poetas e griots (os mais velhos) para
jogarem luz na história fundante do estado do Paraná. Poetas estes, através
de uma poesia de cunho histórico, de estudos e pesquisas juntando materiais
cavoucados nos museus, delegacias e coleções particulares, analisadas a partir de
uma ótica científica e registradas. A poesia de Mel e Candiero traz a contribuição
dos povos negros fundantes deste Estado. Cabe, agora, a nós, companheiros de
luta, disseminar a sua história, a nossa história. Contar a versão do leão, pois,
enquanto ouvirmos somente a versão dos caçadores, a lacuna da história negra
ficará em aberto.

232
ORALIDADES AFROPARANAENSES

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Roberto. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira.
v.1. Editora Grafset, 2004.

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura e formação


do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

CÂNDIDO, Antônio. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura.


São Paulo: v.4, n.9, pp.803-809. Set. 1972. In: PARANÁ, Diretrizes Curriculares
da Educação Básica. Curitiba: SEED, p. 57, 2008.

CANDIERO. C'oração. In.: Antologia da poesia negra curitibana. Atas do III


Simpósio Internacional de Literatura Negra Ibero-americana. Disponível em
https://informativocentroculturalhumaita.files.wordpress.com/2017/06/e-book-
-atas-do-iii-simpc3b3sio-internacional-de-literatura-negra-ibero-americana.
pdf .

___________Zelador Cultural. Revista Curitiba Afro. Curitiba, Centro Cultural


Humaitá. Nov, pp. 20-21, 2013. Disponível em: https://informativocentrocultu-
ralhumaita.wordpress.com/curitibaafro/.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto,


2006.

CUTI. Negroesia: antologia poética. 2ed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010.

DOLZ, Joaquina; SCHNEUWLY, Bernard; NOVERRAZ, Michèle. Sequências


didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In:
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquinae colaboradores. Gêneros orais e
escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

FERRARINI, Sebastião. A Escravidão Negra na Província do Paraná. Curitiba:


Editora Lítero-Técnica, 1971.

MUZZILLO, Camila. 1001 ruas de Curitiba. Organizado por Camila Muzzillo.


Curitiba. Artes & Textos. 2011, p. 240.

OLIVEIRA SANTOS, Romilda. Candiero: poesia como forma de resistência.


Disponível em: https://issuu.com/melissareinehr/docs/candiero___poesia_
como_forma_de_res.

_______________ Uma reflexão sobre o desenvolvimento de posturas


positivas em relação à etnia negra nas salas de aula, através da Literatura afro
brasileira e africana. Cadernos PDE, v.2, 2015.

233
CADERNO PEDAGÓGICO

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos


da presença negra na história do Paraná. Curitiba, Editora Humaitá, 2016.

___________________AfroCuritibanos: crônicas, manifestos e pensamentos


azeviche. Curitiba: Editora Humaitá, 2015.

SITES CONSULTADOS
VAZ, Sérgio. Magia Negra. http://colecionadordepedras1.blogspot.com/2012/07/
magia-negra-magia-negra-era-o-pele.html . Consultado em: 8 nov. 2018.

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mus.br/a-quatro-vozes/1657190/. Consultado em: 8 nov. 2018.

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JONGO. História do Jongo e o Jongo da Serrinha. Disponível em: http://


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PRETINHO, Cantiga de capoeira A-E-I-O-U. Disponível em: http://


capoeiralyrics.info/songs/a-e-i-o-u.html. Consultado em: 8 nov. 2018.

SAMYN, Henrique Marques. Por uma releitura de Laura Santos. Disponível


em: https://letraspretas.com/2018/05/08/por-uma-releitura-de-laura-santos/.
Consultado em: 8 nov. 2018.

TAMBELLI, Alexandre. O que é poesia e o que é poema? Disponível em: https://


www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4140005. Consultado em: 8 nov.
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TRINDADE, S. História de vida. Disponível em: http://www.quilombhoje.com.


br/solano/solano trindade.htm. Consultado em: 8 nov. 2018.

TRINDADE, Solano. Disponivel em: http://www.elfikurten.com.br/2015/06/


solano-trindade.html. Consultado em: 8 nov. 2018.

234
ORALIDADES AFROPARANAENSES

É necessário uma
aldeia inteira
para se educar
uma criança.
Ditado popular africano

235
AUTORES/AS
ANA CRHISTINA VANALI

Professora de Sociologia do Colégio da Polícia


Militar do Paraná. Doutora em Sociologia pela
UFPR e Pós-doutora em Educação pela UFPR.
Coordenadora da Equipe Multidisciplinar
2018 do CPM. Membro do Grupo de Pesquisa
sobre o Movimento do Contestado. Atualmente
está coordenando o projeto sobre a Colônia
Afro-brasileira de Curitiba durante o centenário da
Lei Áurea.

ANA LUCIA MATHIAS FERNANDES


COELHO

Ana Lucia Mathias Fernandes Coelho, Mestre


em Políticas Educacionais pela Universidade
Federal do Paraná, linha de Pesquisa em Relações
Raciais em Livros Didáticos de Ciências do
PNLD. Especialista em Educação Especial e em
Magistério Superior pelo Instituto Brasileiro de Pós
Graduação (IBPEX). Especialista em Matemática
pelo Programa de Pesquisa Vale Saber do Governo
do Estado do Paraná e Pesquisadora do Núcleo de
Estudo Afro-Brasileiro da Universidade Federal do
Paraná (NEAB/UFPR). Integrante do Catálago das
Intelectuais Negras Visíveis, projeto idealizado
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Professora de Ciências dos anos finais pela
Rede Estadual de Ensino de Curitiba, Professora
de Ciências como Técnica de Laboratório dos anos
finais, pela Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas
da Equipe Multidisciplinar do Colégio Estadual
Ernani Vidal da Lei 10.639/03, História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana.
CLAUDINEI MENDES BISPO

Claudinei Mendes Bispo é professor da Rede Estadual


do Paraná, atua no Colégio Estadual João Batista Vera
– E.F.M – Piraquara. Sendo graduado em Ciências/
Matemática pela Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Sorocaba, pós graduado em Metodologia do
Ensino de Matemática pela Faculdade Internacional
de Curitiba e Especialista na Docência do Ensino
Religioso, formado pela Faculdade Teológica Batista do
Paraná. Como docente formado no (P.D.E) Programa
de Desenvolvimento da Educação SEED/PR, atuou
na construção do Caderno Pedagógico Oralidades
Afroparanaenses, caderno esse cujo teor riquíssimo
não só traz visibilidade a presença negra no estado do
Paraná, como inicia um diálogo de ressignificação de
valores étnicos.

CLEMILDA SANTIAGO NETO

Licenciada em História, pela UEPG, 1980. Especialista


em Educação Patrimonial, UEPG/1999. Especialista em
Pedagogia para o Ensino Religioso pela PUCPR, 1997.
Técnica Pedagógica da SEED/PR no Departamento
de Ensino Médio de 2001 a 2004. Coordenadora de
Ação no Campo do GT Clóvis Moura, no Trabalho
de Levantamento das Comunidades Tradicionais
Negras e Quilombolas, de 2004 a 2007. Na SEAE/PR,
do ano de 2008 a 2009 atuou como Assessora para
desenvolvimento de Projetos e Programas a serem
implementados nas Comunidades Tradicionais Negras e
Quilombolas. Na SEED/PR, de 2010 a 2011 atuou como
Técnica Pedagógica do NEREA – Núcleo de Estudos
das Relações Étnico-raciais e da Afrodescendência. Na
SERC/PR, de 2012 a 2014, atuou como Coordenadora
do Programa Brasil Quilombola, para implementação de
Políticas Públicas nas Comunidades de Remanescentes
de Quilombos do Estado do Paraná. Hoje, atua como
Técnica Pedagógica na Coordenação da Educação
das Relações Étnico-Raciais e Escolar Quilombola-
CERERQ/DEDI/SEED/PR.
EDICELIA MARIA DOS SANTOS DE SOUZA

Cidadã negra brasileira. Nascida e bem criada no estado


do Paraná, na cidade de Paranaguá. Filha de Luis Costa
Santos, ensacador de café e pipoqueiro, e de Maria
Feitosa dos Santos, descendente de indígenas. Mestra
em Educação pela UNISAL, Mestra em educação
pela UFPR, Doutoranda em Políticas Públicas pela
Unisal. Formação em Letras-Português pela Unespar
(Paranaguá). Especializações em Educação Especial;
Língua Portuguesa Cultura e literatura; Educação das
Relações Étnico-Raciais pela Universidade Federal do
Paraná. Atua como professora de Língua Portuguesa
na rede estadual de Paranaguá e na rede municipal de
Pontal do Paraná. Presidente do Conselho Municipal
de Promoção da Igualdade Racial de Pontal do Paraná.

JANE MARCIA MADUREIRA ARRUDA

Jane Marcia Madureira Arruda é professora da Rede


Pública do Paraná, coordenadora executiva do Fórum
Permanente de Educação da Diversidade Étnico Racial
do Paraná, especialista em História e Cultura Africana e
Afrobrasileira, ativista do movimento Social Negro pelo
IPAD (Instituto de Pesquisa da Afrodescência Brasil).

LUCIA HELENA XAVIER

Possui graduação em História pela Universidade


Federal do Paraná (1991). Professora da Rede
Municipal de Ensino de Curitiba de 1988 a 2018.
Atuou como professora dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e como professora de História nos
anos finais do Ensino Fundamental e Médio. Exerceu
função técnica na Secretaria Municipal da Educação
de Curitiba, no Departamento de Ensino Fundamental
e na Coordenadoria de Equidade, Família e Rede de
Proteção, com consultoria para escolas e formação
continuada para profissionais da educação, nas
temáticas relacionadas à educação em direitos
humanos e educação das relações étnico-raciais.
NABOR MAURICIO OLIVEIRA CHAGAS

Nabor Mauricio Oliveira Chagas, graduado em


Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná em 1992. Com especialização em Metodologia
do Ensino pela Faculdades Integradas Espírita. Professor
da rede estadual do Paraná desde 1994, desenvolveu
pesquisa para o programa PDE sobre a temática que
envolve a utilização de jogos de tabuleiros africanos no
estudo da Matemática.

NATALIA APOLONIA BELINO BONFIM DA


SILVA

Nasceu em Curitiba, PR. Bacharel e Licenciada


em Biologia e Ciências, disciplinas que leciona em
Almirante Tamandaré, região Metropolitana de
Curitiba. Pós graduada em Psicopedagogia e Genética
para professores. Participou do PDE 2013/2014, com o
artigo Metodologia da Problematização na reflexão
sobre o preconceito racial iniciando aprofundamento
sobre relações étnico raciais, temática que sempre
relacionou e relaciona às disciplinas que leciona.

PAULO HENRIQUE MUELLER

Professor de Biologia e Ciências Naturais na Secretaria


de Estado da Educação do Paraná e em escolas da rede
particular em Curitiba. Formado em Ciências Biológicas
pela Universidade Federal do Paraná, especialista em
Tecnologias EaD e mestrando em Ensino de Biologia
também pela UFPR. Atuou como tutor a distância em
curso de extensão da UFPR sobre Educação das Relações
Étnico-raciais e em cursos para gestores de escolas
públicas pela SEED/PR. Produziu em seu PDE Estadual
uma pesquisa relacionando o uso do ambiente virtual
de aprendizagem Moodle para inserir a Educação das
Relações Étnico-raciais no ensino de Biologia.
ROMILDA OLIVEIRA SANTOS

Romilda Oliveira Santos. Formou-se em Letras pela


Universidade do Sudoeste do Estado da Bahia, em 1991.
É especialista em Educação das Relações Étnico-Raciais
(UFPR), Literatura Brasileira (PUC-MG) e Planejamento
e Prática de Ensino pela Faculdade de Educação da
Bahia (UFBA). Autora dos ensaios: Posturas Positivas e
Construção da Identidade Negra (SEJU/PR), Candieiro
- A poesia como forma de resistência (COPENE
NACIONAL – 2018), A literatura Afro Brasileira e
Africana como caminho para implementação da Lei
10639/03 (UERJ). Afiliada a ABPN. A literatura dá asas
para a construção de uma realidade criadora, positiva e
crítica ao ser humano.

SILVIANE CABRAL DA CUNHA

Silviane Cabral da Cunha é professora na rede estadual


do Paraná desde 1997, mas já trabalhou no ensino
municipal e no estado de São Paulo. Sempre professora,
é formada em Letras (Português e Inglês), pela FIO/SP
e em Comunicação Social (Jornalismo), pela Unesp/SP
. Em 2015, concretizou o sonho de realizar o mestrado,
com área de concentração em Linguagens e Letramentos,
pela UEL/PR. Sempre gostou de estudar e de se envolver
na produção de materiais pedagógicos, especialmente
daqueles que podem influenciar relevantes mudanças
na educação, como os desse Caderno Pedagógico.

VANESSA DYBAX

Vanessa Dybax, formada em Artes Visuais pela


Universidade Tuiuti do Paraná, no ano de 1999. Com
especialização em Educação e Informática e professora
da rede pública desenvolveu o projeto PDE sobre cultura
e arte africana intitulado: Cultura africana por meio dos
símbolos gráficos Adinkra.
ORIENTADORAS
CELIA REGINA TOKARSKI SOTO

Professora da Secretaria de Estado de Educação do Paraná.


Formada em História pela UFPR, com Pós Graduação
em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e Ações
Afirmativas em Educação pela TUIUTI/IPAD. Profª PDE,
Mestre em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR.
Publicações:
TOKARSKI, C.R. História e Cultura afro-brasileira e africana:
repensando as práticas pedagógicas. 1 ed. Curitiba:BASE
Editora, 2009, v.1, 180 p.
FERRAZ, Sérgio. TOKARSKI, C.R. Geografia – Educação
de Jovens e Adultos – Ensino Médio. 1 ed. Curitiba: Editora
Educarte, 2000, v. 1, 272 p.

EDIMARA SOARES

1ª Quilombola Doutora do Brasil. Possui Graduação em


Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal de
Santa Maria (2007). Mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Paraná (2008). Doutorado em Educação pela
Universidade Federal do Paraná (2012). Professora de
Geografia do Quadro Próprio Próprio do Magistério da
Secretaria de Estado da Educação. É membro do Conselho
Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do
Paraná.

TANIA PACÍFICO

Tânia Mara Pacífico, pedagoga do Estado do Paraná há 26


anos. Formada em pedagogia pela Universidade Estadual de
Maringá, especialista em Interdisciplinararidade pelo IBPEX
e em Educação pela UFPR. Mestre em Educação - UFPR -
dissertação intitulada - Relações Raciais no Livro Didático
Público do Paraná. Fez parte do Grupo de Trabalho Clóvis
Moura, foi coordenadora pedagógica do Projeto A Cor da
Cultura. É da Secretaria de Combate ao Racismo e Promoção
da Igualdade Social do Núcleo Sindical Curitiba Sul e faz
parte do NEAB/UFPR. Trabalhou na CERDE/DEDI/SEED,
com Adir Simão, e na CERERQ/DEDI/SEED, com Edna
Aparecida Coqueiro.
ORGANIZAÇÃO
ADEGMAR J SILVA, CANDIERO

Candiero é membro do Centro Paranaense de Letras,


co-autor dos livros Afrocuritibanos: crônicas, manifestos
e pensamentos azeviche, Afrolapeanos, À Congada
com carinho, Poemas para o santo negro e Oralidades
Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história
do Paraná, da Editora Humaita. Tem textos publicados no
Cadernos Negros 39, 40 e 41, entre outras coletâneas. É
idealizador e fundador do Centro Cultural Humaita - Centro
de Estudo e Pesquisa da Arte e Cultura Afrobrasileira,
representante do setorial afrobrasileiro no Conselho
Nacional de Cultura e membro do Conselho Nacional
de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR. Atualmente,
assessora a Prefeitura de Curitiba nas Políticas de Promoção
da Igualdade Racial.

EDNA COQUEIRO

Socióloga, professora de Sociologia da Rede Estadual de


Ensino do Paraná e pesquisadora da Educação das Relações
Étnico-Raciais. Coordenadora da Educação das Relações
Étnico-Raciais e Escolar Quilombola - SEED/DEDI/
CERERQ. Presidente na primeira gestão do Conselho
Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONSEPIR
e Vice-Presidente na atual gestão. Membro da Comissão
Executiva do Fórum Permanente de Educação e Diversidade
Étnico-Racial - FPEDER/PR.

MELISSA REINEHR

Melissa Reinehr é mãe e co-autora dos livros Afrocuritibanos:


crônicas, manifestos e pensamentos azeviche, Afrolapeanos,
À Congada com carinho, Poemas para o santo negro e
Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença
negra na história do Paraná, da Editora Humaita. Formada
em Teatro e ensino de Língua e Cultura Francesa, atua como
coordenadora de projetos do Centro Cultural Humaita e da
Editora Humaita. É diretora fundadora e atual presidente do
Centro Cultural Humaita - Centro de Estudo e Pesquisa da
Arte e Cultura Afrobrasileira. Membro do Conselho Estadual
de Promoção da Igualdade Racial do Paraná - CONSEPIR.
Homem Afroparanaense. Grafite sobre papel de Luz Amorim e Candiero.
Literatura
Negra Brasileira

Oralidades
Afroparanaenses

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