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O Sistema de Avaliação Empiricamente Baseado de Achenbach (ASEBA)

O Sistema de Avaliação Empiricamente Baseado de Achenbach (ASEBA) - Achenbach


System of Empirically Based Assessment (1991; Achenbach & Rescorla, 2001) - tem
sido utilizado em várias populações para avaliar o funcionamento global de crianças e
jovens. A inclusão de perceção independente dos pais, a possibilidade de obtenção de
informações do professor sobre as competências e problemas de cada criança, além do
autorelato, torna a bateria ASEBA muito atraente para uso em diversos contextos.

A bateria Achenbach System of Empirically Based Assessment (ASEBA - Achenbach,


1991; Achenbach & Rescorla, 2000, 2001) baseia-se num sistema de avaliação cujo
objetivo consiste em providenciar uma estimativa do comportamento da
criança/adolescente, integrando informação proveniente de várias pessoas.

Os questionários que compõem o modelo multiaxial de Achenbach permitem avaliar


semelhanças e diferenças do funcionamento humano em diferentes faixas etárias,
condições e interacções (Achenbach & EDELBROCK, 1978; cit. Achenbach &
Rescorla, 2001). Trata-se de um modelo empiricamente baseado, no sentido em que foi
desenvolvido a partir de relatos de pais e de profissionais que trabalham com crianças e
adolescentes, sobre os comportamentos e competências desta população.
O ASEBA é um modelo utilizado em todo o mundo, com traduções em 73 línguas e
publicações em 67 culturas diferentes (Achenbach & Rescorla, 2001). Abarca idades
que vão desde o ano e meio até os 18 anos, com instrumentos preenchidos pelos
pais/cuidadores, professores e pelo próprio jovem.
Tratando-se de uma avaliação baseada na percepção de informadors, os questionários do
ASEBA estão sujeitos a influências culturais, expressas na linguagem, nos costumes, no
sistema educacional, nos padrões sociais, etc. Neste sentido, o trabalho de aferição das
normas portuguesas, proporciona o preenchimento de uma lacuna no leque de
instrumentos disponíveis para a nossa população.
Este modelo preconiza a não categorização das pessoas, servindo em alternativa, como
forma de organizar a informação e planear a intervenção. O modelo ASEBA assegura
um processo de avaliação que considera que a psicopatologia pode ser melhor entendida
pelas variações contextuais do comportamento que são avaliadas a partir da percepção
de múltiplos informadores (e.g., pais, professores, medidas de auto-relato), o que
permite um planeamento mais efectivo da intervenção (Gonçalves & Simões, 2000).
Além disso, a consideração de competências da criança permite voltar a intervenção
para aspectos que devem ser valorizados, em contraste com a acentuação no défice.
Outra vantagem do ASEBA é a ênfase nas dimensões do problema (leitura
dimensional), considerando a frequência e intensidade das queixas e não apenas o tipo
de comportamento por si só, ou simplesmente a sua presença ou ausência (leitura
categorial).

Porque recorrer aos instrumentos do ASEBA?

Os pais ou seus substitutos são, na maior parte das vezes, as principais fontes de
informação sobre as competências e os problemas de comportamento dos seus filhos.
Tal facto deve-se à convivência diária com a criança, o que os torna os principais
informadores dos seus comportamentos e das variações existentes, desde situações que
ocorrem em casa até aquelas que são narradas por outras pessoas ou vividas fora de
casa. Neste sentido, o envolvimento dos pais no processo de avaliação e o seu relato
sobre o comportamento das crianças podem ser cruciais para se compreender a
problemática e, posteriormente, definir a intervenção a ser realizada.

Assim, o recurso a múltiplos informadores representa uma mais valia deste modelo, o
que permite uma compreensão mais alargada da criança e do seu sistema sócio-cultural
e familiar. Além dos pais, outros agentes podem servir como fontes de informação, tais
como os professores e a criança ou adolescente, permitindo que seja o próprio a relatar
os seus sentimentos e comportamentos em diversas situações.
Caracterização do ASEBA

Passamos a descrever brevemente os instrumentos que compõem este modelo. De


uma forma geral, os instrumentos podem ser utilizados de forma transversal a todo o
processo de avaliação e intervenção, pois permitem criar uma rotina inicial de recolha
de dados e a monitorização dos resultados durante e no final do processo.

Questionário de Comportamentos da Criança 6-18 anos (CBCL)

Inventário destinado a recolher o relato dos pais/cuidadores sobre o comportamento


dos seus filhos. O instrumento é composto por 113 itens que incluem problemas e
competências de crianças. Está dividido em duas partes: 1) competência social e 2)
problemas de comportamento. A primeira é composta por itens que avaliam as
competências da criança, incluindo a prática de actividades lúdicas, desporto, a
participação em grupos, a realização de tarefas, os relacionamentos sociais e o
desempenho académico. A segunda parte é composta por uma lista que avalia
problemas de comportamento.
A mais valia da CBCL é servir como complemento da entrevista aos pais, onde o
psicólogo poderá observar a concordância/discordância entre pais sobre os problemas
apresentados, e através da análise da elevação das escalas no perfil, compreender o
problema do ponto de vista de cada pai individualmente e de forma cruzada, bem como
as incongruências. Finalmente podemos compreender se as queixas apresentadas na
entrevista estão reflectidas no perfil obtido ou se há aspectos valorizados ou
desvalorizados que não foram aqui reflectidos.
Questionário de Comportamento da Criança – relato do professor (TRF)

Inventário com 113 itens aplicado aos professores ou outros profissionais


educativos. Existe uma versão de 1/1/2 - 5 anos e outra dos 5-18 anos. Trata-se da
descrição de problemas e competências de desempenho académico e de outras
características da criança. O preenchimento da TRF pelo professor deve ser feito com o
consentimento dos pais e, tal como na CBCL, permite a comparação de perfis entre
diferentes informadors (pais e professor) e a verificação de consistência entre as queixas
apresentadas em consulta e o ponto de vista do professor, bem como as incongruências.

Questionário de Autoavaliação para Jovens (YSR)

Questionário aplicado aos adolescentes dos 11aos 18 anos. A YSR tem 112 itens e,
por considerar a maturidade social e cognitiva do adolescente, permite obter o auto-
relato de problemas e competências através da informação do seu ponto de vista
(Achenbach, 1991b). Tal como no caso dos outros instrumentos descritos, a
metodologia utilizada para a elaboração deste inventário baseou-se no relato de pais e
profissionais que trabalham directamente com crianças e adolescentes, incluindo aqui o
relato dos próprios jovens.
Muitos itens são semelhantes aos da CBCL, facilitando a comparação dos dados
obtidos das duas fontes de informação (Pais/responsáveis e o próprio adolescente).
As diferenças na percepção dos informadors com o relato do jovem na YSR podem
ocorrer devido a vários aspectos, devendo ser consideradas as situações vividas entre a
criança e aquele adulto, o grau de interacção entre as pessoas, até a forma como a
pessoa está sentir-se no momento em que responde ao questionário, resultando em
diferentes respostas, por isso, o conhecimento de diferentes opiniões que convivem com
a criança em diversos contextos se torna mais importante (Achenbach, 1991).

Questionário de Comportamento da Criança para idades entre 11⁄2 e 5 anos


(CBCL 11⁄2-5)

A CBCL 11⁄2-5 é um questionário composto por 99 itens com questões estruturadas


e 3 questões abertas que permite conhecer a perceção dos pais ou outros informadores
que convivam com a criança em contexto familiar, sobre os seus comportamentos,
problemas e competências. Os itens que integram o questionário descrevem tipos
específicos de pro- blemas comportamentais, emocionais e sociais que caracterizam
crianças que se encontram no período pré-escolar e são pontuados em escalas de
síndromes e em escalas orientadas pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-5; American Psychiatric Association, 2013), que serão descritas no
segundo capítulo deste Manual.
As questões abertas solicitam informação sobre doenças, dificuldades e sobre o que
mais preocupa o informador em relação àquela criança, bem como sobre o que melhor a
descreve.

Questionário de Desenvolvimento da Linguagem (LDS)

Os atrasos na aquisição de competências de linguagem constituem uma preocupação


comum no que concerne ao desenvolvimento de crianças pequenas. Estes atrasos podem
interferir no funcionamento das crianças, gerando problemas comportamentais e
emocionais. De modo semelhante, a sintomatologia psicopatológica pode interferir no
desenvolvimento da linguagem, como ocorre nas perturbações que incluem dificuldades
de comunicação (e.g., perturbações globais do desenvolvimento). Como consequência
destas problemáticas, as crianças poderão apresentar dificuldades nas relações com os
pares, assim como na res- ponsividade às expectativas dos adultos, dificultando o seu
desenvolvimento emocional e social.

Questionário de Comportamento da Criança para Educadores, Cuidadores e


Auxiliares Educativos (C-TRF 11⁄2-5)

O preenchimento da C-TRF deve ser realizado por educadores de infância,


professores, auxiliares educativos ou outras pessoas que observem a criança em grupos
de pelo menos quatro crianças. Este questionário requer informação demográfica sobre
a criança, qual o papel do informador junto da mesma (i.e. educador de infância,
auxiliar de educação, etc.), o quão bem a conhece e em que contexto a observa.
A C-TRF apresenta muitos itens comuns à CBCL 11⁄2-5, porém, substitui os itens
relacionados com o contexto familiar por itens específicos do contexto pré-escolar.
À semelhança do que sucede com a CBCL 11⁄2-5, os itens que integram a C-TRF
des- crevem tipos específicos de problemas comportamentais, emocionais e sociais que
caracte- rizam crianças no período pré-escolar. Este questionário possui 99 itens com
questões es- truturadas, e refere-se a comportamentos apresentados pela criança nos
últimos 2 meses, sendo pontuada numa escala Likert de três pontos: 0 se a afirmação
não for verdadeira, 1 se a afirmação for de alguma forma ou algumas vezes verdadeira e
2 se a afirmação for muito verdadeira ou frequentemente verdadeira. Além disso, a C-
TRF apresenta itens de resposta aberta de modo a encorajar o informador a descrever a
criança e a especificar o que de melhor ela tem.
A vantagem da comparação entre informadores

Por possuírem uma estrutura análoga (89 itens problemáticos são comuns), os
questionários permitem uma comparação das pontuações nas diferentes síndromas e
uma comparação item a item entre informadores. Além disso, a análise das escalas de
Internalização e de Externalização permitem-nos conhecer problemas centrados na
própria criança (por exemplo, ansiedade) ou problemas maioritariamente centrados na
relação da criança com os outros (por exemplo, agressão) (Gonçalves & Simões, 2000).

A análise do perfil alcançado permitirá a comparação da perspectiva dos diferentes


informadores e servirá como auxiliar na formulação do diagnóstico, por permitir
olharmos para as escalas com valores elevados e averiguar, por exemplo, o grau de
severidade dos problemas ou quais são as escalas que se encontram mais elevadas no
perfil de um e do outro progenitor.

Cada informador pode reportar de forma viável e válida diferentes aspetos do


funcionamento da criança, pelo que um desacordo entre eles não indica
obrigatoriamente um erro. De facto, Achenbach e colaboradores (2008) observaram que
relatos dos pais, professores e o autorrelato das crianças captam diferentes perspetivas
dos problemas das crianças, de forma válida.

Outro aspecto no qual as escalas de Achenbach podem auxiliar o psicólogo na


avaliação, refere-se ao planeamento da intervenção. Após a recolha de informação com
os pais, a criança e a professora, por exemplo e após o cruzamento de perfis, torna-se
mais fácil identificar áreas prioritárias, objectivos e estratégias de intervenção. No final
do processo, o ASEBA revela-se igualmente útil, no sentido em que serve como auxiliar
na avaliação de eficácia. Podemos, por exemplo, pedir aos pais que preencham
novamente os questionários verificando a progressão após a intervenção.
Escalas de Internalização e Externalização

A escala de internalização engloba as sub-escalas de Ansiedade/Depressão, Isolamento,


Queixas Somáticas e a escala de externalização reúne as sub-escalas de Comportamento
Delinquente e Comportamento Agressivo. Os scores para essas escalas são obtidos a
partir de somatórios de escalas de primeira ordem e a pontuação total é calculada
adicionando todos os itens, excepto, na CBCL “asma” e “alergia” e na YSR os itens
neutros (Gonçalves & Simões, 2000).

Salientamos que nem os itens, nem as escalas ou sub-escalas devem ser lidos de forma
exclusiva.
Referências Bibliográficas

Achenbach T. M., Rescorla LA. Manual for the ASEBA. School-age forms & profiles.
Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children, Youth &
Families; 2001.

Achenbach, T. M. Manual for the child behavior check-list/4-18 and 1991 profile.
Burlington: University of Vermont Department of Psychiatry, 1991a.

Achenbach, T. M. Manual for the youth self-report and 1991 profile. Burlington:
University of Vermont Department of Psychiatry, 1991b.

Achenbach, T. M. Manual for the Teacher’s Report and 1991 profile. Burlington:
University of Vermont Department of Psychiatry, 1991c.

Gonçalves, M., & Simões, M. R. (2000). O Modelo Multiaxial de Achenbach (ASEBA)


na Avaliação Clínica de Crianças e Adolescentes. In I. Soares (Coord.), Psicopatologia
do Desenvolvimento: Trajectórias (in)Adaptativas ao longo da vida. Coimbra: Quarteto.

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