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Os títulos das obras de Deleuze serão apresentados em francês apenas uma vez, adotando-se,
portanto, no desenrolar do texto, a grafia em português.
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(1980) teremos uma diminuição na utilização da noção de cadeia significante, isso não
se dá, ao que parece, em virtude da adoção de uma linguística dos fluxos de Hjmslev,
mas em virtude de uma nova concepção de inconsciente, de uma nova formulação do
desejo como positividade e de uma adoção da gênese dinâmica, que já fora apresentada
na Lógica do sentido e que agora dará a tônica dos textos posteriores.
O que nos leva a essa compreensão são alguns pontos sutis. Em primeiro
lugar, a consideração que a própria Almeida faz de que, na obra Lógica do sentido, o
sentido não representa nada, mas estabelece-se como fronteira incorporal. Ao que
parece, Almeida não considerou suficientemente a teoria estoica dos incorporais que
Deleuze está utilizando naquela obra. Talvez a compreensão mais apurada da noção
estoica de acontecimento incorporal levasse Almeida a outras conclusões. Em segundo
lugar, a leitura dos textos citados anteriormente mostram um movimento que, ao que
parece, estaria surgindo por volta de 1967, como uma reflexão de Deleuze acerca do
estruturalismo com uma crítica à psicanálise o qual culminará na produção de O anti-
Édipo. Nesse sentido, se a hipótese aqui aventada estiver correta, a grande mudança não
se dará com o Mil Platôs, mas terá lugar já na obra O anti-Édipo ou bem antes, se
considerarmos que antes mesmo de escrever Lógica do sentido tais formulações já
estavam sendo ensaiadas, como atesta o escrito Em que se pode reconhecer o
estruturalismo, datado de 1967. Partindo de tais premissas, nem mesmo a parceria com
Guattari poderiam explicar a mudança de tom de Deleuze, uma vez que, mesmo nos
textos que escrevera sozinho, o filósofo já antecipara algumas teses que desenvolverá na
obra O anti-Édipo. Nesse sentido, defendemos a tese de que há uma continuidade na
obra de Deleuze sendo as obras Lógica do sentido e O anti-Édipo os pontos de
inflexão.
efeitos e suas consequências reais” (Id., 2008, p. 17). Dito de outro modo, existe uma
realidade que pode ser dita do “Virtual em si”, a qual não apresenta-se como uma
representação, reprodução ou imitação de uma determinada realidade, mas por si
mesma, torna-se a própria realidade. Como vimos, Zizeck relaciona esta realidade do
“Virtual em si” ao conceito lacaniano de “Real”. Será esta realidade do “Virtual em si”,
a chave para a compreensão da tensão entre as obras de Deleuze e mesmo o
desenvolvimento de seus conceitos.
tanto da noção medieval quanto da noção kantiana de transcendente uma vez que, em
Deleuze, o transcendental apresenta-se como “o infinito campo potencial de
virtualidades a partir do qual a realidade é atualizada” (ZIZECK, 2008, p. 19). Nesse
sentido, a noção deleuzeana de transcendental apresenta-se com uma riqueza
“infinitamente” maior uma vez que engloba o campo das virtualidades que, para
Deleuze, segundo Zizeck, é infinito. São as virtualidades que constituem a realidade e
aqui está a riqueza, segundo Zizeck, da noção deleuzeana.
Dito isso, importa ressaltar que Zizeck levanta a seguinte questão: “não é
verdade que o edifício conceitual de Deleuze baseia-se em duas lógicas, em duas
antíteses conceituais, que coexistem em sua obra?” (ZIZECK, 2008, p. 41). E
acrescenta:
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Grifos do autor.
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Pois bem, ao que parece, a tese de leitura deleuzeana formulada por Zizeck,
diverge daquela apresentada por Júlia Almeida. Enquanto Almeida defende uma “virada
pragmática” na obra deleuzeana, formulada em termos da substituição de uma
linguística do significante por uma linguística dos fluxos, Zizeck percebe uma tensão
entre duas lógicas, formuladas em termos de duas gêneses que, embora já apresentadas
na Lógica do sentido será desenvolvida a partir da obra O anti-Édipo. Dito isso, é
possível, a partir das considerações de Zizeck, compreender uma tensão nos momentos
distintos da produção de Deleuze que, longe de oposição, indica uma possível opção
empreendida por Deleuze acerca de determinado modo de compreender o real, mais
voltado para uma gênese dinâmica. Desse modo, observa-se que um elemento comum
tanto à Lógica do sentido quanto às produções posteriores é a crítica à psicanálise que
engendrará a esquizoanálise. Tal crítica pode ser formulada em termos de compreensão
do desejo como produto e produção e não como falta. Na obra O anti-Édipo, Deleuze
afirma: “acreditamos no desejo como no irracional de toda racionalidade, e não porque
ele seja falta, sede ou aspiração, mas porque é produção de desejo e desejo que produz,
real-desejo ou real em si mesmo” (DELEUZE, [O anti-Édipo], 2011, p. 502). Esse mote
de Deleuze, ao que parece, pode ser visto como o elo de ligação entre a fase de
produção anterior à década de 70 e os textos que vieram a partir da obra O anti-Édipo.
Nesse sentido, é preciso compreender, inicialmente, duas coisas, a saber, o modo como
Deleuze pensa a criação do campo transcendental e o lugar da psicanálise nesse
contexto. Assim sendo, como dissemos no início do texto, discutiremos agora acerca da
noção de campo transcendental e o modo como a crítica à psicanálise insere-se nesse
contexto.
Aqueles que nos leram até aqui teriam talvez muitas censuras a nos
fazer: acreditar em demasia nas puras potencialidades da arte e até da
ciência; negar ou minimizar o papel das classes e da luta de classes;
militar por um irracionalismo do desejo; identificar o revolucionário
com o esquizo; cair em todas estas conhecidas armadilhas, demasiado
conhecidas (DELEUZE, 2011, p. 502)
com determinado tipo de leitura, feita por especialistas, que tendem a ver, na ciência e
na arte, certos significantes e significados. Nas palavras de Deleuze, “esta
potencialidade [revolucionária] aparece tanto mais quanto menos se pergunta pelo que
elas querem dizer do ponto de vista de significados, ou de um significante,
forçosamente reservados aos especialistas” (Id., 2011, p. 502). Desse modo, o filósofo
critica certa tendência estruturalista, baseada na linguística saussuriana, que estabelecem
determinado tipo de leitura do Acontecimento de forma prévia, o que impede o
potencial revolucionário, visto que o Acontecimento nunca pode ser lido de forma
apriorística. Aqui é possível perceber como o filósofo está preparando o terreno para a
crítica à psicanálise que virá em seguida. Da leitura de Deleuze, depreende-se que a
ciência e a arte devem ser lidas de forma livre, sem determinantes estruturais dados de
forma prévia. Desse modo, uma leitura única, tida como oficial serve como castração de
seu potencial revolucionário. Podemos, nesse contexto, relacionar o que aqui vai sendo
dito às idéias ventiladas em Lógica do sentido referentes ao caráter paradoxal do
Acontecimento que equivale ao non-sense, o qual não aparece como destituição do
sentido, mas como uma leitura que permite apreender os dois sentidos ao mesmo tempo,
uma leitura panorâmica, como o “sobrevôo” sobre o campo da batalha (DELEUZE, LS,
2015, p. 103.), alguma coisa (aliquid), que só pode ser apreendida depois de certo
tempo (cf. Id., LS 22, 2015, p. 1584).
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“e eles não seriam suficientes por si sós se não cavassem, se não aprofundassem algo de uma outra
natureza e que, ao contrário, só é revelado por eles à distância e quando já é muito tarde: a fissura
silenciosa”.
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CF. Derrida.
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No Mil Platôs, Deleuze fala do devir minoritário: “o problema não é nunca o de obter a maioria, mesmo
instaurando uma nova constante” (DELEUZE, 2011, p. 56)
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Cf. Mil Platôs.
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Grande exemplo são as normas da ABNT as quais são seguidas pela comunidade acadêmica como
único caminho possível para a ciência no Brasil.
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eles é tanto maior quanto mais eles sejam, na infraestrutura, o índice de investimentos
libidinais de outra natureza, que podem conciliar-se ou estar em contrariedade com
eles” (Id., 2011, p. 503). Como veremos, tais investimentos libidinais tanto podem ser
“investimentos paranoicos inconscientes”, (presentes nos grupos revolucionários e que
servem como traidores da revolução) ou investimentos do desejo, apresentado por
Deleuze “como instância revolucionária” (Id., 2011, p. 503). Aqui é importante destacar
a compreensão que Deleuze traz de paranoia e desejo. Certamente é uma compreensão
relacionada à psicanálise, mas não necessariamente atrelada a ela.
Dado um socius, ela somente pergunta pelo lugar que ele reserva à produção
desejante, que papel motor o desejo tem nele, sob que formas nele se faz a
conciliação do regime da produção desejante e do regime da produção social,
uma vez que, de toda maneira, é a mesma produção, mas sob dois regimes
diferentes ( DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 504).
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Cf. p. 368 ss.
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“tudo se passa sobre o corpo sem órgãos” (Id., 2011, p. 369). Tal corpo, nesse contexto,
teria duas faces. Da relação com as faces tem-se a paranoia ou a esquizofrenia.
Das duas direções da física, isto é “a direção molar que se volta para os
grandes números e para os fenômenos de multidão” e, por outro lado, “a direção
molecular” que, por sua vez, “embrenha-se nas singularidades, nas suas interações e nas
suas ligações à distância ou de ordens diferentes, o paranoico escolheu a primeira: ele
faz macrofísica” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 369), isto é, o paranoico está na
direção das massas, do que é dado no conjunto do socius. Por outro lado, “dir-se-ia que
o esquizo, ao contrário, vai na outra orientação, a da microfísica14, a das moléculas que
já não obedecem às leis estatísticas [...] linhas de fuga infinitesimais em vez de
perspectivas de grandes conjuntos” (Id., 2011, p. 369-370). Contudo, os autores
salientam que não se deve entender as duas direções como oposição entre “o coletivo e
o individual” (Id., 2011, p. 370), uma vez que, se, por um lado, o “microinconsciente”,
da direção molecular, “não deixa de apresentar arranjos, conexões e interações”
(dimensão coletiva), “por outro lado, como ele só conhece objetos parciais e fluxos, ele
não comporta a forma das pessoas individualizadas, que pertencem, ao contrário, às leis
de distribuição estatística do inconsciente molar ou macroinconsciente” (Id., 2011, p.
370).
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Certamente a referência aqui é a Foucault.
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grupo sujeitado15” o qual “reprime e recalca o desejo das pessoas” (Id., 2011, p. 370)
(paranoico), “o outro é investimento de grupo sujeito nas multiplicidades transversais
portadoras do desejo como fenômeno molecular, isto é, objetos parciais e fluxos, por
oposição aos conjuntos e às pessoas” (Id., 2011, p. 370) (esquizofrênico).
A partir de tudo o que foi dito até aqui, qual seria a relação da
esquizoanálise com a política? Os autores defendem a tese de “que a produção desejante
produz real, e que o desejo tem muito pouco a ver com o fantasma e com o sonho”16,
nesse sentido, “a esquizoanálise não faz distinção alguma de natureza entre a economia
política e a economia libidinal” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 504), ou seja, a
política e o desejo estão inter-relacionados.
Esquizoanalítica; Psicanalítica;
esquizofrênica; neurótico-edipiana;
abstrata e não-figurativa; imaginária;
concreta; simbólica;
maquínica; estrutural;
molecular, micropsíquica e micrológica; molar e estatística;
material; ideológica;
produtiva; expressiva;
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Cf. gráfico das páginas 372 e 373.