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Conhecemos uma personagem pelo modo como ela age, mas também pelo que diz
ou pensa, isto é, pelo discurso particular que o narrador lhe atribui. A fala e o
pensamento são elementos fundamentais de uma narrativa de ficção. Tanto assim que
alguns teóricos do romance consideram esse gênero, sobretudo, como resultado do
choque entre as várias vozes que emanam das personagens, de suas visões de mundo e
posições sociais.
Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma casa.
Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, estendeu
um pedacinho de papel ao Andrade, e perguntou-lhe onde ficava o número ali
escrito.
Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma casa.
Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, estendeu
um pedacinho de papel ao Andrade, e perguntou-lhe:
— Por favor, o senhor pode me explicar onde fica esse número?
O segundo fragmento, uma adaptação do texto machadiano para efeito de
exemplificação, distingue-se deste por reproduzir a fala da personagem na forma exata
como ela teria sido pronunciada, o que se deduz do uso do pronome de primeira pessoa
(“me”) e dos tempos verbais (“pode”, “fica“) coerentes com o instante da ação narrada.
Nessa modalidade, denominada discurso direto, é freqüente — embora não seja regra —
o emprego de parágrafo e travessões indicando o início da fala da personagem. O uso do
verbo de elocução, que no estilo indireto é obrigatório, aqui se torna facultativo, como
podemos constatar no exemplo abaixo.
Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma casa.
Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, estendeu
um pedacinho de papel ao Andrade.
— Por favor, o senhor pode me explicar onde fica esse número?
Marocas vinha andando, parando e olhando. Onde será que ficava aquela
casa? Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo,
estendeu um pedacinho de papel ao Andrade. Talvez ele lhe ensinasse o endereço.
Boa parte da ficção produzida no século XX, bem como de seus desdobramentos
atuais, privilegia a exploração em profundidade das dimensões psicológicas de suas
personagens. Para tanto lança mão, freqüentemente, de uma técnica de representação
conhecida como monólogo interior. Como a própria expressão indica, trata-se de uma
conversa da personagem consigo mesma, ou seja, de uma seqüência de discurso não
pronunciado, formulado apenas em pensamento, a que, no entanto, o leitor terá pleno
acesso. O monólogo interior simula a representação das idéias que desfilam na mente da
personagem, sem que a elas se interponham explicações ou comentários do narrador. Mas
quando, de tal registro, resulta uma seqüência de fragmentos mais ou menos ilógicos,
dispostos caoticamente, dando-nos a impressão de que o narrador se limitou de fato a
mostrá-los, então chamamos a técnica de corrente ou fluxo de consciência. Analise o
exemplo seguinte, extraído do romance Estorvo, de Chico Buarque (op. cit., p. 140-141),
e veja como a coerência das idéias da personagem vai se perdendo gradativamente.