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Filosofia na Escola – filosofianaescola.

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O amor é uma falácia – conto de Max Shulman – Quer dizer – perguntei incrédulo – que estão
mesmo usando casacos de pele de marmota
outra vez?
Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz,
arguto e astuto – era tudo isso – e acreditem – – Todas as Pessoas Importantes da Universidade
modesto. Tinha o cérebro poderoso como um estão. Onde você tem andado?
motor de Fórmula 1, preciso como uma balança de – Na biblioteca, lógico! – respondi, citando um
farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha – lugar não muito frequentado pelas Pessoas
imaginem só – apenas 18 anos. Não é comum ver Importantes da Universidade.
alguém tão jovem com um intelecto tão
gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado
companheiro de quarto na universidade, Peter para o outro do quarto.
Johnson.
– Preciso conseguir um casaco de pele de
Mesma idade, mesma formação, mas burro como marmota. – Preciso!
uma vaca. Um bom sujeito, compreendam, mas
– Por que, Peter? Veja a coisa de maneira racional.
sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável,
Pense! Casacos de pele de marmota são anti-
impressionável. Pior que tudo, dado a manias. Eu
higiênicos. Soltam pelos. Cheiram mal. Juntam
afirmo que a mania é a própria negação da razão.
ácaros. Juntam pó. São pesados, são feios, são…
Deixar-se levar por qualquer nova moda que
apareça, entregar-se a alguma idiotice só porque – Você não compreende – interrompeu ele com
os outros a seguem, isto, para mim, é o cúmulo da impaciência. – É o que todos estão usando. Você
insensatez. Peter, no entanto, não pensava assim. não quer andar na moda?
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal – Não – respondi sinceramente.
expressão de sofrimento no rosto que o meu
– Pois eu, sim! – declarou ele. – Daria tudo para
diagnóstico foi imediato: Apendicite!
ter um casaco de pele de marmota. Tudo!
– Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o
Aquele instrumento de precisão, meu poderoso
médico.
cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
– Marmota… – balbuciou ele.
– Tudo? – perguntei, examinando seu rosto com
– Marmota? – disse eu interrompendo minha os olhos semicerrados.
corrida.
– Tudo! – confirmou ele, em um tom dramático.
– Quero um casaco de pele de marmota – gemeu
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia
ele.
onde encontrar um casaco de pele de marmota.
Percebi que o seu problema não era físico, mas Meu pai usara um nos seus tempos de estudante;
mental. estava agora esquecido dentro de um baú, no
porão de nossa casa. E, também por acaso, Peter
– Por que você quer um casaco de pele de
tinha algo que eu queria. Não era dele,
marmota?
exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns
– Eu devia ter adivinhado – gritou ele, dando tapas direitos sobre ela. Refiro-me à sua pequena, Polly
na própria cabeça. Stein.

– Devia ter adivinhado que esta moda ia voltar. Eu há muito desejava Polly Stein. Apresso-me a
Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em esclarecer que meu desejo não era de natureza
livros para as aulas e agora não posso comprar emotiva. A moça, não há dúvidas, despertava
um casaco de pele de marmota! paixões. Era daquelas que decretavam feriado
nacional por onde quer que passasse. Todos
paravam para vê-la passar. Até mesmo (ou
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principalmente) as mulheres, se corroendo de – Em outras palavras, a não ser por você, o campo
inveja… mas eu não era daqueles que se deixam está livre, é isto?
dominar pelo coração. Desejava Polly para fins
– Acho que sim, bolas. Que papo estranho é esse?
engenhosamente calculados e inteiramente
cerebrais. – Nada, nada – respondi com inocência, tirando
minha mala de dentro do armário.
Cursava eu o primeiro ano de Direito. Dali a
algum tempo estaria me iniciando na profissão. Eu – Onde é que você vai? – quis saber Peter.
sabia muito bem a importância que tinha a esposa
na vida e na carreira de um advogado. Os – Passar o fim-de-semana em casa.
advogados de sucesso, segundo minhas Atirei algumas roupas dentro da mala.
observações, eram quase sempre casados com
mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com – Escute – disse Peter, apegando-se com força ao
uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente meu braço – em casa, será que você não poderia
todos esses requisitos. pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para
comprar um casaco de pelo de marmota?
Ela era linda. Graciosa também era. Por graciosa,
quero dizer, cheia de graças sociais. Finíssima! – Posso até fazer mais do que isso – respondi,
Tinha o porte ereto, a naturalidade no andar e a piscando o olho misteriosamente. Volto na
elegância que deixavam transparecer a melhor das segunda.
linhagens. À mesa, suas maneiras eram finíssimas. Fechei a mala e saí. O final de semana demorou a
Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a passar. Eu estava ansioso para encontrar Peter na
especialidade da casa – um sanduíche que segunda.
continha pedaços de carne assada, molho,
castanhas e repolho – sem nem sequer umedecer – Olhe – disse a Peter, ao voltar na segunda-feira
os dedos. pela manhã.

Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e
oposto. Mas eu confiava que, sob minha tutela, fedorento que meu pai usara em seu tempo de
haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos, valia a universidade.
pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer
– Santo Pai! – exclamou Peter, com reverência.
uma moça bonita e burra ficar inteligente do que
Mergulhou as mãos no pelo do casaco, e depois
uma moça feia e inteligente ficar bonita.
o rosto.
– Peter! – perguntei – você ama Polly Stein?
– Santo Pai! – repetiu umas quinze ou vinte vezes.
– Acho-a uma boa garota – respondeu – mas não
– Você gostaria de ficar com ele? – perguntei.
sei se chamaria isso de amor. Por quê?
– Sim, sim! – gritou ele, apertando a coisa sebosa
– Você – continuei – tem alguma espécie de
contra o peito.
arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês
saem exclusivamente um com o outro? Em seguida, seus olhos tomaram um ar precavido.

– Não. Ficamos juntos, quase sempre, mas saímos – O que você quer em troca?
os dois com outros também. Por quê?
– A sua namorada – disse eu, não desperdiçando
– Existe alguém – perguntei – algum outro homem as palavras.
de quem ela goste de maneira especial?
– Polly? – sussurrou Peter, horrorizado. – Você
– Que eu saiba, não. Por quê? quer a Polly?

– Fiz que sim, com a cabeça, satisfeito. – Isto mesmo… Ele jogou o casaco para longe. –
Nunca! – declarou resoluto.
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Dei de ombros. trabalho que me esperava para elevar a sua mente


ao nível desejado. Levei-a para um jantar.
– OK. Se você não quer andar na moda, o
problema é seu… – Puxa, que jantar bacana! – disse ela, quando
saímos do restaurante. Fomos ao cinema.
Sentei numa cadeira e fingi que lia um livro, mas
continuei espiando Peter, com o rabo dos olhos. – Puxa, que filme bacana! – disse ela, quando
Aquele era um homem partido em dois. Primeiro saímos do cinema.
olhava para o casaco, com a expressão de uma
Levei-a para casa.
criança de rua à porta de um Mc Donalds. Depois
dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. – Puxa, foi um programa bacana. – disse ela ao me
Depois, voltava a olhar para o casaco, com uma desejar boa noite.
expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois,
virava-se outra vez, mas agora sem tanta Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu
resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo subestimara gravemente as proporções da minha
aumentando, a resolução “despencando”. tarefa. A ignorância daquela moça parecia
Finalmente não se virou mais; ficou olhando para aterradora. E não seria o bastante apenas instruíla.
o casaco com pura lascívia. O desejo falara mais Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O
alto. empreendimento a que eu me propusera era
simplesmente gigantesco, e a princípio me vi
– Não é como se eu estivesse apaixonado por inclinado a devolvê-la a Peter. Mas aí comecei a
Polly – balbuciou. – Ou mesmo a namorando, pensar nos seus dotes físicos generosos, no olhar
ou coisa parecida. de inveja que ela despertava nos homens e
mulheres quando “desfilava” pelos corredores da
– Isso mesmo – murmurei.
universidade, na maneira como entrava numa sala
– Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu ou segurava uma faca e um garfo, e aí, decidi
para ela? tentar novamente.
– Nada – respondi. Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe
um curso de Lógica. Acontece, que como
– Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco,
estudante de Direito, eu frequentava na ocasião
só isso… ficamos, às vezes.
aulas de Filosofia e de Metodologia Científica, e
– Experimente o casaco – disse eu. portanto, tinha tudo na ponta da língua.

Ele obedeceu. O casaco cobria as orelhas e caía – Polly – disse eu, quando a fui buscar para o
até os sapatos. Ele parecia um monte de marmotas
nosso segundo programa. Esta noite iremos até o
mortas. Pensando bem, não tinha jeito das
parque conversar.
marmotas estarem vivas.
– Oh, que bacana! – respondeu ela.
– Serve perfeitamente. – disse, contente.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria
Levantei da cadeira e perguntei, estendendo a
difícil encontrar alguém tão bem disposta para
mão:
tudo.
– Negócio feito?
Fomos até o parque, o local de encontros da
– Feito – disse ele engolindo em seco e apertando Universidade, nos sentamos debaixo de um velho
a minha mão. carvalho, e ela me olhou cheia de expectativa.

Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte. – Sobre o que vamos conversar? – perguntou.
O primeiro programa teria o caráter de uma Sobre Lógica.
pesquisa preparatória. Eu desejava avaliar o
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Ela pensou durante alguns segundos e depois eu não sei falar francês, Peter Johnson não sabe
sentenciou: falar francês. Devo portanto concluir que
ninguém na Universidade sabe falar francês.
– Bacana! Bacana!
– É mesmo? – espantou-se Polly.- Ninguém? Nem
– A Lógica – comecei, limpando a garganta – é a
uma pessoa?
ciência do pensamento. Se quisermos pensar
corretamente, é preciso antes saber identificar as Reprimi a minha impaciência…
falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos
– É uma falácia, Polly. Essa generalização foi feita
abordar hoje.
de maneira apressada. Não há exemplos
– Bacana! – exclamou ela, batendo as palmas de suficientes para justificar essa conclusão.
alegria, com a mesma expressão de perspicácia
Ela sorriu, encantadora… mas que cara de
que se esperaria de uma foca diante da
retardada – pensei.
possibilidade de ganhar um peixe. Fiz uma
careta de desânimo, mas segui em frente, com – Você conhece outras falácias? – perguntou ela,
coragem. animada. – Isto é até melhor do que dançar!
– Vamos primeiro examinar uma falácia chamada – Esforcei-me por conter uma onda de desespero
Dicto Simpliciter. que ameaçava me invadir. Não estava
conseguindo nada com aquela moça.
– Vamos – animou-se ela, piscando os olhos com
Absolutamente nada! Mas não sou outra coisa
animação.
senão persistente. Quase teimoso. Continuei …
– Dicto Simpliciter quer dizer um argumento
– A seguir, vem o Post-Hoc. Ouça: não vamos
baseado numa generalização não qualificada.
levar Bill conosco ao piquenique. Toda vez que
Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos
ele vai junto, começa a chover.
devem se exercitar.
– Eu conheço uma pessoa exatamente assim. –
– Eu estou de acordo – disse Polly,
exclamou Polly. Uma moça da minha cidade,
fervorosamente. – Quer dizer, o exercício é
Eula Becker. Nunca falha. Toda a vez que ela
maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
vai junto a um piquenique…
– Polly – disse eu, com ternura – esse argumento é
– Polly, interrompi com energia. – Isso é uma
uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma
falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva.
generalização não qualificada. Por exemplo:
Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará
para quem sofre do coração, o exercício é ruim.
incorrendo em Post-Hoc se puser a culpa na
Muitas pessoas têm ordens de seus médicos para
Eula Becker.
não se exercitarem. É preciso qualificar a
generalização. Deve-se dizer: o exercício é – Nunca mais farei isso. – prometeu ela contrita. –
geralmente bom, ou é bom pra maioria das você está bravo comigo?
pessoas. Senão, está se cometendo um Dicto
Simpliciter. Compreendeu? – Não, Polly. – suspirei – não estou bravo.

– Não – confessou ela. – Mas isto é bacana. Quero Talvez fosse mais fácil ensinar Lógica a um
chimpanzé – pensei…
mais. Quero mais! Fala! Fala!
– Será melhor se você parar de puxar a manga do – Então conte outra falácia – pediu Polly.
meu casaco – disse eu e, quando ela parou, – Muito bem. Vamos experimentar as Premissas
continuei… Contraditórias. Se Deus pode fazer qualquer coisa,
então pode criar uma pedra tão pesada que Ele
– Em seguida, abordaremos uma falácia muito
mesmo não conseguirá levantar!
comum chamada Generalização Apressada.
Ouça com atenção: você não sabe falar francês, – É claro. – respondeu ela imediatamente.
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– Mas, se Ele pode fazer tudo, então Ele também Sentado sob o mesmo carvalho, na noite seguinte,
pode levantar a pedra – exclamei. disse:
– É mesmo – disse ela pensativa. – Nossa primeira falácia desta noite se chama Ad
Misericordiam.
– Bem, então, acho que Ele não pode fazer a tal
pedra. Ela estremeceu de emoção.

– Mas Ele pode fazer tudo – lembrei-lhe. – Ouça com atenção – comecei.

Ela coçou sua cabeça linda e vazia. Aquele – Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão
cérebro poderia ser vendido como “Zero pergunta quais são as suas qualificações, o
Quilômetros”… jamais fora usado! homem responde que tem uma mulher e seis
filhos em casa, que a mulher é aleijada, as
– Estou confusa – admitiu.
crianças não têm o que comer, não têm o que
– É claro que está. Quando as premissas de um vestir, nem o que calçar, a casa não tem camas,
argumento se contradizem, não pode haver não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
argumento. Se existe uma força irresistível, não
Uma lágrima desceu por cada uma das faces
pode existir um objeto irremovível.
rosadas de Polly.
Compreendeu?
– Isso é horrível, horrível! – soluçou, quase
– Não – mas conte outra destas histórias bacanas.
chorando.
Estou adorando! – disse Polly entusiasmada.
– É horrível – concordei – mas não é argumento.
Consultei o relógio.
O homem não respondeu à pergunta do patrão
– Acho melhor pararmos por aqui. Levarei você sobre suas qualificações. Em vez disso, tentou
para casa, e lá você pensará no que aprendeu despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia do
hoje. Teremos outra sessão amanhã à noite. Ad Misericordiam. Compreendeu?

Depositei-a no dormitório das moças, onde ela me – Você tem um lenço? – pediu ela, entre soluços.
assegurou que a noitada fora realmente bacana, e
Dei-lhe o lenço e fiz o possível para não gritar de
voltei completamente desanimado para o meu
desespero, enquanto ela enxugava os olhos.
quarto. Peter roncava sobre sua cama, com o
casaco de pele de marmota encolhido a seus pés – A seguir – disse, controlando o tom da minha
como um enorme animal cabeludo. Por alguns voz – discutiremos a Falsa Analogia. Eis um
segundos, brinquei com a ideia de acordá-lo e exemplo: deviam permitir aos estudantes
dizer que podia ter sua namorada de volta. consultar seus livros durante as provas. Afinal,
os cirurgiões levam radiografias para se guiarem
Era evidente que meu projeto estava condenado ao
durante uma operação, os advogados consultam
fracasso. Aquela moça tinha, simplesmente, uma
seus papéis durante um julgamento, os
cabeça totalmente à prova de lógica.
construtores têm plantas e projetos que os
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que orientam na construção de uma casa. Por que,
não perder outra? Quem sabe se em alguma parte então, não deixar que os alunos recorram a seus
daquela cratera de vulcão adormecido, que era a livros durante uma prova?
mente de Polly, algumas “brasas” de inteligência
Pois olhe – disse ela entusiasmada – esta é a
ainda estivessem vivas? Talvez, de alguma
ideia mais bacana que eu já ouvi na minha vida!
maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que
Você é um gênio!
flamejassem… As perspectivas não eram das mais
animadoras, mas acabei decidindo e tentei outra – Polly – disse eu com impaciência – o argumento
vez. é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os
construtores não estão fazendo testes para ver o
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que aprenderam, e os estudantes sim. As numa só palavra do que ele disser”. Agora,
situações são completamente diferentes e não se Polly, pense bem. O que está errado?
pode fazer analogia entre elas. Não tem jeito de
Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrandose.
comparar uma situação com a outra, entendeu?
De repente, um brilho de inteligência – o primeiro
– Continuo achando a ideia bacana. – disse Polly. que eu vira – surgiu em seus olhos.

– Bolas! – murmurei. E prossegui, persistente – Não é justo! – disse ela com indignação – Isso
(fazendo uma meia careta) . A seguir, tentaremos não é nada justo. Que chance tem o segundo
a falácia Hipótese Contrária ao Fato. homem se o primeiro diz que é um mentiroso,
antes mesmo dele começar a falar?
– Ah! Essa parece ser boa – foi a reação de Polly.
– Exato! – gritei exultante. – Cem por cento exato!
– Ouça: se Madame Curie não deixasse, por acaso,
Não é justo. O primeiro homem envenenou o
uma chapa fotográfica numa gaveta junto com
uma pitada de pechblenda, nós hoje não poço antes que os outros pudessem beber dele.
saberíamos da existência do elemento químico Atou as mãos do adversário antes da luta
Rádio. Graças a essa descoberta, hoje sabemos o começar… Polly, estou orgulhoso de você!
que é radioatividade!
– Ora – murmurou ela, ruborizando de prazer.
– É mesmo, é mesmo! Brilhante! – concordou
– Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só
Polly, sacudindo vigorosamente a cabeça.
requer concentração. É só pensar, examinar,
– Você viu o filme? Eu fiquei louca com aquele avaliar. Venha, vamos repassar tudo que
filme. Aquele ator, o Walter Pidgeon é tão aprendemos até agora.
bacana! Ele me fez vibrar!
– Vamos lá – disse ela, com um abano distraído de
– Se você conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por mão. Animado pela descoberta de que Polly não
alguns minutos – disse eu friamente – gostaria era uma cretina total, comecei uma longa e
de lembrar que o que eu disse é uma falácia. paciente revisão de tudo que dissera até ali. Sem
Madame Curie poderia ter descoberto o Rádio parar, citei exemplos, apontei falhas, martelei
de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o “lógica” sem dar tréguas. Era como cavar um
túnel. A princípio, apenas trabalho, suor e
descobrisse. Muita coisa poderia acontecer. Não se
escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz,
pode partir de uma hipótese baseada no acaso e
ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro,
tirar dela qualquer conclusão lógica.
cavouquei até com as unhas, e finalmente fui
– Eles deveriam botar o Walter Pidgeon em mais recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a
filmes – disse Polly. Eu quase não o vejo no fresta foi se alargando até que, finalmente, o sol
cinema. Ele é lindo! jorrou para dentro do túnel, clareando tudo.
Polly finalmente parecia ter sido apresentada ao
A impaciência voltou a me torturar. Como um ser “conhecimento”.
humano pode ser tão ignorante? – pensei. Mais
uma tentativa! – decidi. Mas só mais uma. A Levara cinco noites de trabalho forçado, mas
ultima! Há um limite ao que um homem pode valera a pena. Eu transformara Polly em uma
suportar. lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara
a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de
– A próxima falácia é chamada Envenenar o Poço. mim. Somente agora ela estava apta a ser minha
– Que bonitinho! – deliciou-se Polly. esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas
muitas mansões, uma mãe adequada para meus
– Dois homens vão começar um debate. O filhos privilegiados.
primeiro se levanta e diz: “Meu oponente é um
mentiroso conhecido. Não é possível acreditar Não se deve deduzir que eu não sentisse amor pela
moça. Muito pelo contrário. Na mitologia grega,
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Pigmalião amava a mulher perfeita que moldara vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma
para si; eu também amava a minha doce Polly, que de olhos vazios…
moldei com o suor do meu conhecimento. Decidi
Pronto! – pensei, está liquidado o assunto. Agora
comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso
ela cai em meus braços!
encontro seguinte. Chegara a hora de mudar
nossas relações, de acadêmicas para românticas. – Ad Misericordiam – disse Polly.
– Polly – disse eu, na próxima vez em que nos Cerrei os dentes. Eu não era mais o Pigmalião da
sentamos sob aquele mesmo carvalho – hoje não mitologia; era o Dr. Frankenstein, e o monstro que
falaremos de falácias. eu havia criado me tinha pela garganta. Lutei
desesperadamente contra o pânico que ameaçava
– Puxa! – disse ela, desapontada.
me invadir. Era preciso manter a calma a qualquer
– Minha querida – prossegui, favorecendo-a com preço.
um sorriso – hoje é a sexta noite em que estamos
– Bem, Polly – disse eu, forçando um sorriso. –
juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não
não há dúvidas que você aprendeu bem as
há dúvidas de que formamos um bom par.
falácias.
– Generalização Apressada – exclamou ela
– Aprendi mesmo – respondeu ela, inclinando a
alegremente.
cabeça com vigor.
– Perdão – disse eu.
– E quem foi que as ensinou a você, Polly?
– Generalização Apressada – repetiu ela. – Como
– Foi você.
é que você pode dizer que formamos um bom
par baseado em apenas cinco encontros? – Isso mesmo. E portanto você me deve alguma
coisa, não é mesmo, minha querida? Se não
Dei uma risada, divertido. Aquela criança adorável
fosse por mim, você nunca saberia o que é uma
aprendera bem suas lições.
falácia…
– Minha querida – disse eu, dando um tapinha
– Hipótese Contrária ao Fato – disse ela sem
tolerante em sua mão – cinco encontros são o
pestanejar. Eu poderia descobrir através de outra
bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo
pessoa, ou até mesmo sozinha, algum dia. Não
inteiro para saber se ele é bom ou não.
se pode tirar conclusões definitivas baseadas em
– Falsa Analogia – disse Polly prontamente – Eu acasos.
não sou um bolo, sou uma pessoa. Não se pode
Enxuguei o suor do rosto, já lívido – o desespero
comparar duas situações completamente
afigurava-se nítido em meus olhos.
diferentes e chegar à uma conclusão análoga!
– Polly – insisti, com voz rouca – você não deve
Dei outra risada, mas agora já não tão divertida.
levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm
Essa criança adorável talvez tivesse aprendido sua
valor acadêmico. Você sabe muito bem que o
lição bem até demais. Resolvi mudar de tática.
que aprendemos na escola nada tem a ver com a
Obviamente, o indicado era uma declaração de
vida.
amor simples, direta e convincente. Fiz uma
pausa, enquanto meu cérebro privilegiado Dicto Simpliciter. – brincou ela, sacudindo o
selecionava as palavras adequadas. Depois dedo na minha direção. Quer que eu diga o
comecei:
porquê?
– Polly, eu a amo. Você é tudo no mundo para
mim… é a lua e as estrelas… as constelações no Foi o bastante! Levantei-me num salto, berrando
firmamento. Por favor, minha querida, diga que como um touro indomável.
será minha namorada, senão minha vida não terá – Você vai ou não vai me namorar? – trovejei.
mais sentido. Enfraquecerei, recusarei a comida,
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– Não, eu não vou – respondeu ela. - Eu não leio esses textos teístas porque são
cheios de falácias.
– Por que não? – exigi uma resposta.
- Mas e como você sabe que são cheios de
– Porque hoje à tarde prometi a Peter Johnson que falácias?
seria a namorada dele. - Porque são teístas!
Quase caí para trás, fulminado por tamanha Sobre o argumento acima, é correto afirmar
infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos que:
negócio, depois de apertar a minha mão! a) se trata de uma falsa analogia.
– Aquele rato! – gritei chutando a grama. – Você b) se trata de uma petição de princípio.
não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. c) se trata de um argumento válido.
Um traidor. Um rato. d) se trata de uma generalização apressada.
– Envenenar o Poço – disse Polly. E pare de gritar.
Acho que gritar também deve ser uma falácia.
3.
Com uma admirável demonstração de força de Você sabe que Deus é justo e benevolente, porque
vontade, modulei minha voz. Deus é Deus e não pode ser injusto ou não
– Muito bem – disse. Você é uma lógica. Vamos benevolente.
olhar as coisas de maneira lógica então. Como Sobre o argumento acima, é correto afirmar
pode preferir Peter Johnson? Olhe para mim: um que:
aluno brilhante, um intelectual formidável, um
homem com o futuro assegurado. E veja Peter: a) se trata de uma petição de princípio.
um maluco, um boa-vida, um sujeito que nunca b) se trata de um apelo à emoção.
saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você c) se trata de um argumento válido.
pode me dar uma única razão lógica para
d) se trata de uma falsa analogia.
namorar Peter Johnson?
– Posso, sim. – declarou Polly.
6. Diálogo:
– Ele usa um casaco de pele de marmota.
Pedro – Você sabe, aquelas feministas odeiam
todos os homens.
Pedro – Sério?
Questões sobre falácias
Mateus – Sim, eu estava na minha aula de
filosofia no outro dia em que Raquel fez uma
1. apresentação.
Todos os homens são mortais. Sócrates é homem, Pedro – O que Raquel disse?
portanto Sócrates é mortal.
Mateus – Você sabe que ela é a única da turma
Sobre o argumento acima, é correto afirmar que: que faz parte desse grupo feminista, o Centro da
a) se trata de um non-sequitur. Mulher. Ela disse que os homens são todos os
b) se trata de uma falsa analogia. porcos sexistas. Eu perguntei por que ela
acreditava nisso e ela disse que seus últimos
c) se trata de uma petição de princípio.
namorados eram reais porcos sexistas….
d) se trata de um argumento válido.
Pedro – Isso não soa como um bom motivo para
acreditar que todos nós somos porcos.
2.
Mateus – Isso foi o que eu disse.
Diálogo:
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Pedro – O que ela disse? Rousseau descreve em Emílio sobre como educar
crianças. Mas como podemos levar a sério neste
Mateus – Ela disse que tinha visto o suficiente de
assunto alguém que colocou todos seus filhos para
homens para saber que estamos todos os suínos.
a adoção?
Ela, obviamente, odeia todos os homens.
Sobre o argumento acima, é correto afirmar
Pedro – Então você acha que todas as feministas
que:
são como ela?
a) se trata de um argumento válido.
Mateus – Tenho certeza que todos elas odeiam os
homens. b) se trata de um argumento ad hominem.
c) se trata de um apelo à ignorância.
Sobre o argumento utilizado por Raquel e
d) se trata de um espantalho.
Mateus, é correto afirmar que:
15.
a) se trata de um argumento válido.
b) se trata de uma generalização apressada. O galo sempre canta antes do nascer do sol. Logo,
o sol nasce porque o galo canta.
c) se trata de um ad hominem.
d) se trata de um non sequitur. Sobre o argumento acima, é correto afirmar que:

a) se trata de um post hoc (ou causa


7. Não vou mais lavar o carro, pois chove toda questionável).
vez que eu faço isso. b) se trata de um argumento válido.
Sobre o argumento acima, é correto afirmar c) se trata de uma generalização apressada.
que: d) se trata de uma falsa analogia.

a) se trata de um argumento válido.


b) se trata de um post hoc (ou causa
questionável) 16.
c) se trata de uma generalização apressada. Uma pessoa se muda para um apartamento. O
d) se trata de uma falsa analogia. fogão do apartamento passa a apresentar
problemas. Os antigos moradores do apartamento
então dizem: "Nós nunca tivemos problemas com
8. o fogão até que você se mudou para cá. Logo você
Os empregados são como pregos. Assim como os é a causa desse problema."
pregos precisam ser atingidos na cabeça, a fim de Sobre o argumento acima, é correto afirmar que:
fazê-los funcionar, assim deve ser feito com os
empregados. a) se trata de um argumento válido.
Sobre o argumento acima, é correto afirmar b) se trata de uma petição de princípio.
que: c) se trata de um post hoc (ou causa
questionável).
a) se trata de um argumento correto. d) se trata de um non sequitur.
b) se trata de um non sequitur.
c) se trata de uma generalização apressada.
18.
d) se trata de uma falsa analogia.
Disse um certo político: “Meu adversário está me
acusando de que o financiamento da minha
9. campanha não foi feito de forma legal. Em
resposta a isso, quero deixar claro para todos que
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todos os fundos que meu adversário obteve para a III. Atribuir a onda de calor de 2003 ao
sua campanha foram obtidos ilegalmente.” aquecimento global é um exemplo de falsa
causa.
Sobre o argumento acima, é correto afirmar que:
Está(ão) correta(s)
a) se trata de um argumento válido.
b) se trata de um non-sequitur. a) apenas l.
c) se trata de uma falsa analogia. b) apenas III.
d) se trata de um argumento contra o c) apenas l e ll.
homem (ou ad hominem). d) apenas l e lll.
22. e) I, ll e III.

Algumas pessoas descobriram que ficar meia hora


por dia de ponta-cabeça as ajuda a ficarem mais
alertas e pensar mais claramente. Portanto, ficar de
ponta-cabeça trinta minutos por dia é algo que
todos devemos praticar.
Sobre o argumento acima, é correto afirmar que:

a) se trata de uma petição de princípio.


b) se trata de um argumento válido.
c) se trata de uma generalização apressada.
d) se trata de uma hipótese contrária ao fato.

25. (UFSM 2013)


Quando o assunto é aquecimento global, o mundo
agora se divide entre ecorradicais e ecochatos. [...]
De um lado estão os ambientalistas radicais. Para
eles, o aquecimento global é responsável por todos
os desastres naturais de que se tem notícia. É o
caso da onda de calor de 2003, que matou 40 mil
pessoas na Europa, e do derretimento da neve do
Kilimandjaro, por exemplo. (Na verdade, a onda
foi causada por uma anomalia na circulação de ar,
e o Kilimandjaro já estava degelando desde 1953,
graças a raios solares.)
Fonte: Revista Superinteressante, edição
299, dezembro 2011, p. 57. Considere as seguintes
afirmações:

I. Se alguém não for nem ecorradical nem


ecochato quanto ao aquecimento global, a
divisão proposta no texto é uma falsa
dicotomia.
II. Afirmar que todos os desastres naturais
são causados pelo aquecimento global é
um exemplo de generalização apressada.

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