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ORIDES FONTELA

ANTÔNIO CÍCERO
MANOEL DE BARROS
CECÍLIA MEIRELES

Motivo Canção Póstuma

Eu canto porque o instante existe Fiz uma canção para dar-te; 


porém tu já estavas morrendo. 
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: A Morte é um poderoso vento. 
E é um suspiro tão tímido, a Arte... 
sou poeta.

É um suspiro tímido e breve 


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento. como o da respiração diária. 
Choro de pomba. E a Morte é uma águia 
Atravesso noites e dias
no vento. cujo grito ninguém descreve. 

Se desmorono ou se edifico, Vim cantar-te a canção do mundo, 


mas estás de ouvidos fechados 
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico para os meus lábios inexatos, 
— atento a um canto mais profundo. 
ou passo.

E estou como alguém que chegasse 


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada. ao centro do mar, comparando 
aquele universo de pranto 
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada. com a lágrima da sua face. 

E agora fecho grandes portas 


sobre a canção que chegou tarde. 
E sofro sem saber de que Arte 
se ocupam as pessoas mortas. 

Por isso é tão desesperada 


a pequena, humana cantiga. 
Talvez dure mais do que a vida. 
Mas à Morte não diz mais nada. 
HENRIQUETA LISBOA

Silêncio da morte

Silêncio da morte, perfeito


como uma flor e seu cálice.
Nudez de céu de ponta a ponta
azul sem mácula.
Neve por toda a eternidade
consumada nos píncaros.

Silêncio da morte, campo


de ópio. Adormecedor
balanço entre margens.
Anjos que se debruçam e alçam,
confundindo-se com os turíbulos.
Contemplação beatífica
de ciprestes. Gozo
do vácuo.

Silêncio da morte, pavor


das furnas. Trágica escassez
de cinzas. Fera
de olhos oblíquos espreitando
a ampulheta.

Impossível recuo. Tempo máximo.


Salto de corpo ao mar,
urgente, urgente mar
sobre a presa, fechando-se.

(LISBOA, 2004, p. 32)


PAULO HENRIQUES BRITTO
FOGO-FÁTUO

Nenhuma solução se oferta


onde problema não havia.
(Cada porta estava aberta
e cada sala vazia.)

E no entanto a consciência
buscava alguma resposta.
(Estava cheia a despensa
e a mesa estava posta.)

Como livrar-se do estigma


de se saber terminável?
(A inexistência do enigma
é uma ausência insuportável.)

Do livro FORMAS DO NADA, da Cia das Letras

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