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FACULDADE DE LETRAS
Goiânia - GO
2014
LUDMILA PEREIRA DE ALMEIDA
Goiânia – GO
2014
AGRADECIMENTOS
À professora e orientadora desta monografia, Prof.ª Dra. Joana Plaza Pinto, pela
momentos de dúvida.
À Prof.ª Ms.Paula de Almeida Silva, ao Prof.º Ms. Wilton Divino da Silva Júnior e a
Prof.ª Dr.ª Kátia Menezes de Sousa, por aceitarem fazer parte de minha banca de
A Cabana
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................6
INTRODUÇÃO...............................................................................................................7
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................12
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................49
REFERÊNCIAS.............................................................................................................52
RESUMO
Os sitcoms não visam, basicamente, [a] fazer o público rir. É uma forma de o
escritor passar a um grande público suas ideias e opiniões sobre a sociedade
em que está inserido. A graça, o riso fácil, é consequência de um texto bem
escrito e personagens bem elaborados dentro de um contexto bem
apresentado. Os sitcoms, retratando o cotidiano de uma família típica de uma
sociedade, trazem drama, humor, aventura, ficção e todas as demais
abordagens imagináveis, mas acabam, também, assumindo a obrigação de
fazer rir. De forma satírica, ele diz a verdade sobre questões sociais, políticas
e familiares de uma determinada cultura (FURQUIM, 1999, p. 8).
1
Todos os episódios podem ser acessados em: https://www.youtube.com/user/TOPTVSERIADOS
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Imagem da cena
Episódio Todo mundo odeia o Caruso EpisódioTodo mundo odeia o Chris – O piloto
De acordo com Munanga (2003), o termo raça foi usado primeiramente para
classificar um determinado grupo que possuía características semelhantes
geneticamente. Em 1684, o antropólogo e médico francês François Bernie usa o termo
‘raça’ para classificar a diversidade humana conforme suas diferenças físicas, o que até
então se restringia a animais e plantas, conforme era realizado pelo naturalista sueco
Lineu (1707-1778) dividiu os humanos em Americano, Asiático, Africano e Europeu,
ditando características psicológicas, de cor de pele, inteligência, cultura para cada uma
das raças, fazendo isso de maneira hierarquizante por observação. Considerando essa
classificação feita por um europeu, temos então a valorização desse em contraste com o
africano. O europeu para Lineu é “branco, sanguíneo, musculoso, engenhoso, inventivo,
governado pelas leis, usa roupas apertados” (MUNANGA, 2003, p. 9), é adjetivado
expressando qualidades positivas. Já o africano é “negro, flegmático, astucioso,
preguiçoso, negligente, governado pela vontade de seus chefes, unta o corpo com óleo
ou gordura, sua mulher tem vulva pendente [...]” (MUNANGA, 2003, p. 9), aqui ocorre
o contrário, são adjetivações negativas que caracterizam os negros e muitas dessas ainda
permanecem no imaginário social.
Assim, o termo que compunha apenas o campo semântico da Biologia,
passou posteriormente a ser justificativa de diferenciação social. No século XX, com o
surgimento da Genética Humana se afirma então que a noção de raças humanas,
classificando os humanos dentro de categorias biológicas de acordo com as visões
Determinista e do Evolucionismo, com a noção de darwinismo social que determinava
por características biológicas e sociais a superioridade de uma pessoa sobre a outra, não
poderiam ser sustentadas porque os fatores genéticos dos humanos, além de não serem
estanques, não obtêm diferenças biológicas significativas para separar os humanos em
raças diferentes. A partir disso, a ciência e a biologia, segundo Leandro Carvalho
(2014), com o Projeto Genoma, afirmaram que não existem raças humanas, mas apenas
uma espécie: a do ser humano. Porém, mesmo o discurso científico, que possui valor de
verdade, não conseguiu apagar completamente o efeito que a afirmação da existência de
“raças humanas” provocou; é como se o eco do passado racista não pudesse ser contido.
Mas isso também nos leva a questionar: Por que mesmo a ciência afirmando que não
existem raças humanas, a sociedade continuou afirmando isso? E quem sustenta tal
discurso?
O que gerou essa perpetuação da diferença não foi só o fato de classificar os
seres humanos em determinadas raças, o que de alguma forma contribuiu para
observarmos a diversidade humana. Para entendermos a gênese dessa ideia de raça e a
ideologia de superioridade racial, nos atentemos ao que diz o cientista social Moore
(2007), que faz um percurso histórico e político do racismo desde a antiguidade.
Segundo ele, o racismo advém do pensamento xenofóbico do patriarcalismo, de
sociedades em que os homens comandavam e que se localizavam no berço setentrional
– Europa mediterrânea englobando o Oriente Médio semita de onde mais tarde surgiria
a civilização grega. As diferenças fenotípicas como, por exemplo, a forma do nariz e a
cor da pele, que são formas de adaptação ao ambiente, se tornaram características de
exclusão. A ideia de inferiorização de um povo se configurava, e ainda é predominante
esse pensamento, de acordo com um tipo de determinismo biológico, que decidia se
você era oprimido ou opressor dentro de um sistema que essencializava os sujeitos. Por
isso,
Raça é um conceito, uma construção, que tem sido às vezes definida segundo
critérios biológicos. Os avanços da ciência nos últimos cinquenta anos do
século XX clarificaram um grave equívoco oriundo do século XIX, que
fundamenta o conceito de “raça” na biologia. Porém, raça existe: ela é uma
construção sociopolítica, o que não é o caso do racismo. Racismo é um
fenômeno eminentemente não conceitual; ele deriva de fatos históricos
concretos ligados a conflitos reais ocorridos na História dos povos.
(MOORE, 2007, p. 23)
Imagens da cena
Personagem 2 Personagem 3
Para Caldwell (2000), o corpo é um traço de nossa identidade social que nos
posiciona em determinado lugar na sociedade. Os indivíduos exercem um controle
sobre os corpos uns dos outros de modo que cada um deve adotar ações com seu próprio
corpo segundo os padrões culturais. O corpo é uma construção social, é a materialidade
cultural e é onde os discursos se cruzam na construção de identidades, sendo que esse
discurso “é produzido nas e por meio das práticas sociais, instituições e ações”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 140), é uma ação que um sujeito exerce no e sobre o
mundo social, sobre os outros e, consequentemente, sobre si mesmo.
o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as
relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam,
o dirigem, o suplicam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias,
exigem-lhe sinais. Este investimento político do corpo está ligado, segundo
relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é numa boa
proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de
poder e de dominação; mas em compensação sua constituição como força de
trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição onde a
necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado,
calculado e utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo
corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não é obtida só pelos
instrumentos da violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta, física,
usar a força contra força, agir sobre elementos materiais sem no entanto ser
violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada, pode ser
sutil, não fazer uso de armas nem do terror, e no entanto continuar a ser de
ordem física. Quer dizer que pode haver um “saber” do corpo que não é
exatamente a ciência de seu funcionamento, e um controle de suas forças que
é mais a capacidade de vencê-las: esse saber e esse controle constituem o que
se poderia chamar a tecnologia política do corpo (FOUCAULT, 1987, p. 26).
Cada corpo deve produzir um discurso de acordo com o contexto de que faz
parte e esse discurso deve se adequar aos padrões com penalidade de sofrer sanções
sociais que o pressionam para se alinhar à ideologia dominante. E quando olhamos para
o corpo negro surgem diferentes questões que transgridem o considerado “corpo belo”,
isso devido a construções ideológicas de hierarquização dos corpos. Os discursos
midiáticos têm importante contribuição na construção social de identidade,
principalmente dos tidos como subalternos. Esses discursos seguem a visão de negritude
como essência, consideram haver uma natureza própria do ser negro, que se opõe à
normatividade social, cuja matriz é a branquitude. Segundo Foucault (1987), o poder
disciplinar se aplica aos corpos a fim de adestrar e alinhar os sujeitos a assumirem
determinados papeis sociais, isso faz com que adquiram uma dita identidade essencial,
já formulada pelo outro e afirmada historicamente por repetições e pela não contestação
de sua posição subalterna. A constituição do corpo é transformada em um ato político
de significação prévia desde o nascimento.
O corpo negro é moldado por categorias de interseccionalidade de gênero,
raça, classe, que constroem o lugar dos sujeitos e situam suas ações, é nele que se
marcam as diferenças e as classificações sociais, culturais e históricas de identificação.
“Para a teoria dos atos de fala, tal qual a entendo aqui, o corpo tem seus limites
irredutíveis porque nele estão inscritas as regulações sociais, não como representações
das estruturas de poder, mas como parte dessas estruturas.” (PINTO, 2007, p. 13). É no
corpo que se afirmam as regras, podemos dizer que ele é a representação material de
como tal sociedade funciona, realizando uma metapragmática explícita da cultura e
quem não se enquadra no modelo normativo é então corrigido por coerções sociais.
O corpo negro construído historicamente como subalterno pode se
configurar entre a concepção de um corpo submisso e erotizado. O corpo feminino
negro foi submetido à servidão sexual ao seu senhor, destinada ao prazer, ao pecado,
diferente da mulher branca que se destina a ser esposa e é tida como imaculada. Como
já vimos, no episódio Todo mundo odeia a formatura (3ª Temporada – 22º Episódio),
temos a concepção de mulher negra, representada por Rochelle, que é marcada de início
como “certamente” tendo muitos filhos de pais diferentes além de viciada, se
configurando nos preconceitos de uma mulher negra do gueto que não pode e não tem
legitimidade para falar por si.
Entrevistador: [...] Vamos em frente. Tem três filhos não é? Quais os nomes
dos pais deles?
Rochelle: Julius. Os pais deles? Não, eles têm um pai só.
Entrevistador: Sabe o nome dele?
Rochelle: Onde andou se informando sobre nós?
Narrador: Eu sei onde.
[Nesse momento é chamada outra cena explicativa que não faz parte do fluxo
do 1º plano de cenas]
Srtª Morello: Infelizmente acho que o Chris é um filho da droga, a mãe dele
tem alucinações, o cérebro foi afetado por anos e usos de drogas e excesso de
vinho barato. Ela está mesmo convencida de que tem um marido que trabalha
em dois empregos e de que eles têm uma casa no gueto. Não acredite em
nada do que ela disser.
E no episódio Todo Mundo Odeia o Novato (3ª Temporada – 9º Episódio), em que a Srtª
Morello conta a Chris sobre como ele deve estar feliz com a chegada de mais um negro
na escola, ela compara sua felicidade com o encontro de dois conhecidos jogadores
negros de beisebol americano Jackie Robinson e Lerry Doby.
2
Sic. Isso pode estar relacionado à noção de romântico e sensual indexicados culturalmente aos sujeitos
latinos.
mulher branca, este mito do homem negro hipersexualizado é veiculado
exaustivamente pela TV (SOUZA, 2009, p. 104).
Metapragmática
(Modelização dos atos de fala como racistas)
Enunciado - Recontextualização
Pragmático
(signo) Correção indexical
Metadiscurso (Racismo)
CORRÊA, Marisa. Sobre a invenção da mulata. In: MALUF, Sônia Weidner; MELO,
Hildete Pereira de; PISCITELLI, Adriana; PUGA, Vera Lucia. (Organizadoras).
Olhares feministas. Brasília: Ministério da Educação: UNESCO, 2006. 510 p. –
(Coleção Educação para Todos; v. 10).
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad.: Renato da Silveira. Salvador:
EDUFBA.
FURQUIM, Fernanda. Sitcom: definição & história. Porto Alegre: FCF, 1999.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? Trad.: Tomaz Tadeu da Silva. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. 7ª
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LORENZ, Konrad. A agressão: uma história natural do mal. Lisboa: Moraes, 1974.
ROCK, Chris; LEROI, Ali; MICHAELS, Jim. (BR) Todo mundo odeia o Chris.
[seriado]. Criação de Chris Rock e Ali LeRoi, produção de Jim Michaels. Nº de
temporadas 4 Nº de episódios 88. Estados Unidos. 2005. Disponível em:
https://www.youtube.com/user/TOPTVSERIADOS. Acesso em: 10/10/2013;
30/11/2013; 18/03/2014; 20/04/2014/25/05/2014; 23/09/2014; 9/10/2014; 1/11/2014; 5/
11/2014; 15 a 22/11/ 2014.
SALES JR., Ronaldo L. Democracia racial: o não-dito racista. Tempo Social, revista de
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SANTOS, Joel R. dos. O que é racismo. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1984.
A razão humana é capaz de justificar qualquer mal; é por isso que não devemos
depender dela.
Divergente